213
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL LEANDRO CANABRAVA DAMAS ENTRE A ÁGORA E A ACRÓPOLE: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos Belo Horizonte 2018

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

  • Upload
    ngoque

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO LOCAL

LEANDRO CANABRAVA DAMAS

ENTRE A ÁGORA E A ACRÓPOLE: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre

as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos

Belo Horizonte 2018

Page 2: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

LEANDRO CANABRAVA DAMAS

ENTRE A ÁGORA E A ACRÓPOLE: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre

as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local.

Linha de pesquisa: Gestão Social e Desenvolvimento Local.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Márcio Magalhães

Belo Horizonte 2018

Page 3: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras – Bibliotecário Júlio Ferreira Gomes – CRB 6 – 3227.

D155e Damas, Leandro Canabrava

Entre a Ágora e a Acrópole: praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos. / Leandro Canabrava Damas. – 2018.

211f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Márcio Magalhães

Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2018. Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Inclui bibliografias.

Page 4: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está
Page 5: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

NOTA INTRODUTÓRIA No Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, as dissertações de mestrado orientam-se pelas seguintes normas aprovadas por seu Colegiado: Para os elementos textuais: 1. A Introdução deve trazer o tema, problema, questão central da pesquisa, hipótese (facultativa), objetivo geral, objetivos específicos, justificativas e o plano de capítulos; 2. O primeiro capítulo deve trazer uma revisão teórica na área temática da pesquisa, dentro de um recorte de tempo. É esperado que esse capítulo seja apresentado na forma de um artigo de revisão, contendo: título, subtítulo, nomes e filiação institucional dos autores (o/a mestrando/a e o/a orientador/a), resumo, palavras-chave, abstract, keywords, introdução, desenvolvimento, conclusão, referências, notas, anexos e apêndices; 3. O segundo capítulo deve trazer o relato da pesquisa realizada pelo/a mestrando/a. É esperado que esse capítulo seja apresentado na forma de um artigo científico, contendo: título, subtítulo, nomes e filiação institucional dos autores (o/a mestrando/a e o/a orientador/a), resumo, palavras-chave, abstract, keywords, introdução, discussão teórica, metodologia, análise dos dados e/ou discussão dos resultados, considerações finais, referências, notas, anexos e apêndices; 4. O terceiro capítulo deve trazer o produto técnico derivado da revisão teórica e da pesquisa realizada pelo/a mestrando/a, sua proposta de intervenção na realidade. É esperado que contenha: título, subtítulo, nomes e filiação institucional dos autores (o/a mestrando/a e o/a orientador/a), resumo, palavras-chave, abstract, keywords, introdução, discussão para introduzir o produto técnico e contextualização, descrição detalhada do produto técnico, considerações finais, referências, notas, anexos e apêndices; 5. Por último, o/a mestrando/a deve trazer as considerações finais da dissertação; 6. Ficam mantidos os elementos pré-textuais e pós-textuais de praxe em dissertações e teses; 7. Alguma flexibilidade em relação a essa estrutura pode ser considerada, mas é indispensável que o/a mestrando/a apresente pelo menos uma das suas partes na forma de um artigo.

Page 6: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Cláudio Márcio Magalhães, por me acompanhar neste

percurso, pela sua paciência e contribuições até o último instante.

À minha amada esposa Renata, por participar ativamente desta dissertação,

contribuindo com suas ideias, com a companhia no trabalho de campo, com seu

olhar atento na leitura (e releitura) de meus textos. Por passar e dividir todo este

percurso com amor, paciência e cuidado, segurando todas as “barras” possíveis.

Ao meu filho, meu pai, irmão e irmãs, sobrinhos(as), cunhados(a) por participarem

da minha vida e compreenderem minhas ausências necessárias, minhas aflições e

meu mau humor circunstancial. À minha mãe, que deixa saudades, mas cuja

presença se fez de outras tantas formas a me apoiar.

Ao meu irmão Cana, pelas belíssimas imagens proporcionadas nas nossas viagens

aéreas e à minha irmã Fer pelas águas e orações repletas de bons fluidos.

Ao querido Oscar, amigo e parceiro de todas as horas desde sempre, cúmplice das

minhas ansiedades, tristezas e alegrias nos percursos de minha vida.

Aos inúmeros amigos por proporcionarem momentos de descontração, tão

importantes e necessários à produção seguinte, em especial aos queridos Hector,

Roberto e Roberta.

À Renata e Antônio, pelo carinho especial ao me receberem em sua casa como um

filho, dando todo o suporte às minhas “noitadas” acadêmicas.

À Pipoca, pela sua simples presença e companhia em todos os momentos.

À querida Valéria Garcia, não só pela revisão e formatação cuidadosa deste

trabalho, mas especialmente pela escuta, nas horas mais improváveis.

Aos coordenadores do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário

UNA, Caio Sabido, Karina Campos, Isabela Zennaro e Luiz Felipe de Brito, pois,

sem sua colaboração e compreensão das minhas ausências, este trabalho não

ficaria pronto no prazo devido. E aos colegas e professores do curso, em especial:

Jaqueline Vilela, Flávia Papini, Carolina Boaventura, Juliana Stark e Guilherme

Brandão, pelo apoio e compreensão nos momentos cruciais da produção deste

trabalho.

Page 7: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

Aos colegas de mestrado, pela convivência, palavras de apoio e motivação a cada

fase desta empreitada e por compartilharem especialmente as suas angústias e

conquistas ao longo de todo esse processo, em especial às colegas Josefina

Baetens, Kátia Gaivoto, Paula Quinaud e Aline Dias por compartilharem comigo os

desafios na experiência da escrita de meu primeiro artigo científico e à colega

Solange Santos, por suas palavras de apoio nos momentos difíceis desta jornada,

nas horas mais inóspitas.

Aos professores do mestrado pelas contribuições acadêmicas, em especial às

Professoras Alexandra do Nascimento Passos e Wânia Maria Araújo, pelas

profícuas contribuições em meu projeto de qualificação.

Page 8: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

“As formas urbanas são o produto da

história; sob o nome de cidade, acumula-

se uma quantidade de experiências que

não perfila o rigor de um conceito”.

(Marcel Roncayolo)

Page 9: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

RESUMO

Este trabalho procura investigar a gênese dos espaços públicos nas sociedades ocidentais desde as suas origens até a contemporaneidade, a fim de verificar as relações entre esses espaços e as condições histórico-sociais em que estavam circunscritos. Estabelece, como objetos de estudo de caso múltiplo de caráter histórico, as Praças da Liberdade e da Estação, ambas situadas na região Centro-Sul da cidade de Belo Horizonte/MG dentro do contexto histórico-social, no qual foram conformadas, transformadas e apropriadas ao longo de sua história. Discute os processos de intervenção urbana nas cidades contemporâneas, procurando esclarecer os conceitos que se destacam quando se trata do tema. Propõe, como intervenção, uma nova abordagem metodológica para a pesquisa de campo que objetiva a observação direta simples em espaços públicos e a aplica em um estudo de caso empírico experimental, tendo como objeto a Praça da Liberdade.

Palavras-chave: Praças. Espaço público. Gestão urbana. História das cidades.

Genrificação.

Page 10: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

ABSTRACT

This research seeks to investigate the genesis of public spaces in Western societies from their origins to contemporaneousness, in order to verify the relations between these spaces and the historical and social conditions in which they were circumscribed. It establishes, as objects of a multiple historical case study, the Praça da Liberdade and Estação, both located in the Center-South region of the city of Belo Horizonte / MG within the historical-social context in which they were conformed, transformed and appropriate to the throughout its history. It discusses the processes of urban intervention in contemporary cities, seeking to clarify the concepts that stand out when it comes to the theme. It proposes, as an intervention, a new methodological approach to field research that aims at participant observation in public spaces and applies it in an experimental empirical case study, with the purpose of Praça da Liberdade.

Key words: Squares. Public space. Urban management. City history. Gentification.

Page 11: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1-1: Uma aldeia contemporânea ................................................................. 25

FIGURA 1-2: Cidade suméria de Uruk ...................................................................... 27

FIGURA 1-3: Pirâmides de Gizé – Cidade do Cairo / Egito....................................... 29

FIGURA 1-4: Cidade de Athenas (Grécia) – Acrópolis e Ágora. ............................... 35

FIGURA 1-5: Fórum em Roma – reconstruído digitalmente ...................................... 40

FIGURA 1-6: O Coliseu nos dias atuais .................................................................... 41

FIGURA 1-7: Carcassone (França) – núcleo histórico .............................................. 49

FIGURA 1-8: Piazza di Santíssima Annunziata (1426-1642), Florença .................... 52

FIGURA 1-9: Piazza del Campidoglio (1537-1664), Roma ....................................... 53

FIGURA 1-10: Place Dauphine (1607), Paris ............................................................ 53

FIGURA 1-11: A Praça de São Pedro vista a partir da Basílica (Roma) ................... 54

FIGURA 1-12: Planta da Cidade de Buenos Aires - Traçado em “Tabuleiro” ........... 60

FIGURA 1-13: A Cidade de Salvador no Século XVII ............................................... 61

FIGURA 1-14: Salvador - Cidade Alta x Cidade Baixa .............................................. 62

FIGURA 1-15: Praça Tiradentes, Ouro Preto/MG ..................................................... 64

FIGURA 1-16: A Paris de hoje – Place d’ Étoile e Av. Champs Elysées ................... 66

FIGURA 2-1: Planta geral da Cidade de Minas, 1895 ............................................. 100

FIGURA 2-2: Antiga Estação de Minas (ao fundo), em 1898 .................................. 105

FIGURA 2-3: Estação Ferroviária - 1910 - vista a partir da Rua Sapucaí ............... 106

FIGURA 2-4: Vista parcial da Praça Rui Barbosa (entre 1939 e 1949) ................... 107

FIGURA 2-5: Vista parcial dos jardins e edifícios da Praça da Estação (1954) ...... 108

FIGURA 2-6: 2º Batalhão de Brigada Policial (entre 1905 e 1920) ......................... 111

FIGURA 2-7: Vista aérea das Praças Rui Barbosa e Estação (foto inserção) ........ 112

FIGURA 2-8: Hipercentro de BH: subáreas............................................................. 115

FIGURA 2-9: Zona Cultural Praça da Estação – limites e inserção na cidade ........ 117

FIGURA 2-10: Mapeamento – “O Corredor Cultural já Existe” ................................ 118

FIGURA 2-11: Duelo de MC´s no baixio do Viaduto de Santa Tereza .................... 119

FIGURA 2-12: Barreira fictícia “protege” o patrimônio da Praça da Estação .......... 121

FIGURA 2-13: Praia da Estação – essa praia não tem líderes ............................... 122

FIGURA 2-14: “Até parece a Lapa” - matéria da Revista Encontro ......................... 123

FIGURA 2-15: Panorama da cidade de Belo Horizonte (1900) ............................... 127

Page 12: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

FIGURA 2-16: Festa de inauguração de BH - Praça da Liberdade (1897) ............. 128

FIGURA 2-17: Praça da Liberdade no ano de 1900, ainda sem paisagismo .......... 131

FIGURA 2-18: Praça da Liberdade 1903 – jardins e réplica do Pico do Itacolomi .. 132

FIGURA 2-19: Praça da Liberdade 1903 - aspecto do traçado paisagístico ........... 132

FIGURA 2-20: Praça da Liberdade - projeto paisagístico de 1920 .......................... 133

FIGURA 2-21: Os jardins da década de 1920 já implementados ............................ 133

FIGURA 2-22: Postal: posse do governo Raul Soares ............................................ 134

FIGURA 2-23: Vista aérea da Praça da Liberdade – década de 1940 .................... 135

FIGURA 2-24: Casarões do bairro de Lourdes, em 1941 ....................................... 135

FIGURA 2-25: “Rainha da Sucata” ......................................................................... 145

FIGURA 2-26: Protesto a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff .... 147

FIGURA 2-27: Circuito Cultural Praça da Liberdade ............................................... 148

FIGURA 2-28: A Praça da Liberdade “vazia”, de novo em obras - 2018 ................. 152

FIGURA 2-29: Reforma da Praça da Liberdade (2018) e o grafite .......................... 152

FIGURA 3-1: Praça da Liberdade: vias de acesso .................................................. 170

FIGURA 3-2: Praça da Bandeira, Belo Horizonte/MG ............................................. 171

FIGURA 3-3: Praça da Liberdade (em destaque): articulação com o entorno ........ 172

FIGURA 3-4: Praça da Liberdade: alameda central nos dias atuais ....................... 173

FIGURA 3-5: Praça da Liberdade: alameda central nos anos 1970 ........................ 174

FIGURA 3-6: Praça a Liberdade, intervenções contemporâneas (ao centro) ......... 175

FIGURA 3-7: Circuito Cultural Liberdade ................................................................ 176

FIGURA 3-8: Lanchonete Xodó, há quase seis décadas em funcionamento .......... 177

FIGURA 3-9: Biblioteca Pública Estadual – vista da Praça da Liberdade ............... 178

FIGURA 3-10: Tapumes fecham a futura sede da Escola de Design da UEMG ..... 179

FIGURA 3-11: Pilotis do Edifício Niemeyer (CCBB ao fundo) ................................. 180

FIGURA 3-12: Quarteirão fechado – Rua Cláudio Manoel (ao lado do CCBB) ....... 180

FIGURA 3-13: Jovens reunidos à noite nas escadas do Museu Gerdau ................ 181

FIGURA 3-14: Escadarias do Museu Gerdau vazias (período diurno) ................... 181

FIGURA 3-15: Caminhada ao cair da tarde ............................................................ 182

FIGURA 3-16: Passeio com o cão (matinal e vespertino) ....................................... 183

FIGURA 3-17: Pipoca e política no espaço da arte ................................................. 184

FIGURA 3-18: Idosos acompanhados contemplam a paisagem da praça .............. 185

FIGURA 3-19: Jovem praticando corrida ao redor da praça ................................... 185

FIGURA 3-20: O casal e seus “melhores amigos” .................................................. 186

Page 13: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

FIGURA 3-21: Adolescentes passeiam de bicicleta ................................................ 186

FIGURA 3-22: Namoro em local mais reservado .................................................... 187

FIGURA 3-23: Hippies: artesanato à venda e socialização ..................................... 187

FIGURA 3-24: Amigos papeando em banco próximo ao coreto ............................. 188

FIGURA 3-25: Casal de namorados ........................................................................ 189

FIGURA 3-26: Amigos preparam o violão para uma roda de música ...................... 189

FIGURA 3-27: Food Trucks próximos à praça (ao lado do CCBB) ......................... 190

FIGURA 3-28: A presença do Papai Noel anuncia a chegada do Natal .................. 190

FIGURA 3-29: Vendedores de balão se posicionam em local visível na praça ....... 191

FIGURA 3-30: Pipoqueiros sempre marcam presença na praça ............................ 191

FIGURA 3-31: Jovens ocupam o coreto da praça, como de costume ..................... 192

FIGURA 3-32: Efetivo policial se concentra na alameda central da praça .............. 192

FIGURA 3-33: Postura despreocupada denota sensação de segurança ................ 193

FIGURA 3-34: Praça da Liberdade – alameda central ............................................ 194

FIGURA 3-35: Iluminação de Natal – Praça da Liberdade (alameda central) ......... 195

FIGURA 3-36: Vendedor ambulante (pipoca) e apropriação das escadas .............. 196

FIGURA 3-37: Vendedor ambulante (bebidas) e apropriação da calçada .............. 196

FIGURA 3-38: Vendedores ambulantes (artesanato e algodão doce) .................... 197

FIGURA 3-39: Anexo da Biblioteca Pública – pessoas em situação de rua ............ 197

Page 14: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BH – Belo Horizonte BHTRANS - Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil CCPE: Corredor Cultural Praça da Estação CCPL - Circuito Cultural da Praça da Liberdade CDPCM - Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município DER/MG - Departamento de Estradas e Rodagem - Minas Gerais DETRAN: Departamento Estadual de Trânsito DOM - Diário Oficial do Município FUNARTE-MG: Fundação Nacional de Artes - Minas Gerais IAB-MG: Instituto de Arquitetos do Brasil - Minas Gerais IEPHA/MG - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IS - Internacional Situacionista MAO - Museu de Artes e Ofícios da Cidade de Belo Horizonte MC - Mestre de Cerimônia METROBEL - Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte MG - Minas Gerais MP - Ministério Público PAC: Programa de Aceleração do Crescimento PBH: Prefeitura de Belo Horizonte PLAMBEL: Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte RFFSA: Rede Ferroviária Federal S.A. RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte UEMG - Universidade Estadual de Minas Gerais UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais ZCPE- Zona Cultural da Praça da Estação

Page 15: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16

1. DA ALDEIA AO ESPAÇO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO ................................. 23 1.1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 23

1.2. A formação das primeiras cidades na História ....................................... 24

1.2.1. Os primórdios: a aldeia, o fogo e a centralidade ....................................... 24

1.2.2. A revolução urbana inicia-se ..................................................................... 26

1.3. As cidades na antiguidade clássica e seus espaços públicos .............. 32

1.3.1. A Ágora: espaço público, gênese da cidadania e da política .................... 32

1.3.2. Entre o tabuleiro e a especialização funcional: um novo paradigma ........ 36

1.3.3. Roma: pão e circo em uma capital imperial adensada ............................. 38

1.4. Expansão do Islã e o mundo árabe .......................................................... 42

1.5. A Europa medieval................................................................................... 455

1.5.1. Entre o feudalismo e a ascensão dos burgos ......................................... 455

1.5.2. Da peste ao Renascimento ....................................................................... 51

1.6. A “inflexão”: do Renascimento às cidades contemporâneas ............... 54

1.6.1. Uma nova perspectiva .............................................................................. 54

1.6.2. Ver e ser visto: novos espaços de status .................................................. 56

1.6.3. A influência portuguesa no além-mar: a gênese da praça brasileira ...... 588

1.6.4. Entre a revolução e o capital .................................................................... 65

1.7. Considerações Finais ................................................................................ 67

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 70

2. ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO: PRAÇAS DA LIBERDADE E DA ESTAÇÃO .. 72 2.1. Introdução .................................................................................................. 72

2.2. Referencial teórico..................................................................................... 76

2.2.1. Res publica e gestão social ...................................................................... 76

2.2.2. Cidadania deliberativa, gestão pública e desenvolvimento local ........... 811

2.2.3 Definindo espaço, lugar e território ........................................................... 86

2.2.4 Delimitando o “espaço” da praça .............................................................. 86

2.2.5. Intervenções urbanas: conceitos e contextos ........................................... 87

Page 16: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

2.3 Metodologia ................................................................................................. 97

2.3.1 O estudo de caso ....................................................................................... 97

2.4. A Cidade Como Contexto ........................................................................... 99

2.5. Praça da Estação ..................................................................................... 105

2.5.1. Da gênese à intervenção recente ........................................................... 105

2.5.2. O Projeto “Centro Vivo” e o Plano de Reabilitação do Hipercentro ........ 113

2.5.3. Século XXI: entre apropriações, insurgências e “a Praia” ....................... 116

2.6. Praça da Liberdade .................................................................................. 126

2.6.1. Das primeiras décadas até a “invasão” hippie ........................................ 126

2.6.2. A Savassi, as Feiras e a polêmica da restauração na década de 1990 . 137

2.6.3. A reforma dos anos 1990 ........................................................................ 143

2.6.4. Da reinauguração ao Circuito Cultural Liberdade ................................... 144

2.7. Considerações Finais .............................................................................. 153

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 157

3. PRODUTO TÉCNICO – “DERIVAS CARTOGRÁFICAS” .................................. 163 3.1. Introdução ................................................................................................ 163

3.2. Referencial teórico................................................................................... 164

3.2.1. A deriva como gênese da pesquisa de campo experiencial.................... 164

3.3. Metodologia .............................................................................................. 167

3.4. Estudo de Caso Experimental: a Praça da Liberdade ......................... 169

3.4.1. Localização, morfologia e articulação com o entorno ............................ 170

3.4.2. Os edifícios e a praça ............................................................................ 174

3.4.3. O cotidiano da praça .............................................................................. 181

3.4.4. Natal na praça ....................................................................................... 187

3.4.5. Eventos .................................................................................................. 195

3.4. Produto Técnico: recomendações para uma “deriva cartográfica” ... 198

3.5.1. Planejamento pré-deriva (antes de ir a campo) ..................................... 198

3.5.2. Instrumentos e bases para o registro das derivas (em campo) ............. 199

3.5.3. Procedimentos durante a deriva (em campo) ........................................ 200

3.5.4. Procedimentos pós-derivas ................................................................... 201

3.6. Considerações Finais ............................................................................. 203

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 204

Page 17: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

CONSIDERAÇÕES FINAIS (DA DISSERTAÇÃO) ................................................ 206

APÊNDICE I: MAPA ESQUEMÁTICO – PRAÇA DA LIBERDADE ....................... 209

APÊNDICE II: TABELA PARA REGISTRO DE ATIVIDADES (FRENTE) ............. 210

APÊNDICE III: TABELA PARA REGISTRO DE ATIVIDADES (VERSO) .............. 211

Page 18: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

16

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe-se a investigar como temática as intervenções urbanas

que se conformam nos espaços públicos urbanos contemporâneos. Para tanto,

elege para um estudo de casos múltiplos os espaços conformados pelas (e nas)

praças da Liberdade e da Estação, ambas situadas na região Centro-Sul da cidade

de Belo Horizonte/MG e as quais se encontram inseridas na cidade como parte

indissociável dos denominados Circuito Cultural Praça da Liberdade e Zona Cultural

Praça da Estação.

