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CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS
FACULDADE DE DIREITO
MARCUS PAULO POZZOBON
CRIMES AMBIENTAIS POR CUMULAÇÃO: O TRATAMENTO PENAL DOS DANOS
AMBIENTAIS CAUSADOS PELO ACÚMULO DE CONDUTAS LÍCITAS
PORTO ALEGRE
2011
MARCUS PAULO POZZOBON
CRIMES AMBIENTAIS POR CUMULAÇÃO: O TRATAMENTO PENAL DOS DANOS
AMBIENTAIS CAUSADOS PELO ACÚMULO DE CONDUTAS LÍCITAS
Trabalho apresentado como requisito para a
obtenção do título de Especialista em Direito Penal
e Processo Penal pelo Centro Universitário Ritter
dos Reis
Orientadora: Profª. Me. Annelise Monteiro
Steingleder
PORTO ALEGRE
2011
MARCUS PAULO POZZOBON
CRIMES AMBIENTAIS POR CUMULAÇÃO: O TRATAMENTO PENAL DOS DANOS
AMBIENTAIS CAUSADOS PELO ACÚMULO DE CONDUTAS LÍCITAS
Trabalho apresentado como requisito para a
obtenção do título de Especialista em Direito Penal
e Processo Penal pelo Centro Universitário Ritter
dos Reis
Aprovada em de de 2011.
_______________________________________
Professor Examinador
RESUMO
O presente trabalho analisa a problemática dos danos ambientais por
cumulação, com ênfase na responsabilidade penal dos infratores e demais
envolvidos no processo de licenciamento ambiental. É feita uma breve incursão no
Direito Ambiental e nas características do bem jurídico ambiental, bem como na
esfera Criminal, onde aborda-se a atual fase expansão do Direito Penal. Trata-se
também dos tipos de crime e suas características, chegando-se, por fim, no cerne do
estudo, onde parte-se da dogmática penal chegando-se às considerações acerca da
responsabilidade penal dos agentes poluidores.
Palavras-chave: Crimes ambientais. Crimes de perigo abstrato. Delitos por cumulação.
Licenciamento ambiental. Responsabilidade penal
ABSTRACT
This paper analyzes the environmental damage cumulation, with emphasis on the
criminal liability of offenders and others involved in the licensing process. A brief
foray into environmental law and the characteristics of the legal environment, as well
as in criminal sphere, which deals with the current expansion phase of the Criminal
Law. These are also the types of crime and their characteristics, reaching finally at
the core of the study, where, starting from the dogmatic penal considerations were
made concerning the criminal liability of polluters.
Keywords: environmental crimes. Crimes of abstract danger. Offences by cumulation.
Environmental licensing. Criminal liability
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 1
Capítulo I
1. Direito Fundamental ao Meio Ambiente ................................................ 3
1.1 Fundamentos constitucionais para proteção dos bens jurídicos
ambientais através do direito penal........................................................ 5
1.2 O papel do Direito Ambiental na sociedade de risco ...................... 8
1.3 O Direito Penal pós-moderno: uma ciência em crise e expansão.. 13
1.4 Princípio da intervenção mínima ................................................ 17
1.5 Princípio da insignificância .......................................................... 19
1.6 O ilícito penal ............................................................................... 21
1.6.1 Responsabilidade penal da pessoa jurídica .......................... 24
Capítulo II
2. Tipos de crimes (em razão da afetação do bem jurídico) .......................... 27
2.1 Crimes de dano .................................................................... 28
2.2 Crimes de perigo .................................................................... 28
Capítulo III
3. Danos ambientais por cumulação e crimes de perigo abstrato ............. 31
3.1 Nexo de causalidade .................................................................. 33
3.2 O crime de poluição e suas formas ............................................ 38
3.3 Crimes ambientais por cumulação: o tratamento penal dos
danos ambientais causados pelo acúmulo de condutas lícitas ......... 41
3.3.1 Responsabilidade penal do agente poluidor ............... 43
3.3.1.1 Possibilidade de responsabilização criminal ... 48
3.3.1.2 Impossibilidade de responsabilização criminal . 50
3.3.1.3 Erro sobre a ilicitude do fato ....................... 55
3.3.2 Multiplicidade de infratores ............................................ 56
3.3.3 Responsabilidade do órgão licenciador ...................... 58
CONCLUSÃO.............................................................................................. 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 63
INTRODUÇÃO
Com a massificação da consciência acerca da importância do bem jurídico
ambiental, que ganhou força com as Conferências das Nações Unidas de
Estocolmo, em 1972, a questão ambiental, até então tratada em leis
hierarquicamente menos importantes, ganha relevância Constitucional e passa, a
partir de 1988, a ser considerada mais um bem jurídico fundamental dos brasileiros.
Esse direito fundamental (ao meio ambiente) é marcado, principalmente, pela
sua característica transindividual e transgeracional, cabendo à todos os cidadãos e
ao Poder Público zelar por sua preservação para as presentes e futuras gerações.
Tamanha é sua importância que a Constituição Federal do Brasil possibilita a tripla
responsabilização dos infratores, que poderão ser acionados civil, administrativa e
criminalmente pelos danos ao meio ambiente.
O estudo proposto enfoca especificamente a responsabilidade penal do
infrator. Dentro de uma sociedade de risco, na qual os são desconhecidos os efeitos
que a tecnologia e a interferência que o estilo de vida adotado pela sociedade
industrial (agora chamada de sociedade do consumo) podem causar ao meio
ambiente, o Direito Penal é chamado a assumir a função de gestor do risco, tarefa
essa que exercida na prática pelos intérpretes e operadores do Direito.
Essa mudança de paradigma do Direito Penal, ortodoxamente tido como a
ultima racio traz, por sua vez, consequencias de ordem pragmática na medida em
que se verifica um aumento na criminalização de condutas contra o meio ambiente,
resultando no que se tem chamado de inflação legislativa penal. Cresce, portanto, a
necessidade de um estudo aprofundado acerca das soluções a serem dadas a essa
problemática, a fim de evitar-se que o Direito Penal exerça um papel meramente
simbólico na “defesa” do meio ambiente.
A crescente criminalização dos crimes de perigo é uma das características
desse novo Direito Penal, e está diretamente relacionada com a preocupação acerca
do risco representado pelos danos ambientais por cumulação, tema deste estudo.
Tal preocupação deriva da observância dos princípios norteadores do Direito
Ambienal, quais sejam, os princípios da precaução e da prevenção.
Os danos ambientais por cumulação, assim compreendidos como aqueles
fatos que isoladamente não causam danos significativos ao meio ambiente, mas que
somados tem um grau de potencial lesivo digno de repressão, passaram a ocupar o
Direito Penal moderno. A necessidade de se evitar a criação de riscos de maior
magnitude passa, portanto, pela criminalização de condutas de perigo por
cumulação, ou seja, condutas individuais “insignificantes” que, em uma perspectiva
macrosocial, representam risco concreto ao bem jurídico ambiental.
A responsabilidade criminal de agentes poluidores, que agem em
conformidade com o direito, portanto, podem dar causa a danos ambientais
significativos e é justamente essa a problemática que será abordada no presente
estudo. A responsabilidade criminal dos agentes poluidores, dos órgãos públicos e
dos profissionais envolvidos no processo de licenciamento, será analisada e
discutida com o objetivo de oferecer resposta aos questionamentos que circundam o
tema.
1. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
A Declaração surgida na Conferências das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente de Estocolmo/72, salientou que o homem tem direito fundamental a
“adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade (...)”, declaração
posteriormente ratificada na Conferência do Rio de Janeiro/92; a qual acrescentou
que todos seres humanos “(...) tem direito a uma vida saudável”.
Foi a partir de 1981, com a publicação da Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei nº 6.938/81), que a questão ambiental ganhou relevo no cenário
nacional. Mais tarde, ao anunciar o “meio ambiente” como essencial à qualidade de
vida, o artigo 225 da Constituição Federal recepcionou o conceito estabelecido na
Política Nacional do Meio Ambiente assegurando que “todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
A manifesta intenção de compartilhar o dever de zelo e preservação entre
todos os cidadãos brasileiros, juntamente com a administração pública, denota o
caráter coletivo do bem ambiental. Inserido no título que trata da “Ordem Social”,
reconhece-se a relevância do meio ambiente para o bem estar comum da atual
geração, bem como para a continuidade de uma sadia qualidade de vida para as
futuras.
Entre as obrigações previstas no capítulo dedicado à natureza, encontram-
se as incumbências do Poder Público (§1º), que são: preservar e restaurar o
ecossistema, a diversidade e integridade do patrimônio genético, definir espaços a
serem especialmente protegidos, exigir estudo de impacto ambiental para atividades
potencialmente degradantes, controlar a produção e controle de substâncias nocivas
à saúde, promover a educação ambiental e, por fim, proteger a fauna e a flora
brasileiras.
Nos parágrafos seguintes, estão previstas (§ 2º) a obrigação de recuperar o
bem ambiental degradado, (§ 3º) a sujeição do infrator às sanções penais e
administrativas, (§ 4º) o reconhecimento, como patrimônio nacional, da Floresta
Amazônica, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Matogrossense e da Zona
Costeira, (§ 5º) a indisponibilidade das terras devolutas ou arrecadadas pelos
Estados, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e, por último, (§ 6º) a
previsão de instalação de usinas nucleares somente mediante autorização por lei
federal.
Importa ainda salientar que, na forma do artigo 225, § 3º, haverá tríplice
responsabilização do infrator1, que estará sujeito “a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
É a partir dos conceitos e comandos constitucionais até aqui comentados
que se desenvolve o Direito Ambiental Brasileiro, que alcançará, através da
legislação ordinária (incluindo decretos e resoluções de suma importância), a
efetivação da tutela constitucional conferida ao bem ambiental, consagrado como
mais um direito fundamental conquistados pelo povo brasileiro.
O direito a um meio ambiente equilibrado, ao lado de outros direitos sociais,
é um dos pressupostos indispensáveis ao desfrute de uma vida digna, que também
1 Ilícito civil: a sanção civil tem, dentro do Direito Ambiental, a função de assegurar o respeito a um patrimônio coletivo, mediante a ameaça concreta de aplicação de uma sanção de natureza compensatória, consistente na reparação do dano. Para a caracterização da ilicitude civil, é pressuposto que o dano tenha sido causado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou então pelo agir que exceda os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, conforme definição do Código Civil, nos artigos 186 e 187. O dever de reparar o dano, na esfera civil, prescinde, portanto, da apuração da culpa, bastando que se estabeleça o nexo causal entre a conduta e o dano para que o agente esteja obrigado a recompô-lo. Ilícito administrativo: o artigo 70 da Lei 9.605/98 caracteriza a infração administrativa ambiental como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. Assim como o civil, o ilícito administrativo é de natureza objetiva, não sendo necessária prova de que o agente tenha agido com culpa para a imposição da sanção. O ato, para ter relevância na esfera administrativa, deve obrigatoriamente ser um ato ilícito, ou seja, contrário ao direito. Nas palavras de Édis Milaré “É, portanto, da essência do regime da responsabilidade administrativa a ocorrência de uma infração, vale dizer, a desobediência a normas constitucionais, legais ou regulamentares ou a subsunção do comportamento do agente a um tipo infracional.” Não significa, então, que a responsabilização administrativa pressuponha a ocorrência de um dano. Diferente do que ocorre na esfera civil, onde o dano ambiental é requisito para que surja o dever de indenizar, no âmbito administrativo a ilicitude se perfaz pela simples desobediência a uma norma jurídica de tutela do ambiente. A simples inobservância da norma, ou mesmo de uma exigência estabelecida na licença ambiental configuram uma infração administrativa. A apuração da infração tem início com a lavratura de um auto de infração, que é ato administrativo com presunção de legitimidade, implicando, portanto, na inversão do ônus da prova para o infrator, que fica obrigado a produzir prova capaz de elidir a responsabilidade apurada no auto, para se livrar da imposição da sanção administrativa. A procedência do auto de infração resultará na imposição de sanção administrativa, podendo o infrator ser compelido a qualquer das sanções previstas no artigo 72 da Lei 9.605/98, que são: advertência, multa simples, multa diária, apreensão dos bens ou instrumentos, destruição ou inutilização do produto, suspensão de venda e fabricação do produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra, suspensão parcial ou total de atividades, suspensão ou cancelamento de registro, licença ou autorização, perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais, perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, proibição de contratar com a Administração Pública pelo período de até três anos.
reclama o direito à educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer. São eles
que compõe, em linhas gerais, o chamado piso vital mínimo2, sem o qual não se
poderia desfrutar de uma vida minimamente digna.
Dentro desse contexto, é seguro que para a sadia qualidade de vida do
homem é essencial que se tenha um meio ambiente equilibrado, onde o progresso
conviva de forma harmônica com o desenvolvimento social, de forma a garantir uma
vida de qualidade à atual geração sem comprometer a qualidade de vida das
futuras.
A essencialidade do bem ambiental tem, portanto, além do seu aspecto
transindividual (coletivo), alcance transgeracional, na medida em que impõe à
coletividade que se preocupe com a preservação dos bens naturais com vistas às
próximas gerações. Isso se faz necessário na medida em que, assim como os
demais “direitos sociais”, o direito a um meio ambiente equilibrado foi devidamente
reconhecido pela Constituição Federal como um direito fundamental do homem.
1.1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS PARA PROTEÇÃO DOS BENS
JURÍDICOS AMBIENTAIS ATRAVÉS DO DIREITO PENAL
O bem (jurídico) ambiental está previsto no artigo 225 da Constituição
Federal como essencial à sadia qualidade de vida do homem, sujeitando todo
aquele que pratique condutas lesivas ao meio ambiente às sanções penais, nos
termos do § 3º, do artigo 225. Diferente dos bens jurídicos ortodoxamente protegidos
pelo Direito Penal (a vida, a integridade física, a liberdade sexual, a propriedade etc),
José Esteve Pardo3 refere que “El medio ambiente, por el contrário, se presenta como una
realidad extraordinariamente amplia e imprecisa, por supuesto, transpersonal”.
2 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 110. 3 Ibidem, pg. 122
Complementando a ideia acerca dos fundamentos constitucionais para
proteção do bem ambiental, Rafael Alcácer Guirao4 esclarece que
El fundamento del deber surge, entonces, no debido a la relación negativa
de la acción realizada con el bien, sino a una vinculación positiva y previa
entre el agente y la instituición, vinculación basada en la solidaridad en
cuanto expresión de un mundo en común y, por tanto, en el deber de sus
miembros de mantener la continuidad sin cambios de la instituición. No es,
por ello, dependiente de un derecho de libertad de terceros frente al que se
limita la libertad del agente.
