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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL - Campus Maria Auxiliadora
ANDRÉIA MELO ALONSO
LENDO O MUNDO: aproximações entre a Educação Infantil e a Educação
Popular
Americana SP
2015
ANDRÉIA MELO ALONSO
LENDO O MUNDO: aproximações entre a Educação Infantil e a Educação
Popular
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação à Comissão Julgadora do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo –
UNISAL - sob a orientação da Prof.ª Dr.ª
Valéria Oliveira de Vasconcelos.
Americana SP
2015
Alonso, Andreia Melo.
A46L Lendo o mundo: aproximações entre a educação infantil e a educação popular / Andreia Melo Alonso. Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2016.
108 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL/SP. Orientador: Valéria Oliveira de Vasconcelos. Inclui bibliografia. 1. Educação infantil. 2. Educação popular. 3. Educação
sociocomunitária. 4. Leitura de mundo. I. Título.
CDD 372.21
Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto CRB-8/7539 Bibliotecária UNISAL – Americana
ANDRÉIA MELO ALONSO
LENDO O MUNDO: aproximações entre a Educação Infantil e a Educação
Popular.
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação no Centro Universitário Salesiano
de São Paulo – UNISAL.
Dissertação defendida e aprovada em 28/08/2015 pela comissão julgadora:
Banca examinadora
Prof.ª Dr.ª: Regiane Aparecida Rossi Hilkner
Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
Assinatura: _______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª: Renata Sieiro Fernandes
Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
Assinatura: _______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª: Valéria Oliveira de Vasconcelos (orientadora)
Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
Assinatura: _______________________________________________________
Americana SP
2015
DEDICATÓRIA
Não seria estranho
Dedicar esse trabalho
A todo significado que ganho:
A Cristo e ao que acredito:
Que preferiu a morte atroz
A ver-nos sós;
Aos meus amigos:
Por ter encontrado abrigo;
Aos meus familiares:
Por serem tão exemplares;
Aos meus inimigos:
Por motivar a mim e aos meus amigos a continuar no perigo;
A minha linda mãe:
Por ter assim... um coração de mãe!
A minha ilustríssima e amada orientadora Valéria Oliveira de Vasconcelos:
Por atracar à minha vida mais esse elo...
Com carinho,
Andreia Melo Alonso.
AGRADECIMENTOS
Toda sabedoria do mundo
Exige um esforço profundo
É que no fundo, no fundo,
Mas lá no fundo mesmo,
Profundamente e complexamente,
Existe ALGUÉM
Que intervém
Que faz brotar forças
Além da velocidade das corsas,
Que coloca e retira obstáculos,
Que planta o amor e suplanta a dor,
Que viabiliza e inviabiliza para proteger,
Que amarra as vidas com os fios de suas histórias
Fazendo sol e chuva nas memórias,
AGRADEÇO
A ELE Senhor Jesus Cristo
Quem sabe de tudo isto!
Que sabe dos meus amores e desamores,
Das minhas emoções e vibrações,
Da minha família, amigos e carreira,
Da minha orientadora Valéria.
A essa ajudou, tanto quanto a mim, a vencer uma dura barreira,
Dura por mim orientanda,
Dura por ela que orienta e que se orienta.
Mas na dureza dessa rocha
O senhor Deus fez brotar a pureza das águas
Que como uma cachoeira
A sabedoria em nós deságua.
Com tanta abundância
(de temas, especificidades, assuntos, experimentos, leituras)
Fica difícil encontrar algo de menos relevância,
E nessa constância
Bateu forte a tolerância
Do Divino Criador
Que permitiu criar
Através dos orientadores e da orientadora
Dentro do Programa
De uma Instituição sem gana
Uma humilde orientanda.
A todos que se julgarem meus amigos:
Um grande Obrigado!
RESUMO
A pesquisa foi realizada no Programa de Mestrado em Educação Sociocomunitária do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL - Americana. A construção do discurso
pedagógico na contemporaneidade como crítica à coisificação do educando (FREIRE, 1970)
requer uma leitura de mundo com o objetivo de entender a realidade e, a partir disso,
promover práticas educativas pautadas na relação de alteridade e autonomia dos sujeitos
envolvidos. O processo de desenvolvimento de formação pessoal e social, da construção de
autonomia e identidade, além da ampliação do conhecimento de mundo perpassa o mundo
escolar desde a Educação Infantil. A leitura de mundo dos saberes infantil contribui a uma
intervenção pedagógica mais significativa tanto para as crianças quanto ao professor. Os
instrumentos de coleta de dados foram orientados pela questão: Quais contribuições a leitura
de mundo de crianças entre cinco a seis anos de idade e seus familiares podem trazer à uma
prática educativa problematizadora? A pesquisa apresentou como objetivo investigar a leitura
de mundo de crianças entre quatro e seis anos de idade; levantar com pais e familiares sua
concepção e expectativas sobre a escola de seus filhos e identificar temas geradores que
contribuam para uma prática educativa problematizadora a partir da Educação Popular. Os
sujeitos da pesquisa foram alunos do Jardim I D e, do Jardim II A e B de uma escola pública
de Educação Infantil e seus familiares, numa cidade do interior de São Paulo. Com o objetivo
de descobrir o que as crianças sabem sobre o mundo que as rodeia e, verificar uma possível
contribuição à práxis educativa problematizadora utilizamos técnicas de aplicação de
desenhos, histórias e rodas de conversas com as crianças e, com seus pais e familiares
questionários e rodas de conversas durante a aplicação da pesquisa. Os resultados obtidos
apontam a necessidade da ressignificação do processo de formação pessoal, conhecimento de
mundo, identidade e autonomia trabalhados na escola com os pequenos à luz dos estudos de
Paulo Freire, Carlos Henrique Brandão, Jean Piaget, Maria Teresa Esteban, Lev Vygotsky,
Zilma de Oliveira a partir da realidade social a que são pertencentes. Nessa pesquisa
destacamos a relevância da Educação Popular como forma de mediar a ressignificação desse
processo, visto que, a essência do ensinar e aprender permeada pela cultura compreende
todos os grupos e espaços corroboradores nos processos formativos de desenvolvimento
humano - inclusive a escola - desde tenra idade.
Palavras Chave: Educação infantil – Educação Popular – Educação Sociocomunitária -
Leitura de mundo.
ABSTRACT
This research article was written attending the Master‘s degree program in Social-
communitary Education Program of the Centro Universitário Salesiano de São Paulo –
UNISAL – Americana. The construction process of the pedagogical discourse in
contemporaneity as a critical analyses to the student‘s objectification (Freire, 1970),
requires a reading of the world to understand the reality from his point of view and to
promote some educative practices focused on the distinctiveness and autonomy of the
character/subjects involved. Since early childhood education, the development process of
personal and social formation of the autonomy and identity process beyond knowledge
acquisition passes by the school. The reading of the world concerning children learning and
knowledge processes contributes to a more significant pedagogical intervention both for
teachers and children. The tools were chosen according to contributions such as the reading of
the world of 5 to 6 year olds and their families which bring attention to problematic
educational practice. The purpose of the survey is to investigate to the reading of the world of
children ages 4 to 6 and hear their parents and family member opinions and expectations
about school children. Therefore, specific themes will provide a contribution to a problematic
educational practice focused on the Popular Education. The subjects of the survey were
preschoolers and their families of a public school in the countryside of state of São Paulo. The
focus is to find out what children already know about the world around them and try a new
educational problematic praxis; therefore we applied drawing activities, storytelling, chatting
as a group to the kids. Their parents and family members answered questionnaires and joined
chat groups along the survey. The results point out to a need of giving a new meaning to the
process of personal formation, knowledge of the world, identity and autonomy taught at
school focused on Paulo Freire, Carlos Henrique Brandão, Jean Piaget, Teresa Esteban, Lev
Vygotsky, Zilma de Oliveira‘s studies considering their real social environment. Finally, in
this study, we highlight the importance of the Popular Education (often described as
"education for critical consciousness") as a way of mediating and empowering a new
understanding of this process given the essence of the teaching and learning process
permeated by the culture compromises all groups and corroborating agents in the formation
process of human development, including school children at an early age.
Key words: Child-education - Popular Education - Social-communitarian education –
Reading of the world
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Capítulo III Gira-gira mundo: os elementos da vida na
roda viva do aprender ...................................................................................................75
Figura 2 – Casa do Aldo (quatro anos e oito meses) ...............................................................84
Figura 3 – Casa de Saulo (cinco anos e onze meses) ...............................................................85
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Proposta do desenho da casa (quatro para cinco anos) ..........................................89
Tabela 2 - Proposta do desenho da casa (cinco para seis anos) ...............................................90
Tabela 3 - Proposta do desenho da família (quatro para cinco anos) ......................................91
Tabela 4 - Proposta do desenho da família (cinco para seis anos) ...........................................92
Tabela 5 - Proposta do desenho da escola (quatro para cinco anos) ........................................93
Tabela 6 – Proposta do desenho da escola (cinco para seis anos) ...........................................94
LISTA DE SIGLAS
SP São Paulo
PP Partido Popular
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
EEPSG Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus
SESI- 341 Serviço Social da Indústria
EF Ensino Fundamental
KUMON Método de Ensino Japonês das disciplinas de Português, Matemática e Japonês
UNOPEC União das Organizações Paulistas Educacionais
UNIESP
EMEI Escola de Educação Infantil
UNISAL
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
PPP Projeto Político Pedagógico
MEC/ SEF Ministério da Educação – Secretaria de Ensino Fundamental
CNE/ CEB Conselho Nacional de Educação – Conselho de Educação Básica
EP Educação Popular
MCP Movimento de Cultura Popular
PE Pernambuco
RCNEI Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Pela estrada a fora... .................................................................................................15
Quem colocará o sininho no pescoço do gato?
(Assembleia dos Ratos)...........................................................................................18
Jogue suas tranças Rapunzel...
Sonhos, Perspectivas, Adolescência-Vida adulta,
Carreira acadêmica e Trabalho: decisões e conflitos. .............................................22
INTRODUÇÃO
Toc, toc, toc ! ..........................................................................................................27
Bem-vinda Realidade! ..............................................................................................35
Nas trilhas da pesquisa .............................................................................................36
CAPÍTULO I
QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO: NÃO SÓ A HISTÓRIA DA
CRIANÇA EUROPEIA - A HISTÓRIA DA CRIANÇA BRASILEIRA
1.1 Da Gata Borralheira por Negrinho do pastoreio à Tainá:
uma história de força, coragem e amor ......................................................... ........ 39
1.2 Entre arcos, flechas, espelhos e embarcações: as crianças
brasileiras e abrasileiradas ....................................................................................46
1.3 Reizinho mandão: A nova ordem social no Brasil com
a chegada dos portugueses ..................................................................... .............. 49
1.4 Dia e noite, noite e dia: o cotidiano das crianças brasileiras
indígenas, escravas e europeias no Brasil colonial .............................................51
1.5 De pés no chão ao envernizado dos sapatos: o cuidar infantil
como problema social do Brasil colonial ao período
de industrialização.................................................................................................52
1.6 Das rodas indígenas, os pedagogos nas senzalas e fazendas
à estruturação da Educação Infantil
no Brasil: um pouco de escolarização ....................................................................54
1.7 Trilhando o caminho: em busca de identidade ..................................................57
CAPÍTULO II - CHÃO DE TERRA BATIDA: A EDUCAÇÃO POPULAR NO
BRASIL
2.1 Nos subterrâneos da esperança: O que é Educação Popular ..............................62
2.2 Passando a limpo: a história da Educação Popular ............................................ 65
2.3 O despertar: Brasileiros em ação?!.....................................................................68
2.4 Transitando em ideologias: discurso e práxis:....................................................72
CAPÍTULO III - GIRA-GIRA MUNDO: OS ELEMENTOS DA VIDA NA RODA VIVA
DO APRENDER
3.1 Rodamoinho, roda pião: os pilares da sobrevivência humana
e perpetuação da cultura...........................................................................................76
3.2 Roda-Viva: a importância da roda de conversa .................................................77
3.3 Olhos, pra que te quero! Uma leitura de mundo do universo
infantil através dos desenhos delas, registros e
entrevistas com seus familiares.................................................................................80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................99
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
APÊNDICE
APRESENTAÇÃO
Pela estrada a fora...
Filha de mineiros e nascida na cidade de Campinas/SP cresci influenciada pelo sonho
de ser Professora. Minha escolha foi trilhar sobre um caminho o qual me conduziria a uma
reflexão avassaladora, e que permitiria transformar a minha prática educativa como
Professora de Educação Infantil, e impulsionar a motivação à pesquisa: aprendi refletindo
sobre a minha própria infância, uma das maiores lições de uma prática educativa mais
humanizadora: As crianças fazem leituras da realidade, utilizam a fantasia como recurso
cognitivo para lidar com a complexa gama de sentimentos vivenciados - alegrias, tristezas,
frustrações, dores, saudades, rejeição - ressignificando criativamente a realidade, e
construindo saberes para a vida a partir da sua, ou seja, construindo História.
Nos meus primeiros anos de infância morei em Campinas/SP, no Jardim Eulina, no
quintal da casa dos meus amados avós maternos Ernestino (in memorian) e Carmem hoje com
90 anos e extremamente lúcida. Do endereço não esqueço nunca: Rua Carlos Arnaldo Krug,
281. Era muito feliz naquele lugar. Lembro que meu pai tinha um bar na Vila Industrial, e
quando (muito raramente) eu ia lá, ficava brincando nos fundos ―ajudando minha mãe a fazer
salgados‖, lavando meus pratinhos de plástico, que eram meus brinquedos favoritos!
Esses brinquedos de cozinha eram verdes e uma coisa engraçada da qual me lembro é
que, brincando com eles um dia eu resolvi verificar se aqueles objetos eram de plástico e se
quebravam mesmo. Então os coloquei numa bancada de pedra, umas seis tacinhas, fui
enchendo de água e a cada uma que enchia caía e quebrava! Minha tia Soninha, que
acompanhava a minha ―experiência‖ não interrompeu, ou melhor, fazia questionamentos e, no
final, me ensinou a equilibrar a jarra quando despejava água nas tacinhas para que elas não
caíssem. Sobrou apenas uma das tacinhas. Nossa! Como aquilo me fez sentir cientista! Tia
Soninha até me ofereceu seu jaleco que estava por ali!
Percebia, no entanto, que havia algo estranho e preocupante nos olhares dos membros
da família. Meus pais não sabem disso até hoje, mas eu podia ler no contexto de seu cotidiano
a ansiedade dos mesmos para conseguir atender as pessoas no bar, suas dificuldades de
administrar financeiramente a receita do mesmo, vender salgados para que pudessem
sustentar a família como eu, minha mãe e os que viriam. E eu seguia nas brincadeiras no
fundo do bar: brincava de vender salgados para a minha mãe, de ir à venda com o ―dinheiro
que ganhava‖ fazer a compra de comidas e brinquedos é claro, principalmente pratinhos,
canequinhas, tacinhas, panelinhas!
Mudamos para o bairro do Barão Geraldo- Campinas/SP. Tinhas amizades muito boas.
Não me lembro do nome da menina, mas uma coisa eu sei: nós brincávamos muito na sua
piscina de plástico, com seu fogãozinho quase de verdade e com os livros... ah, os livros!!!
Tem um episódio que me recordo bem: Eu estava com uns livros na mão, quase não
aguentava carregá-los e eram de capa dura e escura. Um hippie, com seus cabelos compridos,
mochila nas costas e livros na mão passou por mim naquela calçada e indagou:
- Nossa aonde você vai com esses livros? O que vai fazer? No mínimo ele esperava
uma resposta como para escola, para casa, para o parquinho, porém eu disse a ele: - Ameixa
do caiado! O que seria isso? Até hoje não consegui desvendar esse mistério. Lembro-me que
senti medo quando aquele rapaz se aproximou de mim e me indagou, tive a impressão de ser o
Lobo Mau reportando-me diretamente ao conto infantil da Chapeuzinho Vermelho, uma
lembrança muito forte que a memória armazenou e pode nos dizer que apreendemos com
todos os nossos sentidos.
Mesmo criança de uns quatro anos, senti como uma ameaça o questionamento do
rapaz, por mais que não houvesse perigo, pois minha mãe estava por perto. Despistei o
inquiridor com criatividade: - Ameixa do caiado! Não me recordo da reação dele, mas minha
mãe diz que riu admirado e ficou com um olhar curioso para saber o que viria a ser ―Ameixa
do Caiado‖. Que pena, hoje nem eu nem minha mãe imaginamos o que representaria aquela
expressão...
Nasceram meus dois irmãos, a quem amo demais: Adriana e Alexandro. Meu irmão
hoje é casado tem um filho chamado Guilherme. Minha irmã é casada com Sergio e está
gestante, porém ainda é muito recente e não sabemos o sexo do bebê.
Temos fotos muito reveladoras da dinâmica familiar que vivenciávamos. Fotos com
minha mãe acompanhando nossas brincadeiras, com meu pai brincando de lixeiro com o
baldinho na cabeça como se fosse chapéu de engenheiro; brincadeiras na calçada e meu irmão
no colo da minha mãe, bem gordinho! Tenho uma doce e suave lembrança de como minha
mãe, a Ceila, nos educava, cuidava e brincava com a gente. Sempre amorosa e pacienciosa
dialogava o tempo todo sobre os combinados, educação, regras, informações, tranquilizava
situações de tensão na família. Esta maneira de educar construiu vínculos de sangue e família
muito estruturados, apesar de uma convivência desestruturada de valores sociais oriundas do
alcoolismo.
O velho ditado imperava pela figura paterna, o Valdeci: - Faça o que eu falo, mas não
faça o que eu faço! Sempre ouvia essa frase desde tenra idade, mas isso fazia parte do
contexto social em que o machismo parecia ser bem mais explícito que atualmente, acredito
hoje ser mais camuflado, principalmente quanto à inversão de papéis sociais entre homens e
mulheres. Nunca recebemos cobradores em nosso portão, sempre tínhamos alimento à mesa
apesar dos tempos difíceis. Meu pai trabalhava em empresas e fazia serviços avulsos por um
determinado período (os populares ―bicos‖).
Convivíamos muito nesse período com os meus saudosos tios Geni (irmã do meu pai)
e seu marido tio Toninho (ambos in memorian). Suas filhas: Regininha, Sandrinha e Silvinha
brincavam e cuidavam sempre de nós, mesmo agora, depois de adultos, a distância tem
aumentado o nosso vínculo de amor e sangue. Uma amiga, a Gininha fazia parte desse grupo
tão articulado. Tenho muitas saudades delas e boas recordações.
Essas três meninas influenciaram diretamente nossas vidas: as minhas primas. Sempre
presentes atendiam às mínimas necessidades que percebiam. Compravam livros, materiais
escolares, roupas, brinquedos, calçados que meninas e meninos gostam de usar como
melissinhas, reloginhos, bolsinhas, carrinhos de controle remoto, canetinhas, lápis de cor... ah,
como esquecer do meu primeiro livro?! Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias de Ruth
Rocha. Eu lia e relia todos os dias esse livro e ficava imaginando como poderia mudar e criar
nomes para as coisas, objetos, seres, sentimentos...
Meu tio Lourival (irmão de meu pai) é muito querido. Sempre acompanha a história da
minha família. Era o tio que cuidava da minha amada avó Aurinha (in memorian), como a
chamamos. Ele conta uma história linda: A caixinha de costura.
Lourival sempre foi um homem muito trabalhador, curioso, esperto e muito ―família‖.
Todos os seus irmãos casaram e ele ficou um bom tempo solteiro, cuidou da minha avó com
muito carinho... Começou a trabalhar desde tenra idade sendo isso um reflexo de uma
desestrutura familiar. A avó Aurinha sofria maus tratos com o pai de seus filhos, meu avô
Joaquim. Morando em Minas Gerais, na cidade de Muzambinho ficou muito triste quando
violentamente aumentou os conflitos na situação conjugal, propondo então quem a conhecia
mudar-se daquele lugar, levando seus filhos com ela. Avó Aurinha com uma trouxa de roupa
e sete filhos pequenos tomou um trem e veio para Campinas/SP. Fora acolhida na Igreja
Católica da Vila Industrial juntamente com seus sete filhos.
Era pequena quando ouvi essa história e isso me fez compreender a problemática do
alcoolismo que absorvia meu pai, pois ficava pensando que ele cresceu sem o seu pai, teve
uma vida de criança triste, mas sabia também que fazia, como pai de família, escolhas
errôneas que marcariam para sempre a memória dos seus pequenos.
Então, meu tio Lourival tinha um desejo quando começou a trabalhar em uma
carpintaria: dar um presente para minha avó no dia das mães, uma caixinha de costura verde
cheia de bombons. Foi numa época política muito difícil no Brasil e meu tio se entristecia a
cada dia por saber que não conseguiria realizar seu simples desejo. O dono da carpintaria
indagou o que lhe angustiara e o Tio Lourival resolveu contar. Esse ilustre senhor o ajudou a
confeccionar a caixinha, comprou alguns assessórios de costura e trouxe a quantidade de
bombons que caberia na caixa.
A avó Aurinha quando recebeu aquele presente ficou estarrecida de felicidade e meu
tio mais ainda. Conto essa história pelo seguinte motivo: há dois anos meu tio Lourival deu-
me de presente aquela caixinha que era da minha avó. Fiquei muito emocionada e está
guardada com muita estima.
Como podemos observar, apesar de criança, meu tio Lourival já participava do
mercado de trabalho. Qual seria a leitura que ele fazia desse mundo de trabalho em que
participava? Como interpretou a atitude do empreendedor em colaborar para com um desejo
seu? O que ele realmente entendia daquele contexto?
Quem colocará o sininho no pescoço do gato...
(Assembleia dos Ratos)
Perceber que não conseguiria dar um presente para a mãe seria uma leitura da sua
vida? Ao entristecer-se por isso indicaria uma determinada maturidade emocional a um garoto
(criança) que já trabalhava para ajudar a sustentar a casa?
Uma pergunta inicial emerge, considerada como um sino (anúncio/denúncia):
Criança entende de política? Compreende o que vivencia?
Quem colocará uma certeza de que criança desconhece o mundo social, histórico,
político que a rodeia? Colocar esse sino para o mundo corresponderia grande risco. Quem
ousaria pensar esse sino? Colocar o sininho no pescoço do gato se constitui então atitude de
valentia e/ou completa e complexa ousadia...
Nesse período da segunda e terceira infância (entre 5 até aproximadamente 9 anos de
idade), é considerado de grande e acelerado desenvolvimento psicológico enquanto
desenvolvimento individual global (PIAGET, 2010) e, no contexto sócio histórico, econômico
e cultural de grandes mudanças políticas para o Brasil, uma criança conseguiu observar a
movimentação dos adultos: eu! Essa mudança refletiu diretamente no modo de vida do povo
brasileiro, principalmente na dinâmica diária de vida das crianças, ou seja, no núcleo da vida,
no cotidiano.
O contexto social desse período foi conhecido historicamente como a década perdida:
a década de 1980 a 1990. Vivenciei um dos fatos históricos mais marcantes da década de 80,
o enterro do Presidente da República Tancredo Neves. Assisti emocionadamente pela
televisão o seu funeral, chorava e ouvia os comentários dos adultos a respeito de sua morte, a
indignação do povo, a insegurança com relação a esse fato histórico e o que viria a acontecer
ao Brasil politicamente, após essa ―Tragédia Nacional‖.
O presidente recém-eleito sofreu uma diverticulose que o levou à morte dias antes de
assumir o cargo. Porém, a República Federativa do Brasil considerou Tancredo Neves na lista
dos Presidenciáveis por ser muito bem votado, experiente na política e querido pelo povo,
principalmente por ter formado o Partido Popular (PP). Na época de sua candidatura à
Presidência da República estava coligado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB). O sentimento de gratidão por esse presidente era tanto pela população que
transcendia a todos que ouviam conversar a respeito, principalmente eu, que ficava
mergulhada naquele sentimento de carinho e amorosidade para com o presidente. Interessante
que minha absorção do caso se deu de maneira própria: ninguém conversou comigo a
respeito, porém a emoção transmitida pelas pessoas ao meu redor provocou tentativa, da
minha parte, de compreensão do que estava acontecendo na realidade através de imagens,
falas, emoções, sentimentos. Tentava encontrar lógica para cada fato como num quebra-
cabeças. Foi a melhor forma que encontrei, enquanto criança, de elaborar o sentimento da
perda, ou seja, da morte.
Com índices inflacionários altíssimos, congelamento de preços, pouco crescimento
econômico e desenvolvimento, tudo muito caro, e muito desemprego, meu pai vivenciou por
várias vezes o desemprego. Lembro-me que quando ele estava sem trabalho eu me angustiava,
pois já conseguia compreender o contexto, ler a tristeza do seu rosto e o semblante de
preocupação da minha mãe. Ia para a escola com uma tristeza profunda e com muito medo de
acontecer alguma coisa ruim a eles (meus pais e irmãos) enquanto estivesse na escola.
Podemos ou não afirmar que as crianças fazem leituras da realidade? E melhor ainda,
se fazem como é feita essa leitura e qual a relação com a aprendizagem na escola já que
aprendemos com um corpo completo e complexo?
Nesse período mudamos para Sumaré/SP e iniciei a vida escolar na Escola Estadual
Prof.º Antônio do Valle Sobrinho. Na pré-escola a professora trabalhava com aquele grupo de
crianças que vinham do bairro, propriamente dito, de uma área verde (―invasão‖ como se isso
não fosse responsabilidade de todos, apenas dessas famílias mesmo...) próximo à escola.
