103
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO MESTRADO EM EDUCAÇÃO TADEU DE JESUS GIATTI ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO DIÁLOGO DE SABERES Americana/SP 2014

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO …§ão... · (MAURIZZIO GNERRE). RESUMO A presente pesquisa apresenta uma contribuição para o processo de ensino e aprendizagem de

Embed Size (px)

Citation preview

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

TADEU DE JESUS GIATTI

ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO

DIÁLOGO DE SABERES

Americana/SP

2014

TADEU DE JESUS GIATTI

ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA

COMO DIÁLOGO DE SABERES

Dissertação de Mestrado submetida ao Centro

Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

como requisito parcial para a Obtenção do Título de

Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr.

Severino Antônio Moreira Barbosa.

Americana/ SP

2014

Giatti, Tadeu de Jesus.

G376e Ensino e aprendizagem da língua portuguesa como diálogo de saberes / Tadeu de Jesus Giatti. Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2014.

103 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL/SP. Orientador: Severino Antônio Moreira Barbosa. Inclui bibliografia. 1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Língua

portuguesa – Gramática. 3. Ensino. I. Título.

CDD 469.07

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539 Bibliotecária UNISAL – Americana

ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO DIÁLOGO DE

SABERES

Dissertação de Mestrado submetida ao Centro

Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

como requisito parcial para a obtenção do Título de

Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr.

Severino Antônio Moreira Barbosa.

Data de aprovação: ___/___/____

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________

Profª Drª Deise Becker Kirsch/PNPD/CAPES

_____________________________________________

Prof . Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa/UNISAL

______________________________________________

Profª Drª Maria Luísa Amorim Costa Bisotto /UNISAL

Local: Americana, SP, Centro Salesiano de São Paulo – UNISAL

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a DEUS, que me possibilitou realizar este trabalho.

Dedico este trabalho à minha família, Célia Giatti, Erich, Friedrich e Leticia que me

apoiaram muito desde o início, desde a intenção em fazer a inscrição para o Programa de

Mestrado, dando-me motivação e suportando as minhas muitas ausências. Dedico também às

amigas e Mestras, Maria José Carreira Rey, (“Zezé”) e Nanci de Almeida Rezende que me

incentivaram a cursar este Mestrado, através de muitas conversas, quando eu não via mais

perspectiva devido às portas estarem se fechando para mim.

Agradeço a todos que me ajudaram nesta jornada de dois anos: À minha família, que amo

muito, sempre me apoiando e tendo paciência nas crises de ansiedade e nas longas ausências.

À minha mãe que, mesmo estando doente, e hospitalizada durante cinco meses, logo no início

do Mestrado, me deu apoio e conforto para continuar na caminhada que iniciei e NUNCA

desistir;

A meu pai (in memoriam) que mostrou-me a importância e cumprimento dos deveres

éticos,

Às entrevistadas que foram muito solícitas ao projeto, sendo que algumas cederam até

seu horário de almoço para participarem e serem entrevistadas;

À equipe de gestores da minha escola que me ajudou em todo o processo;

A Lucimar e Ana Lúcia que ouviram minhas “queixas”, minhas dúvidas, sempre com

atenção;

Aos colegas do Mestrado pelo carinho e pelas sugestões em todo o processo,

especialmente Sônia Ferrari e Keila Mourana, com quem dividi o horário do PED e tivemos

longas e frutíferas experiências pedagógicas;

Aos professores Severino Antônio Barbosa pelo encantamento, amizade e perfeita

identificação quando soube que seria meu Orientador, assim como a indicação e sugestões de

leitura que valeram todo este processo de crescimento acadêmico, à professora Maria Luisa

Bissoto com quem me identifiquei muito, criando um forte elo de amizade, e que, devido a sua

garra, sua assertividade, me levou a tomar gosto e fazer sempre parte dos Congressos e escrever

artigos acadêmicos;

À professora Valéria que me acolheu tão bem, não obstante não ter sido aluno regular de

sua disciplina, indicando o quanto poderia ser minha amiga;

À professora Suely Caro, que, devido a sua calma, fleuma, nos indicou que o Mestrado

poderia ser levado a bom termo e com responsabilidade;

À minha querida e inesquecível Omma, Otilie Verginia Sander, que me educou e

introduziu nos mistérios de uma segunda língua (alemão), alfabetizando-me, letrando-me e

mostrando a importância e respeito pelo diferente e pela alteridade, e finalmente agradeço mais

uma vez a Deus pela possibilidade de mais esta conquista.

.

“A Proposta Curricular de Ensino de Língua Portuguesa coloca o

problema da variação linguística como um dos mais sérios da escola

em sua relação com a linguagem. Mostra que, a depender do

posicionamento assumido pelo professor em relação à linguagem, o

ensino pode ser uma forma de discriminação social. Coloca ainda a

necessidade, por parte da escola, na figura do professor, do respeito ao

dialeto que a criança traz de sua comunidade, porém oferecendo a essa

criança o dialeto padrão, que é o que garantirá a ela sucesso numa

avaliação social, além do acesso à tradição cultural escrita. É esse

respeito, conseguido pela sensibilização das crianças em relação às

variações linguísticas que permitirá que se desenvolva

satisfatoriamente o processo comunicativo e criativo da linguagem.”

(EMERSON PIETRI)

“A linguagem é o bem mais precioso e também o mais perigoso que

foi dado ao homem”. (HÖLDERLIN)

“Lei do destino: que todos se aprendam” (idem)

"Deveríamos definir o Homem como animal simbólico e não como

animal racional" (ERNEST CASSIRER)

"A palavra é adâmica: cria o homem que cria a palavra" (MURILO

MENDES).

... “a língua é um elemento de ideologia da classe dominante de

plantão. Talvez exista uma contradição de base entre ideologia

democrática e a ideologia que é implícita na existência de uma norma

linguística. Segundo os princípios democráticos nenhuma

discriminação dos indivíduos tem razão de ser, com base em critérios

de raça, religião, credo político A única brecha deixada aberta para a

discriminação é aquela que se baseia nos critérios da linguagem e da

educação. (MAURIZZIO GNERRE).

RESUMO

A presente pesquisa apresenta uma contribuição para o processo de ensino e aprendizagem de

Língua Portuguesa, tematizando a questão da oralidade e da escrita, sob a ótica dos PCNs

(Parâmetros Curriculares Nacionais). A questão de fundo é: existe ou não diálogo de saberes

na escola moderna, tendo como substrato o ensino da língua sob essas duas variáveis? Espera-

se que a escola discuta as recomendações dos PCNs, ao partir para um ensino da língua materna,

do falar trazido pela clientela advinda das camadas populares ao interior da mesma, através da

dialogicidade e do respeito pelo diferente e não haja preconceito linguístico. O objetivo desse

trabalho é discutir e verificar razões que levam os docentes a continuar a priorizar o ensino da

língua escrita, descurando-se da língua falada (oralidade) não obstante os professores terem às

mãos informações sobre a Linguística que enfatiza a necessidade de uma mudança de rota no

ensino, optando pela gramática textual e pela oralidade. A relevância deste tema justifica-se no

fato de constatar-se que a preferência nas escolas e no sistema educacional é, ainda, pelo ensino

da Gramática Tradicional. Existe uma preocupação em evitar-se o preconceito linguístico?

Procura-se, deste modo, verificar se existe um diálogo de saberes. Trata-se de pesquisa

qualitativa, com fundamentação teórica e pesquisa de campo, com diálogos com três

professoras de Língua Portuguesa no Ensino Médio de uma escola pública estadual. A

entrevista foi realizada sob a forma de pesquisa de campo, com diálogos entre quatro

professoras de Língua Portuguesa no Ensino Médio de uma escola pública. Os resultados foram

analisados e interpretados, chegando-se à conclusão que existe uma oxigenação nesta nova

linha linguística, ou seja, verificou-se que há um incipiente respeito linguístico por parte dos

professores para com a língua trazida pelos alunos à escola. Espera-se contribuir para que a

escola discuta as recomendações dos PCNs, através da dialogicidade e do respeito pelo diferente

e não haja preconceito linguístico. Espera-se, também, contribuir com reflexões acerca da real

possibilidade de se fazer nascer uma pedagogia dialógica de matiz poiética, sob a linha

educacional da Educação sociocomunitária no processo ensino e aprendizagem da Língua

Portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Sociocomunitária. Linguagem. Oralidade e Escrita.

Pedagogia Dialógica.

ABSTRACT

This research presents a contribution to the process of teaching and learning Portuguese,

thematizing the issue of orality and writing, from the perspective of PCNs (National Curriculum

Parameters). The bottom line is: is there or not dialogue of knowledge in modern school, with

a substrate language teaching in these two variables? It is expected that the school discuss the

recommendations of the NCPs to leave for teaching of the mother tongue, the talk brought by

customers arising from lower classes to the interior thereof, through dialog and respect for the

different and there is no linguistic prejudice. The aim of this paper is to discuss and verify the

reasons that lead teachers to continue to prioritize the written language teaching , if neglecting

- spoken language (oral) although teachers have to hand information about the Language that

emphasizes the need for a change route in teaching, opting for textual grammar and the spoken

word. The relevance of this theme is justified in fact be noted that the preference in schools and

the educational system is still the teaching of traditional grammar. Is there a concern in avoided

linguistic prejudice? Looking up, thus verify that there is a knowledge dialogue between

teachers and students. It is a qualitative research, with theoretical basis and field research, with

dialogues with three Portuguese-speaking teachers in high school in a public school. The

interview was conducted in the form of field research, with dialogues between three Portuguese-

speaking teachers in high school to a public school. The results were analyzed and interpreted.

We came to conclusion that there is oxygen in this new linguistic line, that is, it was found that

there is an incipient linguistic respect from teachers towards the language brought by students

to school. Expected to contribute to the school to discuss the recommendations of the NCPs

through dialog and respect for the different and there is no linguistic prejudice. It was expected,

also, to contribute with reflections on the real possibility of being born a dialogic pedagogy

poetic hue under the educational line of socio-communitarian education in the teaching and

learning of the Portuguese language.

KEYWORDS: Education socio-communitarian. Language. Orality and writing. Dialogic

Pedagogy.

LISTA DE FIGURA

Figura 1 – O ABC da Língua ..............................................................................................64

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABL – Academia Brasileira de Letras

ALD – Análise Linguística do Discurso

CNPQ – Conselho Nacional de Pesquisa

EF – Ensino Fundamental

E.G. – Exempli Gratia (Latim, por exemplo)

EM – Ensino Médio

ENADE – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes

ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio

FAC – Faculdade Anhanguera de Campinas

GT – Gramática Tradicional

GN – Gramática Normativa

LATTES – Plataforma de Currículo Acadêmico. Efetivamente a palavra trata de uma

homenagem do CNPQ ao pesquisador Cesare Lattes

LB – Literatura Brasileira

LP – Língua Portuguesa

LM – Língua Materna

LT – Linguística Textual

NC – Norma Culta

NP – Norma Padrão

PB – Português Brasileiro

PC – Pedagogia Crítica

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PL – Pedagogia Libertadora

PO – Pedagogia da Oralidade

PUCCAMP – Pontifícia Universidade Católica de Campinas

SARESP – Sistema de Avaliação de Ensino do Estado de São Paulo

SEESP – Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

UNIBAN – Universidade Bandeirantes

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO E LINGUAGEM.................................... 18

1.1 Algumas considerações sobre Educação ........................................................................... 18

1.2 Conceito de Linguagem e suas “Gramáticas” no entorno educacional.............................. 28

1.3 Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin e Vygotsky em diálogo com Sônia Kramer.............. 35

1.3.1. O conceito de história e a crítica do progresso............................................................... 35

1.3.2. Pela história, penetrando na linguagem, com Mikhail Bakhtin e Walter Benjamin ..... 38

1.3.3. Na história, pela linguagem, indo ao encontro do sujeito, com Vygotsky.................... 42

1.4. Da real possibilidade de se fazer nascer uma Pedagogia Dialógica de matiz poiética .. 45

1.5. Linguagem e Poesia, ou o mais perigoso dos bens ........................................................ 49

2. DO EMBATE ENTRE A GRAMÁTICA TRADICIONAL E OS PCN´s

2.1. As várias gramáticas no entorno escolar e os PCNs, ou o conceito de interacionismo

linguístico social no campo da educação e da linguagem moderna ........................................ 57

2.2. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística........................... 57

2.3. No espaço do trabalho discursivo, alternativas são possíveis .......................................... 66

2.4. A defesa da GT e da NP segundo Barbosa Lima Sobrinho (Defesa da Língua e Unidade

Política do Brasil) ................................................................................................................... 72

2.5. Evanildo Bechara ou a defesa intransigente do ensino da língua culta contra o liberalismo

linguístico ................................................................................................................................ 76

3. ESCUTA DE VOZES DOCENTES ................................................................................ 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................94

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................98

13

INTRODUÇÃO

A Educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, talvez mais felizes e

assumir a dimensão poética de nossas vidas.

(Edgar Morin, 1999)

Este trabalho tem como objetivo investigar se existe, no ensino de língua portuguesa,

diálogo e troca de saberes entre alunos e professores, mais especificamente investigar se existe

escuta da fala dos alunos e de sua cultura. Existe uma prioridade no ensino da língua escrita,

em detrimento da língua falada, trazida pelos alunos à escola? Existindo isso, há o preconceito

linguístico na escola? Além disso, objetiva também discutir razões de se preferir, muitas vezes,

o ensino de língua escrita, pelo método tradicional normativo, apesar das recomendações dos

PCNs.

O presente trabalho pretende contribuir para uma reflexão sobre a autoestima dos alunos

no aspecto linguístico e também social através da ênfase na autonomia dos educandos que,

falando seu patois, sua gíria, poderão interagir dentro do contexto multilingual com professores

e outros alunos para atingir o domínio de outro tipo de linguagem, a normal padrão, sem abrir

mão de sua história, cultura e linguagem e principalmente valores. Isto significa que este

trabalho não visa desprezar e atacar a Gramática Tradicional (GT) desvalorizando seu

significativo valor e aporte que trouxe no decorrer dos séculos, mas sim, tomando por base a

noção de preconceito linguístico de Bagno (1997), valorizar o aluno, enquanto ser humano que,

advindo de outro grupo social e linguístico, tem um falar diferente do socialmente aceito. Neste

caso procura-se exercer a alteridade linguística.

Quanto à metodologia, propriamente dita, trata-se de pesquisa qualitativa, com

fundamentação teórica e pesquisa de campo. A primeira será feita através de autores e teóricos

que conversam com o presente trabalho e tema, especialmente dentro do contexto da linguagem

tida como entidade adâmica e constituída por uma simbologia cultural, que é o ensino e

aprendizagem da Língua Portuguesa (LP) como diálogo de saberes. Já a segunda será entendida

como

(aquela) pesquisa qualitativa que não procura enumerar e/ou medir os eventos

estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados, envolve

14

a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos

pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando

compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos

participantes da situação em estudo (Godoy, 1995, p.58). Gil (1991, p. 46)

afirma que, “embora as pesquisas geralmente apontem para objetivos

específicos, estas podem ser classificadas em três grupos: estudos

exploratórios, descritivos e explicativos. 2 Pesquisa Exploratória Um trabalho

é de natureza exploratória quando envolver levantamento bibliográfico,

entrevistas com pessoas que tiveram (ou tem) experiências práticas com o

problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão.

Possui ainda a finalidade básica de desenvolver, esclarecer e modificar

conceitos e ideias para a formulação de abordagens posteriores. Dessa forma,

este tipo de estudo visa proporcionar um maior conhecimento para o

pesquisador acerca do assunto, a fim de que esse possa formular problemas

mais precisos ou criar hipóteses que possam ser pesquisadas por estudos

posteriores (GIL, 1999, p. 43).

Quanto à concepção de educação e linguagem, elegeu-se uma abordagem de cunho

poético e de investigações, reflexões acerca da real possibilidade de se fazer nascer uma

pedagogia dialógica de matiz poiética, sob a linha educacional sóciocomunitária. Isso será

executado a partir da discussão que é objeto dessa pesquisa e que pretende-se propor uma

concepção de Pedagogia Dialógica de matiz poiética que tem como cerne a religação dos

saberes trazidos pelos alunos, com a autoria da sua tradição oral, àqueles escolares, tratando-os

em patamares de equidade.

Deve-se frisar, também, que os conceitos de linguagem, conhecimento e sociedade,

farão parte dos objetivos deste estudo, ou seja, procurar-se-á mostrar que, na atualidade, aquilo

que se chama de empoderamento, definido por Bisotto (2012), como “incrementar a habilidade

dos sujeitos e grupos para influenciar as tomadas de decisão quanto a questões que os afetam e

às suas comunidades” é muito menor do que se objetiva compartilhar e construir com os

aprendentes em nosso conceito de linguagem oral e escrita. Não basta empoderá-lo tão somente

para uma situação econômico-social pontual, mas sim em um sentido mais amplo, dar-lhe o

ferramental para que ele possa fruir e gozar dos bens culturais difusos na sociedade moderna

que, não obstante estarem à sua disposição, o aluno necessita da chave da escuta, da pedagogia

dialógica, de matiz poiético para chegar a tal fruição e gozo dos bens culturais. Ferramental

esse que será provido pelo intermediador entre o bem cultural e o aluno – o educador, através

do diálogo de saberes, da não prioridade do ensino fulcrado na língua escrita, e também pelo

respeito linguístico.

Ter-se-á os conceitos de educação, cultura e as linguagens como referenciais, assim

como mostrar aspectos subjetivos e atingir motivações não explicitas, ou mesmo conscientes

15

sobre como o sistema educacional, professores, colegas foram motivados a adotar uma

“segunda língua” dentro do aspecto do multilinguismo e do caráter interacionista da linguagem.

Houve um trabalho de entrevistas com professores de uma escola pública da cidade de

Campinas/SP, sendo que, ao final do período de dois meses, fez-se uma coleta de dados

significativos para uma posterior análise sobre a questão da educação e linguagem, os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) e também das várias gramáticas que permeiam o

ensino e aprendizagem da língua materna, propiciando o surgimento do multilinguismo nos

alunos.

Visto esses aspectos acima elencados, deve-se, ainda, insistir sobre a questão da

linguagem. O presente estudo objetiva investigá-la, sob as formas de oralidade e da escrita,

enquanto agentes construtores do conhecimento, e da formação da alteridade, assim como

desenvolver no educando a autonomia, o diálogo de saberes, o empoderamento e a não-

coisificação do sujeito, enquanto ser linguístico.

A relevância do presente trabalho justifica-se na medida em que o meio escolar e

acadêmico sempre priorizaram, na linguagem, a escrita, em detrimento da fala. Ora, sabe-se

que as crianças já vão para a escola sabendo falar, e com uma gramática internalizada em seu

cérebro, capaz de processar informações linguísticas, visto saber falar. Todavia, pelo que já se

expôs, ao adentrar o espaço escolar, os educandos acabam sendo convencidos que não sabem a

língua materna e devem reaprendê-la unicamente sob a forma da GT com suas regras, exceções

e tudo o que mais que ela prescreve. O presente trabalho se justifica justamente por tentar

mostrar que, adotando-se o ensino primeiramente pela oralidade dos alunos, pelo respeito ao

seu falar trazido de seu meio social, ter-se-á mais resultado em empoderá-lo a adquirir outra

língua, a escrita, mas sem alijar de sua personalidade o falar primeiro, aquele desenvolvido em

seu meio familiar, social. A isso se denomina o não-preconceito linguístico. Não se deve

confundir preconceito linguístico com o caráter iconoclástico e que vise destruir a GT. Esse é

um erro comum que vem se propagando, quando se discute o preconceito linguístico. O que se

pretende é através da moderna Linguística Textual (LT) e dos teóricos elencados neste trabalho,

operacionalizar o respeito linguístico, evitando o preconceito, para fazer com que o aluno que

advém das camadas populares tenha acesso à cultura, fala e escrita privilegiadas na sociedade

– a dita língua culta. A partir desta abordagem, talvez ver-se-á que alunos terminando o terceiro

ano do Ensino Médio (EM), poderão escrever com propriedade, pois, tendo sido respeitado em

seu falar, assimilarão outro modo de falar com mais naturalidade. Nada mais triste que constatar

que os educadores acham que saber a língua materna é internalizar regras e conceitos abstratos,

sendo que os alunos são reprovados nas redações em concursos nacionais, tais como Exame

16

Nacional de Ensino Médio (ENEM), no final do 3º. Ano do Ensino Médio (EM), e no Exame

Nacional de Desempenho dos Alunos (ENADE), para aferir-se a qualidade dos cursos, dentre

outros, pois o tempo despendido na escola com a memorização da gramática foi em vão.

Esta dissertação está arquitetada em três capítulos.

O primeiro traz reflexões sobre educação e sobre linguagem. Trabalha com o conceito

de linguagem e suas “gramáticas” no entorno educacional, ou melhor, com a questão da

gramática e da norma culta. Discute ainda o documento oficial os Parâmetros Curriculares

Nacionais – PCN´s - referentes à orientação do ensino de Língua Portuguesa (LP). O que é

linguagem dentro de nosso contexto social? E na educação? Quais são as gramáticas que

subjazem ao conceito de linguagem, ou em outras palavras a diferença entre a gramática

normativa e o interacionismo social linguístico? Como a educação e a linguagem são vistas

através da história que vai ao encontro da mesma, através da ótica de Walter Benjamin (1987);

como, pela história, ela penetra na linguagem, sob a visão de Mikhail Bakhtin (1995) e, ainda,

como na história, pela linguagem, ela vai ao encontro do sujeito, dentro da visão de Vygotsky

(1987).

Finalizando o primeiro capítulo, a linguagem vista sob o viés poético, de investigações,

reflexões acerca da real possibilidade de se fazer nascer uma pedagogia dialógica de matiz

poiética, assim como da escuta, tão descurada na atualidade sob a linha pedagógica de educação

formal será objeto de análise neste primeiro capítulo, ainda, tendo como interlocutor Antonio

(2013).

O poetizar o pedagógico deve, necessariamente, ser visto neste capítulo, pois a obra de

Antonio (2013) tece considerações sobre a linguagem poética e apontam rumos para uma

educação linguística da escuta significativa e com enfoque na pedagogia poiética.

O segundo capítulo objetiva estudar como se dá o embate entre a GT e os PCN´s de LP.

Procurar-se-á investigar como a hegemonia e contra-hegemonia cultural e linguística são

ocultadas em nosso sistema educacional que prima em afirmar que existe uma

pseudodemocracia, mas, o que pode ocorrer talvez seja uma inculcação de um pensamento

único, hegemônico para tudo e todos, tendo como fim o pensar unilateral, não se admitindo o

contraditório, a alteridade.

Far-se-á, depois, ainda, nesse capítulo, a escuta atenta e minuciosa de defensores e

representantes de clássicos do ensino da GT no ambiente escolar. Será o momento da escuta

dos arrazoados dos defensores da GT e do falar “culto”. Serão ouvidas as argumentações de

Sobrinho (2000), visto seu ideário ainda ecoar forte no embate entre o falar uma única língua e

outros falares diferentes da língua padrão. Bechara (2001), conhecido gramático normativista

17

de obras de porte, também terá a oportunidade de falar e defender seu ponto de vista sobre a

temática.

Finalmente, no terceiro capítulo, houve a escuta das vozes das professoras de uma escola

de Ensino Fundamental e Médio na cidade de Campinas/SP. Serão 04 (quatro), sendo duas (02)

com mais de 20 anos de magistério e 02 com menos de 05(cinco) anos de trabalho.

Suas considerações foram analisadas e interpretadas à luz do referencial teórico e dos

objetivos desta dissertação.

18

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

1.1. Algumas reflexões sobre Educação

Educação é um conceito que admite amplas e polissêmicas definições. Todavia, não se

deixa confinar por nenhuma delas – embora algumas pareçam traduzir de forma mais completa

o que uma determinada sociedade espera da educação de seu tempo. Neste sentido, justifica-se

uma pesquisa de conceitos da mesma no transcorrer do processo civilizatório humano.

Cabe lembrar, num primeiro momento que, etimologicamente, o vocábulo "educação"

tem dupla origem latina: educere e educare. Segundo Cunha (1982, p.284), no primeiro caso,

a origem estaria na palavra dux, que significa "chefe". Dessa raiz emergiu o verbo latino ducere,

"levar", que gerou o termo "conduzir". A partir deste verbo, surgiriam muitas outras palavras,

como producere que significa "conduzir para frente", deducere que tem o significado de "trazer

para dentro" ou, ainda, traducere que é "levar para outro lado". A partícula – “e” -, latina, tem

a conotação de movimento de dentro para fora – que, uma vez anteposta à palavra ducere, fez

surgir a palavra educação no sentido de "conduzir para fora", "dirigir exteriormente”, “colocar

as ideias para fora". No segundo caso, o sentido primeiro da palavra educação, relacionado à

educare, é o de "sustentar", "alimentar" e "criar".

As duas origens etimológicas apontadas podem encontrar eco nas diferentes formas

como os educadores concebem a educação e, logicamente, a sua função. O verbo educare leva

à concepção de educação na qual o educando é conduzido e levado por forças exteriores a ele,

ou seja, no caso da educação escolar, o educando é ensinado, ‘levado’ pelo professor, 'formado'

para inserir-se obediente e eficazmente nas comunidades de prática requeridas pela economia

de mercado. Entretanto, a palavra educere nos faz pensar na educação como sendo um conjunto

de ações por meio das quais o educando é instigado a se desenvolver a partir da busca de

recursos próprios, é encorajado a encontrar e/ou criar brechas que lhe permitirão agir

criticamente face à sociedade atual, frente ao que está posto. Neste trabalho, tem-se a pretensão

de fazer um estudo tendo como pano de fundo e bússola esta segunda acepção do termo

educação, pois somente neste sentido uma educação na modernidade tem significado.

Platão, na Grécia Antiga, dentro da visão clássica de educação, acreditava que o ensino

deveria ser um apanágio do Estado, não das entidades particulares. Os professores seriam

selecionados por Atenas e supervisionados por cidadãos revestidos de poderes judiciais,

especificamente designados para atuar na esfera educacional. Ele ainda idealizava um modelo

19

pedagógico igual para homens e mulheres até que eles completassem seis anos de idade. Daí

em diante estes aprendizes seriam divididos em classes e professores distintos (Jäeger, 1986,

p.48).

O processo educacional do cidadão, para o filósofo, teria uma duração de 50 (cinquenta)

anos. Dos três (03) aos seis (06) anos, as crianças seriam formadas através de atividades lúdicas,

em locais particularmente elaborados para elas. Segundo Jäeger (1986, p.48), a instrução em si,

que só teria início aos 07 (sete) anos, seguindo o que prescreve a Paideia (παιδεία)1 grega

(educação, em linhas gerais), a qual propunha que o aluno tivesse uma formação clássica,

principalmente no campo da Filosofia.

Entretanto, para que possa haver a materialização da felicidade, faz-se

necessário aprender a ser feliz. E, tal qual na arte, somente tocando-se cítara é que podem ser

formados bons ou maus tocadores do instrumento, é imprescindível a figura do professor a nos

ensinar a gostar e a desgostar das coisas certas, como disse Platão, para que se realize a

verdadeira educação.

Neste sentido, sendo o homem, por sua natureza, incapaz de viver sozinho, o

bem do Estado é o mais perfeito, o mais belo, o mais divino. Sendo possível, através da reunião

ou o agrupamento de indivíduos bem educados na consecução de sua função específica, com

aspiração a uma manifestação comunitária do que se conhece por felicidade verdadeira.

Já Aristóteles (2000, p.86) via na “pólis” (cidade) não um simples fruto de convenção

artificial, mas sim o real resultado de todo um esforço educativo ou formativo do homem,

enquanto indivíduo, até os limites de projeção em seu aspecto coletivo.

Além do mais, a felicidade da cidade depende da virtude no cerne de cada cidadão. E

como cada homem pode se tornar virtuoso e bom? A esta pergunta pode-se inferir do que está

contido nos escritos de Aristóteles (2000, p.87) que, em primeiro lugar, deve haver uma certa

disposição natural, depois, sobre esta devem agir os hábitos e os costumes, em seguida os

raciocínios e os discursos. Ora, a educação age sobre o hábito e o raciocínio sendo,

consequentemente, um fator de enorme importância no Estado.

Para o Estagirita, não seria a iniciativa privada, mas sim o Estado aquele que seria o

provedor e mantenedor da educação, que haveria de iniciar pelos impulsos, pelos instintos e

pelos apetites do corpo e, deste modo, chegar à educação da alma racional, assumindo deste

modo, a tradicional educação atlético-musical dos gregos.

Percebe-se, portanto, que Aristóteles (2000, p.87) vislumbrava em seus escritos um

1 Segundo Werner Jäeger (1986), era o "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e

genuinamente humana" na Grécia antiga.

20

instigante campo para reflexão sobre a educação. Isto em razão de a política passar a ser a

aplicação da educação do próprio cidadão para a consecução das ideias éticas que possibilitam

o advento da felicidade, tanto individual quanto coletiva. A bem da verdade, a visão de política

em Aristóteles era uma amplificação de sua visão de educação: saber bem administrar a função

de atividade racional da alma (individual e coletivamente), quer seja numa organização

democrática, oligárquica, republicana, monárquica ou qualquer outra que, contingencialmente,

viesse a se consumar.

Através do cotejo destes dois autores clássicos gregos no atinente à visão de educação,

pode-se verificar quanto diferentes são estas visões epistemológicas sobre a visão do conceito

educacional. Enquanto para Platão, a reminiscência, o despertar que está adormecido na pessoa,

através da dialética e maiêutica deve ser o ideal da educação, ou seja, ele tem uma visão

abrangente, para Aristóteles existe uma visão segmentada, pois supõe um mundo progressivo

(ato-potência), visto que o ser humano, através da educação pode se transformar em um grande

ser, transformador do mundo e ter a felicidade em si, não dependendo do mundo das ideias

preconizado por Platão. Para Aristóteles (2000, p.87), o conceito de aretê (ἀρετή aretê,ês,

"adaptação perfeita, excelência, virtude”) se ensina, daí o papel desempenhado pela educação,

que é o de orientar a alma em direção ao bem supremo. Educar para algo, ensinando-se a

virtude, que vise ao bem da sociedade. Aprende-se pelo hábito. Eis um meio termo de ouro

entre as duas visões – platônica e aristotélica - sobre educação.