O fundamento constitucional para a proteção jurídico-penal do meio
ambiente, como se vê, se afasta da ideia de proteção aos direitos individuais,
tradicionalmente tutelados pelo Direito Penal, buscando estabelecer um vínculo de
solidariedade comum, a fim de preservar um bem essencial a vida de todos.
Avançando na ideia, Guirao (Ibidem) defende a necessidade de proteção do bem
ambiental a partir do conceito de solidariedade, espelhando-se em BAYERTZ5, para
considerar que
(...) la idea de la solidaridad no fundamenta derechos del individuo,
sino que interpone deberes; no se dirige a la evitación de ataques
externos en la autonomia del individuo, sino que exige la renuncia a la
consideración de derechos proprios en favor de la comunidad u otros
individuos
Acima de tudo, o dever de proteção ao bem ambiental decorre de sua
essencialidade para a manutenção e o desenvolvimento da vida humana na terra.
Celso Antônio Pacheco Fiorillo6, por fim, aponta a existência de cinco fundamentos
previstos na Constituição Federal brasileira, para a proteção do meio ambiente. São
eles:
4 Ibidem, pg. 17 5 BAYERTZ, Die SOlidaritat und die Schwierigkeiten ihrer Begrundung, en: Orsi et. al. (editor), Solidaritat. Rechstphilosophische Hefte, nº 4, 1995, p. 10 6 Ibidem, pg. 517
a) Obediência aos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º,
da CF): as sanções penais só terão eficácia e validade se implementadas
com respeito aos critérios formadores da República brasileira, vedando-
se, portanto, penas atentatórias à dignidade da pessoa humana, à
cidadania e a soberania;
b) Obediência aos objetivos fundamentais da República brasileira (art. 3º da
CF): as sanções devem adequar-se à realidade brasileira, ou seja, de um
país com grande desigualdade social e diferenças culturais marcantes,
que atravessa uma fase de pleno desenvolvimento econômico;
c) Adequação ao Direito Penal Constitucional como instrumento de defesa
da vida e garantia dos direitos fundamentais do cidadão (art. 5º da CF): A
antiga concepção do Direito Penal (de 1940) perdeu espaço no atual
Estado Democrático brasileiro, devendo servir, na atual concepção, tanto
como um mecanismo de realização do valores sociais, como um
instrumento para coibir o excesso punitivo estatal;
d) Adequação ao piso vital mínimo como valor fundamental a ser tutelado
pelo Direito Penal Ambiental (art. 6º da CF): se o Direito Ambiental tem
por objetivo a tutela dos bens ambientais essenciais à sadia qualidade de
vida da pessoa humana, é certo que as sanções penais devem estar
vinculadas a salvaguardar apenas os bens que configurem o chamado
piso vital mínimo (art. 6 da CF)7.
e) Obediência e adequação ao Direito Ambiental Constitucional (art. 225 da
CF): a sanção penal objetiva assegurar (se é que o direito penal pode ter
tamanha pretensão) o meio ambiente ecologicamente equilibrado. E se o
direito vigente (Lei 6.938/81) define o meio ambiente como “a vida em
todas as suas formas”, a finalidade da sanção penal deve, decididamente,
adequar-se ao anseio constitucional de defesa e preservação dos bens
ambientais para as presentes e futuras gerações.
7 Na visão de Fiorillo, “Causaria espanto pretender um direito criminal ambiental em que as sanções mais importantes fossem destinadas não à proteção da pessoa humana, mas em detrimento desta.
Do anseio pela proteção do meio ambiente está surgindo um Direito Penal
pós-moderno, que se expande rompendo com os dogmas tradicionais, rumo à
construção de uma nova ciência penal.
1.2 O PAPEL DO DIREITO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO
A sociedade de risco é fruto do desenvolvimento do modelo econômico que
surge na Revolução Industrial, que organiza produção de bens por meio de um
sistema de livre concorrência mercadológica. Este modelo econômico exige dos
agentes produtores a busca por inovações tecnológicas que permitam a produção e
distribuição de insumos em larga escala, sob pena de perecimento por
obsolescência. A produção artesanal é substituída pela produção industrial, que
atinge um número maior de consumidores e apresenta custos mais baixos, por meio
da agregação de técnicas inovadoras.
A obstinação da inovação importa na velocidade da descoberta de novas
tecnologias, que por sua vez, decorre do financiamento de pesquisas científicas
destinadas a tais finalidades. Este fenômeno cria uma dinâmica peculiar, pois a
intensidade do progresso da ciência não é acompanhada pela análise, por parte
desta mesma ciência, dos efeitos decorrentes da utilização destas novas
tecnologias. A criação de novas técnicas de produção não é seguida pelo
desenvolvimento de instrumentos de avaliação e medição dos potenciais resultados
de sua aplicação. Do descompasso entre surgimento de inovações científicas e o
conhecimento das consequencias de seu uso surge a incerteza, a insegurança, que
obriga o ser humano a lidar com o risco sob uma nova perspectiva. O risco, fator
indispensável ao desenvolvimento econômico de livre mercado, passa a ocupar
papel central no modelo de organização social. O risco torna-se figura crucial para a
organização coletiva, passa a compor o núcleo da atividade social, passa a ser a
sua essência. Surge a sociedade de riscos8.
8 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pgs. 33 e 34.
Nesse contexto, um pequeno deslize pode ser capaz de causar um dano de
gravidade superlativa, e é sobre essa perspectiva que a atual sociedade, chamada
por Ulrich Bech9 de “Sociedade do risco”, deve encarar a realidade dentro da qual está
inserida. As mudanças trazidas pela industrialização afetaram de forma profunda as
relações sociais e familiares, bem como trouxeram consigo a possibilidade concreta
da produção de danos em grande escala. O processo de modernização, portanto,
exige uma nova reflexão acerca de como lidar com os riscos da sociedade moderna.
Pierpaolo Cruz Bottini (ibidem, pg. 118), ressalta que
Os resultados desencadeados pela utilização de novas tecnologias afetam ou
tem o potencial de afetar um volume crescente de bens jurídicos. A energia
nuclear, a utilização de organismos geneticamente modificados, o
desenvolvimento de medicamentos em larga escala, sem as necessárias
precauções quantos aos seus efeitos, são exemplos de inovações científicas
que podem desencadear graves e irreversíveis lesões a bens fundamentais.
Trata-se de uma preocupação que atinge todas as classes sociais, tendo
importante repercussão na esfera política e no poder legislativo. Novas políticas
sociais, de trabalho, ambientais, e o que mais nos interessa, criminais, são uma
exigência natural dentro desse contexto. Planejar a proteção atual e futura dos bens
ambientais pressupõe a construção de uma nova legislação, adequada e eficiente
na busca dos resultados pretendidos: a preservação de um meio ambiente que
propicie sadia qualidade de vida para as atuais e futuras gerações.
Na atual sociedade, portanto, o principal desafio do Direito Ambiental é o de
preservação do meio ambiente, cabendo ao Estado, conforme previsão do artigo 23,
incisos VI e VII da Constituição Federal “proteger o meio ambiente prevenindo a
ocorrência de danos ambientais, através de medidas de precaução, atribuindo deveres de
cuidado e responsabilidades específicas para os agentes potencialmente causadores de danos
ambientais”.
9 BECK, Ulrich. Risk society. Towards a new modernity. Londres: Sage Publications, 1992.
A importância do papel desempenhado por esse ramo do direito vem
ganhando terreno com passar do tempo. O aumento da degradação ambiental, a
extinção de espécies animais e vegetais, a contaminação do solo, da água e do ar
são questões que interessam ao Direito Ambiental.
A percepção da importância do papel do Direito Ambiental no cenário atual,
é alcançada, porém, quando se pensa em danos ambientais de maior escala, como
as catástrofes ocorridas no Golfo do México, onde milhões de litros de petróleo
vazaram no oceano, ou os deslizamentos de terra nas encostas de Angra dos Reis
(RJ), ocasionados pelo depósito de lixo em locais inadequados, vitimando centenas.
Não se pode ignorar que o aumento da poluição é decorrência natural do
crescimento populacional, e que os danos causados pelo aumento no número de
indústrias e demais fontes poluidoras decorrem da necessidade de atender e suprir
os anseios da população, que atravessa uma crescente expansão populacional.
A tecnologia, que era vista como uma aliada no combate aos riscos da
natureza, hoje é apontada como um dos principais vilões do meio ambiente, pois sua
expansão (da tecnologia) também é determinante para o aumento da atividade
industrial.
A criminalização de condutas contra o meio ambiente, então, entra em cena
de forma decisiva. O Direito Penal é chamado com a finalidade de exercer o controle
e a gestão dos riscos. Legislador e juiz assumem a posição de gestores do risco e
deverão decidir acerca da necessidade de utilização do direito penal na esfera
ambiental. Pierpaolo Cruz Bottini10 considera que
A consolidação da sociedade de riscos impacta a construção e a
compreensão do direito penal. Este modelo de organização paradoxal, que
necessita do risco para o desenvolvimento das relações econômicas e, ao
mesmo tempo, refuta esse mesmo risco e busca mecanismos de inibição de
sua produção, interfere na elaboração do direito penal. A norma criminal é
chamada a cumprir o papel de instrumento de controle de riscos e, por isso
10 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pgs 85 e 86.
mesmo, sofre o paradoxo que incide sobre os demais mecanismos de
contenção de atividades inovadoras. A dúvida sobre a medida e o grau da
pena, sobre quais comportamentos arriscados realmente interessam ao
direito penal, os conflitos políticos subjacentes à atividade de gestão de
riscos far-se-ão presentes em todas as etapas, da construção a aplicação dos
tipos, da atividade legislativa ao labor legislativo.
O Direito Penal, dogmaticamente concebido para entrar em cena somente
quando todos as demais áreas do direito não logram êxito, parece estar (para o
desespero de muitos) perdendo seu caráter de ultima racio para se transformar no
principal instrumento de proteção da natureza. Disso resulta um efeito colateral
conhecido como “inflação legislativa (penal)”.
Mas é através da criminalização crescente de condutas antiambientais, que
o legislador pretende oferecer uma nova resposta às mudanças trazidas pela
modernidade. Em franca crítica a esse inchaço legislativo, Winfried Hassemer11
classifica o Direito Penal, no tocante a política criminal, como um instrumento
“contraproducente”, afirmando que
quanto mais direito penal do ambiente, menos proteção ambiental; quanto
mais ampliarmos e agravarmos o direito penal do ambiente, tanto mais
estaremos a dar maus passos, pois que, a persistir nessa senda, só viremos a
produzir efeitos contrários aos pretendidos: ou seja, acabaremos
contribuindo para uma inexorável diminuição da proteção efetiva do meio
ambiente
Não obstante a crítica, o Direito Penal vem conquistando espaço na esfera
ambiental. A presença, cada vez mais frequente, dos chamados crimes de perigo
abstrato, é prova disso. Diferente do que ocorria com o direito penal liberal clássico,
onde a preponderância era de crimes de resultado, a presença dos crimes de perigo
11 HASSEMER, Winfried. A preservação do ambiente através do direito penal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo, v. 22, n. 6, pg. 27 - 35, 1998.
abstrato, na atualidade, é frequente. Essa mudança, de acordo com Paulo de Souza
Mendes12 decorre de uma
(...) situação de ruptura, por via da entrada em cena de novos perigos,
totalmente diferentes quanto à escala das ameaças, quanto à dimensão das
possíveis consequencias e, surpreendentemente, quanto aos próprios
objectos ameaçados (...)
Com a eclosão da moderna técnica, surgiram situações de risco novas,
radicalmente novas, que se verificam já muito aquém dos limiares de perigo
de outrora. À conta da desmesura dos poderes actuais dos seres humanos,
devem mudar as definições de agente, de acção e de efeito: a techne não é
mais a de outrora
As mudanças, de fato, foram radicais, e se o Direito Penal pretende ser
eficaz, não há outro caminho senão abandonar os modelos tradicionais de construção dos
tipos penais. Pensemos, por exemplo, na drástica diferença que existe em se
estabelecer uma conexão entre um delito com lesão concreta (direito penal
tradicional), e identificar o nexo de causalidade no caso de danos ambientais
causados pelo acúmulo de condutas individuais, isoladamente insignificantes, mas
que somadas são potencialmente causadoras de graves danos ambientais.
É certo que a dificuldade que se apresenta em situações de mudança é
também sentida pelo legislador. Diante da novidade, ele se vê compelido a oferecer
uma resposta (lei) rápida, como forma de atender os anseios de uma sociedade
imediatista. Porém, em razão do natural desconhecimento dos efeitos da revolução
tecnológica, essa resposta nem sempre atinge a finalidade a qual se propunha,
resultando na edição de leis que pecam pela ineficácia, pela omissão, ou pelo
excesso de abrangência e generalismo - como em alguns artigos da Lei nº 9.605/98.
Em se tratando de uma sociedade de risco, em constante transformação,
duas realidades apresentam-se inafastáveis: i) a necessidade de adequação do
12 MENDES, Paulo de Souza. Vale a pena o direito penal do ambiente? Lusíada - revista de ciência e cultura. Porto (Portugal), v. 221, 1995, pg. 356.
Direito Penal à essa realidade, e ii) a consciência de que o Direito Penal não oferece
um resultado eficaz para a problemática ambiental.
O ilícito penal, portanto, exerce um papel decisivo nessa nova concepção
social. Ao mesmo tempo, porém, é responsável pela preocupante expansão do
direito penal, que será vista mais adiante.
1.3 O DIREITO PENAL PÓS-MODERNO: UMA CIÊNCIA EM CRISE E
EXPANSÃO
Atravessamos tempos de profundas transformações sociais e, historicamente,
essa era certamente ficará registrada muito mais em função da velocidade com que
as mudanças se processam, do que pelas mudanças em si, mesmo porque, desde
que o homem se conhece por homem, a ruptura com antigos paradigmas sempre
fez parte da evolução humana.
A velocidade da transformação das relações interpessoais (de trabalho,
comerciais, enfim, todas as formas de interação humana) significa, para o direito, a
necessidade de readequação constante. O papel do legislador, nesse contexto de
mutação, é de extraordinária relevância13, impondo-se a tarefa de fazer da norma
escrita o reflexo fiel dos valores de determinada sociedade.