Pretende-se seguir um percurso no qual, a partir da investigação do papel

exercido pelos espaços públicos coletivos nas cidades e sociedades ocidentais ao

longo da história, possa se estabelecer um patamar que permita um olhar mais

detido e contextualizado sobre esses espaços na contemporaneidade. Dessa forma,

o estudo de caso supracitado, ainda que se dê em espaços simbólicos seculares

num contexto contemporâneo, encontra construções histórico-sociais nas quais se

apoiar.

Tomando-se como referência esse estudo de caso, propõe-se, a partir do

resultado das análises dele decorrentes, elaborar uma proposta de intervenção com

vistas a promover novas possibilidades de apreensão do espaço público enquanto

um bem da coletividade, sob a perspectiva da gestão social e desenvolvimento local.

Nas cidades, os espaços públicos são locais onde importantes

acontecimentos para a vida citadina ocorreram, ocorrem ou são suscitados. Nessas

cidades, os espaços públicos podem ser caracterizados por tipologias urbanas bem

distintas: as ruas, as praças, os parques, dentre outros. São muitas as pesquisas

que se têm debruçado na temática do espaço público, e boa parte delas consideram

as praças como espaços públicos notórios, sobretudo pelas práticas sociais que

decorrem de seu uso.

Muito embora tenham sido encontrados vestígios de espaços que nas

civilizações primitivas já anunciavam relações sociais e manifestações análogas às

das praças, a origem das praças, conforme são conhecidas nas cidades ocidentais,

Page 19: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

17

é creditada à Ágora1 (Grécia) e ao Fórum (Roma), que constituíram importantes

espaços nas cidades da antiguidade clássica. Ver-se-á ao longo deste trabalho que

as praças, enquanto espaço público, mostrarão, a partir de seus usos e

apropriações, as mais diversas facetas, tendo também sua relevância sido

transformada ao longo do tempo.

Ao longo da história das civilizações, as praças já apresentaram vários

desenhos e concepções, sejam culturais, sociais, econômicos ou simbólicos, assim

como já foram espaços onde determinados usos também já tiveram maior ou menor

preponderância (alguns até se tornaram desimportantes ou inexistentes em

determinados períodos da história), mas, ainda assim, é recorrente a ideia de que as

praças ainda configuram espaços de relevante importância para a cidade e as

pessoas (DE ANGELIS et al., 2005).

Nota-se, entretanto, que a praça como espaço público que é não se constitui

apenas por um espaço físico (forma) que possibilita a harmonização com a

espacialidade que a circunscreve, onde costuma ser referenciada ou mesmo a partir

da qual se referencia, mas, especialmente, a partir de sua construção histórico-

social (conteúdo).

As praças da Liberdade e da Estação, objetos deste estudo de caso múltiplo,

pelo fato de fazerem parte da história da cidade de Belo Horizonte desde o seu

surgimento, constituem-se como espaços públicos de notoriedade, servindo como

suporte, objeto e lugar para (e na) cidade tanto para a pausa quanto para a ação,

prestando-se, em maior ou menor grau, ao repouso, à contemplação e à realização

de diversas atividades - manifestações políticas, cultura, lazer, desporto, dentre

outras práticas sociais consolidadas.

Se por um lado os espaços públicos concretizados nas praças podem

apresentar-se vazios de sentido simbólico para determinado indivíduo, servindo

apenas como espaço de passagem ou como estruturas que ordenam o tráfego de

veículos ou grupo; ao mesmo tempo, podem ser vistos como importantes lugares de

memória para outros. Podem funcionar como elemento de referência na malha

urbana – marcos visuais que auxiliam não só no deslocamento pela cidade, mas

funcionam como local de destaque para a implantação de edificações ou

1 Neste trabalho o termo “Ágora” será utilizado em sua forma feminina muito embora nas citações de Mumford (2004) o autor utilize o termo no masculino, provavelmente referindo-se ao “espaço” da Ágora.

Page 20: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

18

monumentos históricos (LYNCH, 2006). Podem, ainda, conformarem-se como

espaços de consumo na (e da) cidade.

Vale dizer, que ambas as praças inserem-se em espaços que passaram por

intervenções urbanas recentes, sob o discurso “oficial” da recuperação de áreas

degradadas - no que tange à Praça da Estação – e de valorização da cidade como

capital da cultura, procurando assim justificar a implantação do Circuito Cultural

Liberdade (CCPL) e da implementação da Zona Cultural da Praça da Estação

(ZCPE) – projetos que foram viabilizados especialmente através de parcerias

público-privadas.

Somado a esse contexto, já se previa, desde o início dos anos 2000, a

transferência da sede do governo estadual e as suas secretarias - que até então se

encontravam instaladas na Praça da Liberdade – para a Cidade Administrativa -

região norte da capital – como parte integrante do projeto de consolidação da Linha

Verde, tendo esta última, a Praça da Estação, como “ponto de partida”.

Propostas de intervenção urbana que como estas objetivam, pelo menos a

priori, a ressignificação dos espaços públicos urbanos com vistas à atratividade,

explorando especialmente suas potencialidades culturais e turísticas, têm também

geralmente como cerne a promoção das cidades no contexto regional, nacional ou

mesmo internacional. Nesse sentido, muito embora geralmente almejem o

desenvolvimento econômico, este se dá sob uma lógica do capital, vez que a

maioria desses projetos de intervenção é viabilizada economicamente através de

parcerias público-privadas, em que o valor de uso dos espaços subsiste, na maioria

das vezes, ao seu valor de troca.

É verdade que há inúmeros casos de sucesso quando se revitaliza ou

requalifica um espaço, mas há também intervenções que promovem apropriações

não inclusivas, descaracterizam o espaço ou atribuem a ele outros significados que

promovem efeitos deletérios, sobretudo quando estes se prestam a favorecer de

forma desequilibrada o capital em detrimento do cidadão, o que pode acarretar

especialmente a especulação imobiliária e a gentrificação.

É necessário considerar que intervenções urbanas são implementadas não

somente no espaço concreto, visível, palpável, mas no contexto urbano que é

dialógico, de relações entre o espaço físico e o vivido, cuja apropriação para e pelo

usuário torna-se condição para consolidação de um lugar.

Page 21: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

19

Destaca-se ainda o fato de que tanto a Praça da Estação quanto a Praça da

Liberdade são partes integrantes de conjuntos paisagísticos e arquitetônicos

tombados pelo patrimônio histórico e que, por essa razão, quaisquer modificações

nas mesmas devem passar pelo crivo dos órgãos competentes. Vale dizer que o

tombamento patrimonial visa, entre outras coisas, preservar a memória de um lugar

e sua história, que pode estar “escrita” tanto em imaterialidades quanto em espaços

ou edificações, seja, nesse caso, interrompendo algum processo deletério e/ou

mesmo recuperando/restaurando áreas ou edificações degradadas.

Além de tudo o que foi dito até aqui, vale destacar que as praças em questão

são tidas por vários pesquisadores como dois dos mais importantes remanescentes

espaços que datam da época da inauguração da capital, o que pode ser confirmado

nos trabalhos de vários autores(as), entre os quais se podem citar, como exemplo:

Gonçalves et al. (2015), Júnior et al. (2016), Jayme e Trevisan (2012) e Giffoni

(2010). Sendo assim, tais espaços merecem, na visão deste autor, um cuidado

ainda maior ao serem objetos de propostas de intervenção, uma vez que estas

impactam e interessam não só ao contexto local que se inscrevem, mas a toda a

cidade e uma vez que essas praças, como todos os demais espaços e bens públicos

da cidade, interessam, por pressuposto, a todos os cidadãos, quaisquer alterações

que causem impactos significativos no seu uso devem ser pensados pela e para a

coletividade.

Nesses termos, as transformações no espaço público da cidade de Belo

Horizonte, que já passou por processos de renovação urbana em sua área central;

que já assistiu ao abandono dessa área, quando do deslocamento das elites para

outras regiões da cidade; e que convive com uma realidade na qual se vê a redução

dos espaços coletivos em benefício da malha viária que privilegia o uso do

automóvel, merecem atenciosa análise.

É importante salientar que o interesse do pesquisador em relação ao objeto

de estudo dá-se por algumas razões que considera importante mencionar, a saber:

pela sua formação como arquiteto e urbanista que o coloca de certa forma já

familiarizado com a temática do espaço urbano; pela evidente importância desses

espaços no processo de formação da cidade onde reside; pela familiaridade que

possui com esses espaços, os quais utiliza com certa frequência; pelo interesse na

dinâmica das práticas sociais que se dão no espaço público; e, por fim, mas não

Page 22: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

20

menos importante, pelo fato desses espaços fazerem parte de conjuntos

arquitetônicos e urbanísticos tombados pelo patrimônio histórico que foram

recentemente transformados, cada um à sua medida, em espaços culturais de

destaque.

Buscando investigar os processos sócio-históricos em que se concretizam a

construção e consolidação dos espaços públicos ao longo da história das cidades

ocidentais, discute-se a noção de res publica, assim como também a temática da

gestão urbana, sob a ótica das apropriações sócioespaciais, processos

colaborativos e práticas sociais, procurando assim estabelecer uma aproximação

com o Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento

Local, dentro da linha de pesquisa “gestão social e desenvolvimento local” no âmbito

da área de concentração em “inovações sociais e desenvolvimento local”.

Muito embora tenham sido encontradas inúmeras pesquisas acadêmicas que

se dedicaram à análise desses mesmos espaços, não foi encontrado nenhum

estudo que demonstre um paralelo entre as duas praças centenárias de Belo

Horizonte no intuito de perceber as diferenças e similitudes ou correlação entre

esses espaços como lugares propícios ao encontro, ao lazer, ao desporto, às

manifestações cívicas, relacionando-os a partir da observação das dinâmicas do

espaço público vivido.

Dessa forma, por serem espaços que passaram recentemente por processos

de intervenção urbana que os modificaram e alteraram o contexto urbano no qual se

encontram e diante da proposição evidente nessas intervenções de se alavancar o

desenvolvimento econômico alicerçado na cultura e no turismo, potencializando a

atratividade desses espaços, merece investigação a possibilidade de que, ao se

reforçarem discursos que dão maior importância ao embelezamento, limpeza,

segurança e oferta de serviços (sobretudo culturais), priorizem-se, sob a lógica

deletéria do capital privado, o valor de troca e o consumo do (e no) espaço público,

em detrimento do valor de uso, qual seja: das reais necessidades dos indivíduos que

já os frequentavam e para os quais aqueles já se constituíam como lugares, e não

um espaço qualquer, desqualificado.

Esta pesquisa pretende ainda propor a observação do espaço público

conformado pela Praça da Liberdade a fim de identificar e refletir sobre as práticas

socioespaciais, as atividades e os usos que se dão no espaço da praça e em seu

Page 23: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

21

entorno imediato. Objetiva-se com isto a investigação de formas alternativas de

observação, registro e análise dos dados de campo.

As metodologias utilizadas nesta pesquisa propõem uma abordagem

qualitativa, tendo sido organizadas da seguinte forma:

Inicialmente foi feita uma revisão de literatura de cunho historiográfico que

percorreu o tempo na busca das gêneses dos conceitos (e apropriações) acerca

do espaço público, da praça e da noção de política, cidadania e “esfera pública”,

uma vez que tais conceitos (e apropriações) são importantes para a compreensão

das “essências” dos espaços públicos e da contextualização sócio-histórica

destes como espaços pertencentes à res publica.

Num segundo momento, resgataram-se discussões na literatura especializada –

quais sejam livros ou teses de doutorado e dissertações de mestrado e artigos

que trouxessem à tona conceitos caros ao estudo de caso proposto, podendo

ser destacadas as principais temáticas: “esfera pública”, gestão social,

desenvolvimento local e espaço público (desta última, outras derivam).

Na terceira etapa, tratou-se de “operacionalizar” o estudo de caso, que foi dividido

em duas partes, sendo a primeira de caráter teórico e histórico e a segunda de

caráter experimental:

o Realização de pesquisa bibliográfica e documental na busca de outras

pesquisas que trataram dos mesmos espaços escolhidos para o estudo de

caso (as praças e circuitos), de forma que não só complementaram as

informações que não seriam possíveis obter no estudo de campo, mas

contribuíram para as reflexões daquilo que fora investigado in loco.

o Realização de pesquisa empírica (de campo), através da observação direta

simples, a qual foi operacionalizada na Praça da Liberdade e em seu

entorno imediato, a partir de diversas incursões ao local – em dias e

horários variados - e cujos registros foram feitos em diversos suportes:

diário “cartográfico”; gravações em áudio e vídeo e fotografias.

o Descrição do caso estudado, a partir dos dados obtidos nas pesquisas

empíricas e bibliográficas, os quais foram tratados conjuntamente.

Para se alcançarem os objetivos descritos acima, esta dissertação tem seu

percurso estruturado em três partes, sendo dois artigos e uma proposta de

Page 24: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

22

intervenção (produto técnico): no primeiro capítulo, dedica-se a investigar, através

de um estudo historiográfico, a formação dos espaços públicos nas cidades

ocidentais, das suas origens à contemporaneidade; já o segundo capítulo trata de

apresentar um estudo de caso de caráter teórico e histórico que tem como objeto

duas praças da cidade de Belo Horizonte: as Praças da Liberdade e da Estação. No

terceiro capítulo, apresenta-se a proposta de intervenção fundamentada nas

pesquisas bibliográficas e documentais dos capítulos anteriores.

Espera-se, dessa forma, compreender a formação e a transformação da res

publica nos dias atuais na direção de refletir sobre os contextos das intervenções

urbanas nos espaços públicos contemporâneos e refletir sobre as apropriações que

os sujeitos implementam nestes espaços em a partir da observação do uso cotidiano

e em eventos pontuais de uma das praças, quer seja a Praça da Liberdade.

Page 25: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

23

1. DA ALDEIA AO ESPAÇO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO

RESUMO

Este artigo dedica-se a investigar a formação das cidades ocidentais e de seus espaços públicos, das suas origens à contemporaneidade, a partir de um olhar histórico-social. Objetiva, a partir dessa investigação, compreender o contexto desses espaços coletivos e sua relação com a cidade e sociedade de cada época, em especial à luz dos usos e práticas sociais neles estabelecidas. Volta-se, sobretudo, à procura dos “rastros” que fazem a praça emergir como espaço público de notoriedade e, assim, estabelecer um fio condutor para uma melhor compreensão do caráter das praças na cidade contemporânea. É parte integrante da dissertação “Entre a Ágora e a Acrópole: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos”, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

Palavras-chave: Espaço público. Cidade. Praça. Urbanização.

ABSTRACT

This article is dedicated to investigate the formation of western cities and their public spaces, from their origins to the contemporary, from a historical-social perspective. It aims, from this research, to understand the context of these collective spaces and their relationship with the city and society of each era, especially focusing in the social practices in those spaces. Intends to investigate the "traces" that make the squares emerge as a notorious public space and thus establish a route for a better understanding of the squares character in the contemporary city. It is an integral part of the dissertation "Between the Agora and the Acropolis: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte / MG) - a case study on socio-spatial practices established in public spaces", of the Graduate Program in Social Management, Education and Local Development of UNA University Center.

Keywords: Public Space. City. Square. Urbanization.

1.1. INTRODUÇÃO

O estudo das cidades e de seus espaços públicos, em especial aqueles

representados pelas ágoras, fóruns, adros, praças ou congêneres, mostra que não

houve um modelo único de organização das sociedades que foi seguido e adotado

Page 26: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

24

como regra para todas as demais, quer seja em seus hábitos, sistemas políticos,

organização espacial e cultura. Essas sociedades influenciaram-se,

complementaram-se, sobrepuseram-se, ora de forma pacífica, ora imperialista e até

mesmo bárbara. As práticas sociais no espaço público, muitas vezes influenciadas

pelo poder dominante (religioso, político ou econômico) e em outras exatamente

sendo expressão da democracia, da liberdade ou da oposição a essas forças, ora

contraem-se à zona de familiaridade, ora expandem-se fortemente nos espaços

públicos.

Os romanos bem tentaram “padronizar” o mundo com a imposição de sua

arquitetura, política e costumes aos povos conquistados pelo Império. Séculos

depois, os colonizadores, expandindo-se “além-mar”, também tentam criar um novo

mundo padronizado à sua maneira, à força. Irrompem-se as cidades planejadas,

influenciadas por Hipódamo de Mileto e amplamente utilizadas nas colônias

espanholas. “Adormecidas”, elas voltam à cena em fins do século XIX, sobretudo na

tentativa de solucionar as mazelas das cidades na era da Revolução Industrial.

Buscam-se ordenar, mas também higienizar (no sentido amplo e ambíguo), não

somente o espaço, mas as funções e usos do espaço privado e público e, de certa

forma, normatizaram-se até mesmo as próprias práticas sociais. Conforme será

apresentado, essas linhas entre o espaço coletivo e o privado, entre os “poderes”,

entre o “meu” e o “do outro” nem sempre são tão claras.