Dando-se um grande salto temporal e espacial, visto que não se podem analisar todos os

autores que versam sobre educação, e não é esse o escopo desta introdução, constata-se que

Paulo Freire (1921-1997), enquanto herdeiro do pensamento de cunho marxista e da

fenomenologia inaugurou a Pedagogia Crítica (PC), ou melhor, a Pedagogia Libertadora (PL),

trabalhando com as classes populares para sua alfabetização. Ora, é fora de questão que Paulo

Freire, enquanto educador e alfabetizador da língua materna, tanto na perspectiva fala e escrita

no ensino da língua portuguesa, dialoga com o presente trabalho que tem como foco de pesquisa

este tema. Razão para ser ouvido. Ele sintetiza bem o pensador modernista, não estático, mas

em contínuo movimento.

Para Freire (1997, p.134), “Nem tudo está perdido, basta o trabalho educacional e

teremos o que queremos uma educação verdadeira que dê conta da mudança da realidade”.

Entretanto, os aportes e inovações de Paulo Freire não param por aí, pois além da educação ser

embasada em uma esperança, é necessário: (...) “que saibamos que, sem certas qualidades ou

virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto

pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos

21

fatalismos (...) abertura à justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se

faz apenas com ciência e técnica”. (Freire, 1997, p.136).

Pergunta-se, deste modo, após esta compreensão de homem e sociedade, qual seria a

ligação destes dois conceitos à educação? A resposta é que o ser humano, por meio da

educação, descobre um meio para a construção de um novo status. Este novo status deve

possibilitar ao homem as mesmas condições que a classe dominante lhe impossibilitou de obter.

Esse é um aspecto um pouco restrito no modo de compreensão da educação, pois o objetivo

primordial da educação é levar o ser humano a se livrar das amálgamas que o impedem de

desenvolver seu próprio ser. A educação, na concepção freiriana, não é uma doação ou

imposição, mas uma devolução dos conteúdos coletados na própria sociedade, que depois de

sistematizados e organizados, são devolvidos aos indivíduos na busca de uma construção de

consciências críticas frente ao mundo. A educação, segundo Freire (1997, p.137), no processo

de contrapor-se ao que ele denomina de “educação bancária” é, acima de tudo,

problematizadora, isto é, está intimamente ligada à realidade, ao contexto social em que vivem

o professor e o aluno e no qual o ato de conhecer não está dissociado daquilo que se conhece.

O conhecimento está sempre dirigido para alguma coisa.

Deste modo, o homem, caracterizado como sendo um ser inacabado,

toma consciência do seu inacabamento e incompletude e busca, através da educação, realizar

mais plenamente sua pessoalidade.

Cabe, agora, ressaltar a que linha de pesquisa o presente trabalho acadêmico se filia,

dentro do espírito da educação sociocomunitária. Ele se filia àquela segunda, elencada pelo

UNISAL:

Linha 2 – A intervenção educativa sociocomunitária: linguagem,

intersubjetividade e práxis.

Descrição: Investigações e reflexões a respeito das possibilidades de uma

pedagogia dialógica e poiética no contexto da educação

sociocomunitária, a partir da interpretação das linguagens -

principalmente a verbal e sua dimensão simbólica e poética.

Considerações sobre os diálogos em que o pesquisador se constitui

como interlocutor e interprete dos sujeitos e das comunidades

pesquisadas. Debates e conversações teóricas a partir da

Fenomenologia, Marxismo e Complexidade.

Esta linha de pesquisa versa sobre a interpretação das linguagens, entendidas no plural.

O foco do presente trabalho, não custa relembrar, é a fala e escrita entendidas no processo de

ensino e aprendizagem, como troca de saberes. Ora, um dos fundadores do curso de Mestrado

22

em Educação no UNISAL, Paulo de Tarso Gomes (2009, p.05) discute e define a educação sob

o enfoque sociocomunitário. Como se está trabalhando o presente tema dentro deste enfoque

epistemológico, necessário se torna que se ouça com atenção como ele se posiciona e qual a

definição do vocábulo educação para ele.

Segundo Gomes (2009, p.05), “a educação sociocomunitária é, assim, numa primeira

visão, o estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente busca mudar algo na

sociedade por meio de processos educativos”.

Mas voltando à questão da primeira visão da educação sociocomunitária segundo

Gomes (2009), ao empreender essa tática de buscar uma mudança na comunidade, ela

concretiza sua autonomia. Buscar mudar a sociedade significa romper com a heteronímia, com

ser comunidade perenemente determinada pela sociedade.

Porém, é preciso ser um pouco menos otimista e admitir outra visão, que é aquela que

se pode levá-la a ser incluída no âmbito da educação sociocomunitária os casos em que a

comunidade é articulada para mudanças na sociedade. Nesse caso, é preciso admitir que uma

entidade ou instituição externa, provoque, fortaleça e ofereça um projeto à comunidade, para

que ela faça o trabalho final de efetivar mudanças.

A urgência de seu estudo - provocada pelas tensões entre cotidiano e história, entre

tradição e transformação - não pode se superpor à crítica de valores que estão dados em seus

termos, como comunidade, transformação social, emancipação, autonomia. Nem a urgência,

nem o caráter axiológico de seus termos podem preceder à investigação social e histórica, que

lhe conferem tanto o método de pesquisa como o método de ação.

Segundo, ainda, Bisotto (2012, p.02), “A educação sociocomunitária, antes do que mais

uma subdivisão ou uma especialização da educação, deve ser entendida como um processo:

aquele de escuta – e assim de trazer à tona, de favorecer a emersão- das diferentes vozes que

compõem as múltiplas educações, que vão nos configurando, construindo a nossa

subjetividade- enquanto vamos sendo inseridos nas malhas de relações sociais, que constituem

o viver”. Com essa definição, pode-se ver como o tema ora tratado – Ensino e Aprendizagem

da Língua Portuguesa como troca de saberes – tem estreita correlação com a filosofia do

Mestrado em Educação pelo UNISAL, visto tratar de um tema eminentemente subjetivo, a

linguagem, inserido nas malhas de relações sociais, objetivando dar autonomia e

empoderamento às vozes do sujeito histórico. Mas não só isso.

Nesse mesmo diapasão, Bisotto (2012, p.02) continua:

23

A escuta atenta destas vozes, o colocá-las em diálogo, levantando a

discussão de suas contradições e ideologias, é fundamental para que

tenhamos uma tessitura da realidade mais crítica e emancipatória. É por

meio desta discussão que a educação para a autonomia é possível. Deve

ser guiada por 5 princípios: a) o empoderamento- incrementar a

habilidade dos sujeitos e grupos para influenciar as tomadas de decisão

quanto a questões que os afetam e às suas comunidades; b) a

participação- suportar as pessoas de modo a incentivá-las a tomar parte

nos processos de tomada de decisão naquilo que diz respeito às suas

condições de existência, a organizarem-se socialmente; c) a inclusão, a

equanimidade de oportunidades e a justiça social- reconhecer que há

sujeitos e grupos que necessitam de apoio para superar as barreiras que

encontram para participarem ativamente da vida em comum; d) a

autodeterminação- apoiar o direito das pessoas de fazer suas próprias

escolhas, decidir o que pretendem e entendem por bem-estar e e) a

parceria e o espírito de democracia- reconhecer que muitas agências

podem contribuir para o desenvolvimento da comunidade, desenvolver

o conceito de democracia cognitiva.

Com esses primeiros cuidados de cunho sócio-epistemológicos, a investigação sobre a

educação sociocomunitária pode propor-se ir além da satisfação retórica com seu discurso

científico e colocar-se, historicamente, como práxis educativas. Aí se pergunta: como se dá

essas práxis educativa?

Bisotto (2012 p.2) esclarece, também, esse ponto: “Na Educação, o termo práxis é

empregado para descrever uma passagem recorrente, através de um processo cíclico, pelo qual

a aprendizagem se dá. Freire (1997, p.44), baseando-se nas concepções do materialismo

histórico, define práxis como a reflexão-e-ação sobre o mundo, com o objetivo de transformá-

lo. (Pedagogia do Oprimido). Através das práxis os oprimidos podem desenvolver uma

consciência crítica quanto à sua própria condição, e, desta forma, lutar pela sua

libertação/emancipação”.

Nessa visão, ao buscar a libertação/emancipação, a comunidade concretiza sua

autonomia. Buscar mudar a sociedade significa romper com a heteronímia, com ser comunidade

perenemente determinada pela sociedade. Isso também dialoga com a Pedagogia da Autonomia

de Freire (1997, p.48), que busca suplantar a heteronímia através da autonomia dos educandos.

Seres nunca tutelados, mas, uma vez de posse da bússola dos saberes, possa buscar a autonomia

com responsabilidade. E isto a educação sociocomunitária pode e deve prover o educando.

É preciso, portanto, compreender que, ao se propor o estudo da educação

sociocomunitária, a proposta não é feita como hipótese de resolução de todos os problemas

sociais e educativos, mas como problematização das possibilidades de emancipação de

24

comunidades e pessoas em constituir articulações políticas, expressas em ações educativas, que

provoquem transformações sociais intencionadas.

Dito de modo simples e abrindo a discussão sobre os confinamentos de investigação

com outras áreas de educação, a educação sociocomunitária se propõe como o estudo de um

segmento dentro da investigação em educação e não como a resolução final ou salvadora das

grandes questões da educação.

Transpondo esse conceito de educação sociocomunitária para o presente trabalho, pode-

se dizer que, vivendo-se, atualmente, sob o signo da modernidade, os sujeitos (educandos)

encontram-se diante de um dilema, nas escolas brasileiras, quer sejam elas públicas ou privadas

quanto à fala versus escrita, ou, em outras palavras, o que se deve fazer para que o sistema

escolar possa, com propriedade, ensinar a língua materna (LM) de maneira efetiva e que faça

diferença na vida do educando, lembrando-se, não custa acrescentar, segundo Bourdieu (2002,

p.56) que o sistema educacional deve abrir acesso aos bens simbólicos que a língua veicula.

Dentro deste dilema, na maioria das vezes, elege-se a escrita como sendo aquela que será

majoritariamente ministrada, enfocada com toda atenção, para a obtenção do sucesso

acadêmico, profissional e social do aluno, dentro do chamado português padrão, ou ainda língua

padrão, ou pior, língua culta. Quanto à fala, à oralidade, pouca atenção é dada, esquecendo-se

de que, segundo Gnerre (1993, p.56), qualquer língua surgiu primeiramente como momento de

fala, de escuta e reflexão e que, só posteriormente, foi sistematizada dentro de um padrão, nas

línguas grafas, através da escrita.

Assim, para preparar os indivíduos para a vida em sociedade, elegeu-se a escola como

instituição oficial. Cabe a ela, no que rege ao trabalho com a língua materna, desenvolver no

aluno habilidades e competências para utilizar adequadamente esse patrimônio comum de sua

comunidade – a LM. O que se esperaria é que a escola, ao adotar um viés de base cientificista,

fizesse o trabalho de desenvolver, nos educandos, competências, sem se preocupar em substituir

a variedade linguística que já tivessem adquirido, qual seja a de seu grupo social.

Cabe ressaltar que a GT é resultado de uma normatização de uma concepção de um

poder político, econômico e social constituído, ou em outras palavras, uma tentativa de

hegemonização cultural e linguística sobre todos os grupos sociais. Assim sendo, e dentro do

conceito da educação sociocomunitária, base da presente dissertação de Mestrado, deve-se

definir o que significa este vocábulo de matizes tão polissêmicos – educação linguística, que é

o real propósito deste trabalho.

A educação linguística informal, entendida como aquela que se fala em casa, nos grupos

sociais de amigos, igrejas, bares, etc., assim como a educação sociocomunitária ressignificam

25

o conjunto de estratégias baseadas em programas curriculares que denotam a diversidade de

culturas, assim como os diferentes estilos de vida, tendo como colimato promover mudanças

de percepções, assim como de atitudes que possam amenizar e tornar pacífico o convívio

humano e a tolerância para com o diferente, ou seja, de diferentes origens étnicas, sociais,

culturais e linguísticas. Entende-se que essas diferenças e diversidades podem se materializar

através de contrastes socioeconômicos, culturais, linguísticos, de cor de pele, de gênero e

outros. Esse é o diferencial e, deste modo, um dos principais fatores a se levar em conta na ação

da escola e dos professores. O objetivo do presente trabalho é investigar as hipóteses que levam

a escola a desprezar o falar/escrever dos alunos oriundos das classes populares e tidos como

socialmente inferiores será o guia condutor para ser validado. Na cultura salesiana, a educação

sociocomunitária pode ser definida como sendo aquela que objetiva trabalhar e operacionalizar

a educação não formal e informal que são, tradicionalmente, desprezadas pela sociedade que

menospreza os saberes e fazeres populares, tidos como inferiores, não pertencentes à “alta

cultura”. Esses dois conceitos de educação – informal e sociocomunitária serão adotados no

presente trabalho.

Neste contexto, procurar-se-á discutir, como problema da pesquisa de língua enquanto

debatedora da cultura vigente, do status quo vigente, que dialoga com outras formas de cultura,

de exclusão, de desigualdade, da tão importante escuta, como Bordelois (2003) preconiza.

Foram adotados, como referenciais para o trabalho, os teóricos modernos, ou seja:

Geraldi (2006, p.230) que estuda estratégias que permitam uma reflexão sobre a própria

realidade dos educandos, e “a perigosa entrada do texto para a sala de aula” (Geraldi, 2006), e

suas consequências para o aluno, dentro das reflexões como também em seu sentido

transformador, segundo Freire (1992).

Kramer (1998) também é referenciada, pois tece comentários e dialoga de maneira

pertinente com o presente trabalho, razão pela qual esta investigação irá se embasar nesta obra

já citada, especialmente nas conversas entre Educação e Linguagem. Kramer (1998) trabalha

com os seguintes autores que também são parte do trabalho: Benjamin (1987), Bakhtin (1995)

e Vygotsky (1987). Os três teóricos dão substrato e abrem portas para que se possa entender a

íntima ligação entre as duas ciências – educacional e linguística.

Outros autores dão sua contribuição enquanto referenciais teóricos: Bagno (2003) e

Soares (1998) e os gramáticos defensores da GT: Sobrinho (2000), Bechara (2001). Saussure

(1975), enquanto fundador da moderna Linguística, também terá seu lugar enquanto defensor

de seu ponto de vista, pois, fundador da moderna Linguística é o arcabouço e princípio das

divagações sobre a linguagem moderna.

26

O conceito e definição da pedagogia poiética terá seu interlocutor com BARBOSA

(2013) que fará um diálogo com Bordelois (2005).

Ora, sabe-se que a classe popular que frequenta as escolas públicas, traz, com ela, um

forte componente oral da língua, ou em outras palavras, uma língua não prestigiada e

estigmatizada pelo sistema político-educacional, que a tem como língua errada, desprestigiada

se comparada com a variedade prestigiada e tida como o parâmetro da normalidade e culta. Em

outras palavras, a GT, cultuada pelos gramáticos.

Possenti (2000, p.53-54) é claro neste sentido:

Não vale a pena recolocar a discussão pró ou contra a gramática, mas é

preciso distinguir seu papel do papel da escola — que é ensinar língua

padrão, isto é, criar condições para seu uso efetivo. É perfeitamente

possível aprender uma língua sem conhecer os termos técnicos com os

quais ela é analisada. A maior prova disso é que em muitos lugares do

mundo se fala sem que haja gramáticas codificadas, e sem as quais

evidentemente não pode haver aulas de gramática como as que

conhecemos. Espero que ninguém diga que não sabem sua língua os

falantes de sociedades ágrafas, isto é, nas quais não há escrita e muito

menos gramáticas, no sentido de listas de regras ou procedimentos de

análise. Mas, não é só entre os que poderiam ser chamados

preconceituosamente de primitivos que isso ocorre. Tentemos

responder a seguinte pergunta: que gramática do grego consultaram

Ésquilo e Platão? Ora, não existiam gramáticas gregas (a não ser na

cabeça dos falantes, isto é, eles sabiam grego). As primeiras obras que

poderiam ser chamadas de gramáticas (mas, mesmo assim, eram

bastante diferentes das nossas), surgem no segundo século antes de

Cristo apenas, e não surgem para que possam ser aprendidas pelos

falantes, mas para organizar certos princípios de leitura que

permitissem ler textos antigos, exatamente porque o grego ia mudando

e, sem poder aprender o grego antigo, como poderiam os novos falantes

entender textos antigos?

Deve-se lembrar, também, que a escola já tem uma política pedagógica própria para a

escrita, mas não para a fala, visto que a fala pública é solicitada ao cidadão nas diversas

situações de seu dia-a-dia, e não, necessariamente, no ambiente escolar, que prioriza a língua

escrita.

Marcuschi (1997, p.39) é enfático nesse sentido. Segundo ele,

A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a dia

da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares dão à fala

atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita.

Crucial neste caso é que não se trata de uma contradição, mas de uma

postura. Seríamos demasiado ingênuos se atribuíssemos essa postura ao

27

argumento de que a fala é tão praticada no dia a dia a ponto de já ser

bem dominada e não precisar de ser transformada em objeto de estudo

na sala de aula. Uma das razões centrais do descaso pela língua falada

continua sendo a crença generalizada de que a escola é o lugar do

aprendizado da escrita. Uma crença tão fortemente arraigada que já se

transformou numa espécie de consenso: a escola está aí para ensinar a

escrita e não a fala. É possível concordar com isto, mas é também

possível acrescentar que nem por isso a escola está autorizada a ignorar

a fala. O homem é tipicamente um ser que fala e não um ser que escreve.

Dentro desta dialética na qual parece não haver uma síntese, tendo como pano de fundo

esse embasamento social e ideológico – a fala (oralidade) que representa o falar do povo e do

aluno, “incultos” e sem acesso aos bens simbólicos e culturais e que pode levar os educandos à

depreciação de si mesmos, inculcando neles a baixa autoestima, segundo Bourdieu (2002), o

que pode redundar em fracasso escolar, profissional e talvez existencial, impõe-se trabalhar o

dialeto não padrão trazido pelos alunos à escola (oralidade) sob um enfoque da corrente

interacionista da Linguística (Sociolinguística). Entende-se dialeto, termo utilizado neste

trabalho, como sendo, segundo Dubois (2007, p.13) “um sistema de signos e de regras

combinatórias da mesma origem que outro considerado como língua, mas que se desenvolveu,

apesar de não ter adquirido o status cultural e social dessa língua, independentemente daquela”.

A corrente interacionista é uma nova fonte de renovação e revitalização para o ensino

da língua materna, adotado por uma grande parte de teóricos e estudiosos da temática, e não

mais sob o prisma prescritivo/normativo da língua. Tendo-a como pano de fundo do presente

trabalho, pretende-se discutir a cisão entre a linguagem popular e a norma culta (NC), ou, em

outras palavras, como ela se apresenta no contexto escolar. A bem da verdade, já existe uma

predileção da escola pela NC. Se, por um lado atende à função da escola, enquanto instituição

orientadora dos saberes, que se diferenciam daqueles do senso comum, por outro lado, na forma

como essa predileção se materializa e é tratada no cotidiano escolar, ela nega outros saberes

dos alunos. Ela se caracteriza como uma prática reprodutora das exclusões sociais, efetivando-

se pela negação de/ao saberes. É isto que se pretende interpretar e verificar neste trabalho de

dissertação.

28

1.2. Conceito de Linguagem e suas “Gramáticas” no entorno educacional

A linguagem é a terceira margem do rio, núpcias da pulsão e do logos.

(Hélio Pellegrino, 1986)

O conceito de linguagem dentro do atual contexto linguístico e social é muito amplo e

vasto. Que tipo de linguagem o atual estudo quer enfocar? Corporal? Computacional? Verbal?

Formal e Informal? Como se vê, esse vocábulo comporta várias acepções e significados, sendo,

portanto, eminentemente, polissêmico, razão pela qual deve-se delimitá-lo. Muito embora se

tenha esse primeiro obstáculo à vista, é necessário esclarecer que a linguagem estudada no

presente trabalho é aquela que está em um universo maior, mais abrangente do que língua e

fala, estando no campo linguístico de estudos. Portanto, entende-se que ela é um conjunto de

signos, e que pode ser visual, gestual, comportamental, sonora que questiona a faculdade

intelectual do falante a fim de captar a mensagem. Neste sentido, a linguagem está ligada ao

pensamento. Saussure (1975, p.08) em sua magnus opum – Curso de Linguística Geral -

compilada por seus discípulos, define linguagem como “um sistema heteróclito e

multifacetado”, visto que, para a entendermos como um todo, tem-se necessidade do auxílio de

outras ciências, num trabalho multidisciplinar, tais como a psicologia, a antropologia e filosofia.

Ele foi o responsável pela distinção entre langue e parole, ou, grosso modo, língua e

linguagem. Carvalho (2003, p.23) ajuda a distinguir tais diferenças, para ter-se uma ideia de

sua importância no contexto geral deste trabalho que questiona os conceitos de língua falada

(oralidade) versus língua escrita e sua (s) gramáticas. Segundo Saussure (1975, p.83), há quatro

dicotomias: a) Língua e Fala, b) Sintagma e Paradigma, c) Sincronia e Diacronia e d)

Significante e Significado.

Langue e Parole – Saussure (1975, p.83) efetua, em sua teorização, uma separação entre

língua e fala. Para ele, a língua é um sistema de valores que se opõem uns aos outros. Ela está

depositada como produto social na mente de cada falante de uma comunidade e possui

homogeneidade. Por isto é o objeto da linguística propriamente dita. Diferente da fala que é um

ato individual e está sujeita a fatores externos, muitos desses não linguísticos e, portanto, não

passíveis de análise.

Sintagma e Paradigma - O sintagma, definido por Saussure (1975, p.83) como “a

combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior”, surge a partir da

linearidade do signo, ou seja, ele exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo

tempo, pois um termo só passa a ter valor a partir do momento em que ele se contrasta com

29

outro elemento. Já o paradigma é, como o próprio autor define, um "banco de reservas" da

língua, fazendo com que suas unidades se oponham, pois uma exclui a outra.

Sincronia e Diacronia – Saussure (1975, p.85) enfatizou uma visão sincrônica, um

estudo descritivo da linguística em contraste à visão diacrônica da linguística histórica, a qual

estudava a mudança dos signos no eixo das sucessões históricas, estudo este que era a maneira

pela qual o estudo de línguas era tradicionalmente realizado no século XIX. Ao propor uma

visão sincrônica, Saussure (1975, p.85) procurou entender a estrutura da linguagem como um

sistema em funcionamento em um dado ponto do tempo (recorte sincrônico).

Significante e Significado - O signo linguístico constitui-se numa combinação de

significante e significado, como se fossem dois lados de uma moeda. O significante é uma

"imagem acústica" (cadeia de sons) e reside no plano da forma. O significado é o conceito e

reside no plano do conteúdo.

Como conclusão desta breve apresentação do autor genebrino, pode-se afirmar que a

fragmentação língua/fala é o ponto de partida para Saussure (1975, p.84) postular uma

Linguística da língua e uma Linguística da fala sendo que, para o autor, a Linguística

propriamente dita é aquela cujo único objeto é a langue. Verificar-se-á, no transcorrer deste

trabalho, se esta afirmação procede ou não de acordo com os parâmetros da moderna

Linguística, principalmente aquela surgida após a segunda metade do século XX. Isto porque

esta afirmação peremptória de Saussure (1975, p.84) reflete uma empolgação e êxtase com a

descoberta das leis que regulam o mundo linguístico, que foram questionadas e revistas com a

evolução da ciência ou filosofia da linguagem.

A linguagem pode, ainda, ser dividida em verbal e não verbal. A linguagem verbal pode

ser oral e escrita. A linguagem não verbal é aquela que se materializa nos símbolos, desenhos,

ou ainda em sinais de trânsito, gestos, expressão corporal, em suma: signos que não sejam

verbais. A Semiologia é uma ciência que abarca qualquer tipo de signos, quer sejam verbais ou

não verbais dá uma melhor definição para a linguagem. A língua vem a ser um recorte menor

da linguagem. Ela é definida, de acordo com Saussure (1975, p.131) como um conjunto de

signos verbais organizados entre si através de uma gramática. A língua pode ser homogênea,

social e abstrata. Por ser um sistema organizado de normas, é depositado na mente do falante

que faz parte de uma determinada sociedade. Não há dúvida de que uma criança de três (03)

anos já mostra mestria em sua língua mãe, visto ser capaz de exprimir-se de acordo com a

gramática internalizada de seu idioma, ou, em outras palavras, produzindo sequências

gramaticais palatáveis em sua língua.

30

Tirante Saussure (1975) deve-se, ainda, trabalhar com o conceito de língua/linguagem

sob a óptica de alguns gramáticos pátrios, pois dialogam mais proximamente com o presente

trabalho, tais como: Evanildo Bechara, Joaquim Mattoso Câmara Jr., Gladstone Chaves de

Mello e Celso Pedro Luft, visto que esse conceito perpassa diferentes abordagens teóricas, sem

chegar a um consenso dentro de sua pluralidade. Bechara (2001, p.32), ao conceituar o que seja

língua, trata-a sob duas vertentes: a língua histórica e a língua funcional. Deste modo, a língua

seria um produto histórico e, ao mesmo tempo, uma unidade idealizada, devido à

impossibilidade de alcançar, na realidade, uma língua que se quer homogênea, unitária. Ele

também reputa a língua nunca como sendo um sistema único, mas que encerra, em si, várias

tradições. Uma mesma língua apresenta diferenças internas: no espaço geográfico, no nível

sócio cultural e no estilo ou aspecto expressivo. Neste diapasão, Bechara (2001) lança mão de

uma abordagem muito próxima daquela utilizada por Cunha e Cintra (2004), quando esses

gramáticos se referem à língua como um diassistema (termo da dialetologia que define um

sistema virtual que existe na base estrutural de duas ou mais línguas com alto grau

de inteligibilidade mútua). Importante destacar que, para Bechara (2001), uma língua nunca vai

estar pronta, mas, como em um processo, movimento, ela se faz continuamente, em razão do

processo linguístico.

Segundo Bechara (2008, p.131), "A língua reflete a liberdade do homem. É uma

disciplina em que existem regras, mas acima delas está a intenção expressiva de cada falante e

de cada escritor". É essa dupla compreensão da liberdade e das regras da língua portuguesa que

faz de Bechara (2001) um gramático muito particular. Ele não cultiva preciosismos

retóricos, mas também não referenda o pensamento daqueles que consideram as regras do bom

português uma espécie de "ferramenta de opressão".

Câmara (1977) é considerado um linguista estruturalista e tem fortes ligações com Sapir

(1980), linguista americano, também estruturalista. O estruturalismo atingiu seu apogeu no

Brasil em 1960 e dentre suas maiores contribuições está o fato de que a escola “instaurou a

crença de que a língua portuguesa tal como é falada e escrita no Brasil deveria ser tomada como

objeto de descrição, contrariando uma longa tradição normativa” (Ilari, 2004, p. 87). Afinal, a

tradição normativa, através de seu braço a GT tem uma dura contraparte de que tudo que é

produzido fora da norma é incorreto e não tem sistematização. Hoje, sabe-se que essa afirmação

não é correta, pois todas as línguas, incluindo as variedades encontradas no interior de uma

dada língua, têm a sua sistematização e a sua gramática que é diferente da norma padrão, mas

não menos rica. Neste diapasão, no momento em que o estruturalismo chega à cena no Brasil,

as línguas indígenas brasileiras e os dialetos falados no país se tornaram um objeto de descrição

31

digno de um cientista da linguagem. Câmara (1977, p.35) fora o primeiro a descrever o

Português Brasileiro (PB) e as línguas indígenas.

Em relação à concepção de linguagem, Câmara (1977) era, de fato, influenciado por

uma abordagem mentalista, pois afirmava que para “haver linguagem é preciso [...] uma

atividade mental tanto no ponto de partida quanto no ponto de chegada”, ou seja, “é preciso que

o manifestante tenha tido a intenção de manifestar-se” (Câmara, 1977, p. 15).

Primeiro, se em toda linguagem há planejamento, então todas as línguas estão em pé de

igualdade, pois permitem ao falante planejar e exteriorizar suas intenções. Segundo, entende-

se que a linguagem como manifestação de intenção serve aos objetivos do falante. Terceiro, a

linguagem, enquanto resultado de planejamento e possuidora de finalidades, é resultado da

interação com outros interlocutores. De acordo com Câmara (1977, p.17), esta cadeia se

constrói naturalmente: planejamento – intenção – interação.

Para Câmara (1977), quando se tenta compreender a linguagem como uma atividade

mental é primordial que se aceite que a linguagem humana é “representativa” (1977, p. 16), ou

seja, um grupo de pessoas adota uma linguagem, ou uma língua, para representar o mundo e

para representar seu interior (pensamentos, sentimentos, intenções) para os demais membros da

comunidade. Dessa forma, a partir desta representatividade cria-se, na linguagem, um mundo,

no qual as pessoas compreendem o espaço (em que vivem) de certa maneira, e, a partir desta

intelecção, podem comunicar sua compreensão e seu mundo para satisfazerem suas intenções.