A par disso, sabe-se que a opção pela criminalização de certas condutas,
em detrimento de outras, implica no i) conhecimento prévio e ii) percepção do atual
momento de um povo (país), pois somente assim o direito penal poderá
desempenhar sua função repressora (ou de prevenção, como alguns acreditam) de
forma eficaz. Imprescindível, porém, que, lado a lado com a fiel percepção da
realidade atual, a definição da política criminal atenha-se à dogmática penal, sob pena
13 A função do legislador é adequar o direito positivo à realidade social, mas não se pode ignorar que a velocidade com que a realidade se altera nem sempre possibilita que o direito escrito a acompanhe. Dai a importância do intérprete, que tem, através do processo hermenêutico, a missão de construir a norma (o direito) para que ela seja, acima de tudo, um espelho do atual momento de uma determinada sociedade, e não a tentativa engessada de impor à sociedade valores que não mais condizem com sua atual realidade.
de retrocesso à época de barbáries que certamente não encontram mais espaço em
um Estado Democrático de Direito.
E já que “El derecho de castigar expressa, en gran medida, la ideologia y, en
consecuencia, las convicciones o falta de convicciones jurídicas de uns determinada
sociedad”, como precisamente definiu Lorenzo Morillas Cueva14, tem o legislador,
através do Direito Penal - instrumento político a serviço do Estado - a árdua tarefa
de definir, no atual momento social, que condutas integrarão o ramo mais extremo
do direito.
Analisando a complexidade das relações modernas, Fábio Roberto D’Avila15,
após citar o curioso exemplo de um jovem que, pela internet, transmitia ao vivo seu
suicídio, recebendo apoio e dicas de pessoas ao redor do mundo - tragédia que
acabou não se concretizando pela intervenção da polícia local (Porto Alegre), que
realizou uma operação exitosa após ter sido informada do absurdo por um internauta
- identifica, através do exemplo, os “elementos novos com os quais são tecidas as relações
sociais do nosso tempo”. Mas, para o autor, a dificuldade em lidar com as situações
novas não está nas “perguntas ou respostas abertas”, e sim no próprio reconhecimento
jurídico dos fenômenos sociais desencadeados por uma tessitura social de tamanha
complexidade. D’Avila (ibidem), constata que
(...) essa nova realidade social toca (...) em muitos pontos de tradicional
interesse do direito penal, dotando, também eles, de igual complexidade.
Mas não só. Faz também surgir espaços de conflitualidade absolutamente
novos, nos quais o chamamento, às pressas do direito penal tem sido,
lamentavelmente, uma constante. Daí não surpreender as dificuldades da
ciência jurídico-penal, com seu peso teórico, em reconhecer adequadamente
os novos problemas que lhe são apresentados e, quando efetivamente
necessário, formular respostas penais minimamente ajustadas.
14 CUEVA, Lorenzo Morillas. Reflexiones sobre el derecho penal del futuro. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia. RECPC 04-06 (2002). Disponível em http://criminet.ugr.es/recpc/, pg. 3 15 D`ÁVILA, Fábio Roberto. O espaço do direito penal no século XXI. Sobre os limites normativos da política criminal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo, v. 64, 2007, pg. 82
A dificuldade de conciliar o Direito Penal (em sua concepção ortodoxa) com
as atuais mudanças por que passa a sociedade da informação é responsável pela atual
crise em que se encontra esse ramo do direito. Se nos primórdios o Direito Penal
cuidava precipuamente de conceitos como vida e morte, propriedade, integridade
física, enfim, preocupava-se essencialmente com relações interpessoais, a mudança
e a complexidade das atuais relações faz com que as antigas respostas penais se
afastem dos anseios do mundo moderno.
Repensar o Direito Penal ou adequar a realidade social à dogmática
tradicional, qual a melhor solução para proteger bens jurídicos que ganharam
enorme relevância social com o passar do tempo? Mais do que isso, será o Direito
Penal o ramo do Direito melhor aparelhado, e mais eficaz para lidar com os novos (e
complexos) paradigmas sociais? E, por fim, será que vale a pena o direito penal do
meio ambiente?
Por ser o mais severo instrumento de intrusão nas liberdades individuais, a
consciência jurídica, principalmente em um Estado Democrático, recomenda a
utilização do Direito Penal quando, e somente quando não for possível alcançar o
fim pretendido através de meios menos gravosos. Dai o caráter de ultima racio deste
ramo do Direito.
Em que pese tal certeza advir da experiência humana ao longo de séculos, o
legislador dos nossos tempos tem se caracterizado pelo constante chamamento da
intervenção penal. Seja no âmbito econômico ou na esfera ambiental (que
particularmente nos interessa neste estudo), é possível, sem muito esforço,
constatar a constante expansão do Direito Penal. Paulo de Souza Mendes16,
refletindo acerca das problemáticas da expansão do Direito Penal Ambiental, alerta
que
(...) assistimos, hoje em dia, a uma perigosa tendência para a expansão do
direito penal, agora também convertido a novas funções de pedagogia
social. E mesmo aqueles que se arrepiam com a mera evocação de
autoritarismos e moralismos penais pretéritos parecem agora concordar com
16 Ibidem, pg. 335
essas novas funções, contanto que postas ao serviço dos actuais objectivos,
considerados indiscutíveis.
O surgimento de novos bens jurídicos (no caso o bem ambiental) indica que
a ciência jurídico-penal foi a escolhida para tutelar os bens mais relevantes da nova
sociedade do risco. Mendes (ibidem), atribui o chamamento do Direito Penal à crença de
que os atuais fins sejam mais legítimos, meritórios e esclarecidos do que nunca, e que sua
utilização deva-se à perda de “má consciência” de utilização do direito penal. A
posição do autor17, entretanto, é claramente oposta, pois acredita que
o direito penal não serve para formar, mediante argumenta baculina, a nova
mentalidade ecológica dos cidadãos. Mas, mesmo que o direito penal até
pudesse se encarregar dessa tarefa com a maior das facilidades, nunca seria
legítima sua utilização apenas com tais intuitos de educação social. (...) não
podemos a seguir admitir que se queira usar as sanções penais como se
fossem uma simples alavanca anódina, a qual servisse para forçar as pessoas
a mudarem de hábitos e actuarem em conformidade com o interesse geral na
prossecução do bem estar coletivo (...)
A resistência doutrinária é justificável e conta com fortes argumentos em seu
favor, mas a necessidade de operação prática do direito penal ambiental, implica, ao
que parece, em desviar o foco para a readequação do Direito Penal aos novos
paradigmas sem, contudo, abandonar a dogmática e deixar de reconhecer a
importância construtiva da crítica citada.
Por isso, a discussão implícita ao Direito Penal Ambiental pressupõe o
conhecimento da principiologia envolvida no debate.
1.4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
17 Ibidem, pg. 336
A interferência penal na seara ambiental, para além da polêmica que
representa, certamente demonstra a importância que o constituinte conferiu ao bem
jurídico ambiental; não fosse assim, certamente não haveria previsão expressa de
sanção penal para os infratores da natureza. O Derecho penal asegurador del futuro,
como refere Guirao (ibidem), citando Stratenwerth18, tem, portanto, o papel de tornar
ainda mais robusta a proteção ao meio ambiente, já resguardado pelo direito civil
(dever de reparar o dano) e administrativo (sanções do artigo 72 da Lei 9.605/98).
Interferir em matéria na qual impera a necessidade de uma atuação
preventiva, significa, para o direito penal, a tipificação dos chamados crimes de perigo
abstrato, que adiante serão analisados de forma detalhada.
Aqui nos interessa a questão principiológica, e falar em Direito Penal,
mesmo na atmosfera ambiental - onde imperam os princípios da precaução e da
prevenção - significa falar em subsidiaridade, ou seja, no princípio da intervenção
mínima do Direito penal.
Os penalistas, em sua quase totalidade, manifestam-se contrários à
intervenção penal na esfera ambiental. Seja pela pouca efetividade do Direito penal,
seja pela possibilidade de solução dos conflitos através de outros ramos do direito
(administrativo, civil etc), é certo que a ideia de criminalização das condutas
atentatórias ao meio ambiente praticamente não encontra simpatizantes na doutrina
criminal.
Há duas simples razões para a resistência dos penalistas: a falta de eficácia,
e a já provada falência do Direito penal em solucionar conflitos. Não bastasse, sabe-
se que a sanção penal jamais conseguiu alcançar outra finalidade que não a de
castigar o infrator19.
18 STRATENWERTH, ZStW 105 (1993), pg.680. 19 O discurso ressocializador da pena, pela sua abisal distância da realidade brasileira, não mais se cogita sustentar, ao menos em sã consciência.
Por todas essas razões, conferiu-se ao Direito penal o rótulo de ramo
subsidiário do Direito, ou de direito de ultima racio. Miguel Reale Júnior20 defende
que
(...) o recurso à intervenção penal cabe apenas quando indispensável em
virtude do que tem o Direito Penal caráter subsidiário, devendo constituir a
ultima racio e por isso ser fragmentário, pois o antijurídico penal é restrito
em face do antijurídico decorrente do Ordenamento, por ser
obrigatoriamente seletivo, incriminando apenas algumas das condutas
lesivas a determinado valor, as de grau elevado de ofensividade.
Não é, portanto, a toda e qualquer conduta lesiva a um bem jurídico de que
se deve atribuir dignidade penal. Primeiramente, é importante que o bem jurídico
violado seja reconhecido como relevante e fundamental para o homem. Na visão de
muitos autores é pressuposto que esteja em jogo uma garantia fundamental -
reconhecida pela Constituição Federal - para que seja legítima a criminalização de
qualquer conduta. Reale (ibidem), assim mesmo, é contrário à criminialização dos
danos ao meio ambiente, sendo radical ao afiramar que
A opção de se valer o legislador do Direito Penal, por seu aspecto
simbólico, não se justifica nem mesmo na proteção de valores de patamar
constitucional, não se legitimando muito menos seja o instrumento
preferencial para a imposição de interesses de menor relevo, como sucede
hodiernamente com a denominada ‘administrativização do Direito Penal’,
ou com a expansão exagerada para figuras de perigo abstrato e de formas
culposas, às vezes sem resultado material significativo, com o recurso a
elementos normativos com referência a outras leis (...)
A força dos argumentos contrários, como já se disse, reside na reconhecida
falta de eficácia do Direito Penal em forçar, através da criminalização de condutas, o
nascimento de uma consciência ecologicamente correta. A importância da causa
ambiental, por outro lado, moralmente obriga a busca de alguma saída para preservar
20 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pg. 25-26.
um bem de tamanha relevância, o que reporta à possibilidade de criação de um
Direito de Intervenção, idéia surgida na escola de Frankfurt.
A necessidade é ainda mais premente quando se tem consciência de que,
todos, estamos inseridos dentro dessa verdadeira sociedade do risco.
1.5 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
A prática de uma conduta descrita na norma (típica), somada à ocorrência
do resultado (crimes de dano), ou até mesmo a simples possibilidade de se colocar
em risco o bem jurídico tutelado (crimes de perigo) são suficientes para a
configuração de um delito. A assertiva, entretanto, comporta ressalvas.
No caso de afetação mínima do bem jurídico, isto é, quando a gravidade da
conduta for irrisória, insignificante, não se justificará a incidência da norma
incriminadora. O motivo de se excluir a tipicidade reside na ausência de ofensividade
da conduta que, justamente por não produzir um dano significativo, descarta a
necessidade de intervenção penal. Eugênio Raul Zaffaroni21 explica o princípio da
insignificância através dos seguintes exemplos:
(...) a conduta de quem estaciona seu veículo tão próximo a nosso
automóvel, a ponto de nos impedir a saída, não configura uma privação de
liberdade; nem os presentes de uso, como as propinas aos servidores
públicos por ocasião do Natal, configuram uma lesão à imagem pública da
administração (...); nem arrancar um fio de cabelo, por mais que possa ser
considerado uma ofensa à integridade corporal (art. 129, caput, do CP)
resulta uma afetação do bem jurídico típico de lesões (...)
De ocorrência habitual na esfera criminal, o princípio da insignificância
enfrentou, por vezes, resistência quanto à sua aplicabilidade na esfera ambiental,
21 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pg. 484.
devido, principalmente, à incerteza quanto ao potencial lesivo da conduta. É que a
particularidade do bem jurídico ambiental difere, por exemplo, do bem patrimonial ou
da integridade física, principalmente pela impossibilidade de aferição das futuras
consequências do dano.
Como bem observa Vladimir Passos de Freitas22, a aplicação do princípio da
insignificância em matéria ambiental exige cautela. Para o autor
Não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do juiz. É preciso que
fique demonstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para rejeitar
uma denúncia ou absolver o acusado, deverá explicitar, no caso concreto,
por que a infração não tem significado. Por exemplo, em crime contra a
fauna, não basta dizer que é insignificante o abate de um animal. Precisa
deixar claro, entre outras coisas, que esse mesmo abate não teve influência
no ecossistema local, na cadeia alimentar (...)
A tendência em rejeitar a aplicação do princípio da insignificância é
apontada pelo autor sob a justificativa de já haver, na Lei nº 9.605/98, a previsão de
penas leves. Com a possibilidade de transação ou suspensão do processo,
hipóteses, no ponto de vista do autor, “mais acertadas” para lidar com condutas típicas
menos significantes.
Registre-se, por fim, que os tribunais brasileiros tem se mostrado favoráveis
à aplicação do princípio em matéria ambiental, citando-se como exemplo decisões
do TRF4 (EI 2007.71.03.002702-0), STJ (HC 93859/SP) e STF (AP 439/SP).
A parcela da doutrina e jurisprudência que entende descabida a aplicação
do princípio da insignificância o faz sob o argumento de que “o princípio (...) não
encontra seara fértil em matéria ambiental, porquanto o bem jurídico ostenta titularidade
difusa e o dano, cuja relevância não pode ser mensurada, lesiona o ecossistema, pertencente à
coletividade23”.
22 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: de acordo com a Lei 9.605/98. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pg. 43. 23 ACR 2008.71.03.000150-2, TFR4, 8ª Turma, Des. Paulo Afonso Brum Vaz, em 27.05.10
Em que pese o acerto quanto à titularidade do bem, tal fundamento foge à
discussão essencial do tema: a lesividade ao bem jurídico. É que o fato do bem
ambiental ter titularidade difusa não implica que toda e qualquer lesão que o atinja
produza um dano de gravidade significativa a ponto de justificar a incidência da
norma penal.