Havia muita discriminação (gostaria de explicitar a exclusão/marginalização que sentia para
com elas e isso já me incomodava muito) para com aquelas crianças. Alguns alunos não
queriam sentar na mesinha com elas e, como eu não me opunha a estar com elas, a ―Tia
Regina‖ (in memorian) me incluía nesse grupo.
Ficava com um pouco de medo de pegar piolho, pois essas crianças comumente
estavam infestadas, mas a aula prosseguia com atividades de pintura, recorte, colagem. Na
entrada cantávamos o Hino Nacional. Não me lembro de brincadeiras no planejamento da
professora, porém no ―recreio‖ a diversão era garantida com cantigas de roda, pega-pega de
todo o jeito, corda, bola, esconde-esconde. Eu nunca era a menina escolhida para recitar um
versinho no meio da roda, ficava triste por isso. Um dia nessa brincadeira de roda uma abelha
entrou em minha camiseta e ferroou minhas costas inteira. A caseira, dona Bela, me atendeu
com carinho. Sorte eu não ter alergia, apenas tive muita dor e fiquei meio sem vontade de
brincar de roda por uns dias, depois voltei a essa diversão.
A alegria do recreio era tanta que dançávamos músicas diferentes, víamos cores, arco-
íris, sentíamos cheiro de chiclete, balas, doces... Hoje penso que o recreio daquela época
tinha mais tempo do que o intervalo da Educação Infantil atualmente, e acredito que isso se
devesse à metodologia de ensino, da abordagem teórica sobre Educação quando em sala de
aula, principalmente com relação à alfabetização. Sendo a abordagem educativa realizada a
partir da ―educação bancária‖ (FREIRE, 1987), o recreio, espaço que não era valorizado pelos
adultos enquanto espaço educativo se tornava um universo fantástico, cheio de cores e sabores
para as crianças. Se por um lado o tempo maior do recreio com relação ao tempo de hoje na
Educação Infantil vislumbrava sinônimo de ―descanso‖ aos professores, por outro e para as
crianças um tempo de prazer, de aprendizagem, motivação e socialização.
Lembro-me da professora Diva que pedia sempre para que eu lesse textos da cartilha,
que era um recurso didático tido como principal ao processo de ensino/aprendizagem pelo
modelo de educação que os professores trabalhavam, e que segundo (FREIRE, 1987)
considera como modelo de Educação Bancária. Gostava muito de ler em voz alta, apesar de
serem textos distantes da realidade ao qual vivíamos.
Minha predisposição para a leitura era impressionante, sendo o momento da aula em
que eu mais interagia com os amigos, apesar de constituir-se mais um momento de oratória
(texto com moral). Realizava a leitura sem medo, timidez, licença ou censura por não
compreender o sentido da mesma. A decodificação do sistema de escrita estava, por mim,
compreendida.
A escola na minha imaginação era um universo genial, mágico. Hoje eu entendo
quando, ao perguntar a uma criança, especialmente as que apresentam dificuldade de
aprendizagem, quais os momentos de que mais gostam na escola e as mesmas dizem: do
recreio, da merenda ou lanche e do horário da saída! Não me surpreendo com isso como
professora atualmente, pois na minha infância brincávamos de corrida, roda, esconde-
esconde, pega-gelo, pega-alto, pega-baixo, pega-ajuda, brincadeiras agitadas e deliciosas, até
esquecíamo-nos de alimentar. Na sala de aula, a cartilha! Nesse momento conseguíamos
diferenciar a ―escola ideal‖, parafraseando com a escola que Pinóquio sonhou da ―escola da
realidade‖: um universo em que todos deveriam aprender do mesmo jeito, as mesmas coisas e
que não sabíamos para quê. Éramos iguais independentemente da vivência que tínhamos com
a escrita, com o cálculo, com a história, mas os nossos pais diziam que era para termos uma
vida melhor que a deles quando crescêssemos (ideologia da ascensão social pelo progresso
intelectual).
Um dia marcante foi quando ganhei o meu primeiro material escolar completo. Tinha
ganhado tudo novinho das minhas primas, filhas da tia Geni: Mochila, tesourinha, cadernos,
folhas, muitas folhas de sulfite, uma borracha branquinha... Ter material novo em tempos de
inflação e desemprego representava uma raridade. Enquanto a professora Diva pediu para que
eu lesse um texto da cartilha com os alunos, uma coleguinha do lado da minha carteira (em
fileiras) ficou tão maravilhada com a borracha, cheirou tanto até morder transformando-a em
farelos. Quando voltei para o meu lugar fiquei muito triste, mas tive vergonha de chorar.
O contexto político que orientava a Educação na época compreendia a ideia de
educação relacionada à ascensão social, possibilidades de melhor qualidade de vida, e a
escola, portanto, se prestava a um mecanismo de reprodução do padrão de desigualdades
sociais e pouco tem se transformado no atual cenário político. Mais mudanças na vida da
minha família: voltamos a morar em Campinas em 1986, de volta à casa da minha avó
Carmem, e nesse período meu avô fazia algum tempo que havia falecido.
Fui matriculada na escola EEPSG Prof.° Hildebrando Siqueira. Estava na terceira
série, que corresponde hoje ao segundo ano do Ensino Fundamental. Apresentei sérias
dificuldades de aprendizagem. Toda mudança na vida social foi refletida de maneira negativa
na minha relação com o conhecimento. Não conseguia produzir textos, acompanhar as
atividades da sala, resolver probleminhas, fazer cálculos simples de raciocínio lógico,
desenvolver técnica operatória das quatro operações, leitura, entre outros.
A diretora da escola convocou meus pais e considerou relevante voltar-me uma série
na minha carreira escolar. Meu pai não aceitou a proposta e se encarregou de promover uma
atenção intensiva em casa para recuperar os conteúdos de ensino em defasagem, e iniciou uma
grande força-tarefa: A tia Soninha (por parte materna) foi peça fundamental nesse trabalho.
No período oposto ao da escola ela se esforçava em me ensinar, mesmo não sendo professora,
e à noitinha meu pai chegava do trabalho e mais um pouco de lição. Minha mãe orientava os
trabalhos.
Ao final de um período de seis meses eu já acompanhava a sala de aula e consegui
―passar de ano direto‖. Isso foi uma grande façanha para mim. Meus pais, minha tia Soninha
ficaram orgulhosos e eu explodia de felicidade.
Jogue suas tranças Rapunzel...
(Conto de Rapunzel)
Sonhos, Perspectivas, Adolescência-Vida adulta, Carreira acadêmica e Trabalho:
decisões e conflitos.
O percurso da infância - puberdade – adolescência até a vida adulta é significativo, e
tende a promover aspectos decisivos para a maior parte da vida do ser humano enquanto
adulto na minha leitura de mundo, sem negligenciar as possibilidades do futuro.
Visualizando o contexto social da época, as oportunidades educacionais eram
mediadoras de uma estrutura política, assim como ainda o é, reproduzindo as desigualdades
sociais, exclusões, discriminações e marginalização já citadas. Portanto, a ideologia que
permeava entre os grupos populares era de que, quem estudasse teria melhor qualidade de
vida no futuro, e meus pais levaram isso muito a sério.
Partindo pro Ensino Médio Técnico (Magistério- com habilitação para Educação
Infantil) após concluir o Ensino Fundamental no SESI-341, consegui realizar meu maior
sonho: estudar e me formar Professora. No entanto, assim que conclui o curso iniciei minha
carreira na Rede Estadual de Ensino em meio a grandes dúvidas e decisões sobre como
trabalhar (ainda precisava construir meu perfil enquanto profissional), sobre a prática de
ensino que me importunava, indagava, provocava surpresa e me incomodava sobre o que
fazer em sala, como fazer e qual a importância daquele saber pedagógico para os alunos.
Espero que esse ―bichinho do pensamento‖ sempre sobrevoe a minha prática, o meu trabalho,
a minha vida incomodando, criticando, apresentando, criando, provocando... Talvez isso
possa continuar a enrolar e desenrolar os fios de lã no tecido da vida atribuindo sentido e
significado a cada manhã.
Lecionando nas salas de aula da Rede Estadual de Ensino como Professora Polivalente
(Professor que leciona todas as disciplinas do Ensino Fundamental-EF), percebi uma grande
dificuldade na disciplina de Matemática pelos alunos, e também enquanto educadora o quanto
deveria ou poderia facilitar o conhecimento aos mesmos. Encontrei um curso com Método
Japonês de Ensino (KUMON), comecei estudar e me tornei uma assistente educacional por
três anos naquela franquia. Sempre gostei de matemática e me apaixonei pelo curso. Com isso
adquiri mais segurança e consegui desenvolver estratégias de ensino em matemática que
pudessem facilitar a aprendizagem dos alunos envolvidos.
Essas estratégias começaram a promover rodas de conversas, pequenas inquietações
que se tornaram grandes, enormes e para desenvolver o trabalho, cada vez mais adentrava a
vida, o cotidiano dos alunos como convivência com números no mercado, na padaria, na
compra de figurinhas para álbuns, troco, sistema decimal baseado em notas de dez, cem, mil,
filosofia de vida, dificuldades, e por aí vai... O período de 1996 a 1997 foi um período muito
difícil. As substituições de aulas eram em caráter excepcional (quando não há professor
especialista de uma disciplina, um professor polivalente pode substituí-lo), turmas muito
grandes e lugares bem distantes da minha residência. Não desisti, lecionei até o ano findar.
Apesar de interessante uma perspectiva maior se apresenta: como a metamorfose
ambulante de Raul Seixas1 e a conquista da Borboleta Atíria
2 (meu livro favorito na
adolescência – O caso da borboleta Atíria), descolei minhas asas do visco leitoso da sombra
de dúvida, mesmo ainda com muitos resquícios. Decolei na busca para compreender o
processo de ensino/aprendizagem e me convencer de que, quanto mais humanizador esse
processo se der, quanto mais envolvido nas histórias dos sujeitos aprendentes, mais se
constrói saberes sobre a vida e se constitui a essência da existência. Portanto, humanizar esse
processo é dialogar com os saberes do educandos e nessa pesquisa em específico, dialogar
com os saberes infantis desde a Educação Infantil.
Na sequência do curso citado (KUMON) fui admitida pelo Colégio Carlos Drummond
de Andrade, inicialmente como Assistente Administrativo, Professora de Reforço Escolar e
depois novamente como Assistente Administrativo devido à mudança na demanda de alunos.
1 Raul Seixas: cantor, compositor, guitarrista. Nasceu em 28 de junho de 1945. Iniciou sua carreira em 1967. Ícone da música
popular brasileira morreu vítima de uma parada cardíaca originária do consumo de álcool e da doença da diabetes. 2 Almeida, Lúcia Machado de. O caso da borboleta Atíria. Editora Ática, 1999. História de uma borboleta com
um problema de nascença nas asas que não imagina os perigos que corre na floresta. Conta com ajuda de amigos
e colaboradores, além de uma envolvente história de aventura, apresentação da vida de uma colmeia.
Trabalhei por três anos. Fiz muitos amigos e amava trabalhar ali. Cresci
profissionalmente com o apoio de todos daquela equipe, principalmente das gestoras Lualpa e
Ana Maria.
Quando fiz a entrevista pessoal nesse colégio existia uma exigência: só poderia
assumir a vaga se estivesse matriculada em um curso universitário. Mais uma vez, uma
fatalidade desencadeada pela dinâmica da sociedade capitalista: Como estudar se precisaria
pagar (estava desempregada, sem substituições de aula), pois para ingressar na escola pública
universitária, o serviço educacional público não correspondeu com a qualidade de ensino
exigida para ingresso na mesma? Restaria pagar então uma faculdade particular e o meu
sonho era cursar Pedagogia. Para assumir a vaga me comprometi a ingressar no curso superior
assim que me contratassem. Para minha ―surpresa‖, fui contratada e no mesmo dia prestei o
vestibular numa faculdade particular e ingressei o Curso de Ensino Superior em Pedagogia, na
cidade de Sumaré / SP (UNOPEC). Hoje a faculdade está integrada à União das Instituições
Educacionais do Estado de São Paulo (UNIESP), mudando seu nome enquanto instituição de
Ensino Superior.
Durante esse período prestei o concurso público para Professor de Educação Básica no
Ensino Fundamental e Educação Infantil (Professor I) no município de Hortolândia/SP.
Exonerei o cargo no Colégio Carlos Drummond de Andrade e iniciei minha carreira de
Professora na escola pública. Nesse município lecionei para a Educação de Jovens e Adultos,
Ensino Fundamental e Educação Infantil. Participei de projetos pedagógicos, experimentei
cargos como coordenação escolar e direção escolar.
Enquanto as linhas vivas da minha história pareciam se desenrolar, outra linha muito
especial estava se enrolando como um novelo de lã nas mãos do artesão...
Através de amigos eu e o Wilton nos conhecemos e iniciamos uma relação de amizade
e amor baseada na confiança e no respeito, e que veio a se tornar duradoura levando-nos ao
altar. Essa decisão foi uma jogada de tranças, literalmente, pela janela da torre, pois não tinha
em meu planejamento de vida um envolvimento amoroso para aquela etapa. Em três de julho
de 2006 amarram-se as linhas soltas dessa trama ampliando a completude do sentimento de
existência. Um período tumultuado na vida em família, cheios de expectativas e dificuldades,
pois meus pais estavam se divorciando. Meu casamento aconteceu e tem desdobrado a vida
conjugal de maneira gratificante para nós, o casal.
Sete anos se passaram e eu continuo estudando, trabalhando na Prefeitura do
município de Hortolândia/SP e lecionando para uma turma de Jardim I (de quatro para cinco
anos) na Escola de Educação Infantil: Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI)
Chácaras Acaraí.
Pelo fato de eu trabalhar com turmas de Jardim I nessa citada unidade escolar desde
2009, minhas inquietações sobre o desenvolvimento intelectual dessas crianças foram
tomando forças que me levaram ao Mestrado. Mesmo depois de ter cursado a Psicopedagogia
Clínica e Institucional nessa mesma cidade, sentia que os conhecimentos precisavam ser mais
aprofundados cientificamente para dar conta das dúvidas, avaliação da prática pedagógica e
de documentos que a escola desenvolve pensando no aluno e na família desse aluno, com
relação ao fazer pedagógico.
O Mestrado em Educação Sociocomunitária do Centro Universitário do Estado de São
Paulo (UNISAL) - Americana/SP (Maria Auxiliadora) apresentou-se como um ponto de
partida muito promissor vindo a me vislumbrar a respeito do tema das minhas inquietações.
Uma angústia em definir o foco da pesquisa rondou meu engajamento por quase dois
semestres de aula. Muitos companheiros conversavam comigo, orientadora, professores,
textos de autores elucidados e nessas conversas a minha história foi se encontrando com
minha pesquisa e o que estava difícil de sair do plano das ideias tornou-se realidade.
Toda essa conversa sobre medos, angústias, alegrias por ser aprovada no processo
seletivo para o curso do mestrado, ansiedade, barreiras familiares, financeiras, construíram um
caminho íngreme que apontava a cada superação um sentimento de conquista do impossível,
ou melhor, do utópico que já não o é mais.
A ideia e imagem de Escola construída no imaginário social tende a nos direcionar
para a visualização de um passado politicamente quase ingênuo, ―como sair da fazenda e ir
morar na floresta‖: prédios mais antigos, de cor cinza, de janelas centenárias, portões
fechados e cadeados. Já no meu caso, lembro-me de um prédio inteiro de tijolinhos à vista na
cor vermelha (cerâmica), piso de cimento queimado, portas de madeira na cor verde musgo e
mesas e cadeirinhas no tom de verde-água. Isso falando de uma escola pública estadual, mas
não devemos generalizar, essa é uma imagem de muitos de meus amigos e minha também,
mas não a de todos.
Há cerca de trinta anos a escola representava um lugar de prosperidade, pois ali
morava a ciência, a sabedoria que podia nos transformar e tornar-nos ―pessoas importantes‖.
Lugar em que deveríamos respeitar a nossa professora ―como a nossa segunda mãe‖, ser
obedientes a tudo quanto ela e os outros integrantes da escola ―mandassem‖, sem conversar e
―fazer toda a lição‖. Isso se tratando de uma escola Pública Estadual, com membros da classe
social menos favorecida, num dos bairros considerado pobre, da cidade de Sumaré/SP: o
bairro onde eu iniciei minha história acadêmica o Jardim São Domingos.
Neste castelo, a escola (podemos assim dizer, pois as portas eram muito grandes por
causa da nossa pequena estatura de criança) morava a sabedoria que nos instigava a descobri-
la. Por outro lado, a ideologia de que sem ela o sujeito não existe enquanto ser histórico e
social, a escola distorce esses valores fazendo o compartilhamento dos saberes de modo a
preservar as condições ―de não existência‖ dos seus educandos, ao invés de fazer desse espaço
um local em que os sujeitos se sentissem pertencentes à sociedade, ―existissem na História‖.
Nesse lugar a realidade é ―narrada‖, como se ela existisse somente ―fora dela‖. Como afirma
Freire, 1987, p. 33, o que ocorre na escola é uma:
[...] Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a
fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da
realidade. Narração ou dissertação que implica num sujeito – o narrador – e
em objetos pacientes, ouvintes – os educandos. Há uma quase enfermidade
da narração. A tônica da educação é preponderantemente esta – narrar,
sempre narrar.
Após concluir o Magistério e trabalhando com Educação desde os meus dezoito anos
de idade, a visão do panorama educacional brasileiro que estudamos e vivenciamos nas longas
substituições de aula na rede pública de ensino, seja na rede Estadual ou Municipal, apresenta
uma série de problemas que dificultam o desenvolvimento de uma educação básica de
qualidade, nos remetendo diretamente aos segredos sombrios desse castelo que
metaforicamente ilustramos nesse texto. Quem poderia saber se não havia um grande Lobo
Mau escondido nesse castelo? Ou seria a Chapeuzinho com sua Vovozinha?
Quais mistérios e monstros verdadeiramente guardaria esse castelo?
Com a pesquisa que apresento agora pretendi desvendar alguns desses mistérios.
Estudar a leitura de mundo de crianças entre quatro a seis anos de idade foi mesmo que viajar
no túnel do tempo, que viajar nas minhas relações familiares e compartilhar momentos
incomparáveis de alegria, descoberta e emoção.
Com o aprofundamento teórico nos estudos das disciplinas relacionadas com a
pesquisa, o Mestrado em Educação Sociocomunitária proporcionou engajamento teórico para
a construção do projeto da pesquisa, direcionamento dos autores, artigos, livros, legislação,
enquadramento teórico e funcional para a elaboração da escrita e do trabalho de campo.
Duvidar de nossas certezas foi algo que fundamentalmente aprendi e reaprendi nesse
processo. ―Horizontalizar‖ a relação de poder do saber aconteceu na concretude.
27
INTRODUÇÃO
Toc, toc, toc!
Abrindo a porta para desvendar alguns dos mistérios guardados no grande castelo, a
Escola Pública (Estadual ou Municipal), a revelação começa a apresentar-se pelo sintoma do
―não aprender‖, despejando na sociedade monstros que expõem suas caras e garras à
realidade: os altos índices de evasão escolar e exclusão social (ESTEBAN, 2007); políticas
públicas que fracassam; desvalorização do profissional da Educação; estruturas e espaços
físicos deficitários; frágil formação e qualificação profissional; grande quantidade de alunos
por sala de aula/professor; assistencialismo aplicado à instituição escolar (quando outros
setores sociais se elencam ao quadro escolar sem intuitos educacionais); investimentos
financeiros suficientes/insuficientes com relação à administração política do mesmo
destinados à educação - principalmente à Educação Infantil; burocratização do ensino;
fragmentação do mesmo em todas as modalidades; processo de pauperização
(empobrecimento) da profissão docente, entre outros.
A escola apresenta-se com sua ambivalência, posto que, mesmo quando
oferece as mesmas oportunidades a todos, exclui. Suas práticas cotidianas
estão constituídas por relações ancoradas no discurso da igualdade de
procedimentos e na ocultação da desigualdade de direitos, de modo que, ao
colocar o foco na busca da igualdade, a identifica com a homogeneidade,
produzindo invisibilidade sobre a tensão igualdade/diferença que caracteriza
a dinâmica escolar. (ESTEBAN, 2007, p.11)
No entanto, o papel da instituição escolar é ambíguo e tende a reproduzir ou combater
essa manutenção social injusta, pois:
Estudar o cotidiano das escolas públicas e, principalmente, nele atuar exige
diálogo constante com os sujeitos que habitam as margens sociais e passam a
compor o cenário escolar como consequência da democratização do acesso.
Sua presença reconfigura a escola, que passa a conviver com práticas e
saberes desqualificados e com processos e resultados não desejados. Viver o
cotidiano escolar das classes populares é se comprometer com a produção
diária do êxito como uma possibilidade real para um segmento social
historicamente negado, marginalizado, abandonado, fracassado. (ESTEBAN,
2007, p.3)
28
A desigualdade social é uma das mais fortes consequências do capitalismo. Numa
condição muito precária de aceleração do processo civilizatório, o capitalismo é uma
ferramenta que condiciona sujeitos em camadas sociais estruturando-as de acordo com
interesses da elite que, apesar de representar uma minoria intelectualizada, utiliza-se do
próprio sistema para inverter valores, direcionar e encaminhar o que os beneficia, e, portanto,
a Educação torna-se uma grande engrenagem para essa manobra política e financeira.
O processo civilizatório ocorre mediante a capacidade de socialização e aprendizagem
de um determinado grupo social, por isso, a educação é um veículo mediador entre a cultura e
o progresso dessa cultura orientando as práticas humanas de comportamento, ou seja,
promovendo uma progressão civilizatória.
Na verdade, uma fase fundamental do processo civilizador foi concluída no
exato momento em que a consciência de civilização, a consciência da
superioridade de seu próprio comportamento e sua corporificação na ciência,
tecnologia ou arte começaram a se espraiar por todas as nações do Ocidente.
(ELIAS, 1994, p. 64)
A democratização do ensino no Brasil, ocorrida a partir da década de 1930, trouxe as
crianças das classes subalternas para a escola, resultando na ampliação do acesso à escola e a
relação de uma clientela heterogênea em todos os aspectos: social, intelectual e econômico.
No cotidiano escolar mudanças significativas à parcela mais pobre da população
brasileira permitiram esse acesso, promovendo uma interação ampla com a cultura letrada,
porém a escola não estava democraticamente preparada para educar sujeitos tão reais,
autênticos e diferentes: Não havia dois caminhos: ou o privilégio de alguns — a ―heresia
democrática‖ - ou o mínimo ―para todos os que se acharem em condições idênticas - como é
da essência pura da democracia‖. (AZANHA, 2004, p. 338)
Com o aparelho político nas mãos da minoria ilustrada3 a sociedade escolar tenta
enfrentar o desafio de ensinar crianças com vivências e realidades contrastantes garantindo o
acesso e igualdade de direitos apesar das diferenças.
3Terminando a Idade Média, caracterizada pela fé dominando os valores da época, a Modernidade se constitui
com a Ilustração no fim do século XVII e início do século XVIII. A ilustração passou a ter como valor a razão,
com a possibilidade de o próprio homem definir o que deve ou não ser aceito como verdadeiro, por meio da
comprovação científica. Sendo dotado por essa razão, o homem governa o mundo o que significa que o poder de
comando está no homem que a detém, e não em explicações transcendentais que anteriormente permeava a
cultura. Portanto, os homens dotados dessa razão, desta cientificidade, é o que representa essa minoria ilustrada a
qual me refiro no texto.
29
A transformação da escola, por meio de sua efetiva democratização, é uma
meta há muito buscada. Tal mudança exige uma profunda reflexão sobre os
modos de incorporação das classes populares à escola, apresentando-se
como um dos desafios centrais a promoção de ações capazes de fazer da
escola pública uma escola de educação popular e não meramente uma escola
para as classes populares. Nesse percurso, é relevante interrogar as relações
entre esta mudança de perspectiva e a produção das práticas que orientam a
dinâmica pedagógica. (ESTEBAN, 2007, p. 2 e 3)
Os educadores quando conscientes dessa discrepância política e social, encara uma
complexa luta para superar a desmotivação dos alunos que não se identificam com o modelo
de ensino opressor (intimidador, autoritário), uma vez que a escola tem dificuldades de
relacionar o conteúdo acadêmico com o cotidiano da vida dos alunos, com a cultura que os
caracteriza, que os une, que constrói crenças e valores e direciona ações para a permanência
do existir, como forma de resistência a um grupo minoritário que acumula riquezas, direitos e
privilégios, mantendo-os em condições desiguais com metodologias embasadas em formas
opressora de ensino (FREIRE, 1981).
Visto que a escola foi criada para atender um determinado público, para a elite social,
os objetivos dela não interagem com os objetivos do povo e, utilizando uma abordagem
teórica de que todos os sujeitos são iguais perante a lei, organizaram os estudos partindo desse
princípio sem respeitar, na igualdade de direitos, a diversidade de condições de aprendizagem,
tornando a escola um universo distante da realidade de seus alunos, apesar de estarem dentro
dela.