Na obra Princípios de Linguística Geral, Câmara (1977) também qualifica a linguagem

como sendo uma espécie de “arte, a qual foi elaborada pelo esforço criador do homem” (p. 20),

visto que o aparelho fonador humano não tem como função principal a fala, mas sim, como

função desenvolvida subsidiariamente, já que as suas funções essenciais são a respiração e a

nutrição do corpo. Câmara (1977) mostra que existe uma relação proximal entre a linguística

e a antropologia cultural. Neste sentido, ele afirma que a linguagem está ligada à cultura, e que

a cultura não existe sem a socialização e a linguagem, formando, assim, uma intrincada cadeia:

“[...] funcionando na sociedade para a comunicação dos seus membros, a língua depende de

toda cultura, pois tem de expressá-la a cada momento. É o resultado de uma cultura global.”

(1977, p. 21). De maneira mais específica, para Câmara (1977), a língua somente existe para

propagar e manter a cultura, e “não tem finalidade em si mesma” (1977, p. 21).

Deste modo, a função primordial da língua para Câmara (1977) é “expressar a cultura

para permitir a comunicação social” (1977, p. 21). O complexo e longo elo que se forma, de

acordo com o pensamento de Câmara (1977, p.22), pode ser descrito como se segue: a

linguagem, como uma forma de arte, é resultado da criatividade do homem, essa arte serve para

32

que se transmita a cultura; a cultura precisa do social e a sociedade precisa da língua para a

transmissão da cultura. Logo, o esquema de Câmara (1977, p.22) de linguagem se fecha.

Entende-se que, para Câmara (1977), a linguagem é o principal instrumento para a

transmissão da cultura e não tem função em si mesma. Além disso, a linguagem é fenômeno

essencialmente mental, ou seja, a linguagem está conectada ao pensamento de maneira que não

há como “conceber o homem sem linguagem, porque toda sua vida mental que o caracteriza

como homem [...] depende da linguagem [...]” (Apud Cunha, Altgott, 2004, p. 195).

Na obra Iniciação à filologia e à linguística portuguesa, Mello (1949, p.45) descreve o

que entende por filologia e mostra a lição dos textos e as normas gramaticais. A seguir, descreve

a perspectiva histórica, iniciando pela descrição das línguas indo-europeias, chegando-se às

línguas românicas e ao português do Brasil. Define como estudar a língua portuguesa e termina

fazendo comentários sobre a nomenclatura gramatical brasileira

Nesta obra, em diversos pontos, trabalha o conceito de que uma língua, tal como

acontecia com o latim corrente, não se mostra absolutamente uniforme por toda a parte e em

todas as camadas sociais, afirmando que a linguagem coloquial do Rio de Janeiro não é

inteiramente igual à de Pernambuco ou à de Santa Catarina. Tratando das diversidades

linguísticas, Mello (1949, p.45) diz:

Para o correto estabelecimento da norma linguística e para o exato conceito

de erro, é mister que o linguista, o filólogo, e o gramático tenham bem

presentes ao espírito a discriminação dos usos linguísticos. Dentro da ampla

unidade da língua cabem vários aspectos, várias modalidades, com

características próprias, determinadas pelo fim da linguagem usada e pela

situação psicológica dos interlocutores. Assim, há um uso coloquial culto, um

uso familiar, um uso popular regional, um uso grupal, um uso afetivo, um uso

maternal, um uso popular regional, um uso grupal, um uso afetivo, um uso

maternal, um uso infantil, um uso intelectual, um uso estético. Em cada um

desses setores se estabelece uma tradição, um costume linguístico, que

solidariza os interlocutores. A norma linguística de cada uso se induz e nunca

se deduz. O processo há de ser a observação, as conclusões hão de ser a

sistematização dos fatos observados. Tal sistematização é que constitui a

Gramática.

Mais adiante, Mello (1949, p.47) afirma: “A língua culta é o ponto de referência, o ponto

de encontro das variantes regionais, sociais e grupais, qualquer coisa como a quintessência de

tais particularizações, ou melhor, sua depuração e estilização”.

Pela ampla visão que o autor possuía sobre os diversos usos de uma língua, não temos

dúvida que é um verdadeiro precursor dos estudos de sociolinguística no Brasil. Trilhando no

mesmo caminho de Câmara (1977, p.48), Mello (1949, p.51) diz que os fatores extralinguísticos

envolvem diferenças geográficas, econômicas, históricas, sociológicas, estéticas e políticas. No

33

processo de comunicação, deve-se ressaltar a importância da tríplice relação situação-ouvinte-

falante. Pelo que se percebe deste gramático, não se descurando do registro culto do português

do Brasil, ele já possuía uma visão sobre a variabilidade na língua.

Luft (1998, p.33) afirma que “poderia parecer estranho que um estudioso da gramática

seja contra o ensino de Gramática na sala de aula”. Ele esclarece, no entanto, que o que

chamamos "gramáticas tradicionais" não passa de uma tentativa de sistematização de alguns

aspectos daquilo que a gramática verdadeira – um conjunto de regras que sustentam o sistema

de qualquer língua – contém. O estudo da língua, consequentemente, não se limita unicamente

ao estudo dos livros de gramática. A língua é um veículo de comunicação, sendo viva e atual e

muda sempre para adaptar-se à realidade de seus usuários, que está em constante mudança. Luft

(1998) esclarece que a sua preocupação é com a maneira de se ensinar a língua materna – as

falsas noções de língua e gramática, a obsessão gramaticalista e a visão distorcida de todo esse

processo.

Luft (1998) enfatiza que, para ele, a verdadeira gramática da língua é o sistema de regras

interiorizadas pelos falantes desde a tenra infância – é ela a gramática legítima e autêntica. O

autor também tece comentários sobre as consequências malfazejas do ensino gramaticalista,

que impõe uma sobrecarga de inutilidades no ombro do estudante. Em vista disso, pode-se

perguntar: quantos jovens terminam o Ensino Médio e conseguem achar uma utilidade para

todas essas regras que lhes foram ensinadas e que eles, muitas vezes, apenas decoravam sem

entender? Mais uma vez, o autor explica a necessidade premente de repensar o ensino da língua

materna para acabar com esse ensino que tolhe os alunos, deixando-os inseguros e com a

sensação de “não saber a língua” (Luft, 1998, p.32).

Deve-se frisar que a fala (oralidade) é definida como a materialização da língua. Cada

locutor, ao performar uma enunciação, concretiza e materializa a língua. Outra característica da

fala é que ela é individual e eivada de visão cultural, ideológica, social e política do falante.

Individual visto que carrega, carreia cada pensamento particularizado por cada enunciador.

Existem várias maneiras de se estudar a linguagem no entorno educacional, visto que

seu estudo, desde Aristóteles (1988) até à Análise Linguística do Discurso (ALD) que consiste

em uma prática da Linguística, no campo da Comunicação, objetivando analisar a estrutura de

um texto e, partindo dele, compreender as construções ideológicas presentes e dominantes no

mesmo. As “gramáticas” que vivem no entorno do ambiente educacional e na própria educação

são variegadas. “Foi na Grécia, por volta do século V A.C., que se iniciaram, como ramo da

filosofia, os estudos linguísticos que, desenvolvidos pelos romanos, pelos trabalhos

especulativos da Idade Média e pelo estudo normativo dos gramáticos dos períodos

34

subsequentes, constituem o que no ocidente se tem chamado “gramática tradicional” ou

“normativa”. (Lobato, 1986, p.77-79). Ela foi adotada desde o início da colonização do país

pelos jesuítas liderados por José de Anchieta e Manuel da Nóbrega, quando para cá vieram em

1549.

O objetivo precípuo do estudo de tais gramáticas, segundo Vasconcelos (1931, p.685, apud

GNERRE, 1991, p.15), referindo-se à história da tradição gramatical normativa e filológica

portuguesa entre o século XVI e a idade pombalina (1757) escreveu que “este período da nossa

filologia pode caracterizar-se pelo seguinte: preocupação, nos gramáticos, da semelhança da

gramática latina com a portuguesa ... e sentimento patriótico de superioridade da língua

portuguesa em face das outras, principalmente da castelhana, sua concorrente temível”. Mas

onde está a ideologia marcante deste tipo de gramática tradicional ao materializar a linguagem?

O próprio Gnerre esclarece (1991, p.25):

por que nas últimas décadas a discussão e o questionamento da natureza

e da própria existência de uma norma linguística veio a ser tema tão

frequente para os linguistas e os educadores? Talvez exista uma

contradição de base entre ideologia democrática e a ideologia que é

implícita na existência de uma norma linguística. Segundo os princípios

democráticos nenhuma discriminação dos indivíduos tem razão de ser,

com base em critérios de raça, religião, credo político. A única brecha

deixada aberta para a discriminação é aquela que se baseia nos critérios

da linguagem e da educação (grifo nosso). Como existe uma

contradição de base entre a ideia fundamental da democracia, do valor

intrinsecamente igual dos seres humanos, e a realidade na qual os

indivíduos tem um valor social diferente (grifo nosso), a língua, na sua

versão de variedade normativa, vem a ser um instrumento central para

reduzir tal conflito. Daí a sua posição problemática e incômoda de

mediadora entre democracia e propriedade.

Como se pode apreender pela citação, fica-se diante de uma das formas de gramática

mais perniciosa, entendida como aquela que é eivada de uma carga ideológica, que classifica a

linguagem e a educação sob o aspecto elitista, pois através desta fresta se introduz a

discriminação de uma linguagem não normatizada pela gramática tradicional. É importante

prestar atenção ao que o teórico diz sobre este tipo de gramática ainda praticada dentro dos

muros escolares. Segundo Gnerre (1991, p.25),

em linguística, a posição antinormativista foi estabelecida como uma

visão abstrata segundo a qual todos os dialetos têm um valor intrínseco

igual em termos estritamente linguísticos. Este credo, que tem suas

raízes na tendência que Mikhail Bakhtin/ V.Valoshinov (1929) chamou

de objetivismo abstrato, aprofundou a distância entre os linguistas e os

35

professores de língua. Os linguistas, como consequência desta posição

abstrata que assumiram, ficaram quase que por um acaso teórico ao lado

dos credos democráticos, contra a visão generalizada e enraizada na

sociedade, da desigualdade entre língua padrão, de um lado e os falares

ou “dialetos” do outro.

É inquestionável que as gramáticas normativas escritas são resquícios de uma época em

que as organizações dos Estados eram explicitamente ou declaradamente autoritárias e

centralizadas e que são adotadas até a presente data (século XXI) no ambiente educacional que

respira ares de modernismo. Existe uma contradição latente nesta equação.

1.3. Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin e Vygotsky em diálogo com Sônia

Kramer

1.3.1. O conceito de história e a crítica do progresso

A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa

fixar como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em

que é reconhecido.

(Walter Benjamin, 1987)

Sônia Kramer (1998), na obra Por entre as pedras: arma e sonho na escola, faz menção

a três teóricos que dialogam com o presente trabalho: Benjamin, Bakhtin e Vygotsky. As

reflexões de Kramer (1998) não são estéreis, desvinculadas da realidade, mas analisadas à luz

do ambiente escolar, ou mais precisamente, de como a linguagem pode se tornar um ferramental

para implantar-se o prazer pela linguagem em sala de aula. Apud Kramer (1998), Benjamin

(1892-1940), pensador judeu-alemão utilizou-se do vocábulo alemão Geschichte (História)

para trabalhar o conceito de historicidade. Sabe-se que este termo se refere tanto ao processo

de desenvolvimento temporal quanto do estudo dele ou ainda um relato qualquer. Deste modo,

talvez se possa entender que as teses elencadas por Benjamin (1987, p.222-232) em “Sobre o

conceito de história” não se referem apenas a um questionamento sobre o devir histórico, mas

também a uma reflexão eivada de crítica sobre o discurso concernente à história (ou das

histórias), discurso inseparável de certo ativismo. Deste modo, a problemática da escrita da

história leva-nos a questionamentos mais amplos da prática política e do fazer narrativo. Dentro

deste questionamento último é que vai se questionar suas práxis: o que é contar uma história,

36

histórias, a História? Nesta dinâmica é que Benjamin (1987) estuda este conceito, em especial

em suas teses e em diversos de seus ensaios literários e sobre os quais serão tecidas reflexões

daqui para frente.

Falando em História, enquanto dialética e luta humana no transcorrer dos tempos com

forças antagônicas, até a se chegar a uma síntese, não se pode deixar de mencionar Heródoto

(484 A.C. – 425 A.C.) e seu conceito do que ela seja. Heródoto (apud Benjamin, 1987, p.233),

é um referencial importante para este trabalho, já que em sua figura, enquanto protótipo do

chamado narrador tradicional pode-se ver em que medida o ato de escrevê-la deitou raízes na

arte (e pode-se dizer, no prazer) de contar, ou seja, exercer a gramática da oralidade perante

outros seres humanos. Percebe-se que a força do relatar para Heródoto reside no fato de saber

contar sem, contudo, dar explicações e justificativas definitivas, visto ele deixar a história

admitir inumeráveis interpretações diferentes, que, por isso, permanece aberta, disponibilizada

para uma continuação de vida que uma futura leitura dada renova:

Heródoto não explica nada. Seu relato é dos mais secos. Por isso essa

história do antigo Egito ainda é capaz, depois de milênios, de suscitar

espanto e reflexão. Ela se assemelha a essas sementes de trigo que

durante milhares de anos ficaram fechadas hermeticamente nas câmaras

das pirâmides e que conservaram até hoje suas forças germinativas.

(BENJAMIN,1987, p.204).

As seguintes considerações sobre Benjamin (apud GAGNEBIN, 1986, p.7-19) são

extremamente ricas para o entendimento da modernidade e da narração histórica, enquanto

oralidade. Por mais paradoxal que possa parecer, aquilo que justamente foi criticado muitas

vezes em Heródoto (1987), ou seja, a ausência de esquemas globais de interpretação e de

explicação, como se vê em Tucídides, (460 a.c – 400 a.c), historiador grego, não constitui uma

falha, mas sim algo valorável. Não obstante Heródoto (1987) primar em seu papel de Erzähler

(narrador) e não como historiador, pode-se testar a hipótese de que sua atitude sóbria na

explicação também é louvada por Benjamin, especialmente atento ao passado, em especial seus

elementos decretados negligenciáveis e fadados ao esquecimento (apud GAGNEBIN, 1986,

p.14).

Assim, para Benjamin (1987), o grande pecado da modernidade é sua herança no sentido

de empobrecer a arte de narrar, a arte de exercer a oralidade. Ao identificar a “experiência” (em

alemão Erfahrung) como sendo um elemento cultural arraigado na tradição e, que, por isto, não

está apenas no nível psicológico imediato, Benjamin (1987) aponta para o pecado do caráter

37

medíocre da experiência na modernidade. Há um desencanto no mundo da era capitalista que

leva ao declínio de nossa experiência enquanto seres humanos coletivamente falando e a ruptura

de seu charme libertador. Isto é explicado visto que, em alemão, existe outro termo Erlebnis

que também se traduz por experiência, mas experiência vivida, típica do indivíduo solitário,

que esboça a desagregação e o esfacelamento do social. Para Benjamin (1987), esta segunda

acepção de experiência perpassa toda a sociedade do consumo capitalista. A ausência da

experiência enquanto troca de narrações, de oralidades. (Gagnebin, 1986, p.14)

Interessante notar que, para Benjamin, ao invés de apontar para uma “imagem eterna do

passado”, como no historicismo, ou, ainda, dentro de uma teoria do progresso, para que as

gerações futuras a cantem, ele reafirma sua predileção por esta “experiência” com o passado

(tese 16). Não deixa de soar estranha esta definição de um método materialista propugnado por

Benjamin (apud GAGNEBIN, 1986, p.15).

Esta experiência pode ser exemplificada, em “a felicidade não está no ouro, mas no

trabalho”, no trabalho de cavar a terra e não no tesouro encontrado (Benjamin, 1987, p.114), a

perda da experiência está diretamente ligada à transformação de homens em seres autômatos:

o gestual repetido e mecânico torna a experiência mais resistente a choques, seu comportamento

passa a ser reativo, e sua memória é liquidada. Os homens, meras peças de montagens, são

bonecos, títeres em linhas de montagem, e se lhes retira o significado de suas vidas enquanto

indivíduos na era industrial. Pois lhes foi retirada a experiência da oralidade que traz o prazer

intrínseco a ela.

Em vários níveis o choque da modernidade golpeia o homem: no campo econômico,

pela produção em série; ao nível político, pelos golpes de estado e os diferentes autoritarismos;

e também na esfera do dia-a-dia, pelos contínuos choques que o homem moderno recebe e

devolve, caminhando na multidão como um autônomo e estando, ao mesmo tempo, agudamente

consciente dos perigos que o circundam, na esfera da arte e da literatura, visto que as “obras”

se tornam mercadorias. Esse desaparecimento progressivo da experiência, com o capitalismo,

retira do homem a história e a capacidade de integrar-se numa tradição.

Dessa forma, o declínio da faculdade de intercambiar experiências – Erfahrung -

determina a extinção da arte de narrar, no sentido de trocas de experiências orais, visto que a

narração não se consubstancia apenas no produto da voz, mas sim de tudo o que é aprendido na

vida social. Como ouvinte e narrador compartilham de uma coletividade, de uma experiência

comum; sua relação é dominada pelo interesse em conservar o que é narrado. Todavia, este tipo

de comunicação torna-se arcaico, pois, na medida em que cresce a importância da difusão de

informações que aspirem à verificação e à aplicabilidade, não mais se vinculam nem à vida do

38

ouvinte. Desaparece a narrativa, liame entre passado e presente, indivíduo e tradição, passado

individual e coletivo. Também desaparece o narrador que depositava os traços de seu

conhecimento no ouvinte. Também desaparece a oralidade. Ao ser despojado de experiência, o

homem não deixa rastros. Ao ser espoliado dela, resta tão somente a vivência.

Como Benjamin (1987) dialoga com o tema deste trabalho? A resposta é que, como o

narrar faz parte do processo de aquisição da linguagem, ele faz parte do métier desenvolvido e

trabalhado pelo professor de LP. Ele enriquece o falar, pois a fala, em última instância, é uma

narrativa, ou seja, a oralidade, objeto deste trabalho, e que pode identificar-se com a narrativa.

A existência do homem, enquanto ser simbólico e portador da linguagem, é uma narrativa em

todos os aspectos. Cabe agora fazer uma indagação no universo da educação, escola e trabalho

do professor – não terá esse “definhamento da arte de narrar” (Benjamin,1987, p.235) ou essa

“extinção da sabedoria” (Benjamin,1987, p.236) profundas consequências neste ambiente, uma

vez que, com a narrativa em processo de extinção, parece definhar o próprio sentido do processo

de ensino e aprendizagem? Quem narra (usa da oralidade) hoje no ambiente escolar? O

professor? O aluno? Ou ninguém? A ênfase não está somente na escrita, como se tivéssemos

aparecido sobre a face da terra já com a escrita? A oralidade precede a escrita, não há dúvida.

1.3.2. Pela história, penetrando na linguagem, com Mikhail Bakhtin e Walter

Benjamin

Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou

mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou

desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou

de um sentido ideológico ou vivencial.

(Mikhail Bakhtin, 1995)

A palavra é arena em miniatura onde se entrecruzaram e lutam valores

sociais contraditórios. É produto da interação viva das forças sociais. É

o indicador mais sensível das transformações – registra o transitório, o

íntimo, o efêmero.

(Mikhail Bakhtin, 2003)

Mikhail Bakhtin (1895-1975), polímata e linguista russo, é um estudioso de linguagem,

literatura, psicologia, psicolinguística e psicanálise; da consciência e da criação artística, de

epistemologia, criticando os fundamentos do formalismo russo e psicologismo; de semiótica,

situando a literatura no universo das representações; e de cultura popular na Idade Média e no

39

Renascimento. Aborda, ainda, a distinção entre linguística e translinguística, mergulhando no

dialogismo e na intertextualidade.

Como um dos autores a travar diálogo com este trabalho, enquanto citado por Kramer

(1998), ele continua na vereda de Benjamin (1987), ou seja, como a história conduz e penetra

a linguagem. Levar a história em consideração significa conciliar polissemia e unicidade,

através da dialética. O processo da fala não tem, deste modo, nem começo nem fim. Sendo

inseparável do fluxo da comunicação verbal, a língua não é transmitida, mas penetrada:

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles

penetram na corrente da comunicação verbal, ou melhor, somente

quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e

começa a operar... Os sujeitos não adquirem a língua materna; é nela e

por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência.

(BAKHTIN, 1995, p.108).

Assim, para Bakhtin (1995), é a expressão que organiza a atividade mental, e não a

atividade mental que organiza a expressão. Neste sentido, ele é contra uma concepção

mecanicista que aparta a língua da história e se opõe, ainda, ao racionalismo que não entende a

língua em seus atos vivos. Bakhtin (1995, p.108) entende que o ato de fala e o seu produto, a

enunciação não pode ser explicado tomando como base as condições do sujeito falante, mas

deles não pode abrir mão. A enunciação é de natureza social, sendo com isso determinada pela

situação e pelo meio mais lato. Deste modo, a atividade mental se inicia a partir de uma

orientação social de caráter apreciativo. Fora de sua expressão potencial, o pensamento não

existe, nem fora da orientação social dessa expressão. Para Bakhtin (1995, p.109), a consciência

é objetiva, não um mero ato individual interior, e, enquanto tal, ela está eivada de uma força

social imensa e tem um papel fundamental.

O dimensionamento da questão da enunciação pode ser compreendido em um contexto

no qual ela se dá sempre numa interação no curso da comunicação verbal. Isto porque a

substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pelo

ato psicofisiológico de sua produção, mas através do fenômeno social da interação verbal, que

são concretizadas pelas enunciações presentes na dialogicidade do dia a dia, tais como a escrita

de um livro, a leitura de uma obra literária.

A linguagem é material e um instrumento de si mesma. Ela se concretiza no mesmo

processo da criação ideológica. Línguas são produtos históricos, entendidos como narrativas,

na ótica de Benjamin (1987), como já se teve oportunidade de pontuar. Mas o que acontece na

história? Paulatinamente, a própria língua se instrumentaliza, reifica-se, torna-se meio,

40

reprodutora; perdendo a dimensão criadora dos múltiplos sentidos da palavra, a língua se torna

monovalente e não polivalente, como seria o natural. Essa perda da criatividade linguística, da

expressividade, do elemento produtor, se manifesta no monologismo, no travamento da

plurivocidade e à polifonia, elementos chave do pensamento bakhtiniano. Monologiza-se a

linguagem na medida em que se elimina a pluralidade dos acentos e se desconsidera a palavra

como conjunto em que vários significados coexistem, e também na medida em que se esquece

que não existe palavra precisa ou exata.

Como consequência, o texto sempre está em contato com outro texto, que podemos

denominar de contexto. Deste embate que jorra a luz capaz de iluminar adiante e para trás. A

linguagem serpenteia tudo (produtor e produto), envolvendo lutas, diversos sentidos e

diferentes relações. Para Bakhtin (1995, p.392), linguagem é sinômino de conflito. Ao se apagar

as diferenças entre as vozes, o sentido desaparece, inevitavelmente nos chocamos com o fundo;

chegamos a um não lugar. Exatamente isto é feito pelas linguagens usadas pelos pedagogos,

políticos, ciência, publicidade. Ela se burocratiza, perde seu caráter primevo de plurivocidade.

Permanece tão somente a monotonia monocórdica. Ou, nas palavras de Bakhtin (2003),

Contra o afã de fechar-se no texto. Categorias mecanicistas...

Consequências: formalização e desumanização: todas as relações têm

caráter lógico, enquanto eu em tudo ouço vozes e relações dialógicas

entre elas. (BAKHTIN, 2003, p.392).

Uma pergunta inevitável – o que são estas vozes? Nada mais do que os sujeitos

históricos. Eis o liame inseparável a que se chegou – Linguagem e história. Sujeitos e história.

Esses dois conceitos bakhtianos interpenetram e interagem de maneira dialética, sendo que só

assim se pode entendê-los. Esse é o seu leitmotif quando estuda a literatura, tomando o devido

cuidado de tomá-la do eixo da história. Como estudioso de literatura, Bakthin (1995) busca as

raízes do romance polifônico na Antiguidade, e também analisa as obras de Rabelais (apud

BAKTHIN, 2010, p.394) ou Dostoievsky (apud BAKHTIN, 2010, p.394), e evidencia a

necessidade da teoria literária se entrelaçar com a história da cultura. Além deste aspecto, seu

objetivo é o de estudar sob a ótica da grande temporalidade as obras literárias, ao captar o

diálogo inaugurado por elas com o passado e, através delas, dá um salto para o futuro. Neste

sentido, Bakhtin (1995, p.392) entende o conceito de linguagem e os diálogos gestados pela

história.

Pela história, penetrando na linguagem, Mikhail Bakhtin (2003) aproxima-se de Walter

Benjamin (1987):

41

Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem

fronteiras para um contexto dialógico (ascende a um passado infinito e

tende para um futuro igualmente infinito). Inclusive os sentidos

passados, ou seja, gerados nos diálogos dos séculos anteriores, nunca

podem ser estáveis (concluídos de uma vez para sempre, terminados);

sempre vão mudar renovando-se no processo posterior do diálogo. Em

qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem as massas

enormes e ilimitadas dos sentidos esquecidos, porém nos momentos

determinados do desenvolvimento posterior do diálogo, no processo,

serão recordados e reviverão em um contexto e num aspecto novo. Não

existe nada morto de uma maneira absoluta: cada sentido terá sua festa

de ressurreição. Problema do grande tempo (BAKHTIN, 2003, p.392).

Ao penetrar na história e ao chegar na linguagem, Benjamin (1987) se aproxima e

dialoga com Bakhtin (1995):

O passado traz consigo um índice misterioso que impele à redenção...

existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a

nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Neste caso, com a cada

geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o

passado dirige um apelo que não pode ser rejeitado impunemente. O

materialista sabe disso. (Benjamin, 1987, p.223).

Quais as contribuições que esta discussão de Bakhtin (1987) que, pela história penetra

a linguagem fornece ao ambiente escolar, principalmente no tocante à linguagem? Segundo

Kramer (1998, p.230), em primeiro lugar, a escola lida com e fala das “coisas da escola”. As

oportunidades de intercâmbio, de interação verbal oferecidas pelos professores às crianças são

poucas. Existe uma clivagem entre os conhecimentos culturais/vivenciais dos educandos e os

conhecimentos ditos “escolares”. Um trabalho que vise reinstaurar a articulação de ambos

passa, necessariamente, pela linguagem, que não é um instrumento nem produto acabado, mas

constituidora do sujeito e de sua consciência.

Sob outro enfoque, várias propostas pedagógicas – até aquelas que, à primeira vista são

inovadoras – tem em seu âmago teórico concepções fragmentadas de língua, privilegiando ora

um ora outro de seus polos indissolúveis (o da subjetividade e o da objetividade). Nestes termos,

é que, por exemplo, quando a língua é vista pela escola, a partir de uma perspectiva mais

“tradicional”, através da GT ou Norma Padrão (NP) como um conjunto/sistema de formas

normativas e estáveis, o que se busca, no fundo, no ensino, é a correção gramatical e ortográfica

em detrimento da manifestação clara de ideias e sentimentos dos educandos, em prejuízo,

portanto, da construção de significados. Quando, ao contrário, apenas a expressão é valorada e

a língua é encarada como um instrumento já pronto, algo como facilitador dessa expressão,

distorções ocorrem: rejeição a determinadas regras que são cogentes para que possa ocorrer a

42

compreensão, o famoso “cada um escreve do seu jeito”. Neste sentido, de instrumento já pronto,

rejeição da subjetividade e manifestação de sentimentos dos alunos, Platão (1993, p.75) já tinha

advertido, no livro X da República, quando expulsou de sua cidade ideal os poetas e narradores

que trabalhavam com a oralidade, que reconhece a capacidade subversiva de que está eivada a

poesia e narrativa.

Quer privilegie um ou outro polo desta equação – escrita e oralidade, a escola arrisca-

se a não empoderar a criança de penetrar na corrente de comunicação verbal. Fragmentada a

linguagem, ela se torna, tal qual o educando, pura subjetividade ou puro objeto. Deste modo, a

palavra deixa de ter sua função, que Bakhtin (1987, p.70) chama de território social comum dos

interlocutores, quer o diálogo ocorra entre jovens e crianças, entre estes e adultos, ou com

produtos culturais escritos – livros e demais produções escritas.

O que faltam, primordialmente, na escola, são condições para que a criança seja uma

produtora efetiva de escrita e autora, e não apenas reproduza. Neste sentido, ser autor nada mais

é do que dizer a própria palavra, deixar marcada sua “marca” pessoal e marcar-se a si e aos

outros pela palavra em suas várias gêneses – falada, gritada, sonhada e também grafada. Ser

autor nada mais é do que resgatar a possibilidade de “ser humano”, de agir no contexto do

coletivo que distingue e caracteriza o homem. Assumir a autoria, em outras palavras, é produzir

com e para o outro. Através da autoria a criança pode interagir com a língua. Quando seus textos

são lidos e ouvidos, exercendo-se, deste modo a oralidade plena, pelos colegas/professores, elas

se identificam, se diferenciam, e podem ter um crescimento em seu aprendizado. Ao ser autoras,

elas têm a oportunidade de penetrar na escrita viva e real, feita na história (Kramer,1998, p.301-

302).

1.3.3. Na história, pela linguagem, indo ao encontro do sujeito, com Vygotsky

A relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo; o

pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de

pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por

palavras permanece uma sombra. A relação entre eles não é, no entanto,

algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e

também se modifica.

(Vygotsky, 1987)

Lev Semenovitch Vygotsky, estudioso russo falecido com apenas 37 anos (1896-1934),

estudou temas cruciais: dualismo presente na psicologia; a gênese social do pensamento e da

linguagem; a formação da consciência; as relações entre desenvolvimento e aprendizado; o

brinquedo, o desenho, o teatro; escrita e literatura; imaginação e cognição; psicanálise e também

psicologia da arte. Seu conjunto de obras é sustentado na base filosófica do materialismo

43

histórico e dialético, entendido como aquela teoria marxista segundo a qual as transformações

da matéria determinam as transformações das ideias e que, por isso, a matéria tem prioridade

não só no tempo, mas também na importância lógica sobre o espírito.