1.2. A formação das primeiras cidades na História

1.2.1. Os primórdios: a aldeia, o fogo e a centralidade

Os primeiros indícios de civilização hoje são conhecidos como consequência

de valiosas descobertas arqueológicas. De acordo com Arruda (1993), distinguem-

se três grandes períodos na evolução do homem durante a Pré-história2: a antiga

Idade da Pedra ou Paleolítico Inferior (500.000 - 30 000 a.C.) e o Paleolítico Superior

(30.000 - 18 000 a.C.); a nova Idade da Pedra ou Neolítico (18.000 - 5000 a.C.); e a

Idade dos Metais (5000 - 4000 a.C.). Os homens do período paleolítico deixaram

2 É comum encontrar nos textos de historiadores a referência à divisão entre aquilo que seria parte da História e, de outro lado, a Pré-história tendo como marco a invenção da escrita, ocorrida por volta do ano 4000 a.C., que teria tido como uma de suas motivações a necessidade de se promover e contabilizar as primeiras trocas comerciais nas (e entre as) sociedades (ABIKO et al., 1995).

Page 27: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

25

sinais apresentados por meio de fragmentos de sua existência: vestígios de seus

primeiros abrigos; os primeiros materiais que trabalharam para transformá-los em

ferramentas de defesa e caça; o uso do fogo; as sobras de alimento e, por que não,

seus restos mortais.

Vale destacar aqui que a descoberta do fogo e o uso do fogo (e da fogueira)

viriam a demarcar, desde já, um ponto focal de grande importância para a aldeia - a centralidade. Essa centralidade seria observada em aldeias contemporâneas, até

mesmo nas mais diversas conformações urbanas ao longo da história, e localizariam

espaços, edificações, instituições e indivíduos que representassem - pelo cargo e/ou

posição social que ocupavam - papel de extrema relevância. A imagem a seguir

(figura 1-1) ilustra essa relação espacial em uma aldeia contemporânea africana

onde o chefe e seus celeiros ocupavam a posição central de maior visibilidade e,

numa distribuição radiocêntrica, separavam-se espacialmente os homens e suas

esposas:

FIGURA 1-1: Uma aldeia contemporânea.

Fonte: BENÉVOLO (2015, p. 20).

Page 28: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

26

Um considerável tempo adiante, o homem, até então nômade e coletor, passa

a transformar a natureza em um projeto humano. No período conhecido como

neolítico, o homem deixa rastros de aldeias onde já procura se fixar e trabalhar o

ambiente natural, de forma a acumular subsídios para sua sobrevivência. De

caçador, passa a domesticar animais, produz e acumula alimentos para épocas

menos férteis. Os objetos por ele criados especializam-se: as ferramentas para o

cultivo, a criação de animais, os cultos e a ornamentação. Já, nesse período, as

primeiras aldeias dispunham suas moradias a conformar espaços intersticiais de

percurso, circulação e permanência que remetem, ainda que de forma primitiva, às

ruas e às praças das cidades da época atual.

É bem verdade que, ainda hoje, há um grande contingente de seres humanos

vivendo em aldeias que guardam aqui e acolá semelhanças com as do período

neolítico, mas, por pertencerem a outro momento histórico e terem passado por

milhares de anos de transformação, apresentam espacializações, divisões de

trabalho e outras configurações sociais distintas, sofrendo – em maior ou menor

grau – influência dos ditos “povos civilizados” (BENÉVOLO, 2015, p. 15-17).

1.2.2. A revolução urbana inicia-se

Após o período glacial, o clima e a vegetação transformaram-se radicalmente.

E o homem, ainda no período neolítico, aproveita-se disto. As primeiras civilizações

orientais começam a se formar ao longo das planícies e dos rios numa área que fora

conhecida como Mesopotâmia3, num período denominado como a “revolução

urbana”, uma vez que não se tratava apenas de um aumento da escala e população

das aldeias, mas de grandes e sucessivas transformações físicas e sociais que se

estabeleceriam.

À época, a sociedade ali formada apresentava um homem que já dominava

cultivo de cereais e árvores frutíferas, manipulava metais, domesticava animais para

o transporte de cargas e pessoas e conhecia a roda que desde já utilizava nos

carros puxados por bois. A “escolha” dessa região para a fixação e permanência

dessas primeiras sociedades pode se justificar especialmente pelo clima e a

3 A origem do termo Mesopotâmia deriva do prefixo “meso ”= meio e “potâmia” = rio e é utilizado para denominar uma região geográfica localizada em vasto território em forma de meia lua, entre os rios Tigre e Eufrates, e que se estendia entre os desertos da África e Arábia, aproximava-se do Mediterrâneo e do Golfo Pérsico (BENÉVOLO, 2015; MUMFORD, 2004).

Page 29: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

27

presença dos rios que não só favoreciam a pesca e o cultivo em terras planas,

úmidas e férteis, como também lhes servirá mais adiante para fins de deslocamento

e trocas comerciais.

É nessa época também que a cidade e a arquitetura especializam-se, não só

espacialmente, mas no uso dos materiais de construção e na divisão do trabalho -

surgem aí ocupações como as dos camponeses, cervejeiros, padeiros, tecelãs,

ferreiros, sacerdotes, apenas para citar algumas, além das ocupações dos escravos,

em menor número, que geralmente realizavam as grandes construções. Há a

concentração de poder e dos excedentes de produção na mão de alguns poucos

indivíduos, especialmente aqueles considerados como representantes de divindades

(sacerdotes) e seus conselhos de anciãos. As cidades começam então a apresentar

características peculiares: os terrenos urbanos passam a ter proprietários

individuais; enquanto a área rural, que ainda é trabalhada coletivamente, rende

impostos e tachas aos sacerdotes. Surgem templos grandiosos (Zigurates) que se

destacam como estruturas arquitetônicas pela sua maior elevação e massa e que

também se especializam, servindo não só como santuários, mas também com

funções militares (torres de observação), laboratórios, lojas e armazéns

(BENÉVOLO, 2015). A ilustração a seguir (figura 1-2) mostra uma representação da

cidade de Uruk na antiga Suméria (Babilônia) como Zigurate em primeiro plano:

Figura 1-2: Cidade suméria de Uruk

Fonte: CRISTALINKS4 (2018, editada pelo autor).

4 Disponível em: <http://www.crystalinks.com/uruk.html>. Acesso em: 10 mai. 2018.

Page 30: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

28

Sem se deter às características específicas de cada uma das várias

civilizações que por ali passaram, fixaram-se ou mesmo desapareceram em um

período que vai especialmente do IVº ao Iº milênio a.C., é importante notar que esta

fora uma região na qual as cidades-estados viviam em sucessivos conflitos militares

pelo domínio das benesses que seu território ofertava, conflitos estes que limitavam

especialmente seu desenvolvimento econômico.

Segundo Arruda (1993), a Mesopotâmia não se configurava como uma região

isolada. Esses intensos conflitos, que muitas vezes exterminavam toda uma

população, acabaram por tornar difícil determinar exatamente a composição dos

povos que lá viveram, como também era raro que um mesmo reino sobrevivesse por

muito tempo.

Assim, estabilidade econômica prosperava geralmente somente quando

chefes de uma cidade5 conseguiam tal poder e constituíam impérios e impunham o

domínio de uma sobre toda a região durante maior período de tempo. Foi nesses

períodos de estabilidade que as primeiras metrópoles formaram-se e passaram a

concentrar os poderes políticos e os econômico-comerciais - algumas com

proporções comparáveis às grandes cidades da era moderna6 - onde os palácios

reais apresentavam-se como a estrutura dominante e encontravam-se, assim como

os templos, mais próximos a outras estruturas urbanas e habitações residenciais.

As cidades cercavam-se por fossos e muros, em forma retangular, destinados

à defesa, separando fisicamente o campo e as cidades. Os traçados de suas ruas

apresentavam-se retilíneos e os espaços – construídos ou livres –, agora bastante

geometrizados, definiam uma forma urbana de caráter mais racional (BENÉVOLO,

2015). Essa primeira preocupação com a forma e função de alguns elementos da

estrutura urbana viria a ser apropriada pelas civilizações, especialmente nas cidades

planejadas a partir do século XIX.

5 Merece destaque o império fundado por Sargão de Arcad, por volta de 2500 a.C. que durou cerca de um século. Sucedem-se a ele reis com a mesma intenção de desenvolver suas cidades econômica e politicamente, podendo-se destacar, especialmente, Hamurabi e a cidade da Babilônia. 6 Para dar uma ideia da dimensão de uma das maiores metrópoles à época, Babilônia, planificada nos anos 2000 a.C. e transformada em capital do império de Hamurabi por volta de 1800 a.C., era cortada “ao meio” pelo rio Eufrates que definia duas áreas cercadas por muros cuja extensão era de cerca de 400 hectares - aproximadamente 4km² (BELÉVOLO, 2015, p.32). Em termos comparativos, a cidade Belo Horizonte, concebida 40 séculos depois para ser capital de Minas Gerais, teve sua área urbana planejada para ocupar cerca de 9km².

Page 31: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

29

Contemporânea dos impérios mesopotâmicos, ergue-se a sociedade egípcia

dos faraós que, como país unificado, apresentava-se consolidada já no IVº milênio

a.C.. Diferenças notáveis em relação ao governo e à formação da cidade podem ser

destacadas nessa sociedade em relação às mesopotâmicas: a consolidação

simultânea do faraó como governante político e divindade encarnada (BENÉVOLO,

2015). O autor destaca a separação, sobretudo nos primeiros tempos, entre os

monumentos, destinando tumbas, obeliscos e estátuas gigantescas em uma cidade

“à parte e eterna”, também conhecida como necrópole ou cidade divina, e dedicada

a poucos que ali repousariam após a sua morte, onde até os materiais construtivos

eram exclusivamente perenes.

Apesar da sua separação física, a sua escala monumental e sua implantação

na planície garantia a ela o status de paisagem e cenário onipresentes na cidade

dos vivos e, muito embora as cidades tenham sido completamente alteradas, ainda

hoje se podem perceber a imponência e a onipresença das pirâmides egípcias na

paisagem da cidade do Cairo (figura 1-3):

Figura 1-3: Pirâmides de Gizé – Cidade do Cairo / Egito

‘ Fonte: DICAS DE HOTÉIS7 (2018, editada pelo autor).

7 Disponível em: < https://www.dicasdehoteis.net/onde-se-hospedar-para-conhecer-piramides-egito-cairo/>. Acesso em: 20 jul. 2018.

Page 32: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

30

Um dado interessante trazido por Benévolo (2015) é o de que os operários e

suas famílias “instalavam-se” em uma espécie de “vila temporária”, enquanto as

pirâmides e os templos da cidade divina eram por eles erguidos e que, logo após a

sua construção, estas eram abandonadas e/ou demolidas e essas famílias

retornavam às cidades “dos vivos” - ou seja, constroem grandes obras, mas não

usufruem de sua produção, pois serão enterrados na areia. Processo análogo

ocorreria em muitas outras circunstâncias de trabalho e produção humana e, como

será abordado mais adiante neste trabalho, na construção da cidade de Belo

Horizonte, na qual os operários não terão fim muito distinto.

O Império Egípcio seria então governado durante quase mais de 4.000 anos

por dinastias de reis naturais do Egito e mesmo de estrangeiros até a sua conquista

pelo Império Romano em 30 a.C., que tornaria esse país uma de suas províncias.

Durante grande parte desse período, as cidades eram abertas, sem muros e

erguidas rapidamente, formando vários pequenos núcleos urbanos

interdependentes, o que as diferia na gênese de suas vizinhas mesopotâmicas que,

sempre angustiadas com as possibilidades de invasão, acabaram por utilizar seus

muros também como instrumentos de controle e coesão social. Já as egípcias, de

outro lado, tinham aspectos territoriais que propiciavam naturalmente certa proteção

e a coesão social dava-se por outras razões: A unidade que os povos mesopotâmicos alcançaram somente pela coerção ativa da cidade, os egípcios conseguiram como um dom da natureza no vale do Nilo. [...] a própria região tinha os caracteres da cidade murada, pois a montanha, o deserto e o mar, durante longo período, serviram como baluartes e mantiveram os egípcios virtualmente livres da invasão. [...] Sob tais condições, a própria cidade tomou uma diferente forma, mais aberta, mais essencialmente difundida: era um centro cerimonial, um complexo de templo, palácio, oratório, provavelmente sem muralhas no sentido militar, embora talvez fechado e rodeado por aldeias (MUMFORD, 2004, p. 98-99).

Percebe-se aqui que a própria especialização das funções urbanas e da

divisão do trabalho, que desde a aldeia vai se consolidando, já é mais evidente nas

cidades mesopotâmicas e egípcias e contribui para divisão espacial dos espaços

ocupados na cidade pelos indivíduos. Essa segregação funcional e espacial, que até

hoje representa um dos grandes desafios das cidades contemporâneas, era ainda

agravada pela rígida estrutura de divisão e imobilidade das classes sociais,

sobretudo no Egito.

Em outro aspecto, as mesmas cidades que apresentavam motivações e

seduziam aldeões e citadinos a viver em sociedade, como o espírito do trabalho

Page 33: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

31

coletivo, a necessidade de protegerem-se, a troca de conhecimento e as

especializações, também originam situações de conflito e tensão social que não

existiam, pelo menos não naturalmente. Essas novas situações urbanas passavam

pela necessidade de se aceitar, negociar e representar papéis sociais, pela limitante

divisão do trabalho e, assim, predominava a subjugação de determinados sujeitos

(grupos sociais) para satisfação da vontade ou ganância de outros.

Dito isto, se por um lado as circunstâncias parecem apontar na direção de

uma cidade que vive situações indesejáveis até então inexistentes – a competição,

as tensões sociais, os conflitos de interesse - são também esses próprios dramas

que propulsionam o aparecimento de circunstâncias que apontariam,

desejavelmente, na direção oposta: o reforço das identidades e da cultura, os laços familiares e de vizinhança, a diversidade e a necessidade do diálogo -

numa relação dialética em busca do equilíbrio de forças:

E se as facilidades que oferece ao diálogo e o drama, em todas as suas ramificações, constituem uma das forças essenciais da cidade, então uma das dimensões do desenvolvimento urbano deve estar evidente: acha-se ela no alargamento do círculo daqueles que são capazes de tomar parte nele até que, por fim, todos os homens participem da conversa. Neste processo, os papéis originais, talhados para os homens da cidade, com uma existência dedicada para uma função única, devem ser reconhecidos pelo que sempre foram: limitações do alcance e significado do drama humano, bloqueios institucionais do desenvolvimento livre e pleno da personalidade (MUMFORD, 2004, p.134).

Ciente das contribuições que outras civilizações emergentes à época

deixaram como legado: quer seja na navegação, na construção civil, na astronomia,

na cultura islâmica - apenas para citar alguns exemplos – um pequeno salto

cronológico até as civilizações da antiguidade clássica parece profícuo, uma vez que

influenciaram, em maior ou menor grau, a formação de parte considerável das

cidades e espaços públicos ocidentais. Assim, objetiva-se concentrar a análise das

civilizações daqui em diante com ênfase na formação dos espaços urbanos, nas

relações entre o privado e o público e, gradativamente, nas práticas sociais que

neste último se estabelecem.

Page 34: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

32

1.3. As cidades na antiguidade clássica e seus espaços públicos

1.3.1. A Ágora: espaço público, gênese da cidadania e da política

Como cultura proeminente da antiguidade clássica, a Grécia como estado

consolidado apresentou uma ruptura no que diz respeito à base religiosa sobre a

qual se fundamentavam a civilização mesopotâmica e egípcia - os deuses já não

eram humanos e nem estes últimos seus representantes divinos e soberanos. Essa

premissa viria alterar não somente a relação dos gregos com a religião, mas a

própria forma de organização social e a forma de governo na Grécia, conforme

aponta Mumford:

Os gregos, ao que parece, haviam-se, em certo grau, libertado das ultrajantes fantasias do poder sem reservas que a religião da Idade do Bronze e a tecnologia da Idade do Ferro tinham promovido: suas cidades eram cortadas mais próximo da medida humana e foram libertadas das pretensões paranoicas de monarcas quase divinos, com todas as compulsões e arregimentações acompanhantes do militarismo e da burocracia. Os gregos derrubaram, quando, aliás, ainda mal as haviam desenvolvido, as duras divisões em casta e ocupação, que se haviam introduzido com a própria civilização (MUMFORD, 2004, p. 140-141).

O mesmo autor destaca ainda outras características da civilização grega que

mostram o quanto valorizavam as potencialidades humanas e a natureza, o que viria

modificar não só a forma de produção e distribuição de riquezas, mas também seria

terreno fértil para a participação dos cidadãos na política, no desenvolvimento da

arte, filosofia e literatura, especialmente em Atenas (MUMFORD, 2004).

Herdaram-se dos gregos, em maior ou menor grau de adaptação, várias

formas de organização social e política e, assim como a arte e arquitetura gregas

inspirariam e influenciariam durante séculos outras civilizações ocidentais, também o

pensamento filosófico, a democracia8 e a própria organização social deixariam

marcas da sociedade grega em nossos tempos.

No que diz respeito às características dessa sociedade que aqui serão

destacadas, ressaltam-se aquelas presentes, sobretudo, nas cidades-estados

8 Merece reflexão que a democracia consagrada na Grécia pela participação direta dos cidadãos e suas assembleias acabaria se transformando em demagogia na própria Atenas, conforme destaca Gonçalves (2007, p. 02): “com o século IV a. C. a prática da democracia em Atenas transforma-se em demagogia, na qual a cidadania perde sua eficácia, já que a participação se transforma em uma ação marcada por troca de favores, na qual a elite, mediante presentes, comprava o voto do ”demos” e esta seria utilizada em formas ainda mais espúrias de “mediação” entre governantes e governados, como no Império Romano.

Page 35: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

33

gregas que são reconhecidas pelo seu modelo político de democracia, muito embora

se saiba que o processo de formação dessas cidades e desse modelo de governo

não se deu logo de início e nem mesmo de forma abrupta nessa sociedade

(FLORES, 2000).

Não obstante as profundas contribuições no desenvolvimento da política e

cidadania deixadas por essa sociedade, o processo de formação das cidades-

estados democráticas gregas consolidou-se na região após séculos de alternância

entre povos nativos, sistemas familiares patriarcais (genos), invasões dórias (que

dispersaram as populações urbanas) e comunidades fraternais de aristocratas. Essa

última conformação social acabou concentrando propriedades e riquezas e

originando a pólis9 grega (ARRUDA, 1993).

Ainda segundo Arruda (1993), o território de domínio grego passa a se

expandir entre os séculos VIII e VI a.C. até longínquas áreas na Bacia do

Mediterrâneo, possibilitando o enriquecimento de comerciantes gregos que, por sua

vez, juntamente com os pobres marginalizados, começam a contestar o poder

aristocrático. No período após essas tensões sociais acirrarem-se, alguns governos

de legisladores procuraram estabelecer leis que promovessem maior igualdade, mas

estes acabariam por ser substituídos por tiranos.

Arruda (1993) ainda menciona ter sido no período do governo tirano10 de

Psistrato (560 a 527 a.C.) que várias reformas foram propostas para a cidade e a

política: passou a existir participação dos cidadãos nas Assembleias e nos Tribunais;

propriedades foram divididas; construção de infraestrutura, como portos, canais,

aquedutos, bibliotecas públicas, etc. É nesse período que aparecem os primeiros

planejamentos urbanos que traziam melhorias estruturais, assim como os traçados

urbanos ortogonais, implantados na cidade de Mileto e que se espalhariam pelo

mundo grego (GOITIA, 1992).