A cultura como elo entre escola/educação minimiza o espaço e a distância de saberes
que se instaura entre a ―cultura da escola‖ e a ―cultura dos alunos‖. Quando esses dois
mundos não dialogam, a aprendizagem não acontece: O que se ―aprende‖ na escola tende a
servir apenas ―na escola e para a escola‖. (BRANDÃO, 1983)
A instituição escolar apresenta um corpo de conhecimentos fragmentado, pesado,
embalado e armazenado como um estoque de caixinhas (talvez nem tão preciosas quanto
devessem ser), pois falta vida, movimento e imersão profunda na construção do processo de
aprendizagem, essencial ao ato de aprender, pois:
O aprendizado da leitura e da escrita não pode ser feito como algo paralelo
ou quase paralelo à realidade concreta dos alfabetizandos. Aquele
aprendizado, por isto mesmo, demanda a compreensão da significação
profunda da palavra, a que antes fizemos referência. Mais que escrever e ler
que a ―asa é da ave‖, os alfabetizandos necessitam perceber a necessidade de
um outro aprendizado: o de ―escrever‖ a sua vida, o de ―ler‖ a sua realidade,
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o que não será possível se não tomam a história nas mãos para, fazendo-a,
por ela serem feitos e refeitos. Daí que, nesta perspectiva crítica, se faça tão
importante desenvolver, nos educandos como no educador, um pensar certo
sobre a realidade. E isto não se faz através de blá-blá-blá, mas do respeito à
unidade entre prática e teoria. (FREIRE, 1981, p. 13)
Desta forma os conhecimentos transmitidos nessa escola formam um universo à parte
da realidade e nos faz pensar com indagação quando uma criança ou adulto não sabe o quanto
irá receber de troco numa conta de subtração, no registro, porém, sabe calcular mentalmente o
quanto lhe resta de troco em sua compra no mercado. O que acontece com o que aprendeu na
escola (pois tecnicamente aprendeu, segundo fichas avaliativas, avaliações escritas entre
outros)?
Partindo dessa leitura que fazemos do nosso cotidiano, a prática da leitura de mundo,
como orientadora de uma prática pedagógica dialógica, está baseada numa abordagem
freiriana que tem influenciado o sistema educacional brasileiro e mundial, porém, o Brasil
ainda apresenta lentas mudanças na forma de gerir e lidar com a Educação.
A importância da leitura de mundo para a prática docente no processo de
ensino/aprendizagem permite a tomada de consciência da realidade em que ambos, educador e
educando vivenciam e, na tentativa de minimizar uma determinada problemática da realidade,
a leitura de mundo envolve todas as áreas do conhecimento, pesquisa, escuta e o diálogo. Essa
relevância se deve ao fato da necessidade e possibilidade de lermos o mundo para o
escrevermos e reescrevermos, pois segundo FREIRE, 1981 a leitura da palavra precede a
leitura da escrita.
O termo leitura de mundo pode causar certa curiosidade, porém em seu sentido
explícito, a leitura de mundo se funde com a leitura da vida. Ao sermos educados em uma
determinada cultura aprendemos a lê-la conforme seus desdobramentos. Quando uma criança
em nossa cultura vê uma nuvem de fumaça ao longe logo identifica como um incêndio, ou
seja, fogo. Essa interpretação, leitura, aparece a partir de alguns significados que construiu
através de símbolos que a cultura em que vive a ensinou, principalmente através das múltiplas
formas de linguagem: o olhar, falar, agir, gesticular, a intensidade do tom de voz, entre outras.
Como nos ensina Freire:
[...] Refiro-me a que a leitura de mundo precede sempre a leitura da palavra
e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que
me referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo
está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo
mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém,
podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas
31
precedida da leitura do mundo, mas por uma certa forma de ―escrevê-lo‖ ou
de ―reescrevê-lo‖, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática
consciente. (FREIRE, 1989, p. 13)
A leitura de mundo realizada pelo par aprendente (educador e educando) apresenta
uma linguagem muito característica de se desenvolver nessa modalidade de ensino. Através
do lúdico, da maneira de significar o mundo, representar as coisas, objetos, sentimentos,
emoções, as crianças utilizam o jogo, a brincadeira e a fantasia numa mistura de códigos
muito bem vivenciados para criar o seu ―dicionário‖ de palavras que vão evocar o significado
do mundo contextual que as rodeia.
Considerando os estudos e reflexões de FREIRE, 2001 a ideia de ler as palavras, ou
seja, ler além do que está escrito, significa interagir em uma rede de significados entre o que
emerge de conhecimento sobre o código que está a sua frente e o que, propriamente dito,
aquele código preconiza para com elementos da realidade.
A leitura da palavra, fazendo-se também em busca da compreensão do texto,
e, portanto, dos objetos nele referidos, nos remete agora à leitura anterior do
mundo. O que me parece fundamental deixar claro é que a leitura do mundo
que é feita a partir da experiência sensorial não basta. Mas, por outro lado,
não pode ser desprezada como inferior pela leitura feita a partir do mundo
abstrato dos conceitos que vai da generalização ao tangível. (FREIRE, 2001,
p.261)
Considerando que a Educação Infantil é uma fase na infância muito significativa para
o desenvolvimento global, a formação do profissional dessa modalidade de ensino deveria
contemplar a formação continuada; a promoção ao acesso desses profissionais às instituições
de pesquisa como indicador de estudos na qualidade de ensino; oportunidades educacionais de
aprofundamento científico; períodos e bolsas de estudos, e entre outras iniciativas.
Atualmente no Brasil existem Leis que têm contribuído para um novo olhar nessa modalidade
de ensino e, o fato de inseri-la no grupo da Educação Básica aponta uma perspectiva
inovadora que requer ainda mais investimentos, ajustes e adequações.
A mais atual lei para a obrigatoriedade nos primeiros anos da Educação Infantil é a
Lei 12.796 de quatro de abril de 2013, alterando a LDB 9394/96 sobre a obrigatoriedade de
matricular crianças de quatro anos na Educação Infantil; Avaliação através de registros;
Carga mínima de 800 h e 200 dias letivos; Controle de Frequência; Atendimento de no
mínimo 4h para o período parcial e 7h para o integral entre outas providências com relação à
expedição de documentos comprobatórios da frequência e desempenho escolar, inclusão
escolar, etc.
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Documentos importantíssimos criados para essa nova perspectiva educacional de
âmbito nacional encaminham os estudos e reflexões sobre os desdobramentos da Educação
Infantil e Educação Básica em todo território nacional.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) criado em 13/07/1990, Conselhos
Tutelares, Diretrizes Educacionais, Referenciais Curriculares, por exemplo, buscam garantir
em seus princípios o direito a uma vida digna e o pleno desenvolvimento da aprendizagem.
Porém, em contrapartida, essas propostas não têm sido suficientes para transformar a
realidade educacional como um todo.
Outras iniciativas diferenciadas sobre a Educação Infantil emergem das dificuldades e
obstáculos a que os profissionais da educação vêm se deparando, num sistema econômico
capitalista que interfere no modo de educar em todos os sentidos. Essa busca se pauta em
propostas de ensino mais humanizadoras e menos reprodutoras de desigualdades sociais.
A Educação Infantil exige do educador uma conduta metodológica muito diversificada
e diferente de outras modalidades de ensino. O brincar tende a se tornar uma referência para o
trabalho pedagógico infantil nessa perspectiva, visando o lúdico no desenvolvimento de
habilidades cognitivas, psicomotoras essenciais para a continuidade de um desenvolvimento
global.
Isso, portanto, não significa que crianças maiores não fazem uso desse recurso
cognitivo – a ludicidade – para compreender a realidade, mas foi através dele que construiu
uma gama de relações significativas que cada vez mais complexas e abstratas amplia o
desenvolvimento intelectual, ou seja, o experimentar concretamente já não é um recurso
imprescindível para a aprendizagem porque devido explorações anteriores apreendem melhor
e mais complexamente a realidade.
Segundo PIAGET, 1970 o estágio de desenvolvimento aproximado de crianças na
faixa etária de cinco para seis anos de idade é o estágio pré-operatório que antecede as
operações cognitivas.
A criança apresenta a capacidade de pensar sobre um objeto a partir de outro, seus
pares. As fases que antecedem esse desenvolvimento são marcadas por exploração aleatória e
mais tarde voluntária e representativa do mundo ao redor: o movimento que era aleatório pode
ganhar sentido quando relacionado a algo da realidade.
Seguindo esse desenvolvimento até a fase pré-operatória, o brincar com caráter lúdico,
exploratório e prazeroso (inicialmente com o sentido de explorar o corpo, objetos à volta e
depois para movimentos que produzem prazer e significado como chamar a atenção da mãe,
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por exemplo) é o meio de comunicação com o mundo dos adultos, dos objetos e do
movimento com a sensibilidade psicomotora e de sentimentos bem aguçadas. .
No Brasil uma preocupação crescente está se direcionando para essa modalidade de
ensino e um dos importantes documentos que procura balizar a prática educativa é o
Referencial Curricular Nacional Da Educação Infantil (1998).
A partir de uma linguagem lúdica, o brincar se revela como meio canalizador de
interações no processo ensino-aprendizagem na Educação Infantil em suas múltiplas
linguagens, ou seja, tudo é uma linguagem: a forma de se expressar, comunicar e se
desenvolver permite uma participação ativa e espontânea das crianças nos jogos e
brincadeiras diversas. Elas se entregam ao desafio pelo prazer de participar e conhecer o
desconhecido, se expressam, comunica, imaginam, movimentam.
A imitação da vida dos adultos em suas brincadeiras são movimentos articulados que
criam, recriam modificando seus sentidos e nisso o jogo simbólico ressignifica cada espaço da
realidade inventada. O desenrolar de uma proposta pedagógica com objetivos claros,
definidos, respeitosos permite à criança explorar cada momento impregnando de sentido o
jogo, o lúdico. Nesse momento está à prova toda a leitura da realidade que vive o sujeito, ou
melhor, a criança tendo como ferramentas básicas a experiência/aprendizagem de vida
construída nos diferentes e diversos espaços das relações sociais. Para a definição dos
conteúdos, a cultura e a história de quem participa devem estar presentes do começo ao fim,
em todos os espaços possíveis de aprendizagem, na ressignificação do existir, jogando,
brincando e pensando (CORSARO, 2002).
Para ilustrar uma perspectiva mais humanizadora de ensinar e aprender, o
documentário ―Quando sinto que já sei‖ (dirigido por Raul Perez, Antonio Lovato e Anderson
Lima) apresenta um acervo de possibilidades metodológico-filosóficas sobre o trabalho
pedagógico com alunos de regiões mais pobres do campo e de cidades brasileiras. Essas
experiências respeitam as condições sociais e econômicas de seus educandos, trabalhando
com problemáticas que se pode contemplar no próprio bairro em que vivem, incentivando os
aprendizes à pesquisa, ao exercício da cidadania e à conscientização de seus direitos e
deveres, e ao combate à depreciação do ambiente em que moram.
Vivenciam um trabalho em equipe com idades e interesses diversificados em grupos
multisseriados, valorizam opiniões alheias e respeitam a si mesmos enquanto alunos de um
determinado grupo social, de uma determinada escola e cidade. O espaço das escolas é sem
muros, verde, e ambientes preparados para o desenvolvimento de atividades que emergem da
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busca pelo saber. O ser humano é formado como parte da natureza, e não como dominador
predador ou explorador desta.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) é um documento muito importante e que
organiza essas ações de aprendizagem durante o período letivo, que não precisa ser
necessariamente o período do calendário. Tem suas bases de ensino na experiência de vida de
seus alunos. Sendo o PPP um instrumento que organiza, prepara, motiva, avalia o processo de
ensino/aprendizagem numa instituição escolar, partir o ensino do conhecimento de vida dos
educandos nos leva a uma dimensão extraordinária da construção de conhecimentos: nos leva
à humanização do processo de ensino/aprendizagem. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) regulamenta o Projeto Político Pedagógico como instrumento que justifica o
caráter de pluralização de ideias na prática educacional, como forma de conceber aos seus
educandos uma educação mais igualitária.
A construção desse Projeto Político Pedagógico inclui a participação da comunidade
escolar de forma ativa, levantando sua problemática social, instruindo sobre os caminhos da
democracia na busca de soluções e mais, letrando a partir do mundo daquele grupo social.
Para FREIRE:
A ―hominização‖ opera-se no momento em que a consciência ganha a
dimensão da transcendentalidade. Nesse instante, liberada do meio
envolvente, despega-se dele, enfrenta-o, num comportamento que a constitui
como consciência do mundo. Nesse comportamento, as coisas são
objetivadas, isto é, significadas e expressadas: o homem as diz. A palavra
instaura o mundo do homem. A palavra, como comportamento humano,
significante do mundo, não designa apenas as coisas, transforma-as; não é só
pensamento, é ―práxis‖. Assim considerada, a semântica é existência e a
palavra viva plenifica-se no trabalho. (FREIRE, 1987, p. 10)
Uma prática educativa que parte dos saberes dos seus educandos respeita a realidade
sóciohistórica na qual estão inseridos e é nessa base pedagógica que essa pesquisa instala suas
estacas. Com essa base tão real e às mãos dos que aprendem e ensinam um conhecimento
suscita o outro, o outro, o outro e cada vez mais o aprendente vai ampliando de maneira
complexa o seu existir na comunidade, na escola, no trabalho, na movimentação política e
social.
É um engajamento lento, extremamente pessoal e ao mesmo tempo em relação com o
outro, que pode ser um do mesmo grupo social quanto com alguém da minoria opressora. É
um aprendizado no qual quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender
35
(FREIRE, 1981), é como se a palavra fosse para o seu mundo e o mundo desaguar na
palavra...
O maior desafio de uma prática educativa problematizadora é que a mesma está
pautada na dialogicidade dos seus sujeitos, e num sistema econômico que condiciona toda a
cultura. O dialogar constitui uma ação que pode desvelar a realidade e possibilidades de
superar os desafios. Desafios que atingem diretamente a minoria opressora na tentativa de
equalizar privilégios e dignidade, dos quais são subtraídos da maioria massificada: as classes
populares.
É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é
humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a
―educação bancária‖ pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua
libertação. Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta
possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com as do educandos,
deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e
não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida
da profunda crença nos homens. Crença no poder criador. (FREIRE, 1987, p.
35)
Partindo desse princípio, a presente pesquisa marca um encontro com a vida de seus
participantes, ou seja: crianças de quatro a seis anos de idade, seus familiares e sua relação
com a escola.
BEM-VINDA REALIDADE!
Nesse contexto a questão de estudo que permeou essa investigação foi: ―Quais
elementos a leitura de mundo de crianças e seus familiares podem contribuir para uma prática
educativa problematizadora?‖.
Para responder a essa questão traçamos três objetivos:
Investigar a leitura de mundo de um grupo de crianças entre quatro a seis anos;
Levantar junto com as crianças e pais/familiares sua concepção e expectativas sobre a
escola;
Identificar temas geradores nas rodas de conversas com crianças e familiares que
contribuam para uma prática educativa problematizadora a partir da Educação
Popular.
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O referencial teórico teve como principal suporte autores da Educação Popular e da
Educação Infantil, entre eles: Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Bruno Bettelheim,
Madalena Freire, Lev Vygotski e Jean Piaget. Para a análise dos desenhos infantis serão
utilizados, principalmente, os estudos de Jean Piaget no foco cognitivo de desenvolvimento
humano. Para responder aos objetivos do presente estudo adotamos uma metodologia de base
qualitativa.
A pesquisa qualitativa tem o objetivo de buscar respostas para as questões sobre o
assunto a ser estudado. Não coloca à prova os dados nem os quantifica, pois se utiliza de
diferentes abordagens teóricas para analisar os dados que foram levantados por meio de
entrevistas, questionários, registro diário, e/ou uma diversidade de metodologia que possa ser
suficiente para esclarecer o que se pergunta. O pesquisador é o principal instrumento da
investigação, a realização dela se dá em caráter descritivo e os dados são analisados de forma
indutiva a partir do agrupamento dos mesmos de forma particular.
É no campo da subjetividade e do simbolismo que se afirma a abordagem
qualitativa. A compreensão das relações e atividades humanas com os
significados que as animam é radicalmente diferente do agrupamento dos
fenômenos sob conceitos e/ou categorias genéricas dadas pelas observações
e experimentações e pela descoberta de leis que ordenariam o social. A
abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade
entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza: ela se
volve com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a
partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas.
No entanto, não se assume aqui a redução da compreensão do outro e da
realidade a uma compreensão introspectiva de si mesmo. É por isso que, na
tarefa epistemológica de delimitação qualitativa, há de se superar tal ideia,
buscando uma postura mais dialética dentro daqueles três aspectos descritos
por Bruyne et al. (1991): a) o movimento concreto, natural e sócio histórico
da realidade estudada (sentido objetivo); b) a lógica interna do pensamento
enquanto sentido subjetivo; e c) a relação entre o objeto real visado pela
ciência, o objeto construído pela ciência e o método empregado (sentido
metodológico). (MINAYO, 1993, p. 244)
NAS TRILHAS DA PESQUISA...
Como na história de Chapeuzinho Vermelho, traçar um caminho implica
compreensão, flexibilidade, tomada de decisão e visão estratégica e isso não foge ao
planejamento do desenvolvimento de uma pesquisa.
Orientada pela mãe, Chapeuzinho Vermelho segue o caminho com um objetivo:
chegar à casa de sua avó. No entanto, ao encantar-se no caminho pela beleza das flores e
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desaperceber-se do foco da sua empreitada, a menina é envolvida pela facilidade que lhe
oferecem ao escolher um caminho mais curto, desconhecido, sugerido por alguém tanto
quanto conhecido: o lobo!
A pesquisa qualitativa sempre lida com a subjetividade do pesquisador (a) e/ou objeto
de pesquisa/sujeitos pesquisados e é nesse trajeto que os objetivos apresentam uma função
vital que, associados aos dados qualitativos, mantém ambos no direcionamento que se
pretendeu com os objetivos propostos.
Inicialmente foram realizadas algumas leituras sobre o tema visando a um
direcionamento maior para a especificidade da pesquisa, delimitando o foco do estudo e
buscando diretrizes para o desencadeamento das ideias.
A roda de conversa foi uma metodologia escolhida para colocar os sujeitos em
interação estando voltados uns para os outros de maneira a articularem diferentes tipos de
linguagem: visual, gestual, verbalizada, escrita, entre outras.
Nesse sentido, é importante destacar a importância da dinâmica trazida pela
palavra, pois ela vivifica as relações, possibilita mudanças, remete a outras
palavras, posições e lugares. Além disso, a dinâmica da palavra fez com que
surgissem continuamente, no interior da escola, momentos de surpresa e de
impasses a partir das manifestações dos participantes, fossem eles
professores, crianças, pais ou funcionários. (MRECH*, RAHME, 2009, p.
301)
O lócus da pesquisa foi uma sala de Jardim I (alunos com idade de quatro para cinco
anos e Jardim II A e B) de uma Instituição Pública de Educação Infantil numa cidade do
interior paulista. Os instrumentos e técnicas de coleta de dados foram: desenhos para as
crianças; Rodas de conversa com as crianças e, separadamente, com os pais e familiares delas;
entrevistas e questionários para os pais e familiares.
Para o desenvolvimento teórico dessa pesquisa, o trabalho foi organizado em três
capítulos:
No Primeiro Capítulo tratamos sobre a história da infância numa perspectiva mundial
que, posteriormente, foi direcionada mais especificamente para a realidade latino-americana e
brasileira. Dentro dessa perspectiva histórica falamos sobre a Educação Infantil no Brasil
atualmente.
No Segundo Capítulo trazemos reflexões sobre a Educação Popular no Brasil e da
Educação Sociocomunitária. Relatamos a trajetória da Educação Popular no Brasil, bem como
sua definição e seus conceitos para subsidiar as propostas de atuação com as crianças e se os
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mesmos podem contribuir para construção de uma prática educativa problematizadora na
Educação Infantil a partir da Educação Popular.
No Terceiro Capítulo tratamos mais detalhadamente sobre os dados coletados durante
a pesquisa de campo por meio dos desenhos, as propostas dos mesmos, a metodologia, as
rodas de conversas tanto com as crianças quanto as rodas de conversas realizadas com seus
pais e/ou familiares. Apresentamos o levantamento de palavras que suscitaram temas
geradores para uma prática educativa problematizadora.
Por fim, nas Considerações Finais trazemos reflexões sobre os resultados da pesquisa
em diálogo com o corpo teórico que a sustenta na busca por responder à questão de pesquisa:
Quais contribuições a leitura de mundo de crianças entre cinco a seis anos de idade e seus
familiares podem trazer a uma prática educativa problematizadora?
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CAPÍTULO I
QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO: NÃO SÓ A HISTÓRIA DA
CRIANÇA EUROPEIA - A HISTÓRIA DA CRIANÇA BRASILEIRA
1.1 Da Gata Borralheira por Negrinho do Pastoreio à Tainá: uma história de força,
coragem e amor.
Dentro da pesquisa foi surpreendente descobrir que há muitos anos a História do
Mundo diz ser explicada a partir da História da Europa, e esta ter se tornado por um grande
período o maior modelo de civilização na tentativa de padronizar outras culturas.
Enrique DUSSEL, 2005 filósofo, em sua obra Europa, modernidade e eurocentrismo,
explica que a Europa acreditava na história da existência e desenvolvimento civilizador do
mundo só por ela mesma ser explicada, ou seja, a história da Europa corresponderia à História
do mundo, como um padrão de civilização a ser seguido, século XVIII.
O mesmo ocorre com a história peculiar da criança da sociedade europeia, que tendeu
a generalizar sua peculiaridade em outros continentes, países e culturas. Porém, a luta pelos
significados que produzem a cultura e o sentido de existência vem aos poucos rompendo a
fronteira da imposição na tentativa de deteriorar garantir e valorizar a existência particular de
cada grupo social.
As cruzadas representam a primeira tentativa da Europa latina de impor-se no
Mediterrâneo Oriental. Fracassam, e com isso a Europa Latina continua sendo
uma cultura periférica, secundária e isolada pelo mundo turco mulçumano,
que domina politicamente do Marrocos até o Egito, a Mesopotâmia, o Império
Mongol do Norte da Índia, os reinos mercantis da Málaga, até a ilha
Mindanao, nas Filipinas, no século XIII. A ―universalidade‖ mulçumana é a
que chega do Atlântico ao Pacífico. A Europa latina é uma cultura periférica, e
nunca foi, até este momento, ―centro‖ da história; nem mesmo com o Império
Romano (que por sua localização extremamente ocidental, nunca foi centro
nem mesmo da história do continente euro-afro-asiático). Se algum império
foi o centro da história regional euro-asiática antes do mundo mulçumano, só
podemos referir-nos aos impérios helenistas, desde os Seleusidas,
Ptolomaicos, Antíocos, etc. Mas, de qualquer modo, o helenismo não é
Europa, e não alcançou uma ―universalidade‖ tão ampla como a mulçumana
no século XV. (DUSSEL, 2005, p.26)
Nesse velho mundo ideológico crianças e adolescentes desenvolviam tarefas de
adultos como limpar as cinzas do fogão à lenha, pescar, colher frutas, ou conviver com ratos
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devido à falta de saneamento básico, auxiliavam nos afazeres de suas famílias, nas atividades
dos adultos e em seus jogos.
Parece uma história de princesa, de um grupo indígena, ou de escravos da História do
Brasil? Essas histórias se fundem na essência da história da humanidade: a luta pelo existir
socialmente, economicamente enquanto sujeito sócio histórico, também fazedor de Cultura e
de História.
Lembram-se do conto de fadas a Gata Borralheira, a Cinderela? Aquela menina órfã
de mãe? E do Negrinho do Pastoreio, conto folclórico brasileiro, filho de um escravo do
senhor estancieiro? E do filme brasileiro Tainá? Em que parte da história esses contos se
encontram: na realidade, na fantasia, na crença ou no folclore?
Cinderela ou Gata Borralheira é um conto europeu muito contado no mundo inteiro,
pois partindo do princípio de que o Brasil foi colonizado por europeus – portugueses -, a
existência da história de Cinderela, entre outros contos de fadas aqui no Brasil acaba fazendo
sentido, uma vez que os colonizadores impunham sua cultura.
Esse é o ponto crucial em que o conto de fadas europeu Cinderela se encontra com o
conto folclórico brasileiro O Negrinho do Pastoreio e, o enredo contemporâneo do filme
Tainá: um encontro marcado por lutas, desigualdades sociais, movimento contra cultural,
imposição e apropriação cultural.
Os contos de fadas e o folclore brasileiro apresentam uma pitada de imaginação,
criatividade, crença e emoção. Nesse sentido, apesar de terem objetivos distintos, eles tendem
a provocar uma reflexão paralelamente à realidade, buscando ora identificação das emoções,
compensação das mesmas e sentimento de alívio, de resolução e equilíbrio interior, ora um
significado e senso de justiça para explicitar o que está implícito na realidade e, motivar a luta
contra as desigualdades sociais.
Se o significado de folclore é o conjunto de costumes de um povo, ou seja, a cultura de
um determinado grupo social, quais peculiaridades da história da criança brasileira e europeia
as caracterizam, as distinguem e as definem em um tempo e espaço da História da
Humanidade? Qual o início da sua História? A que valeria a presença do otimismo tão
acentuado para o futuro, direcionado por meio dos contos de fadas e contos folclóricos? Quais
os propósitos da literatura dos contos de fadas e contos folclóricos então, se não
contextualizam a realidade da sociedade de massa moderna em si? Desenvolveriam recursos
cognitivos para o enfrentamento de situações cotidianas?