Sua obra Pensamento e Linguagem (1987) será objeto de considerações para a temática

ora em estudo – língua falada versus língua escrita, ou o embate entre a oralidade, componente

trazido pelas crianças advindas das camadas populares que frequentam as escolas públicas, a

GT e a NP que não aceitam este falar, tido como inculto e errado. Será ela a bússola para as

reflexões e análises da temática ora em estudo.

Os homens, no decorrer de sua historicidade, criam e usam instrumentos em sua relação

com a natureza, com o intuito de transformá-la, dominá-la. Os signos também são criados e

usados, tais como: números, a escrita e a linguagem, através dos quais internalizam a cultura e

se tornam aptos de agir como sujeitos históricos produtores de cultura. É inquestionável que “a

linguagem desempenha, portanto, um papel primordial, visto ser constituidora da consciência

e organizadora da ação humana” (Vygotsky, 1987, p.31).

Como se dá o entrelaçamento entre pensamento e linguagem? Vygotsksky (1987, p.31)

afirma que “há entre estes dois elos uma unidade dinâmica de elementos que diferem na sua

origem, entretanto se tornam fundidos no transcorrer da evolução social humana.” Encadeiam-

se e conectam-se em um movimento contínuo. E a consciência do indivíduo, na medida em que

se internalizam os sistemas de signos produzidos culturalmente sobre a realidade, vai, em um

processo se transformando, e os processos mentais mudam, e sua criticidade vai sendo

construída, sua ação está sendo orientada. Nada está estático, congelado, imobilizado.

Sob este pano de fundo de formação da consciência, o papel desempenhado pelo sujeito

é fundamental, visto que, na constituição do psiquismo há, então, um continuum entre gestos e

a linguagem, gestos que já prefiguram a linguagem.

Deve-se enfatizar, também, que o que dá sentido às palavras é o contexto, visto que, em

contextos diferentes sentidos serão diferentes, enquanto o significado permanecerá estável. Ou,

em outras palavras, os sentidos se movem, são entes vivos; enquanto o significado é

cristalizado, existindo somente como abstração. O fator determinante da escolha de certo

sentido pelo sujeito será a afetividade, emoções e motivação.

Vygotsky (1984, p.99) ainda afirma: “o aprendizado humano pressupõe uma natureza

social específica e um processo através do qual as crianças penetrem na vida intelectual dos que

as cercam”. Com essa afirmação, Vygotsky (1984), conceituou o que seja interacionismo social

no campo da linguagem, conceito importante para o presente estudo.

44

Essa afirmação acarreta muitas consequências, caso a situação de ensino seja

adequadamente organizada. Isto porque o aprendizado não só deriva em desenvolvimento,

como também pode desencadear inúmeros processos, fato este que não ocorreria de forma

espontânea. Isto porque “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao

desenvolvimento”. (Vygostsky, 1984, p.101).

Vygotsky (1984, p.101), deste modo, aborda a inter-relação entre os conhecimentos

científicos e os espontâneos, caso específico da relação entre o desenvolvimento mental e

aprendizado escolar. Os conceitos científicos e espontâneos das crianças surgem de modos

diferentes e se movimentam, ou se desenvolvem, em direções contrárias: enquanto os primeiros

em direção descendente, os segundos em direção ascendente. Não obstante isso, eles

relacionam-se fortemente.

Deste modo, o desenvolvimento do conhecimento na história da humanidade não se

relaciona com as etapas do desenvolvimento individual. Todo fenômeno tem sua história

própria, que são marcadas tanto por mudanças quantitativas como por qualitativas. O que está

em questão é a compreensão de como o mundo externo se torna interno, ou, traduzindo em

outros termos, “como a natureza sociocultural das pessoas se torna igualmente sua natureza

psicológica” (Kramer, 1998, p.32). Neste contexto, a linguagem aparece exercendo uma função

primordial. Isto porque sem linguagem, não haveria a troca dos saberes entre os seres humanos,

a troca de dons artísticos, culturais e tecnológicos e o consequente progresso em escala pessoal,

familiar, social, econômica e em todos os segmentos sociais.

Chega-se, através do estudo de Vygotsky (1984) sobre a questão do relacionamento

entre pensamento e linguagem, a uma resposta a estes questionamentos: ao implementar-se e

dedicar-se a uma pedagogia de cunho poético e de investigações, com reflexões acerca da real

possibilidade de se fazer nascer uma pedagogia dialógica de matiz poiética, está no caminho da

resposta. A escola deve abrir-se para a expressão poética, a literatura, cartas, relatos de

experiências, suscitando os sentimentos adormecidos dos educandos e também dos educadores,

despertando um encantamento e atraindo-os com a criação da linguagem e com as quase

infinitas possibilidades que ela oferece ao formular e transmitir pensamentos, ações, projetos e

sentimentos. Isto porque, afinal, é fundamental que se inicie o trabalho com a linguagem e na

linguagem em nossos ambientes escolares.

45

1.4. Da real possibilidade de se fazer nascer uma pedagogia dialógica de matiz

poiética, ou diálogo com Ivonne Bordelois e Severino Antônio M. Barbosa

A linguagem está antes e depois de nós, mas também está, felizmente,

entre nós. É tecido forte relacional do qual dependem os outros: um

tecido forte e subsistente e tão necessário a nossas vidas como a

nutrição

O mundo moderno tenta aniquilar a consciência linguística, mas

devemos celebrar a palavra – chave de conhecimento, prazer e

consciência crítica

Enquanto conservamos essa amizade pelas palavras, preservaremos um

território inalienável de liberdade, conhecimento e prazer em nossos

dias

(Ivonne Bordelois, 2005)

Sem poesia, muitos continentes de vida e de linguagem permanecem

apenas latentes, não se transformam em carne e sangue da história

vivida.

(Severino Antônio Moreira Barbosa, 2013)

Ivonne Bordelois, poeta e ensaísta, formou-se em Letras na Universidade de Buenos

Aires, Argentina, onde nasceu em 1934 e completou seus estudos na França e nos Estados

Unidos, ocupando por quase 13 (treze) anos uma cátedra de Linguística em Utrecht, Holanda.

Seus ensinamentos e questionamentos sobre a possibilidade de se fazer nascer, no âmbito

escolar uma pedagogia dialógica de matiz poiética fascina a todos que trabalham com a

linguagem. Eis a razão pela qual se deseja, cuidadosamente, ouvir o que ela tem a dizer quanto

a este tema tão descurado na modernidade e quais ensinamentos podem, efetivamente, ser

trazidos para o mundo escolar, através de um diálogo com a linguagem que, conforme se viu,

tem sido mal interpretada neste mesmo ambiente, e totalmente descurada e distorcida em um

mundo em que o poder do dinheiro e da reificação de tudo tolhe a pedagogia dialógica de matiz

poiético. Será possível ensinar a língua materna através desta pedagogia e com este matiz? Se

sim, qual o caminho? O que priorizar e quais saberes deverão ser construídos e dialogados?

Entende-se a pedagogia dialógica de matiz poiético como sendo aquela que objetiva,

dentro do processo ensino e aprendizagem, a construção recíproca de saberes entre educandos

e educadores, através da dialogicidade. Leia-se a definição, que se encontra no LATTES (2014),

sobre a linha de pesquisa da pedagogia dialógica de matiz poiético:

46

Descrição: Investigações e reflexões a respeito das possibilidades de uma

pedagogia dialógica e poiética no contexto da educação

sociocomunitária, a partir da interpretação das linguagens -

principalmente a verbal e sua dimensão simbólica e poética.

Considerações sobre os diálogos em que o pesquisador se constitui

como interlocutor e interprete dos sujeitos e das comunidades

pesquisadas. Debates e conversações teóricas a partir da

Fenomenologia, Marxismo e Complexidade.

Como se viu no transcorrer deste trabalho, esta linha pedagógica da pedagogia dialógica

de matiz poiético objetiva levar a cabo o verdadeiro significado da linguagem poiética,

compreendida enquanto algo que extrapola a linguagem pela linguagem. Tem um viés estético,

o gosto pelo degustamento metafórico e psicológico das palavras, entendidas como sendo as

que habitam em nosso meio cognitivo, desde que nascemos e morremos, e permanecerão após

nossa partida desse mundo.

A definição do termo poiético afigura-se com definição dada em filosofia, pois se trata

de uma forma alternativa a poesis, termo criado por Aristóteles (1997). Se assim é, a definição

de uma será também válida para a outra: “poiesis é a atividade de criar ou de fazer; produção

artística” (RUNES, 1990, p.08). A base teórica do termo pedagogia dialógica poiética, usada

neste trabalho, é aquela defendida por Barbosa. Basicamente, Barbosa (2013) escreve livros

infantis e adultos, tais como: Uma pedagogia poética para as crianças (2013), Uma nova escuta

poética da educação e do conhecimento (2009), Escrever é desvendar o mundo (2012), A utopia

da palavra (2002), Educação e Transdisciplinaridade (2002), Poetizar o Pedagógico (2013)

entre outros. Todos sempre voltados para o viés poiético, da escuta precípua, para fomentar no

homem o gosto do ler com prazer estético, tão esquecido nos dias atuais. Diz Barbosa (2013,

p.52) sobre a pedagogia dialógica de matiz poiético de maneira cabal: “O convívio com a poesia

ajuda a aguçar a sensibilidade, a inteligência para ler dentro, para ler a alma. Não só a alma do

homem, mas a alma do mundo”. Deve-se, em síntese, encarar o mundo linguístico não com

olhos do sistema econômico que inunda os seres humanos com suas mensagens e trombeteando

o consumismo desbragado – mola mestra do capitalismo – mas sim através desse viés poiético

já mencionado (que pode ser interpretado, também, como a pedagogia da escuta) - termo esse

tão polissêmico, mas que se liga à poesia, ao poético - que Bordelois (2005) consegue, no livro

que será o suporte para se fazer algumas reflexões e que dialoga perfeitamente com a

fundamentação dada por Barbosa (2013), sobre como o ensino da linguagem poderia

enriquecer-se caso seus ensinamentos e de Barbosa (2013) fossem apropriados e que poderiam

47

mudar a mentalidade reinante nos universos sociais de âmbito familiar, escolar, político,

econômico.

Barbosa (2013) fala sobre a crise da leitura que pode ser uma consequência direta do

embate entre a língua falada e escrita no ensino da LM, visto que as duas primeiras não entrando

em acordo, não haverá leitores profícuos. Há uma total ligação entre a proposta do trabalho –

Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa como ensino de saberes e o que é preconizado

por Barbosa (2013), através da experiência de aprender a ler de Giovanna em A menina que

aprendeu a ler nas lápides. Como bem acentua Freire (1992, p.78): “Quem ensina aprende ao

ensinar, e quem aprende ensina ao aprender. É preciso que a leitura seja um ato de amor, (...)

um ato de beleza, com o leitor reescrevendo o texto. A tarefa fundamental é experimentar com

intensidade a dialética entre a leitura do mundo e a leitura da palavra”.

Giovanna tem seis (06) anos, e aprendeu a ler tendo como textos lápides de um cemitério

onde seu avô trabalha como zelador. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s,1998)

preconizam, como ferramentas para a alfabetização, habilidades tais como: o domínio da escrita

e leitura, os gêneros textuais, mas nunca se aventou a busca da leitura a partir de inscrições

tumulares. O que mais é inquietante e significativa é essa experiência (Erfahrung), já

mencionada segundo o conceito de Benjamin (apud GAGNEBIN, 1986) ter sido feita

poeticamente, entendida como uma pedagogia poiética defendida por Barbosa (2013).

A bem da verdade, logo no nascimento, inspira-se o ar do mundo, a primeira lufada de

ar. Ao fim e ao término da vida, retorna-se esse ar ao mundo, em que continuará sua circulação

infinita. Analogamente, ao nascer, se ganha um nome. Ao morrer, devolve-se esse nome, quase

sempre inscrito em uma pedra que terá cada vez menos leitor, até que ninguém mais o leia.

Giovanna aprendeu a ler nessas inscrições tumulares, com os nomes e frases que vão sendo

esquecidas com o passar do tempo. Assim, a menina e seu avô fizeram uma espécie de alquimia

poética, de transformação da morte em vida. Sentidos que jaziam como se mortos, retornavam

às vozes que circulavam, novamente tinham interlocutores e intérpretes (Barbosa, 2013, p.30-

31).

A pedagogia dialógica de matiz poiético ou pedagogia poética tem essa característica

de que se está falando. Ela fundamenta-se, nesta narrativa de Giovanna, no valor de palavras

que mortas para a vida, visto seus donos o estarem, conseguem ser revividas ao se lerem seus

nomes, transpondo-os para a vida, através da poesia, da alquimia linguística. Ou como Barbosa

(2013, p.31) define mais uma vez o poiético: “música planetária para os ouvidos mortais, a

poesia transforma tudo o que toca. A sua alquimia transmuta em ouro potável as águas que da

morte escorrem pela vida”.

48

Na imobilidade das pedras e das palavras inscritas, Giovanna e seu avô faziam leituras

nômades, entre o andar e o correr, não de uma página atrás de outra. Um aprendizado errante,

em movimento, irregular, entre os signos do passado e os que ainda não nasceram. Como

matéria de leitura viva, foram escolhidas a morte e seus escritos, feitos de vestígios e

reminiscências, mesclas de memória e esquecimentos. Essas contradições acentuam a beleza

da ligação entre a aprendizagem da LM, enquanto diálogo de saberes, e a existência (Barbosa,

2013, p.31).

Giovanna, a pequena leitora, em sua história vivida, encara a ideia de que o ser humano

faz-se na linguagem que o faz. Eis outro ponto de intersecção com o presente trabalho. Frise-se

que a linguagem está no ser humano e o ser humano está na linguagem. Muito diferente de

apenas pensar-se a existência humana como sendo constituída de linguagem, é entrar em

contato diretamente com experiências em que a ideia está encarnada, tendo rosto, tendo voz

para contar o vivido (idem, p.33).

Como se deu o processo de alfabetização de Giovanna? Sendo um dos temas mais

fundamentais da educação, a alfabetização propicia uma discussão entre o aprender e ensinar,

tema básico deste trabalho, visto ele ser: ensino e aprendizagem da LP como diálogo de

saberes. O que a experiência desta menina mostra é que é possível alfabetizar como uma

experiência poética (pedagogia dialógica de matiz poiético), intensamente significativa e

criadora de sentido. Ler e escrever como atividade de criação, interligada ao desejo de conhecer

ou curiosidade epistemológica (Freire,1997) e à alegria de pensar. Como descoberta de si

mesmo, do outro e do mundo. Neste sentido, existe a necessidade de poetizar o pedagógico, de

reconhecer que nenhuma criança, aluno está isento de poesia e que o momento da descoberta

da linguagem escrita possibilita muitas iluminações, que revelam a dimensão poética das

palavras e das existências (Barbosa, 2013, p.33-34).

O aprendizado de ler e escrever (escrita) que ocorre, geralmente, nas escolas, é outro

ritual de passagem, tal qual no tempo o aprender a falar (oralidade), visando ao

desenvolvimento e recriação da vida. A alfabetização de Giovanna clareia aspectos poéticos

que estão presentes nas histórias de vida de todos os alunos, embora não sejam reconhecidos.

O ato de nomear as coisas está na origem da linguagem e da poesia. Quando se

nominaliza algo, realiza-se a atribuição de sentidos às coisas. Neste aspecto, Giovanna, ao ser

alfabetizada, ao ar livre, em uma espécie de jardim (poderia ser do Éden, mesmo estando em

um cemitério?), tendo contato tanto com o mundo natural como com objetos humanos, dava

nome às letras que nomeavam as coisas. Em um reino de matéria morta, campo de silêncio e

mudez, a menina jogava com os sons e formas da alfabetização, experienciando significados de

49

frases carregadas de emoções de vida e de morte, assim como de evocações que presentificavam

os ausentes. As ideias não, se separavam dos corpos, vivos ou mortos, as palavras eram

intensamente carregadas de sons, sentimento, imagens plenas de significações. Em suma, uma

experiência do que deveria ser o protótipo, no ambiente escolar, da pedagogia dialógica de

matiz poiético (Barbosa, 2013, p.34-35).

Outro eixo trabalhado por Bordelois (2005, p.35), com o objetivo de redescobrir a

energia da palavra, “chave do conhecimento”, consiste naquele da celebração, prazer e

consciência crítica. O diálogo entre as línguas, através da etimologia, o observar aquilo que se

fala na fala coloquial, do dia-a-dia, e na linguagem do humor e da infância serão elementos

fundamentais nesta redescoberta. E, por último, last but not least, o necessário reencontro com

a poesia, entendida como aquela produzida tanto por poetas como por involuntários ou

anônimos criadores de linguagem, que, segundo, Bordelois (2005, p. 37) “a fonte que continua

e sempre continuará jorrando ainda que de noite”.

1.5. Linguagem e Poesia, ou o mais perigoso dos bens

A poesia tenta criar uma linguagem dentro da linguagem.

(Paul Valéry, 1991)

A linguagem, enquanto coadjuvante da cultura no processo civilizatório humano,

sobrevive a ela, trazendo consigo as cicatrizes de diversas hecatombes culturais, políticas,

econômicas e históricas das quais é vítima e também testemunha, continuando a exercer seu

papel de relicário de memória coletiva e fonte viva da vida e também da poética futura. Existe

algo de indestrutível na linguagem e algo particularmente eterno naquilo que se denomina de

poesia – o mais perigoso dos bens, segundo o poeta alemão Friedrich Hölderlin (apud

Bordelois, 2005, p.83).

Atualmente, dentro do contexto da civilização da modernidade, do neoliberalismo, da

economia de mercado, de desejo consumista desbragado, falar e defender a poesia na sociedade,

nas escolas, nos processos educacionais, enquanto objeto de partilha de saberes e vivências e

no contexto da pedagogia da dialogicidade, soa estranho, soa como ser nefebilata, ou seja, andar

ou viver nas nuvens, sem se preocupar com o momento histórico em que se vive, visto que a

linguagem é utilizada com seu fim pragmático, consoante o que já foi pontuado – objetivando

fomentar o comércio, o mercado entre seus membros e nada mais. Todavia, tal pensamento é

desnecessário, visto que a poesia é quem na realidade defende o homem, e há algo

50

permanentemente apaziguador neste espaço com que a poesia nos defende e também nos

sustenta.

Isto porque a poesia nasce da linguagem, segundo Bordelois (2005, p.85) e enquanto tal

nunca acaba, contrariamente a um escultor ou pintor que deve comprar materiais para

confeccionar suas obras, a linguagem é inacabável, nunca se esgota, visto ser a dança da fala e

produto gratuito e cotidiano do ser humano, tal qual o pão consumido no dia-a-dia. A linguagem

que resplandece nas trevas é o destinatário e interlocutor da poesia, jamais são seu público, nem

o próprio poeta. A linguagem é superior e anterior a nós, ser proteiforme, multiforme e eterna.

Tal qual a chuva surge d´água e para ela volta, assim como o mar sobe para o céu através da

evaporação para voltar para si mesmo, do mesmo modo a poesia surge da linguagem, e à

linguagem volta, purificando-a em sua jornada desde os abismos até os ápices mais remotos.

Bordelois (2005) é enfática quanto à concepção da poesia, que poderia ser adotada por

todos os leitores, inclusive aqueles com os quais a escola quer trocar e dialogar os e com os

saberes e concepções, através da pedagogia dialógica de matiz poiético e da oralidade:

A condição básica para a concretude da poesia é que ela deve passar pela

catarse do silêncio, sobremaneira do silêncio do leitor. Já se teve oportunidade

de mencionar o quanto a sociedade contemporânea odeia o silêncio benfazejo,

aquele que leva a pensar, a refletir, mas ao contrário, ama a balbúrdia, a

gritaria, as músicas em alto volume que descentralizam-nos para não

podermos escutar a nós próprios. A poesia inicia com a escuta humilde e

purificadora, não com explosões iniciais de um narcisismo mal resolvido.

Antes mesmo de dizer algo para nós mesmos, outros para nós já disseram

Sófocles, Shakespeare, García Lorca, Baudelaire. Ou como muito bem coloca

Marguerite Yourcenar: Escrever é falar e calar ao mesmo tempo. Às vezes

isso também significa cantar (BORDELOIS, 2005, p.87).

A poesia é aquilo que arrebenta os limites do indizível e muda a língua do ser humano,

transformando-o junto com ela. Na verdade, a poesia tenta criar uma linguagem dentro da

própria linguagem, segundo o poeta francês Paul Valèry (apud BORDELOIS, 2005). Ou ainda:

é um combate contra a linguagem, de acordo com Alfonso Reyes (apud BORDELOIS, 2005.

A violência perpetrada pelo poeta contra a linguagem inerte e petrificada com a qual tem de se

defrontar figura como a violência das dores de parto que prenunciam a criação de uma nova

linguagem no interior da linguagem, contra a linguagem. Para a poesia, o indizível é o

aparentemente trivial, aquilo que está subjacente em experiências do dia-a-dia, contudo não

chega a chamar a atenção, visto carecer de prestígios temáticos da poesia convencional. Ou

ainda trata-se de um tabu. Nestes dois casos, salta-se deste silêncio que não é aquele de já se

falou, silêncio enriquecedor de contemplação, mas o violento silêncio da repressão, ou da

51

nulidade, ou ainda, aquele da cegueira de mecanismos existentes na linguagem que amortecem

a si mesma (Bordelois, 2005, p.87).

Seria possível, após este estudo com o choque entre a linguagem e a poesia afirmar que

existe espaço para a última no âmbito escolar, educacional no aprendizado da LM, enquanto

elo faltante da pedagogia da dialogicidade de matiz poiética? Basicamente somos seres sedentos

de poesia, pois ela está dentro de nós, juntamente com a linguagem, quer queiramos ou não. O

que ocorre é que ela deve ser cultivada no manejo e troca de saberes linguísticos que se dão

cotidianamente nos ambientes escolares. Somente desta maneira educaremos o homem em sua

totalidade – linguística, estética, ética e de alteridade. Caso se incorra no erro de desprezar o

viés poético, achando que não cabe no universo do processo ensino e aprendizagem da LP,

construir-se-á saberes e cidadãos que não desenvolveram e descobriram a epifania da alma

humana em sua integralidade, pois faltou a veia poética que nos transcendem desta realidade

corriqueira e nos torna como que semideuses, aqueles que veem além do trivial, do cotidiano,

vislumbram outro mundo, tem coragem de pôr a cabeça para além do dia-a-dia e procuram, na

volta à realidade, compartilhar destas sagradas e epifânicas experiências com seus semelhantes.

2. DO EMBATE ENTRE A GRAMÁTICA TRADICIONAL E OS PCN´s

2.1. As várias gramáticas no entorno escolar e os PCNs, ou o conceito de

interacionismo linguístico social no campo da educação e da linguagem moderna

O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às

falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo

educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para

isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa

livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de

falar — a que se parece com a escrita— e o de que a escrita é o espelho

da fala — e, sendo assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para

evitar que ele escreva errado.

(PCNs de Língua Portuguesa, p.26, 199)

Consoante o que já foi mencionado, anteriormente, neste estudo, há várias “gramáticas”

da língua oral e escrita no entorno do ambiente escolar, que procuram estudar a língua, e que

se cristalizam na GT, que objetiva perpetuar uma tradição que remonta aos educadores clássicos

gregos Aristóteles (2000), e Platão (1993), tradição essa petrificada no ensino da língua

vernacular, tomando-se por base a gramática e maneiras de se exprimir tidas como cultas,

cristalizadas por uma elite econômica, social e política que não aceita falares diferentes dos

52

seus. Todavia, no final do século XX, no campo das políticas públicas educacionais, mais

precisamente no ano de 1996, surgiram os PCN´s, que são referências de qualidade para os EF

e EM do país, elaboradas pelo Governo Federal. O objetivo precípuo é propiciar subsídios à

elaboração e reelaboração do currículo, tendo em vista um projeto pedagógico em função da

cidadania do aluno e uma escola em que se aprende mais e melhor. Os PCN´s (1998),

entendidos como uma proposta inovadora e abrangente, expressam o empenho em criar novos

laços entre ensino e sociedade e apresentar ideias do "que se quer ensinar", "como se quer

ensinar" e "para que se quer ensinar" (PCN´s, 1998, p.27). Os PCN´s (1998) não são uma

coleção de regras e sim, um guia para a transformação de objetivos, conteúdo e didática do

ensino. Na verdade, os PCN´s (1998) são referenciais de qualidade elaborados pelo Governo

Federal, a fim de guiar equipes escolares na consecução de seus trabalhos.

As diretrizes são voltadas, especialmente, para a estruturação e reestruturação dos

currículos escolares de todo país, sendo sugeridas para redes públicas (estaduais, municipais)

e opcionais para as instituições de cunho privado. Cumpre esclarecer que, antes desta data,

predominava o ensino puramente gramatical da língua, e não de uma gramática de texto,

contextualizada que adota a dialogicidade, interacionismo e a sociolinguística, como se faz

atualmente, sob a égide dos PCN´s (1998). Desta maneira, o objetivo último destes documentos

legais pedagógicos é padronizar o ensino no país, para se ter um currículo mínimo comum em

todo o território nacional, ao estabelecer suportes fundamentais para guiar a educação formal e

a própria relação escola-sociedade no cotidiano.

Os PCN´s (1998) são divididos em disciplinas (língua portuguesa, matemática, ciências

naturais, história, geografia, arte e educação física) e entre EF e EM e abrangem tanto práticas

de organização de conteúdo quanto formas de abordagem das matérias com os alunos. Além

disso, auxiliam na aplicação prática das lições ensinadas e a melhor conduta a ser adotada pelos

educadores em situações diversas.

Esses documentos legais (1998) começaram a ser definidos com maior consideração às

diferentes realidades regionais, levando em conta a extensão territorial e cultural do país. Além

disso, outra questão que as diretrizes procuraram estimular nas últimas edições foi a atualização

profissional de professores, coordenadores e diretores.

Os PCN´s (1998), como se pode inferir, fundamentam e sugerem às várias disciplinas o

que se poderia fazer para se ter um ensino interdisciplinar e multicultural, aberto aos novos

tempos de globalização e intercâmbio entre as várias disciplinas, tanto para o EF como para o

EM. Dentro da disciplina de LP ele rege os três principais eixos de ensino, ou seja: a) leitura,

b) produção (oral e escrita) e c) conhecimento linguístico.

53

Neste sentido, os modernos estudos linguísticos apontaram outra via para a solução da

assimetria linguística, ou seja, outra visão para a equação complicada constituída entre língua

falada (oralidade) e língua escrita, diferente da GT. Este é o embasamento teórico básico dos

PCN´s (1998) que elencam os principais autores e teóricos da moderna Linguística em seu

referencial bibliográfico, tais como: Bakhtin (1995), Bronckart (2006), Câmara (1977), Dolz e

Schneuwly (2004), Freire (1992), Geraldi (2006), Koch (1996) entre outros. Partindo-se do

princípio de que a LP, no Brasil, possui muitas variedades dialetais que se identificam

geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam e que há muitos preconceitos

decorrentes do valor social que é atribuído aos diferentes modos de falar, ou seja, é muito

comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou

erradas (preconceito linguístico), adotou-se o princípio do interacionismo social no campo da

linguagem. Basicamente, a premissa principal é de que a competência e ensino da oralidade

devem ser privilegiados no ambiente educacional, sem preconceito linguístico para com os

falantes que advém à escola pública e particular.

Os PCN´s vão mais além e definem, em um primeiro momento o que seja o

interacionismo:

O interacionismo concebe a vida social como interações mediadas

simbolicamente. O simbólico não é resultado da interação do sujeito

consigo, nem do sujeito com o objeto, mas do sujeito constituído e do

sujeito projetado pela linguagem. O sujeito está em si e está no outro,

construindo a realidade. Neste diapasão, o sentido individual é fundado

na construção interativa, por ela se estabelecem redes de significação

na prática social (PCN´s, 1998, p. 21).

Ainda, com a colaboração de Geraldi (2006, p.87), autor referendado nos PCN´s (1998),

tem-se, agora, a seguinte concepção interacionista e dialógica da linguagem:

A linguagem não serve apenas para transmitir informações de um

emissor a receptor, mas é vista como lugar de interação humana. Isto

porque, ao falar, o sujeito da enunciação não transmite apenas

informações, mas age sobre seu interlocutor, construindo vínculos que

não existiam antes do ato verbal (PCN´s, 1998, p.23).

Nesta sistemática de interacionismo social no campo da linguagem, autores como

Travaglia (2000), Fávero (2005) e Marcuschi (1996 e 2001), por exemplo, têm argumentado a

favor do desenvolvimento de competências orais ou pedagogia da oralidade na escola. O que

seriam essas competências tão propagadas e tão pouco conhecidas? Os PCN´s privilegiaram a

abordagem escolar da oralidade, a partir de 1997, como já foi pontuado. Objetiva-se

54

desenvolver as habilidades de comunicação oral nas aulas de LP: o foco é na competência

comunicativa, a fim de que os alunos possam perceber e diferenciar os diferentes efeitos de

sentidos, assim como diferentes adequações da língua, frente às reais situações comunicativas.

Qual seria a explicação para que a escola brasileira ainda não ter conseguido incluir uma

proposta de ensino interativa, com ênfase na oralidade?

A resposta é a que a escola pauta sua proposta pedagógica na concepção de língua

normativa (GT), tirando do aluno a chance de compreender e ampliar suas habilidades como

um ser que tem a capacidade de falar: afinal o aluno está acostumado a interagir com seus

amigos opinando, falando, concordando, discordando. Repentinamente, os estudantes veem-se

na situação de fracasso escolar, visto que, em nome do bem falar e escrever retira-se deles o

lídimo direito de usar a palavra.