1.6 O ILÍCITO PENAL
A crescente valorização do bem jurídico ambiental fez com que o Direito
Penal fosse chamado a atuar na tentativa de diminuir os danos contra a natureza. A
doutrina costuma chamar a intervenção penal na esfera ambiental como a segunda
reação do Direito na proteção do meio ambiente. Nesse sentido, José Esteve Pardo24
refere que
La primera reacción fue e sigue siendo de carácter administrativo, con el
lógico protagonismo de la Administración, no sólo en la intervención
preventiva, sino también, en el plano represivo que ahora nos interesa,
mediante sanciones administrativas. Llega un momento, sin embargo, en el
que se abre una nueva dimensión en la consideración de ciertas conductas y
contravenciones que pasan a ser contempladas y tipificadas por el Código
Penal y, por supuesto, en la sanción de las mismas, que no queda en manos
de la Administración, sino de los Tribunales Penales.
A criminalização das condutas que atentam contra o meio ambiente, porém,
tem sido alvo de severas críticas. A irresignação quanto ao chamamento do Direito
Penal na esfera ambiental reside na (suposta) suficiência e efetividade da sanção
administrativa, que seria, por esse ponto de vista, a forma mais adequada de
punição do infrator.
24 PARDO, José Esteve. Derecho del medio ambiente. Madrid: Marcial Pons, 2005, pg. 120
O caráter simbólico do Direito Penal Ambiental também é atacado, uma vez
que as sanções previstas na Lei nº 9.605/98 não teriam capacidade de desestimular
o infrator e, menos ainda, de impingir-lhe sanção capaz de evitar a reincidência, já
que a maioria das penas previstas na lei de crimes ambientais é passível de
substituição por medidas alternativas, ou mesmo de transação penal e suspensão
condicional do processo25.
Em que pesem as críticas, o ilícito penal é marcado, determinantemente,
pela verificação da existência de culpa - diferente do que ocorre nas searas civil e
administrativa. Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz26 aponta que “a nota
distintiva entre a responsabilidade penal em relação às demais formas de
responsabilidade por atos ilícitos é a culpabilidade (...)”, lembrando que “a
culpabilidade não é meramente a responsabilidade subjetiva (presença de dolo ou
culpa) mas uma ligação que se faz entre a conduta do agente e o fato praticado
(...)”.
Para haver crime, portanto, há que haver conduta, e esta deverá vir
acompanhada de culpa. Ou seja, o ato deverá ser praticado por um agente
imputável, que tenha consciência de que o fato que está cometendo é ilícito, e,
mesmo podendo agir de outra maneira, optou por agir em desconformidade com o
direito.
Decompondo os elementos da culpabilidade, podemos afirmar que o
inimputável é a pessoa que, em razão de falhas no seu desenvolvimento mental,
biológico e até mesmo cultural, não se pode motivar pela norma penal.
A potencial consciência da antijuridicidade, outro pressuposto da
culpabilidade, é explicada por Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz27 nos
seguintes termos:
25 Existe, ainda, a problemática das lei penais em branco, muito presentes no Direito Penal Ambiental, que acaba tipificando crimes, indiretamente, por meio de regulamentos e decretos. 26 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A cupabilidade nos crimes ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pgs 202 e 203. 27 Ibidem, pg 139.
A análise da consciência da antijuridicidade prende-se fundamentalmente à
questão do erro. Quer em relação ao erro de proibição, quer em relação às
discriminantes putativas, basicamente haverá falta de culpabilidade (ou
diminuição dela, se for o caso) quando o agente pressupõe equivocadamente
estar agindo em conformidade com a norma, por desconhecer a sua
proibição, ou por se supor em situação em que a norma lhe autoriza a
conduta.
A falta de consciência da antijuridicidade pela anormalidade das condições
em que se praticou o injusto, impossibilitando o agente de, concretamente,
avaliar a sua conduta e incidindo em erro escusável leva a um defeito na sua
motivação em relação à norma jurídica.
A doutrina dominante diz que nestes casos não há consciência potencial da
ilicitude porque em face da ocorrência de uma situação de erro,
normativamente definida, não era possível ao autor do injusto conhecer que
atuava contrariamente à norma.
Por fim, a exigibilidade de conduta conforme a norma, último elemento da
culpabilidade, prende-se fundamentalmente ao princípio democrático e as razões de
igualdade. Desse modo, circunstâncias normais fundamentam o juízo de
exigibilidade de comportamento conforme o direito; circunstâncias anormais podem
constituir situação de exculpação que excluem o juízo de exigibilidade de
comportamento conforme o Direito28.
A conduta, porém, mesmo sendo dogmaticamente considerada um
pressuposto da culpa, está no centro das maiores discussões na lei dos crimes
ambientais, haja vista a possibilidade de responsabilização criminal da pessoa
jurídica, ente, em tese, desprovido de conduta. Por esse motivo, o tema será objeto
de detida análise no próximo ponto.
1.6.1 Responsabilidade penal da pessoa jurídica
28 Ibidem, pg 142.
A Constituição Federal, no artigo 225, § 3º, prescreve a possibilidade de
responsabilização criminal da pessoa jurídica. Diz o artigo que “As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados”.
Posteriormente, com o objetivo de conferir efetividade ao comando
constitucional, a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) previu, no artigo 3º, que
As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Celso Antônio Pacheco Fiorillo29 esclarece que “As pessoas jurídicas indicadas
no aludido art. 3º são aquelas previstas na Carta Magna, a saber, tanto as de direito público,
representadas por seu representante legal, como as de direito privado”.
Objeto de constante crítica pela doutrina brasileira30, a responsabilidade
penal da pessoa jurídica é um dos pontos mais discutidos na lei de crimes
ambientais. Radicalmente contrários à essa possibilidade, os autores afirmam ser
impossível criminalizar a pessoa jurídica por falta-lhe o elemento essencial da
responsabilidade penal: a conduta.
Por essa visão, a pessoa jurídica não poderia figurar no pólo passivo do
processo penal, pois seus atos, na verdade, são sempre fruto de decisões tomadas
por pessoas físicas, e jamais da própria pessoa jurídica. Paulo de Souza Mendes31,
após tecer comentários sobre a ausência da responsabilidade penal da pessoa
jurídica no Código Penal português, adverte que
29 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 534 30 Dentre os principais críticos encontramos Miguel Reale Junior e Helena Regina Lobo Torres 31 MENDES, Paulo de Souza. Vale a pena o direito penal do ambiente? Lusíada - revista de ciência e cultura. Porto (Portugal), v. 221, 1995, pg. 340.
(...) sem embargo, das vantagens práticas que poderiam advir da
punibilidade de pessoas jurídicas, não se deve ignorar que essa virtual
solução sempre depararia com gravíssimos problemas de legitimação. Com
efeito, a responsabilização criminal de pessoas jurídicas faz crise em alguns
dos mais solidamente estabelecidos princípios do direito penal, tais como o
princípio da culpa.
Crítica ainda mais contundente é feita por Eugênio Raul Zaffaroni32, ao dizer
que
Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa
jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma
conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque
não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico33.
De fato, mesmo com todo o debate acerca da (im)possibilidade jurídico-
penal de criminalizar a conduta da pessoa jurídica, a preocupação com as causas
ambientais tem superado a dogmática penal. Ao justificar a expansão do direito
penal na seara ambiental, Mendes (ibidem) assinala que “a moderna discussão sobre a
eventual necessidade de abandonar a tradicional societas delinquere non potest começou,
precisamente, com a tomada de consciência da gravidade crescente dos problemas
ambientais”.
Alternativamente à criação de um direito penal das empresas, a escola de
Frankfurt34 defende a criação de um “Direito de Intervenção”. Pierpaolo Cruz Bottini35
explica que
32 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pg. 355. 33 Negar a possibilidade de responsabilização criminal da pessoa jurídica, entretanto, explica Zaffaroni (ibidem), não implica negar a possibilidade de punir seus diretores e administradores. 34 Nesse sentido, Winfried Hassemer e Wolfgang Naucke 35 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pg. 100.
Sobre estas premissas, HASSEMER defende a exclusão do direito penal das
normas direcionadas a condutas que não afetem significativamente esta
núcleo básico de direitos individuais. Estas normas comporiam uma outra
esfera de regulamentação de riscos, denominada direito de intervenção,
situado entre o direito administrativo e o direito penal, que teria por
finalidade controlar e inibir os riscos oriundos das novas tecnologias, por
meio da proibição de condutas perigosas e da proteção de bens jurídicos
coletivos.
O fato é que a dogmática penal, inegavelmente, tem sido engolida pelo
utilitarismo penal e, por enquanto, a solução está sendo adaptá-a (a dogmática
penal) às novas necessidades sociais.
2. TIPOS DE CRIMES (em razão da afetação do bem jurídico)
O delito, para assim ser considerado pelo ordenamento jurídico, precisa que
a conduta do ofensor enquadre-se nas três vertentes da teoria do delito: deve ser
típica, antijurídica e culpável.
Interessa-nos, entretanto, destacar que o fato, para ser típico deve, antes de
tudo, afetar ou simplesmente ter a potencialidade de colocar em risco o bem jurídico
protegido pela norma. Significa que, para além da proteção efetiva dos danos
penalmente relevantes, o Direito Penal se preocupa com a mera possibilidade de
colocação do bem jurídico tutelado em perigo.
Por essa lógica, o bem jurídico poderá ser afetado de duas formas: pelo dano
ou lesão, e pelo perigo (expectativa de dano) a que se lhe exponha.
Até o advento da Lei 9.605/98, a maior parte dos crimes ambientais incluía-
se na espécie de crimes de dano. Vladimir Passos de Freitas36 explica que a razão
da mudança deve-se ao fato de que “ainda não se tratava com maior profundidade da
questão ambiental.” O autor, comentando a alteração de postura do legislador,
comenta que “(...) a proteção penal ambiental melhor se adapta à figura do crime de perigo,
que se consuma com a simples possibilidade de dano. Por tal motivo, a Lei 9.605/98 veio a
consagrar tal modalidade de crime.”
Adiante, faremos uma breve incursão nessas duas modalidades de crimes, a
fim de preparar o tema central do trabalho, a ser abordado no último capítulo.
2.1 CRIMES DE DANO
Os crimes de dano representam a maneira mais tradicional de afetação ao
bem jurídico tutelado pelo Direito penal. Não há, nesse ponto, complexidade que
demande longa explanação. São exemplos de crimes de dano o roubo (dano ao
patrimônio), a lesão corporal (dano à integridade física), a sonegação fiscal (dano ao
erário público), a injúria (dano à dignidade), entre outros protegidos pelo Direito
Penal ortodoxo.
Nesses casos, para que se possa falar em tipicidade, é imprescindível a
comprovação efetiva da lesão ao bem penalmente tutelado. Sem lesão, não há crime,
sendo atípica a conduta humana pela ausência ou pela insignificância do resultado
danoso.
2.2 CRIMES DE PERIGO
36 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: de acordo com a Lei 9.605/98. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pg. 38.
Nos crimes de perigo a norma penal incide pela simples possibilidade de se
colocar em risco a relação de disponibilidade entre o sujeito e o ente. Antônio
Herman V. Benjamin37, ao tocar no tema, explica que “O crime de perigo se
consubstancia na mera expectativa de dano. Reprime-se para se evitar o dano; basta a mera
conduta, independente da produção do resultado”. No mesmo sentido, Pierpaolo Cruz
Bottini38 explica que
Nestes contextos, o que importa é evitar ou controlar as condutas e não
reprimir os resultados. Não interessa ao gestor de riscos atuar após a
ocorrência da lesão, mas antecipar-se a ela, diante da magnitude de danos
possíveis. Nestas circunstâncias, a norma penal surge como elemento de
antecipação da tutela, sob uma perspectiva que acentua o papel preventivo
do direito. Para isso, o tipo penal deve estar dirigido à conduta, e não ao
resultado.A atividade em si passa a ser o núcleo do injusto. A insegurança
que acompanha estas condutas e a extensão da ameaça levam o legislador a
optar por pela norma de prevenção, por meio de descrições típicas que não
reconhecem o resultado como elemento integrante do injusto, pelos tipos
penais de perigo abstrato.
A correta compreensão do tipo de crime aqui tratado é imprescindível na
seara do direito penal ambiental. Por isso, entendemos por enriquecer o conceito
através da lição de José Esteve Pardo39 , que acrescenta que
Se trata de un delito que, como la jurisprudência reiteradamente ha
destacado, se consuma ‘por la creación del riesgo mediante la realización de
alguna de las actuaciones establecidas en el tipo, sin que sea necesaria para
que tenga lugar la efectiva consumación la producción de un prejuicio
determinado e especifico, puesto que, en este caso, estaremos ante un delito
de lesión que se castigará separadamente’ (STS de 13 de marzo del 2000)
37 BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e, Direito penal do consumidor, RDC, 1: 103, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992. 38 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pg. 118 e 119. 39 PARDO, José Esteve. Derecho del medio ambiente. Madrid: Marcial Pons, 2005, pg. 126.
Por ser um bem jurídico de extrema complexidade, o meio ambiente tem
recebido um tratamento legislativo condizente com os princípios norteadores do
Direito Ambiental: precaução e prevenção.
Em razão da imprevisibilidade das consequências causadas pelos danos
ambientais, a repressão às condutas que atentem contra o meio ambiente tem, via
de regra, incidido de forma preventiva, ou seja, mediante a criminalização de
condutas que representem perigo ao bem tutelado. Nesse sentido, Luiz Paulo
Sirvinskas40 relata que
São os crimes de perigo abstrato que marcam os tipos penais ambientais na
moderna tutela penal. Procura-se antecipar a proteção penal, reprimindo-se
as condutas preparatórias. (...) O caráter sancionatório está num momento
anterior ao efetivo e eventual dano causado ao meio ambiente. Tem caráter
intimidatório e, até certo ponto, educativo.
A razão disso está, acima de tudo, nas peculiaridades do bem jurídico em
questão. Basta repararmos que o substrato empírico do bem jurídico ambiental é o conjunto
dinâmico das condições naturais da vida humana41, para notarmos que o tratamento a ser
dispensado ao bem jurídico ambiental não pode ficar adstrito à sanção posterior à
ocorrência do dano.