Segundo BRUNO BETTELHEIM, 2002 psicanalista que trabalhou com crianças
gravemente perturbadas emocionalmente, para:
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[...] que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e
despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe
a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas
emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer
plenamente suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os
problemas que a perturbam. Resumindo, deve de uma só vez relacionar-se
com todos os aspectos de sua personalidade - e isso sem nunca menosprezar
a criança, buscando dar inteiro crédito a seus predicamentos e,
simultaneamente, promovendo a confiança nela mesma e no seu futuro. Sob
estes aspectos e vários outros no conjunto da ―literatura infantil‖ - com raras
exceções - nada é tão enriquecedor e satisfatório para a criança, como para o
adulto, do que o conto de fadas folclórico. Na verdade, em um nível
manifesto, os contos de fadas ensinam pouco sobre as condições específicas
da vida na moderna sociedade de massa; estes contos foram inventados
muito antes que ela existisse. Mas por meio deles pode-se aprender mais
sobre os problemas interiores dos seres humanos, e sobre as soluções
corretas para seus predicamentos em qualquer sociedade, do que com
qualquer outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil. Como a
criança em cada momento de sua vida está exposta à sociedade em que vive,
certamente aprenderá a enfrentar as condições que lhe são próprias, desde
que seus recursos interiores o permitam. (BETTELHEIM, 2002, p. 5)
Essa questão nos remete diretamente a todo contexto sócio histórico da época e, por
meio das pressões de ressignificações psicológicas e inconscientes, os contos de fadas tendem
a trabalhar nessa tensão, com o objetivo de aliviar inconscientemente as pressões emocionais
e psicológicas da realidade, projetando um caminho para canalizar essas tensões: É necessário
aceitar e enfrentar os desafios para um futuro melhor, e isso só é possível mediante
desenvolvimento de recursos cognitivo-emocional para tal enfrentamento.
Nós não podemos controlar o que se passa em nossos sonhos. Embora nossa
censura interna influencie o que podemos sonhar, este controle ocorre num
nível inconsciente. O conto de fadas, por outro lado, em grande parte resulta
do conteúdo comum consciente e inconsciente tendo sido moldado pela
mente consciente, não de uma pessoa em especial, mas do consenso de
várias a respeito do que consideram problemas humanos universais, e o que
aceitam como soluções desejáveis. Se todos estes elementos não estivessem
presentes num conto de fadas, ele não seria recontado por gerações e
gerações. Só quando um conto de fadas satisfazia as exigências conscientes e
inconscientes de muitas pessoas ele era recontado repetidamente e ouvido
com grande interesse. Nenhum sonho poderia despertar tal interesse
persistente, a menos que fosse forjado em mito, como a estória dos sonhos
do faraó interpretada por José na Bíblia. (BETTELHEIM, 2002 p. 36)
Contrapondo o conto de fadas, o conto folclórico brasileiro e a história contemporânea
de uma índia, podemos encontrar elementos da vida cotidiana, da magia e da busca pela
solução de uma problemática por meio de uma crença construída culturalmente.
42
No conto de fadas da Gata borralheira, a personagem principal é uma garota órfã de
mãe que vivia com uma madrasta num regime de servidão, e cujas forças vitais eram menores
ao que lhe ordenavam realizar, um trabalho forçado e servil. Portanto, uma relação opressora
por parte da madrasta com um oprimido representado pela figura da Gata Borralheira. Com o
falecimento de seu pai, as condições de vida da órfã pioraram. Porém, no desenrolar da
história, quando suas esperanças haviam esgotado um elemento mágico emerge, a fada
madrinha, com a bondade de uma mãe exemplar e provedora, deu-lhe condições para se
apresentar no Grande Baile Real. No entanto, caberia à moça a tarefa de alcançar o objetivo
de ser a eleita pelo príncipe. Ao conquistar o seu troféu virou a página de sua história,
trocando seu nome de Gata Borralheira para Cinderela fazendo justiça a todos quantos lhe
fizeram o mal. Momentos de ruptura da realidade dada, condicionada, mas não determinada.
As ações necessárias para romper as ―situações-limites‖ Freire as chama de
"atos-limites‖. Esses se dirigem, então, à superação e à negação do dado, da
aceitação dócil e passiva do que está aí, implicando dessa forma uma postura
decidida frente ao mundo. As ―situações-limites‖ implicam, pois, a
existência daqueles e daquelas a quem direta ou indiretamente servem, os
dominantes; e daqueles e daquelas a quem se ―negam‖ e se "freiam‖ as
coisas, os oprimidos. (FREIRE, 1992 p. 106)
Em condições sociais igualmente desiguais O Negrinho do Pastoreio vive uma trama
de emoções, fantasia e realidade histórica análoga à de Cinderela.
Filho de um escravo negro, o Negrinho do Pastoreio era responsável por conduzir,
pastorear e controlar um grupo de cavalos baios e potros que o estancieiro malvado acabara de
comprar. Seu senhor o fazendeiro, era um homem branco descendente europeu, muito
exigente (autoritário) e castigava ardentemente o escravo que falhava nas tarefas confiadas.
Era inverno e fazia um frio congelante na região onde vivia. Apesar de criança, Negrinho do
Pastoreio dedicava o tempo todo para esse trabalho a troco de comida e pouso, além de
constituir-se propriedade do senhor estancieiro.
Numa determinada tarde o pior aconteceu: vindo o seu senhor ter com o Negrinho,
verificou que um cavalo baio havia fugido do grupo de animais. Visivelmente alterado o
fazendeiro surrou o garoto e ordenou que fosse procurar pelas colinas o baio e o capturasse
restaurando o número de animais da tropa.
O Negrinho passou a noite e o dia a procurar pelo animal em toda a região
circunvizinha da fazenda. Ao encontrá-lo lançou uma corda, porém esta veio a se romper
permitindo ao baio nova fuga. Não o encontrando mais, voltou desolado para a fazenda no fim
43
da tarde. O fazendeiro açoitou-o até ficar moribundo. Colocou-o, seriamente ferido sobre um
grande formigueiro. Passando aquela noite o fazendeiro ao romper da aurora foi até o
formigueiro onde havia deixado o menino Negrinho, quase à morte, para verificar o estado de
sua vítima.
Diz o conto que o fazendeiro levou um grande susto ao ver o cavalo baio do lado do
Negrinho que já estava em pé, sem nenhuma mancha das chibatadas. Perto do menino uma
imagem de sua santa a qual era devoto. O homem pôs-se de joelhos a rogar-lhe perdão.
Negrinho, como numa visão, sem dizer uma palavra, beijou a mão da santa, montou o cavalo
baio e saiu cavalgando pelas colinas com os outros animais da tropa. Até hoje há quem diga
que o Negrinho do Pastoreio cavalga pelas madrugadas em busca da sua liberdade,
espiritualidade, força e resistência.
Um conto contemporâneo brasileiro chamado Tainá, uma lenda da Amazônia, filme
brasileiro de 2000, do gênero infanto-juvenil, produzido e dirigido por Tânia
Lamarca e Sérgio Bloch, conta a história de uma menina índia que aprendeu a proteger a
floresta com seu avô, o pajé, e que viva num grupo de curumins (crianças) da sua aldeia. A
menina cresceu aprendendo a respeitar todo ser vivente, a terra, o céu, o fogo e a água, usando
essas forças da natureza a seu favor.
Protegidas por um pajé, as crianças da aldeia e Tainá acreditavam em seus rituais,
preces e feitiços para manterem-se vivos. Convivendo com animais selvagens e outros
domesticáveis, a menina Tainá, líder do grupo, aprendeu a se comunicar com o grupo de
crianças por meio de uma linguagem que envolvia a natureza como instrumento simbólico. As
batidas no tronco de uma árvore podiam significar estado de alegria, alerta, pânico ou guerra
de acordo com a intensidade, tempo e ritmo sonoro levado pelas trilhas da floresta por meio
das ondas sonoras como uma brincadeira de telefone sem fio.
Conta o filme que a família de um casal de pesquisadores (biólogos) vivia na floresta
para protegê-la contra invasores e exploradores ilegais. Um grupo de desafortunados bandidos
invadiu a floresta causando grande estrago ao cortar árvores gigantes, matar onça pintada
deixando órfão o seu filhote (que mais tarde viera a se tornar um ‗xerimbabo‘ de uma
indiazinha), destruindo ninhos de espécie raríssima de ave nativa, entre outros.
Esses bandidos forçam as crianças indígenas a deixarem seus ―xerimbabos‖ (filhotes
de animais órfãos) para serem levados como peças valiosas na exploração de suas peles,
pelos, garras, etc. Também capturam Tainá ao descobrirem que desarmou as armadilhas na
floresta na tentativa de protegê-la.
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Numa mistura de fantasia, crença, feitiço e uma trama muito divertida e engraçada de
se ver, o enredo explicita a força brutal do capitalismo sobre a vida, tanto contra os seres
humanos quanto contra a natureza.
Traçando um paralelo sobre as condições de vida da Cinderela, do Negrinho do
Pastoreio e Tainá podemos identificar o trabalho forçado, luta pela sobrevivência em
condições desiguais e distintas: A Gata Borralheira num regime servil, o Negrinho em regime
de escravidão e Tainá na luta pela sobrevivência dela e dos animais da floresta. Apesar da
distinção na originalidade da força do trabalho e da luta por sobrevivência, o valor social da
criança se encontra numa mesma direção: a exploração da força infantil, independente o lugar
que vem a opressão, seja no trabalho ou na luta pela sobrevivência e subsistência.
Como Cinderela, o sonho das crianças europeias era de crescerem e se tornarem
adultos como seus pais, valorosos para a sociedade, e esse sonho custava-lhes a inserção na
rotina de trabalho do mundo adulto desde tenra idade. O sonho dos meninos era se tornarem
fortes, musculosos, saudáveis, angariar um espaço na sociedade em que fossem reconhecidos
como ―homens de valor‖. O sonho das meninas? Ah! Era se tornarem lindas moças,
prendadas nos afazeres domésticos, culinários e artesanais, casar-se com um lindo príncipe,
rico e generoso para com seu povo, no entanto, haveriam de enfrentar um futuro muito árduo
e sombrio na realidade...
Em nossas vidas sempre existe um grande momento que ideologicamente comparado
ao Grande Baile Real, e na vida das crianças daquela época e localidade não era diferente,
porém, a miséria e a insignificância com relação ao seu desenvolvimento enquanto ser
humano (que seriam os adultos do futuro) transformara o seu cotidiano em trágicas realidades,
frustrando seus sonhos, rompendo sua ingenuidade, criando desilusões sem distinção de
classe social, sendo a miséria um quadro ideológico que culpabiliza os miseráveis.
As crianças na Europa medieval eram vistas como adultos em miniatura, vestiam-se
como adultos e faziam coisas de adultos, como, por exemplo e principalmente, o trabalho.
Nesse contexto, a Gata Borralheira revela em seu cotidiano a exploração dos adultos sobre seu
trabalho, pois não sabiam se ela iria sobreviver muito tempo, pelo fato das condições
higiênicas serem precárias naquela época, porém os contos de fadas, como o da Cinderela,
tentam transmitir uma filosofia ligada ao futuro de que no final, de repente, tudo dá certo a
quem é bom, honesto e serviente, não como um sentimento de querer mal, mas como uma
forma rígida de se educar no velho mundo europeu.
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[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as
crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento
da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças Corresponde à
consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue
essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não
existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condição de viver sem a
solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade
dos adultos e não se distinguia mais destes. (ARIÈS, 1973, p. 145)
O matrimônio era uma forma significativa de inserir a figura feminina na sociedade,
que por meio da figura masculina era representada. Portanto, no conto de fadas, o Baile Real
era uma oportunidade, para as moças do reino, conquistarem o maior status social: tornarem-
se princesas e/ou rainhas.
Numa sociedade eurocêntrica e machista a figura da mulher alcançava algum valor se
aliada a um ―homem de valor‖ e mesmo assim, sua voz para ter valia deveria ser mediada
pelo homem, seu marido, inclusive na literatura eclesiástica. Ao contrário disso, tinha o
mesmo valor de uma criança: com voz, mas não ouvida; sem vez; sem direitos e com muitos,
muitos deveres.
PHILIPPE ARÌES, 1981 afirma que o valor social da representatividade da infância e
adolescência ainda não havia construído uma conceituação elementar na Europa:
Afirmei que essa sociedade via mal a criança, e pior ainda o adolescente. A
duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote
do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria
algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de
seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava
imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que
talvez fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos
essenciais das sociedades evoluídas de hoje. A transmissão dos valores e dos
conhecimentos e de modo mais geral a socialização da criança, não eram,
portanto, nem asseguradas nem controladas pela família. A criança se
afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante séculos a educação
foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança ou do
jovem com os adultos. A criança aprendia as coisas que devia saber
ajudando os adultos a fazê-las. A passagem da criança pela família e pela
sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou
razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade. (ARIÈS, 1981, p. 3)
Na sociedade europeia nesse período a solidão era uma forma de diálogo, de dizer que
algo da realidade estava incomodando e impulsionando o sujeito para uma escolha que teria
impacto em toda sua história. A transmissão de valores e conhecimentos não era controlada
pela família, pois as crianças se misturavam com a comunidade e as mesmas aprendiam a
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forma cultural de se viver com um determinado grupo social, em que, a infância não era
distinguida da fase adulta. Conversavam com pessoas diferentes da família ou se isolavam.
Graças a esse tipo de relacionamento e convivência as crianças e adolescentes
interagiam com os adultos aprendendo a viver socialmente, desenvolvendo aprendizagens, ora
dialogando, ora se isolando. No entanto, dada a insignificância para seu modo de pensar
característico da infância e adolescência, esse grupo social tinha dificuldades para expressar
seus sentimentos, intentos, paixões, amores para pessoas da família, visto que, principalmente
a sexualidade era assunto proibido.
Sonhos, projetos de vida era coisa de gente adulta. O planejamento, a preparação para
a vida adulta era uma fase que não existia, então, falar de sentimentos era o mesmo que se
encontrar com uma estrela no céu em meio à escuridão: diálogo com a solidão.
1.2 Entre arcos, flechas, espelhos e embarcações: as crianças brasileiras e
abrasileiradas.
Buscando conhecer a história da criança brasileira, MARY DEL PRIORE, 2000
apresenta um estudo com o livro: ―História das crianças no Brasil‖, e nos conta como essas
duas realidades - a história da criança europeia e brasileira – estão interligadas.
No período do ―Descobrimento do Brasil‖ muitos homens portugueses vinham para as
Terras de Santa Cruz. Porém, poucas mulheres se aventuravam a virem para a Nova Terra, e
com isso, crianças ―Órfãs do Rei‖ e pajens subiam a bordo das embarcações lusitanas para se
casarem com os súditos do Rei de Portugal, aqui no Brasil.
Apesar dos ibéricos serem considerados como muito afetuosos com as crianças, seus
filhos, existia uma cultura do desapego emocional: em condições precárias de higiene, saúde,
alimentação e moradia as crianças tinham uma expectativa de vida muito curta. Viviam
aproximadamente até aos catorze anos. Se escapassem da morte entre os primeiros sete dias
(―o mal de sete dias‖- cuidados com a higienização no nascimento/cicatrização do umbigo -
tétano), teriam que enfrentar mais uma etapa até sete anos de idade (alimentação
precária/trabalho forçado). A terceira etapa até os catorze anos quando enfrentariam as
navegações (considerados já como adultos).
Ao sobreviverem até aos catorze anos de idade teriam chances de se tornarem adultos.
No entanto, um sentimento de menos-valia, de insignificância para com a criança nesse
período da história fez com que viessem a ser consideradas um pouco mais que animais. Esse
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sentimento era generalizado entre as classes sociais, mas de acordo com a precariedade de
sobrevivência, em grupos socialmente mais vulneráveis, pobres, poderiam ser mais ou menos
relevantes, portanto, em classes sociais menos favorecidas, menos apego emocional.
Em contrapartida no Brasil, a cultura indígena permitia às crianças desempenharem
papéis importantes no grupo participando do cotidiano dos adultos, porém, com uma grande
diferença: eram respeitadas durante seu desenvolvimento físico, intelectual e social. Em meio
às tentativas de ensaio e erro as crianças iam conhecendo a importância de encontrarem seu
lugar enquanto sujeitos pertencentes ao grupo. As meninas colhiam frutos e preparavam os
alimentos com as índias, suas mães. Aprendiam a dançar, construir adornos com elementos
da natureza, preservar o ambiente em que viviam, cultivar a terra, e, quando na puberdade,
participavam de um ritual marcando respeitosamente sua fase de fertilidade e prontidão para
receber um jovem índio e desenvolver sua sexualidade/maternidade (poligamia).
Os meninos também participavam do cotidiano de seus pais. Aprendiam a lutar, caçar,
proteger a aldeia, cultuar seus deuses e respeitar toda forma de criação. A prática do
canibalismo era presente em muitos grupos da época o que causou espanto aos estrangeiros.
Faziam rituais para marcar a passagem da infância para a adolescência também para os
meninos. Esses rituais estavam sempre ligados a um código de honra, de pertença ao grupo no
qual compartilhavam seus membros. (DEL PRIORE, 2000)
Com uma cultura que valoriza e respeita as crianças, os mancebos, os adultos, os mais
idosos, a terra e os animais, os povos originários desenvolviam um modelo de educação
bastante distinto dos europeus: ensinavam e aprendiam a partir da vida, com a vida, com o
outro, e, para a vida.
Pensar certo não é que - fazer de quem se isola, de quem se "aconchega" a se
mesmo na solidão, mas um ato comunicante. Não há por isso mesmo pensar
sem entendimento e o entendimento, do ponto de vista do pensar certo, não
são transferindo, mas co-participando. (FREIRE, 1996 p. 21)
A chegada dos portugueses no Brasil provocou grande impacto cultural e a criação de
uma nova ordem social com relação aos habitantes do Brasil, os indígenas. A origem da
formação populacional brasileira conta com grande número de crianças que no Brasil colonial
sofreram situações de maus tratos, humilhações, péssimas condições de sobrevivência.
A existência de tribos indígenas em nosso país era predominante, porém as diferenças
culturais, principalmente relacionadas ao que não deveria ser chamado de progresso
48
civilizatório - cultura europeia - fragilizou a cultura indígena tornando-a submissa à
estrangeira.
O Brasil foi sendo desbravado e explorado pelos portugueses em todas as suas
riquezas, desde o seu patrimônio material (a natureza e riquezas) até seu patrimônio humano,
a cultura indígena. Também foi uma das terras mais cobiçadas por outros países
colonizadores, como a Inglaterra, a Holanda e os Estados Unidos. Mas, foi partir de 1530 que
o Brasil começou a ser povoado por grupos portugueses. Famílias inteiras vinham em
embarcações na busca de uma vida melhor, na Nova Terra. Portanto, toda essa movimentação
de migração também integrava, aos grupos das famílias portuguesas, as crianças: e é aí que a
história da criança europeia se encontra com a história das crianças brasileiras.
Inicialmente, apenas as famílias e crianças portuguesas vinham para o Brasil nessas
embarcações. Sujeitas a todo tipo de maus tratos, incluindo abuso sexual, crianças órfãs
desabrigadas e de famílias pedintes vinham para os navios com o objetivo de suprirem a falta
de mão-de-obra de adultos nos navios. Não importava a condição social pelas quais
embarcavam (tripulantes, passageiros ou grumetes): dentro do navio eram tratadas
igualmente. A única diferença em que consistia o embarque era de que os tripulantes vinham
com suas famílias; os passageiros deveriam estar acompanhados de suas pajens, e os grumetes
eram aqueles que não tinham nenhum responsável por eles, ou seja, órfãos do Rei e/ou
crianças das famílias pedintes (DEL PRIORE, 2000).
Chamadas grumetes, entre nove e dezesseis anos as crianças e adolescentes ―Órfãs do
Rei‖ embarcavam para grandes travessias marítimas a troco de um soldo –salário -
(remuneração de militar), trabalhando nos navios como adultos e recebendo menos que um
marujo (marinheiro). As crianças judias eram raptadas de forma violenta para essas
embarcações, sendo uma prática comum dos portugueses, incluindo-as ao grupo dos
grumetes, com o objetivo de obterem mão-de-obra barata no navio e controlar o crescimento
da população judaica em seu país (DEL PRIORE, 2000).
Segundo a mesma autora, durante a viagem para o Brasil os grumetes eram os que
mais sofriam nas embarcações com os trabalhos mais perigosos, acomodados num espaço de
aproximadamente cinquenta centímetros, enfrentando longas travessias nessas péssimas
condições. Os grumetes mais velhos sobrecarregavam os mais novos nos serviços mais
perigosos, portanto, quanto mais nova a criança mais sofria nas embarcações.
Os grumetes eram alojados nos conveses desses navios e o motivo para tão pouco
espaço era a ganância dos capitães para transportarem o máximo de mercadorias que lhes
gerariam lucros. O convés que as crianças e adolescentes eram alojados também era um
49
espaço em que os doentes ficavam separados do restante da tripulação, e as mortes de crianças
e adolescentes nessas viagens contagiadas por esses doentes, por maus tratos e péssima
alimentação eram muito comuns, sendo seus corpos, após a morte, jogados ao mar.
Não obstante, poucas crianças, quer embarcadas como tripulantes ou
passageiros, conseguiam resistir à insalubridade das embarcações
portuguesas, à inanição e às doenças; e um número ainda menor sobrevivia
em caso de naufrágio. Se eram poucas as crianças embarcadas, o número de
pequenos que chegavam vivos ao Brasil, ou mesmo à Índia, era ainda menor,
e com certeza nenhum conseguia chegar ileso ao seu destino. O menor mal
que podia sofrer após viver alguns meses no mar, quando tinha sorte, era o
de sofrer um grande trauma e deixar de ser criança; ver seu universo de
sonhos, esperanças e fantasias desmoronar diante da cruel realidade do
cotidiano das naus do século XVI; perder sua inocência para nunca mais
recuperá-la. (RAMOS, p. 49 In PRIORE, 2000;)
1.3 Reizinho mandão: a nova ordem social no Brasil com a chegada dos portugueses.
Chegando essas embarcações portuguesas ao Brasil iniciou-se uma missão de
imposição cultural. A resistência contra o grupo opressor sempre foi presente, porém por meio
do viés da religião os portugueses tentavam converter os indígenas ao cristianismo e, mais
uma vez as crianças foram alvo fundamental para alcançar o objetivo da empreitada.
A Companhia de Jesus, instituída desde 1549 pelos portugueses, tinha uma missão que
ocupou papel central na catequese de promover o ensino da leitura, escrita e da doutrina
cristã. Sua intenção missionária foi se tornando uma missão também docente que considerava
as crianças indígenas como ―papel branco‖, já que um conceito sobre infância começara a
surgir no velho mundo.
É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento no
Velho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo e
grupo, o que ensejava o nascimento de várias formas de afetividade e a
própria ―afirmação do sentimento da infância‖, na qual Igreja e Estado
tiveram um papel fundamental. Neste sentido, foi também esse movimento
―que fez a Companhia escolher as crianças indígenas como o ‗papel blanco‘,
a cera virgem, em que tanto se desejava escrever; e inscrever-se‖.
(CHAMBOULEYRON, p. 56. In PRIORE, 2000)
Percebendo-se que um plano de educação pré-determinado não funcionava devido ser
este construído para um público específico e em um contexto social diferente, os jesuítas
50
mudaram a metodologia de ensino das boas virtudes: aprender pelo temor seria mais rápido
converter os indígenas ao cristianismo que pelo amor.
Partindo da dificuldade de conversão dos gentios (assim chamados os que não
praticavam o cristianismo), por meio de autorização da Coroa Portuguesa os padres decidiram
trabalhar com as crianças indígenas aplicando punições severas, constrangimentos para que se
convertessem mais rapidamente e pudessem contagiar e converter os adultos de suas famílias.
Esse método de ensino a princípio rendeu um resultado satisfatório para os
portugueses ao ponto de as famílias indígenas entregarem a educação de seus filhos aos
padres. Apesar de não terem a missão de alfabetizar os índios, a instrução intelectual das
letras se mostrou um caminho eficiente para a evangelização na metodologia de ensino dos
padres. Por meio de cantos, festas, memorização, coral exercitavam a fé cristã, as crianças
admoestavam os mais velhos em seus costumes, considerados pela fé cristã, pecaminosos
(DEL PRIORE, 2000).
Muitas casas e colégios foram construídos pela Coroa Portuguesa em vários Estados
do Brasil, porém na Bahia centralizou-se a sede da Companhia de Jesus constituindo uma
confraria (irmandade).
Juridicamente possuía uma ambiguidade de atribuição, visto que, como situação
eclesiástica necessitaria de uma legislação específica por causa dos meninos órfãos a quem
atendia e, com relação ao ensino das letras legislação específica em Educação, o que
envolveria metodologia de ensino adequado e não religiosa. Isso causou um mal estar sobre o
ponto de vista dos moradores portugueses, principalmente com o crescimento do patrimônio
da Companhia nas negociações financeiras com a Coroa Portuguesa para manutenção da
mesma.
Com a falta de mão-de-obra escrava, pois os índios dificilmente se entregavam à
escravidão, a necessidade de trabalhadores em regime de escravidão provocou o tráfico de
pessoas da África para o Brasil, sendo raptados violentamente homens, mulheres e crianças
quantos pudessem ser pegos. Eram arrastados para as embarcações lusitanas e enfrentavam
condições até piores que a dos grumetes.
Os autores José Roberto de Góes e Manolo Florentino (2000), em seu artigo Crianças
escravas, crianças dos escravos no livro de Priore (2000), retratam a história de Ullunga, uma
criança africana que caiu na rede de tráfico de escravos para o Atlântico, ou seja, talvez para o
Brasil.