Quanto ao sistema político, Benévolo (2015, p. 76) aponta que a cidade-

estado de Atenas possuía basicamente três órgãos necessários ao seu

9 Pólis é como eram denominadas as cidades-estados gregas. 10 A palavra “tirano” costuma ser muito associada à ideia de opressão e desumanidade. Todavia, no vocábulo grego týrannos, atribui-se o significado de pessoa (governante) que usurpa o poder num Estado de forma ilegítima.

Page 36: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

34

funcionamento: a Eclésia, assembleia dos cidadãos11, que acontecia na Ágora

(espaço público onde funcionava a praça do mercado e era local de encontros e atos

religiosos); o lar comum - local onde se ofereciam sacrifícios, realizavam-se

banquetes rituais e recebiam-se os estrangeiros, anexo ao pritaneu, edifício onde

viriam residir os prítanes, primeiros dignatários da cidade; e o buleutérion – onde se

reunia o conselho (ou bulé) formado por nobres ou funcionários oriundos das

assembleias dos cidadãos.

Em termos de escala, a cidade-estado grega possuía um território de médio

porte que se prestava não só à moradia, mas também à subsistência de sua

população. Era importante contar também com uma população razoável, que fosse

grande o bastante para formar um exército de defesa, mas que não fosse

demasiado populosa a ponto de dificultar que se mantivessem relações de

vizinhança e conhecimento mútuo e, com isto, pudesse participar de forma mais

efetiva de suas assembleias e escolher seus representantes. À medida que

cresciam demasiadamente em população, a cidade-estado acabava por conformar

outra cidade equivalente, evitando assim maiores problemas de infraestrutura,

participação social ou mesmo de subsistência (BENÉVOLO, 2015, p. 76).

O mesmo autor menciona que a escolha do local para a formação das

cidades gregas dava-se em uma colina, objetivando refúgio aos camponeses contra

eventuais inimigos, uma vez que não só retardava a sua aproximação, como

também proporcionava o controle visual do terreno circundante.

Essas colinas eram posteriormente cercadas por ocupações ao longo da

planície que a rodeava e geralmente fortificadas por muros. A partir da consolidação

da cidade, esta se organizava espacialmente em duas partes principais,

denominadas acrópole - cidade alta, destinada aos templos dos deuses - e astu -

cidade baixa (figura 1-4), onde se desenvolvem as relações civis, com papel de

destaque para a Ágora, muito embora essas partes fossem compreendidas como

um único organismo. Sobre as principais funções da Ágora para a cidade grega,

Mumford (2004) esclarece:

Se, na economia do século V, o Ágora pode ser apropriadamente chamado uma praça de mercado, sua função mais antiga e mais persistente foi a de

11 Apesar de ser conhecido como exemplo da democracia, para o sistema político ateniense eram considerados cidadãos somente os indivíduos livres, do sexo masculino, nascidos na cidade de Atenas. Assim sendo, as mulheres, escravos e estrangeiros não possuíam direitos políticos.

Page 37: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

35

ponto de encontro comunal [...] o mercado era subproduto do ajuntamento de consumidores, que tinham outras razões para se reunirem além de fazerem negócios (MUMFORD, 2004, p. 166).

Vê-se que as Ágoras tinham importante papel na vida política e social da polis

e configuravam o primeiro exemplo de espaço urbano de uso coletivo e aberto,

destinado à diversidade de práticas econômicas, sociais e políticas, o que as

aproxima do conceito de praça cívica contemporânea. Também merece destaque a

sua localização espacial na cidade-estado grega, geralmente ladeada pelo

bouleutérion e outras importantes edificações ou estruturas urbanas (como os

teatros gregos) e ainda ponto de partida para a acrópole.

FIGURA 1-4 - Cidade de Athenas (Grécia) – Acrópoles e Ágora

Fonte: BLOG CONEXÕES EPISTEMOLÓGICAS (2010)12.

Ressalta-se, ainda, a importância dada pelos gregos à topografia do terreno

na estruturação de suas cidades: se a “cidade alta” era ocupada inicialmente por

todo núcleo urbano em razão da necessidade de defesa e proteção física;

posteriormente, esta passa a ter função bastante simbólica e destinava-se à

construção dos templos dos deuses, os quais possuíam a função de proteger e

influenciar vários aspectos da vida. Dito de outra forma, a localização dos templos

12 Disponível em: <http://allmirante.blogspot.com.br/2010/05/o-impasse-religioso-1-o-suicidio-e.html>. Acesso em: 19 set. 2017.

Page 38: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

36

na acrópole era também razão e reflexo dessa relação de adoração ou mesmo

subserviência entre os homens e seus deuses.

Essa relação signo-significado, que determinados espaços e “arquiteturas”

passam a estabelecer nas cidades gregas, viria a ser consolidada como estratégia

de planejamento de cidades de outros tempos e sociedades, em que a localização

de determinados espaços urbanos e edificações seria definida não somente para

atender a sua função prática, mas, com igual ou maior importância, a simbólica,

conforme aponta Abiko et al. (1995):

A Acrópole, por exemplo, é reconhecida como uma poderosa expressão de sua era. O Pártenon representa o desenvolvimento do estilo clássico e simboliza a mitologia do povo grego. Em contraste com o ágora, ele diferencia entre os aspectos comercial e religioso da sociedade. Uma aproximação magnífica em espiral à entrada da Acrópole coloca-a em correta justa posição com o resto da sociedade -- ela é separada e mais próxima do céu. Esse simbolismo do orgulho e da democracia ateniense é tão forte que tem sido passado através das idades até o presente. Quase todas as cidades do mundo ocidental têm seu edifício público clássico (ABIKO et al., 1995, s.p., grifos nossos).

Assim, durante séculos, as edificações destinadas às instituições que

representam o poder, sobretudo palácios de governo, órgãos governamentais e

mesmo as igrejas (a depender de sua importância em cada sociedade e período

histórico), serão construídas nas melhores e mais imponentes localizações da

cidade, o mesmo acontecendo com sua arquitetura, geralmente produzindo edifícios

imponentes, seja por sua escala, estilo ou pelos materiais aplicados. A esse

respeito, Flores (2000) menciona a influência das cidades gregas nas cidades

antigas de Portugal e do Brasil:

As cidades atuais herdaram elementos da cidade grega. As cidades antigas de Portugal e do Brasil surgiram em sítios elevados. O centro histórico está na acrópole, com suas praças, igrejas, palácios de governo, teatros e antigas fortificações. Há uma cidade alta e uma cidade baixa, cercadas por chácaras que produzem alimentos e são também lugares de lazer (FLORES, 2000, p. 53).

1.3.2. Entre o tabuleiro e a especialização funcional: um novo paradigma

Segundo Abiko et al (1995), após a invasão da Grécia pelo império

macedônico, Alexandre Magno expande seu reinado num período conhecido como

Helenismo, numa época em que a cultura grega sofre grande influência da oriental.

Esse período marca também, segundo o autor, o papel de Aristóteles como grande

“teórico” do urbanismo da Grécia antiga que viria propor a especialização espacial

Page 39: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

37

sob uma perspectiva funcionalista tanto no planejamento da estrutura urbana em si,

quanto na sua interlocução com seus arredores – numa concepção análoga ao que

ocorre a partir do zoneamento urbano: Ele [Aristóteles] aconselha a escolha de um sítio, não apenas salubre, mas que permita um abastecimento fácil, devendo a cidade tirar partido, tanto do mar quanto do campo. No que diz respeito à estrutura urbana, ele defende uma especialização dos bairros segundo sua função: comercial ou artesanal, residencial, administrativo e religioso. Ele preconiza especialmente a criação de duas praças bem distintas, uma reservada à vida pública e outra consagrada às atividades comerciais (ABIKO et al, 1995, p. 20, grifo nosso).

Essa proposição aristotélica, é bom que se diga, tinha como contexto uma

cidade onde nem todos eram considerados cidadãos, visto que os estrangeiros

(metekos), as mulheres e os escravos não participavam do processo político apesar

de representar a maioria de sua população. Nestes termos, Mumford (2004)

constata que apesar dos avanços helenísticos na plasticidade e infraestrutura das

cidades gregas, neste período houve inflexão da participação política e as

especializações profissionais foram retraindo a capacidade criativa: [...] quando chegou o momento de passar da ideação e encarnação individual à personificação coletiva, a cidade, enfatuada consigo mesma, retrocedeu a uma forma anterior, altamente organizada e ordenada, sanitária e rica, até mesmo suntuosamente bela, porém tristemente inferior à pólis incoativa do século V na sua capacidade de criação. [...] Enquanto aumentava a organização e a riqueza tecnológica, as finalidades ideais da cidade não mais encontravam expressão na vida cotidiana. O próprio espírito passava fome, não por falta de alimentos, mas pelo fato de ser superalimentado com uma nutrição avitaminada e estéril (MUMFORD, 2004, p. 209).

Outra proposição do período relaciona-se ao traçado da cidade e à

transformação do local onde se estabelecia a Ágora. Associada a Hipódamo, cujas

proposições urbanísticas têm como referência a cidade de Mileto, a proposição da

planta da cidade organizada em tabuleiro13 influenciaria também as concepções

arquitetônicas. Podem-se perceber, em algumas passagens de Mumford (2004), tais

proposições que, segundo ele, também facilitariam a organização espacial de

colônias: Aquele planejamento milésio introduziu, quase automaticamente, dois outros elementos: ruas de largura uniforme e quarteirões urbanos de dimensões mais ou menos uniformes. [...] a ágora transferiu-se para beira d’água, para estar próximo dos navios que chegavam e dos armazéns.

13 Tal traçado regulador viria a ser utilizado novamente em outros tempos, como nas colônias espanholas (séc. XV), mas, sobretudo, estabelecer-se-ia quase que como regra nas cidades planejadas após a Revolução Industrial: a partir do final do século XIX, seria implementado em grandes cidades, entre as quais, podem-se citar: Paris, Washington, La Plata e Belo Horizonte.

Page 40: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

38

[...] De Mileto, possivelmente graças à obra de Hipódamo, veio um novo tipo de ágora, um retângulo formal, rodeado por uma muralha de lojas [...] Esse plano geométrico não era fácil de aplicar em sítios de topografia irregular; tinha, porém, uma vantagem[...]: proporcionava um método simples e equitativo de dividir a terra, numa nova cidade formada pela colonização (MUMFORD, 2004, p. 212, grifos nossos).

1.3.3. Roma: pão e circo em uma capital imperial adensada

Muito embora as cidades-estados tenham sido um modelo amplamente

difundido na sociedade grega, sabe-se que não foram inauguradas por ela, mas

essa sociedade implementou uma série de inovações na forma como as organizou.

Da mesma maneira, os romanos inauguraram uma nova configuração de

organização das cidades-estados, talvez exatamente porque passaram a dominar

outras culturas e territórios em grande parte da Europa, a região norte do continente

Africano e, ainda, parte da Ásia. Enquanto na Grécia as cidades-estados

experimentaram individualmente grande independência política e econômica, as

romanas constituirão gradualmente uma espécie de “Estado Universal”,

especialmente na medida em que o Império Romano ampliava-se (BELLOMO,

2000).

Segundo Arruda (1993), a formação do estado romano deu-se não de forma

muito diferente das sociedades anteriormente analisadas e fora oriunda de conflitos

entre vários povos e aldeias. Especialmente foram os etruscos, ao ocupar Roma,

outrora dominada por latinos e sabinos, que deram origem à estrutura dessa cidade.

Todavia fora a independência desta, após o declínio do domínio etrusco, que, a

partir do século VI a.C., gradativamente marcou a expansão territorial romana.

O mesmo autor aponta que Roma, inicialmente apresentando regime de

governo monárquico, tem sua fase republicana iniciada no início do séc. VI a.C.,

quando os patrícios (aristocratas e proprietários de terra) afastam a realeza por esta

se apresentar muito comprometida com as camadas “inferiores”. Durante quase

cinco séculos, esse regime perpetuar-se-ia e somente viria a tornar-se Império

oficialmente em 27 a.C., após quase um século de guerra civil.

De acordo com Benévolo (2015), Roma, agora capital do império cujas

cidades se multiplicavam em quantidade nunca antes vistas, estruturava-se de forma

mais adensada em termos populacionais. Esse adensamento tornava especialmente

necessário que se ampliassem as redes de abastecimento de água e esgoto que

Page 41: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

39

passam a ter uma escala muito maior nas cidades romanas. Também as

construções surgem cada vez mais grandiosas, especialmente os templos e

edificações que representavam as instituições do Estado. Encontram-se duas

tipologias arquitetônicas residenciais: a insulae, verticalizada em até seis ou sete

andares, destinada à ocupação coletiva (e até ao aluguel); em contraposição ao

domus, correspondente às edificações em geral térreas, destinado às famílias mais

ricas da cidade (e seus empregados).

Merece destacar que a preocupação dos governantes centrava-se mais em

construir estruturas urbanas e intervir de forma mais contundente nos serviços e

estruturas públicas, sendo que, por outro lado, faziam-se omissos em relação ao

controle das condições de salubridade ou conforto das edificações residenciais,

sobretudos as coletivas (insulae), onde a precariedade das instalações não impedia

a especulação imobiliária exercida pelos proprietários nos altos preços dos aluguéis

(BENÉVOLO, 2015).

Tais alterações propostas para a estrutura urbana e para as novas e

grandiosas edificações romanas entram em conflito com as ocupações espaciais até

então estabelecidas, configurando-se como um tipo de intervenção urbana que

pressupunha a demolição de edificações e estruturas urbanas mais antigas para dar

lugar às novas. Tais intervenções transformaram Roma, não só nos seus aspectos

físicos, mas alteraram também simbolicamente a sua imagem, o que hoje é

caracterizado como renovação urbana14.

Destaca-se também a forma como os romanos operaram determinados

espaços e edificações de notoriedade, sobretudo no que diz respeito ao lazer. Seu

espaço urbano de destaque é o fórum15 romano - uma grande praça - em geral

implantado em uma área plana e ao redor da qual eram erguidos importantes

edifícios públicos destinados ao lazer:

Os equipamentos públicos eram construídos em uma praça especial, geralmente em um lugar plano, e eram consagrados aos edifícios

14 Renovação urbana é a expressão que hoje traduz um tipo de intervenção na cidade que pressupõe a destruição física (e em geral simbólica) de determinadas estruturas e/ou edificações pré-existentes, conforme será abordado adiante neste trabalho. 15 O fórum também era o local destinado à reunião dos cidadãos e ao comércio (mercado) - de forma análoga à Ágora grega - e nele destaca-se, entre outros, o grande edifício destinado às atividades oficiais, como o exercício da justiça pelos magistrados. A diferença é que o fórum (ou Foro) reunia também templos dos deuses e, portanto, ele apresentava-se como uma espécie de fusão acrópole-ágora.

Page 42: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

40

destinados ao lazer: teatros, circos, anfiteatro, termas. Dentre os demais edifícios é preciso destacar os palácios; os edifícios administrativos; os templos, as casernas, as prisões, os reservatórios, as fontes, os arcos de triunfo e as numerosas estátuas que ornam as vias e as praças públicas (ABIKO et al. 1995, p. 24, grifos nossos).

Contemporâneo da Ágora grega, o Fórum romano caracterizava-se como

espaço central da cidade, com grande apelo político, e concentrava o comércio e os principais edifícios e instituições da cidade. Uma diferença morfológica entre

esses espaços é, entretanto, notada por Mumford (2004). Nas Ágoras, o espaço era

predominantemente aberto; já, nos Fóruns romanos, parte desse espaço estava

coberto e a escala das edificações circundantes tornava-o mais confinado. Na

imagem a seguir (figura 1-5), pode-se perceber a imponência dessa estrutura de

edificações que compunham o Fórum e a conformação da praça em seu centro. A

escala é monumental, e as pessoas podiam reunir-se ali aos milhares:

FIGURA 1-5: Fórum em Roma – reconstruído digitalmente

Fonte: INSTITUTO ANDRE LUIZ (2018)16.

Além das influências supracitadas, os romanos deixaram outras contribuições,

sobretudo na área militar, no campo jurídico e na prática política e na economia,

servindo de inspiração para vários povos e nações da Europa Ocidental. Além, é

claro, do fato de sua língua materna - o latim – ter dado origem a outras várias: o

português, o francês, o espanhol e o italiano (ARRUDA 1993).

Entretanto, não se pode deixar de considerar os malefícios de seus governos

imperialistas que colonizaram parte considerável do mundo e que dominavam as

16 Disponível em: < http://www.institutoandreluiz.org/emmanuel_imagens_3.html>. Acesso em: 10 jul. 2018.

Page 43: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

41

insurgências internas de seus cidadãos com “pão e circo”. Também deixaram como

experiências que seriam – e ainda são – copiadas em maior ou menor grau por

outros modelos de governo. Sobre esse tipo de “mediação clientelista”, Gonçalves

(2007) aponta como já existente no declínio da democracia grega ateniense. Pode-

se dizer que Roma conformava-se cada vez mais institucionalizada e passa a ser

operada pelo Estado com a consolidação do Império Romano.

A imagem a seguir (figura 1-6) dá uma noção da magnitude da escala do

Coliseu em Roma que, à época do Império, estima-se, chegava a abrigar 50.000

pessoas em uma arena onde eram travadas batalhas entre gladiadores, destes com

animais e até mesmo entre embarcações:

FIGURA 1-6: O Coliseu nos dias atuais

Fonte: HISTÓRIA ZINE17 (2018, editada pelo autor).

Outra estrutura também ganha grande relevância na sociedade romana: os

banhos públicos. Se de início estes se justificavam pela necessidade de higiene, a

diversidade de atividades e serviços ali oferecidos, somados à suntuosidade das

edificações em que se inseriram denotam outros significados: ali se dava uma

grande exposição de corpos desnudos, não pela necessidade óbvia da nudez que

um banho solicita, mas muito mais pelo culto à imagem – era o espaço do ócio, do

17 Original disponível em: < https://historiazine.com/o-coliseu-romano-b19e01e7fc9>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Page 44: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

42

prazer e da luxúria que Mumford (2004) compara ao hedonismo que se vê nos

shoppings centers dos tempos atuais: Em sua grande escala e em sua combinação de diferentes facilidades, senão de outra maneira, o banho se compara com o moderno shopping center americano, embora sem particular vantagem para este último. Entretanto, ao passo que a vida de todos para o americano, que vive uma economia compulsiva de expansão, é essencialmente um vazio cheio de artefatos e atulhado de produtos, inflados tendo em vista os lucros, em Roma a aquisição era restrita, em grande parte, às classes superiores e aos seus agentes financeiros, ao passo que, para a maioria, a vida era, em grande parte, uma questão de encontrar substitutos e compensações a expensas públicas. O que começou como necessidade de higiene de um agricultor passou a ser um ritual cerimonioso para preencher o vazio de um dia de ócio. Embora os romanos inflacionassem a moeda teológica inventando um deus especial para cada ocasião da vida, o único deus supremo que realmente adoravam era o corpo (MUMFORD, 2004, p. 249).