Criminalizar a mera possibilidade de dano, entretanto, é uma tarefa das mais
árduas. Apesar de soar como uma resposta adequada à necessidade de prevenção
reclamada pelo Direito ambiental, a tipificação dos crimes de perigo implica em uma
série de problemas interpretativos.
Diferente dos crimes de dano, onde a verificação do resultado cessa, ao
menos em tese, o debate sobre a tipicidade do fato, nos crimes de perigo é preciso
averiguar se determinado fato efetivamente colocou em risco o bem jurídico
ambiental. Para isso, o perigo oferecido pelo agente deve ser valorado ex-ante, isto
é, do ponto de vista de um observador situado no momento da realização da
40 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 41 MENDES, Paulo de Souza. Vale a pena o direito penal do ambiente? Lusíada - revista de ciência e cultura. Porto (Portugal), v. 221, 1995, pg. 361.
conduta, e não ex-post, isto é, no momento de julgá-la, porque o perigo surge sempre
de uma incerteza, e, posteriormente, à conduta, geralmente já não há incerteza42.
Não adentraremos na distinção doutrinária entre crimes de perigo concreto e
abstrato por entendermos irrelevante, compactuando do posicionamento de
Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli43, mas veremos adiante que
alguns autores defendem a existência de um terceiro tipo de crime: os crimes de
perigo abstrato por cumulação.
3. DANOS AMBIENTAIS POR CUMULAÇÃO E CRIMES DE PERIGO
ABSTRATO
O estudo dos chamados danos ambientais por cumulação investiga um assunto
que demanda grande número de questionamentos dentro do Direito ambiental. De
início, podemos conceituar os danos ambientais por cumulação como ações que,
isoladamente, não representam uma ameaça, em potencial para bens jurídicos
tutelados, mas sua reiteração ou multiplicação acaba por consolidar um ambiente de
riscos efetivos para estes interesses protegidos. O núcleo do injusto, portanto, não é
a potencialidade lesiva da conduta individual, mas o risco que a repetição destas
condutas ocasiona ao bem protegido 44.
Paulo de Souza Mendes45 explica o fenômeno dos danos ambientais por
cumulação através da seguinte analogia:
Aliás, atenta a natureza dos complexos equilíbrios ambientais, trata-se de
áreas nas quais, apesar de vigorarem as leis de causalidade, os fenômenos
são apenas compreensíveis através dos moldes da teoria do caos. Como se
42 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pg. 484. 43 (Ibidem) 44 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pg. 124. 45 MENDES, Paulo de Souza. Vale a pena o direito penal do ambiente? Lusíada - revista de ciência e cultura. Porto (Portugal), v. 221, 1995, pg. 356.
sabe, a mais conhecida lei da teoria do caos é a do ‘efeito borboleta’, assim
chamada porque se tornou vulgar a ideia de que uma borboleta, agitando as
asas na Flórida, pode estar na origem de um tufão na China. Mas se existem
milhões de borboletas, a qual delas deveríamos, preventivamente, cortar as
asas, se quiséssemos evitar o tufão? Ou seja, uma pequena variação nas
condições iniciais pode provocar enormes desvios na linha dos
acontecimentos, de efeitos eventualmente catastróficos. Portanto, os efeitos
tornam-se totalmente imprevisíveis, mas o nosso conhecimento empírico
dos fenômenos, que não é o mesmo que dizer científico, é suficiente para
afirmarmos que não se deve abrir certas ‘caixas de Pandora’. E, tendo
presente a gravidade de certos efeitos, não podemos atalhá-los apenas ex
post actu46.
Os danos por cumulação, portanto, ocorrem por conta do potencial
destrutivo da soma de condutas que, isoladas, não teriam relevância jurídica para o
direito penal. E é justamente por essa peculiaridade que o tratamento penal
despendido às condutas potencialmente causadoras de danos ambientais
cumulativos não pode ser realizada por meio dos crimes de resultado. Pierpaolo
Cruz Bottini47 explica que
Não será possível atrelar, por critérios causais, o dano potencial a um ato
isolado, porque este fenômeno decorre de um somatório de ações similares,
que podem ser praticadas por agentes diversos. Logo, a única forma de
atrelar uma consequencia penal aos comportamentos perigosos por
acumulação será a utilização dos crimes de perigo abstrato. Surgem os
delitos de perigo abstrato por acumulação (kumulationststbestanden)”
No exemplo citado pelo autor, a caça de espécies da fauna nativa, tipificada
no artigo 29 da Lei 9.605/9848, é exemplo de crime de potencial lesivo por
acumulação: mesmo sendo evidente que a supressão de um único animal de seu
46 Pierpaolo Bottini, citando Ulrick Beck, utiliza a expressão “efeito bumerangue” para nomear o fenômeno em comento. 47 Ibidem, pg. 125 48 Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida
habitat não trará graves consequencias ao meio ambiente, a reiteração desta
conduta poderá, em uma perspectiva futura, levar à extinção da espécie.
A forma que o direito penal moderno encontra para tentar evitar a criação
desse risco (de extinção) é a proibição das condutas isoladas, ou seja, o tratamento
individual de um risco criado pelo somatório de condutas irrelevantes por si mesmas,
por meio dos delitos de perigo abstrato por acumulação.
A complexidade que envolve o bem ambiental, em parte, por conta
justamente da possibilidade de ocorrência de danos ambientais por cumulação, exige
uma investigação específica acerca do nexo de causalidade, uma vez que esse tipo de
dano tem, na maioria das vezes, mais de uma causa e uma possível multiplicidade
de infratores.
3.1 NEXO DE CAUSALIDADE
Pelo nexo causal é possível afirma-se se determinada ação deu causa a
certo resultado. Em outras palavras, trata-se de saber da existência de um vínculo
entre duas realidades, de forma que se reconheça que um dano é consequência de uma
atividade49.
Na verdade, somente nos crimes com resultado “naturalístico” é que a
relação de causalidade torna-se importante, já que nos crimes de perigo o estudo do
nexo de causalidade se esvazia, uma vez que o fato típico prescinde de resultado
para ter relevo penal.
A relação de causalidade está definida no artigo 13 do Código Penal
brasileiro, que estabelece que “O resultado, de que depende a existência do crime,
somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual
49 PERALES, C.M. in REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pg. 246.
o resultado não teria ocorrido”. Aprofundando o tema, Miguel Reale Jr.50 aponta a
existência das teorias sobre o nexo de causalidade:
Das inúmeras teorias que buscam definir quando ocorre o nexo de
causalidade entre uma atividade e um dano, de forma a que este venha a ser
considerado como causado por aquela, destacam-se dois troncos, dos quais
derivam teorias que pretendem aprimorar a noção de causalidade. Assim, as
duas grandes linhas de ideias a serem ressaltadas são as causalidades
adequada e a da equivalência das condições.
A teoria da causalidade adequada, desenvolvida por Von Kries, afirma que
um determinado evento será produto de uma ação humana, quando esta tiver sido
idônea à sua produção. Em razão da importância para o tema em estudo, trazemos
a explicação aprofundada de Miguel Reale Jr. (ibidem) sobre o assunto:
“Para essa teoria, o antecedente necessário alcança a qualidade de causa do
evento se, abstratamente, possui idoneidade para o provocar. Esta
idoneidade é de ser aferida na experiência comum, segundo o que costuma
suceder, id quod plerumque accidit, em face das relações de causalidade
próprias do mundo natural.
A condição, antecedente necessário, reconhece-se apenas como a causa se
possui em abstrato idoneidade à realização do evento, qualificação que será
aferida mediante um juízo ex ante.
A verificação dessa idoneidade causal da ação deve ser feita posteriormente,
porém através de um juízo ex ante com base no conhecimento comum das
leis da causalidade natural e (...) de acordo com as circunstâncias concretas
da situação em que ocorreu a ação inclusive segundo o conhecimento que
delas possuía o agente. O juízo da relação causal realiza-se, por conseguinte,
mediante um retorno à situação em que se deu a ação, a partir da qual se
examinam em abstrato a probabilidade e a idoneidade da ação, segundo as
leis de causalidade.
50 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pg. 247.
Há diversas críticas quanto a essa teoria, sendo que seu principal defeito
reside na generalização quanto à probabilidade da causa ter dado cabo ao
resultado. Na visão de Reale, não basta a probabilidade de que a causa tenha
influenciado no resultado, é necessário uma séria probabilidade de se concretizar o
resultado em razão da causa apontada.
Segundo a teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non,
constitui causa qualquer fator que, se imaginado inexistente, deixaria de se verificar
o resultado. Devido à importância dessas teorias para o estudo, trazemos
novamente os comentários de Reale (ibidem):
A concepção de STUART MILL, de que causa é a totalidade das condições,
levou VON BURI a concluir, raciocinando ao contrário, quaisquer das
condições que compõe a totalidade dos antecedentes é causa do resultado,
pois a sua inocorrência impediria a realização do evento.
Todas as condições consideram-se causa do resultado, desde que
imprescindíveis à sua produção. Se, hipoteticamente, suprimindo-se uma
condição suprime-se o resultado, essa conditio sine qua non é causa desse
resultado.
Assim, qualquer das condições que compõe a totalidade dos antecedentes é
causa do resultado se a sua inocorrência impedir a realização do evento. São
equivalentemente causa todas as condições imprescindíveis à sua produção,
imprescindibilidade que se afere ao mentalmente se verificar que com a
supressão da condição suprime-se o resultado.
A crítica desta teoria reside na possibilidade de se estabelecer uma
regressão ad infinitum das condições, ou seja, estabelecer uma cadeia de condições
anteriores sem o que o resultado final não seria produzido. Ou seja, o defeito da
teoria está em cogitar a responsabilização, por exemplo, do fabricante de
determinado agrotóxico que deu causa à mortandade de peixes num rio, porque o
produto foi indevidamente lançado nas águas por um desavisado agricultor.
Nosso Código Penal, porém, tem mecanismos que evitam os exageros que
poderiam ser ocasionados por tal interpretação. No artigo 13, § 1º, está previsto que
“A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.” Alguns
autores entendem que, por conta deste parágrafo, o Código Penal brasileiro se
aproxima muito mais da teoria da causalidade adequada do que da equivalência das
condições.
Pode-se concluir que quando a ação inicial, segundo as circunstâncias do
caso concreto e com base na experiência, não é apropriada a causar o resultado,
mas ao contrário desta a superveniente o é, apenas a esta última pode-se atribuir o
resultado.
Ingressando na esfera ambiental, o debate sobre o nexo de causalidade
adentra em um campo de extrema complexidade e dúvidas. Diferente do caminho
que se percorre para estabelece o nexo causal no Direito penal tradicional, no
Direito penal ambiental, a tarefa é muito mais sinuosa. Paulo Affonso Leme
Machado51 expõe o problema:
Além da existência do prejuízo, é necessário estabelecer-se a ligação entre a
sua ocorrência e a fonte poluidora. Quando é somente um foco emissor não
existe nenhuma dificuldade jurídica. Quando houver pluralidade de autores
do dano ecológico, estabelecer-se o liame causal pode resultar mais difícil,
mas não é tarefa impossível.
Estabelecer o nexo de causalidade em matéria ambiental é, na realidade,
tão complexo quanto o próprio bem jurídico em questão. Aurora V. S. Besalú
Parkinson52 também aponta a dificuldade em indicar o responsável por um dano
ambiental indicando outra variante de grande relevância:
Otro punto que contribuye a la dificultad probatoria de la relación causal
reside en la fuerza expansiva del daño ambiental a nivel espacial, desde que
sus consecuencias prejudiciales pueden propagarse a lugares muy distantes
51 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pg. 342. 52 BESALÚ PARKINSON, Responsabilidad por daño ambiental. 1ª Ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2005, pg. 226.
de aquél en donde se originó el daño. Ello, unido a la ‘magnitud de centros
generadores de poluición’, que brindan especialmente las estructuras
urbanísticas contemporáneas, hace ingresar a la figura de la responsabilidad
colectiva en el marco de la fattispecie que venimos analisando”
En quanto a la relación de causalidad, cabe destacar que la doctrina
brasileña, al igual que la argentina, asume que el daño ambiental puede
resultar de varias causas concurrentes, simultáneas o sucessivas, teniendo
difícilmente una única fuente.
Este fenómeno es denominado ‘dispersión del nexo causal’ o ‘causalidad
complexa’.
A maior dificuldade, de fato, reside em responsabilizar o infrator quando há
mais de um potencial causador do dano. Imaginemos, por exemplo, um pólo
industrial onde hajam várias indústrias que despejam resíduos sólidos em um rio
local.
Com o tempo, constata-se que o rio apresenta níveis elevados de alguma
substância química, emitida por algumas indústrias locais, que ocasionou a
contaminação de uma população ribeirinha, surgindo, frente a tal situação, inúmeras
dúvidas: a) todas as empresas são igualmente responsáveis pela contaminação
daquela população? b) as empresas que emitiram substâncias poluentes diversas
das que deram causa aos danos ambientais podem ser responsabilizadas por terem,
de alguma forma, “contribuído” com a contaminação? c) as empresas desativadas,
que emitiram resíduos tóxicos no passado, também são responsáveis pelo dano
atual?
A bem da verdade, devido à complexidade do bem ambiental, seria possível
até mesmo afirmar que o dano teve como causa algum fator externo diverso da
emissão dos resíduos pelas empresas locais, porque, como se sabe, o meio
ambiente sofre influências constantes de toda e qualquer alteração e interferência
humana, sendo as causas dos danos, justamente por conta disso, de apuração
extremamente complexa.
Entretanto, sabemos que a responsabilização dos agentes pelo evento
danoso, na esfera criminal, está adstrita ao conceito de relação de causalidade
trazido pelo Código Penal e também à noção de culpabilidade. Na medida em que
todos, em tese, contribuem para a deterioração do meio ambiente, o nexo de
causalidade deve estabelecer uma relação imediata entre o agente e o dano, ou
seja, só podem dar causa aos danos ambientais aqueles diretamente envolvidos
com atividades em condições potencialmente causadoras de tal dano.
Além disso, em tais hipóteses, é imprescindível a análise em separado da
conduta de cada agente, na medida em que a responsabilidade penal pressupõe a
antijuridicidade da conduta e a culpabilidade do ofensor. Ou seja, para que se possa
responsabilizar penalmente o agente é preciso que sua conduta, isoladamente, seja
típica, antijurídica e culpável, caso contrário, em que pese a ocorrência de um dano
ambiental, a conduta do agente não será passível de sanção penal.