51
No entanto, Ullunga caiu na rede do tráfico de escravos que se dirigia para o
Atlântico. Em certo dia do ano de 1736, documentos portugueses a mostram
extenuada, em meio a setenta outras pessoas também capturadas. Sabemos
que passou por Benguela e que pode ter sido embarcada para o Brasil. Se
sobreviveu à travessia oceânica, foi das poucas crianças a aportar deste lado
do Atlântico, pois o tráfico privilegiava adultos do sexo masculino. Apenas
4% dos africanos desembarcados no Valongo, naquela época, possuíam
menos de dez anos de idade. Se Ullunga foi um deles, logo aprendeu que, no
Brasil, o ingresso no mundo dos adultos se dava por outras passagens: em
vez de rituais que exaltavam a fertilidade e a procriação, o paulatino
adestramento no mundo do trabalho e da obediência ao senhor. Uma vez na
América, Ullunga seria uma criança escrava. (In Del PRIORE, 2000, p. 177)
Retornando ao conto folclórico brasileiro Negrinho do Pastoreio, podemos retratar a
situação da maioria das crianças no Brasil colonial: uma boa parcela sendo filhos dos escravos
trazidos ao Brasil e uma minoria (além de possuírem os bens de seus pais – origem da
desigualdade social: má distribuição de terras) filhos dos senhores fazendeiros: homem
branco, europeu.
1.4 Dia e noite, noite e dia: o cotidiano das crianças brasileiras indígenas, escravas e
europeias no Brasil colonial.
Sendo filho de um escravo africano que foi raptado pelas embarcações lusitanas em
seu país de origem, Negrinho apresenta no enredo do conto um cotidiano de trabalho e
adestramento da criança negra e escrava. Quando pequenas compartilhavam os mesmos
espaços com as crianças dos seus senhores, porém desde tenra idade necessitavam apresentar
submissão aos ―pequenos senhores‖ nas brincadeiras, na comida, na escola.
Aos catorze anos eles eram separados: Os filhos dos senhores fazendeiros iam para as
escolas régias e os filhos dos escravos iam para os trabalhos nas fazendas de café, cana-de-
açúcar e outras culturas agrícolas.
Entre 1789 e 1830, a população escrava do Rio de Janeiro, mantinha-se e
crescia por meio do tráfico transatlântico. Os navios negreiros que
incessantemente cortavam o oceano despejaram anualmente no porto carioca
nove mil africanos, até 1808. A partir de então, e até 1830, 24 mil
aproximadamente. Em 1789, havia 65 mil escravos, metade da população
global, nas áreas rurais do Rio de Janeiro. Até 1808, metade deles estava
concentrada em grandes fazendas. Em 1823, a população cativa chegava a
110 mil pessoas, continuando a representar a metade dos habitantes das
zonas agrárias. Por volta de 1830, três quartos dos escravos estavam
52
concentrados em grandes fazendas, ligadas à agroexportação do café e do
açúcar. (GÓES E FLORENTINO. In Del PRIORE, 2000, p. 178)
Com o crescimento da população escrava e com compatível número de mortes dos
mesmos, as crianças escravas acabavam crescendo órfãs e isso mobilizou a construção de uma
rede de apadrinhamento pelos escravos quando seus pequenos eram batizados no catolicismo:
utilizaram um requisito da própria religião imposta para criarem uma rede de proteção às
crianças que sobreviviam até aos catorze anos, visto que, conforme iam crescendo iam
perdendo seus pais devido às péssimas condições de sobrevivência nas senzalas. Portanto,
com essa rede pactual de sangue seria difícil não ter um irmão ou irmã por perto, com quem
pudesse contar com carinho, proteção e companhia, pois ―o compadrio católico unia escravos
e unia plantéis‖ (DEL PRIORE, 2000).
A religião sempre esteve muito ligada ao poder econômico. Por meio dela foi possível
o adestramento desses escravos e a condição de submetê-los à servidão, produzindo riquezas.
A Modernidade, como novo ―paradigma‖ de vida cotidiana, de compreensão
da história, da ciência, da religião, surge ao final do século XV e com a
conquista do Atlântico. [...]. Por último, e pelo caráter ―civilizatório‖ da
―Modernidade‖, interpretam-se como inevitáveis os sofrimentos ou
sacrifícios (os custos) da ―modernização‖ dos outros povos ―atrasados‖
(imaturos), das outras raças escravizáveis, do outro sexo por ser frágil,
etcetera. (DUSSEL, 2005 p. 5 e 6)
Muito atrelado ao poder, a religiosidade cumpria o papel de garantir a manutenção da
dinâmica social daquela época. A imposição cultural garantiu uma dinâmica social
excludente, escravista e os portugueses ou outros imigrantes que vinham para o Brasil se
preocupavam apenas em explorar as terras, o patrimônio humano. Os indígenas, em sua
maioria, preferiam morrer a ser escravizados. Muitos grupos se isolavam em determinadas
partes do país, mas isso não garantiu segurança e ausência de perseguição por parte dos
intrusos.
1.5 De pés no chão ao envernizado dos sapatos: o cuidar infantil como problema
social do Brasil colonial ao período de industrialização.
Apesar de se manterem em regime de escravidão, uma agitação política entre seus
membros – os escravos – acelerou o processo de abolição da escravatura no Brasil
53
acompanhada de uma longa manifestação mundial a partir de 1850. A pressão por países
interessados nos lucros da escravidão (sem ter como adquiri-lo, pois já haviam abolido a
mesma, como a Inglaterra - por exemplo), surtiu a necessidade de libertar os escravos (melhor
dizendo uma manobra política com intuito de aliviar as pressões de outros países) com
discurso demagógico, que por fim, concretizou-se na liberdade dos escravos.
Interessante é observar o quanto a questão financeira se sobrepõe à vida, aplicada
principalmente por meio da imposição cultural. Antes de acontecer a Abolição da
Escravatura, a Lei nº 2040 de 28.09.1871 (Lei do Ventre Livre), também abolicionista e
declarada pela Princesa Isabel, garantia a liberdade de todos os filhos de mulheres escravas,
nascidos a partir da data da lei. Um problema então surgia visto que, se as mães permaneciam
como escravas, de que maneira cuidariam de seus bebês? O cuidar da criança pequena já se
manifestava como um problema social o qual não se podia ignorar, mesmo em tempos e
moldes coloniais e escravistas.
Antecedendo a Lei da Abolição da Escravatura, a Lei do Ventre Livre proporcionava
duas condições às mães negras que ainda eram escravas: uma possibilidade seria entregar o
filho para o governo, ou seja, para adoção; e outra era de manter a criança até aos vinte e um
anos de idade como empregado do fazendeiro, assalariado, onde a escrava mãe pertencia
enquanto propriedade.
Podemos dizer então que a escravidão não só continuou como se apresenta em várias
relações opressoras de poder. Eis um trecho da Lei do Ventre Livre:
Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o
Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a
Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1°: É
declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2°:
Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as
autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer,
que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se
contém. O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e
Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo
Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça
imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de
maio de 1888, 67º da Independência e do Império. Princesa Imperial
Regente. RODRIGO AUGUSTO DA SILVA Este texto não substitui o
publicado na CLBR, de 1888, Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial
manda executar o Decreto da Assembleia Geral, que houve por bem
sancionar, declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.
Para Vossa Alteza Imperial ver. Chancellaria-mór do Império. Antônio
Ferreira Vianna. Transitou em 13 de Maio de 1888.- José Júlio de
Albuquerque. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil)
54
Todos esses acontecimentos ocorriam de maneira interligada, não eram fatos isolados
e sim articulados.
A chegada dos portugueses ao Brasil abriu uma porta para a imposição cultural que
modelou a nova ordem social na qual o país vive atualmente. A exploração do patrimônio
material e humano é um resquício do passado e a quase extinção da cultura indígena indica o
baixo nível da relação de alteridade intracultural.
Nessa recapitulação de fatos e ideias a percepção de uma relação opressora entre os
pares, ou seja, os seres humanos acontece em todos os aspectos da vida social. A dominação
cultural por meio de uma ideologia massificadora está sendo o fio condutor de um tecido
cheio de rupturas, trincas, danos e, muito pouco se aproveita desse panorama.
A educação sempre esteve presente no desenvolvimento civilizatório da Humanidade.
Como no presente texto esse processo educacional implícito ou explícito sempre aconteceu
em todas as faixas etárias, sendo condição humana primordial de sobrevivência.
1.6 Das rodas indígenas, os pedagogos nas senzalas e fazendas à estruturação da
Educação Infantil no Brasil: um pouco de escolarização.
Garantida a sobrevivência humana a partir de processos educacionais muito
diversificados, a Educação entre os humanos é concedida por meio da interação entre os
mesmos mediada pelo diálogo na efetiva comunicação entre os pares. Sem nos aprofundarmos
nesse assunto, cabe ressaltar que, no que tange à especificidade da pesquisa, a comunicação
mediada por seus interlocutores é ação primordial para ao desenvolvimento da espécie
humana.
Os grupos indígenas nativos daqui do Brasil desenvolviam um tipo de educação para
com seus pequenos prezando princípios reais, dinâmicos, vivos, transformando a educação
num modo típico de viver e conviver. As rodas, os cânticos, os adornos, a colheita, o
alimentar-se, o cuidar, proteger a tribo, cultivar hortaliças, rituais, cuidar dos animais, utilizar
a natureza como tecnologia para a dinâmica da vida, para a ciência, para a medicina eram
compartilhados e não transmitidos. Essa é uma diferença crucial em seu modo de conceber a
educação quando comparado com o modelo de educação vigente, influenciado pelo mundo
europeu.
Um modelo pronto sem espaço para adaptações foi muito empregado no Brasil na
época da escravidão. Os pedagogos, professores que ministravam aulas para os filhos dos
55
escravos e dos senhores das fazendas os ensinava a ler, escrever e calcular até os treze anos
incompletos. Aos catorze anos os filhos dos fazendeiros iam para as escolas régias estudar
latim, oratória (destinados aos cargos de poder) e os filhos dos escravos iam trabalhar em
diversos tipos de agricultura na fazenda (destinados a servir). Eis aqui um dos aspectos
históricos que dão origem à desigualdade social: condições educacionais e de trabalho. (DEL
PRIORE, 2000).
Com o processo de industrialização a partir da segunda metade do século XX a
necessidade de qualificação de mão-de-obra foi fator preponderante para o início de um
processo de escolarização em moldes que não contemplavam a realidade brasileira. Com um
número de analfabetos gritante o Brasil investiu em escolarização e nesse processo a escola
para os pequenos também orientou políticas públicas para esse setor.
Quando iniciamos um diálogo sobre a Educação, principalmente a Educação Infantil
exige-se uma busca da concepção que se tem definida sobre infância/criança.
A Educação Infantil se institucionalizou em modalidade educativa após um problema
social estar eminentemente embrincando o processo de industrialização e de mão-de-obra: as
mães que foram para as fábricas não tinham onde deixar os seus filhos. Novamente o cuidado
para com a criança reflete-se como uma questão social a ser solucionada. Daí então o caráter
assistencialista que origina a Educação Infantil.
No início do processo de industrialização as crianças pequenas ficavam com outras
mulheres que se recusavam a ir para o mercado de trabalho em e espaços inapropriados que
proporcionavam ociosidade e falta de direcionamento de atividades. Nesse momento surge a
intencionalidade pedagógica.
Seguindo com a história da Educação Infantil no Brasil esta se fixa numa estrutura
organizada por faixa etária/fases de desenvolvimento correspondente aos espaços que darão
conta da rotina do trabalho pedagógico, recreação e cuidados para com as crianças. Essa
estrutura é, em geral, adaptada e destinada ao acolhimento de crianças de zero a seis anos, em
atendimentos parciais ou integrais, utilizando-se de espaços adequados às atividades
condizentes com as necessidades do cuidar e do educar e, especificamente, realizada pelos
profissionais habilitados.
Uma crescente preocupação vem se tornando significativa com relação a essa
modalidade de ensino, principalmente no âmbito nacional. Políticas públicas estão voltadas
para os pequenos e muito tem mudado o atual cenário brasileiro na Educação Infantil.
Com legislação específica subordinada à lei maior a LDB (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional) Lei nº 9394/96, a Educação Infantil Pública se depara com inúmeras
56
dificuldades por parte dos professores sobre que abordagem teórico-metodológica seria mais
adequada ao campo de atuação. Numa realidade social em constante transformação, o Ensino
Fundamental também enfrenta a mesma problemática: O que se aprende na escola serve
apenas para a escola ou deveria ser significativo durante a vida?
Tal preocupação se mostra de maneira crescente, fator que notamos nas modificações
inseridas nos textos legais, em específico na LDB 9394/96:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 05 (cinco) anos, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade.
Neste contexto, a Educação Infantil busca diretrizes de uma educação de qualidade,
porém a história de vida dos educandos ainda está sujeita a documentos, currículos e
programas fechados e prontos.
Trabalhando sobre o princípio de que a criança é um sujeito histórico e de direitos
que, perceptivelmente influencia e transforma a História desde a maternidade à interação que
estabelece com seus familiares, adultos e pares, à Educação Infantil pressupõe a necessidade
de organizar o processo de formação, desenvolvimento e autonomia dos pequenos em espaços
chamados escolas, efetivando a consideração:
A criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos
que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela
disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de diferentes
idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere. (DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2013, P. 86).
A busca por compreender o contexto e as relações na Educação Infantil está atrelada
ao que é necessário fazer, dentro de uma concepção de infância e criança, assegurando formas
de trabalho dos profissionais com olhares voltados à diversidade e ao fator de que,
socialmente, o ser humano se constitui nas relações e, com a criança, esse processo acontece
com seus pares.
Portanto, a concepção de infância/criança construída nesse século pressupõe a
necessidade de identificá-las enquanto sujeitos dotados de vozes (que quase não ouvimos), de
vez (que quase passamos por ela) e de espaços apropriados (que quase minamos considerando
fúteis ou inúteis) para que ocorra o processo de formação; desenvolvimento da autonomia,
57
habilidades e competências, destinado ao seu desenvolvimento intelectual, físico, moral,
afetivo, entre outros.
1.7 Trilhando o caminho: em busca de identidade.
Partindo da existência de mais de um século, o atendimento de crianças de zero a
cinco anos existe tem o seu reconhecimento enquanto instituição educacional recentemente
devido as concepções de infância constituírem construções amparadas pelo reconhecimento
do dever legal do Estado e da responsabilidade familiar, na inserção da criança de zero a três
anos no sistema educacional - Creches.
Por acreditarmos nessa criança capaz, atuante e que produz cultura, por meio de
diversas linguagens, sejam elas corporais, artísticas, musicais, etc.; esse sujeito deve se tornar,
ao longo das etapas da Educação Infantil, cada vez mais independente do adulto em suas
ações, para ter autonomia nas suas escolhas e atitudes. Consciente disso, nosso papel de
adulto educador deve ser o de mediar essas vivências e propô-las, de modo intencional e
pedagógico, visando o melhor e o mais rico desenvolvimento delas dentro das condições que
nos são dadas.
Cada criança tem o direito de ser respeitada em suas diferenças, dificuldades,
vivências culturais, étnicas, condições socioeconômicas e demais peculiaridades dentro dos
coletivos em que estão inseridas. Sendo assim:
Cada criança apresenta um ritmo e uma forma de colocar-se nos
relacionamentos e nas interações, de manifestar emoções e curiosidade, e
elabora um modo próprio de agir nas diversas situações que vivencia desde o
nascimento conforme experimenta sensações de desconforto ou de incerteza
diante de aspectos novos que lhe geram necessidades e desejos, e lhe exigem
novas respostas. Assim, busca compreender o mundo e a si mesma, testando
de alguma forma as significações que constrói, modificando-as
continuamente em cada interação, seja com outro ser humano, seja com
objetos. (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO
BÁSICA, 2013, P. 86).
Sabemos que o progresso nos estudos referentes ao processo educacional,
principalmente o infantil, é um avanço que denuda uma realidade múltipla de dificuldades. Os
municípios são incumbidos legalmente por esta etapa da Educação Básica, com as quais tem
que lidar e buscar soluções de coparticipação da comunidade escolar, centros de referência
58
acadêmica e pesquisa de campo para encontrar os caminhos na garantia ao ingresso à
Educação Infantil, sem perder os requisitos de qualidade, permanência e assistência.
Considerando que, no século XXI, estamos neste patamar de busca pela ampliação
do direito à cidadania da criança, de sua educação e reconhecimento como produtor de
cultura; não podemos deixar de trazer à baila a questão de que ―até meados do século XIX,
não existia em nosso país o atendimento de crianças pequenas longe da mãe em instituições
tipo creches, parques infantis ou jardins de infância‖. (OLIVEIRA, et al, 2013, p. 21)
O crescimento da sociedade comercial, a migração dos trabalhadores rurais às
cidades e a demanda pelo trabalho feminino, entre outras mudanças na estrutura da sociedade,
foram co-responsáveis pela criação de espaços de acolhimento às crianças, porém, acolher
não se mostrou suficiente, trazendo à tona discussões sobre qualidade deste mesmo
atendimento e a universalização da Educação Infantil requisitada pela participação popular.
Aquilo que inicialmente era destinado à classe trabalhadora, para famílias em
situação de extrema pobreza, sem qualidade do espaço e das atividades desenvolvidas, passou
a ser objeto de movimentação popular e de políticas públicas transformando o caráter
assistencialista da Educação Infantil em uma Educação que correspondesse às expectativas de
melhores produções culturais, intelectuais e de desenvolvimento, no combate à desigualdade
social.
Experiências significativas, na atualidade, comprovam que toda esta movimentação,
ao longo dos tempos, foi essencial para que municípios destinassem esforços e recursos para
criar estruturas que primassem pela qualidade e permanência, lançando diretrizes próprias,
baseadas nas nacionais, porém com enfoque aos constituintes de sua realidade/necessidade
(MEC/SEF, 2002, p. 27):
Considerável melhoria dos espaços físicos.
Estabelecimento de parcerias, principalmente, na área de saúde,
atendendo às reivindicações da comunidade.
Participação efetiva dos pais.
Programa Municipal para a Educação Infantil (Diretrizes Curriculares
para a rede municipal de Educação Infantil).
Elaboração e desenvolvimento dos Projetos Educativos nas unidades
de Educação Infantil da rede municipal.
Coadunando com esta aplicabilidade de concepção da Educação Infantil voltada à
cidadania e política nas quais todos os seres humanos estão envolvidos desde a mais tenra
idade, é possível acreditar que a Educação Infantil só pode ser vista e planejada a partir da
definição de criança e de infância.
59
Consideramos que a infância é a primeira fase da vida, base para as posteriores,
especialmente no sentido da formação integral do indivíduo. Ela se dá a partir das relações
estabelecidas e não é única, já que se define também por locais, culturas e tantos outros
aspectos que podem diferenciar as infâncias pelo mundo.
Infância. [do lat. Infantia] S. F. 1. Período de crescimento do ser humano,
que vai do nascimento até à puberdade, meninice, puerícia. 2. As crianças. 3.
Fig. O primeiro período da existência de uma instituição, sociedade, arte, et.
4. Psicol. Período da vida que vai do nascimento à adolescência,
extremamente dinâmico e rico, no qual o crescimento se faz
concomitantemente em todos os domínios, e que, segundo os caracteres
anatômicos, fisiológicos e psíquicos, se divide em três estágios: primeira
infância, zero à três anos; segunda infância, de três à sete anos; e terceira
infância, de sete anos até à puberdade. 5. Bras. Pop. Ingenuidade,
simplicidade: Aquele senhor é de uma infância! º Primeira Infância. Psicol..
V. infância (4) Segunda Infância. Psicol.. V infância (4). Terceira Infância.
Psicol.. V infância (4). (FERREIRA, 1999, p. 1106)
Nossa definição de Educação Infantil e que muitas vezes se confunde com nossos
objetivos, é aquela que tem uma proposta planejada para a vivência da criança e de sua (s)
infância (s) nas mais variadas linguagens, e que só se estabelece a partir da relação que essa
criança tem com seus pares e adultos.
A Educação Infantil tem como objetivo principal proporcionar vivências que
possibilitem o desenvolvimento das crianças de zero a cinco anos de forma integral, nos seus
aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social (LDB 9.394/96, art. 29), tendo em
vista que a infância é uma etapa da vida que é base para as demais na formação dos seres
humanos.
Entendemos que a Constituição Federal de 1988 e a LDB (Lei 9394/96) foram as
bases para a versão institucional de Educação Infantil propondo as Diretrizes Nacionais,
porém com a observação de Oliveira (2013) ―lembra o Parecer CNE/CEB nº 20/09 que nem
toda política para a Infância, que requer esforços multissetoriais integrados, é uma política de
Educação Infantil‖ (p. 33).
O que é possível assimilar, a partir desta observação, é que existem condições criadas
e contradições na aplicabilidade prática, nas quais a Educação Infantil forma crianças cidadãs
do mundo, que terão ideias para modificá-lo e transformá-lo. Por isso a importância de
planejar práticas pedagógicas voltadas para a cidadania, educação ambiental, política
questionadora.
60
As práticas na Educação Infantil devem se voltar para três princípios, segundo as
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA (2013, P. 87 -
88):
1) Princípio Ético: Valorização da autonomia, da responsabilidade, da
solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes
culturas, identidades e singularidades.
2) Princípio Político: Dos direitos de cidadania, do exercício da
criticidade e do respeito à ordem democrática.
3) Princípios Estéticos: Valorização da sensibilidade, da criatividade, da
ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
Vale destacar o caráter institucional da Educação Infantil, que se diferencia da
educação doméstica e religiosa, citando apenas dois exemplos. O Educar e o Cuidar nesta
etapa são indissociáveis, visto que as crianças pequenas são mais dependentes de um adulto
que as acolha e proteja. Porém, os cuidados e a proteção na Educação Infantil se diferenciam
dos cuidados que a criança tem em sua família, por exemplo, porque na Educação Infantil
tudo deve ser olhado como parte do desenvolvimento global da criança.
Por fim, como afirmam as DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA
EDUCAÇÃO BÁSICA, 2013 a Educação Infantil:
Significa, finalmente, considerar as creches e pré-escolas na produção de
novas formas de sociabilidade e de subjetividades comprometidas com a
democracia e a cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o
reconhecimento da necessidade de defesa do meio ambiente e com o
rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial,
de gênero, regional, linguística e religiosa que ainda marcam nossa
sociedade (p.85).
Seria redundante dizer que a criança é um ser histórico dotado de direitos assim
como os adultos. A Educação, portanto, deve primar pela qualidade contemplando suas
curiosidades, necessidades e condições de superação.
Desta forma, a Educação Infantil carece de uma práxis educativa dialética, dialógica,
um processo com objetivos definidos e distintos, organizada de maneira a compreender as
potencialidades dos seus sujeitos, pautada na multiplicidade de possibilidades, tanto
pedagógicas quanto humanas.
O ouvir e inserir falas significativas (que não são poucas) destas mesmas crianças no
planejamento, atenção às suas vozes, gestos, palavras, desabafos, gritos, correria,
agressividades. Faz-se necessário um professor que compreenda a educação enquanto um
61
processo de desenvolvimento humano e não um processo de desenvolvimento de
disciplinas/atividades, pois o professor precisa estar atento ao contexto, suas
transversalidades, como uma membrana permeável pela cultura infantil. Entendo a
mobilidade e reorganizar a visão da proposta de trabalho estruturada pelo adulto e o quanto se
aceita/ouve e incorpora a voz da criança no fazer cotidiano. (BONDIOLI e MANTOVANI,
1998)
Pensando essa abordagem educacional pautada na história de vida dos seus sujeitos,
a Educação Popular se coloca como base teórica para subsidiar uma práxis educativa
dialógica, ou melhor, segundo FREIRE, 1993, dialógica e problematizadora.
A ideologia política atual tende a envolver a Educação Popular com sinônimos que
podem direcionar a um sentimento de menor valor acadêmico por se julgar ―popular‖. No
entanto, o popular a que se refere é um caminho trilhado com as descobertas pessoais
inseridas numa determinada cultura, grupo social, etnia, um chão de terra batida que dá
sustentabilidade muita poeira e lama à cientificidade necessária a todas as áreas do
conhecimento: vivendo a vida, lendo seu mundo para compreender o ―mundo alheio‖...
62
CAPÍTULO II
CHÃO DE TERRA BATIDA: A EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL
2.1 Nos subterrâneos da esperança: O que é Educação Popular
Batendo os pés no chão e envolto a uma nuvem de conhecimento em Educação, para
DANIEL AUGUSTO DE FIGUEIREDO, 2009 ela, a educação, representa uma atividade
humana que garante a sobrevivência e subsistência a partir de duas esferas: a da sobrevivência
natural e cultural. Segundo o mesmo autor a educação é responsável por transmitir costumes,
valores e formas de sobrevivência às novas gerações e, por isso, tem papel fundamental na
formação de um todo sociopolítico organizado. Partindo de uma análise genética que, de
acordo com o referido autor, corresponde à uma análise da construção de práticas
educacionais e conceitos sobre Educação/Sociedade, essa forma de sobreviver reuniu uma
coletividade em que seus membros têm um objetivo em comum: garantir a sobrevivência de
vida a todos estruturando a ideia/conceito de sociedade.