Neste contexto, há a constatação de uma assimetria de poder entre professor e aluno: de

um lado, existe a interação entre professores e alunos que são aproximados cada vez mais, por

outro, existe a falta de um plano de trabalho que permita ao professor valorar o conhecimento

de mundo do aluno, suas idiossincrasias, mundividência. Ou, em outras palavras, é necessário

que os atores (professores e alunos) do processo educacional de aprendizado da língua oral,

sejam tratados como pessoas comunicantes. Isto porque, não obstante ter direito à palavra, as

condições comunicativas reais dos alunos são desconsideradas ou pior ainda, desprezadas na

escola: existe uma crença do aluno que o papel do professor é falar e o seu é ouvir,

passivamente, calado, a fala do professor, sem direito de relacionar seus conhecimentos vicários

aos conhecimentos escolares. Como consequência desta pedagogia tradicional, a que FREIRE

(1997) denomina educação bancária, o aluno aprende a calar, ignorando e desvalorizando o

falar e o ouvir.

Marcuschi (2001, p.89), dentro desta pedagogia da oralidade (PO), parte de quatro

premissas para argumentar a favor do trabalho com a língua falada, com base no fato de que a

fala já conseguiu um lugar no ensino de língua materna. Primeiramente, afirma que a língua é

heterogênea e variável. Assim:

a) o sentido é efeito das condições de uso da língua;

b) os usuários interagem entre si com textos e discursos (e não com

estruturas gramaticais);

c) o foco do ensino é deslocado do código linguístico para o uso da

língua, ou para a análise de textos e discursos.

55

A segunda premissa, tratada pelo autor, é a de que a escola deve ocupar-se da fala

propondo um paralelo de análise com a escrita. Concorda com Kato (1986) que a escola se

dedique preferencialmente ao ensino da escrita, pois esta ocupa papel central na vida das

sociedades letradas. Contudo, “no início da escolarização a fala exerce influência sobre a

escrita” (Marcuschi, 1996, p.3). Além disso, Kato (1986, p.7) afirma que “a chamada norma

padrão, ou língua falada culta, é consequência do letramento, motivo pelo qual, indiretamente,

é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente

aceita”.

Para isso, Kato (1986) evidencia que só se pode compreender e ensinar a língua escrita

com base na correta compreensão do funcionamento da fala. Isso representa uma dupla proposta

de trabalho: por um lado, trata-se de uma missão para a Linguística que deveria dedicar-se à

descrição da fala e, por outro, é um convite para que a escola amplie seu horizonte de atenção.

Assim, considera-se a língua falada como ponto de partida e a escrita como ponto de chegada.

A terceira premissa diz respeito à bimodalidade2. A escrita torna o aprendente bimodal,

diferentemente de bidialetal. Bimodal significa ter o domínio duplo da língua materna, isto é,

ele domina as modalidades falada e escrita de uso da língua. Quando se fala em aluno bimodal,

supõe-se que esse aprendizado seja o da escrita no dialeto padrão sem, contudo, identificar a

escrita com o padrão, uma vez que existem fala e escrita padrão e não padrão.

Sobre ser bimodal ou bidialetal, Marcuschi (1996, p.5) esclarece que:

Uso aqui o termo “bimodal” que em certo sentido equivale com o termo

"bidialetal" que já foi usado em 1975 por Trudgill quando analisava as

relações entre os dialetos padrão e não padrão e os códigos

restrito/elaborado tal como os concebia Bernstein(1971) (cf.Marcuschi,

1975). Nesta linha, o termo “bidialetal” vem sendo usado também por

Stella Maris Bortoni (UNB) (cf. Bortoni, 1992) que trata da "educação

bidialetal" tendo em vista as questões da variação lingüística e os

problemas que isso acarreta ao ensino de língua materna. Magda Becker

Soares (1986) usa a noção de ensino bidialetal em outra acepção e

sugere que a escola mantenha o dialeto do aluno e ensine o de

prestígio. (grifo nosso). No presente trabalho, o termo "bidialetal" não

será usado, mas substituído por bimodal no sentido proposto por esses

autores. Aqui tomo"bimodalidade" para caracterizar um duplo domínio

da língua materna em relação às modalidades de uso da língua falada e

língua escrita. Assim, o aluno, ao adquirir a escrita, está adquirindo

outro estilo (podemos também falar em “dialeto”, mas num sentido um

tanto impróprio, como obervou STUBBS (1986), já que falar em dialeto

2 Atualmente existe uma grande discussão sobre a Bimodalidade linguística, sendo que ela deveria ser transposta

do ambiente acadêmico para os bancos escolares, para uma melhor qualidade de ensino. (cfme.

MARCUSCHI,1996)

56

padrão como coincidente com a escrita seria o mesmo que identificar

escrita com padrão). Não se trata, pois, de dominar dois dialetos da

língua falada e sim de dominar dois estilos de uso da língua.

A quarta e última premissa – que compõe o arcabouço teórico através do qual Marcuschi

(1996) defende a incorporação da língua falada no ensino do português – refere-se ao uso da

língua em textos contextualizados. Por conseguinte, deve-se romper com a insistência no ensino

de unidades isoladas como frases, palavras e sons, indo ao encontro da concepção de língua

como interação social. Consequentemente, a GT deveria ser trabalhada na produção e

compreensão textual e não como mero exercício analítico de palavra ou frases. Trata-se, pois,

de trabalhar integradamente as várias atividades no uso da língua, ou seja, a produção oral, a

produção escrita, a leitura e a compreensão. Todos os autores citados, entretanto, são unânimes

em dizer que a apropriação de um embasamento teórico pelo professor é o aspecto principal

para um ensino produtivo de língua, razão pela qual as políticas públicas deveriam investir na

real capacitação dos professores. Não custa repetir que a proposta defendida por Marcuschi

(1996) não objetiva a abolição da GT, mas sim uma nova abordagem sob o enfoque do

interacionismo social.

Para completar a argumentação, deve-se mencionar Castilho (2000, p.21), que defende

que a língua falada deve ser incorporada às aulas de língua materna já que “via de regra o aluno

não procede de um meio letrado. (...) o ponto de partida para a reflexão gramatical será o

conhecimento linguístico de que os alunos dispõem ao chegar à escola: a conversação”. Por

fim, Castilho (2000, p.23) esclarece que ... “as relações entre língua falada e língua escrita, já

que propõe um ensino voltado, não para o traçado de características de uma modalidade oposta

à outra, (grifo nosso) mas para o emparelhamento da língua falada e da língua escrita”. Para

isso, Castilho (2000, p.24), diz que “o professor deve proceder a uma análise combinando

gêneros textuais, segundo preconizado por Schneuwly e Dolz (2004), atividade que pode

promover uma compreensão das relações do continuum fala/escrita”.

Pelo que se expôs, através destas quatro (04) premissas que justificam o porquê de se

trabalhar com a oralidade em sala de aula, pode-se aferir o quanto o interacionismo poderia

acrescentar e inverter a tendência de priorizar a GT no ambiente escolar. Deve-se deixar

vincado que, não obstante estudos e os próprios PCN´s preconizarem estas diretrizes, acredita-

se que elas encontram resistência inter muros escolares, pela ignorância das mesmas (falta de

conhecimento das atualidades pedagógicas) ou pelo apego excessivo ao método tradicional de

ensino através de uso da GT. Isso em razão de não crer nos avanços dos estudos linguísticos,

conforme se confirmará ou não essa hipótese quando houver o diálogo com os profissionais da

57

área de ensino da Língua Portuguesa e, deste modo, serão ouvidos atentamente em seu ofício

de educadores.

2.2. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística

O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio

de textos. Assim, pode-se afirmar que texto é o produto da atividade

discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo e acabado,

qualquer que seja sua extensão. É uma sequência verbal constituída por

um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da

coerência. Esse conjunto de relações tem sido chamado de textualidade.

Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido

como unidade significativa global, quando possui textualidade. Caso

contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados

(PCN´s de Língua Portuguesa, 1998 p.23)

Marcos Araújo Bagno, nascido em 1961, na Bahia, é professor, doutor em filologia,

linguista e escritor. Possui vários livros publicados dentro da temática que está sendo

trabalhada, razão pela qual foi convidado a participar, com seu ponto de vista, neste trabalho.

Ficou famoso, nacionalmente, em 1997, quando publicou um polêmico livro intitulado

Preconceito Linguístico, abordando e discutindo a questão de como a sociedade pode

discriminar seus falantes que não se inserem no esquema linguístico normativo-padrão e

chancelado pela GT adotado pela elite cultural, política e econômica. Em razão disto, foi

duramente criticado por gramáticos, linguistas e representantes do ensino tradicional de LP, do

status quo linguístico, que disseram, entre outras afirmações, que o citado autor objetivava

tumultuar ainda mais o meio escolar, tentando implantar uma subversão na língua, sem se

atentar ao falar correto e ortodoxo. Bagno (2002) continua a trilhar e aprofundar seu

pensamento sobre o Preconceito Linguístico (Bagno, 1997). Através de onze (11) tópicos,

elencados em ordem crescente, indo desde uma noção básica desta problemática que está sendo

abordada – oralidade versus língua escrita e GT, até uma proposta para abordar de maneira

significativa a questão em estudo, Bagno (2002) sugere a adoção pela escola de uma educação

linguística, muito mais abrangente do que a GT. Ele desconstrói, através destes tópicos, a

convicção arraigada na cultura escolar brasileira de que unicamente a GT deve ser seguida,

ensinada e perpetuada nas escolas, como modelo de ensino de língua.

Basicamente, Bagno (2002, p.104) tece comentários sobre a concepção abstrata de

língua, que a escola atual tem sobre a oralidade trazida pelos alunos das camadas populares ao

ambiente escolar. A escola taxa-o de “deficiente linguístico”, alguém que tem um gap (déficit)

58

linguístico, patético merecedor de atenção de uma língua digna. Entenda-se a língua regida pela

norma culta. Essa norma culta acaba sendo identificada, no senso comum e na prática

pedagógica tradicional com a própria noção de “LP” ou de “português”, em uma atrapalhada

sinonímia que acarretará consequências graves para o indivíduo e para a sociedade. Ou, em

outras palavras: o que não está chancelado nas Gramáticas Normativas (GN) e nos dicionários

simplesmente não existe ou, ainda, não é português. E estas manifestações linguísticas, não

existindo, constituem erro porque não estão normatizadas.

Existe, subjazendo a este fato, uma noção filosófica da tabula rasa, ou seja, pressupõe-

se que, ao adentrar os portões da escola, a criança terá seu primeiro contato com a LP,

desprezando-se quase totalmente o conhecimento de língua trazido por ela, que já teve e

bastante, no seio da família e do grupo social em seus primeiros anos de vida (educação

informal), desconsiderando-se seu uso intuitivo, eficaz e criativo dos recursos da língua. Neste

sentido se exprime Gagné (apud BAGNO, 1997, p.21):

[...] a escola habitualmente considera que a língua falada não somente

pela criança, mas também pela sociedade circundante que lhe serviu de

modelo linguístico natural, é inaceitável que lhe serviu de modelo

linguístico natural, é inaceitável e deveria ser rejeitada. Ela empreende

então um esforço de desenraizamento que só pode ter êxito (imperfeito,

aliás) junto a uma minoria de crianças. Tal tentativa corre o risco de

conduzir à alienação social do indivíduo, ou a uma rejeição maior ou

menor e mais ou menos explícita da escola por parte das crianças e

particularmente dos adolescentes.

A concepção de língua enquanto concepção de sociedade é outro tópico discutido por

Bagno (2002). Tirante estas concepções equivocadas de que o aluno nada sabe de língua quando

começa seu processo de escolarização, baseia-se em visões de mundo pré-científicas e em

estruturas sociais elaboradas em sistemas aristocráticos, como no caso da sociedade grega na

Antiguidade clássica, ocasião em que nasceu a GT e também da sociedade do período

renascentista, na qual uma elite intelectual reduzida, também inspirada na Antiguidade clássica

- Platão (1993) e Aristóteles (1988). Por volta deste tempo (Pré-Renascimento), a elite

empreendeu os primeiros esforços no sentido de normatização das línguas nacionais europeias.

Sabe-se que, para pertencer às sociedades greco-romanas, enquanto cidadão, detentor

do poder do voto político e de governo, alguns requisitos deveriam ser preenchidos: a) ser do

sexo masculino, b) ser livre, c) falar a língua que era utilizada por alguns destes poucos. Ora,

com isso, e pelo fato de uma parcela dessa já minoritária aristocracia política e econômica deter

esses requisitos, ocorria que havia esse seleto grupo de homens, livres e falantes de uma língua

59

comum que ditavam regras e comandavam a vida e todos os restantes seres humanos (Bagno,

2002, p.72).

No Renascimento, quando houve uma profícua produção de gramáticas normativas das

línguas nacionais europeias, a situação continuou a mesma. A estratificação da sociedade era a

seguinte: no topo uma elite formada por homens (sexo masculino), livre (isto porque existia o

trabalho escravo), branca e cristã (judeus, muçulmanos e ateus eram obstados de ocupar postos

de comando, assim como eram perseguidos, torturados e mortos). Em razão disto, a linguagem

usada por esta aristocracia, que se tornou o padrão, a norma, o standard a qual todos os demais

usos da língua deveriam se ajustar. João de Barros, (apud BAGNO, 2003, p.100) gramático

português do período do renascimento português, no século XVI, diz que o modelo de língua a

ser seguido deveria ser a língua dos “barões doutos”, ou seja, dos homens da nobreza. Ainda,

o francês Vaugelas, (apud BAGNO, 2003, p.100), no século XVII, prescrevia que a língua-

padrão deveria se basear no uso da “parte mais sadia da Corte”. Ainda hoje, existe a expressão

Queen´s English, isto é, o “inglês da rainha”, aquele que é aceito como socialmente correto pela

sociedade inglesa. Com este inventário de citações históricas, chega-se à constatação de que,

“graças à impostura ideológica, o fato da minoria acaba sendo representativo da totalidade,

graças exatamente à força do imaginário” (Bagno, 2003, p.102). Ou ainda “a língua das classes

altas é automaticamente estabelecida como a forma correta de expressão. Elas não só podem

dizer ‘l´Etat, c´est moi’ – o Estado sou eu-, mas também que ‘le langage, c´est le mien’- a

língua, ela é minha” (Bagno, 2003, p.102).

O que se observa é que a GT atravessou, incólume, a grande revolução de mentalidades,

representada pela Reforma Protestante, nascimento da ciência moderna, transformações

político-econômicas e sociais provocadas pela queda do feudalismo e posterior ascensão da

burguesia ao poder. A GT é um construto intelectual que preserva, até hoje, as seguintes

qualidades: uma ideologia feudal, aristocrática, anticientífica, autoritária, dogmática e

inquisitorial (Bagno, 2003, p.101).

Ainda na atualidade, a NP clássica do português, que se abeberou nos postulados da GT,

define como objeto único de estudo e prescrição “a língua escrita, mais precisamente a língua

utilizada, com objetivos estéticos, por um reduzido conjunto de ficcionistas e poetas” (Bagno,

2003, p. 104).

O linguista baiano ressalta, ainda, que se comete um crime pedagógico, ao se adotar este

modelo pedagógico no trato e ensino da língua:

A visão reducionista do ensino de língua ao mero “ensinar gramática”

é algo que não deveria ter guarida nos dias atuais, sobretudo pelo fato

60

de se reduzir à concepção língua > norma > gramática como um

sistema estável, em equilíbrio perfeito, com harmonia entre seus

membros que podem ser bem delimitadas, compartimentadas e

descritas satisfatoriamente com o auxílio das categorias instauradas

pela GT. Sabe-se, faz bom tempo, que uma grande parte de

classificações, conceitos e definições da GT são incoerentes e falhos, e,

em muitas vezes, contraditórios. Para tanto, com o surgimento da

Linguística moderna, no século XX, ela vem apontando contradições

internas da GT, além de tornar visível como o conhecimento gramatical

é utilizado como instrumento de poder e dominação de um seleto grupo

social sobre os demais membros da sociedade. (Bagno, 2003, p. 106).

Após ter demonstrado e atacado o que ele considera como uma metodologia equivocada

de ensino da LP pela GT, Bagno (2003) reconstrói o arcabouço linguístico no ensino da LP

através do questionamento: deve-se continuar no velho sistema (ensino de gramática) ou partir

para a educação linguística, proposta inovadora lançada por ele?

Os atuais PCN´s deixam clara a preferência pelo estudo do texto, tomado enquanto

atividade discursiva oral ou escrita conforme se citou na epígrafe que abre este tópico e será

repetida, visto que é forte e incisiva, norteando a opção preferencial do documento legal para

que tipo de língua optou-se a ensinar: “Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser

compreendido como unidade significativa global, quando possui textualidade. Caso contrário,

não passa de um amontoado aleatório de enunciados” (1998, p.23).

E o que faz a GT? Estuda palavras, classes de palavras isoladas e desconexas com a

realidade que é maior, pois se materializa em um texto. Se chegar a extrapolar tal ponto, frases

desconexas serão analisadas, mas sempre sob a óptica de um amontoado aleatório de

enunciados sem sentido algum. Bagno (2003), em consonância com as sugestões atuais, insiste

no exame e na prática de textos falados e escritos em situação social de comunicação e

interação, de textos autênticos (e não inventados pelo professor ou pelo autor do livro didático),

o que implica o estudo cada vez mais amplo e pormenorizado dos gêneros em que esses textos

empíricos se estruturam, e, também, das condições (sociais, históricas, situacionais, culturais,

etc.) de produção destes textos. Em outras palavras, o objeto deixa de ser simplesmente a língua,

entendida como sistema, código ou norma, para ser a linguagem, em seu sentido mais amplo de

prática de interação sociocomunicativa e de criação de sentidos. Eis o conceito de educação

linguística segundo Bagno (2003, p. 34).

O abandono por completo do estudo da língua, enquanto objeto em si mesmo, encontra

uma forte resistência, entre boa parte dos linguistas, pedagogos e de muitos professores de LP

das escolas públicas brasileiras. Muitos objetam e defendem que deve haver, na escola, um

61

espaço-tempo para a reflexão linguística consciente e sistematizada, para que se aborde a língua

como objeto merecedor de teorização e investigação. Diante deste fato inelutável, Bagno (2003,

p.106) propõe não mais uma teorização/investigação baseada na GT, nas gramáticas

normativas, que era cogente, devendo ser aplicada. Em razão disto propõe uma teoria e não

doutrina para esta reflexão linguística. Neste contexto, deve-se entender que Bagno (2003) não

veio destruir, abolir a GT, o que seria um ato insano, deixando os falantes de LP sem uma

bússola para a LM mas ele advoga que não se deve contar com ela como único fator

preponderante no ensino de português, com regras desconexas, isoladas e não significantes para

os alunos. Devem-se procurar outras formas de ensiná-la, como a educação e reflexão

linguística que trariam mais significado e eficiência no ensino e aprendizagem da LP.

Admitindo-se que exista este lugar para a reflexão em sala de aula e também tomando

como pressuposto que ele não se baseará nas conceituações da gramática normativa, como

operacionalizar essa teorização/investigação da língua?

Através da pesquisa linguística, eis a resposta de Bagno (2003). Uma pesquisa da língua

que só poderá ser feita, naturalmente, a partir de determinada fase do percurso escolar, quando

os educandos já tiverem alcançado certo grau de letramento, capaz de lhes permitir empreender

este projeto de teorização/investigação. Isto porque, é preciso primeiro saber falar, ler e escrever

bem para depois estudar o funcionamento da língua de um modo consciente, sistemático e

técnico.

Segundo Soares (1998), existe uma diferença entre os conceitos de alfabetização e

letramento. É importante trazer essas duas conceituações para o presente trabalho, pois, para

Bagno (2003), ela é relevante, na medida em que ele utiliza o conceito de letramento imbricado

no conceito de educação linguística:

A alfabetização é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever. A

alfabetização se ocupa da aquisição da escrita, por um indivíduo ou

grupo de indivíduos. É o processo pelo qual se adquire o domínio de

um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o

domínio da tecnologia, técnicas para exercer a arte e ciência da escrita.

A alfabetização é um processo no qual o indivíduo assimila o

aprendizado do alfabeto e a sua utilização como código de

comunicação. Esse processo não se deve resumir apenas na aquisição

dessas habilidades mecânicas (codificação e decodificação) do ato de

ler, mas na capacidade de interpretar, compreender, criticar e produzir

conhecimento. A alfabetização envolve também o desenvolvimento de

novas formas de compreensão e uso da linguagem de uma maneira

geral. Ela tem sido entendida tradicionalmente como um processo de

ensinar e aprender a ler e escrever, portanto, alfabetizado é aquele que

62

lê e escreve. A alfabetização de qualquer indivíduo é algo que nunca

será alcançado por completo, ou seja, não há um ponto final. A

realidade é que existe a extensão e a amplitude da alfabetização no

educando, no que se diz respeito às práticas sociais que envolvem a

leitura e a escrita. Nesse âmbito, muito estudiosos discutem a

necessidade de se transpor os rígidos conceitos estabelecidos sobre a

alfabetização, e assim, considerá-la como a relação entre os educandos

e o mundo, pois, este está em constante processo de transformação. O

termo letramento tem sido utilizado atualmente por alguns estudiosos

para designar o processo de desenvolvimento das habilidades de leitura

e de escrita nas práticas sociais e profissionais. Por que esse termo

surgiu? Segundo alguns autores, a explicação está nas novas demandas

da sociedade, cada vez mais centrada na escrita, que exigem

adaptabilidade às transformações que ocorrem em ritmo acelerado,

atualização constante, flexibilidade e mobilidade para ocupar novos

postos de trabalho. Os defensores do termo "letramento" insistem que

ele é mais amplo do que a alfabetização ou que eles são equivalentes.

Letramento é uma tradução para o português da palavra inglesa literacy

que pode ser traduzida como a condição de ser letrado. A palavra

letramento ainda não está dicionarizada, porque foi introduzida muito

recentemente na língua portuguesa, tanto que quase podemos datar com

precisão sua entrada na nossa língua, identificar quando e onde essa

palavra foi usada pela primeira vez. (p.25-27).

Diante do exposto, pode-se dizer que um aluno pode ser alfabetizado, mas não letrado,

ou um adulto é analfabeto, mas letrado. Soares (1998, p. 76) exemplifica:

Se sua avó, por exemplo, não teve oportunidade de aprender a ler e

nem escrever, contudo, convive em um ambiente que propicia práticas

sociais em que a leitura e escrita estejam presentes, como: ela ouve

noticiários na televisão, sabe que ônibus deve tomar para voltar para

casa e participa e discute com todos sobre tudo o que está acontecendo

ao redor do mundo com muita desenvoltura. Já seu neto foi muito bem

alfabetizado na escola, sabe ler e escrever, porém, não faz uso algum

das práticas de leitura e escrita, pouco ou nada sabe sobre quaisquer

tipos de unidade temática que possa vir a ser discutida, só podemos

concluir que a avó é analfabeta, mas letrada e o seu neto é iletrado,

porém, alfabetizado.

Deve-se, consequentemente, ter muito cuidado para não confundir esses conceitos –

alfabetização e letramento. Pode-se cair na desinformação do senso comum. Ler e escrever são

apenas um pequeno passo e que sua evolução na condição de letrado, como aquele que detém

uma educação linguística plena, dá-se por meio de práticas sociais que abranjam essas ações

das quais um indivíduo deve apropriar-se da leitura e da escrita de maneira constante.

63

Além do mais, diante da impossibilidade de encontrar todas as respostas em um único

lugar, compete ao sistema escolar – professor de LM – criar condições para que os indivíduos

possam, efetivamente, produzir seu próprio conhecimento linguístico, aprendendo a praticar a

investigação/teorização sobre os fatos da língua e da linguagem.

Afinal, o que propõe Bagno (2003) para que se viabilize essa nova teoria linguística

frente ao ensino e aprendizagem da GT e da NP? Primeiramente, uma crítica dos métodos

atuais de ensino da língua, criando, simultaneamente, uma série de novas exigências

pedagógicas.

É inquestionável que a universidade, enquanto ente formador de professores de línguas,

através das Faculdades de Letras, deve responder a tais exigências, renovando a metodologia

de formação, abrindo mão da zona de conforto, de concentrar-se na transmissão para estimular

o conhecimento dinâmico da língua em toda sua diversidade (Bagno, 2003, p.104).

Concomitantemente, a formação do professor de LM deve dar sua contribuição no

sentido de dissipar toda uma série de mitos e preconceitos sobre a língua, que criam uma

ideologia linguística conservadora e retrógrada, responsável pela situação de aguda autoaversão

linguística que se constata entre os brasileiros, até mesmo entre aqueles falantes

sociolinguisticamente tidos como cultos.

O grande foco de interesse da prática pedagógica e de pesquisa do professor de língua

deveria ser, consequentemente, este: o conhecimento mais profundo da variação linguística dos

alunos e das consequências sociais desta variação – isso não tem de relacionar-se com supostos

valores intrínsecos das diferentes variedades linguísticas, mas sim com certos fenômenos

sociológicos que conduziram à valorização e à atribuição de valoração de prestígio a certas

formas linguísticas, entendidas como aquelas que aparecem com os falantes das camadas

sociais dominantes.

A questão de letramento, conforme se viu pela conceituação de Soares (1998, p.25-27)

exigiria um investimento maior por parte dos professores, em suas práticas pedagógicas e seus

interesses, enquanto pesquisadores. Isto demandaria uma dedicação cada vez maior às

atividades de leitura e escrita e uma necessária reformulação do ensino de gramática em seus

moldes normativos e tradicionais. Ou, em outras palavras, o enfoque seria pela educação

linguística, como ato de pesquisar a língua.

Bagno (2003, p.81), finalmente, perora seu discurso neste trabalho apresentando um

gráfico (figura 1 abaixo), no qual exemplifica, de maneira detalhada, o que seja relevante sobre

a questão ora em foco (oralidade, língua falada e língua escrita e, finamente, a educação

64

linguística – processo fragmentador na atual sociedade com todas suas consequências), numa

tentativa de descrever o que é, nesta proposta, o ABC do ensino de língua na escola:

Figura 1 - O ABC do Ensino de Língua

Fonte: BAGNO,2003, p.81

O plano (A) representa o embasamento científico, os grandes campos de teorização

sobre a linguagem que, entrelaçando-se e indo em direção do processo ensino/aprendizagem,

devem subsidiar e compor os saberes e a formação do educador de língua materna. Já no plano

(B) vemos os quatro motores principais que, na proposta de Bagno (2003), devem impulsionar

o ensino/aprendizagem da língua na escola: (i) o estudo da variação linguística, (ii) a prática da

reflexão linguística sistemática e consciente (através da pesquisa), (iii) o constante

desenvolvimento, ininterrupto das habilidades de leitura e escrita (conjugadas também com as

práticas de oralidade) e (iv) o estudo dos gêneros textuais (orais e escritos).

Retroalimentando-se das contribuições teóricas e práticas das grandes áreas da ciência

linguística, estes quatro motores conduzirão a seu objetivo maior: a criação incessante de

condições para a educação linguística dos educandos. Sabendo que a educação linguística não

é um produto acabado, final, mas é um processo ininterrupto, o plano (C) projeta-se para o alto

e para longe, para além da escola e para dentro da vida do indivíduo e da vida da sociedade da

qual ele participa.

65

Fazendo uma analogia com uma árvore, pode-se dizer que em (A) tem-se as raízes de

onde provém o alimento, em (B) o tronco que dá a sustentação, e em (C) a copa que se expande

para os lados e para o alto, florescendo e frutificando-se ao longo de toda a vida.

Pode-se constatar que, diante do exposto, Bagno (2003), mostra que está em sintonia

com as diretrizes propostas pelos PCN´s nacionais quanto ao ensino da língua materna, que

privilegia a oralidade, o não preconceito linguístico, e sim a diversidade linguística trazida pela

clientela escolar nas escolas. A escola, enquanto entidade que ensina e preserva a língua,

deveria se espelhar nos novos estudos linguísticos modernos, para repensar o método como

trabalha o sistema de ensino e aprendizagem, para, com esta nova estratégia, desempenhar seu

papel de partilhadora de conhecimentos e saberes, especialmente para com as classes populares

que necessitam e devem ter seus direitos linguísticos respeitados e valorizados.

Todavia, deve-se ter em mente que os PCN´s têm seus detratores. Segundo Costa (2012),

o que ocorre é que, por tratar-se de uma proposta governamental imposta pela política

neoliberal, ela visaria a arregimentar mão-de-obra barata e qualificada para o mercado, sem se

importar com outros aspectos, tais como: ser humano em sua totalidade, sua história pessoal,

sua cultura, etc. Costa (2012) relata que nos meios acadêmicos, inúmeros críticos teceram

críticas aos PCN´s, denunciando o caráter político ideológico contido em suas propostas. Talvez

a mais incisiva delas tenha sido a organizada pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte,

em 1997, intitulada "Educação Física Escolar Frente à LDB e aos PCN´s: Profissionais

analisam renovações, modismos e interesses".

Os PCN´s, de acordo com Costa (2012) definiriam a função social da Escola como a

inserção dos jovens no mundo do trabalho através da apropriação e reconstrução crítica e

construtiva dos conhecimentos socialmente produzidos. Costa (2012) critica esta função por

não questionar o mundo do trabalho capitalista nem contribuir, segundo ele, para "formar um

novo homem para construção da sociedade socialista" (p.39).

Perguntas que devem ser feitas aos PCN´s, pois toda política quer educacional ou não,

traz, em seu bojo uma ideologia: quais as soluções educacionais propostas, efetivamente, por

eles? Eles contribuem para a negação da diversidade no ambiente escolar? Se sim, como?

Existem obstáculos para sua implantação no âmbito escolar?

66

2.3. No espaço do trabalho discursivo, alternativas são possíveis

... passemos da vida cotidiana da escola real para os sonhos da escola

possível. Também as utopias têm seu lugar na história ...