A política que se apresenta na Roma imperial como mecanismo de

manipulação das massas para que se retirasse das mãos (e pensamentos) dos

cidadãos a res publica é conhecida então como “pão e circo”. Representa, inclusive,

uma estratégia de se passar uma mensagem subliminar sutil e ainda mais perigosa:

a de que seria uma dispensa, ou até mesmo um “privilégio” para o cidadão comum,

o fato deste não precisar se preocupar em participar da responsabilidade de

governar, deixando assim o caminho livre para a elite fazê-lo. A arte, a cultura e,

sobretudo, a batalha na arena ganham popularidade e são instrumentalizados pelo

império. Não é à toa - aliás, muito pelo contrário - que o Imperador se fizesse

sempre presente. Nas palavras de Gonçalves (2007), resta claro como isto era

colocado em prática:

O espetáculo se torna o lugar central do acontecer público, no qual o povo é chamado a participar enquanto sujeito de uma emoção. Essa emoção se realiza de duas maneiras: uma, específica do espetáculo, que liga cada um e todos ao desenvolvimento do trabalho feito na arena, que o catalisa. A outra diz respeito à presença do imperador, que marca de forma indelével o próprio ritual da corte imperial, já que nesses momentos especiais se realiza uma troca, uma simbiose, na qual a grande massa de homens e mulheres sem rosto se encontra com o único individuo, encontra o pai e recebe o seu amor.

O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está distanciado politicamente, pois a política, como já vimos, dispensou a população de seu trato cotidiano. O espetáculo propicia essa volta original que a assembleia realizava na praça pública. Assim, sem a praça, sem o ágora e, portanto, sem ligação de natureza política, o elo entre o imperador e o seu povo se concretiza através do espetáculo, que pela sua grandiosidade revela o caráter quase sagrado dessa visualização do Pai (GONÇALVES, 2007, p. 130).

Page 45: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

43

Não obstante os absurdos sacrifícios humanos que se davam nas arenas do

Coliseu - fossem nas batalhas entre gladiadores, escravos ou entre humanos e

animais –, outras festas aparentemente inofensivas, financiadas pelos imperadores

romanos, tinham intenções não menos reprováveis: “O espetáculo assume um

caráter de unidade, no qual o povo, cliente, se encontra com o seu pai, o imperador,

que por meio da apresentação pública recebe a gratificação da festa”

(GONÇALVES, 2007, p.127).

Em síntese, aquilo que antes se configurou gradativamente em Atenas como

uma democracia participativa na ágora, superando as regalias aristocráticas que se

originaram no genos, ainda que por esta mesma oligarquia tenha sido retomado dois

séculos mais tarde - demonstrava-se já conceitualmente fragilizado - para dizer o

mínimo - no período da república romana, problema este que fora agravado no

período imperial ao consolidar-se a política de “pão e circo”:

Essa república nunca atingiu o nível de igualdade política semelhante a Atenas, já que a cidade não era entendida como a reunião dos cidadãos, mas como um arcabouço jurídico-político no qual os cidadãos participam mediante leis específicas e práticas que dividem os cidadãos em ordens. É a grande família patrícia que governa o império, ou seus representantes, não existe espaço para a democracia direta como em Atenas. Ora o que temos de diferente no império é o clientelismo se tornando uma forma de mediação entre o império e o povo. Se na república o clientelismo era uma prática que ligava a família patriarcal aristocrática a um grupo de dependentes, famílias pobres e servis, no império essa relação se constitui entre o próprio estado e o povo. É o imperador que assume o lugar do aristocrata; é ele que azeita a relação de dependência que se estabelece, mediante a doação de alimentos e diversão (GONÇALVES, 2007, p. 127).

1.4. Expansão do Islã e o mundo árabe

Embora interesse de forma mais preponderante deter-se sobre aspectos

urbanos da cultura ocidental, cabe aqui fazer uma breve passagem pelo universo do

mundo islâmico que pode apontar outros caminhos trilhados no que diz respeito às

práticas sociais estabelecidas em suas cidades. Outra razão para essa espreita

respalda-se no fato de que a expansão do mundo árabe, de certa forma, converge-

se em um contexto de enfraquecimento do Império Romano e de sua forma de

estruturar a cidade.

Page 46: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

44

Segundo Arruda (1993), os seculares combates entre os impérios Persa e

Bizantino18 enfraquecera-os e, já no início do século VII, estes se apresentavam

bastante fragilizados. Tal circunstância favorecera sobremaneira a expansão e o

domínio árabe sobre seus territórios. Esse mesmo autor aponta ainda outras razões

sociais, políticas e religiosas: populações muito numerosas dos povos árabes;

facilidade de miscigenação e integração entre os árabes e os povos dominados; a

ideia de formação de um grande Estado árabe e a crença na guerra santa, na qual a

morte em combate traria uma grande recompensa.

As cidades fundadas ou transformadas pelos árabes resgataram

características das cidades originárias do mundo antigo e unificaram-nas,

demonstrando pouca diversidade nos tipos urbanos e arquitetônicos e, conforme

aponta Benévolo (2015), isto teria inclusive colaborado para a redução das relações

sociais:

A simplicidade do novo sistema cultural, que está todo contido no Alcorão, produz uma redução das relações sociais. Por isso, as cidades árabes perdem a complexidade das cidades helenísticas e romanas: não têm foros, basílicas, teatros, anfiteatros, estádios, ginásios, mas somente habitações particulares - casas ou palácios - e dois tipos de edifícios públicos: a) os banhos para as necessidades do corpo, que correspondem às termas antigas; b) as mesquitas para o culto religioso, que não têm correspondentes no mundo clássico: não se assemelham aos templos pagãos (edifícios fechados ao público, que se olham do lado de fora) ou Pas igrejas cristãs (espaços fechados unitários, onde todos os fiéis participam de uma cerimônia coletiva), mas são pátios porticados, com um pórtico mais profundo dividido por muitas fileiras de colunas, onde os fiéis, individualmente ou em grupo, encontram local isolado para rezar (BENÉVOLO, 2015, p. 265-266).

O mesmo autor ressalta ainda que cidade torna-se compacta, fechada por

sucessivos muros ou barreiras que a diferenciam em vários recintos. Diferentes

grupos étnicos residem em bairros distintos e o príncipe em uma zona isolada,

afastada de grandes tumultos. As ruas não permitem o encontro e a parada. Essa

redução das espacialidades públicas possui grande influência da religião, quer seja

no modo de convivência - que se pode ver expresso na disposição espacial das

residências (em si e entre si), na conformação das ruas, no comércio e na mesquita:

O Islã acentua o caráter reservado e secreto da vida familiar. As casas são quase sempre de um andar só (como prescreve a religião) e a cidade se torna um agregado de casas que não revelam, do exterior, sua forma e sua

18 ABIKO et. al. (1995, p.25) destaca que no período inicial da expansão árabe, o Império Bizantino era a parte oriental do Império Romano, à época

governado por Justiniano (527-565 d.C.).

Page 47: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

45

importância. As ruas são estreitas (sete pés, diz uma regra de Maomé) e formam um labirinto de passagens tortuosas - muitas vezes também cobertas - que levam às portas das casas, mas não permitem uma orientação e uma visão de conjunto do bairro. Também as lojas dos comerciantes não são agrupadas em uma praça, mas são alinhadas em uma ou mais ruas, cobertas ou descobertas, formando o bazar. Nessa tessitura irregular se abrem – e adquirem pleno valor – os grandes pátios regulares das mesquitas (BENÉVOLO, 2015, p. 266).

Diante da favorável condição econômica que viria a se estabelecer no mundo

árabe (sobretudo em Bagdá), pode parecer inusitada a relativa simplicidade de suas

cidades e é interessante notar o contraponto que a individuação islâmica oferece em

relação às práticas sociais coletivas, sobretudo caso se tomem como base as

civilizações greco-romanas. Entretanto, conforme será apresentado a seguir,

também as cidades da Europa ocidental apresentarão, a partir das invasões

bárbaras e a queda do Império Romano, uma grande ruptura econômica e social

que dará origem à era conhecida como Idade Média.

1.5. A Europa medieval

1.5.1. Entre o feudalismo e a ascensão dos burgos

Segundo Arruda (1993), a nomenclatura Idade Média era o termo cunhado

pelos intelectuais do Renascimento que consideravam o período como a “idade das

trevas19” da História Ocidental, quando o sistema típico de organização de vida e

produção feudal estruturou a sociedade após o declínio do Império Romano pelas

invasões bárbaras. O autor ainda aponta que era um sistema que caracterizava uma

sociedade, onde os indivíduos estavam “presos” ao status familiar. Era baseada no

modo de produção “autossuficiente” – destinava-se ao consumo e não às trocas

comerciais e servis, em que os senhores feudais monopolizavam um poder político

local e descentralizado da monarquia.

Esse modelo fora estabelecido em um contexto em que as cidades foram

arrasadas por diversas invasões bárbaras por parte dos povos germânicos e a

19 Aqui merece destaque que, para o autor deste trabalho, como para muitos historiadores, a alcunha dada a esse período adjetiva-o de forma depreciativa. Com isto, pretende-se dizer que fora um período de muitas facetas e nuances e, não obstante a violência recorrente de suas batalhas - que não lhe é exclusiva, diga-se de passagem - e outras mazelas sociais que atravessaram o período maculado pela peste negra. Este período também deixou grande riqueza de obras arquitetônicas em estilos variados – bizantinas, românicas e góticas – além de esculturas, pinturas.

Page 48: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

46

população dissipou-se, voltando a procurar formas de subsistência elementares e,

por essa razão, a ocupação das áreas rurais para a produção de alimentos tornou-

se fundamental. A esse período, compreendido entre os séculos IV - IX e conhecido

como correspondente à formação e à consolidação do feudalismo, seguiu-se um

gradual abrandamento das invasões árabes, húngaras e bárbaras, proporcionando

certa estabilidade aos feudos. A partir daí, excedentes de produção permitiram

pouco a pouco a circulação e troca de mercadorias entre diversas regiões da

Europa.

Com a ampliação das trocas comerciais, a cidade medieval reergue-se: “uma

parte nova da população, que não encontra trabalho nos campos, refugia-se nas

cidades: cresce assim a massa dos artesãos e dos mercadores” (BENÉVOLO, 2015,

p. 259). Em oposição à vida essencialmente rural tipicamente feudal, vê-se então o

surgimento dos burgos, que se consolidam a partir dos séculos XII e XIII (GOITIA,

1992).

A nova cidade medieval vê-se novamente “entre muros” e cada vez atraindo

mais pessoas, inclusive camponeses em busca de se libertarem da servidão feudal.

Esse crescimento populacional acelerado gera então a necessidade de ampliação

dos muros de defesa pré-existentes, marcando cinturões típicos das cidades

medievais e, com isto, os habitantes passaram a ter que se organizar para financiar

esta que era a principal obra pública da ocasião. De acordo com Benévolo (2015),

dá-se aí a formação da burguesia, numa sociedade inicialmente estabelecida de

forma privatizada:

Nesta cidade, a população artesã e mercantil – a burguesia, como será chamada – está em maioria desde o início; pretende, pois, se subtrair ao sistema político feudal, e garantirem-se as condições para sua atividade econômica: a liberdade pessoal, a autonomia judiciária, a autonomia administrativa, um sistema de taxas proporcionais às rendas e destinadas a obras de utilidade pública (entre os quais, em primeiro lugar, as da defesa: as fortificações e os armamentos). A nova organização surge, num primeiro tempo, como associação privada, depois se embate com os bispos e os príncipes feudais, e se torna um poder público: nasce a comuna, isto é, um Estado com lei própria, superior às prerrogativas das pessoas e dos grupos, embora respeitando os privilégios econômicos. Os órgãos do governo da cidade são: 1) um conselho maior, formado pelos representantes das famílias mais importantes; 2) um conselho menor, que funciona como junta executiva; 3) um certo número de magistrados eleitos ou sorteados: os consoli na Itália, os jurés na França, os échevins em Flandres (BENÉVOLO, 2015, p. 259-260).

Page 49: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

47

Apesar de sua população apresentar vários interesses em comum, as

cidades formadas por essa nova sociedade burguesa também não se associam

em um “corpo unitário”, como acontecia na Grécia, conforme aponta o mesmo autor:

Também esta população, por sua vez, não é um corpo unitário que possa pronunciar-se em comum, como a assembleia nas cidades democráticas gregas; a classe dominante representada nos conselhos se amplia progressivamente, mas não chega a compreender os trabalhadores assalariados; quando estes entram em luta pelo poder – durante a crise econômica da segunda metade de século XIV – são derrotados em toda parte e o governo cai em mãos de um grupo de famílias aristocráticas ou de uma única família: da comuna se evolui para senhoria (BENÉVOLO, 2015, p. 259-260).

Houve crescente expansão – em quantidade – das cidades medievais que se

estruturavam mais ou menos da mesma forma e colonizavam o território agrícola. A

antiga organização das cortes entra em crise, sobretudo pela autonomia econômica

que as novas cidades experimentam. Todavia, é a própria corte que constitui essa

nova organização, a qual agora, além de garantir a liberdade dos trabalhadores,

“tem um governo autônomo e são administradas por um magistrado eleito, quase

sempre, pelos próprios habitantes. Imitam a organização municipal das cidades-

estados, mesmo que fiquem sujeitas à lei feudal no campo político e judiciário”

(BENÉVOLO, 2015, p. 262).

Benévolo (2015, p. 269-270) ressalta que a cultura medieval não apresentou

uma unidade formal na estruturação de suas cidades como outrora era visto: “As

cidades medievais têm todas as formas possíveis e se adaptam livremente a todas

as circunstâncias históricas e geográficas, como já havíamos notado”, muito embora

edificações religiosas sejam quase onipresentes e destaquem-se na paisagem. Por

outro lado, aponta ele, algumas características gerais podiam ser percebidas e

relacionadas com os aspectos político-econômicos já descritos, conforme listadas a

seguir:

O tecido urbano é formado por uma rede de ruas irregulares, mas organizadas

de forma a compor certas unidades, permitindo uma visão geral de um bairro por

exemplo. Estes, muitas vezes, possuem fisionomia e organização espacial que

indicam sua destinação: Cada cidade é dividida em bairros, que têm sua fisionomia individual, seus símbolos e muitas vezes também, sua organização política. No século XIII, quando as cidades se tornaram maiores, formam-se nos bairros periféricos alguns centros secundários: são os conventos das novas ordens religiosas – os franciscanos, os dominicanos, os servitas – com suas igrejas e suas praças (BENÉVOLO, 2015, p. 269).

Page 50: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

48

Nas cidades, são conformadas centralidades (no plural), uma vez que o espaço

público deve marcar os poderes da igreja e suas congregações, das corporações

e do governo municipal. Assim conformam: [...] um centro religioso (com a catedral e o palácio episcopal), um centro civil (com o palácio municipal), um ou mais centros comerciais com as lojas e os palácios das associações mercantis. Estas zonas podem ser sobrepostas em parte, mas a contraposição entre o poder civil e religioso - que não existe na Antiguidade – é sempre mais ou menos acentuada (BENÉVOLO, 2015, p. 269, grifos nossos).

Essas centralidades também se exprimem numa terceira dimensão. As catedrais

exibem campanários ou zimbórios e os palácios municipais uma torre, elementos

estes que possuem tal destaque na paisagem que se tornaram marcos visuais,

não só simbólicos, mas de orientação para os deslocamentos pela cidade.

A burguesia formada por menor parte da população concentra-se espacialmente,

escolhendo o centro da cidade como local para habitar. Dessa forma, relega-se a

periferia (como nos dias atuais) como única opção de moradia para os mais

pobres.

Os espaços públicos então são mais contíguos aos privados, diferentemente do

que acontecia nas cidades da antiguidade. Além disso, pátios e jardins internos

às edificações criam espaços de transição entre o público e o privado.

As praças não são espaços conformados de forma independente do traçado das

vias, mas largos, para os quais elas convergem.

Sitte (1992) aponta que, no espaço público medieval, as praças são espaços

públicos de referência para a cidade e a vida social. Descreve que estas se

proliferavam como espaços livres e diversos - diferentemente do que acontecia nas

cidades greco-romanas - e materializavam apropriações e usos que lhes conferiam

identificações igualmente diversas: praça do mercado, praça da igreja, praça da

entrada, praça central. Dada essa diversidade, destaca-as como espaço

especialmente representativo para a interação social: [...] essas praças ricamente adornadas eram o orgulho e a alegria de toda cidade independente; aqui, concentrava-se o movimento, tinham lugar as festas públicas, organizavam-se as exibições, empreendiam-se as cerimônias oficiais, anunciavam-se as leis, e se realizava todo tipo de eventos semelhantes. De acordo com o tamanho de cada comunidade ou o tipo de sua administração, serviam a essas necessidades práticas duas ou três das praças principais, raramente uma só, pois as praças também eram manifestação da diferença entre autoridade secular e eclesiástica, distinção que a Antiguidade não fazia da mesma maneira (SITTE, 1992, p. 24).

Page 51: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

49

Ainda hoje podem ser visitadas cidades europeias que mantêm centros

históricos medievais com a estrutura morfológica bastante preservada, como se

pode ver nas imagens a seguir (figura 1-7):

FIGURA 1-7: Carcassone (França) – núcleo histórico

Fonte: GOOGLE MAPS (2018, editada pelo autor).

Nessa época, as praças já se demonstravam formais e conceitualmente mais

próximas de muitas daquelas que se têm nos dias atuais - o que foi reafirmado no

período do Renascimento (época do Brasil Colônia) – sem perder, entretanto, a sua

força enquanto espaço de comércio e convívio social. Para Segawa (1996), a praça

distinguia-se dos jardins públicos europeus, oriundos dos grandes jardins privados

aristocráticos: Ao caracterizar a praça e suas modalidades desde a Europa medieval, sua ocupação como espaço popular, permeado pelo universo do riso, do escárnio, da festa, numa dinâmica distinta da cultura religiosa ou aristocrática, contrapõe-se o jardim público, recinto derivado dos grandes jardins privados aristocráticos, de natureza distinta e oposta da praça pública pelas peculiares formas de sociabilidade que desfilavam à sombra das árvores: fazer-se público de sua presença, exibir pompa, ver homens e mulheres bem vestidos e bonitos, contar e ouvir novidades, assistir a apresentações musicais, mostrar filhas na busca de maridos, homens finos admirando e fazendo a corte a cortesãs. Os jogos sociais e sexuais — com a tácita concordância entre seus praticantes — o plaisir de la promenade,

Page 52: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

50

tinha um palco magnífico nos jardins públicos. O jardim público, portanto, emerge como a antítese da praça (SEGAWA, 1996, p. 15, grifos nossos).

Notavam-se, principalmente, dois tipos principais de praça: a praça do

comércio e a praça da igreja (também denominada adro). Zucker (1959 apud

SEGAWA, 1996), por sua vez, apresenta as seguintes classificações morfológicas

das praças medievais: as de entrada da cidade; as que funcionam como centro da

cidade; as de mercado; os adros de igreja; e as praças agrupadas (praças de

morfologias distintas, mas que se configuram espacialmente relacionadas na trama

urbana).