Para garantir a sobrevivência mediante os anseios do grupo, a educação que forma e
instrui seus educandos, está diretamente ligada às problemáticas de seu grupo, ou seja, às
necessidades cotidianas que vão sendo criadas e recriadas por ele. A partir desse princípio de
educação cada sociedade tem sua ideologia, sua forma de elaborar seus problemas, suas
intenções como fundamental abordagem na resolução de seus conflitos. Portanto, uma
ideologia para a educação numa sociedade de sistema capitalista necessita garantir o acúmulo
e produção de riquezas e, para isso cria a divisão do trabalho como força a alavancar um
processo que condiciona seus integrantes de maneira colaborativa para o sistema: a divisão e
manutenção das classes sociais por meio da divisão da força do trabalho.
O conceito de evolução histórica como resultado das lutas de classe nos
mostrou, com efeito, que a educação é um processo mediante o qual as
classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianças as
condições fundamentais da sua própria existência. (PONCE, 2007, p. 171. In
VASCONCELOS, 2009)
Vivemos em uma sociedade capitalista, porém, como a educação permeia a nossa
sobrevivência, por ela mesma, temos possibilidades para resistir e encontrar soluções na
tentativa de minimizar as desigualdades sociais e ampliar oportunidades educacionais no
63
cerne do cotidiano, sendo a Educação Popular uma abordagem educacional que desenvolve
uma metodologia de interação e formação na base do diálogo entre os envolvidos.
A Educação Popular emerge na inconformidade com relação a essas desigualdades
sociais que demanda toda uma forma de vivenciar o dia-a-dia como o tipo de saúde a que se
tem acesso, de educação, de bens culturais, de trabalho, de alimentação e vestuário, de
religiosidade, de participação política, entre outros.
O conceito de Educação Popular foi muito difundido na tentativa de organizar
lideranças políticas pautando-se em uma educação originada no centro da luta de classes
sociais, como resistência aos interesses das classes dominantes.
Muito embora defendamos este sentido da Educação Popular como o mais
interessante e significativo na elaboração de propostas e projetos
educacionais com as classes populares, a insistente afirmação do conteúdo
revolucionário, enquanto gênese de uma Educação Popular, pode não
somente obscurecer a história desta Educação e ignorar o próprio sentido da
Educação no interior do movimento dialético de constituição do real, como
sobretudo afirmar um discurso generalizante que aproxima e identifica
interesses completamente opostos na Educação Popular. (FIGUEIREDO,
2009, p. 56)
Apesar de defendermos a Educação Popular nesses princípios de transformação das
relações entre as classes sociais, seu sentido crítico com relação à produção cultural
capitalista, seu conteúdo revolucionário, concordamos com VANILDA PAIVA, 2003 quando
afirma que a existência de um discurso genérico pode tentar aproximar e integrar interesses
diretamente opostos com relação à Educação Popular.
Reconhece-se que a educação pode ser um instrumento importante para
conservação ou para mudança social: os que detêm o poder tentam fazer dela
um instrumento de conservação, enquanto seus opositores tentam utilizá-la
como instrumento de mudança. Nessa luta, levam vantagem os detentores do
poder, capazes de decidir acerca da orientação dos sistemas educativos, da
difusão ou não do ensino, da criação ou não de programas educativos
paralelos ao sistema comum. ( p. 46)
Um sentido geral do conceito de Educação Popular traz a busca por ideais. Porém,
quando vista a partir dos movimentos populares significa uma ação de tomada de consciência
para um pensamento crítico com vistas à transformação das relações entre as classes sociais
distintas. No exame de ―paternidade‖ da chamada Educação Popular, constataríamos,
portanto, a existência de uma gênese de sentido crítico e transformador, no contexto das
relações humanas, do modo de produção capitalista. (FIGUEIREDO, 2009, p.56)
64
O mesmo autor, tratando do ―popular‖, estabelece a diferença conceitual entre: o
popular na Educação e a Educação Popular no Brasil. Em seus escritos o autor faz um
apontamento para o jogo poético que exerce a expressão e define a Educação Popular dentro
desse contexto simbólico e lúdico, a partir do questionamento: Mas de que popular estamos
falando? O que justifica a utilização da palavra ―popular‖ na estruturação de uma proposta em
Educação? (FIGUEIREDO, 2009, p.63)
Num amplo sentido, talvez até perdendo o sentido a palavra popular, é usada quando a
classe dominante produz propostas por meio do viés da educação para classes sociais
populares que estão à margem ou fora do ensino formal, ou grupos que fracassam na escola
formal estabelecida por um órgão governamental, e nesse caso o Estado.
A diferença, portanto, ao termo ―popular‖ da Educação se refere às massas populares
que, a partir de estratégias políticas do sistema capitalista que condiciona os sujeitos em
situações desiguais de sobrevivência, são excluídas do ensino formal pelas condições não
favoráveis para o acesso e permanência na escola regular. Parece uma diferença muito sutil
que na realidade social reproduz massas populares desfavorecidas em grandes proporções.
[...] Sem delongas, a palavra ―popular‖ é utilizada quando vinculada a
propostas de cunho educativo, às classes sociais populares historicamente
não inseridas nos processos de escolarização do ensino formal estabelecido
pelo Estado. O ―popular‖ da Educação seriam aquelas massas populares
economicamente desfavorecidas que, por conta das condições de miséria
econômica da sociedade desigual em que vivem são excluídas dos
programas de Educação instituídos pelo ensino formal. (FIGUEIREDO,
2009, p. 63)
Na tentativa de sobrevivência natural e cultural, uma grande resistência às
desigualdades sociais emergiu no interior de pequenos grupos que se opunham ao sentido de
Educação que as classes dominantes utilizavam para continuar oprimindo as classes sociais
desfavorecidas.
Em momentos históricos de crise econômica interna do capitalismo e na busca de
iniciativas intelectuais que pudessem construir propostas que vinham ao encontro com seus
reais interesses, pequenos grupos do movimento de resistência motivados pelos fatos
históricos iniciam um trabalho de conscientização e de criação de propostas educativas que
são consoantes aos problemas reais vivenciados por aqueles grupos sociais.
O termo Educação Popular deve ser devidamente aplicado às práticas sociais que
correspondem a uma luta de classe contra a ideologia hegemônica com capacidade para
transformar a estrutura política opressora. (FIGUEIREDO, 2009)
65
No Brasil a experiência de Educação Popular com Paulo Freire foi uma das mais
significativas e revolucionárias para o período. Trabalhando com Alfabetização de Adultos
trabalhadores faziam relação do conteúdo de aprendizagem com a necessidade sócio histórica
que viviam e isso causou grande repercussão contra as entidades que mantinham uma
reprodução cultural de sujeitos condicionados e alienados.
O carro-chefe do estado em Educação, nas décadas de 1950 e 1960, era a
Alfabetização de Adultos. A construção dessa iniciativa aconteceu devido ao alto índice de
iletrados e analfabetos que a não escolarização produziu. No contexto de grande
desenvolvimento econômico, o Brasil necessitava de mão-de-obra qualificada, ou seja,
profissionais que trabalhassem em fábricas, tivessem o domínio da leitura e escrita e cálculo
das quatro operações, que soubessem se portar socialmente em agrupamentos para o trabalho,
enfim, o processo civilizador (ou domesticador/alienador) prosseguia sem pedir licença à vida
dos humanos que iriam produzir, por meio da cultura, lucros capitais (ou human capital) como
se refere FREITAG, 1986.
Modelos tecnicistas de educação ditos como populares pelo Estado apareceram para
atender à demanda de profissionais na reprodução do sistema capitalista. O impulso mais forte
para que o processo de alfabetização tivesse motivação pelas classes populares, oferecida pelo
Estado, foi a proibição do voto para os não alfabetizados. A educação tecnicista reduziu a
capacidade do sujeito histórico de participar do desenvolvimento de políticas na Educação, no
enfrentamento ao desmascaramento da falsa ideologia. Portanto, ao massificar a alfabetização
por meio de conjunturas históricas, a conscientização da realidade vivenciada ficou camuflada
e o Método Paulo Freire de alfabetização ganhou forças e resultados surpreendentes na busca
pela verdadeira transformação das relações das políticas que constroem uma sociedade.
(FIGUEIREDO, 2009).
2.2 Passando a limpo: A história da Educação Popular.
Em um âmbito muito maior, ou seja, na América Latina, a Educação Popular passou por
muitos momentos diferentes e é definida de forma divergente por várias correntes teóricas.
No final do século XIX o Brasil manifestou conhecimento de suas desigualdades sociais
e após anos de colonização uma forte movimentação popular direcionava para a superação do
―tempo perdido‖, ou seja, da diversidade linguística, da desigualdade social e da extrema
miséria.
66
Após a independência do Brasil uma movimentação a favor da Educação Popular se
manifestou, pela primeira vez, pautadas nos ideais liberais com a confiança na ciência e
desejos de progresso. Crescendo isolado do mundo enquanto colônia o Brasil emergiu da
independência com uma população analfabeta. Alguns portugueses com formação
universitária organizaram administrativamente o país criando os sistemas da educação
primária até o ensino de segundo grau.
Paulo Freire, nascido em 19 /09/1921 em Pernambuco – falecido em 2/05/1997 (75
anos) estudou em uma escola tradicional tendo como interesse principal em sua constante
pesquisa, estudos para uma proposta de ensino que pudesse descortinar a realidade vivida e
permitir que seus sujeitos de aprendizagem tivessem condições para transformá-la,
apropriando-se dela e transformando-se por ela e para ela. É o maior representante da
Educação Popular no Brasil.
Alfabetizou-se no quintal de sua casa com palavras que dialogavam com seu mundo
fruindo uma leitura significativa e concreta. Edeltrudes Freire, sua mãe, utilizava o Livro do
Bebê para alfabetizá-lo. Vivenciou a pobreza na depressão econômica de 1929 quando a
economia mundial do século XX passava por grande resseção, falta de emprego, diminuição
do produto interno bruto de vários países, queda das bolsas de valores dos Estados Unidos
repercutindo na economia mundial.
O traço servil que ficou no país continuou influenciando as atitudes políticas populares
no sentido de não corresponderem ao combate às expectativas da ideologia dominante.
Durante a primeira metade do século XX em toda a América Latina, o
discurso pedagógico liberal moderno continuava a defender a escolarização
como um instrumento privilegiado de educar as ―massas‖ e utilizavam como
sinônimos a ―educação básica, estatal e universal‖ e a ―Educação Popular‖
(PUIGGRÓS, 1994. In VASCONCELOS, 2002).
Em meados do século XX o movimento de educação de massas começou a emergir no
Brasil. A preocupação do período também se voltou para o jovem analfabeto, o homem do
campo e para o trabalhador rural, no intuito de buscar uma inserção da classe social menos
favorecida ao sistema moderno de gestão, pela necessidade de mão-de-obra qualificada na era
desenvolvimentista que o país se encontrava.
A educação que inicia a sua evolução no país, nos meados da década de
1940, não mais se confunde com as práticas que a precederam na fase
anterior, [...] uma legislação fragmentária, que não caracterizava um
compromisso das administrações regionais para com a extensão dos serviços
67
às populações adultas [...] Postula-se agora uma necessidade de educação de
todos os habitantes adultos: todos os brasileiros analfabetos, nas cidades ou
nos campos, deverão ser alcançados pela escola. A administração pública se
obriga a providenciar a criação das vagas indispensáveis ao atendimento de
todos. Nessa nova fase, esta educação de todos os adolescentes e adultos
analfabetos também se apresentaria no Brasil, sobretudo como tarefa do
Estado. (BEISIEGEL, 1974, p.67)
CELSO BEISIEGEL, 1999 afirma que a experiência da pobreza influenciou
significativamente esse cidadão do mundo, Paulo Freire: permitiu um olhar às diferenças
sociais que pudesse colocar em igualdade de espécie – seres humanos ricos ou pobres
apresentam condições de conhecer e serem sujeitos da História.
Conta-nos o mesmo autor que em 1943, Freire entrou para a faculdade de Direito,
porém nunca exerceu a profissão lecionando Língua Portuguesa para o Ensino Médio. Foi
aprimorando sua carreira e em 1946, foi indicado ao cargo de diretor do Departamento de
Educação e Cultura do Serviço Social no Estado de Pernambuco. Em 1961 tornou-se diretor
do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife e nessas experiências
com a alfabetização Paulo Freire estruturou o método de ensino que influenciaria toda
educação brasileira.
O Brasil seguia em grande desenvolvimento social, com mudanças bruscas no cenário
sócio histórico e econômico. Os iletrados ou ―analfabetos‖ considerados incapazes de atuar
enquanto sujeitos históricos, o que viria em contradição aos princípios geradores de políticas
populares, agora era motivo de preocupação pela necessidade de trabalhadores alfabetizados.
A luta em favor dessa desmistificação expandiu os ideais de Paulo Freire, que abordava
o movimento educacional numa esfera mundial.
A Educação Popular, Educação Estatal, Básica e Universal se desenvolveu nesse
período passando por momentos de reflexão muito significativos para uma época em pleno
desenvolvimento social e intervenções políticas positivas e negativas.
A educação de base era entendida como um processo educativo destinado a
proporcionar a cada indivíduo os instrumentos indispensáveis ao domínio da
cultura de seu tempo, em técnicas que facilitassem o acesso a essa cultura –
como a leitura, a escrita, a aritmética elementar, noções de ciências, de vida
social, de civismo, de higiene – e com as quais, segundo suas capacidades,
cada homem pudesse desenvolver-se e procurar melhor ajustamento social.
(BEISIEGEL, 1982, p.14)
O mesmo autor afirma que, depois do golpe militar em 1964, o modelos de
alfabetização preconizada por Freire não foram mais aceitos, então o governo criou um ensino
68
formal, fragmentado e tecnicista que contribuía mais para a manutenção das desigualdades
sociais do que para o descortinamento delas. Paulo Freire, devido às pressões políticas,
escolheu o exílio para a Bolívia, depois trabalhou durante cinco anos no Chile com
alfabetização de adultos para um grupo de trabalhadores. Com esse trabalho publicou seu
primeiro livro ―Educação como Prática da Liberdade‖ (1967) e influenciaria o mundo todo
com sua abordagem humanística para a educação.
O livro recebeu esse título por Paulo Freire abordar a educação como ato político, não
admitindo a neutralidade política nas ações dos sujeitos, pautada em quatro pilares: Para quem
educamos? Para que educamos? Como ensinamos? O que ensinamos?
Por isso também é que ensinar não pode ser um puro processo, como tanto
tenho dito, de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz.
Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já
critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que
demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a
leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto. (FREIRE, 2001,
p. 264)
Essa inquietação tem seus pressupostos inseridos na fragilidade e ineficiência do que
Paulo Freire intitulou de ―Educação bancária‖, com transmissão de conhecimentos científicos
e técnicos que estavam fora do campo semântico de significação, do cotidiano dos
trabalhadores.
Na concepção ―bancária‖ que estamos criticando, para a qual a educação é o
ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se
verifica nem pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a
sociedade opressora, sendo dimensão da ―cultura do silêncio‖, a ―educação‖
―bancária‖ mantém e estimula a contradição. Dai, então, que nela: a) o
educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b) o educador é
o que sabe; os educandos, os que não sabem; c) o educador é o que pensa; os
educandos, os pensados; d) o educador é o que diz a palavra; os educandos,
os que a escutam docilmente; e) o educador é o que disciplina; os educandos,
os disciplinados; f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os
educandos os que seguem a prescrição; g) o educador é o que atua; os
educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o
educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos
nesta escolha, se acomodam a ele; i) o educador identifica a autoridade do
saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade
dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; j) o
educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.
(FREIRE, 1994, p.34)
2.3 O despertar: brasileiros em ação?!
69
Esse processo de reflexão educacional caminha a passos lentos. Portanto é interessante
ressaltar que a progressão qualitativa do pensar educação constrói bases estruturalmente
reforçadas e consistentes para o futuro. O país privilegia-se de um movimento fundado por
Paulo Freire e outros educadores com o intuito de resgatar a verdadeira cultura popular e o
potencial criador dos sujeitos que escrevem essa história. Um desses movimentos denominou-
se Movimento de Cultura Popular, o MCP em Recife/PE.
[...] a educação popular [...] sempre foi muito mais uma preocupação de
quem a propõe do que daqueles a quem é dirigida. Sob essa perspectiva, o
estudo da educação popular deve começar pela identificação das orientações
e dos objetivos das instituições e dos grupos que, no âmbito do Estado, das
igrejas, de partidos ou de outras associações, propõe-se a levar a educação às
massas iletradas. (BEISIEGEL, 2003, p. 35).
Prosseguindo aos meados dos anos de 1960 os ideais de liberdade de expressão bem
aguçados, fomentação política, especulação, o governo do presidente Juscelino Kubitschek
abriu a chamada era desenvolvimentista, que mais adiante, devido ao êxodo de pessoas para o
sudeste, disparou a inflação, a superpopulação, desencadeando condição negativa à economia
brasileira, como por exemplo, a desvalorização da moeda.
O caráter populista do governo se demonstrava por intermédio das
promessas de futuro melhor e do seu discurso, por meio do qual o progresso
do país traria frutos para todos os cidadãos, tais como empregos, melhores
salários, educação e saúde, o que representava a meta do desenvolvimento.
Além disso, eram reforçados os aspectos de liberdade e democracia liberal,
fato que, para uma população que havia recentemente sofrido fortes
restrições políticas, teve um significado muito específico.
(VASCONCELOS, 2009 p. 137)
Nesse momento histórico o Movimento de Cultura Popular (MCP), no Recife,
conseguiu reunir não apenas professores, mas também artistas, devido à abertura social para a
liberdade de expressão, com os trabalhos de alfabetização dos trabalhadores.
Paulo Freire mediando esse grupo apresentava preocupações sobre o papel político da
Educação, principalmente com a inculcação de uma determinada cultura, temendo uma
invasão cultural, especialmente aos grupos de jovens e adultos. Com isso iniciou o
desenvolvimento de uma educação para a liberdade em que a metodologia dialógica de
problemáticas cotidianas para a discussão consistia em suporte didático principal para a
70
alfabetização e ampliação da leitura de mundo em seus aspectos relevantes e mais simples,
principalmente o reconhecimento de direitos e deveres.
Seu método de alfabetização pautava-se no diálogo entre educadores e educandos como
instrumento primordial para compreensão da realidade e busca de soluções plausíveis à
problemática social, possibilitando formação cidadã mais complexa do que simplesmente
decifrar letras e símbolos.
Um dos pressupostos do método é a ideia de que ninguém educa ninguém e
ninguém se educa sozinho. A educação, que deve ser um ato coletivo,
solidário — um ato de amor, dá pra pensar sem susto —, não pode ser
imposta. Porque educar é uma tarefa de trocas entre pessoas e, se não pode
ser nunca feita por um sujeito isolado (até a auto-educação é um diálogo à
distância), não pode ser também o resultado do despejo de quem supõe que
possui todo o saber, sobre aquele que, do outro lado, foi obrigado a pensar
que não possui nenhum. ―Não há educadores puros‖, pensou Paulo Freire.
―Nem educandos.‖ De um lado e do outro do trabalho em que se ensina-e-
aprende, há sempre educadores-educandos e educandos-educadores. De lado
a lado se ensina. De lado a lado se aprende. (BRANDÃO, 1981, p.10)
O falar sobre uma problemática social do grupo envolvia decisões importantes
derivadas da tomada de consciência política, cultural, social e histórica. Embora os
movimentos populares houvessem se organizado, ainda não conseguiam propor medidas de
solução para a crise enfrentada. O resquício histórico do sentimento de colônia ainda se
mostrava presente no tocante à falta de autonomia, criatividade, e reconhecimento enquanto
cidadãos para propor mudanças, e a educação pouco conseguia fazer para transformar esse
quadro.
Ampliação da leitura de mundo, conhecimento sobre direitos e deveres são elementos
essenciais a uma receita para a libertação, se pensarmos na abordagem político-filosófica de
Paulo Freire.
Com receio dessa intensa mobilização popular, o governo militar caracterizou de
―nociva à ordem e ao progresso‖ do país a prática de alfabetização pela Educação Popular, e
com temor de perder o controle da nação, desarticulou esses movimentos e criou o MOBRAL
(Movimento Brasileiro de Alfabetização), seguido de um golpe militar em 1° de abril de 1964
e o país passou a viver sob o Regime Militar.
Obviamente a proposta de ensino do governo estaria contrária à proposta da Educação
Popular, com práticas de ensino da educação bancária sem fazer nenhuma menção à
abordagem teórica de Paulo Freire. Porém, como uma semente em solo árido a perspectiva
político-filosófica germinava entre os pedregais ideológicos e isso acontecia nos centros de
71
resistências como ONGs, organizações clandestinas, igrejas. A violência não era mascarada,
pois a elite dominante usava de força bruta, perseguições, torturas para minar a semente que
carregava a alma da esperança e da verdadeira democracia: uma forma de organização política
mais humanizada. Num Regime Militar...
[...] a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os
depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se, o
educador faz ―comunicados‖ e depósitos que os educandos, meras
incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a
concepção ―bancária‖ da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-
los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que
arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na
melhor das hipóteses) equivocada concepção ―bancária‖ da educação.
Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser.
Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta destorcida
visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber.
Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente,
permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.
Busca esperançosa também. (FREIRE, 1987, p. 33)
O sistema autoritário e repressor, pautado na violência e punição dos que se
rebelassem contra o Governo Militar, não pensou uma possível fragilidade no tocante à falta
de sintonia entre os seus próprios membros do grupo. Todos queriam usufruir dos
―benefícios‖ da corrupção, status e poder e isso gerou rupturas no sistema no qual a Educação
Popular vai adquirindo força política enquanto o Regime Militar entra em crise.
A História do Brasil no período de 1978 a 1992 em livros didáticos apresenta uma
imagem negativa, caracterizando-se a década de 80 como a década perdida, porém o país
viveu momentos de fortalecimento do setor popular e mais: intervenção desse setor no
direcionamento de políticas públicas no país.
A mobilização popular levou o Brasil em 1989 às Diretas Já elegendo o primeiro
presidente pelo voto direto depois de muita repressão militar. A maioria do povo brasileiro
acreditou nas propostas do governo de Fernando Collor de Melo e o elegeu como seu
representante. Esse acelerado crescimento das forças populares prosseguiu até 1992, com o
impeachment desse presidente. Partidos políticos importantes foram criados.
A imagem da Educação começou a mudar perpassando da esfera econômico-
corporativa, tomando dimensão político-social e, novamente eleições diretas para
governadores de Estados que repetiram a receita: por meio de manobras políticas exercem
tentativas de erradicação das bases populares de organização. ―[...], não por acaso, os
72
governos civis desse período, que sucedem a ditadura militar, cada qual no seu estilo, também
tentam destruir as bases fundamentais desse processo de organização da sociedade‖
(ALENCAR, 1987, p.20).
2.4 Transitando em ideologias: discurso e práxis.
A Educação Popular no período do Golpe Militar quase foi extinta sem o seu maior
representante Paulo Freire. Sua retomada se deu na década de 80, momento da história de uma
abertura política e, iniciativas começaram a emergir nesse cenário.
A proposta da Educação Popular consiste num Projeto Democrático Popular e segundo
BRANDÃO, 1984 a Educação Popular foi se construindo a partir desses princípios:
• Propõe inicialmente uma teoria renovadora de relações
homem/sociedade/cultura/educação e uma teoria que pretende fundar, a
partir do seu exercício em todos os níveis e modalidades da prática
pedagógica, uma ―educação libertadora‖;
• Realiza-se no domínio específico da educação com adultos das classes
populares e pouco a pouco se define como um trabalho político de libertação
popular, por meio também da educação e dos efeitos de um trabalho
conscientizador com sujeitos, grupos e movimentos de classes populares;
• Afasta-se de ser uma atividade apenas de escolarização popular
e busca meios de ser toda e qualquer prática de agentes eruditos
―comprometidos‖ e sujeitos populares, onde há qualquer tipo sistemático de
intercâmbio de saber, a partir das próprias práticas sociais populares;
• Perde sua característica original de movimento emergente de educadores e
se redefine como um trabalho político de mediação a serviço de projetos,
sujeitos e movimentos populares de classe, ou então, movimentos tendentes
a isso. (p. 36)
Na progressão da história política do Brasil contextualizando a Educação Popular,
Fernando Collor de Melo foi substituído por seu vice, Itamar Franco. Em 1994, Fernando
Henrique Cardoso venceu as eleições diretas para presidência e o Projeto Político Neoliberal
seguiu intensificando políticas de exclusão social. Candidato à reeleição Fernando Henrique
Cardoso deu prosseguimento com os mesmos princípios de conduta política, porém,
desenvolveu estratégias de economia criando e fortalecendo a moeda brasileira, dentro da
mesma perspectiva.
O fortalecimento de um Projeto democrático Popular foi ampliando suas perspectivas e
em 2002 o candidato à presidência do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores Luís Inácio Lula
da Silva venceu a disputa política e passou a desenvolver projetos sociais que, apoiado pela
73
estabilidade da moeda no mercado exterior, passou a criar políticas sociais de
desenvolvimento humano ampliando em todos os setores da sociedade a abertura de
crescimento de capital e qualidade de vida.
Nem tudo são flores. Forças políticas enfrentam um cenário de grande concorrência,
porém mais preocupados com poder que com o povo numa visão mais hegemônica da
sociedade. Metodologias políticas de arguição, argumentação e convencimento decoram o
ambiente político na tentativa de manutenção do poder, ou mesmo, na tomada do mesmo pela
oposição.