As formas de poluição, então, poderão indicar potenciais causadores de
danos ambientais, sendo importante o estudo acerca dos crime de poluição em
específico e suas formas de ocorrência.
3.2 O CRIME DE POLUIÇÃO E SUAS FORMAS
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81) conceitua
poluição como “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividade que
direta ou indiretamente: a) prejudique a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c)
afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do
meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões
ambientais estabelecidos”.
O crime de poluição ambiental, previsto no artigo 54 da Lei de crimes
ambientais, prescreve, como tipo penal, a conduta de “causar poluição de qualquer
natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde
humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa
da flora”. A pena prevista é de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.
O tipo do artigo 54 é bastante abrangente, uma vez que a expressão
“poluição de qualquer natureza” abarca as mais diversas formas de poluição: do mar
e das águas interiores, da atmosfera, do solo, além da poluição sonora e mineral,
entre outras. Além disso, a utilização da expressão “em níveis tais” torna o crime
previsto no artigo 54 um tipo penal aberto, pois não prevê, como elementar objetiva
do tipo, o nível de poluição necessário para que a conduta seja considerada
delituosa.
Por faltar-lhe a chamada tipicidade penal fechada, técnica legislativa que
respeita em maior escala o princípio penal da legalidade, a redação do artigo é
criticada pela doutrina penal53, principalmente, em razão da insegurança que
transmite ao destinatário, e da possível arbitrariedade por parte do juiz, na análise
do caso concreto. Paulo Affonso Leme Machado54, porém, discorda da crítica, por
entender não ser
censurável o emprego das locuções ‘de qualquer natureza’, ‘em tais níveis’,
pois todas essas expressões estão fortemente ligadas à possibilidade de
causar perigo ou dano aos bens protegidos. É um tipo penal aberto que,
entretanto, não gera arbítrio do julgador, nem insegurança para o acusado.
O autor registra, ainda, que o tipo penal do artigo 54 protege de forma
distinta a saúde humana, dos animais e da flora. Para ele, no caso da saúde do
homem, o crime de poluição pode ser tanto um crime de resultado (“em níveis tais
que resultem”) como de perigo (“em níveis tais que... possam resultar”), denotando,
logicamente, a maior preocupação com relação aos humanos, já que, para os
animais e a flora, o artigo exige a constatação do resultado danoso, através do uso
da expressão “provoquem”.
Em que pese a preocupação do Direito Penal Ambiental com a saúde do
homem, como salienta Leme Machado, a utilização de tipos penais abertos é
sempre digna de preocupação. No caso do artigo 54, a subjetividade da
53 PRADO, Luiz Régis. Princípios penais de garantia e a nova Lei Ambiental, Boletim IBCCrim 70/9 e 10. 54 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pg. 701
interpretação do artigo é ainda mais forte na medida em que o tipo penal, além de
ser aberto, não exige o resultado danoso, transformando em crime a simples
possibilidade de causar dano em níveis que possam resultar em danos à saúde do
homem: algo extremamente subjetivo.
A problemática do tipo em questão é clara. Se já é complexa a tarefa de
aferir o risco oferecido ao bem jurídico no caso dos crimes de perigo, o que dizer
quando a prova a ser produzida tiver que aferir se o nível de poluição tem a
potencialidade de causar dano à saúde do homem?
A melhor técnica legislativa, sem dúvida, recomenda uma redação mais
precisa, que trace claramente o limite entre a conduta permitida e a conduta
delituosa, pois não mais se concebe no atual momento (histórico) do Direito Penal, a
existência de tipos penais tão vagos.
Avançando no estudo, o parágrafo 2º do artigo 54 prevê as formas
qualificadas do crime de poluição que, em razão da maior gravidade das
consequências do delito, tem previsão de pena de até 5 anos de reclusão. Cabe a
ressalva de que as circunstâncias qualificadoras não se aplicam aos delitos na forma
culposa, vez que, ao agente que não tinha a intenção de praticar o crime, não se
pode majorar a pena em razão do resultado55.
Por fim, o parágrafo 3º criminaliza a ausência de medidas de precaução,
sujeitando à pena de reclusão de 1 a 5 anos aquele que “deixar de adotar, quando
assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de
dano ambiental grave ou irreversível.” Vladimir Passos de Freitas (ibidem), explica
que
o tipo penal refere-se à exigência da autoridade competente. Ela pode se dar
de duas formas: a) diante de caso concreto a autoridade ambiental determina
certa ação; b) existe ordem genérica de como proceder em situações e o
infrator, conhecendo-a, deixa de cumprí-la. O elemento subjetivo é a
vontade livre e consciente de não adotar as medidas de precaução exigidas.
55 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: de acordo com a Lei 9.605/98. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pg. 204.
Com o conhecimento acerca do crime de poluição, e após feitas as
referências cabíveis a tal delito, passamos ao estudo específico do tema deste
trabalho.
3.3 CRIMES AMBIENTAIS POR CUMULAÇÃO: O TRATAMENTO PENAL
DOS DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELO ACÚMULO DE CONDUTAS
LÍCITAS
O conceito de efeito cumulativo é normalmente empregado na literatura penal
como supraconceito referente a efeitos que resultam no somatório de inúmeros
fatores sem, todavia, expressar de forma específica como se dá esta interação56.
Por sua vez, o efeito sinergético - citado por muitos autores ao tratar do tema em
questão - além de ser consequência do efeito conjunto dos múltiplos fatores, se
caracteriza, marcadamente, pelo fato do seu resultado final ser maior do que a soma
do prejuízo de cada um deles, como explica Matthias Daxenberger57.
O importante, para o estudo, é ter em mente a ideia de que, condutas
isoladas e insignificantes podem, com o passar do tempo, dar causa a danos
ambientais, sejam eles resultantes de efeitos cumulativos ou de efeitos sinergéticos.
E já que o Direito penal foi incumbido do papel de atribuir responsabilidade
àqueles que degradam o meio ambiente, o estudo dos reflexos penais para os
infratores importa tanto com relação aos crimes ambientais comuns, como em
relação aos crimes complexos, assim compreendidos como aqueles nos quais nem
sempre é possível precisar a existência do nexo causal entre a conduta do agente e
o dano.
56 RONZANI, Marco. Erfolg und individuelle Zurechnung im Umweltstrafrecht. Freinburg i. Br.: Max-Planck-Inst. Fur Ausland. u. Internat. Strafrecht, 1992, p. 45. 57 DEXANBERGER, Matthias. Kumulationseffekte. Grenzen der Erfolgszurechnung im Umweltstrafrecht, Baden-Baden: Nomos, 1997, pg. 17. O autor explica que “A noção de efeitos sinergético, por outro lado, destaca a existência de uma interessante especificidade no que se refere a forma de ocorrência da referida cumulação, nomeadamente o fato do efeito conjunto dos múltiplos fatores ser maior que a soma do prejuízo de cada um deles”
Por tratar-se de danos ambientais causados pelo acúmulo de condutas ao
longo do tempo, importante saber que inúmeros fatores externos podem contribuir
para a consumação dos crimes ambientais por cumulação, desvirtuando, portanto, a
ligação natural (nexo causal) entre a conduta danosa e o resultado penalmente
relevante.
Frente a essa realidade, a proposta do estudo é investigar qual o tratamento
penal adequado diante da complexidade oferecida pelos danos ambientais por
cumulação. Para isso, o estudo partirá da investigação da seguinte hipótese: a
empresa “A”, com licença ambiental para emissão de mil litros/mês de determinado
resíduo industrial, é responsabilizada penalmente pelo desaparecimento de
considerável quantidade de peixes, que morreram contaminados pela emissão de
resíduos tóxicos no rio “Y”.
Sabendo-se que: i) a fiscalização jamais constatou qualquer excesso na
emissão de resíduos em comparação ao limite autorizado na licença ambiental; ii) a
empresa “A” jamais foi autuada durante a vigência da licença ambiental; iii) a
empresa “A” não é a única a emitir resíduos naquele rio, havendo no local uma
verdadeira “cadeia de poluidores”.
Frente a tal situação, pretende-se estudar como deve se comportar o Direito
Penal, com o objetivo de, ao final da pesquisa, responder aos seguintes
questionamentos:
- É possível atribuir responsabilidade penal à empresa “A”, mesmo tendo
agido em estrito cumprimento da licença ambiental?
- É possível que o resultado danoso transforme uma conduta
(administrativamente) lícita em um ilícito penal?
- Sendo o dano ambiental resultado da interferência ou do acúmulo de
condutas de mais de um agente, é possível atribuir responsabilidade penal pra
cada um dos agentes? Caso positivo, como identificar o grau de participação de
cada envolvido?
- Por fim, é possível falar em responsabilidade penal do agente licenciador ?
3.3.1 Responsabilidade penal do agente poluidor
A problemática da responsabilidade penal do ofensor que age de forma
lesiva respaldado por autorização administrativa (latu sensu), tem sido apontada
como uma das grandes problemáticas do Direito Penal Ambiental. Os danos por
cumulação aqui estudados, por resultarem em prejuízos ambientais com origem no
acúmulo de condutas lícitas, exigem um estudo detido de institutos e conceitos
próprios do Direito Penal, devendo, inexoravelmente, ser vistos sob a ótica deste
ramo do Direito.
Notadamente, ao Direito Penal só é permitido punir condutas humanas,
assim compreendidas aquelas nas quais o sujeito tenha agido com culpa (latu sensu),
ou seja, com a intenção de produzir o resultado danoso (dolo), ou, por agir de forma
negligente, imprudente ou imperita, quando deixa de tomar os cuidados necessários
para evitar o resultado danoso (culpa strictu sensu).
Diante da hipótese levantada, na qual a morte de peixes no rio “Y” é
resultado do acúmulo de resíduos tóxicos emitidos pela empresa “A”, ao longo de
certo período, a responsabilização do infrator na esfera penal pressupõe que tenha
agido com a intenção de produzir o resultado - dolo - ou então, que não tenha
tomado as devidas precauções para evitar o dano - culpa strictu sensu.
No caso de agir com doloso direto, ou seja, quando o sujeito age com o
objetivo direto de produzir o resultado antijurídico, a responsabilidade do infrator está
atrelada à prova de que a emissão dos resíduos poluentes tenha sido realizada com
o intuito de causar o resultado penalmente relevante, ou seja, a morte dos peixes.
Por óbvio que a hipótese se cogitaria apenas para fins de debate, na medida em
que, pragmaticamente, jamais se imaginaria que a intenção do poluidor fosse, de
fato, produzir a morte dos peixes do rio “Y”. Mesmo porque a emissão de resíduos é,
antes de mais nada, uma consequência necessária da atividade industrial, jamais
seu objetivo final.
Poderia se cogitar, como desdobramento natural das consequências
verificadas, que o agente poluidor pudesse ter agido com consciência acerca de que
a emissão de resíduos tóxicos pudesse colocar em risco a qualidade da água do rio
a ponto de dar causa a um ilícito penal e, em total desprezo pelo eventual resultado,
tivesse dado seguimento às atividades. Nesse caso, demonstrando-se que durante o
exercício da atividades o agente teve consciência dos prejuízos que sua atividade
estava causando, teria agido, então, com dolo eventual.
Para isso, porém, é necessária prova de que o agente tinha plena
consciência de que sua conduta estava efetivamente causando dano e, assim mesmo,
com domínio e consciência de tal situação, avançou na empreitada poluidora,
demonstrando total descaso pelo resultado danoso. Ana Paula Fernandes Nogueira
da Cruz58, citando Muñoz Conde e Garcia Arán, explica que “(...) em geral, quem
realiza dolosamente um tipo penal, atua com consciência da ilicitude de sua conduta,
principalmente quando o bem jurídico protegido é um dos fundamentais para a convivência e
em cuja proteção tem sua razão de ser o Direito Penal”.
Noutra hipótese, poderia-se imaginar que o agente tenha, no
desenvolvimento de suas atividades, deixado de tomar os cuidados necessários afim
de evitar o resultado penalmente relevante. Nesse caso, a conduta que viola o dever
de cuidado, dando causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia,
sujeitaria o infrator a responder pelo crime de poluição na modalidade culposa, pois
a morte dos peixes seria resultado da inobservância de deveres de cuidado
específicos. Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli59, com relação aos
crimes culposos, anotam que
58 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A cupabilidade nos crimes ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pg. 138. 59 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pg. 438.
Com referência ao conceito legal, embora se tenha afirmado ser a
imprudência um excesso no atuar, e a negligência uma falta no atuar, certo é
que num e noutro caso - que no fundo não se pode distinguir muito bem -
existe um dever de cuidado violado, que é o que realmente importa.
A constatação de que o sujeito deixou de observar os cuidados necessários
para evitar o resultado típico passa, entretanto, pela consciência de estar agindo de
forma negligente, imprudente ou imperita.
No exemplo, portanto, para que pudesse vir a ser responsabilizado pelo
crime de poluição culposo, deveria o agente ter conhecimento de que estava
deixando de tomar alguma providência ou precaução que lhe eram exigíveis a fim de
evitar a poluição do rio “Y”.
No tocante ao “nível de consciência”, importa fazer a distinção entre a
consciência atual e potencial que, doutrinariamente, servem como elemento
subjetivo diferenciador entre a a culpa consciente e a culpa inconsciente. Ana Paula
Fernandes Nogueira da Cruz (ibidem), citando Juarez Tavares, explica que
Quanto ao fato culposo (...), neles a consciência da antijuridicidade reduz à
consciência das exigências objetivas de cuidado, como verdadeiro dever
jurídico. Esta consciência será atual, no caso da culpa consciente e será
potencial em se tratando de culpa inconsciente.
Outra importante característica própria dos delitos culposos reside no fato de
serem tipos “abertos”, ou seja, tipos penais que devem ser completados (fechados)
pelo juiz através de uma norma geral de cuidado que é trazida a fim de fechá-los. É
que, em vista da impossibilidade de individualizar a conduta proibida, é necessário
recorrer a outra norma que indique qual é o dever de cuidado que o sujeito deveria
ter observado no seu agir. Zaffaroni e Pierangeli (ibidem) explicam a questão:
Quando a lei reprime o homicídio culposo, está exigindo do juiz que, frente
ao caso concreto, determine qual era o dever de cuidado que o autor tinha a
seu cargo, e, com base nele, ‘feche’ o tipo, passando depois a averiguar se a
conduta é típica desse tipo ‘fechado’ pelo juiz mediante uma norma geral de
cuidado (...).