É interessante perceber que, conforme aponta Bakhtin (1987), era nas praças

que os discursos ditos não oficiais estabeleciam-se, local onde a formalidade e a

hierarquia da linguagem da comunicação palaciana, das casas particulares, das

igrejas e de outras instituições eram deixadas de lado para que a linguagem da

comunicação “popular” viesse à tona, sobretudo nos dias de festa e feira. O autor

traz ainda outra perspectiva, descrevendo as praças - no contexto do final da Idade

Média e no Renascimento - como lugares propícios à liberdade de expressão: A praça pública no fim da Idade Média e no Renascimento formava um mundo único e coeso onde todas as “tomadas de palavra” (desde as interpretações em altos brados até os espetáculos organizados) possuíam alguma coisa em comum, pois estavam impregnadas do mesmo ambiente de liberdade, franqueza e familiaridade. [...] convergência de tudo que não era oficial, de certa forma gozava de um direito de “exterritorialidade” no mundo da ordem e da ideologia oficiais, e o povo aí tinha sempre a última palavra. [...] Nos palácios, nos templos, nas instituições, nas casas particulares reinava um princípio de comunicação hierárquica, uma etiqueta, regras de polidez. Discursos especiais ressoavam na praça pública: a linguagem familiar, que formava quase uma língua especial, inutilizável em outro lugar[...] Nos dias de festa, sobretudo durante o carnaval, o vocabulário da praça pública se insinuava por toda parte, em maior ou menor medida, inclusive na igreja[...] (BAKHTIN, 1987, p.132-133, grifos nossos).

Merece observar-se ainda que nas cidades medievais os espaços públicos

livres tornam-se pontos de convergência espacial que, associados às verticalidades

das torres, campanários e zimbórios, tornam-se marcos visuais e espaciais no

grande adensamento que se estabelecia. Neste contexto, Habermas (1984, p. 18),

ao comentar sobre a organização social das cidades medievais, destaca que a vida

cotidiana desenvolve-se nos espaços coletivos, nas ruas e praças tornando-se

estes o lugar onde se manifestava a res pública e “para o uso comum,

publicamente acessíveis, loci communes, loci publici”.

Page 53: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

51

1.5.2. Da peste ao Renascimento

Por volta da metade do século XIV, as cidades medievais assistem,

incólumes, a uma derrota por razões fora de seu controle que o próprio aumento da

população das cidades – razão e consequência de sua consolidação – viria a

proporcionar: sucessivas epidemias, sobretudo a grande peste (1348-49), fariam a

população reduzir-se consideravelmente.

Apesar desse duro golpe, as cidades medievais, agora menos populosas,

retomam e seguem seu curso de desenvolvimento, consolidando-se, como são

conhecidas hoje, entre os séculos XV e XVIII – período que abrange historicamente

tanto o Renascimento quanto o Barroco. No final da idade média, essa redução

populacional possibilitou algumas melhorias estruturais na cidade e estas, agora

menos adensadas, tornam-se um lugar menos insalubre (BENÉVOLO, 2015;

MUMFORD, 2004). O período do Renascimento é marcado, sobretudo, pela

valorização do homem e da antiguidade clássica - nas artes, literatura e arquitetura,

entre outros saberes. Na arquitetura, a presença do “especialista” é fundamental -

separam-se, definitivamente, os grandes mestres dos operários.

Os cidadãos assistem agora, como plateia, à beleza de obras que vão de

Michelangelo na pintura à Bruneleschi na arquitetura, sendo, em sua maioria,

financiadas pela igreja já fortalecida desde a Idade Média. Muito mais que uma

época de transformações das estruturas e tecidos urbanos, a renascença viria a

projetar objetos e edifícios que resgatariam valores da antiguidade clássica greco-

romana de forma a inseri-los na cidade existente (BENÉVOLO, 2015).

A autoridade expressa nas obras já não se dá pela sua escala ou

monumentalidade, mas pelo valor cultural que em seus traços agrega. Trata-se,

pois, de intervenções urbanas - consolidadas especialmente nas praças, ruas e

avenidas - que respeitam o contexto medieval pré-existente e podem ser

consideradas como uma requalificação da paisagem urbana: Os edifícios principais se distinguem pela maior regularidade arquitetônica, não pelo maior tamanho (a autoridade não se exprime com a superioridade dos meios materiais, mas com o prestígio da cultura); esta regularidade diminui nos edifícios secundários e perde-se naqueles para as pessoas comuns [...] a combinação entre o antigo e o novo resulta felizmente unitária: a nova cultura respeita o ambiente tradicional e o corrige – mas só qualitativamente – com seus artefatos, disciplinados por uma regra intelectual superior (BENÉVOLO, 2015, p. 426).

Page 54: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

52

O mesmo autor aponta para o fato de que no início do século XVI, Roma -

que ficara estagnada por muito tempo pelo distanciamento papal até o início do

século XV - conta com grandes obras de artistas e arquitetos de renome, sobretudo

pela proximidade que Júlio II, eleito papa em 1503, tinha com os banqueiros italianos

e alemães que financiam as empresas da Santa Sé.

Altera-se, nesse período, em várias cidades, o tecido urbano “humilde e

emaranhado da cidade medieval” que é “cortado sem hesitações, para dar lugar a

novas ruas retilíneas e novos edifícios” em intervenções nas quais “se avalia o

contraste entre a cidade medieval e a cidade moderna; mas destrói-se o tecido

medieval, sobrepondo os novos traçados regulares aos antigos irregulares”

(BENÉVOLO, 2015, p. 446).

Destaca-se no período renascentista o surgimento de Tratados de Arquitetura

e Urbanismo que preconizam uma cidade ideal, na busca da ordem e da disciplina

estética de “todas as coisas” na cidade, retomando concepções clássicas. À praça,

nesse contexto, foi dada importância muito mais estética e estruturante do que

verdadeiramente social, servindo especialmente como espaço de confluências de

ruas e avenidas (ZUCKER, 1959 apud CALDEIRA, 2007), conforme se pode

verificar nas imagens (figuras 1-8 a 1-10) das praças renascentistas a seguir:

FIGURA 1-8 - Piazza di Santíssima Annunziata (1426-1642), Florença

Fonte: WIKIMEDIA COMMONS20 (2018, editada pelo autor).

FIGURA 1-9 - Piazza del Campidoglio (1537-1664), Roma

20 Disponível em: <https://commons.wikimedia.org>. Acesso em: 15 jun. 2018.

Page 55: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

53

Fonte: WIKIMEDIA COMMONS21 (2018, editada pelo autor).

FIGURA 1-10- Place Dauphine (1607), Paris

Fonte: WIKIMEDIA COMMONS22 (2018, editada pelo autor).

21 Disponível em: <https://commons.wikimedia.org>. Acesso em: 15 jun. 2018. 22 Disponível em: < https://commons.wikimedia.org>. Acesso em: 15 jun. 2018.

Page 56: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

54

1.6. A “inflexão”: do Renascimento às cidades contemporâneas

1.6.1. Uma nova perspectiva

No século XVII, Bernini, um dos arquitetos mais ilustres de sua época,

intervém - por solicitação do Papa Urbano VIII - em uma Roma que compreende

apresentar parcimoniosa convivência entre um tecido urbano predominantemente

medieval, as alterações urbanas propostas no século XVI e que são enobrecidas

pela arquitetura e os modernos monumentos nela implantados no período do

Renascimento. Sua obra mais notável, a Praça de São Pedro23 (figura 1-11), insere-

se numa cidade que não mais pretende ser a Roma do império.

Nas palavras de Benévolo (2015, p. 456), “[...] custodia suas ruínas e

aprendeu a frequentá-las naturalmente, como testemunhos do passado” e propõe a

seguinte reflexão: “O desequilíbrio entre a vida presente e as memórias da vida

passada ensina a meditar sobre o tempo que destrói todas as coisas; revela a

vaidade do mito da Cidade Eterna; e forma a moldura apropriada do poder espiritual

da Igreja”.

FIGURA 1-11: A Praça de São Pedro vista a partir da Basílica (Roma)

Fonte: WIKIMEDIA COMMONS24 (2018, editada pelo autor).

23 É importante ressaltar que tanto a Praça quanto a Igreja de São Pedro (atualmente basílica) não foram projetadas em um só período e nem por apenas um arquiteto. Bernini fora responsável por algumas intervenções na igreja e, sobretudo pela intervenção no projeto da praça, conformando-a como ela se apresenta ainda nos dias atuais. 24 Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons>. Acesso em: 15 jun. 2018.

Page 57: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

55

O mesmo autor, ao tecer elogios ao projeto de Bernini para a praça, refere-se

explicitamente à forma com que esta integra a Igreja de São Pedro à cidade,

tornando-se então um espaço de excelência: “[...] projeta o esplêndido arranjo da

praça: um espaço vazio modelado com os desníveis do terreno [...] deixa ver o

bairro em volta e o panorama da cidade” (BENÉVOLO, 2015, p. 456). Por outro lado,

ele adverte que essa fisionomia já não é mais a mesma na Roma contemporânea,

mas menciona que parte dela permanece evidente em “[...] muitos dos bairros

poupados pelo saneamento, e resiste tenazmente ao “desenvolvimento”

contemporâneo” (BENÉVOLO, 2015, p. 456). Essa obra marcaria fortemente um

período no qual a Igreja, com o advento da Reforma Protestante, procura ressurgir,

com a Contra Reforma e estabelecer uma maior aproximação com seus fiéis

expressa através da arte, da escultura e da arquitetura barrocas, rompendo com

uma estética e, sobretudo, com uma ideia que predominava a que muitos autores

denominam como “classicismo intelectualista”.

Outro viés também se faz presente à época: a consolidação de diversas

monarquias absolutistas traz de volta a monumentalidade também às edificações e

às estátuas que as representam e, assim, viam-se surgir também as Place Royale,

conforme aponta Caldeira (2007): Denominadas de Place Royal, estas praças do século XVIII, representaram simbolicamente, um palco para a consolidação do poder monárquico, uma vez que as estátuas e monumentos erigidos serviam para honrar um rei ou um príncipe e reforçar a sua imagem. A monumentalidade era a sua principal característica estética, além disso, a inserção da praça na trama viária denunciava as primeiras preocupações em se relacionar diversos pontos da cidade, demonstrando uma concepção de conjunto (CALDEIRA, 2007, p. 34).

No urbanismo, alguns ideais renascentistas são resgatados e implementados

na cidade barroca, como o alargamento de ruas que deveriam conduzir a

perspectiva visual e o acesso físico a espaços monumentais, agora destacados por

grandes praças e jardins, repletos de esculturas, fontes e outros adornos. Assim,

não se trata de uma ruptura total com o renascimento, mas de outra perspectiva

que, ao passo de pretender se opor aos valores estéticos e morais da antiguidade

clássica, muitas vezes o reinterpreta. Vê-se então uma diferença significativa no que

tange aos espaços abertos. Enquanto na renascença “domesticavam-se” esses

espaços, agora a monumentalidade toma conta.

Page 58: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

56

Antes de tudo, o ideal barroco aplicado à arquitetura e, sobretudo, ao urbano

revela-se na organização espacial pela continuidade, pelo inusitado e pelo drama,

seduzindo o espectador. Se, na sociedade grega, o povo era o espetáculo e, em

Roma, o Estado a este oferecia o circo e a arena; no barroco, a própria arte e sua

profusão de formas e sentidos, assim como o urbanismo que propõe tal perspectiva

aos monumentos, são espetaculosos. A cidade barroca deveria então ser

conformada em atenção às aspirações estéticas aristocráticas e a grandiloquência

de suas formas ser expressão de poder, de ordem e de controle social (GOITIA,

1992).

Sennet (1998) apresenta o cenário das cidades Paris e Londres (antes do

incêndio de 1666) em meados do século XVII, em que a aglomeração urbana,

sobreposta em um tecido urbano ainda predominantemente medieval, tem as praças

como elementos que a deixam “respirar” em meio ao caos: Se tivéssemos que percorrer Paris ou Londres antes do grande incêndio de 1666, ficaríamos impressionados com a absoluta concentração humana em um pedaço geográfico considerado minúsculo, segundo os padrões modernos. As casas se aglomeravam em ruas que não tinham mãos de três ou três metros e meio de largura com inesperados claros e vastos espaços abertos (SENNET, 1998, p.74).

Nessa perspectiva, Sennet (1998) aponta na direção de que esses novos

espaços reestruturaram também a forma como eram utilizados e que a sua escala

monumental também reduzia a diversidade de usos e práticas sociais neles

estabelecidas. Ao referir-se às praças parisienses, o autor destaca que estas não

foram concebidas para a multidão - algumas atividades foram, inclusive, proibidas –

suprimiram-se as barracas, o comércio de rua, os acróbatas e as estalagens: As praças medievais e renascentistas eram zonas livres em Paris, em oposição a zonas controladas das casas. As praças monumentais do princípio do século XVIII, ao restaurarem a aglomeração populacional na cidade, reestruturaram também a função da massa, pois mudou a liberdade com que as pessoas podiam se reunir. A reunião de uma multidão se tornou uma atividade especializada; acontecia em três locais: no café, no parque para pedestres e no teatro (SENNET, 1998, p. 75).

1.6.2. Ver e ser visto: novos espaços de status

A partir da metade do século XVIII, há uma progressiva alteração na relação

entre as esferas pública e privada que Sennet (1998) analisa como sendo

decorrente, especialmente, do desenvolvimento de uma burguesia mercantil e

intelectual. O espaço público e a praça perdem terreno para outros que se

Page 59: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

57

apresentam como alternativa à sociabilidade e que conferem status às relações

sociais: “Teatros, bares e cafés tornam-se alternativas a espaços de sociabilidade e

firmam-se como instituições no imaginário da sociedade burguesa[...] A cidade, com

as suas galerias, boulevards e jardins, torna-se o espaço de afirmação de uma

burguesia ascendente” (CALDEIRA, 2007, p. 30).

Essas razões, também são mencionadas por Segawa (1996, p. 47-48),

quando ele aponta que tais transformações sociais “trouxeram outras categorias [...]

distintas das posições sociais tradicionais. A roupa era símbolo de hierarquia

social[...]”, em clara alusão à busca de prestígio e diferenciação social entre as

classes mais altas a partir do status que a moda poderia conferir. Ele então destaca

que “o jardim público, a partir do século 17, foi a grande passarela dessas

transformações” e considera o jardim público como “antítese” da praça medieval.

Para ele, as mudanças culturais viam-se impressas nos jardins públicos e o lazer

nesses espaços demonstra a passagem de um estado contemplativo para o que

considera como formas ativas de expressão de novas regras de sociabilidade que

impõem aos jardins uma nova finalidade social – a de ver e ser visto: Reunir-se: fazer-se público de sua presença, exibir pompa, ver homens e mulheres bem-vestidos e bonitos, contar e ouvir as novidades [...] mostrar filhas a procura de maridos, homens finos admirando e fazendo corte a cortesãs. Os jogos sociais e sexuais - com tácita concordância entre seus praticantes - [...] tinham um palco magnífico nos jardins públicos (SEGAWA, 1996, p. 46).

A transformação das interações sociais decorrentes e agentes da

transformação dos usos do espaço público é também o cerne do trabalho de Sennet

(1998), no qual, ao comentar sobre esse deslocamento para os ambientes restritos,

assim como o passeio e o footing, demonstra como essas novas relações sociais

associavam-se com o consumo de serviços por uma maior parcela da população: Foi a época em que os cafés (coffeehouses) e mais tarde bares (cafés) e estalagens para paradas de diligências tornaram-se centros sociais; época em que o teatro e a ópera se abriram para um grande público graças à venda aberta de entradas, no lugar do antigo costume pelo qual patrocinadores aristocráticos distribuíam lugares. A difusão das comodidades urbanas ultrapassou o pequeno círculo da elite e alcançou um espectro muito mais abrangente da sociedade, de modo que até mesmo as classes laboriosas começaram a adotar alguns hábitos de sociabilidade, como passeios em parques, antes terreno exclusivo da elite, caminhando por seus jardins privativos ou promovendo uma noite no teatro (SENNET, 1988, p. 32, grifos nossos).

Page 60: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

58

Esse deslocamento progressivo das práticas sociais e do comércio contribui,

nas visões de Sennet (1998) e Segawa (1996), para uma dispersão e fragmentação

da vida pública que esvazia o sentido e o uso das praças para tal finalidade.

1.6.3. A influência portuguesa no além-mar: a gênese da praça brasileira

Sabe-se que o período do Renascimento coincide com a expansão marítima e

comercial - nos séculos XV e XVI – de duas nações ibéricas: Espanha e Portugal e

que, a partir do século XVII, outras nações viriam a atravessar o Atlântico rumo à

América: França, Inglaterra e Holanda (DANTAS, 2004, s.p.). Um pequeno recuo

cronológico é então necessário para que se possa vislumbrar a influência

portuguesa na formação das cidades coloniais brasileiras e, sobretudo nos espaços

públicos, dentre os quais se destacam as praças.

O colonialismo português, segundo Teixeira (2000), teria marcado princípios

urbanísticos na formação das primeiras cidades brasileiras que vão, segundo o

autor, influenciar desde a escolha dos sítios onde serão implantadas e até mesmo

conformar alguns de seus elementos estruturantes: os quarteirões, as praças, as

ruas, além, é claro, da sua arquitetura. Ele também destaca que, à época da

colonização no Brasil, a formação das cidades portuguesas caracterizava-se por

duas concepções: uma vernácula, consolidada nas bases típicas das cidades

medievais; e outra mais erudita, cuja estrutura fundamentava-se em sistemas

ortogonais barroco-renascentistas.

Obviamente, as cidades aqui conformadas são erguidas a partir de uma

“tábula rasa”, diferentemente do que ocorre em Portugal, mesmo porque, conforme

alerta Paio (2001), a praça como elemento urbano estruturante está vinculada não

somente aos demais elementos que compõem a cidade, como as ruas, o casario, as

edificações institucionais, entre outros, como também intrinsecamente ligada a

outros aspectos políticos, econômicos e sociais que transparecem nos usos e

apropriações que dela se faz. Assim, o contexto da tradição vernacular25 portuguesa

predominante a partir do século XIII, quando cidades portuguesas experimentavam

rápido crescimento, é por ele apresentado:

25 O termo “vernacular” deriva do latim vernaculus é empregado na arquitetura como aquilo que representa especificidades tipicamente locais – no sentido doméstico, nativo ou até mesmo tribal – sendo associado ao uso de materiais construtivos e técnicas de construções locais, como é o caso do barro, do adobe e do pau-a-pique utilizados nas primeiras edificações coloniais brasileiras.

Page 61: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

59

Os séculos XIII-XIV são marcados por toda a Europa com o nascimento na paisagem de novas vilas, estabelecendo uma nova rede viária ou consolidando a já existente, com base: no aumento demográfico, nas novas técnicas de cultivo agrícola, na renovação do pensamento religioso unido a uma renovação eclesiástica, na reanimação de caminhos como geradores de riqueza e de melhores acessibilidades e no renascer do comércio nos núcleos urbanos. [...] Neste processo, os núcleos urbanos tornam-se centros especializados das novas actividades. Cada um deles ou permanecia ligado a uma pequena área agrícola, ou desenvolvia um conjunto de iniciativas comerciais, industriais, com vista a comercializar os seus produtos com outras partes do continente (PAIO, 2001, p. 27).

A partir do século XV, as cidades portuguesas passam a experimentar o

traçado urbano regular e utilizam-no em suas colônias, adaptando-o às

especificidades topográficas impostas pelo sítio. Essa nova forma de planejar as

cidades - lá e aqui – pode-se ver expressa em Teixeira (2000): A partir do século XV começam também a construir-se nas ilhas atlânticas, e a partir do século XVI no Brasil, traçados urbanos regulares, evidenciando as influências daqueles modelos planeados. [...] se desenvolva gradualmente ou de acordo com um plano pré-definido, a cidade portuguesa é planeada e projectada no sítio, e com o sítio, atendendo de perto às características [...] (TEIXEIRA, 2000, p. 1-2).