Oscilando entre a vocação populista e um compromisso de classe, a
Educação Popular pretende significar não apenas uma forma avançada de
educação do povo, mas um movimento pedagógico e, depois, um movimento
popular que incorpora um movimento pedagógico. (BRANDÃO, 1984, p.34,
In Educação Unisinos. VASCONCELOS,maio/agosto 2009)
Nos parâmetros atuais de educação, vem se apresentando uma reflexão a respeito da
práxis educacional bastante relevante para o período. A Educação Popular é uma das
possibilidades que tem espaço para discutir propostas políticas mais significativas,
valorizando e inserindo a comunidade escolar nas decisões socioeducativas locais com
repercussão direta ou indireta em todo sistema educacional brasileiro.
Na Educação Infantil existe uma prática pedagógica muito conhecida e muito bem
estruturada teoricamente: As chamadas rodas de conversa. Essa prática coincide com a prática
da Educação Popular que está pautada no diálogo e formação de seus participantes na
resolução de algo que, em comum acordo, representa uma problemática social. No entanto,
numa prática educacional considerada por FREIRE, 1994 ―bancária‖ utiliza esse espaço
direcionando e condicionando seus integrantes e, ao contrário disso, as rodas de conversa na
Educação Popular coloca seus sujeitos ao diálogo na busca da solução da sua problemática
comum. Esse é um caminho de possibilidades de aproximação entre Educação Infantil e
Educação Popular: Transformar o espaço educativo em espaços educativo-sociais – dialogar
com o mundo dos pequenos, trazendo suas vozes para políticas públicas dentro da realidade
social, grupo, etnia, econômico, religioso, educativo em que estão inseridos.
A compreensão dos limites da prática educativa demanda indiscutivelmente
a claridade política dos educadores com relação a seu projeto. Demanda que
o educador assuma a politicidade de sua prática. Não basta dizer que a
educação é um ato político assim como não basta dizer que o ato político é
também educativo. É preciso assumir realmente a politicidade da educação.
Não posso pensar-me progressista se entendo o espaço da escola como algo
74
meio neutro, com pouco ou quase nada a ver com a luta de classes, em que
os alunos são vistos apenas como aprendizes de certos objetos de
conhecimento aos quais empresto um poder mágico. Não posso reconhecer
os limites da prática educativo-política em que me envolvo se não sei, se não
estou claro em face de a favor de quem pratico. O a favor de quem pratico
me situa num certo ângulo, que é de classe, em que divisa o contra quem
pratico e, necessariamente, o por que pratico, isto é, o próprio sonho, o tipo
de sociedade de cuja invenção gostaria de participar. (FREIRE, 2001, p. 25)
75
CAPITULO III
GIRA-GIRA MUNDO: OS ELEMENTOS DA VIDA NA RODA VIVA DO
APRENDER...
Brinquedos
Dor
Meio ambiente
Diversão
Franqueza
Irritação
Ausência
Fantasia
Força
Abandono
Medo
Bem-estar
Imobilismo
Amizade
Carinho
Convivência familiar
Ação
Brigas
Nutrição
Trabalho
Falta de diálogo na dinâmica
familiar
Discussões de adultos
76
3.1 Roda moinho, roda pião: os pilares da sobrevivência humana e perpetuação da
cultura.
Na roda viva da vida que gira em torno de quatro realidades distintas, porém
intrínsecas - a educação, saúde, a família e o trabalho na sociedade contemporânea - todos os
aspectos do desenvolvimento humano estão em jogo. Esse jogo de simbolismo, significados
que construímos para representar a realidade humana, principalmente no processo de
formação da identidade e autonomia, educando e educador, evidencia as diferentes
subjetividades que permeiam uma cultura que se constrói no contexto das relações sociais
entre o grupo, o professor e a construção do conhecimento.
A relação entre adulto e criança, vista apenas como processo de
desenvolvimento e socialização das crianças, é marcado por marginalizar as
crianças, não reconhecendo seus direitos, sua voz, sendo a lógica da proteção
e socialização, uma lógica e prática de controle das crianças. (FREITAS,
2013. p. 11)
Uma compreensão de mundo e educação que visa o conhecimento como um corpo
vivo e constituído dentro da historicidade dos sujeitos aprendente/ensinante exige uma prática
educativa que corresponda a essa intencionalidade pedagógica em todos os instrumentos e
metodologias para a construção do conhecimento. Sendo assim, a Educação Popular enquanto
práxis educativa emancipadora, assim como a Educação Sociocomunitária, pauta-se numa
proposta pedagógica constituída no diálogo entre seus sujeitos, a partir de uma situação a que
o grupo considera uma problemática, desenvolvendo-se na construção de Projetos Sociais,
criados e estruturados pelo próprio grupo, uma busca de solução, pois esse momento
representa uma roda de conversa que é um espaço de criação e recriação da realidade.
As situações de vida concretas dos educandos, suas experiências, é de onde
parte a análise das relações sociais, que da sua forma aparente se busca a
complexidade de sua essência. A educação popular parece ser essa
pedagogia das relações concretas, desse saber do mundo vivido, dessa
experiência marcada no corpo e na alma, mas que enquanto situação de
opressão não se libertam da sua forma aparente. As experiências de vida,
suas vivências, seu contexto e condições concretas de atuar no mundo, como
vimos, são pressupostos da educação popular. Ainda que Paulo Freire tenha
esclarecido a sua escolha pela educação de adultos, esses pressupostos nos
auxiliam a pensar a aproximação da educação popular com crianças, se
partimos da premissa das crianças como atores sociais, protagonistas do seu
processo no mundo, a partir das suas condições materiais de existência.
Enxergamos, assim, as crianças como educandos da educação popular,
pequenos sujeitos no mundo. (FREITAS, 2013, p. 9)
77
Pensando nessa abordagem de concepção de mundo e educação a Roda de Conversa
constitui uma dinâmica que coloca no centro de sua atenção todo subjetivismo do
conhecimento prévio e de mundo de seus integrantes mediado pelas suas histórias de vida.
Na Educação Infantil o levantamento do conhecimento prévio dos alunos exige um
desempenho mais elaborado e criativo do educador - por ser uma faixa etária em que as
crianças estão desenvolvendo a fala -, o embasamento teórico deve subsidiar essa mediação
entre os diálogos, no qual o professor, com uma escuta apurada dialoga com os alunos
realizando questionamentos que tendem a promover crescimento intelectual, envolvimento
com o conhecimento de maneira a tornar nas mãos o desenvolvimento dessa construção.
Alguns objetivos de ensino que contam com o diálogo para levantamento da leitura de
mundo e consequentemente a pesquisa e socialização desta, ou seja, momento para a dinâmica
da roda de conversa é contemplado no RCNEI apontando para o desenvolvimento global para
crianças de zero a três anos que devem ser ampliados e aprofundados até aos seis anos de
idade na área de conhecimento sobre: a criança, natureza e sociedade, a seguinte colocação:
Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três
anos deverão ser aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda,
oportunidades para que as crianças sejam capazes de: • interessar-se e
demonstrar curiosidade pelo mundo social e natural, formulando perguntas,
imaginando soluções para compreendê-lo, manifestando opiniões próprias
sobre os acontecimentos, buscando informações e confrontando ideias; •
estabelecer algumas relações entre o modo de vida característico de seu
grupo social e de outros grupos; • estabelecer algumas relações entre o meio
ambiente e as formas de vida que ali se estabelecem, valorizando sua
importância para a preservação das espécies e para a qualidade da vida
humana. (BRASIL, MEC, 1998, v. 3, p. 175)
3.2 Roda-Viva: A importância da Roda de Conversa.
Sendo a Roda de Conversa uma dinâmica que propicia uma metodologia dialógica,
seus sujeitos participam expondo seus conhecimentos prévios de acordo com sua vivência
histórico-cultural, em que os símbolos da sua cultura interagem com os de outras culturas
construindo então novas significações para aquele espaço.
A constituição da Ciranda Infantil como um dos espaços educativos do MST
nasce a partir da necessidade de participação das mulheres nas marchas e
ações do Movimento, assim como, depois da terra conquistada, garantir o
trabalho produtivo dessas mulheres nos assentamentos. É um espaço,
portanto, pensado para que filhos e filhas das acampadas e assentadas
78
pudessem ter um lugar para ficar, enquanto as mães e mulheres estivessem
ocupadas com as atividades do MST e do dia-a-dia. Espaço pensado a partir
do direito da mulher em participar das instâncias e espaços do Movimento.
Contudo, nas experiências concretas esse espaço constituído a partir do
direito da mulher vai se transformando também como do direito da criança,
da criança de direito, como espaço educativo pensado para e, principalmente,
a partir da criança. (FREITAS, 2013 p. 4)
Na Educação Infantil, considerando as crianças enquanto sujeitos de direitos, a
aprendizagem se dá na medida em que interagem umas com as outras, com os adultos através
da realidade em que estão inseridas. Vygotsky, 1988 explica o desenvolvimento da criança
enquanto sujeito histórico no cerne de ambientes sociais e físicos historicamente instituídos.
A ZDP, na realidade, é definida como [...] a distância entre o nível de
resolução de um problema/tarefa que uma pessoa pode alcançar atuando
independentemente e o nível que pode alcançar com ajuda de outra pessoa
(pai, professor ou colega) mais competente naquele assunto e, também, por
consequência, mais experiente (ANTUNES, 2011). Em outras palavras, zona
de desenvolvimento proximal é o espaço no qual, graças à interação e à
ajuda de outros, uma determinada pessoa pode realizar uma tarefa de uma
maneira e em um nível que não seria capaz de alcançar sozinho. Trata-se de
um espaço cognoscitivo, não de um espaço físico. (OLIVEIRA, 2013, p. 1,
v.28)
Sendo uma prática comum na Educação Popular - A Roda de Conversa - aproximar
esta da Educação Infantil implica uma formação docente em que o professor tenha
predisposição para uma proposta pedagógica que inicia na Roda de Conversa, ou seja, no
diálogo e conclui-se na construção de um conhecimento com resultados na/ pela e para a
aprendizagem; que saiba escutar quais são os reais problemas que as crianças apontam dentro
do seu universo; que desenvolvam suas necessidades intelectuais, sociais, psicomotoras; que
consiga levantar o que sabem as crianças, o que precisam saber e que direcione o ensino
através da realidade delas; que utilize da pesquisa com as crianças e familiares na socialização
da mesma no grupo, entre outros. Essa dinâmica tem uma característica: ela transforma o
espaço pedagógico em um espaço de movimento social numa tentativa emancipatória e
descolonizante da construção do conhecimento.
Parte-se da caracterização das Cirandas Infantis como espaço pedagógico
para infância dentro de um movimento social. O lugar que ocupa as Cirandas
Infantis levanta questionamentos sobre as crianças que participam desse
espaço: qual a infância que partilham? Quais as suas especificidades e
singularidades? De que maneira essas singularidades nos recolocam uma
necessidade de modificar nosso olhar para a infância? (FREITAS, 2013, p.
2)
79
Sendo a humildade a capacidade de conhecer suas próprias limitações e fraquezas, na
tentativa de manter-se no ―nível dos outros‖ justifica-se sua proveniência: aproximar-se do
solo. A humildade entre os sujeitos envolvidos no processo de formação de identidade e
autonomia e desenvolvimento intelectual, esta é virtude crucial para que o diálogo aconteça.
Sem permitir que a palavra também possa ser dita pelo outro é impossível a relação dialógica
acontecer, o que acontece no máximo é um monólogo, em que só um diz a palavra que bate e
volta como um eco vazio e sem resposta.
Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do
mundo, com que os homem recriam permanentemente, não pode ser um ato
arrogante. O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de
saber agir, se rompe, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade. Como
posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro,
nunca em mim? [...] A autossuficiência é incompatível com o diálogo .
(FREIRE, 1987, p. 46)
A prática da humildade corresponde a uma ―horizontalidade‖ de saberes e não é uma
tarefa muito árdua quando se pensa a educação em seu sentido de formação e
desenvolvimento humano, trabalhar numa perspectiva mais humanizada, ou seja, desenvolver
uma práxis educativa que parte da/de uma problemática real dos educandos e buscar com eles
uma solução.
O compartilhamento de saberes entre os envolvidos na aprendizagem exige uma visão
de Educação, por parte do educador, de que todos os aspectos da realidade são levados em
consideração, no momento da construção do conhecimento, tendendo a colocar o sujeito (a
criança) como construtor do conhecimento e não mero observador do mesmo, orientando os
educandos a buscar respostas.
Entendendo a Roda de Conversa como um espaço de coletividade que garante a
subjetividade de seus participantes, produz-se em seu interior uma pedagogia que inverte a
lógica homogeneizante das pedagogias tradicionais, ou seja, que todos os alunos são iguais,
parte do mesmo ponto de conhecimento para todos, entre outros. (FREITAS, 2013)
Fazendo o aluno participar e contribuir nessa construção permite a entrega total do
sujeito à pesquisa, ao seu desenvolvimento e conclusão, ampliando os vínculos de respeito,
interação, amorosidade e solidariedade nas relações com o conhecimento. Segundo GARCIA,
1980, o saber popular é fruto de experiências de vida, de trabalho, afetivas e é a partir dele
que os sujeitos trocam informações com o mundo, identificam e interpretam a realidade.
(FREITAS, 2013).
80
Essa dinâmica exige coragem e virtudes bem desenvolvidas. A humildade concernente
a esse discurso preconiza a relação respeitosa entre os saberes de cada sujeito histórico, ou
seja, de cada ser humano na busca pelo conhecimento. Portanto, uma atitude de
―horizontalidade‖ na relação de poder do saber garante a aplicação dessa virtude em sua
concretude.
O ato de aprender e ensinar necessita claramente de um posicionamento político, e
nisso a constância do diálogo é essencial: não como uma mera explanação de ideias, mas
como possibilidade de discussão fundamentada na pesquisa, na informação e na formação dos
sujeitos.
O que a pós-modernidade progressista nos coloca é a compreensão
realmente dialética da confrontação e dos conflitos e não sua inteligência
mecanicista. Digo realmente dialética porque muitas vezes a prática assim
chamada é, de fato, puramente mecânica, de uma dialética domesticada. Em
lugar da decretação de uma nova História sem classes sociais, sem ideologia,
sem luta, sem utopia, e sem sonho, o que a cotidianidade mundial nega
contundentemente, o que temos a fazer é repor o ser humano que atua, que
pensa, que fala, que sonha, que ama, que odeia, que cria e recria, que sabe e
ignora, que se afirma e que se nega, que constrói e destrói, que é tanto o que
herda quanto o que adquire, no centro de nossas preocupações. Restaurar
assim a significação profunda da radicalidade. A radicalidade de meu ser,
enquanto gente e enquanto mistério, não permite, porém, a inteligência de
mim na estreiteza da singularidade de apenas um dos ângulos que só
aparentemente me explica. Não é possível entender-me apenas como classe,
ou como raça ou como sexo, mas, por outro lado, minha posição de classe, a
cor de minha pele e o sexo com que cheguei ao mundo não podem ser
esquecidos na análise do que faço, do que penso, do que digo. Como não
pode ser esquecida a experiência social de que participo, minha formação,
minhas crenças, minha cultura, minha opção política, minha esperança.
(FREIRE, 1993, p. 10)
3.3 Olhos, para que te quero?!
Uma leitura de mundo do universo infantil através dos desenhos, registros e entrevistas
com familiares.
Sendo toda decisão um posicionamento político FREIRE, 1993 aponta que não existe
neutralidade nas atitudes, o que representa que, a própria neutralidade é uma decisão política
por ser fruto de uma coletividade de subjetividades.
O nosso olhar, portanto, está vinculado às significações que fazemos de tudo ao nosso
redor, mediado pela cultura do nosso grupo social. Sendo assim, o conhecimento prévio sobre
81
um determinado assunto pode auxiliar a metodologia de ensino enquanto pontes e estradas
que permitirão a identificação, proximidade ao desconhecido fazendo com que este se torne
conhecido a partir da leitura de mundo.
Na Educação Infantil o desenho é uma das múltiplas linguagens que pode dar
subsídios para uma práxis educativa viva, libertadora e dialógica. Saber o que as crianças
pensam sobre tudo o que as rodeia é um objetivo dessa pesquisa no intuito de enriquecer e dar
significação à prática docente e ao conhecimento, por isso, a leitura de mundo através do
desenho trouxe uma infinidade de resultados surpreendentes.
Pautada no documento que pode legitimar teoricamente a metodologia dessa pesquisa,
o Referencial Curricular do Ensino Nacional da Educação Infantil (RCENEI), 1998 vem
explicitar a necessidade do profissional nessa faixa etária desenvolver um olhar atento para as
subjetividades dos alunos, no seu desenvolvimento do processo de construção da autonomia,
construção da identidade e desenvolvimento global. O volume três desse documento sugere ao
educador uma leitura de Conhecimento de Mundo dos pequenos:
Atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/96) que estabelece, pela primeira vez na história de
nosso país, que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica,
nosso objetivo, com este material, é auxiliá-lo na realização de seu trabalho
educativo diário junto às crianças pequenas. Considerando a fase transitória
pela qual passam creches e pré-escolas na busca por uma ação integrada que
incorpore às atividades educativas os cuidados essenciais das crianças e suas
brincadeiras, o Referencial pretende apontar metas de qualidade que
contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de
suas identidades, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à
infância são reconhecidos. Visa, também, contribuir para que possa realizar,
nas instituições, o objetivo socializador dessa etapa educacional, em
ambientes que propiciem o acesso e a ampliação, pelas crianças, dos
conhecimentos da realidade social e cultural. (BRASIL, MEC, 1998, v3)
A partir da legalidade e outros referenciais teóricos já apresentados nessa pesquisa,
uma análise dos desenhos inicia-se então, mediada por estratégias de ensino que visaram uma
maior viabilidade de resultados para essa pesquisa, numa visão pedagógica.
Os contos de fadas foi um referencial literário sempre lembrado pelas crianças durante
todo o processo. Apesar das histórias não apresentarem uma relação real com a
contemporaneidade dos nossos tempos, nem com os problemas reais do universo infantil,
tratam conteúdos inconscientes vivenciados nas diversas e diferentes situações do cotidiano –
sentimentos e emoções – que interferem diretamente na aprendizagem.
82
Os contos de fadas são ímpares, não só como uma forma de literatura, mas
como ―obras de arte" integralmente compreensíveis para a criança, como
nenhuma outra forma de arte o é. Como sucede com toda grande arte, o
significado mais profundo do conto de fadas será diferente para cada pessoa,
e diferente para a mesma pessoa em vários momentos de sua vida. A criança
extrairá significados diferentes do mesmo conto de fadas, dependendo de
seus interesses e necessidades do momento. Tendo oportunidade, voltará ao
mesmo conto quando estiver pronta a ampliar os velhos significados ou
substituí-los por novos. (BETTELHEIN, 2002, p. 12 e 13)
Aproveitando a inexpressível condição dos contos de fadas selecionei alguns para
suscitar o que de real as crianças pudessem expor sobre o que vivenciam em casa, na relação
familiar e na escola. Para levantamento de ideias da convivência/identificação com a sua casa,
o conto João e Maria, dos Irmãos Grimm foi contado a eles, no intuito de depois, em meu
registro responderem as seguintes questões: Quem mora nessa casa? Como é essa casa? O que
você gosta/não gosta nela?
A faixa etária escolhida de quatro a seis anos de idade corresponde às minhas
inquietações pedagógicas para ela, no sentido de buscar mais complexidade, significação e
embasamento teórico na construção de uma práxis educativa na Educação Infantil mais viva,
atuante, compartilhada e solidária.
A princípio enquanto pesquisadora uma ansiedade vulcânica tomou meus
pensamentos, pois acreditava que as crianças não conseguiriam responder a essas indagações.
Percebi o quanto estava subestimando-as e, a virtude chamada humildade fez-se necessária e
saliente para desempenhar essa etapa da pesquisa. É um exercício diário, constante e
desafiador, portanto, uma relação de ―horizontalidade de poder do saber‖ a que me vi tão
desprovida. Um sentimento de insegurança, de possessão do desenvolvimento da maturidade
infantil faz-nos acreditar, enquanto professores, que somos donos desse processo de
desenvolvimento das crianças e, quando a resistência em aprender nos faz sentirmos
fracassados e impotentes revela o grau de ―verticalidade do poder do saber‖ em que estamos
praticando, ou seja, temos que descolonizar os olhos para receber essa criança inventiva, não
linear, complexa. (FREITAS, 2013)
Nessa proposta do desenho da casa, seguida da contação da história e uma longa
conversa relacionando com a casa deles, em que puderam dizer na roda como era sua casa,
partimos empolgados a desenhar com canetas hidrocor no sulfite branco na demarcação do
espaço para o trabalho. Enquanto desenhavam contavam a história da casa deles, da dinâmica
familiar, do que se esqueceu de desenhar, dos detalhes, das tristezas e alegrias, da ironia, do
83
preconceito, entre outros, pois desenham pouco o que veem, porém mais o que sabem.
(PIAGET, 1973)
No término dos trabalhos recolhi os desenhos e distribui cantinhos de brinquedos
diferentes em cada grupo de quatro crianças na mesinha e, enquanto brincavam, chamei um
por um na minha mesa e eles iam respondendo as questões: Quem mora nessa casa? Como é
essa casa? O que você gosta/não gosta nela? Eles tinham muito a dizer... fiquei atônita!
Coloquei nomes fictícios para proteger a identidade dos alunos, conforme normas para
pesquisa.
Conversando sobre o desenho e observando-os, ou seja, olhando o que está posto no
papel e vendo a história desses traços verbalizados pelas crianças de quatro para cinco anos,
comparado aos de cinco para seis anos temos um repertório de entendimento da vida deles, da
sua rotina familiar e dos significados que atribui ao entendimento desta.
Procedendo assim com as outras propostas de desenhos, a escolha do material para a
organização da tabela para melhor leitura dos resultados foi muito difícil. Para minimizar essa
dificuldade na hora da leitura o direcionamento teórico para as mesmas foi o foco cognitivo,
visto que existem outras interpretações para o desenho infantil como traços de personalidade,
comportamento entre outros. Atendo-nos no processo cognitivo, baseado nas fases do
desenho infantil. (PIAGET, 1973)
Para ilustrar alguns sentimentos e emoções cabíveis à captação da interpretação que as
crianças fazem do mundo ao seu redor, os estudos de DINAH, 1969 podem contribuir para a
compreensão de alguns elementos desenhados e que estão diretamente ligados ao
desenvolvimento global da criança. Apenas os sentimentos e emoções serão contemplados
para que possamos observar a maneira em que essas crianças leem sua vida. As questões de
perfil de personalidade não serão tratadas nessa pesquisa por não constituir o objetivo da
mesma.
Começando por Aldo, aluno do Jardim I D, de quatro anos e oito meses (meu aluno) retrata o
espaço físico da casa e seu significado construído na dinâmica familiar.
84
Figura 2: Casa do Aldo (quatro anos e oito meses)
Desenhou a casa com detalhes mais amplos, além dos seus integrantes e dinâmica
familiar. Ele reside com a avó materna, a mãe e o padrasto, no entanto desenhou-se brincando
no quintal e sua mãe observando-o. Esse garoto é filho único, tem bons cuidados e atenção da
família.
No quintal desenhou uma árvore com frutas vermelhas. Apresentou um espaço no qual
tem contato com a natureza e faz descobertas como a direção do vento para empinar sua pipa.
Ilustrou as janelas de cada cômodo da casa, além de um sol alinhado à esquerda do
quadrante do papel, iluminando o dia debaixo de um céu bem azul, representado pelas nuvens
no mesmo quadrante, além de desenhar uma margem representando o chão. O nível cognitivo
das fases do desenho está em pré-esquemático em transição para o nível esquemático
caracterizado pela figura humana não estar completamente desenhada, ou seja, conhecimento
do esquema corporal ainda não estar completo. (PIAGET, 1973)
Do lado direito desenhou uma caixa grande e azul, que segundo DINAH, 1969, esta
cor está relacionada a um sentimento de tristeza e olhem: na caixa pintada de azul estão
muitos dos seus brinquedos quebrados em que Aldo disse não gostar de brincar com eles por
esse motivo.
Observando os desenhos das crianças de quatro para cinco anos e de cinco para seis
anos de idade nas propostas e metodologia apresentada na pesquisa, o volume três do
RCENEI Conhecimento de Mundo - encontra-se com a leitura de mundo que PAULO
FREIRE, 1989 coloca como forma de conhecer o conhecimento prévio dos alunos para a
construção do saber.
As áreas de conhecimento no documento oficial estão destacadas para orientar o
trabalho pedagógico e a forma de avaliação da Educação Infantil que é processual, descritiva
85
e de forma progressiva no avanço do desenvolvimento da aprendizagem. Estas áreas são:
Movimento, Música, Artes visuais, Linguagem oral/escrita, Natureza e Sociedade, e
Matemática. Esses itens são descritos a partir do desenvolvimento do aluno nas fichas
descritivas de desempenho escolar.
Voltando para a análise de levantamento de leitura de mundo da criança, ou de
conhecimento de mundo, temos todos esses itens representados no desenho infantil. Porém, a
diferença de faixa etária aponta para observações e percepções da realidade num nível de
complexidade mais distinto. A partir disso, numa práxis dialógica de ensino esses elementos
apontaram para Temas Geradores a serem trabalhados nas rodas de conversa.