(Mário A. Manacorda 1915-2013)

Navigare necesse; vivere non est necesse3

(Navegar é preciso, viver não é preciso)

(Pompeu, General romano)

Desconfiar da gramática é o primeiro requisito para filosofar

(Ludwig Wittgenstein 1889-1951)

Geraldi (2006), com seu livro Portos de Passagem, faz outro contraponto ao tema deste

trabalho – Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa como diálogo de saberes - isto é, dá

achegas de como se dá a perigosa entrada do texto para a sala de aula, e elabora um livro vivo,

porque vivido. Perigosa, para Geraldi, pois haverá o confronto entre a realidade linguística do

aluno – no caso a oralidade, e a língua escrita, sob a forma de texto, com suas regras e preceitos.

Cada página denuncia e emana experiência de alguém que soube vivenciar o que escreve. Os

muitos anos de trabalho como professor, desde quando era bancário no Rio Grande do Sul, até

conferências, livros, e textos, como Mestre e Doutor na UNICAMP - Universidade Estadual de

Campinas - ficou registrado como processo e convite para que a caminhada continue, ou, em

outras palavras: “Navegantes, navegar é preciso”.

Geraldi (2006, p.168) foca uma importante discussão sobre como, no trabalho

discursivo desenvolvido em sala de aula com a LP, pode-se chegar à educação linguística, a

exemplo de Bagno (2003) que acabou de contribuir, enquanto teórico, para a discussão sobre

língua falada versus língua escrita. Como o autor (2006, p.115-189) acentua, há a perigosa

entrada do texto para a sala de aula, motivando o embate, o choque entre o encontro do mundo

textual com a clientela das classes populares que estão adentrando as escolas públicas.

Basicamente, Geraldi (2006) vislumbra o confronto com o vivenciado, ao contemplar

uma discussão teórica sobre as consequências de se assumir uma determinada concepção de

linguagem; a compreensão dos problemas que caracterizam a eterna crise do ensino da língua,

a partir da definição do professor como produtor ou reprodutor do conhecimento; e, finalmente,

3 Frase de Pompeu, general romano, 106-48 A.C., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar

durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu.

67

a tematização das práticas de produção e leitura de textos, e das reflexões sobre a linguagem,

sendo esta última que interessa. (p.117)

Segundo Geraldi (2006, p.113), “largas camadas da população, antes marginalizadas,

culturalmente, com a redemocratização do país (1985), tiveram acesso inicial ao ensino

fundamental público.” Dentro das camadas sociais de classe média, tradicionais clientes das

escolas de ensino público, inseriram-se, portanto, outra, de outro grupo social, as classes

populares, entendidas como aquelas economicamente desprivilegiadas.

Professores da denominada “elite cultural” e alunos desta elite nunca tiveram problemas

com o aprendizado, pois todos aprendiam. Isto porque se falava uma mesma língua, um mesmo

código, ou seja, a língua padrão era dominada por todos. Todavia, entre os anos de 1970/1985,

há o crescimento populacional escolar, nas escolas públicas de São Paulo, que foi, segundo

Geraldi (1997, p.116), da ordem de 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) crianças. Disto

resultou a contratação de mais professores, muitos sem qualificação.

Não se deve esquecer que, ainda nesta época, valorizavam-se a disciplina e a

cavilosidade burocrática em detrimento da iniciativa pessoal. Segundo Elias (1994, p.45) em

seu ensaio sobre o processo civilizatório, utilizado por Boto (1997, p.76), institucionalmente, a

acepção de escola tem como características a racionalidade, a organização, a codificação de

saberes e de valores, o sistemático recurso à abstração, que muito a aproximam das imagens da

cultura letrada. De fato, a categoria "civilização escolar" parece-nos operatória para reconstituir

alguns aspectos internos à vida nas escolas. Nesse sentido, tal conceito (civilização) considera

não apenas o caráter inventivo da cultura escolar e das práticas que originalmente são

produzidas no cotidiano da instituição, mas supõe também o caráter de projeto social

pressuposto na tarefa de escolarizar. Civilizar é indicar um caminho dirigido a um telos

(objetivo); e a escola é uma forma específica de civilizar. Cunhado no século XVIII, o próprio

termo civilização carrega em si uma dupla pretensão: por um lado, trata-se de uma proposta

universal. Além disso, há uma ideia de progressivo aperfeiçoamento, de modo que a civilização

não é apenas um estado, mas é também um movimento.

A cultura da instrução, que se institui para a infância pela escola, virá ancorada a um

intento de representação do mundo, que buscará construir imagens acerca da realidade,

consideradas apropriadas para as crianças. A escola pretende, com isso, direcionar o olhar e

construir visões de mundo compatíveis com o mundo que a abriga. Trata-se, então, de produzir

o efeito primeiro do acatamento das normas sociais vigentes.

Os professores, assim como a escola, deverão trabalhar com a formação de saberes e de

valores, necessariamente. Primeiramente, o ensino fundamental supõe, como é óbvio, o

68

aprendizado de conteúdos concernentes à cultura letrada; mas a escolarização propicia também

o exercício de nossas relações com os outros. A criança que chega à escola encontra ou

reencontra nela, sua própria identidade; com nome e sobrenome. Ela já possui vivências e

experiências anteriores. Ali ela representa, sim, sua linhagem familiar; e paradoxalmente está,

até certo ponto, liberada dela. Isso é pedagógico. A rotina da escola possibilita o convívio entre

os iguais. Há cumplicidade entre crianças da mesma idade; há também rivalidades, desavenças,

afeições e desafetos. Tudo isso também é educativo: um contínuo aprendizado de equações dos

conflitos inerentes à sociabilidade humana.

A tarefa civilizadora da escola seria, sob qualquer aspecto, preventiva contra a barbárie.

A acepção de barbárie, por sua vez, remonta a uma concreta possibilidade, sempre à espreita

no mundo das culturas: "a barbárie existe em toda parte em que há uma regressão à violência

física primitiva, sem que haja uma vinculação transparente com objetivos racionais na

sociedade, onde exista, portanto, a identificação com a erupção da violência física" (Adorno,

1995, p.159). A escola é a instituição que se dá a ver como lugar primeiro do cultivo da

racionalidade: seja uma racionalidade no campo dos saberes, seja uma dada acepção sistemática

de compreensão do domínio da ética. Para tanto, a escola expõe seus conteúdos como se eles

fossem unívocos, pois é marca da civilização a aparência de uniformidade. Sucede que a escola

autocompreendida como civilizadora nomeia claramente os supostos bárbaros que não a

acompanham. Por não falar ou compreender nossa língua, o bárbaro causa estranheza e

suspeição; devendo, por tais razões, "ser mantido longe ou submetido" (Cohn, 2004, p.84). O

trabalho com a civilidade é, nesse sentido, um artefato da civilização. Apreender com alguma

objetividade o conceito de civilização não é, todavia, tarefa fácil. Como alerta Wolff (2004), há

armadilhas na ideia:

(...) diz-se “civilização ocidental” para designar um conjunto tão vasto

quanto indeterminado no espaço e no tempo. Em última instância, uma

civilização é algo tão amplo que nos referimos a ela no singular, a

civilização, como se houvesse só uma. O bárbaro é, então,

evidentemente, simplesmente, aquele que está sem civilização ou fora

da civilização. (p.24)

Em síntese, dentro deste esboço de se levar a criança ao processo civilizatório,

considerando-a como uma bárbara, que não sabe falar sua própria língua, a escola, atualmente,

adota a estratégia do ensino que começa pela síntese, pelas definições, pelas generalizações,

69

pelas regras abstratas. Isto leva à mecanização da palavra, fazendo-a descer de sua natural

dignidade, para transforma-se em uma idolatria automática do fraseado.

Ou, em outras palavras, confunde-se estudar a língua com estudar

gramática, e gramática, tal qual de ordinário se cursa nas escolas, não

só não interessa à infância, não só, enquanto aos beneficiários que se

lhe atribuem, se reduz a uma influência totalmente negativa, senão que

onde atua, positivamente, é como elemento de antagonismo ao

desenvolvimento intelectual do aluno (Geraldi, 2006, p.119).

Em razão disto, privilegia-se o aprendizado da metalinguagem da linguagem, ou na

melhor das hipóteses o aprendizado de exercícios estruturais de aplicação de noções e

categorias. Todavia, é de definições, classificações, preceitos dogmáticos que se entretece todo

nosso ensino. Assim, redunda numa influência totalmente negativa ao pespegar à criança a ideia

de não sabem sua língua pátria, o português.

Geraldi (2006) ainda insiste:

Todo aluno que vem à escola, traz consigo, sem consciência de tal, o

conhecimento prático dos princípios da linguagem, o uso dos gêneros,

dos números, das conjugações, e, sem sentir, difere as várias espécies

de palavras (morfologia). É a chamada gramática natural, o sistema de

regras que formam a estrutura da língua, e que os falantes interiorizam

ouvindo e falando (p.119).

Em razão disto, interessa ensinar a língua e não a gramática, visto que esta deve

constituir um dos meios para se chegar ao objetivo daquilo que se quer atingir. Isto se justifica

na medida em que não se irá desestimular o aluno a adentrar nos mistérios da língua.

A partir da produção de um menino, cujo tema é a própria escola (Geraldi, 1997, p.140),

o autor, que é uma criança curiosa e interessada, abre o texto como se desmontasse um

brinquedo (coisa séria, no mundo infantil), e mostra o jogador no seu jogo, tudo o que há nele

das disciplinas, das regras de poder, das marcas sociais. E descobre a ausência de um sujeito

“que se coloca”, o vazio do ponto de vista daquele que fala. Eis o texto:

A ESCOLA

a secola é bonita e lipa e não pede traze chiclete e não pe de de traze

ovo naora do lache tem muitascoza no lache e não po de repiti e tem

muitajeteque repétenoloche e trazemateriau na secola e senão

aprofesora da chigo.

70

(de um aluno de 1ª. Série, outubro/89, periferia da cidade de São Paulo).

De acordo com Geraldi (2006, p.122), embora haja uma dificuldade do autor plenamente

justificável, em manusear estratégias para realizar seus intentos, se está diante de um texto.

Analisando-o mais detidamente, tem-se como condições para se produzir um texto:

a) Ter o que dizer: a sequência de afirmações do aluno articula sua

visão da escola e experiências nela vividas:

1. A escola é bonita e limpa.

2. Não pode trazer chiclete para a escola.

3. Não pode trazer ovo para o lanche na escola.

4. Na hora do lanche, há muitas coisas no lanche.

5. Não pode repetir o lanche.

6. Tem muita gente que repete o lanche.

7. É preciso trazer o material para a escola senão a professora dá

xingo.

b) Ter uma razão para dizer o que se tem a dizer,

c) Se tenha para quem dizer,

d) Se constitua como locutor que se compromete com o que diz,

e) Escolha das estratégias para se chegar a ser entendido.

Tendo estes questionamentos e considerações preliminares, Geraldi (2006, p.140),

elenca no que se refere à transposição do mundo oral para o escrito que: a) o movimento entre

produção e leitura é para nós um movimento que vem da produção para a leitura e desta retorna

à produção (ao inverso do que costumam ser as práticas escolares tais como aquelas propostas

pelos livros didáticos); b) a entrada de um texto para a leitura em sala de aula responde a

necessidades e provoca necessidades; estas necessidades tanto podem ter surgido em função do

que temos chamado ter o que dizer quanto em função das “estratégias de dizer”; c) a leitura,

sendo também a produção de sentidos, opera como condição básica com o próprio texto que se

oferece à leitura, à interlocução; neste sentido são as pistas oferecidas pelo texto que levam a

acionar o que lhe é externo (por exemplo, outros textos lidos anteriormente). Do ponto de vista

pedagógico, não se trata de ter no horizonte a leitura do professor ou a leitura historicamente

privilegiada como parâmetro de ação; importa, diante de uma leitura do aluno, recuperar sua

caminhada interpretativa, ou, em outras palavras, que pistas do texto o fizeram acionar outros

conhecimentos para que ele produzisse o sentido que produziu.

E é na recuperação desta caminhada que cabe ao professor mostrar que alguns dos

mecanismos acionados pelo aluno podem ser irrelevantes para o texto que se lê, e, portanto, a

71

sua “inadequada leitura” é consequência deste processo e não porque não se coaduna com a

leitura desejada pelo professor.

Uma vez criadas as condições para as atividades interativas efetivas em sala de aula,

quer pela produção de textos, quer pela leitura de textos, é no interior destas e a partir destas

que a análise linguística se dará.

Geraldi (2006, p.189) enfatiza que entende como análise/educação linguística o

conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem enquanto objeto: o fato

de ela poder remeter a si própria, ou seja, com a linguagem não só falamos sobre o mundo ou

sobre nossa relação com as coisas, mas também falamos sobre como falamos. Estas atividades

têm sido reservadas as expressões atividades epilinguísticas ou atividades metalinguísticas. Em

outras palavras, ensinar a língua não é ensinar metalinguagem, através da GT.

Isto porque o quadro dentro do qual as operações discursivas fazem sentido demanda

que, só na medida em que há razões para constituir relações interlocutivas é quando se dá a

formulação de textos, nos quais universos de referência são gerados. As operações discursivas

são, então, atividades de formulação textual.

Resumindo, o que Geraldi (2006) propõe é que, partindo-se o ensino de LP através de

uma Gramática Textual e não da GT, partindo do pressuposto de que todos os alunos que

adentram a escola pública já trazem uma gramática internalizada. Com isto, poderemos fazer a

passagem do texto para a sala de aula sem traumas e sofrimentos, tanto na modalidade de leitura

e escrita. Isso caso se adote uma nova postura, não considerando o aluno como um bárbaro que

deve ser civilizado, domestificado, que desconhece o próprio idioma, mas sim como alguém

que merece ser respeitado em seu falar, sujeito aprendente e detentor de saberes.

72

2.4. A defesa da GT e da NP segundo Barbosa Lima Sobrinho (Defesa da Língua e

Unidade Política do Brasil)

A Gramática Portuguesa devemos estudá-la muito. Porque ela é quem

ensina por ser das regras o conjunto ou na fala ou na escrita, embeleza

todo assunto.

(Barbosa Lima Sobrinho em “A Língua Portuguesa e a unidade do

Brasil “(SOBRINHO,2000, p.94)

Chegou o momento de dar-se atenção aos outros interlocutores deste trabalho – os

defensores da GT e da NP - entendidas como o ideal de língua correta, que se baseiam na

tradição normativa (descritivo-prescritivo) e por serem defensores das chamadas variedades

cultas, ou seja, de usos linguísticos efetivos, empiricamente verificáveis na atividade verbal dos

falantes cultos, e dos livros de literatura tidos como clássicos da Literatura Brasileira - LB.

Sobrinho nasceu em 1897 em Recife e faleceu em 2000 no Rio de Janeiro, embora fosse

jornalista e advogado por profissão, e não educador, resolveu adentrar nesta temática. Como

escritor, publicou um livro na área de linguística, intitulado: A língua portuguesa e a unidade

do Brasil (2000). Este livro, enquanto objeto de contraponto, deve ser cotejado com as opiniões

divergentes apontadas no transcorrer deste trabalho, daqueles que defendem o ensino da LP em

um primeiro momento sob a forma da oralidade, e, em um segundo momento, chegando-se à

educação ou análise linguística, especialmente Bagno (2003), e Geraldi (2006). Também se

contrapõe a esta escola de tradição normativa a pedagogia dialógica de matiz poiético ou

pedagogia poética de Bordelois (2005) e Antonio (2013). Assim sendo, dar-se-á escuta a

Bechara (2001) que compartilha desta filosofia linguística com Sobrinho (2000).

Através dos referenciais teóricos de Sobrinho (2000) e Bechara (2001), tentar-se-á

verificar a hipótese se, no universo escolar moderno, os (as) professores (as) de LP não

continuam comungando de seus ideários no sentido de que, no confronto entre o ensino da

língua falada e língua escrita, a escrita, através da GT deve preponderar e ser ensinada, em

detrimento da oralidade.

Sobrinho (2000, p.55) faz ponderações sobre o conceito de língua e dialeto, com

definição sobre os mesmos, mostrando que, no transcorrer da formação linguística da língua

portuguesa brasileira, não ocorreu uma dialetização da língua trazida de Portugal, mas sim

acréscimos e enriquecimentos das línguas tupi-guarani, dos dialetos africanos, assim como das

línguas dos imigrantes que aqui vieram no transcorrer da história do país, em especial no final

do século XIX.

73

Existe uma ideologia de inculcação, de cimento da nação, de uma unidade nacional

forçada, que subjaz ao livro, visto que Sobrinho (2000) afirma cabalmente que:

Entre os meios de ação, para o trabalho necessário de unificação da LP

no Brasil, no sentido de um idioma comum ao mundo português, eivado

de erros, o primeiro elemento é a ação da escola primária. È pelo ensino

da língua, inicialmente e, em seguida, por meio de todos os outros

ensinos, que o professor age e sempre no mesmo sentido: a fabrica as

semelhanças de que resulta a comunidade de consciência, que é o

cimento da nação. (p.235)

Sobrinho (2000, p.45) diz que, “privada da direção de uma língua literária, privada do

freio e da orientação da escola, a linguagem popular precipita sua evolução, no sentido de uma

diferenciação, que pode chegar muito perto da anarquia linguística, como um caminho certo

para a Babel”. Embora também fosse exagerado pretender que a língua literária ignorasse, ou

desprezasse a evolução da linguagem popular. O que faz, aliás, o interesse do fenômeno

linguístico é justamente esse jogo de forças e de influências, comparadas às forças centrípetas

e centrífugas da mecânica. Umas tendendo à conservação do idioma, através das escolas, das

condições de admissão aos empregos públicos, da influência de uma literatura comum e da ação

de uma grande metrópole, centro de atração e, sobretudo, de irradiação do idioma comum. As

forças centrífugas traduzidas pela tendência no sentido da fragmentação do idioma, sob

influência de regiões, de meios sociais, de profissões diferentes, de fatores até mesmo

individuais.

Verifica-se, através desta afirmação de Sobrinho (2000, p.45), que existe uma ênfase

toda especial na valorização da língua literária que, sendo considerada como a escorreita, a

nobre, teria primazia sobre a oralidade do povo, ao escolher o que seria a língua comum. Os

professores de LP parecem que também comungam deste ideário, ao não acolher a oralidade

dos alunos. Essa hipótese será validada ou não na pesquisa de campo.

Sobrinho (2000, p.48) é peremptório ao afirmar que, em havendo a prevalência da língua

falada sobre a escrita, o que ocorreria:

Se tomássemos como referência a língua falada e não a escrita, como

forma de padrão e de bem falar, teríamos que concluir pela

diferenciação e pela fragmentação das línguas comuns. Mas esse

raciocínio nos levaria, também, muito adiante de nossas intenções, pois

que chegaria ainda à conclusão de que não possuímos uma linguagem

padrão. Os que analisam a língua falada, não podem deixar de ver, na

74

sua substância, uma participação mais ativa não só dos meios sociais,

como do próprio indivíduo.

A escola, para os gramáticos tradicionais, é a âncora de salvação para a perpetuação da

existência da GT e para que a norma padrão seja imposta, sem se importar com o aspecto da

oralidade que o aluno traz para ela. Entre os meios de ação, para o trabalho necessário de

unificação (do país) no sentido de um idioma comum ao mundo português, o primeiro elemento

é a ação da escola primária. Por isso, Sobrinho (2000, p.237) enxergava na língua da escola o

idioma do futuro e encontrava no professor o artesão mais ativo da extensão das novas línguas

comuns.

Outras influências se fazem sentir, na mesma orientação. No interior, por mais

longínqua que seja a localidade, há, ainda, além da escola, o vigário, o promotor público, o

funcionário municipal, os que sabem ler e influem na linguagem oral pelas conversas e através

da leitura de jornais, com as notícias das capitais. As estações de rádio locais e os jornais do

interior cooperam neste trabalho de difusão da linguagem culta, chegando a resultados que se

nos afiguram surpreendentes, quando consideramos o rápido declínio dos falares regionais. No

fundo, é ainda a escola, ou mais rigorosamente, o ensino, a exercer a sua missão natural, através

dos elementos que a frequentaram. Esse ensino exerce duas funções essenciais: aproxima-nos

do falar culto de Portugal e de sua língua correta da metrópole que colonizou a terra brasileira

e age como força unificadora dentro do país (Brasil) e que deveria ser adotado no país.

O que se constata com a afirmação de Sobrinho (2000, p.237) é que, segundo ele, deve-

se haver uma unificação do falar, através da escola, e, com isso, espera-se um rápido declínio

dos falares regionais. O falar culto, da escola e outros órgãos da sociedade que primam pela

unidade linguística (vigário, promotor público, etc) deve sobrepor-se à oralidade de alunos e da

população, para que haja o que ele já mencionou como o cimento da nação.

Outro aspecto, além da escola, ressaltado por Sobrinho (2000) é a uniformidade dos

livros escolares, ou o fato de não divergirem as gramáticas umas das outras, que é um elemento

poderoso de ação unificadora. O sentimento que faz repelir um estrangeirismo inútil não muda

de aspecto, ou de sentido, quando se manifesta no Brasil. Neste aspecto, a escola e os livros

escolares agirão apagando, ou combatendo as diferenciações regionais, difundindo o padrão

que corresponde à tradição e ao uso mais frequente dos meios, já não se pode dizer letrados,

mas ao menos alfabetizados. Sobrinho (2000, p.255), já ensinava que

a instrução e a educação, hoje muito mais difundidas e mais exigentes,

vão combatendo com êxito o velho caipirismo, e já não há nada tão

75

comum como se verem rapazes e crianças, cuja linguagem divirja

profundamente da dos pais analfabetos”. São os filhos alfabetizados que

corrigem a linguagem inculta dos pais, dentro de seus próprios lares.

A presença das Academias de Letras do Brasil (ABL) enquanto órgãos de coerção do

padrão da norma culta e de controle é outro ponto defendido por Sobrinho (2000, p.238). Diz

ele:

prefiro a presença das Academias que já existem, sem outros poderes

que o de associações culturais, quando muito servindo também como

órgãos consultivos das entidades governamentais. Prefiro a presença

das faculdades de filosofia, cada vez mais empenhadas no estudo do

idioma, sob critérios que se tornam dia a dia mais seguros, sob a égide

de uma investigação de índole científica.

A base vocabular merece atenção especial no trabalho elaborado por Sobrinho (2000) a

favor da língua. Quais vocábulos devem ser aproveitados da LP? A matéria está longe de ser

pacífica. Ao contrário, cada um de seus aspectos abre margem a debates intermináveis.

Imagine-se, por exemplo, a questão: qual o tipo de linguagem que deve ser tomada como

modelo? A literária? A escrita? A falada? Qual tipo da linguagem falada? A popular? A culta?

A aristocrática? Sobrinho (2000) é peremptório ao afirmar: “Imagine-se, por exemplo, a

quantidade enorme de corruptelas de uso popular, os carnavá (por carnaval), os arcos (por

álcool), etc. Se o dicionário os quiser abranger a todos esses tipos ou distorções de cada palavra,

tomará proporções imensas, a que não corresponde uma utilidade evidente” (Sobrinho, 2000,

p.249). Com isto ele já mostra sua predileção, também, pela linguagem escrita literária e não

pela linguagem falada, chamada por ele de corruptelas de uso popular. Interessante levantar,

mais uma vez a questão: os professores (as) de LP não adotam essa postura no ensino da língua?

Mais uma hipótese a ser verificada por ocasião da pesquisa de campo com os (as) educadores

(as) de LP.

76

2.5. Evanildo Bechara ou a defesa intransigente do ensino da língua culta contra o

liberalismo linguístico

Devemos levar o aluno a falar melhor com os melhores.

(Evanildo Bechara em “A Sobrevivência da Língua Culta”)

Bechara (2000), famoso gramático de LP, assim como componente da ABL terá

oportunidade de, novamente, manifestar-se sobre a temática. Nascido em Recife em 1928,

professor, gramático e filólogo, foi eleito para a cadeira 33 da ABL em 11 de dezembro de

2000, na sucessão de Afrânio Coutinho. Como sua obra, enquanto gramático, é extensa, optou-

se por ouvi-lo, tomando-se por base uma pequena parte de seu discurso de posse na ABL,

intitulado A Sobrevivência da Língua Culta.

Bechara (2000) já teve oportunidade, no início desta dissertação de emitir sua opinião

acerca do conceito de língua. Nesta ocasião, chegou a tratá-la sob duas vertentes: a língua

histórica e a língua funcional na página 33. Também, como se viu, não referendou o pensamento

daqueles que consideram as regras do bom português uma espécie de "ferramenta de opressão".

Este detalhe faz dele um típico representante de postura política pedagógica conservadora.

Ora, tomando-se sua postura política e pedagógica de cunho notadamente conservadora,

ele manifesta-se pela necessidade da vigência da hierarquização e da normatividade da LP.

Neste discurso, Bechara (2000) faz sua profissão de fé, pois ela é forte e escancara de maneira

meridiana seu posicionamento enquanto defensor da sobrevivência da língua culta:

“Eu tinha dito que esses erros e confusões teóricas existentes em

algumas correntes da linguística moderna procedem da concepção

positivista vulgar da linguagem e da linguística como, por exemplo, o

privilegiamento da língua falada, da língua primária, espontânea e

usual, como natural e livre sobre a língua exemplar, a língua culta, a

língua padrão e a sua forma literária considerada, tanto a língua

exemplar como a língua literária, artificiais e impostas pela classe

dominante”.

Somente uma observação: como ele diz no final, defende a língua oral e escrita “cultas”,

pressupõe que compartilhe do ideário de que a oralidade e outras formas de falar sejam

inferiores.

Bechara (2000) trata da gramática normativa, norte de seu trabalho, enfatizando que a

língua literária é o suprassumo da língua de um país, pois representa a “dimensão do dever ser

da língua”:

77

Todavia, na boa teoria, a língua literária representa o mais alto grau da

dimensão deôntica da linguagem, a dimensão deôntica é a dimensão do

dever ser da língua, e a gramática normativa é a manifestação

metalinguística, isto é, a metalinguagem é o estudo da língua, de uma

língua, da cultura, do espírito objetivado na história, a linguagem é uma

atividade livre e manifestação da liberdade criadora do homem.

Em seguida fala sobre liberalismo linguístico que, à época, estava sendo defendido por

Bagno (2002) já referendado e citado nas páginas anteriores, através do conceito de Preconceito

Linguístico. Na verdade, é uma crítica acerba contra o que ele denomina vale tudo na

linguística, isto é, cada um fala a seu talante, não necessitando de regras a serem seguidas:

Esse liberalismo linguístico, pretensamente democrático, é altamente

discriminatório porque encarcera o estudante nos limites da

potencialidade expressiva de que se reveste toda a língua histórica,

ignorando a dimensão deôntica do falar melhor e com os melhores,

afastando da cultura maior da nação. Parafraseando Ortega, citado por

Eugênio Coseriu, eu diria que muito pior do que as normas rigorosas é

a ausência de normas, que é a barbárie.

Também quanto à questão da barbárie linguística no ensino da LP, isso já foi comentado

à página 70, cabe uma reflexão, quando Boto (1994) e Elias (1994) falam e denunciam

claramente uma civilização escolar, objeto da escola que pretende uniformar, homogeneizar o

falar dos alunos dos estratos populares que veem à escola. A bem da verdade, a pretensão de

BECHARA (2000) é esta: como existe uma barbárie linguística, deve-se, através da escola,

enquanto aparelho ideológico da classe dominante, civilizar essa clientela, para que fale e

escreva de maneira civilizada. Seria isso o que norteia o (a) professor (a) de LP em sua

docência? A ideologia deste teórico teria vencido o respeito pelo contrário, pela oralidade do

aluno, a ponto de considerarem o aluno como um bárbaro a ser conquistado e não respeitado?

E a construção do diálogo de saberes no processo de ensino e aprendizagem da LP tão

necessária nos dias atuais, não existiria?

Bechara (2000) é ainda muito incisivo na crítica ao estado do ensino de português no

Brasil em razão de seu métier enquanto gramático. Ele critica o fato de que, por influência de

certas teorias equivocadas da sociolinguística, a educação brasileira estaria se deixando levar

por uma exaltação impensada da língua espontânea ou “popular”. Em seu entendimento, os

sociolinguistas (crítica velada a Bagno,1997) creem que ensinar a língua-padrão é uma forma

de preconceito social. Isso, na opinião de Bechara é um erro, pois o domínio da norma padrão

78

é parte essencial da competência linguística do falante. Neste diapasão, ele pontua: “devemos

(enquanto escola e educadores) levar o aluno a falar melhor com os melhores” (Bechara, 2000).

Nesta visão de mundo, quem seriam esses “melhores” que vão servir de modelo? Nesta

frase já não há um juízo de valor sobre o que seja a NP e seu tentáculo social, a GT? Além

disso, se é possível falar em “melhores” é porque, certamente, nessa visão de mundo, existem

aqueles que falam “pior” e, por conseguinte, são os “piores” dentro do universo linguístico e

são justamente aqueles que não se coadunam ao que Bagno (2002) sublinhou como sendo

homens, livres e que comungam de sistema de língua que a elite política, social e econômica

impôs aos demais.

Essa posição de Bechara (2000) parece ser muito compartilhada por professores que

adotam sua gramática normativa. Isto porque, conforme terá oportunidade de verificar essa

hipótese, com sua proeminência enquanto gramático do bem falar o português, ou, em suas

próprias palavras “devemos levar o aluno a falar melhor com os melhores” (Bechara, 2000),

tem sua filosofia de ensino compartilhada pelos docentes. Com efeito, o que pode ocorrer é que,

sendo um gramático respeitado e competente, além de fazer parte da ABL, seu ideário deve ser

chancelado sem questionamentos.

79

3. ESCUTA DE VOZES DOCENTES

O professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu nos livros e da

Vida, mas o aluno não aprende necessariamente o que o

Outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender.