Todavia, a ideia do traçado regulador nas primeiras cidades coloniais

brasileiras não encontra apoio em Schürmann (1999). Para a autora, os primeiros

planos e mapeamentos urbanos dos assentamentos urbanos portugueses datam do

século XVII, a partir da Política de Pombal, que instruía a regularização dos traçados

de povoados existentes, assim como indicava a planta em tabuleiro para a

conformação das novas cidades. Segundo a autora, as razões parecem ter sido

várias, dentre as quais se destacam:

O interesse extrativista e o regime de feitorias, que estabeleceram

assentamentos temporários e modestos, sobretudo funcionando como

“entreposto de trocas”.

O regime de capitanias hereditárias, que delegavam as responsabilidades de

defesa e organização a fidalgos que desenvolveram atividade

predominantemente rural, com exploração da cana-de-açúcar.

Schürmann (1999) prossegue nesse raciocínio e destaca que, com o advento

da disputa territorial na faixa litorânea brasileira - sobretudo a partir dos ataques e

ocupação de franceses e holandeses no nordeste -, o regime de capitanias mostra-

se fracassado em sua função de proteger o território. A corte portuguesa entende

então ser necessária a sua presença em território brasileiro e cria o Governo Geral,

Page 62: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

60

cujo primeiro governador é Tomé de Souza. Assim, segundo ela, dá-se um processo

de urbanização, este sim, regulador: Esse período foi marcado por intensas atividades urbanizadoras: para a sede do primeiro Governo Geral, foi construída a cidade de Salvador (1549), ao norte de Vila Velha, antigo povoado irregular, fundado por Pereira Coutinho, que contrasta com o traçado regular do novo núcleo. [...] Salvador se desenvolveu com um traçado da quadrícula com duas praças - do Palácio e dos Jesuítas [...] (SCHÜRMANN, 1999, p. 164).

Caldeira (2007), ao observar que as cidades nas colônias espanholas

seguiam desde o início princípios reguladores baseados no Tratado de Vitrúvio e

nas ideias renascentistas, vê semelhanças agora presentes nas duas colonizações.

Todavia, ressalta ela, que estas encontraram circunstâncias bastante distintas,

sobretudo no que diz respeito à topografia dos sítios escolhidos para implantação

dos núcleos urbanos. Assim, ocupações espanholas de traçado regulador apoiado

sobre áreas planas, como em Buenos Aires (figura 1-12) distinguiam-se,

notadamente, de muitas conformações das cidades brasileiras, sobretudo as

litorâneas, como é o caso da cidade de Salvador (figura 1-13): A adaptação do traçado urbano às características naturais dos terrenos acidentados acarretou uma outra questão na formação das cidades: o descompasso entre o uso do traçado racional sob uma topografia irregular. A cidade de Salvador [...] ilustra bem tal situação: embora tenha o traçado quadriculado, a topografia do sítio dificulta a leitura da vertente racional, sobressaindo-se na paisagem ladeiras e morros (CALDEIRA, 2007, p. 42).

FIGURA 1-12 – Planta da Cidade de Buenos Aires - Traçado em “Tabuleiro”

Fonte: TARINGA!26

26 Disponível em: <https://www.taringa.net/posts/imagenes/2797081/Ciudad-de-Buenos-Aires---Su-historia-en-Planos.html>. Acesso em: 24 jul. 2018.

Page 63: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

61

FIGURA 1-13 – A Cidade de Salvador no Século XVII

Fonte: SUDOESTE SP (2018)27.

Percebe-se, na análise apurada de Souza (2013) sobre o desenvolvimento

urbano da cidade de Salvador, que a observação de Caldeira (2007) tem

fundamento. Destaca que a cidade já era povoada, ainda que sob outra concepção,

em sua faixa litorânea, a “cidade baixa”; e contextualiza que a ocupação da “cidade alta” recebera o traçado regulador no período do Governo Geral de Tomé de Souza:

[...] o sistema de colonização privado mostrou-se, desde cedo, pouco eficiente no território brasileiro e a Coroa percebeu que, sem seu apoio, os donatários não seriam capazes de levar adiante a missão colonizadora. [...] Para implementar um programa de ocupação e fortificação da costa brasileira, Portugal envia ao Brasil um número crescente de arquitetos e engenheiros militares. [...] A implantação da cidade não foi casual, mas antes determinada por razões de defesa, pelos próprios objetivos funcionais da cidade e pelos modelos urbanos de referência da metrópole. A fortificação era uma necessidade primordial para a defesa da cidade e foi, portanto, construída primeiro, adaptando-se ao acidentado terreno (SOUZA, 2013, p. 6-8).

A imagem a seguir (figura 1-14) mostra a relação toponímica entre a “cidade

alta” e a “cidade baixa” cuja expressão da desigualdade faz-se não somente em

relação ao traçado regulador ou na altitude, mas nas relações entre classes sociais

desde a sua origem escravagista. Essa relação também é mencionada na letra de

“Duas Cidades”, de autoria do cantor baiano Russo Passapusso:

27 Disponível em: >http://www.sudoestesp.com.br>. Acesso em: 24 jul. 2018.

Page 64: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

62

FIGURA 1-14: Salvador - Cidade Alta x Cidade Baixa

Fonte: HISTÓRIA DA MINHA AVÓ JOVITA BENTO (editada pelo autor)28.

Ainda, segundo Souza (2013), pode ter influenciado a implantação desse

modelo na cidade de Salvador (e de outras cidades a posteriori) o fato de que Filipe

II - rei da Espanha que instituiu como “lei” a aplicação do traçado regulador desde as

primeiras cidades coloniais espanholas - comandava também Portugal: “[...]

corresponde ao período em que houve a fusão das coroas ibéricas, e estando Filipe

II a frente de ambas as nações [...]” (SOUZA, 2013, p.12).

Pode-se dizer então que Souza (2013) corrobora o que Schürmann (1999) já

afirmara no que diz respeito à relação entre o interesse político institucional de

Portugal e o planejamento urbano das cidades colonizadas. Se, na América

espanhola, a intenção desde o início era a de fixar-se no território; no Brasil, o

sistema de privatização oriundo das capitanias hereditárias proporcionou ocupação

territorial e desenvolvimento urbano de forma distinta do que se via nas colônias

espanholas.

28 Disponível em: <http://doraliceandrade0404.blogspot.com/2015/10/historia-da-minha-avo-jovita-bento.html>. Acesso em: 25 jul. 2018.

Page 65: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

63

Além disso, para Souza (2013), a presença dos jesuítas no Brasil desde o

início foi corresponsável pelo caráter dado ao ambiente urbano, sobretudo aos

espaços públicos a que deram origem nas cidades brasileiras à época – utilizando

em seu argumento outros autores que partilham da mesma opinião: Desta maneira destaca-se a importância da igreja, e muito particularmente das ordens religiosas na estruturação urbana das cidades brasileiras. Por um lado, no que respeitava à localização de novos núcleos urbanos, “muitas aldeias e vilas tiveram a sua origem na implantação de uma ermida ou capela, futuras sedes de paróquias” (TEIXEIRA; VALLA, 1999: 218). Por outro lado, os locais de implantação dos edifícios religiosos no interior da cidade tornam-se habitualmente focos polarizadores do crescimento urbano. Os adros, pátios e terreiros que geralmente se encontravam associados às igrejas e aos conventos tornaram-se, com o tempo, “praças urbanas perfeitamente integradas na estrutura” (TEIXEIRA; VALLA, 1999: 218) [...]. O terreiro de Jesus de Salvador foi o primeiro do tipo projetado na colônia portuguesa e a matriz de todos os que vieram depois a ser construídos no Brasil. Foi concebido desde o início como um espaço regular e, pelas características que possui, constituir-se-ia como o principal elemento estruturador da malha urbana envolvente. [...] Desta maneira [...] esse novo conceito de estruturação urbana, em que o elemento dominante e gerador da malha urbana é a praça, e já não os edifícios singulares e as ruas que os articulavam entre si, irá influenciar não apenas as fundações jesuíticas, mas toda a teoria e prática urbanística portuguesa, civil e militar (SOUZA, 2013, p.10).

Muitas praças brasileiras apresentam ainda referências projetuais do período

colonial, quando, historicamente, a igreja exercia forte influência na sociedade e

tinha papel de destaque. Não é à toa que as cidades históricas do período são

encontradas ladeadas por igrejas, instituições de importância municipal, comércio e

residências originalmente das famílias mais abastadas. É como se fosse uma

confluência das várias morfologias encontradas nas praças medievais reunidas em

uma só.

Marx (1980) refere-se à praça como um espaço que é público por natureza e

que a praça brasileira deve boa parte de suas características aos adros29 das

nossas igrejas (e capelas), tendo surgido aqui no Brasil para reunião de pessoas e

atividades diversas que ocorriam em frente a esses espaços religiosos. Todavia,

ainda existem outras tantas morfologias assentadas em preceitos renascentistas,

medievais, mistas, modernistas, entre outros.

Baeta (2002, s.p.) destaca, entretanto, que, ainda no período colonial, já havia

praças que congregavam tanto edificações religiosas quanto públicas ou, ainda,

29 Adro (m.m): designação de pátio ou largo localizado em frente ou em torno de uma igreja; átrio ou praça. Disponível em: https://www.lexico.pt/adro/ Acesso em: 25 jul. 2018.

Page 66: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

64

somente estas últimas. Na cidade de Ouro Preto, antiga capital de Minas Gerais, a

praça hoje denominada Praça Tiradentes30 (figura 1-15) fora conformada no século

XVIII como elemento central da cidade, simbolizando o elo que unia duas freguesias:

Antônio Dias e Pilar de Ouro Preto, cada uma delas representada por ordens

eclesiásticas divergentes.

A praça, localizada no antigo Morro de Santa Quitéria que dividia as duas

freguesias, fora implantada após a terraplanagem do terreno31. Nela foram erguidas

duas das mais importantes e monumentais edificações laicas da cidade: o Palácio

dos Governadores (atual Museu de Mineralogia), representando a sede do governo

de Minas no período colonial; e a Casa de Câmara e Cadeia, que funcionava como

centro administrativo e punitivo à mesma época (atual Museu da Inconfidência).

FIGURA 1-15: Praça Tiradentes, Ouro Preto/MG

Fonte: VIVAGO32 (editada pelo autor).

A Praça Tiradentes como que anunciava a chegada de uma ruptura política

com um Brasil Imperial e que viria a se consolidar a partir da proclamação da

República em 1889. O regime republicano trazia consigo novos ideais sob a 30 A praça recebera este nome em fins do século XIX como homenagem ao mártir Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) que teria tido a sua cabeça arrancada e exposta na mesma praça. 31 Processo semelhante ocorreu posteriormente na capital Belo Horizonte, quando da implantação da Praça da Liberdade. 32 Disponível em: <https://vivago.com.br/mg/ouro-preto/locais/praca-tiradentes-ouro-preto>. Acesso em: 18 mai. 2018.

Page 67: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

65

influência de uma Europa industrializada e que já trazia soluções urbanísticas

sanitaristas.

1.6.4. Entre a revolução e o capital

Com o advento da Revolução Industrial, viu-se uma ruptura na apreensão e

concepção das cidades. Para alguns historiadores e urbanistas, a cidade como é

conhecida hoje é especialmente decorrente de uma inflexão dada no período da

Revolução Industrial. Outros tantos, como Mumford (2004) e Lefebvre (2004),

acreditam na relação dialética entre espaço e sociedade como um processo

contínuo. Sendo que há razões para crer que o modo de produção capitalista foi

conduzido já a partir do século XVI pelo desenvolvimento comercial e expansão

marítima, que precederam a Revolução Industrial.

Esse processo levado a cabo pelo capitalismo, segundo Mumford (2004, p.

451), “tendeu a desmantelar toda a estrutura da vida urbana e a colocá-la em uma

nova base impessoal: o dinheiro e o lucro”. Nessa mesma linha, Lefebvre (2004)

aponta para uma sociedade em crise, na qual as cidades estariam sendo

transformadas a partir de “pseudo-conceitos” homogeneizadores.

Em relação a esse período de expansão comercial acelerado, Mumford (2004,

p. 446) aponta na direção da diminuição do sentido do espaço público: “o centro de

gravidade começara sutilmente a passar para uma nova constelação de forças

econômicas” e assim descreve este momento de transição: Se o capitalismo tendia a expandir os domínios do mercado e transformar cada parte da cidade numa comodidade negociável, a mudança dos trabalhos manuais urbanos organizados para a produção fabril em larga escala transformou as cidades indústrias em sombrias colmeias, a fumegar ativamente a bater, guinchar, a expelir rolos de fumo de doze a quatorze horas por dia, algumas vezes durante as vinte e quatro horas (MUMFORD, 2004, p. 483, grifos nossos).

O mesmo autor, ao comentar as mazelas visíveis nas multidões e patologias

urbanas, indica a visão “sanitarista” que passa a preponderar entre vários urbanistas

para resolvê-las: “Talvez a maior contribuição dada pela cidade industrial tenha sido

a reação que produziu contra os seus próprios maiores descaminhos; e, para

começar, a arte do saneamento ou da higiene pública” (MUMFORD, 2004, p. 513).

Caldeira (2007) aponta que o final do século XIX e início do XX foram

marcados por propostas de reformas urbanas que reduziram a importância das

Page 68: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

66

praças enquanto “território”, afirmando que não havia uma preocupação de se

resgatar e requalificar esse espaço público: No século XIX, a ideia de espaço exterior de uso coletivo passou a ser trabalhada com forte interferência das organizações políticas, quando o Estado assume o controle do solo urbano [...] De certa forma, é como se o senso de espaço exterior de uso coletivo que criou aquelas praças medievais e barrocas principalmente, não tivesse mais razão de existir (NETO, 1991 apud CALDEIRA, 2007, p. 44, grifos nossos).

Percebe-se também, nesse período, uma predominância cada vez maior de

grandes vias, que viriam a “coroar” o uso de veículos automotores. Em Paris (figura

1-16), Hausmmann reorganiza totalmente a cidade e impõe a ela uma nova “ordem”

positivista a partir de uma reforma que, nas palavras de Caldeira (2007, p. 44),

“realiza uma profunda reorganização da estrutura de circulação, permitindo o tráfico

fluir para o centro da cidade”, eliminando as “habitações miseráveis e abrindo

‘espaços livres’ em meio a camadas de escuridão e apertado congestionamento”. As

ruas e boulevares, agora tomados por veículos, consolidam o pensamento positivista

expresso nas cidades.

FIGURA 1-16: A Paris de hoje – Place d’ Étoile e Av. Champs Elysées

Fonte: BIEVENU A PARIS (2008) 33.

33 Disponível em: <https://www.cristinamello.com.br>. Acesso em: 25 jul. 2018.

Page 69: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

67

Não se pode deixar de mencionar, entretanto, que havia correntes de

urbanistas contrários a essas perspectivas, como Sitte (1889), que era crítico desse

“urbanismo progressista” e pregava que, na cidade, deveriam ser resgatados valores

de convivência cívica e aspectos “artísticos” de outrora. Caldeira (2007), ao

comentar as críticas de Sitte (1889) sobre as praças contemporâneas, explicita

algumas razões para seu declínio, pondera acerca de possíveis consequências e

aponta na direção de novas funcionalidades desses espaços: A praça contemporânea, na visão de Sitte (1889), se dilui na imensidão urbana [...] O que, a princípio, poderia proporcionar uma qualidade do espaço, devido às suas grandes dimensões, acabou por diminuir seu potencial de apropriação. O declínio da praça, na cidade contemporânea, não é consequência apenas da redefinição do traçado tradicional das ruas, mas um conjunto de transformações sociais, que resultou no enfraquecimento das res pública nas metrópoles. Como por exemplo, o recolhimento do citadino para lugares fechados e a busca por um ambiente mais seguro e tranquilo. Apesar o esvaziamento do ambiente da praça e das suas antigas funções, o lugar permanece como sendo um espaço-síntese na cidade moderna. Não mais como um território de sociabilidade, mas como um espaço aberto, multifuncional. Os urbanistas do século XX vislumbraram a possibilidade de utilizar o espaço vazio da praça em contraste com a escala edificada da metrópole, incorporando ao seu significado diferentes usos e apropriações (CALDEIRA, 2007, p. 48, grifos nossos).

1.7. Considerações Finais

O que a história das cidades - e com ela a dos espaços públicos e das praças

– trazida a cabo até aqui mostra é que não houve, da aldeia aos burgos e destes às

razões renascentista e emoções barrocas, um processo unívoco de organização das

sociedades. Estas, ora cooperativas, ora consideradas bárbaras, mostraram

diversas facetas de suas construções sociais e da condição dos indivíduos como

sujeitos partícipes – ou não - dessa construção.

Enquanto, na origem, o homem coletor associava-se pouco a pouco por

interesses de uma coletividade. Com o passar do tempo, o que esse percurso até

aqui mostra é que as sociedades passam a ser organizadas sob os interesses de

determinados sujeitos, cujas justificativas - por eles mesmos concebidas, é bom que

se diga - para tal baseiam-se no fato de estes representarem (ou dominarem)

poderes e instituições, ora militares, por muitas vezes espirituais, científicas, políticas

ou econômicas.

Page 70: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

68

Talvez, até então, somente na pólis grega, pôde-se perceber o poder

emanado e representado pelos cidadãos - com as devidas reservas - constituir e

operar a organização social pela democracia. Ainda assim, naquela sociedade, a

democracia direta apresentava grandes limitações participativas. Nesses termos, a

res publica esteve, na maioria dos casos, nas mãos de uns poucos sujeitos, ainda

que estes pudessem representar – em maior ou menor grau – os interesses do

povo.

Assim, o espaço público, ainda que represente ou até de certa forma imponha

determinadas representações ou “vontades” institucionais instrumentalizadas

(jurídica, política ou economicamente), este também parece configurar outras

possibilidades, em que, através de seus usos, apropriações e práticas sociais,

possam ser expressas as aspirações sociais. Dito de outra forma, ainda que a

construção material e a gestão “oficial” do espaço público façam-se a partir de um

ordenamento estatal ou privado, ele pode se constituir como lugar do improviso, da

resistência pelas práticas “não oficiais”.

Na construção do espaço público, seja esta compreendida em sua dimensão

simbólica ou materializada, esses poderes mostram-se representados e

representativos. Todavia, exatamente pelo fato de não poderem ser moldados

completamente, acabam por se constituir como locus de uma construção social que

parece fugaz ao controle totalizante que alguma instituição, Estado ou mesmo grupo

social, pretenda nele estabelecer.

Nota-se que os espaços públicos materializados nas praças trazem consigo

indícios, desde suas origens, de que eram palco de diversos usos e apropriações -

ainda que com suas tensões e conflitos - das funções e práticas sociais, das

linguagens e simbolismos e mesmo de seus usuários, ainda que, em determinados

períodos da história ou em culturas/países distintos, tenham sido privilegiados mais

determinados usos do que outros, evidenciando mais simbolismos em dada época,

chegando-se até a abolir ou inexistir determinadas apropriações.

Isto denota, em certa medida, que as praças, como espaços públicos notórios

que são, configuram-se como locus onde os costumes, a cultura e as práticas

sociais manifestaram-se ao longo da história com tal força que, ao serem estudadas

em seus contextos e épocas, não só é possível (re)conhecer fatos importantes que

Page 71: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

69

ali ocorreram, mas perceber que, como elementos distintos do espaço público, as

praças foram - e ainda são - produtos de uma construção histórico-social.