Segundo PIAGET, 1973 a fase de desenvolvimento do desenho infantil que
correspondente à faixa etária de desenvolvimento de Aldo é o nível pré-esquemático em
transição para o nível esquemático, no qual a criança, considerando a fase pré-operatória de
desenvolvimento global, descobre a relação entre o desenho, pensamento e vida. Ainda
segundo este teórico, no início da fase os desenhos são dispersos e não apresentam relação
entre si, e como poderemos visualizar nos demais desenhos das crianças da mesma idade,
parecem estar nessa fase de desenvolvimento, porém já fazendo relação significativa entre os
desenhos no espaço em que desenhou: por isso m transição de uma fase para outra. Além
disso, as crianças da faixa etária de cinco para seis anos da pesquisa apresentam apontamentos
mais elaborados cognitivamente e perceptivamente sobre a sua vida.
Comparando o desenvolvimento do desenho dos alunos nas diferentes faixas etárias
citada, as crianças de cinco para seis anos (Jardim II) apresentam um pensamento mais
próximo ao objetivo da proposta. Sabem distinguir os aspectos físicos da casa da dinâmica
familiar e sua relação social nesse espaço.
Saulo, faltando alguns dias para completar seis anos de idade tem uma percepção mais
complexa da sua vida. Com relação à alfabetização lê e escreve quase ortograficamente.
Aprendeu fazendo uso de equipamentos eletrônicos como os games.
Figura 3: Casa de Saulo (cinco anos e onze meses)
86
Quando desenhou a casa pediu para eu escrever (não quis escrever). Disse que o
portão fica na frente da casa e por isso não foi possível desenhá-lo. Fez as janelas, a porta da
frente e um telhado bem caprichado. Riscou o fundo do quintal com uma árvore e flores. Fez
um longo diálogo listando tudo o que gosta na casa: do vídeo no computador quando assiste
no quarto; de brincar com a gatinha Estela no sofá da sala; de molhar o jardim no fundo do
quintal. Também gostava de ver as teias de aranhas e as aranhas em suas teias no cacto que
tinha. Porém, hoje não tem mais o cacto, pois seus espinhos são perigosos e a gatinha vivia se
enroscando lá. Gosta quando a energia acaba e fica tudo escuro, de acender a vela nessas
ocasiões, pois quando chove na região que mora acaba a energia. Gosta quando chove
bastante porque é bom de dormir, ficando mais fresquinha a temperatura. Não gosta do
banheiro porque é fedido quando alguém usa. Também não gosta quando a prima vem visita-
lo e bagunça seus brinquedos no quarto. Quando faz alguma coisa errada e a mãe fica brava.
Relacionando seu desempenho cognitivo das fases do desenho com a teoria das etapas
do desenvolvimento humano segundo PIAGET, 1973, Saulo está na fase esquemática, pois
consegue relacionar os desenhos dos objetos entre si, alinhando-os a uma margem de apoio
que representa o solo (apesar de invisível), ou seja, o chão.
Trabalhando na Educação Infantil partindo do conhecimento prévio dos alunos, ou
seja, fazendo uma leitura de mundo sobre o que sabem de tudo ao seu redor, descobriremos
quais os seus reais ―problemas‖ que estão ligados intrinsecamente à sua cultura, à sua família
e ao seu jeito de pensar a escola, permitindo que a cada fio de descoberta esteja emaranhado
ao fio da vida... da sua vida. Portanto, com esse levantamento de dados temos os Temas
Geradores que poderão orientar e conduzir uma prática educativa dialógica e libertadora. Só
assim conseguiremos alinhavar nas tramas da vida desses pequenos sujeitos históricos à vida
na escola, uma preciosa oportunidade de trabalhar a Educação Popular na Educação Infantil:
com planejamento flexível, programação e materiais adequados, construção e
desenvolvimento das atividades com os alunos, entre outros.
O planejamento das atividades se faz e se refaz, dinamicamente, na prática,
juntamente com elas. É por isso que muitas vezes nos detivemos no estudo
de assuntos considerados pela programação oficial (que sempre precede a
prática), como sendo próprios de outros níveis de ensino. Estipula-se de
antemão o que a criança deve conhecer e inclusive o como, matando, assim,
a criação do professor. (FREIRE, M., 1983, p. 77)
Se a Educação Popular parte do conhecimento prévio dos sujeitos envolvidos e de uma
problemática real para ampliar seus conhecimentos, na Educação Infantil o que parece ser um
87
problema para o professor pode não ser para as crianças. Durante a roda de conversa é
possível levantar diálogos sobre o que pensam e quais possíveis soluções para resolver o
problema, e isso inclui necessariamente o professor como integrante do grupo:
Respondi que tinham inteira razão nas suas críticas, pedi desculpas e
expliquei que naquele dia, especialmente, eu estava muito cansada, e se por
acaso acontecesse aquilo outra vez eles me chamassem a atenção, pois isso
me ajudaria. Nesse mesmo dia, surge uma discussão entre duas crianças, eu
vou conversar com as duas, e alguém chega junto de mim e fala baixinho: -
Calma, Madalena... calma... Agradeci a ajuda, ainda muito cansada, mas
numa alegria imensa fui conversar com os dois. Tudo isso reforça em mim o
acerto de uma prática pedagógica de que vamos nos tornando criticamente
sujeitos, discutindo, indagando, questionando-nos. O acerto desta prática nos
seus mínimos aspectos – porque briguei com ―fulano‖ e ―fulano brigou
comigo‖, ou se vamos pendurar o ―homem aranha‖ nesta ou naquela parede.
(FREIRE, M., 1983, p.111)
A cada descoberta, se faz e se refaz o planejamento pedagógico direcionado para o
objetivo de ensino-aprendizagem.
Sabendo que o sistema de ensino brasileiro está organizado com bases legais,
diretrizes e princípios educacionais, os currículos direcionam a organização do trabalho
pedagógico no processo de ensino-aprendizagem, incluindo a Educação Infantil como etapa
da Educação Básica, porém, com uma abordagem de educação na formação do sujeito,
autonomia e desenvolvimento global, ou seja, de suas capacidades/habilidades cognitivas e
psicomotoras.
Sendo assim, para conseguirmos trabalhar com os pequenos numa proposta de ensino
dialógica a partir do seu conhecimento de mundo e desempenhar um papel educacional que
possa contribuir para a emancipação dos sujeitos, autonomia (mesmo condicionado) numa
sociedade capitalista, o levantamento da leitura de mundo dessas crianças é o ponto de partida
para um trabalho pedagógico na Educação Infantil numa perspectiva da Educação Popular.
A aplicação dos desenhos se deu de maneira muito empolgante: sempre tínhamos os
momentos de realização da atividade da ―Pesquisa da Professora‖, então eles queriam fazer
bem bonito!
Nas rodas de conversa conversávamos sobre a pesquisa e as crianças ficavam muito
surpresas e curiosas quando descobriram que a pesquisadora também tinha uma professora, ou
melhor, também ia pra escola... foi um momento mágico! Questionaram como era ser grande
na escola (como se escola fosse só para crianças), perguntaram se eu tinha uma professora e
eu disse que tinha vários professores. Expliquei que tinha uma orientadora que nos
88
acompanhava na pesquisa que, antes da Qualificação do Mestrado se chamava Vida Lida.
Contamos a história norteadora da pesquisa, uma proposta por semana, e aplicamos na
primeira semana o desenho da casa, na segunda semana mesmo procedimento: o desenho da
família após a história e, na terceira semana, o desenho da escola.
Ao final de cada desenho eu dava os cantinhos e, de criança em criança perguntava e
registrava as respostas das perguntas: Como é sua casa? Quem mora nela? O que você
gosta/não gosta nela? Para os desenhos da família e escola as mesmas perguntas e registros.
Tabular todos esses resultados seria desgastante para o leitor, pois o mesmo se cansaria de ler
resultados parecidos. Selecionamos aqueles desenhos e respostas que mais chamariam a
atenção para a pesquisa e que principalmente tivéssemos como identificar algum elemento do
cotidiano do delas.
A apresentação será organizada nas tabelas que mostram os dados levantados durante
a pesquisa. A escolha dos desenhos foi um trabalho bem rigoroso para que as tabelas fossem o
mais legível possível para os leitores. Os desenhos escolhidos não são das mesmas crianças,
são diversificados para atender uma questão muito simples: proximidades da formação do
desenho de forma ao leitor entender as informações e também por chamar mais atenção com
relação aos aspectos da pesquisa que se faz relevante.
Inserir os trinta desenhos na pesquisa, vinte de crianças de quatro para cinco anos e
dez de crianças de cinco para seis anos de idade, sem relacioná-los quanto aos objetivos da
pesquisa fragilizaria a compreensão do leitor e a pesquisa em si. Por esse motivo foram
selecionados alguns desenhos entre a fase pré-esquemática (das crianças de quatro para cinco
anos) e fase esquemática (das crianças de cinco para seis anos) segundo PIAGET, 1973, para
melhor entendimento sobre o que a criança sabe do mundo ao seu redor, bem como relacionar
esse conhecimento com a forma de ler o mundo de seus familiares.
A seguir apresentarei as tabelas cujo objetivo é apontar o modo de pensar sobre o
mundo dos pequenos com idade entre quatro e cinco anos e cinco para seis anos, relacionado
com a leitura de mundo de seus familiares, bem como a relação desses saberes infantis com na
relação com uma prática educativa problematizadora.
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Ao observarmos as tabelas reforçamos nossa compreensão de que as crianças possuem
opiniões formadas sobre o mundo que as rodeia e principalmente sabem dizer do que
gostam/não gostam nesses ambientes. Além disso, são capazes de colocar à mostra toda sua
cultura, seu convívio social e a maneira com que os adultos responsáveis por elas pensam
sobre as adversidades do cotidiano.
As atividades propostas nos permitiu conhecer melhor o mundo a partir do olhar da
criança.
O que se pretende investigar, realmente, não são os homens como peças
anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis
de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se
encontram envolvidos seus ―temas geradores‖. (FREIRE, 1987, p.50)
Com relação à proposta do desenho da casa as crianças menores apresentam-na de
maneira mais afetiva, ou seja, falam mais da família, do movimento cotidiano do grupo
familiar e da relação pessoal entre os seus membros. As crianças maiores observam mais o
ambiente apesar de ainda relatarem o mesmo que as crianças menores. Fazem apontamentos
mais para o espaço físico e tem mais clareza de opinião quando coloca suas preferências ou
críticas a determinados espaços da residência. O fator relação pessoal entre os membros da
família ainda foi relevante. Uma mistura de como é sua casa/lar.
Na proposta de desenho da escola colocaram num patamar de igualdade as atividades
extraclasse com as atividades intelectuais. Apenas uma criança disse no momento das
perguntas sobre o desenho que não gostava de fazer atividade (é uma criança que demora
bastante para cumprir sua tarefa, pois se dispersa facilmente com os materiais, colegas, entre
outros). Disse que não gostava e no mesmo momento perguntou: -Pro, eu não gosto de fazer
atividade, mas se a gente não fizer como é que vamos aprender? Foi um questionamento que
demonstrou uma maturidade surpreendente a respeito da sua opinião apesar de ser um aluno
de quatro para cinco anos (um dos mais velhos da sala).
Quando falam na família os mais novos direcionam a relação pessoal e o movimento
da família como percepção principal. Os menores observam a organização da família no
espaço das casas, nas conversas, nas brincadeiras, enquanto que os maiores desenham a
família, seus membros e apontam a ausência de algum deles podendo causar certa
insegurança. Nesse contexto que as crianças tanto as maiores quanto as menores apresentam
sobre suas vidas vários Temas Geradores de estudos aparecem como núcleo organizador de
aprendizagens.
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Um exemplo para ilustrar a questão dos temas geradores foi o seguinte: ―espaço
físico‖.
Na roda da conversa elaborando a rotina o momento da motoca é o mais divertido. A
escola não tinha um espaço adequado para essa atividade. Uma criança perguntou onde
iríamos andar de motoca uma vez que o espaço da escola não se mostra adequado – e ela
percebe isso.
Pôde-se observar naquele momento que a questão espaço era um tema gerador não só
para a motoca como para as brincadeiras de roda, jogos ou com materiais diversificados e que
todas as crianças já o tinham identificado no cotidiano escolar. Então foi perguntado para o
grupo se essa dúvida seria um problema nosso. As crianças ficaram pensando na tentativa de
encontrar uma solução. De repente uma criança afirmou: dá pra gente andar de motoca nos
corredores. Outra criança perguntou: - E as gentes que passam lá? Nesse momento pediram a
ajuda e fizemos um combinado: Que tal se a gente andasse de motoca e pusesse os pés no
chão para ir devagar nas descidas e próximo das pessoas? Depois quando vocês estiverem
mais craques com a motoca podem andar mais rápido, mas sempre se lembrando de colocar
os pés no chão para diminuir a velocidade. A questão do espaço não se refere apenas à
motoca.
A problemática levantada pelas crianças corresponde ao tema gerador em que uma
proposta pedagógica dialógica pode dar conta de atender em suas múltiplas especificidades.
Essa problemática não é de responsabilidade apenas dos educadores e crianças, é também dos
familiares/responsáveis e requer o diálogo entre esses distintos protagonistas, buscando
formação e informação. Essa atitude poderia embasar uma ação política democrática e
libertadora podendo atingir esferas de poder.
O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas
contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como
problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no
risível intelectual, mas no nível da ação12
. Nunca apenas dissertar sobre ela e
jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus
anseios, coe suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores.
Conteúdos que, às vezes, aumentam estes temores. Temores de consciência
oprimida. Nosso papel não é falar ao povo sobre nossa visão de mundo, ou
tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de
estar convencidos de que a sua visão de mundo, que se manifesta nas várias
formas de sua ação, reflete a sua situação de mundo, em que se constitui. A
ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa
situação, sob pena de se fazer ―bancária‖ ou de pregar no deserto. (FREIRE,
1987, p. 49)
97
Sendo assim o levantamento da leitura de mundo a partir do olhar das crianças
encontrou-se com a leitura de mundo de seus familiares/responsáveis nas entrevistas com eles.
Melhor dizendo: vivenciando a cultura e os saberes que seus familiares compartilham as
crianças demonstram-se sujeitos capazes de opinar sobre o seu cotidiano, não de forma adulta,
mas como crianças que são. Enquanto compartilham a cultura se tornam sujeitos
condicionados à ela, porém não determinados, e esse é o cerne do compartilhamento da
Educação Infantil com a Educação Popular: colocar em diálogo realidades distintas para uma
nova práxis educativa.
Como na Educação não existe receita, o princípio da Educação Popular pode orientar
um trabalho pedagógico que parte da história de vida dos seus sujeitos envolvendo seus
familiares. A partir dos diálogos emergiram preocupações com segurança, violência nas
escolas, abandono da educação dos filhos e qualidade de ensino, o que pode servir de
substrato para novas problematizações.
Umas das propostas da presente pesquisa foi um questionário, o qual, depois da
devolutiva dos familiares se mostrou inadequado, não trazendo o resultado esperado. Esse
fato, também objeto de reflexão, levantou alguns questionamentos sobre qual era nosso
conhecimento da comunidade escolar como um todo.
Na roda de conversa com familiares a maior parte de suas falas parecia programada e
memorizada. Era como se falassem o que a ―escola‖, com sua prática bancária, quisesse ouvir
na tentativa de facilitar o diálogo foi proposta a seguinte questão: Como foi a escola de seu
tempo, que escola temos hoje e qual modelo de escola querem para o futuro?
Os familiares colocaram várias sugestões ligadas à violência nas escolas (mesmo as
crianças ainda estarem frequentando a escola infantil – pensando já lá no futuro nas escolas
com crianças maiores e adolescentes), qualidade de ensino e se conseguiriam passar no
vestibular de uma instituição pública de ensino superior.
Sendo assim é perceptível o quanto essa população de pais e familiares está
condicionada a uma escolarização que educa conteúdos para o vestibular e, por outro lado, o
quanto depositam de esperança na formação de estudos dos seus filhos e filhas como forma de
resistência e transformação da sua situação no mundo.
A disparidade entre esses dois polos (escola conteudista X escola emancipadora) é
significativa. Um dos papéis da Educação Popular é propor uma práxis educativa dialógica,
libertadora na busca de facilitar a leitura desses dois mundos tão distantes.
A aproximação da escola e família implica diretamente na aprendizagem e
desenvolvimento global dos alunos. A Educação não pode resolver todos os problemas da
98
sociedade humana, porém é através dela que educamos e nos educamos como nos ensina
FREIRE, 1981 que a educação sozinha não transforma, porém sem ela nada muda. É preciso a
tão sonhada comunhão entre a escola e a comunidade.
Tal comunhão é uma característica fundamental da ação cultura para a
libertação. É na prática dessa comunhão, que se dá na prática revolucionária
que a conscientização alcança o seu mais alto nível. E é nela que os
oprimidos superam o que Goldman chama de ―consciência real‖ pelo
―máximo de consciência possível‖. Implicando na inserção crítica na
realidade que se desmistifica, a conscientização é algo mais que a ―prise de
conscience‖. Por esta razão a conscientização é um projeto irrealizável pela
direita, que, por sua natureza, não pode ser utópica. Não há conscientização
popular sem uma radical denúncia das estruturas de dominação e sem o
anúncio de uma nova realidade a ser criada em função dos interesses das
classes sociais hoje dominadas. (FREIRE, 1981, p. 66)
É dessa forma que acredito na Educação: como ato político necessário à convivência
em sociedade, e principalmente por acreditar na Educação Popular que desenvolve a
abordagem educacional na direção de que cada sujeito é também sujeito da história da
Humanidade.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar o processo dessa pesquisa, trago algumas reflexões sobre os resultados
emergidos dela e, ao mesmo tempo, como se deu o percurso de minha formação como
pesquisadora, trazendo para o debate, uma personagem de um conto infantil para me
acompanhar: Chapeuzinho Vermelho.
Ao iniciar sua história, ícone dos Contos Infantis, Chapeuzinho Vermelho se encoraja
para atravessar a floresta sozinha, sob a orientação de sua mãe, na intenção de alcançar seu
objetivo: chegar à casa da vovozinha para entregar-lhe guloseimas. A trilha que seguiu era
conhecida pela sua mãe, demandante da ação, cuidadora e zelosa. Assim como nessa pesquisa
a orientação, tal como aconteceu, foi imprescindível para auxiliar no enfrentamento das
intempéries do caminho.
Retomar a questão de estudo que levou à pesquisa nos faz rever a trilha, os espaços e
momentos mais difíceis de passar e a importância de seguir a orientação de alguém amiga,
confiável, companheira, paciente e competente.
Em alguns momentos em que parecia que eu poderia andar sozinha, alguns obstáculos
mostravam a vulnerabilidade do processo: a maturidade científica ainda se fazia insuficiente à
autonomia necessária para chegar aos objetivos. Tão importante o reconhecimento dessa
imaturidade quanto seguir com clareza a orientação no desenrolar do caminhar... Essa é uma
pedagogia da autonomia!
Uma floresta densa e sombria pode ser comparada ao campo de pesquisa. Encontrar
rumo, abrigos e respostas foram um desafio e tanto. Num determinado momento pareceu que
a estratégia de utilização da técnica do desenho como coleta talvez não fosse suficiente para
produzir dados relevantes ao questionamento proposto, porém a relação de horizontalidade do
poder do saber foi a medida principal para o desencadeamento dos resultados, o que iluminou
todo o processo de investigação. A dialogicidade pautou o percurso.
Para adentrar o ambiente que inicialmente se mostrou hostil e perigoso fizemos um
mapeamento na tentativa de investigar a ―leitura de mundo‖ de um grupo de crianças entre
quatro a seis anos de idade, de como e se elas percebem os problemas cotidianos da família,
dos vizinhos, da escola; quais são esses problemas e o que pensam sobre eles – e os desenhos,
como expressão peculiar da infância, se mostraram uma estratégia colaboradora.
Algumas árvores frondosas desta floresta nos deram sombra e repouso, nos nutrindo
do conhecimento a partir de seu tronco com aporte teórico que Paulo Freire. Esse autor nos
apresenta, na relação do ensinar ―a partir da vida‖ e ―para a vida‖, uma grande copa - a
100
Educação Popular - que, como práxis educativa , nos alimentou de esperanças e
esclarecimentos para ―lermos a leitura‖ que as crianças fazem sobre todas as circunstâncias da
vida que as rodeia.
Descobrimos que, debaixo das folhas da incerteza no chão desta floresta, os desenhos
e as falas sobre eles apresentaram algo que queríamos saber: as crianças leem o mundo a sua
volta, tentam lidar com suas dificuldades e sentimentos se expressando nas brincadeiras,
ouvindo e contando histórias, participando e criando jogos simbólicos, como o faz de conta,
por exemplo.
Utilizam recursos cognitivos, o raciocínio lógico-matemático, sensibilidade e emoções
quando mergulham nos Contos de Fadas e outros contos infantis. Relacionam as personagens
das histórias com a experiência que vivenciam no mundo que as rodeia, transferem seus
sentimentos para essas personagens e sentem ali muito de sua raiva, de seu amor, de suas
tristezas e alegrias frente ao mundo que participam emaranhadas no enredo. Ao mesmo
tempo, porém, são capazes de diferenciar o mundo em que vivem do mundo imaginário,
reconhecendo o que gostam ou não no mundo real. Sabem identificar o que para elas parece
ser um problema e não se pautam somente no que os adultos acreditam que seja.
De um caminho a outro nesta floresta, a singularidade de cada copa de árvore nos
fornece um tipo de refúgio ou dificuldade. Assim como Chapeuzinho Vermelho ora se
deslumbrava com as flores, ora espetava o dedo num espinho, a cada passo da pesquisa a
descoberta foi nos alegrando, assustado, surpreendendo, nos deixando indignados...
Descobrir, na roda de conversa com as crianças, que uma delas está triste, pois os pais
discutiram muito e se separaram nos faz pensar que é possível dialogar sobre esse assunto,
buscar estratégias com elas para tornar esse sentimento de tristeza menos doloroso.
Reforçamos a crença de que podemos extrair, através da palavra que gera todo um tema de
trabalho com as crianças: prato, panelas, menino, macarrão, dinheiro, longe perto, família,
espetar, espinho, chuva, teia, medo, brinquedo, combinados, bebê, pai, mãe, barata, avô,
caminhão, mato sol, celular, bola, casa, papai, porta, motoca, escorrega, livro, fantoche, pega-
pega, giz, boneca, luta, atividade, mesa, briga, bambolê, corda.
Esse processo de ensinar e aprender é maravilhoso, surpreendente! Ao mesmo tempo,
quando percebemos que em muitos casos da Educação Infantil é ignorada essa condição de
existência, de compartilhamento e de diálogo nos traz tristeza e indignação, principalmente
quando essa atitude parte do profissional em educação.
Além dos troncos que nos forneceram abrigo, levantar junto com as crianças e
pais/familiares sua concepção e expectativas sobre a escola também implicou em uma
101
avaliação do contexto em que se insere minha própria práxis educativa, do envolvimento
família-escola, das ideologias políticas e educacionais para a Educação Infantil, além da
situação política como um todo.
Como organizar todos esses riscos? Estaríamos preparados para nos movermos na
pesquisa?
Caminhar, caminhar e caminhar... Já diz a palavra: caminhar...
Pela estrada a fora o momento arriscado de mover-se sempre aparece. Podemos pensar
que é o melhor, mas essa escolha só se concretiza a partir do encorajamento de enfrentar a
dúvida e nos move todos os sentidos para a busca. E foi isso que aconteceu: ao revolver uma
pequena pedra, errar o palpite da direção para onde iria rolar, revemos, refizemos,
reorientamos...
Algumas estratégias metodológicas se mostraram equivocadas e, num exercício de
honestidade científica, entendemos e assumimos tal equívoco como parte do percurso
investigativo.
Refeita a tarefa notamos que a maneira que os pais pensam sobre escola, educação,
segurança e expectativas de futuro acaba por influenciar as crianças de modo que as mesmas
compartilham esses valores em suas atitudes, emoções e ações, como reflexo da cultura que
vivenciam.
Acreditamos que, a partir dos resultados dessa investigação, a Educação Popular pode
contribuir em muito para a Educação Infantil.
Os Temas Geradores, emergidos da leitura de mundo das crianças, podem
transformar-se em e compor os conteúdos escolares, auxiliando para uma prática educativa
mais significativa, mais participativa com a comunidade escolar, mais questionadora quanto
ao encaminhamento de políticas públicas referentes à educação dos pequenos e, finalmente, à
construção de uma práxis educativa problematizadora pelos profissionais envolvidos no
processo formativo. A Educação Popular, como novo paradigma na Educação Infantil, pode
reforçar processos de construção de identidade e de autonomia em que a escola pense/ repense
seus valores, sua forma de organização do trabalho pedagógico, explicite sua ideologia e
contribua para a vida.
No encontro e desencontro das trilhas percorridas há momentos de denúncia e
anúncio: denúncia de realidades opressoras e anúncio da boa nova, em que as crianças da
faixa etária da pesquisa conseguem definir o que gostam/não gostam sobre alguns aspectos da
vida; sabem dizer o motivo de gostar e desgostar; sabem encontrar pequenas e esplêndidas
102
soluções para seus conflitos cotidianos e estes saberes deveriam participar do tecido de
construção de conhecimento e desenvolvimento na escola.
Contudo, para isso, será necessário renunciar à verticalidade do poder do saber nas
relações sociais com os pequenos, nas relações de desenvolvimento/aprendizagem na escola;
ouvir suas vozes, compartilhar, interagir suas ideias com as dos adultos – profissionais,
familiares, amigos – na construção de uma práxis educativa problematizadora promovendo
uma educação com sentido, ou seja, o ―pensar certo‖ como nos ensina Paulo Freire.
103
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