(Affonso Romano de Sant´Anna, in Pax Profundis, 1995)

A pesquisa de campo foi realizada em uma escola pública estadual central da cidade de

Campinas/SP, EE Orosimbo Maia no transcorrer do primeiro semestre do ano de 2014. Esta

escola foi criada para atender a demanda da época (início século XX), que residia no entorno

da escola, de fácil acesso. O início da construção foi em 1913 com doação do terreno pela

Câmara Municipal de Campinas, pela Lei 369 de 14/12/1910, antes de funcionar neste prédio

a escola funcionava em um prédio no início da rua Costa Aguiar. Foi denominado Grupo

Escolar Orosimbo Maia em 09/05/1930 por ato do Governador Adhemar Pereira de Barros.

Praticamente não existem alunos que residam próximos da Escola, a grande maioria da

clientela escolar, cerca de 90% é de bairros próximos e periféricos, e de outras cidades da

Região Metropolitana de Campinas - RMC tais como Hortolândia, Valinhos, Sumaré e Monte

Mor. Isso ocorre pela facilidade que existe quanto ao transporte, já que a escola está localizada

em corredor de ônibus: além de demonstrar que a escola é escolhida por esses estudantes por

ser tradicionalmente uma referência no oferecimento de ensino de qualidade, segundo o

discurso dos alunos nelas matriculados.

No período da manhã, a unidade escolar, objeto de pesquisa, atende alunos do EM

regular cuja faixa etária vai de 14 a 18 anos. No período da tarde, são atendidos os alunos do

EF de 5ª série/6°ano a 8ª série/9°ano com alunos de 11 anos incompletos até 15 a 16 anos. Este

período da tarde é muito trabalhoso, com vários problemas disciplinares, inclusive necessitando

de constante intervenção por parte da direção para que o trabalho possa ser bem desenvolvido.

A escola não funciona no período noturno.

Como características comuns, auferidas através de questionários informativos no início

do ano escolar, verificam-se importantes informações, tais como que a maioria desses alunos é

proveniente de novos modelos de famílias com níveis sociais e valores diferenciados. Percebe-

se que uma grande maioria de alunos sofre com a ausência dos responsáveis, pois os mesmos

ficam boa parte do tempo sozinhas e os responsáveis não compartilham com a escola a vida

escolar de seus filhos, devido à falta de tempo e a distância que a escola fica de suas casas ou

trabalho.

80

Outro dado verificado nos questionários diz que a maioria dos responsáveis é

subempregada, passando por dificuldades financeiras, havendo uma pequena parte com

condições melhores que oferecem aos filhos cursos de inglês e informática que frequentam em

horário diverso da escola. Uma boa parte dos alunos possui computador em casa.

No período de funcionamento da escola, há pouca evasão, na ordem de 5% (cinco por

cento) e os casos em que ocorrem devem-se a alunos que moram distantes da escola e muitas

vezes por dificuldades financeiras não conseguem pagar transporte, necessidade de início de

trabalho, pois a escola não oferece o curso necessário em outro período, como exemplo o EM

regular no período noturno.

Os sujeitos da pesquisa de campo foram todas as quatro (04) professoras de LP que

atualmente trabalham na escola. Duas (02) têm um longo tempo como profissionais na área de

docência da LP, com mais de 20 (vinte) anos, e as outras duas (02) são iniciantes, quer na

categoria de professoras auxiliares, quer como substitutas. A carga horária de LP é de 06 (seis)

aulas durante a semana para as séries do EM, enfoque da presente pesquisa. Justifica-se a

escolha delas enquanto protagonistas do processo em razão de, uma vez trabalhar-se,

principalmente com políticas públicas educacionais, e.g. PNC´s, e conceitos eminentemente

pedagógicos e acadêmicos, tais como: língua escrita e oralidade, pedagogia dialógica de matiz

poiético e pedagogia da escuta, nada melhor do que ouvi-las. Ademais, o título do trabalho

remete mais ao corpo docente do que discente, visto tratar-se do diálogo de saberes entre as

diferentes concepções de ensino. Este momento do trabalho é muito importante, pois se

verificará ou não as hipóteses levantadas no corpus desta dissertação.

Importa esclarecer que as aulas de LP são contempladas com atividades extra sala de

aula, tais como: Sala de Leitura em horário pós-aula, assim como reforço educacional, fulcrado

na informática, com jogos de ortografia, literatura comentada, caça-palavras, etc. A frequência

a essas atividades é de caráter iminentemente opcional. Mesmo assim, grande parte dos alunos

se interessa e participa.

No encontro com as professoras foram feitas perguntas abertas já trazidas pelo

pesquisador. As falas das professoras foram gravadas pelo pesquisador, e, num segundo

momento, transcritas para análise. A duração média das falas situou-se em quinze (15) minutos.

Foram coletadas em dias intercalados. Procurou-se evitar interrupções, pois poderiam

comprometer o racionamento e a exposição do assunto. Foram coletados na sala dos

professores, local mais ameno e com menos barulho. Procurou-se utilizar todo o material, visto

que o trabalho de pesquisa de campo baseou-se tão somente nele. Neste trabalho, utilizou-se de

um caso da pesquisa envolvendo as experiências vividas de pessoas, que remete a um meio que

81

permita a narração das mesmas, ou em outras palavras, deixou-se que as entrevistadas

divagassem e falassem à vontade, tendo apenas como mote condutor algumas questões

motivadoras.

As categorias de análise das entrevistas foram as seguintes:

1) Concepção de Educação, enquanto diálogo de saberes/respeito à

diversidade,

2) Prioridade posta no ensino de LP e as possíveis razões para isso,

3) Preconceito linguístico.

Para preservar o anonimato das depoentes, elegeu-se o campo semântico das flores,

sendo que serão dados os seguintes nomes às mesmas: Rosa, Margarida, Violeta e Açucena.

Antes de proceder a uma análise como já desenhada no parágrafo inicial deste capítulo,

cabe fazer uma descrição e apresentar as personagens e flores que embelezarão e enriquecerão

esta etapa do trabalho.

Rosa tem 58 anos de idade, exerce a docência de LP e suas literaturas brasileira e

portuguesa por 21 (vinte e um) anos. É professora efetiva, isto é, concursada. É graduada em

uma instituição particular de ensino superior de Campinas/SP. Durante todo o tempo de ensino,

trabalhou em escolas públicas estaduais. Estagiou em escola particular. Realiza os cursos

ofertados, ocasionalmente, pela SEESP (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo).

Margarida tem 37 anos. Cursou Letras também em uma instituição particular de ensino

superior de Campinas/SP, sendo certo que se graduou no começo deste ano, exercendo o

magistério como professora auxiliar por quatro meses, isto é, aquela que dá suporte ao professor

efetivo, concursado, auxiliando os alunos a resolver e solucionar dúvidas. Fez Iniciação

Científica, com ênfase em Análise Linguística do Discurso (ALD) na mesma universidade.

Possui 04 meses de experiência como professora em uma escola privada de

Campinas/SP. Durante 01 (um) ano trabalhou como professora no ensino Fundamental I, no 3º.

Ano do ensino Fundamental. Trabalhava com todas as disciplinas porque ficava com as crianças

que passam o tempo todo na escola (escola integral). Como consequência, era responsável pelo

acompanhamento pedagógico destas crianças. Fazia a lição de casa com as mesmas, e, com

isto, ministrava todas as disciplinas (espécie de aulas de reforço).

Violeta tem 42 anos de idade, é graduada em uma instituição de ensino superior de

Campinas/SP desde 1994, em Letras, Língua Portuguesa e Literatura Portuguesa. Tem 18

(dezoito) anos de experiência como professora efetiva desta disciplina. Em 2004, retornou para

82

fazer complementação pedagógica. Não possui outras especializações dentro da área de Língua

Portuguesa.

Finalmente, Açucena. Ela tem 41 anos de idade. Enfatizou que: “fiz a Faculdade de

Letras, mesmo, só Letras, só a graduação, não fiz Pós nem Mestrado, ainda, mas pretendo...”

Estou em uma instituição de ensino superior em Campinas/SP. Enfatizou que era no momento

o que podia dar-se ao luxo de pagar. (“assim que eu precisava fazer alguma coisa, e eu resolvi

fazer lá, tenho, ainda, uma intenção de fazer a faculdade de Pedagogia na Unicamp”). Atua

como professora auxiliar na escola, isto é, aquela que dá apoio e suporte para esclarecer dúvidas

dos alunos, em particular.

As questões (categorias de análise) foram respondidas em um único encontro com cada

uma das professoras, como já se disse, com duração de, no mínimo 15 (quinze) minutos, por

meio de relatos e experiências pessoais. Os convites foram feitos pelo pesquisador, que explicou

do que se tratava, de forma oral, e houve uma recepção calorosa, pois todas queriam colaborar

para a melhoria do ensino de LP, assim como para poder externar o que sentem enquanto

profissionais da Educação.

Feita esta caracterização das entrevistadas, deseja-se saber como reagiram ao primeiro

questionamento: concepção de Educação, enquanto diálogo de saberes/respeito à diversidade.

Sabe-se o quão importante é a concepção que o Educador faz da Educação. Sendo este o

operacionalizador do processo ensino e aprendizagem em LP, e tendo uma visão bem

sedimentada do processo entendida como uma troca de saberes, isto facilitará muito seu

trabalho.

Rosa diz... “é difícil falar em termos de concepção de educação. É tudo aquilo que não

estou vendo, infelizmente nestes últimos tempos na escola pública, principalmente. Então seria

o quê? A formação completa do ser humano... ele já chegar mais ou menos formado... na escola

ele não está chegando e nem tendo conceito básico de educação, que é a base do lar. Então,

minha concepção ... é até chegar a receber um aluno... é bem preparado, dentro da idade dele,

conhecimentos de língua portuguesa, como é o caso, né? Básicos ele não está chegando com

conhecimento ... então minha concepção de educação é, infelizmente, o que não vejo ... a minha

concepção seria assim: mais bem preparado, né, que consiga ler, escrever... infelizmente, não

tenho recebido este tipo de aluno.”

Questionada sobre o papel que a família poderia exercer quanto à educação, ela

explicita: “Ele vem sem os pré-requisitos... então o que faz? Faz com que a Educação vai

caindo, vai caindo a qualidade e eu sou obrigada a voltar, eu sou obrigada abaixar o nível, né?

Pra dar as aulas, enfim, ele não consegue acompanhar... (aparte – então você acha que a família

83

tem grande peso neste, digamos, pseudo fracasso do aluno?) TEM, TEM4, porque ... a sociedade

de uma maneira geral, porque ela sabe que a educação está neste nível, ela decaiu e o povo não

se mexe, não fala, você vê, sai nos meios de comunicação, na televisão, que o Brasil está ruim

em comparação com outros países, mas você vê o povo se mexer?”

Margarida posiciona-se desta maneira a esta mesma pergunta: “é ... eu acredito que a

Educação (sob) um ponto de vista particular é ... seja você conseguir formar o cidadão em todos

os aspectos ... é ... a Educação deveria ser capaz de fazer com que os alunos né ... se tornassem

cidadãos, responsáveis, comprometidos, que eles tivessem contato com a Cultura, com a nossa

própria Cultura, com a Cultura de outros países, que eles tivessem a capacidade de, através da

linguagem, interpretar o mundo. Aí entra a linguística, entra a minha formação em Letras, em

Língua Portuguesa. A língua é um instrumento mais eficaz que nós temos de interação com o

mundo, com a sociedade, né? Com ... com o próximo. Através da língua a gente pode

decodificar o mundo, interpretá-lo, né? Então essa é minha visão, principalmente sobre a

Educação e Língua, né?”

Violeta expressa desta maneira sua posição quanto à concepção de Educação: ” Para

mim, a Educação é a formação do cidadão no seu sentido mais geral, que ele possa ser

autônomo, e que o... a pessoa possa ter condições de trabalho digno (a). (Isso na concepção de

professora de Língua Portuguesa?) Isso dentro da concepção de Língua Portuguesa, claro que,

dando ênfase à comunicação que esse cidadão possa se comunicar, e que isso seja um pré-

requisito para que ele possa se dar bem em seu mercado de trabalho.”

Para Açucena, “olha, a Educação é a base de TUDO do ser humano, sabe? Sem educação

não vai haver é ... crescimento, não há... há necessidade de educação, não só dentro da família,

em que... há a educação da família, mas também a educação ... o crescimento que o aluno

adquire através da Escola. Então ele é a base para se progredir. Sem a educação eu acho que o

país vai ficar sempre na decadência.”

Analisando-se a resposta das quatro educadoras, percebe-se que alguma (s) já não

acredita (m) mais na Educação enquanto fator de modificação social, de sua posição enquanto

motivadora de troca de experiências e saberes no ensino da LP. De certo modo, sua visão de

educação coincide com aquela clássica, na qual o Estado seria o provedor e mantenedor da

educação, que haveria de se iniciar pelo controle de impulsos, dos instintos e dos apetites do

corpo e, deste modo, chegar à educação da alma racional, assumindo deste modo, a tradicional

4 Caixa alta do autor para ressaltar a importância do assunto ou ênfase que a depoente dá às palavras.

84

educação atlético-musical dos gregos. Mas isto seria possível neste início de século XXI? Com

jovens muito conectados à tecnologia, pelas redes sociais, internet novos desafios?

Quanto às outras entrevistadas (Margarida, Violeta e Açucena), a resposta revelou

coerência quanto à pergunta, ou seja, salientaram aspectos positivos sobre o conceito de

Educação, afinal se se trabalha com algo, espera-se certa esperança com o objeto de trabalho e

não de decepção e apatia. Essa esperança coaduna com o conceito de Freire (1997, p.134)

quando diz: “nem tudo está perdido, basta o trabalho educacional e teremos o que queremos,

uma educação verdadeira que dê conta da mudança da realidade”. Todavia, todas têm uma

concepção tradicional sobre a mesma, sobressaindo a posição sobre “educar para o trabalho,

para se achar um bom emprego”, e “não sob o aspecto de Educação como libertação”

(Freire,1997) e “congraçamento com a troca de saberes” (Bordelois, 2005). Mesmo assim, a

resposta de Margarida foi aquela que, como professora de língua mãe, mais se adequou àquilo

que estudamos neste trabalho de Mestrado, ou seja, ela pontua que “a Educação deveria ser

capaz de fazer com que os alunos né... se tornassem cidadãos, responsáveis, comprometidos,

que eles tivessem contato com a Cultura, com a nossa própria Cultura, com a Cultura de outros

países, que eles tivessem a capacidade de, através da linguagem, interpretar o mundo. Aí entra

a linguística, entra a minha formação em Letras, em Língua Portuguesa. A língua é um

instrumento mais eficaz que nós temos de interação com o mundo, com a sociedade, né? Com

... com o próximo. Através da língua a gente pode decodificar o mundo, interpretá-lo, né? Então

essa é minha visão, principalmente sobre a Educação e Língua, né?” (grifo nosso). Essa

resposta vai ao encontro do teórico interacionista Bakhtin (2003). Todavia, não houve uma

resposta efetiva sobre a abertura para a escuta poiética, que esperava-se que houvesse entre as

professoras.

A segunda categoria de pergunta versava sobre qual a prioridade posta no ensino de LP

e as possíveis razões para isso.

Rosa expõe:” por exemplo, na área de Literatura, que é a área que eu, gosto e tenho

prazer, um prazer imenso, ela é ampla, eu acho que deu muita coisa certa, sim, porque eu

consegui despertar nos alunos interesse, em outros assuntos, leitura, por exemplo, eu tenho uma

aluna que eu sempre encontro com ela e hoje ela já é casada, com filhos, hoje ela fala que ...

hoje ela lê, graças às minhas aulas, ela descobriu aquele prazer de ler e tudo o mais. “

Quanto ao que não tem dado certo no ensino de LP: “O que não tem dado certo é, no

Fundamental, principalmente em diferença dos alunos que querem ler, em fazer as atividades,

eu não sou uma professora que exige muitas atividades, eu dou dentro do que eles podem fazer

... Então eu noto muita indiferença, né. Ahhh ... eu não gosto, eu detesto ler, aquela coisa, então

85

eu acho que isso ainda não ... ter conseguido ... eu não sei, acho seduzir o aluno, né? Pra que

ele leia, faça as atividades. Isso eu tenho notado dificuldade no EF ... talvez porque eu gosto de

trabalhar mais com o EM, com os alunos mais amadurecidos, crescidos, né, eu gosto de falar

de outros assuntos, né, que vc sabe que envolve tantas, tantas outras matérias Sociologia,

Política, etc, então que eu acho que tudo tem dado certo ... pra mim tem sido isso ... no EF eu

não estou conseguindo.”

Quanto ao ensino de gramática e leitura no contexto da LP: “... Bom com a experiência

que eu tenho, recebo uns alunos assim que ... eles foram desde pequenininhos, ensinados a

estudar português assim: leitura e interpretação, leitura e interpretação, leitura e interpretação,

e, na parte gramatical, não que eu seja só a favor da gramática, não é isso, gramatiqueira, como

dizem os outros, né? Mas eu acho que tem que ter a gramática. Então eu puxo um pouco, um

pouquinho pela gramática, e percebo que eles não têm noção nenhuma, noção nenhuma,

nenhuma, nenhuma.... Eles nem sabem o que estão fazendo, né... Então a gramática não foi ...

não sei, né? Eu não posso generalizar, mas a grande maioria eu vejo que ... como eu posso dizer

... Eles não aprenderam, ou não foi ensinada a gramática aplicada no texto, de uma maneira que

eles aprendessem, ou guardassem, enfim, memorizassem ... Então eu sinto nesta ... a

dificuldade. Então eu trabalho bastante a gramática, trabalho muito a leitura, e eu não sou uma

professora ... talvez eu seja um pouco diferente ... talvez isso pode ser que não contribua para

tanto sucesso , para o sucesso que eu gostaria que fosse cem por cento ... isso não existe mesmo

... eu trabalho com estudo do texto dirigido com o aluno, então eu ensino, eu procuro ensinar,

procuro passar para eles como eles têm de estudar, eles têm de ser independentes, porque eu

recebo muitos alunos copistas, como eu falei pra você, como eu comentei, né? Extremamente

copistas. Ele quer copiar da lousa, copiar da lousa, copiar da lousa, ele que tudo mastigado, mas

eu não dou mastigado, eu quero um aluno que pensa, que raciocina, então eu trabalho muitos

debates nas salas de aula, né?”

Margarida posiciona-se sobre este assunto desta maneira: “É ... agora, dentro do

conteúdo do programa que a gente tem de língua portuguesa eu acredito que, ainda, o que dê

certo é a LEITURA. De todas as vertentes de Língua portuguesa, eu acredito, a experiência que

eu tenho tido nestes três meses de docência em LP na escola pública é a LEITURA. É algo que

os alunos ainda cultivam, se interessam, seja a leitura na internet, leitura de livros... tem uma

procura muito grande aqui na escola por livros da Sala de Leitura e uma das atividades que eles

pedem para que seja feita quando eu substituo algum professor que não seja aula de língua

portuguesa, é ... a Sala de Leitura. E muitos alunos, realmente, frequentam a Sala de Leitura

com o objetivo de ler. Então eu acredito que, dentro da perspectiva da linguagem, o que dá

86

certo, por incrível que pareça, é a leitura. Por isso que a gente tem que sempre incentivá-los a

ler, né?”

Percebe-se, pelo depoimento de Rosa e Margarida que, caso a escola adotasse o

princípio da educação/análise linguística preconizada por Bagno (2003) e Geraldi (2006), essa

aversão e não aprendizagens da gramática seriam minimizadas ou eliminadas. Isto porque, o

objetivo, como já se disse não é destruir a GT, abolindo regras, proporcionando um “vale tudo”,

mas sim dar outro significado, outra dimensão aos estudos linguísticos, partindo-se da oralidade

trazida pelos alunos e, através dela, inseri-los no multilinguismo. Esse ponto foi salientado pelas

professoras. A escola, ao investir na Sala de Leitura, fomenta o interesse e gosto pelo ler, pois

através disto poder-se-á trabalhar a GT.

O que não deu certo e ensino de LP e gramática para Margarida: “E eu acho que, a

partir da leitura, a gente vai conseguir grandes progressos, né? (e o que não deu certo?) eu acho

que o grande problema é... os problemas que eu ouvi até em meus anos de vida acadêmica que

muitos colegas enfrentaram e que hoje nossos alunos enfrentam é a dificuldade com a norma

culta da língua. Então, né eles têm muita boa vontade em escrever, é ... escrevem até alguns

menos, outros mais, de acordo com a bagagem de leitura que cada um tem, mas a grande

dificuldade, ainda, nas aulas de língua portuguesa é: o aluno falar, principalmente no ambiente

escolar, porque, claro, a gente sabe que hoje a VARIEDADE LINGUÍSTICA mas dentro da

escola a gente deve prezar né, a NORMA CULTA tanto falada quanto escrita, mas é justamente

esta DIFICULDADE. Os alunos dominarem essa norma culta e, principalmente, escrever,

obedecendo esse padrão da língua. Então, por mais que você fale, colocação pronominal,

concordância verbal, concordância nominal, ESSA É A GRANDE DIFICULDADE QUE

ELES TÊM. (E a gramática e a escrita?) até pela formação que eu recebi na faculdade nós

fomos orientados né, eu fui orientada, no curso, a tentar trabalhar a gramática contextualizada.

A GRAMÁTICA NO TEXTO. Então nunca dissociar gramática do texto, gramática da leitura.

Então, quando o aluno lê, dentro de um contexto, em um artigo de opinião, né, ou um texto

narrativo, a gente, eu procuro aproveitar daquele exemplo, daquele texto prá pontuar algumas

regras da norma culta da gramática tradicional. Então, como professora de língua portuguesa,

hoje, por causa da formação que eu recebi, na faculdade é, NUNCA, em nenhuma aula que dei

até hoje, eu descontextualizei a gramática da leitura. Então, eu percebo que só assim é que dá

um pouco de resultado. A gente ainda está muito longe de conseguir um resultado mais

satisfatório mas eu percebo que um ou outro aluno consegue dar passos em direção a uma

melhora de ... de escrever, obedecendo as normas, falar, então alguma coisa você consegue

trabalhar, mas nunca descontextualizar a gramática da leitura do texto.

87

Violeta posiciona-se desta maneira frente à pergunta: “bom, o que funcionou muito bem

foi, quando eu comecei a aproveitar um pouco de minha experiência e trabalhar com projetos.

Assim como projetos com JORNAIS. Fazer com que estes alunos se inserissem no contexto

histórico onde eles estão vivendo. Isso foi um projeto bem bacana, e funcionou muito bem tanto

que eu gostei bastante. Foi em um ano de eleições que contribui para a consciência desses

alunos. Particularizar os PROJETOS – é ... bom, a linguagem ela é toda intencional, então

dentro destes projetos eu trabalhei, primeiramente, esta questão da intenção da palavra. O que

está por detrás da palavra, e aonde ela quer... qual o objetivo quer alcançar. Outro ponto

importante é o público alvo, existem muitos equívocos até em palestras de grandes

personalidades quando as pessoas não preparam o seu discurso para o público que vai escutá-

lo que vai entendê-lo, enfim, que vai concordar ou discordar da dele.”

O que não deu certo e ensino de LP e gramática para Violeta: “Os projetos que não

deram certo foram projetos que eu, analisando depois do... da aplicação deles, percebi que eu

não pensei justamente na questão de meu público alvo. Então eu não... eu não... contextualizei

mal este projeto. Esses projetos não derem certo. Foram, naturalmente, em início de carreira

quando a gente não tem essa bagagem, esse know-how necessário para pensar nestas duas

questões, que, a meu ver, são fundamentais. Como se pratica o ensino da LP em sala de aula?

Bem, o meu preparo de aula, ele está todo pautado na mente do aluno, eu me coloco no lugar

do aluno, e, principalmente o aluno de hoje, que quer um saber rápido e, por outro lado, também,

penso em questões eh... mais técnicas do ponto de vista cerebral, eu sei que não adianta você

querer ter a atenção do aluno por cinco horas vc não vai conseguir. Então eu dou prioridade

para assuntos mais importantes no primeiro horário da aula, se for uma aula dupla, e, na segunda

aula, eu procuro motivá-los com exercício que, de forma de eles possam assimilar o que eles

aprenderam no primeiro horário”.

Açucena se posiciona desta maneira frente à pergunta: “olha, eu ... durante meu tempo

de trabalho, a maior parte eu fiquei foi trabalhando como professora de Reforço, até agora, no

ano passado eu tive aula de Auxiliar, então a gente substitui muito, a gente não fica, não fica

exatamente com a turma direto, pra ... cada dia é uma sala, mas esse ano eu estou com as 8as.

Porque eu vim trabalhar como apoio e substituindo a professora e estou desde fevereiro é ... eu

tenho bastante dificuldade mais na disciplina. Com a indisciplina dos alunos. Mas, assim, o que

dá certo? Eu acho que, quando a gente trabalha, que dedica, sabe, que se dedica, que tem a

vontade, de que o aluno progrida, é ... eu vejo assim, por exemplo, você dá um trabalho pra

eles, você vai até eles, explica, tudo isso é ... faz parte que nós consigamos atingir algum

objetivo, para cumprir as metas que nós temos, não basta eu sentar aqui na minha mesa, né? E

88

ficar aqui esperando, eu tenho o hábito de rodar pela sala, então eu vejo se o aluno está fazendo,

eu cobro, sabe? Cadê seu caderno, cadê seu livro, está com dificuldade? Eu faço pergunta, isso

eu acho que ajuda bastante.... sob meu ponto de vista, não sei se consegui ... O que não deu

certo? Ai, quando eu tento colocá-los em roda para discutir alguma coisa, eu não consigo,

infelizmente, eles conversam, eles ficam dispersos, isso eu não consegui atingir aqui, já

consegui atingir em outra escola, uma vez que eu fiquei substituindo, mas por pouco tempo.

Mas eles eram mais calmos, então eu consegui, a gente debatia, sabe? Aqui, infelizmente, eu

não consegui fazer isso com eles. Um debate onde eles ... imaturidade deles, e falta de interesse,

também! “

Ela toma posição sobre como pratica o ensino da LP em sala de aula: “primeiro a gente

tem o currículo a seguir, e aí vem o CADERNINHO, também, do aluno, além do currículo tem

o CADERNINHO DO ALUNO, tem o livro didático, eu particularmente, gosto muito do livro

didático e sigo o currículo, né? Mas, também em algumas atividades do caderninho, são

bastante interessantes, então eu trabalho também estas atividades com eles. E, geralmente, é

uma leitura, compartilhada, é ... eles respondem, a gente vai andando pela sala, quem tem

dúvida pergunta, porque eles têm muita dificuldade em entender o enunciado, então eu vou, às

vezes ajudo a entender o enunciado, e é assim ... que eu costumo praticar ... indo até eles,

tentando ajuda-los mais mesmo como uma mediadora, resolvendo para eles, mas tentando fazer

com que eles consigam eh... atingir, sabe? Sem que eu faça pra eles, que eles entendam que eles

têm a capacidade de inferir, sabe? Então... “

Verificando-se as respostas das quatro educadoras frente às perguntas geradoras de

questionamento, constata-se uma variedade de respostas. Primeiramente, Rosa e Margarida

declaram-se mais professoras dadas ao ensino de Literatura que lhe proporciona prazer e do ato

de ler, em detrimento do ensino de língua. Isto se depreende claramente da leitura de sua

entrevista, ao passo que Violeta prioriza o trabalho com projetos, mas com o foco em leitura de

jornais que atrai grande atenção dos alunos. Açucena enfatizou somente o problema da

indisciplina dos alunos.

Margarida enfatizou que ...” Então, como professora de língua portuguesa, hoje, por

causa da formação que eu recebi, na faculdade em Campinas, é, NUNCA, em nenhuma aula

que dei até hoje, eu descontextualizei a gramática da leitura. Então, eu percebo que só assim é

que dá um pouco de resultado”. Esta resposta da professora vai ao encontro dos

questionamentos suscitados no presente trabalho, tendo os teóricos Geraldi (2006), Bagno

(2003), Antonio (2013) e Bordelois (2005) que são unânimes em dizer que nunca se deve

ministrar aulas de GT sem um texto e contexto, pois, assim o fazendo, o educando perde o

89

interesse pelo gosto da leitura, do encantamento com a poesia nela contida. Não se deve

esquecer que ele já traz uma língua de casa. (Geraldi, 2006 e Bagno 2003) Os educadores só

apresentam-lhe outro tipo de norma a eles, no caso a norma padrão, e isto pode ser conseguido

pela contextualização, preconizada pelos PCN´s (1998).

A avaliação do aprendizado efetivo do aluno: Leitura e Língua foi outra questão

colocada para ser respondida pelas docentes. Rosa enfatiza que “No fundamental, por exemplo,

eu tomo a leitura, pois isto ... tem professores que dizem: Você é louca! Mas eu gosto de tomar

a leitura até a 8ª. série gosto de tomar a leitura do aluno. Então eu tomo a leitura oral de cada

aluno e dou uma nota para isso ... Cobro leitura de livros, né? Dou livros para eles lerem e me

passam ... e já começo a ensinar uma resenhazinha ... mas no começo 5ª., 6ª. série ou 6º. 7º.

Ano eu dou assim uma pequena apreciação, né, um resumozinho. Então eu trabalho bastante

nisto, muito texto, muito texto, assim éhhhhh... não é com um tipo de texto, mas com variedades

de texto.” E quanto à língua? “(Então você quer dizer que você trabalha bem com a gramática

textual). Sim. Perfeito. Com gramática textual. Às vezes somo a gramática, mas é eu procuro

fazer o que é dado hoje em dia. A gramática do texto. Mas, então, o que eu noto é que os alunos

aprenderam sempre assim ... o professor nunca explicou o que seria um sujeito ... é um exemplo,

né? E eles não têm noção de NADA, eles não têm ASSIM ... “

Margarida comenta que... “Então, também pela formação que eu recebi na faculdade,

lá eu fui avaliada por um processo contínuo, é ... Aqui, na escola, na Educação pública,

sobretudo no estado de SP, a gente também tem de avaliar os alunos de uma maneira

contínua...” e ainda... “Então recebi de alguns com esta atividade de reescrita um resultado

muito satisfatório porque eu também fui formada nesta perspectiva da reescrita na faculdade.