Portanto, a tipificação da conduta do agente que polui o rio causando a
morte de peixes irá requerer que se pondere se o agente tomou os cuidados
esperados em razão da atividade exercida e, além disso, se tinha a consciência
(atual ou potencial) de que a inobservância desse dever de precaução poderia
ocasionar o resultado danoso previsto em lei. Somente assim se faria possível
atribuir ao agente a conduta prevista no artigo 54, § 1º da Lei 9.605/98.
No caso do ofensor que detém licença ambiental para emissão de
determinada quantidade de resíduos poluentes no rio “Y”, sua conduta seria
reprovável (culpável) se, e somente se, a) tivesse lançado os resíduos sólidos com a
intenção de causar a morte dos peixes (dolo direto), b) soubesse que a quantidade
de resíduos lançados, mesmo que autorizada, poderia dar causa à morte dos peixes
e, assim mesmo, tivesse avançado na empreitada (dolo eventual), ou, c) tivesse
deixado de observar os deveres de cuidado específicos à atividade e, por conta
desse descuido, causasse a morte dos peixes (culpa strictu sensu).
Feitas essas considerações iniciais, é o momento de pensar sobre as
seguintes hipóteses:
- Pode a empresa “A”, com licença ambiental, ser responsabilizada
criminalmente se constatado que a poluição que causou a mortandade de peixes
foi causada pela emissão cumulativa de resíduos? Ou, em outras palavras;
- É possível que o sujeito que age em conformidade com o direito, em razão
da poluição por ele causada em decorrência do acúmulo de condutas lícitas
(emissão de resíduos) venha a cometer um ilícito penal?
Esse, portanto, o questionamento a ser enfrentado no presente trabalho, que
passará, a partir de agora, ao ser pauta do debate.
Não há, na doutrina, consenso sobre o tratamento jurídico-penal a ser dado
aos chamados crimes por cumulação (ou residuais ou sinergéticos). Para autores
como Paulo Affonso Leme Machado e Aurora V. S. Besalú Parkinson60 é possível
responsabilizar os agentes que deram causa a danos ambientais por cumulação. Já
para os penalistas, dentre os quais Miguel Reale Junior e Luís Paulo Sirvinskas61,
não há como atribuir responsabilidade penal ao sujeito que age em conformidade
com a licença ambiental. O espanhol José Esteve Pardo62 divide da seguinte forma
as opiniões existentes na doutrina moderna sobre o tema:
Este es un punto polémico en el que la doctrina se encuentra dividida: hay
quien entiende que si la actividad se ajusta a los términos de la autorización
noy hay entonces contravención; mientras que para otro sector doctrinal la
conduta será típica con independência de la existência de autorización, sea
ésta válida o no.
O espanhol ressalta, ainda, a existência de uma terceira corrente, que
defende a tese de que o resultado danoso, apesar de poder ser imputado ao agente
poluidor, estaria acobertado pelo manto do erro de proibição:
No falta una tercera línea interpretativa con una solución intermediária: la
conduta será típica se hay contravención objetiva de la normativa,
independientemente de la existencia de autorización y de su validez, lo que
ocurre es que al observar estrictamente lo dispuesto en la autorización se
entende producido un error de prohibición - no se sabe que se está
vulnerando la normativa porque la autorización es incerta - que puede
justificar la impunidad de la conducta.
As três teses referidas merecem reflexão, uma vez que todas - em que pese
a menor adequação jurídico-penal de alguma - tem consistente amparo no
ordenamento jurídico nacional.
60 Frise-se que ambos autores, apensar de não serem penalistas, tratam do tema em suas obras, por isso são citados no presente estudo, dada a contribuição com a investigação proposta. 61 Acrescente-se ainda o ambientalista Édis Milaré 62 PARDO, José Esteve. Derecho del medio ambiente. Madrid: Marcial Pons, 2005, pg. 128
3.3.1.1 POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL
A posição dos que defendem a possibilidade de imputação criminal ao
agente que deu causa a um dano ambiental cumulativo63, o fazem com fundamento
na independência das esferas administrativa e penal. Para esses autores, a
existência de licença ambiental não retira a ilicitude penal do fato: eles entendem
que o resultado penalmente relevante não perde seu caráter ilícito simplesmente
por ter o agente obedecido a norma administrativa.
Defendem, a bem da verdade, que a responsabilidade do agente poluidor
não deve ficar adstrita à obtenção da autorização para o exercício de sua atividade,
entendendo que a licença ambiental é meramente um limite previsto pela
administração pública, dentro do qual o exercício da atividade do sujeito está
autorizado. Verificar a possível ocorrência de danos resultantes do efeito cumulativo,
próprio da atividade, seria um dever extensivo do empreendedor, que não se
desobriga, em razão da licença ambiental, pelos prejuízos que vier a causar ao meio
ambiente. É assim que entende Paulo Affonso Leme Machado64 quando leciona que:
(...) a existência das normas de emissão e os padrões de qualidade
representam uma fronteira, além da qual não é licito passar. Mas, não se
exonera o produtor de verificar por si mesmo se sua atividade é ou não
prejudicial.(...)
Essa licença, se integralmente regular, retira o caráter de ilicitude
administrativa do ato (...). A ausência de ilicitude administrativa irá impedir
a própria Administração Pública de sancionar o prejuízo ambiental.(...)
Apesar da valoração que a lei conferiu à autorização, à licença e à permissão
e suas exigências, a tipificação do art. 54 não ficou condicionada ao
descumprimento das normas administrativas. (...) a incriminação poderá ser
feita de forma independente das normas administrativas (...).
63 Dentre os quais estão Paulo Affonso Leme Machado e Aurora V. S. Besalú Parkinson 64 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pgs. 340, 351 e 702.
Adotando posicionamento similar, encontramos na doutrina argentina, em
interessante obra sobre o objeto de estudo, a lição de Aurora V. S. Besalú
Parkinson65 que também defende a tese da impossibilidade da licença ser utilizada
para elidir a responsabilidade do agente poluidor:
En suma, existe consenso tanto en la doctrina como en la jurisprudência (se
ha visto que nacional e extranjera) en cuanto a la ineficácia de la
autorización administrativa obtenida por el contaminador para funcionar
como causal de justificación de su responsabilidad.
O mérito de tal posicionamento reside em reafirmar, indiretamente, a
importância dos princípios norteadores do Direito Ambiental, pois, por esse ponto de
vista, a licença/autorização não exaure o dever de proteção ao meio ambiente
contido no artigo 23, VI e VII, da Constituição Federal. Por certo, entretanto, que tal
entendimento não se coaduna com a idéia de Direito Penal mínimo defendido por
diversos outros autores, conforme já foi debatido no presente estudo66.
3.3.1.2 IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL
Pensando de forma oposta, identificamos o entendimento de pensadores67
que descartam a possibilidade de imputação criminal à conduta do empreendedor
que atua em conformidade com a licença ambiental, vindo a causar, em razão do
acúmulo de condutas lícitas, um dano ao meio ambiente. A diferenteça para o
posicionamento anterior é que, para esses autores há, sim, vinculação entre a
ilicitude administrativa e o ilícito ambiental. Edis Milaré68, em passagem
esclarecedora sobre o tema, expõe seu pensamento:
65 BESALÚ PARKINSON, Responsabilidad por daño ambiental. 1ª Ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2005, pg. 192. 66 Por extensão a questão acabará refletindo na discussão sobre a necessidade da intervenção penal na esfera ambiental, e qual seja o tratamento mais adequado às condutas danosas contra o meio ambiente. 67 Dentre os quais Miguel Reale Júnior, Luiz Paulo Sirvinskas e Edis Milaré. 68 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pg. 886.
O dano ambiental, isoladamente, não é gerador de responsabilidade
administrativa; contrario sensu, o dano que enseja responsabilidade
administrativa é aquele enquadrável como o resultado descrito em um tipo
infracional ou o provocado por uma conduta omissiva ou comissiva
violadora de regras jurídicas. Nesse sentido, p. ex., se uma indústria emite
poluentes em conformidade com sua licença ambiental, não poderá ser
penalizada administrativa e penalmente caso o órgão licenciador venha a
constatar, em seguida, que o efeito sinérgico do conjunto das atividades
industriais desenvolvidas em determinada região está causando dano
ambiental, não obstante a observância dos padrões legais estabelecidos em
norma técnico-jurídica.
Para essa corrente contrária à incriminação do sujeito que age respaldado
por autorização administrativa, não se concebe falar em tipicidade do ato quando
este estiver em conformidade com o direito vigente. Sob os mais variados
argumentos, a divergência dos autores está nos motivo pelo qual a conduta perde a
relevância penal: para alguns, será irrelevante pela atipicidade da conduta, para
outros pela ausência de ilicitude/antijuridicidade e, para uma terceira corrente, pela
incidência de uma causa exculpante.
Luís Paulo Sirvinskas69, na obra “Tutela Penal do meio ambiente“, de forma
bastante resumida, filia-se à corrente que entende ser a conduta atípica, conforme
entendimento resumidamente expresso na obra citada:
Excludente da tipicidade. Não haverá o delito previsto no inciso V do § 2º
do art. 54 da LA se o agente estiver munido de autorização competente e
realizado o lançamento dos poluentes nos termos da autorização70.
No exemplo por nós proposto, no qual a poluição resulta da atividade fim de
determinado empreendimento, o fato típico previsto no caput do artigo 54 somente
69 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pg. 188. 70 Infelizmente, o autor não traz a justificativa pela qual entende que o fato, nas condições narradas, seria atípico.
ocorreria se demonstrado que o agente poluidor tinha, na ocasião da emissão dos
resíduos, a intenção de poluir o rio “Y” com o objetivo de causar a morte dos peixes
daquele local. Como já se comentou no início do capítulo (item 3.3.1), a hipótese é
bastante improvável, diante da ausência de dolo na conduta do agente.
Com outro ponto de vista, mas com o mesmo resultado em um hipotético
processo penal, a conduta do agente que atua conforme a licença ambiental estaria
amparada por uma causa de exclusão da ilicitude, consubstanciada no exercício
regular de um direito, previsto no artigo 23, III, do Código Penal. Nesse caso, a tese
ampara-se no fato de jamais ter havido, por parte do agente poluidor, desrespeito às
normas impostas pelo direito vigente, bem como aos limites normativos impostos
pelo órgão da administração pública responsável pelo licenciamento da atividade.
A ação do empreendedor, portanto, foi sempre uma ação lícita e, em sendo
assim, atribuir a esse mesmo ato um caráter ilícito afigurar-se-ia, no mínimo, um
contrasenso jurídico. Imaginar que o exercício de uma atividade devidamente
licenciada, nos limites da autorização administrativa, possa configurar um ilícito
penal soa como um absurdo para a doutrina penalista. Miguel Reale Júnior71, por
exemplo, sustenta que:
Uma ação não pode ser lícita e ilícita ao mesmo tempo, pois as normas que
compõe o Ordenamento devem ter uma relação com o todo e também uma
relação de coerência entre si.
Mas a excludente do exercício regular de direito compatibilizou as normas
incompatíveis, pois como assevera FROSINI é a justificante uma espécie de
válvula de segurança do sistema de normas do ordenamento, pois desfaz de
modo direto os eventuais conflitos internos entre o conteúdo de um direito e
o de outros formalmente reconhecidos. Dessa forma, a excludente do
exercício regular de direito consente a eliminação automática de um conflito
interno.
71 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pgs. 150 e 174.
Da lição de Reale extrai-se que a inclusão da referida excludente da ilicitude
tem justamente o objetivo de evitar um possível conflito no ordenamento jurídico
interno, em decorrência da possibilidade de uma mesma conduta vir a ser, a um só
tempo, permitida e proibida por diferentes ramos do direito. Para evitar a ocorrência
de um conflito no ordenamento jurídico pátrio, pela norma do artigo 23, III, do Código
Penal, o exercício regular de um direito exclui a ilicitude penal da ação.
De fato, a regra objetiva conferir segurança jurídica aquele que atua de
acordo com o direito, garantindo-lhe que não estará sujeito à imputação penal caso
sua conduta esteja amparada em outra norma válida e vigente no ordenamento
nacional. Não é o fato de haver um resultado danoso que transmutará a conduta
inicialmente lícita em um ilícito penal.
Para que ocorra um ilícito penal é preciso haver, via de regra, o resultado
danoso em acréscimo ao desvalor da ação. Quer dizer, não basta a constatação de
um resultado, em tese penalmente relevante, para que se possa afirmar a existência
do injusto penal: é preciso que se vislumbre, também, o desvalor da ação. Nesse
sentido, Reale (ibidem) ensina que “A lesão a um bem jurídico não é suficiente para
caracterizar o injusto. O desvalor do resultado é um dos elementos reveladores do injusto, o
qual se configura quando, em regra, ao desvalor do resultado se acrescenta o desvalor da
ação”.
No exemplo proposto, é difícil cogitar o desvalor do empreendedor pela ação
de emitir poluentes.
Quando age amparado pela licença ambiental, a emissão de efluentes é
realizada com a consciência de que aquela atitude é lícita, pois está amparada pela
norma administrativa, portanto não há que se cogitar o desvalor pela ação. Antes
pelo contrário, o sujeito que emite efluentes tóxicos no limite da licença ambiental,
acredita na regularidade de sua conduta, propriamente por conta da autorização do
órgão de fiscalização.
No caso do crime de poluição na modalidade culposa, não é diferente.
Nesse caso, para que ocorra o crime, o dano ambiental deve se revelar como
consequencia da falta de cuidado exigível do empreendedor-poluidor. A
reprobabilidade pelo resultado estárá atrelada à ausência de zelo na emissão de
poluentes. Reale (ibidem) ensina que
(...) mesmo os delitos culposos não se caracterizam típicos pelo resultado
(...) mas pela lesão a um valor consistente no desrespeito à diligência
necessária, ao se realizar uma ação lícita, sem o cuidado objetivamente
considerado indispensável à não ocorrência do evento previsível
O resultado apenas tem relevo enquanto fruto de uma ação descuidada,
sendo objetivamente previsível que viesse suceder.