Então eu tive uma professora de LP e de Literatura que, diante da entrega do trabalho, havia

uma correção, uma devolução e nós deveríamos escrever esta reescrita aumentava a nota. Então,

como um estímulo também, de nota, de fechamento de semestre, aqui de bimestre, então

percebeu uma, na maioria uma devolutiva boa, assim da reescrita. Então a avaliação acontece

assim. E, claro, essa reescrita é uma avaliação minha particular. Eu acho mais importante, na

língua, é a leitura e a escrita. E é o que está mais deficiente hoje.”

Já Violeta sinaliza nesta direção: “bom, a avaliação que eu desempenho é uma avaliação

que a gente chama hoje FORMATIVA, a formativa ela é uma avaliação que vai desde o

momento da participação do aluno em sala de aula, às suas perguntas, o diagnóstico,

primeiramente a gente não pode esquecer disto, diagnóstico e eu vou avaliar o aluno conforme

ele eh ... responder para mim as questões referentes ao texto, então se eu percebo que esse aluno

tem capacidades plenas de leitura, no sentido de identificar pra que este texto foi escrito, aonde

90

ele foi publicado, qual o objetivo do autor, aonde ele quer chegar, e se esse aluno sabe se

posicionar a este conteúdo do texto, a minha avaliação vai se toda pautada nestes critérios. E é

uma avaliação CONTÍNUA.”

Açucena mostra-se insegura quanto a esta questão:” então, eu geralmente trabalho a

interpretação de texto, na hora da avaliação, na interpretação de texto, geralmente tem algumas

questões de gramática, dentro do texto, já que eles têm que retirar do texto, como eu já tinha

dito antes, e algumas, realmente, trabalho soltas, mesmo. Faço umas questões por que o uso da

vírgula, daquela forma, é assim ... que eu faço ... “

Dentro deste questionamento, o que se constata é que a avaliação tradicional de

avaliação quantitativa e não qualitativa prevalece no ensino de LP, especialmente pelo último

depoimento de Açucena. Não é este o caminho preconizado pelos teóricos da Gramática Textual

e da dialogicidade linguística no processo de ensino e aprendizagem. Marcuschi (2001, p.49-

53) deixa clara a necessidade de uma reescrita no processo avaliativo de aprendizagem da LP.

Não seria mera cópia, mas refeitura.

Um dos pontos nevrálgicos deste trabalho diz respeito à questão da cultura que os alunos

trazem de casa, como essa sua cultura, assim com seus saberes que ele traz ao chegar à escola

e que são inseparáveis de sua fala, são encarados sob a ótica do Educador. Ou, em outras

palavras, existe preconceito linguístico contra seu falar trazido à escola? Diante desta pergunta,

como as entrevistas portaram-se?

Rosa é enfática: “Olha, eu respeito a cultura que o aluno traz de casa, sua variedade

linguística, a gente tem de respeitar, só que eu sou contra eu, particularmente, de trabalhar com

as variedades que eles trazem ou das comunidades deles ... “Ela se posiciona, ainda, desta

maneira sobre o assunto: “Se é para vir à escola e não ampliar o seu conhecimento linguístico,

repertório linguístico, é melhor então que não venha, entendeu? Eu sou contra ... eu mostro a

eles as variedades mas tem aluno que, por exemplo. tem prova, redações que o professor não

tem paciência de colocar a maneira como ele fala como erros ... tudo bem, eu posso até aceitar

mas eu tenho de alertá-lo que ele precisa crescer, se é pra ele continuar a falar do jeito que ele

fala na comunidade dele, enfim, com o conhecimento que ele tem, então eu acho o seguinte:

você deve vir à escola para aprender ...”

Eis outra fala da educadora: “Respeito (a língua dos alunos). Eu pego muito, assim

digamos no pé do aluno para que ele fale correto, eu explico porque ele deve falar corretamente,

usar determinadas expressões, não usar determinadas expressões, que não fica bem, em

determinados ambientes, enfim, adequar sua linguagem aos ambientes. Senão ele chega a uma

91

entrevista de emprego falando: MANO, NOIS VAI ... e EU não adianta, Eu sou professora de

português...”

Esta outra passagem também nos ajuda a entender a questão: “Inclusive no primeiro dia

de aula, falo para os alunos: não interpretem como se eu quisesse humilhá-los, ou como se eu

quisesse querendo, não é isso... é minha função é ser professora de português. Então eu tenho

de ensinar a vocês a maneira do português correto. Então eu sempre acerto para eles isto. Que

eu pego no pé mesmo, para que eles se comuniquem de acordo, né, com a norma padrão e tudo

o mais senão... (então você procura adequar a norma padrão, a norma vigente, o padrão culto

com o linguajar deles, fazendo um meio-termo entre os dois?) é, eu sempre falo para eles, vc

podem falar assim, no ambiente de vocês, com os amigos de vocês, agora, em determinados

ambientes, você vai ter de mudar a sua linguagem porque eles, eles usam bastante gíria, né?

Tudo fica muito em gíria, não é toda hora que você pode usar gíria, né?”

E a opinião de Margarida sobre esta questão? Ouçamos com atenção, na íntegra, sua

posição: “então, eu já me deparei com situações assim, né Tadeu, porque, realmente, cada aluno

vem com sua própria maneira de se comportar, de falar, de agir, em relação à língua,

especificamente, eu procuro abordar não de uma maneira constrangê-lo, porque, eu estudei

bastante a questão do preconceito linguístico. De novos estudos linguísticos que surgiram e que

visam e que estudam e prezam a variedade linguística. Então hoje, dentro de LP esta questão

de certo e errado já não existe mais. O que existe é a variedade linguística. E eu, nas primeiras

aulas que ministrei aqui, na escola, olha eu abordei justamente a variedade linguística e

expliquei pra eles isto para que caísse por terra todo e qualquer preconceito que pudessem achar

que viesse de mim por ser formada em LP. Então eu explique a variedade linguística, falei sobre

regionalismo, né, a língua falada em cada região, a questão da fonética, não com profundidade,

que não há tempo, mas procurei usar as primeiras aulas para isso. Então eu deixei os alunos

cientes de que cada ... de que a fala, como diz Saussure a fala é individual, mas a língua é social.

Então eu falei um pouco sobre Saussure, NE, e expliquei esta diferença entre Língua e Fala, né,

para que eles não entendessem como um preconceito linguístico da minha parte. Agora, quando

o aluno em insiste em falar: NOIS VAI, OU A GENTE VAMOS, (sic) eu não abordo diretamente

.. ô ... eu eu já não falei pra você, o que eu faço, Tadeu? Ah, é então vocês foram lá, ah, então

nós vamos, como a gente faz com criança, né? Você não tem aquela correção incisiva,

constrangedora sobre o aluno, mas você funciona como ali um lembrete, né? E isso não é ...

Eu não estou sendo preconceituosa, eu estou tentando fazer da escola um ambiente pra que ele

entre em contato com essa norma que ele vai, inclusive, ajuda-lo a entrar no mercado de

trabalho, a passar num concurso público, a passar no vestibular, que é o maior foco no EM na

92

escola que é preparar o aluno a passar no vestibular, não que isso seja o mais importante, mas

é uma questão relevante e que todos vêm em busca disso, né? Serem preparados para passar no.

Então eu deixo claro isso já nas primeiras aulas, colocando a diferença entre LÍNGUA e FALA,

né? Fazendo menção a Saussure.”

Violeta pensa que “bom, a cultura, a meu ver, é fundamental, eu não sei se a minha

formação familiar (a profa. entrevistada é filha de pai brasileiro e mãe judia, com grande

diversidade cultural na família) tenha ajudado nesta questão você não abrir mão da questão

cultural, aproveitando esse assunto, eu concordo que seja um ponto nevrálgico na sua pesquisa,

prof. Tadeu, porque a participação da cultura que o aluno ele começa a entender e relacionar os

assuntos.” Continua a falar sobre o tema, ainda: “ E faz parte de meu trabalho, até me esqueci

de citar, que meu trabalho não se resume só a textos, né, e a ... não é este tipo de leitura que se

faz ... eu faço leitura de quadros, eu faço leitura de propagandas, eu faço leitura, peço que o

aluno ... também faço leitura de músicas, letras de músicas, então eu acho que essa questão

cultural é fundamental para a formação desse aluno que, hoje, aliás, tem uma ... um apelo muito

fraco, muito tênue eh eh da realidade que ele tem. Muito frágil ... falta muita cultura para esse

jovem hoje.”

Já Açucena se posiciona da seguinte maneira: “é fundamental nós trabalharmos com a

cultura do aluno, porque ele não é uma TABULA RASA, né? Ele traz conhecimento dele, por

mais que seja o mais simplório, por mais que não seja a forma como nós gostaríamos de estar,

né... que fosse essa forma do aluno que tivesse conhecimento, bastante conhecimentos, mas é

... quando a cultura seja pouca, é a dele, nós temos, sim, que valorizar, portanto, que, às vezes,

quando, dependendo do lado do texto, que eu vou dar, produção de texto, principalmente, eu

procuro dar pedir para que eles façam dentro do que eles conhecem, sabe, que seja da música,

que seja do funk, sabe?”

Através de uma comparação entre todas estas respostas à pergunta, nota-se uma

coerência por parte das educadoras quanto a seu posicionamento sobre o respeitar a cultura e a

língua trazida pelos alunos ao ambiente escolar e combater o preconceito linguístico. Os PCN´s

(1998) dão instruções claras de como se deve construir saberes linguísticos com os educandos,

respeitando-se, para tanto, seu falar. Afinal, eles não são ignorantes em sua língua nativa, e toda

língua traz, em seu bojo, uma cultura, uma maneira de ser e de portar-se no mundo. Bordelois

(2005) é enfatiza nesta relação tensa e conflituosa entre linguagem e cultura: “A relação

conflituosa entre linguagem e cultura é inevitável, pois a cultura reflete o mundo socialmente

construído por todos, em especial a cultura dominante, ao passo que a linguagem, por ter um

caráter mais subjetivo, reflete a visão do indivíduo” (p.89).

93

Margarida, conforme se lê em sua resposta in totum, deu uma base teórica a ela.

Inclusive fez questão de frisar o conceito de preconceito linguístico, bandeira levantada por

Bagno (1997), um dos teóricos que embasam o presente trabalho. Fez questão de pontuar a

língua sendo um fenômeno social, citando, espontaneamente, outro teórico deste trabalho,

Saussure (1975): “A fala é individual, mas a língua é social”. Enfim, procurou adequar-se aos

PCN´s (1998) que, também, procura mostrar em suas diretrizes a necessidade de, não abdicando

de seu falar originário, adquirir outros tidos como norma culta, para conseguir ser bem sucedido

em provas oficiais, tais como ENEM, vestibular, concursos, etc. Pode-se dizer que Margarida

se destaca em seu posicionamento enquanto educadora de língua materna, especialmente

quanto à sintonia com que o se espera de um educador de língua materna.

Neste mesmo sentido, Violeta que, advindo de uma família multicultural, pois seus pais

são de origem libanesa, sabe da importância de se valorar a cultura de um povo, de um ser

humano, ao adentrar a escola.

Açucena, ao responder, cita, inclusive a expressão tabula rasa, ou tabua raspada, tendo

o sentido de folha de papel em branco, um dos pilares da filosofia de John Locke e que é

estudado muito no campo da epistemologia da Educação. Em outras palavras, para Açucena, o

aluno não constitui uma consciência desprovida de qualquer conhecimento inato – tal qual uma

folha em branco a ser preenchida pela escola. Para ela, “Ele (aluno) traz conhecimento dele,

por mais que seja o mais simplório, por mais que não seja a forma como nós gostaríamos de

estar, né.... Que fosse essa forma do aluno que tivesse conhecimento, bastante conhecimentos,

mas é ... quando a cultura seja pouca, é a dele, nós temos, sim, que valorizar, portanto, que, às

vezes, quando, dependendo do lado do texto, que eu vou dar, produção de texto, principalmente,

eu procuro dar pedir para que eles façam dentro do que eles conhecem, sabe, que seja da música,

que seja do funk, sabe?” Essa posição está de acordo com Geraldi (2006) e Bagno (2005) que

defendem a necessidade de respeitar o fato de o aluno já trazer uma língua portuguesa de casa.

Ele irá à escola para aprender uma norma diferente da sua (“culta”), mais aceita socialmente.

Mas, ao usar a expressão “cultura seja pouca” no que ela se diferencia do preconceito

linguístico?

Diante destas quatro falas, podemos perceber o quanto diferem as concepções quanto à

valorização da cultura e língua trazida pelos alunos nas escolas. Existe uma sintonia e também

diversidade, sem depreciar a diferença, no sentido de respeitar, valorar o que os educandos

trazem ao ambiente escolar, nas suas mais diversas manifestações culturais: língua, maneira de

se portar, música, visão de mundo. Para elas, a cultura se imbrica na linguagem, razão pela qual

deve ser respeitada. E combatido o preconceito linguístico.

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é

profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com

serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.

(Manifesto Comunista de Karl Marx, 1848)

Os limites da minha linguagem significam os limites do meu próprio

mundo

(Ludwig Wittgenstein 1889-1951)

Fazendo um retrospecto acerca de o trabalho desenvolvido no transcorrer deste

Mestrado, com o título Ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa como diálogo de saberes,

pode-se dizer que ele mostra a importância da temática desenvolvida para a oxigenação da

escola moderna, que deve e precisa ser pluralista. Paradigmas existem e devem, devido à

dialética, ser quebrados e suplantados por outros, de acordo com as necessidades temporais,

econômicas e principalmente dentro das relações sociais e culturais existentes na sociedade.

Em razão disto, o que se praticou no decurso deste trabalho, através do levantamento

bibliográfico e, principalmente, das entrevistas de caráter qualitativo, foi ressaltar que não cabe

mais, neste início de século XXI, um ensino fulcrado na Gramática Tradicional, mas sim na

Gramática Textual. Para tanto, devem-se eleger textos e gêneros textuais para um ensino de

qualidade.

Não se deve esquecer que, por detrás das máscaras dos integrantes do teatro educacional,

estão seres humanos que devem e precisam ser respeitados, no caso os alunos advindos dos

extratos populares que estão adentrando, através das políticas educacionais os muros escolares.

Eles precisam ter seu linguajar, assim como sua oralidade respeitadas, dentro do princípio da

oralidade, para que possam sentir-se atores e autores do processo de ensino da língua materna.

A isto se chama alteridade.

As grandes questões norteadoras deste trabalho foram respondidas pelas entrevistadas,

ou seja: diálogo de saberes/respeito à diversidade e a prioridade posta no ensino da LP e as

possíveis razões para isso. No primeiro caso, constatou-se um amplo diálogo de saberes por

parte das educadoras, assim como o respeito à diversidade, estando em consonância com o que

se espera de uma escola moderna em sintonia e também diversidade, sem depreciar a diferença,

com a democracia e com o espírito de acolhida das classes populares efetuado pelas escolas,

especialmente as públicas.

95

A questão do bilinguismo, ou melhor, multilinguismo linguístico também foi abordado

no trabalho, pois, consoante vários teóricos que atuam dentro das novas concepções de língua,

este é o caminho para, respeitando-se o falar trazido do aluno em sala de aula, construir com

ele novos saberes linguísticos. No caso, a aquisição de uma língua para ascensão social e para

ter acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Não se cogitou nem se cogita da hipótese de

destruir a GT, eliminando-a, iconoclasticamente, e não repassando seus saberes aos alunos, mas

sim sob outro enfoque. Por outro lado, a questão não é desprezar ou anular, sob a forma de uma

hegemonia, o falar do educando, mas sim considerá-lo como portador de uma estrutura

linguística já aprendida desde a tenra infância, no caso o português, e que pode ser proficiente

ao falar a mesma, somente de uma forma diferente. Neste diapasão, concorda-se com os

ensinamentos de Bagno (1997) e Geraldi (2006), que militam neste sentido.

Não deixa de ser sintomático que as professoras conheçam o conceito do preconceito

linguístico e como evitá-lo, o que ficou evidenciado pelas entrevistadas, através de aulas em

que a explicação dos diferentes falares (multiliguismo) foi enfocada. O professor de LP não

objetiva eliminar ou substituir a língua falada e trazida pelos alunos de seu ambiente familiar,

mas sim de dar-lhes outra possibilidade de falar outro registro linguístico.

A escuta da linguagem que Bordelois (2005) defende em seus trabalhos, tão necessário

nos dias atuais, assim como a pedagogia poética, defendida no meio acadêmico por Antonio

(2013) tão descurada e não praticada nas escolas são outros fatores que foram ressaltados neste

trabalho. Espera-se que, através dos levantamentos e observações feitas, assim como a partir

das considerações desenvolvidas, seja possível contribuir para dar um novo fôlego e

principalmente novo alento no ensino da LP. Para tanto, novos paradigmas deverão ser

levantados, em detrimento de outros que se tornaram obsoletos, haja vista que, de acordo com

os levantamentos de entrevistas, verificou-se que existe “sangue novo”, “novas cabeças” que

pensam de acordo com o que está preconizado pelos PCN´s e procuram capacitar os educandos

para a realidade de um novo aprendizado linguístico e não gramatical.

Neste sentido, convém alongar-se um pouco mais nesta questão. Em que consistiu esse

sopro de renovação no processo de ensino e aprendizagem da LP? Analisando-se,

cuidadosamente, as respostas das entrevistadas (professoras de LP), constatou-se um sopro de

vitalidade e esperança, pelo fato de as mais novas ingressantes no Magistério adotarem, in

totum, novas sugestões da Linguística Textual e da Educação Linguística, defendidas por

teóricos como Bagno (2002), Marcuschi (1996), Geraldi (2006) e outros teóricos. Somente uma

dentre elas – que está prestes a aposentar-se – e com mais tempo de Magistério, foi refratária a

esses novos ventos de inovação. Todavia, tal fato não é condenável, pois opiniões contrárias

96

sempre são bem aceitas, para uma perfeita dialética educacional. Todas as demais (03)

mostraram-se, nas entrevistas e respostas, que conhecem as novas diretrizes, partilham de seus

valores e, principalmente, querem implementá-las em seu ofício pedagógico.

Falando-se sobre palavras, este trabalho versou principalmente sobre elas e as tem como

objeto de trabalho. Em razão disto, cabe uma citação do personagem Max Vanderburg, criado

por Zusak (2007, p.302), escritor australiano no livro The Book Thief (A menina que roubava

livros):

Em minha religião, somos educados para compreender que toda coisa

vivente, cada folha, cada pássaro, somente está vivo por conter a

palavra secreta para a VIDA. Esta é a única diferença entre nós e um

punhado de barro. Uma PALAVRA. Palavras são vida.5

Considerando o quanto esta afirmação da personagem do romance A Menina que

roubava Livros, chega-se ao real significado deste trabalho para nossa vida: vivemos, movemo-

nos e somos quem somos devido às palavras. Sem elas, nada seríamos, nada teríamos para

compartilhar de conhecimento entre nossos semelhantes. Ou, como Max, personagem principal

do romance, muito bem sublinha: “Palavras são Vida”. Se, para a religião judaica palavras são

vida, quanto mais para nossa sociedade hodierna, carente de comunicação, para nossas escolas

carentes de respeito e do conceito da alteridade, as palavras, entendidas como elo de

comunicação, de confraternização e pontes entre outros seres humanos, serão nossa salvação

para uma vida mais humana, de concórdia e de entendimento.

A questão de fundo, que foi mencionada no resumo do presente trabalho foi: existe ou

não diálogo de saberes na escola moderna, tendo como substrato o ensino da língua sob essas

duas variáveis, isto é, oralidade e escrita? Neste momento, pode-se dizer que a pergunta foi

respondida. Existe um incipiente diálogo que está germinando na escola. Diálogo de saberes

que, levado a cabo por educadoras, como se leu nas entrevistas, está sendo implementado, com

forte ênfase na denúncia do preconceito linguístico, através do respeito pelo outro, dentro do

espírito da educação sociocomunitária que permeou este trabalho. Esse diálogo se pauta, em

primeiro lugar, em acolher a língua oral dos alunos, para, depois, apresentar-lhe outros tipos de

linguagem – escrita, que será cobrada deles na moderna sociedade.

Em última análise, o que este trabalho propôs foi, dentro do espírito da alteridade,

respeito pelo falar diferente, praticar a pedagogia da escuta e de matiz poiética, visto que, com

isto, podemos, dentro deste espírito, alargar o conhecimento dos educandos. Como Wittgenstein

5 Original em inglês: In my religion, we´re taught that every living thing, every leaf, every Bird, is only alive

because it contains the secret word for LIFE. That´s the only difference between us and a lump of clay. A WORD.

Words are life.

97

(1995) pontua, se os limites da linguagem dos alunos provenientes das camadas populares

forem exíguos, seus limites de mundo também o serão. Em razão disto, cabe à escola, local

privilegiado para fomentar esse empoderamento e autoestima deles, alargar os horizontes

linguísticos, construindo e compartilhando saberes linguísticos diferentes, mas sem esquecer

que seu objetivo final é um ato político, no sentido de propiciar aos alunos novas formas de se

defender em uma sociedade e novas formas de se reconhecerem e serem reconhecidos como

sujeitos de linguagem e de cultura.

98

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

ARISTÓLELES. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel

do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1988.

______________. A Arte Poética. Trad. Manuel Alexandre Júnior. Lisboa: Imprensa

Nacional, Casa da Moeda, 1997.

______________. Ética a Nicômaco (Livro I). Brasília: Editora UnB, 2000.

BAGNO, M.A. Preconceito linguístico – como é e como se faz. São Paulo:Ed. Loyola, 49ª.

Edição 1997.

______________ Língua Materna – letramento, variação & ensino. São Paulo:Ed.

Parábola, 2002.

_______________Português ou brasileiro, um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola

Editorial. 2003.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do

Método Sociológico na Ciência da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi

Vieira. 7ª ed., São Paulo: Hucitec, 1995.

____________________, Estética da criação verbal, Editora Hucitec: São Paulo, 2003.

___________________, Cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto

de François Rabelais – 7ª edição. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec,

2010.

BARBOSA, Severino Antônio Moreira. Poetizar o Pedagógico, alguns ensaios, de modo

constelar, Biscalchin Editor: Piracicaba, 2013.

________________, Uma pedagogia poética para as crianças. Adonis: Piracicaba, 2013.

_________________, Uma nova escuta poética da educação e do conhecimento. Editora

Paulus, São Paulo, 2009.

_________________. Escrever é desvendar o mundo. Editora Papirus, Campinas, 2008.

99

_________________. A menina que aprendeu a ler nas lápides. Biscalchin Editor:

Piracicaba, 2009.

_________________. A utopia da palavra. Editora Lucerna, São Paulo, 2002.

_________________. Educação e Transdisciplinaridade. Editora Lucerna, São Paulo, 2002

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa, 37ed. Rio de Janeiro: Lucena,

2001.

__________________. A sobrevivência da Língua Culta. Discurso na ABL – Academia

Brasileira de Letras, 2008, disponível em:

<http://www.reocities.com/Athens/Delphi/8488/bechara2.html> Acesso em 19.11.13.

___________________. Homenagem: 80 anos de Evanildo Bechara. Editora Nova

Fronteira/Lucerna, 2008, disponível em: < http://veja.abril.com.br/050308/p_114.shtml>

Acesso em 04.11.13.

BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX, apud ROUANET, 1981.

________________ Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. In Walter Benjamin - Obras

escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da

cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232

BISSOTO, M. L. MIRANDA, A. C. (orgs.). Educação Sociocomunitária: tecendo saberes.

Campinas: Editora Alínea, 2012.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas, 6a. edição, São Paulo: Perspectiva,

2002.

BORDELOIS, Ivonne, A palavra ameaçada, Vieira & Lent, Rio de Janeiro, 2005.

BOTO, Carlota Josefina Malta Cardozo dos Reis. Ler, Escrever, Contar e se Comportar: a

Escola Primária como Rito do século XIX Português (1820-1910). Tese de Doutorado da

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo [mimeo],

1997.

BRONCKART, J. P. (2006). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento

humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006.

100

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Princípios de Linguística Geral: Como introdução aos

estudos superiores da Língua Portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Padrão , 1977.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

CASTILHO, Ataliba T. A língua falada e o ensino de Português. São Paulo: Contexto,

1998.

COHN, Gabriel (2004). Indiferença, nova forma de barbárie. In A. Novaes

(Org.), Civilização e Barbárie. São Paulo: Companhia das Letras.

COSTA, Gilbert Coutinho. Crítica da Crítica dos PCN´s: uma concepção dialética.2012.

Disponível em < http://cev.org.br/biblioteca/critica-critica-dos-pcns-uma-comcepcao-

dialetica/ > Acesso em 03.02.15

CUNHA, Albertina. ALTGOTT, Maria Alice Azevedo. Para compreender Mattoso

Câmara. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua

portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

DUBOIS, Jean. Dicionário de Linguística, p. 185. 8ª ed., Editora Cultrix: São Paulo, 2007.

ELIAS, Norbert (1994). O Processo Civilizador: uma História dos Costumes. Volume I.

Trad: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar.

FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. Oralidade e escrita:

perspectivas para o ensino de língua materna. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez Editora, 1982.

______________. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do

Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

_____________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São

Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.

_____________. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’água, 2004

101

GAGNEBIN, J.M. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da

cultura. Prefácio Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem e Poder, 3ª.edição, São Paulo: Livraria Martins Fontes

Editora Ltda, 1991.8ª.edição 2003.

GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. In: Revista de

Administração de Empresas. São Paulo: v.35, n.2, p. 57-63, abril 1995.

GOMES, P.T. Educação Sócio-comunitária: delimitações e perspectivas. Congresso

Internacional de Pedagogia Social Mar. 2009, disponível em:

<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000092008000100013&script=s

ci_arttext>. Acesso em 05.11.13.

ILARI, R. O estruturalismo linguístico: alguns caminhos. In: MUSSALIN, F.; BENTES,

A.C. Introdução à linguística. São Paulo: Cortez, 2004. p. 53-92. (Vol 3: Fundamentos

epistemológicos)

JÄEGER, Werner Wilhelm. Paideia, A Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins

Fontes, 1986.

KATO, M. No mundo da escrita. Uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática,

1987.

KOCH, Ingedore G.V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1996.

KRAMER, Sonia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo: Editora Ática,

3ª. Edição, 1998.

LATTES. Currículo de Pesquisadores, Doutores e Mestres no Brasil. 2014.

<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4758767E1>. Acesso em

05.12.14.

102

LOBATO, Lúcia Maria Pinheiro. Sintaxe gerativa do português. Belo Horizonte: Belo

Horizonte, 1986.

LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. São Paulo: Ática. 6ª edição. 1998.

MARCUSCHI, L. A. A língua falada e o ensino de português. 6º Congresso de Língua

Portuguesa – PUC-SP, 1996. (mimeo).

_____________. Concepção de língua falada nos manuais de português de 1º e 2º graus:

uma visão crítica. 49ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC. Belo Horizonte, julho de 1997.

_____________. Da fala para a escrita. Atividades de retextualização. São Paulo: Cortez,

2001.

MARX, Karl. Manifesto Comunista. Edição Ridendo Castigat Mores, São Paulo: 1999.

MELLO, Gladstone Chaves. Iniciação à filologia e à linguística portuguesa. Rio de Janeiro:

FGV, 1949[1946].

MELLO, Gladstone Chaves. (1949) Iniciação à filologia e à linguística portuguesa. Rio de

Janeiro: Acadêmica, 1971.

MORIN, Edgard. Cabeça Bem Feita - Repensar a Reforma/Reformar o Pensamento. São

Paulo: Cortez, 1999.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Portal do MEC. Terceiro e Quarto

Ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. 1998. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf>. Acesso em 20.11.13

PELLEGRINO, Hélio. Édipo e Paixão in: Os Sentidos da Paixão. Companhia das Letras,

São Paulo, 1986.

PLATÃO. A República. Trad. M. H. R. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

1993.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Mercado das Letras.

Campinas, 2000.

103

ROUANET, S.P. Édipo e o anjo: itinerários freudianos em Walter Benjamin. Rio de

Janeiro, Tempo Universitário, 1981.

RUNES, Dagobert D. Dicionário de Filosofia, Editorial Presença, Lisboa,1990.

SAPIR, Edward. A Linguagem: Introdução ao estudo da Fala. 2. ed. Tradução: J. Mattoso

Câmara Jr. São Paulo: Perspectiva, 1980.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio Chelini, José Paulo e

Izidoro Beinkstein. São Paulo: Cultrix, 1975.

SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J. (trad e org Roxane Rojo). Gêneros orais e escritos na escola.

Campinas: Mercado de Letras, 2004.

SOARES, Magda Becker. Alfabetização e letramento. Campinas: Mercado de Letras,1998.

SOBRINHO, Barbosa Lima. A Língua portuguesa e a unidade do Brasil. Rio de Janeiro:

Editora Nova Fronteira, 2ª.edição 2000

STUBBS, Michael. Educational Linguistics. Oxford, Basil Blackwell, 14ª. edição 2005.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de

gramática. São Paulo, Cortez Editora, 2009.

VALERY, Paul. A primeira aula do curso de poética. São Paulo: Iluminuras, 1991

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente, São Paulo, Martins Fontes, 1984.

_______________. Pensamento e Linguagem, São Paulo, Martins Fontes, 1987.

WITTGENSTEIN, Ludwig - Tratado Lógico-Filosófico. Investigações Filosóficas. Lisboa.

Fundação Calouste Gulbenkian. 2º.ed.1995.

WOLFF, Francis. Quem é bárbaro? In A. Novaes (Org.), Civilização e Barbárie. São Paulo:

Companhia das Letras, pp. 19-43, 2004.

ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. São Paulo: Editora Intrínseca, 2005.