Pensando novamente no exemplo proposto, no qual a emissão de resíduos
ocorreu dentro dos limites autorizados, não há que se falar em desvalor da ação,
pois não se poderia exigir que o empreendedor, após obtida a autorização para
emissão de determinada quantidade de efluentes, exerça a (auto)fiscalização do
resultado cumulativo da poluição por ele emitida. Sustentar isso seria pretender
atribuir ao particular a função fiscalizatória de competência dos órgãos estatais
especificamente incumbidos e aparelhados para isso.
Interpretar corretamente a causa de exclusão do artigo 23, III do Código
Penal - exercício regular de direito - é assegurar ao indivíduo que a “voz do Estado é
una” e, uma vez que o Estado, mediante um ato administrativo regular autoriza
determinada conduta, enquanto permanecer vigente tal ato, não poderá o particular
responder criminalmente por ter agindo conforma a norma.
Essa interpretação ressalta ainda mais a importância de um processo de
licenciamento rígido, orientado por profissionais habilitados e conduzido sob a
necessária perspectiva da complexidade do bem jurídico em questão. Danos
ambientais por cumulação são uma realidade presente que deve inexoravelmente
fazer parte dos Estudos de Impacto Ambiental de forma que se assegure ao
empreendedor que, uma vez autorizado a iniciar suas atividades, obedecidos os
limites estabelecidos em lei, a poluição emitida em conformidade com a licença
ambiental será interpretada como o exercício regular de um direito.
3.3.1.3 ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO
Outra tese que merece espaço é a do erro sobre a ilicitude do fato, causa de
exclusão da culpabilidade, prevista no artigo 21 do Código Penal. Diz o citado artigo
que “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável,
isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.”
Conforme se sustentou no tópico anterior, a hipótese em debate parte do
fato de que os resíduos responsáveis pela morte dos peixes do rio “Y” sempre
respeitaram o limite previsto na licença ambiental. Durante todo o período de
vigência da licença, o lançamento de efluentes era tido como um fato lícito, pois
obedecia a determinação administrativa. Nesse caso, o erro sobre a ilicitude do fato,
que poderá isentar o agente de pena, se inevitável, ou representar uma redução na
reprimenda, se evitável, é explicado Pedro Lazarini Neto72:
O erro inevitável sobre a ilicitude do fato é o erro de proibição, que retira do
agente a consciência da ilicitude e, por consequência, exclui a culpabilidade,
isentando o réu de pena. (...) Trata-se de erro sobre a ilicitude do fato e não
sobre a lei.
Não há erro acerca do fato (que é característica do erro de tipo), mas erro
sobre a ilicitude do fato. Em outras palavras, o agente conhece a lei, mas se
equivoca, entendendo que determinada conduta não está englobada por essa
lei. (...) O agente tem perfeita compreensão do fato, mas entende que esse é
lícito.
Perfeitamente aceitável a tese de que o agente, na hipótese proposta, não
tivesse consciência de estar agindo de forma ilícita.
72 LAZARINI, Pedro Neto. Código Penal Comentado e Leis Penais Especiais Comentadas. São Paulo: Primeira Impressão, 2009, 3ª Edição, pg. 87, 88.
Como já afirmamos, a licença ambiental para emissão de poluentes no rio
“Y” fixa um limite para emissão de resíduos que, se respeitados, autorizam a
presunção de que a conduta do sujeito é lícita, pois está de acordo com a norma
incidente. Nesse caso, cabe mais uma vez a afirmativa de que, ao particular, em que
pese o dever de preservação do meio ambiente, não é exigível que exerça função
de (auto)fiscalização sobre os resultados cumulativos gerados por sua conduta,
cabendo exclusivamente ao órgão administrativo responsável o acompanhamento
dos resultados provocados pela continuidade de emissão de poluentes no rio.
O correto é que a mortandade de peixes ocasionada pela contaminação do
rio, em decorrência do acúmulo de resíduos poluentes, tivesse sido prevista durante
a fase de licenciamento ambiental. Não o tendo sido feito, o prejuízo ambiental não
poderá ser imputado ao agente poluidor, uma vez que, ao agir em conformidade
com a licença ambiental, poderá justificadamente alegar, em seu favor, o
desconhecimento acerca da ilicitude de sua conduta.
3.3.2 Multiplicidade de infratores
Outra questão digna de debate é a que diz com a multiplicidade de
poluidores. A hipótese agora levantada sugere que se apure a possibilidade de
atribuir responsabilidade penal por dano ambiental causado pelo acúmulo de
condutas originadas de mais de um agente poluidor.
Imagine-se que ao longo de um rio existem diversas empresas emitindo
poluentes e, com o passar do tempo, constata-se que a mortandade de peixes no rio
decorreu do nível de poluição constatado. A dificuldade no caso é estabelecer a
responsabilidade de cada agente uma vez que o resultado danoso não pode ser
atribuído a um indivíduo, pois justamente se verificou em razão da multiplicidade de
agentes poluidores naquele local.
A questão não é das mais simples, mas uma das alternativas propostas está
em buscar a resposta no nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta
isolada de cada agente. Para a configuração do fato típico, sabe-se que o Direito
Penal exige que se estabeleça o elo de ligação entre a ação (ou omissão) e o
resultado penalmente relevante. Nesse sentido, disciplina o artigo 13 do Código
Penal:
O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido.
Certamente, a possibilidade de imputação criminal terá que ultrapassar,
além das barreiras já referidas, mais um obstáculo previsto na parte geral do Código
Penal. O nexo causal pressupõe que se estabeleça uma relação direta entre a
conduta do agente e o evento danoso. José Rubens Morato Leite73 fala sobre o
problema citando um exemplo bastante didático:
Os danos causados por poluição crônica ou cumulativos ou continuados por
atividades de vários agentes podem trazer entraves intransponíveis em
determinar o nexo de causalidade. Um exemplo neste sentido é o efeito
estufa, que tem degradado a camada de ozônio, e também a ocorrência de
chuvas ácidas, provocadas por emissão de poluentes na atmosfera. Assim,
nestes casos, os danos são conseqüências de efeitos cumulativos, pois um
ato isolado não provoca danos, mas sim o conjunto de atividades,
inviabilizando a determinação das que causaram os danos em concreto.
A inviabilidade em determinar a causa da poluição do rio entretanto, não é
absoluta. Deve saber que pode ser constatado (por perícia), por exemplo, que a
morte dos peixes foi causada pela ingestão de determinada substância e, nesse
caso, em que pese a multiplicidade de agentes lançando resíduos poluentes, a
constatação de que a substância responsável pelo dano ambiental tem origem em
determinada indústria, autoriza, em tese, sua responsabilização criminal, excluindo-
73 LEITE. José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pg. 179.
se, via de consequência, a responsabilidade das demais, que não forem emissoras
daquela mesma substância. Pierpaolo Cruz Bottini74, sensível a dificuldade, adverte:
A dificuldade, ou impossibilidade de constatação científica dos cursos
causais naturais entre uma ação e seus respectivos efeitos levam à
normatização dos conceitos de causalidade, para adaptá-los à dinâmica das
relações sociais atuais. A impotência da ciência, a instabilidade de seus
paradigmas e a insegurança das hipóteses sobre as quais se erigem estudos e
teorias do saber empírico colocam ao direito penal um desafio de difícil
transposição. A imputação de um resultado a uma conduta, com a
consequente responsabilização do agente passa a ser auferida por outros
critérios, que não a mera relação causal naturalística.
Poderia-se, ainda, cogitar a responsabilização penal por meio da regra do
concurso de pessoas, situação na qual a responsabilidade seria “dividida” entre os
infratores, na medida de sua culpabilidade, conforme a regra do artigo 29 do Código
Penal75. A perícia ambiental, de fundamental importância quando se fala em crimes
ambientais, ganha ainda mais relevância quando existe a multiplicidade de
infratores.
3.3.3 Responsabilidade do órgão licenciador
Na perspectiva de que os agentes causadores da mortandade dos peixes,
no exemplo por nós proposto, atuam conforme autorização administrativa e que sua
conduta, em razão do acúmulo de resíduos lançados no rio é causa determinante do
dano ambiental, a responsabilidade do órgão licenciador é tema que também
merece destaque.
74 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pg. 95. 75 Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Notadamente, cabe ao Estado-administração a tarefa de fixar os níveis de
poluição aceitáveis para cada tipo específico de atividade. A imposição de
exigências para as indústrias em processo de licenciamento visa a adequação do
potencial poluidor às normas ambientais em vigor, estando, a administração pública,
incumbida de exercer essa espécie de filtro pelo qual somente serão autorizadas a
funcionar as empresas que se adequarem e cumprirem todas as exigências feitas no
processo licenciatório. Nesse sentido, Paulo de Souza Mendes ensina que76
(...) cabe à Administração fixar, em conformidade com as disposições legais
regularmente vigentes e de harmonia com uma perspectiva integrada de
política ambiental, os valores-limite das emissões ou imissões de poluentes
admissíveis caso por caso. A administração concede aos particulares um
crédito de poluição, digamos assim.
Sob essa ótica, a emissão de poluentes nos limites concedidos pela
administração pública não acarretará ao particular nenhum tipo de responsabilidade
penal, ressalvas as hipóteses de ter dado causa ao dano por sua culpa exclusiva.
Mas, e no caso dos danos ambientais por cumulação, causados por indústria que
não extrapolou a emissão da quantidade de resíduos permitida pela administração
pública, seria então possível falar em responsabilidade penal do órgão licenciador?
Não.
Ao que tudo indica, a resposta mais coerente aponta para outro horizonte,
no qual a responsabilidade criminal pelos danos ambientais causados por agente
que respeita os limites estabelecidos na licença é exclusivamente do funcionário
(técnico) responsável pelo licenciamento ambiental. Nesse caso, como o
procedimento do licenciamento é realizado a partir de normas rigorosamente
técnicas, o responsável pela concessão da licença ambiental, e não o órgão da
administração pública, é que teria agido em desconformidade com a legislação
ambiental. No caso, a conduta do funcionário se enquadraria no artigo 67 da Lei
9.605/98.
76 MENDES, Paulo de Souza. Vale a pena o direito penal do ambiente? Lusíada - revista de ciência e cultura. Porto (Portugal), v. 221, 1995, pg. 378.
Não havendo, portanto, nenhuma irregularidade durante a validade da
licença ambiental e, assim mesmo, sendo constatada a ocorrência de danos
ambientais, a responsabilidade penal poderá ser atribuída apenas ao agente que
autorizou o funcionamento da atividade, pois a responsabilidade de preservar o bem
jurídico ambiental, realizando a correta avaliação técnica dos níveis de poluição
aceitáveis para determinada atividade era exclusivamente sua.
A constatação de um dano decorrente do correto exercício da atividade
industrial, assim, admite que se aponte apenas um culpado: o funcionário
responsável pelo licenciamento ambiental, com fundamento no artigo 67 da Lei de
Crimes Ambientais 77.
Cabe, por fim, a ressalva de que a tarefa da administração pública (de
licenciar as atividades potencialmente poluidoras) vem acompanhada do dever
permanente de fiscalizar a atividade do agente poluidor.
77 Paulo Affonso Leme Machado defende que em tais situações a haverá responsabilidade civil solidária entre particular e adminstração pública.
CONCLUSÃO
Estudamos que os bens ambientais constituem um direito fundamental dos
seres humanos, dignos de ampla proteção constitucional, tendo o Direito o papel de
assegurar uma sadia qualidade de vida às presentes e futuras gerações.
Enfrentamos a problemática da atual sociedade do risco e os reflexos que as
mudanças sociais tem provocado na natureza e na construção do Direito em geral.
Vimos que o Direito Penal passou a assumir um papel de extrema relevância
na proteção do meio ambiente, sendo chamado a assumir a posição de gestor do
risco, função amplamente criticada, principalmente pela doutrina penal. O inchaço da
legislação penal, notadamente pela maior presença de crimes de perigo abstrato,
também foi registrado e analisado, chegando-se enfim à análise do tema principal: o
tratamento penal dos crimes ambientais por cumulação.
A insignificância de pequenas condutas, teoricamente irrelevantes, passa a
ter importância para um Direito Penal preocupado em evitar a criação de situações
que possam representar perigo aos bens ambientais. A conduta dos agentes
poluidores, amparados em licenças ambientais para emissão de resíduos é atípica
quando constatada a ocorrência de danos ambientais, se os limites da licença
tiverem sido observados.
Nesses casos, vimos que a responsabilidade penal dos poluidores somente
seria possível no caso de agirem dolosa ou culposamente.
Estudamos que os danos por cumulação podem ter origem em condutas de
mais de um agente poluidor e que a responsabilidade, nesse caso, estaria atrelada à
demonstração do nexo de causalidade entre o dano e a conduta de cada agente,
separadamente.
Por fim, percebemos que a ocorrência de danos, no caso de não ter havido
desrespeito aos limites do licenciamento ambiental pode ensejar a responsabilidade
penal dos técnicos responsáveis pelo licenciamento, nos termos do artigo 67 da Lei
de Crimes Ambientais.
A título de conclusão, observamos que a expansão do Direito Penal, na
valiosa tentativa de resguardar o bem jurídico ambiental, inevitavelmente criou tipos
penais de perigo, trazendo novas problemáticas a serem enfrentadas pelos
operadores do Direito. A nova posição assumida pelo Direito Penal é claramente
contrastante quando comparada à atuação desse ramo nos crimes tradicionais, de
dano.
Por fim, deixamos consignado que a responsabilidade penal nos crimes por
cumulação, em que pese a mudança do enfoque do Direito Penal moderno, não
escapa à análise detida da teoria do delito, principalmente no que diz com a
culpabilidade.
Ao que parece, a utilização do direito penal como instrumento de proteção
ao meio ambiente tem plena conformidade constitucional, pois visa proteger um bem
jurídico fundamental aos seres humanos. Nesse sentido, a discussão acerca da
necessidade de utilização do Direito Penal para proteção dos danos ambientais por
cumulação passa, portanto, por uma detida análise acerca da (in)eficácia das
demais vias de proteção possíveis ao direito, o que, diga-se de passagem, é campo
farto para o desenvolvimento legislativo.
Mesmo com a ocorrência de dano, ou com a colocação de um bem jurídico
em perigo, é certo que somente haverá responsabilidade penal quando o agente
tiver conhecimento (potencial) acerca da ilicitude de seu ato e puder agir de forma
diversa. Quando age amparado e em conformidade com a licença ambiental,
portanto, não há que se falar em crime, pois além de não haver culpabilidade,
sequer poderá se cogitar da antijuridicidade do fato.
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