Nesses termos, parece evidente que a praça não se concretiza apenas

formalmente, espacialmente, mas é em igual importância - ou maior - um espaço

conformado pelas práticas sociais, concordando com o que aponta Lynch (2006,

p.1), para quem “os elementos móveis de uma cidade e, em especial, as pessoas e

suas atividades, são tão importantes quanto as partes físicas estacionárias”.

No mesmo grau, importam os aspectos históricos que contextualizam a

formação das praças enquanto espaços públicos notórios de uma cidade e a relação

dialética entre o espaço praça e as práticas sociais nela estabelecidas – quer seja

no passado, presente ou futuro, acompanhando a afirmação de Mumford (2004, p.

113) “a cidade une épocas passadas, épocas presentes e épocas por vir”.

É inegável que as praças contemporâneas guardam “lembranças” da Ágora

grega e do Fórum romano na antiguidade clássica, quando as atividades comerciais

e políticas ali exercidas eram preponderantes. Todavia, passaram a exercer também

outras funções distintas. Assim, ao estudar as praças contemporâneas, é preciso

contextualizar a análise, mesmo porque muitas delas foram concebidas sob outras

lógicas e demandas e em outros tempos.

Assim, as formas e funções das praças que temos nas grandes cidades dos

dias de hoje podem apresentar usos distintos em seu cotidiano, mas ao mesmo

tempo simbolizar as relações de poder que se estabelecem na nossa sociedade.

Continuam a funcionar, conforme veremos no capítulo seguinte, como lugares de

referência na cidade, ainda que se tenha passado mais de um século desde sua

inauguração. As mudanças nos usos e nas apropriações dos espaços, às vezes são

espontâneas ou marcas de uma determinada época, onde costumes que também se

alteram, mas podem também derivar de políticas públicas que induzem, limitam ou

estimulam determinados usos em detrimento de outros. A sociedade, por sua vez,

utiliza-se muitas vezes de estratégias de resistência para apropriar-se destes

espaços e torna-lo de fato públicos quer seja utilizando-os como palco para

manifestações culturais, políticas, para a sua subsistência (abrigo, trabalho) ou até

mesmo para o lazer e o descanso.

Page 72: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

70

REFERÊNCIAS

ABIKO, Alex Kenya; DE ALMEIDA, Marco António Plácido; BARREIROS, Mário António Ferreira. Urbanismo: história e desenvolvimento. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil. São Paulo, 1995. ARRUDA, José Jobson de Andrade. História Antiga e Medieval. 16 ed., São Paulo: Editora Ática, 1993. BAETA, Rodrigo. Ouro Preto: cidade barroca. 2002. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/1267/1/975.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2018.

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo-Brasília: HUCITEC, 1987. BELLOMO, Harry Rodrigues. A cidade romana. In: FLORES, Moacyr (Org.). Mundo greco-romano: arte, mitologia e sociedade. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. BENÉVOLO, L.. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2015. CALDEIRA, Junia Marques et al.. A Praça Brasileira: trajetória de um espaço urbano-origem e modernidade. Tese (Doutorado). UNICAMP. Campinas, 2007. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/280677>. Acesso em: 13 dez. 2017. DANTAS, Ana Claudia de Miranda. Cidades coloniais americanas. Arquitextos, São Paulo, n. 05, jul., 2004. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.050/566>. Acesso em: 09 mar. 2018. DE ANGELIS, B. L. D; DE ANGELIS NETO, G.; BARROS, G. D. A.; BARROS, R. D. A.. Praças: história, usos e funções. Maringá: EDUEM, 2005. FLORES, Moacy. O teatro grego. In: FLORES, Moacyr (Org.). Mundo greco-romano: arte, mitologia e sociedade. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. GOITIA, F. C.. Breve história do urbanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1992. GONÇALVES, Jussemar Weiss. Pão e circo, ou a morte do outro. Biblos, v. 21, n. 2, p. 125-131, 2007. Disponível em: <http://www.brapci.inf.br/_repositorio/2010/06/pdf_49792fac78_0010954.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2018. HABERMAS, J.. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003 LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001. LEFÈBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 2004. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006. MARX, M.. Cidade Brasileira. São Paulo: Melhoramentos; EDUSP, 1980. MUMFORD, L.. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Page 73: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

71

PAIO, A. C. R.. Praças nas novas vilas medievais, séculos XIII-XIV. Estudo comparativo In: TEIXEIRA, M. (coord.) A praça na cidade Portuguesa. Colóquio Portugal-Brasil. Lisboa: Livros Horizontes, 2001. PEREIRA, Claudio Calovi; DIEFENBACH, Samantha Sonza; CALOVI, Ricardo. Acrópole e ágora: as novas praças de Porto Alegre na república velha. Porto Alegre de papel: avenida e praça 1910-1980 [recurso eletrônico]. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2008. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/70457/000655385.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 mai. 2018. SCHÜRMANN, Betina. Urbanização colonial na América Latina: cidade planejada versus desleixo e caos. Textos de História. Revista do Programa de Pós-graduação em História da UnB., v. 7, n. 1-2, p. 149-178, 1999. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11861/1/ARTIGO_UrbanizacaoColonialAmericaLatina.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2018. SEGAWA, Hugo. Ao amor do Público: jardins no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, 1996. SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público: as Tiranias da Intimidade. São Paulo: Cia. das Letras, 1988. SITTE, Camillo. A Construção de Cidades Segundo Princípios Artísticos. São Paulo: Ática, 1992. SOUZA, Lucas Menezes de. A Corte Portuguesa e o Urbanismo Colonial no Brasil. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de Historia. Mesa temática: Monarquía, Corte y Reinos. El sistema político del Antiguo Régimen (s. XIV-XVII). Departamento de Historia de la Facultad de Filosofía y Letras. Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza. 2013. Disponível em: <http://cdsa.aacademica.org/000-010/105.pdf >. Acesso em: 12 mai. 2018. TEIXEIRA, Manuel C.. Os modelos urbanos portugueses da cidade brasileira. Revista urbanismo de origem portuguesa, n. 3, 2000.

Page 74: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

72

2. ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO: PRAÇAS DA LIBERDADE E DA ESTAÇÃO

RESUMO

Este artigo encontra-se inserido dentro da temática que aborda os processos de formação e intervenção urbanas em espaços públicos de grandes cidades. Traz à tona conceitos e processos envolvidos nesse tipo de intervenção para refletir acerca da relação entre “o público” e “o privado” que permeiam esses processos e reverberam preocupações no âmbito da gestão social e desenvolvimento local. Propõe, como objeto de estudo de caso múltiplo, de caráter histórico e exploratório, as Praças da Liberdade e da Estação na cidade de Belo Horizonte/MG. Objetiva consubstanciar eventuais pesquisas de campo que tratam desses espaços públicos, a partir da análise do contexto histórico social em que se conformaram, transformaram-se e no qual se encontram inseridos atualmente. É parte integrante da dissertação “Entre a Ágora e a Acrópole: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos”, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

Palavras-chave: Intervenções urbanas. Espaço público. Gentrificação. Gestão social.

Desenvolvimento local.

Abstract:

This article is inserted within the theme that addresses the processes of urban formation and intervention in public spaces of large cities. It brings to the fore concepts and processes involved in this type of intervention to reflect on the relationship between "the public" and "the private" that permeate these processes and reverberate concerns in the area of social management and local development. It proposes, as an object of multiple case study, of historical and exploratory character, Praças da Liberdade and Estação in the city of Belo Horizonte / MG. It aims to substantiate possible field research that deals with these public spaces, based on the analysis of the historical social context in which they conformed, transformed and in which they are currently inserted. It is part of the dissertation "Between the Agora and the Acropolis: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte / MG) - a case study on socio-spatial practices established in public spaces", of the Graduate Program in Social Management, Education and Local Development of UNA University Center.

Keywords: Urban interventions. Public spaces. Gentrification. Social management. Local

development.

2.1. Introdução

Os processos de intervenção urbana34 nas cidades contemporâneas são

materializados nos espaços públicos das mais diversas formas. Geralmente, essas 34 Como intervenção urbana, consideram-se desde já os processos de transformação socioespacial decorrentes de ações da inciativa privada, do Estado, ou de ambos em parceria. Parte-se do entendimento de que tais intervenções alteram a paisagem urbana, podendo estabelecer novos usos e práticas sócias no espaço público ou consolidá-los (JAQUES; VAZ, 2001).

Page 75: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

73

intervenções encontram-se associadas, nos discursos “oficiais”, à ideia de se

promoverem “melhorias” na cidade, através de processos de revitalização ou

requalificação urbanas e assim promover a imagem da cidade, numa estratégia que

se convencionou denominar como city marketing. Por outro lado, tais intervenções

suscitam discussões cada vez mais presentes nas pesquisas acadêmicas, por

interesse em debater as questões acerca da privatização do espaço público; dos

processos participativos; da identidade; do território; da espetacularização da cultura

– apenas para citar alguns exemplos.

Desde o século XIX, várias praças já foram palcos ou estavam inseridas

nesse contexto, sobretudo na Europa. Geralmente, tais intervenções visavam a priori

aprimorar as infraestruturas até então existentes e amenizar o impacto das

modificações urbanas decorrentes da industrialização, que promoveram

adensamento urbano, problemas de infraestrutura, ruído, poluição ambiental e

visual, entre outros. Nesse sentido, surgiram propostas de requalificações urbanas

com inserções de praças, parques e boulevares nas cidades e/ou a modificação dos

espaços públicos pré-existentes, favorecendo assim apropriações inéditas. Merece

destacar, entretanto, ser praticamente consenso nas pesquisas realizadas por este

autor o fato de que boa parte dos espaços públicos que passaram por

requalificações e/ou revitalizações através de parcerias público-privadas passam a

ser apropriados, sobretudo, pelas elites dominantes.

As razões apontadas nas pesquisas para essa apropriação “seletiva” são as

mais diversas, quer seja pelo fato das elites verem nesses “novos” espaços seus

anseios atendidos: a oferta de serviços; a melhoria da segurança; o embelezamento;

a facilidade que tem de acesso a meios de transporte individual e até mesmo a

maior disponibilidade de tempo “livre”. De forma complementar, vários autores

pesquisados apontam que as classes menos favorecidas possuem menor acesso ao

transporte; poucos recursos financeiros para adquirir produtos e utilizar serviços

“revalorizados”; não possuem “capital escolar” para consumir determinados produtos

culturais e não se sentem identificados nesses espaços.

Muitas vezes, há a questão da coerção (legal, policial ou mesmo

materializada nos projetos) para que determinadas usos sejam proibidos ou

evitados, de forma que determinadas camadas sociais são “expulsas” desses

Page 76: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

74

lugares, especialmente as pessoas em situação de rua, os vendedores ambulantes

e outros grupos que, para a “elite”, estabelecem práticas indesejáveis no espaço.

Em outras palavras, ainda que possuam acesso “livre”, nem todo espaço

público favorece a diversidade social, cultural ou econômica, quer seja por não ser

projetado (fisicamente) de forma a proporcionar a diversidade de atividades, pela

especialização dos produtos ou serviços ofertados e mesmo por coibir determinados

tipos de apropriações por estas serem consideradas indevidas por quem

mantém/guarda o espaço. Dito isto, nota-se que o cerne da acessibilidade aos espaços públicos é, sobretudo, simbólica.

Para a presente pesquisa, utilizar-se-á também a concepção de que as

praças se diferem de outros espaços públicos (vazios urbanos, parques e jardins)

em diversos aspectos que as caracterizam: sejam eles relativos ao uso, à

morfologia, ao simbolismo histórico e cultural ou mesmo em relação às práticas

sociais que nelas se estabelecem. Destaca-se ainda que, muito embora em muitas

praças a vegetação esteja presente e em algumas delas o paisagismo possa estar

eventualmente referenciado em características do paisagismo inglês ou nos famosos

jardins renascentistas italianos e franceses, a determinação de uma praça não

pressupõe a existência de vegetação, como é o caso dos jardins e parques.

As praças, que são objetos deste estudo de caso, quais sejam a Praça da

Estação e a Praça da Liberdade, estão presentes na cidade de Belo Horizonte

desde a sua origem, em fins do século XIX. Configuram-se desde então como

espaços públicos notórios na cidade e possuem grandes dimensões, destacando-se

na malha urbana mesmo nos dias atuais. Vale notar que os espaços físicos das

praças e a ocupação de seu entorno passaram por transformações desde as

primeiras décadas de sua existência. Recentemente, esses dois espaços foram

palcos de intervenções que objetivavam a sua restauração e a sua requalificação

(ainda em curso), as quais se efetivaram a partir de parcerias público-privadas.

No contexto requalificação dos espaços públicos urbanos, tanto a Praça da

Liberdade quanto a da Estação sofreram, ao longo de sua história, alterações no seu

espaço físico e em seu entorno imediato, tendo sido, inclusive, objeto de recentes

intervenções urbanas. Assim sendo, supõe-se, também, terem sido alteradas as

práticas sociais estabelecidas nesses espaços, seja pelo tipo de infraestrutura

ofertada ou pela forma como esses espaços agora são apropriados pelas pessoas.

Page 77: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

75

Este trabalho pretende, assim, analisar dois espaços públicos urbanos da

cidade de Belo Horizonte, conformados pelas Praças da Liberdade e da Estação,

procurando identificar especialmente as implicações decorrentes das recentes

intervenções materializadas nessas praças. Assim, busca-se compreender tanto o

contexto em que esses processos se estabeleceram, assim como observar as

implicações dessas novas configurações espaciais nos usos e práticas sociais

estabelecidos nesses espaços. Para tal intento, este artigo divide-se em duas partes

principais:

A primeira trata de revisitar a literatura para determinar as bases conceituais

nas quais se basearam a análise proposta. Assim, pretende-se trazer à luz alguns

conceitos que são caros a esta pesquisa, quer sejam aqueles que estabelecem

aproximações entre gestão social, esfera pública, desenvolvimento local, espaço e

território - sem deixar de elucidar conceitos em que se baseiam as intervenções

urbanas e os processos deletérios que eventualmente dela decorrem, especialmente

a gentrificação. A segunda, decorrente da primeira, trata de um estudo de caso

múltiplo (holístico), tendo como objetos as Praças da Liberdade e da Estação.

Entendendo profícua a construção do conhecimento já realizada sobre a

temática urbana e, em especial, aquela que se dedicou à observação dos espaços

que são objeto deste estudo, buscaram-se essas “pré-existências” bibliográficas, a

partir da pesquisa de teses, artigos e dissertações que se debruçaram na análise do

tema sobre diversas óticas. Também se constituíram fontes de dados: a análise de

documentos, de informações da mídia impressa ou digital; e as experiências deste

autor, como professor do curso de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário

UNA e, por consequência, dos trabalhos realizados nas disciplinas lecionadas.

Os dados coletados a partir da pesquisa bibliográfica e documental foram

tratados conjuntamente, com o objetivo de consubstanciar eventuais pesquisas de

campo nesses espaços públicos, a partir da análise do contexto histórico-social em

que se conformaram, transformaram-se e no qual se encontram inseridos

atualmente.

Page 78: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

76

2.2. Referencial teórico

2.2.1. Res publica e gestão social

Faz-se aqui uma reflexão acerca da noção de esfera pública, resgatando-a da

pólis grega até a contemporaneidade a partir da contribuição de autores como

Habermas (2003) e Arendt (2007), na busca de compreender-se em quais termos os

conceitos de “público” e o de “privado” entrecruzam-se na contemporaneidade. Suas

proposições ver-se-ão reconhecidas, corroboradas, complementadas e até mesmo

contrapostas por alguns autores – França Filho (2008), Tenório (2004; 2008) e

Fischer (2006), que tratam, no campo da gestão social, de retomar a questão da

esfera pública em discussões bastante pertinentes para a compreensão das

possibilidades de gestão, uso e apropriação do espaço público de forma mais

democrática e participativa no contexto das práticas sociais e tensionamentos que

nele se apresentam. Assim, acredita-se possível a aproximação teórico-conceitual

entre a gestão social e a esfera pública.

O termo “esfera pública” remete à ideia da res publica (ou coisa pública) já

apresentada e creditada aos filósofos gregos. O filósofo e cientista alemão Jürgen

Habermas (2003) analisa historicamente as mudanças de concepção que a esfera

pública vem passando desde a pólis grega e entende como “público” aquilo que é

acessível a qualquer um, estendendo esse conceito de modo amplo, seja ao

“espaço” ou a uma “edificação”. Neste sentido, o autor amplia o sentido do termo,

ao entender que mesmo que um “edifício público” onde se apresentem certas

restrições de acesso físico - por abrigar, por exemplo, determinada instituição do

Estado com acesso restrito – ao ser de interesse da coletividade é, tal como o

Estado, um bem público. Nas palavras do autor, entretanto, percebe-se que, em sua

origem grega, a distinção dos termos “público” e “privado” estavam relacionados à

vida pública (restrita a alguns) e à família e demais indivíduos (separados em outra

esfera): Na cidade-estado grega desenvolvida, a esfera da polis que é comum aos cidadãos livres (koiné) é rigorosamente separada esfera do oikos, que é particular a cada indivíduo (idia). A vida pública, bios politikos, não é, no entanto, restrita a um local: o caráter público constitui-se na conversação (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal, bem como a de práxis comunitária (práxis), seja na guerra, seja nos jogos guerreiros (HABERMAS, 2003, p. 15).

Page 79: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

77

Não se pode esquecer, entretanto, a conjuntura social escravagista em que

se insere a pólis, em que se considerava como “cidadão livre” apenas o homem,

nascido na própria cidade, excluindo-se assim os escravos, os estrangeiros

(metekas) e as mulheres e que, a estas últimas, restava apenas a esfera das

obrigações domésticas e matrimoniais. Não se é então uma sociedade onde a

liberdade e igualdade expressam-se amplamente e, fora da esfera pública, resta aos

demais indivíduos apenas a reprodução da vida, da sobrevivência conforme

apresenta Habermas (2003): Assim como nos limites do oikos a necessidade de subsistência e a manutenção do exigido à vida são escondidos com pudor; a pólis oferece campo livre para a distinção honorífica: ainda que os cidadãos transitem como iguais entre iguais (homoioi), cada um procura, no entanto, destacar-se (aristoiein) (HABERMAS, 2003, p.16).

A origem do termo “público” em Habermas (2003) é na pólis, mas ele destaca

o fato de que, somente no século XVIII, o adjetivo aparece no alemão referenciado

no substantivo “publicidade”. Ao fazer esse destaque, o autor associa-o à sociedade

burguesa da época e denota que a noção de esfera pública estava intrinsecamente

relacionada às trocas de mercadorias e de leis próprias daquela sociedade.

Habermas (2003) destaca ainda as concepções distintas entre o que é “público” e o

que é “privado”, refletidos no modelo ideológico da esfera pública grega. Darão a

esta sentido normativo que influenciará, sobremaneira e durante séculos, as

sociedades ocidentais, vendo-se no Direito Romano a forma como na Idade Média

se tratava a res pública e estaria intrinsecamente subsistente na ideia de separação

existente ainda no Estado moderno e sociedade civil.

Arendt (2007), por sua vez, demarca uma clara diferença entre as sociedades

grega e romana, mencionando as visões de Aristóteles e Platão que consideravam

que o termo “social” estava relacionado à vida em comum do mundo animal e,

portanto, a sociedade para eles era um espaço de dominação do poder do

imperador sobre os cidadãos e seria, a partir da política, que o homem expressaria

sua humanidade. Assim, a esfera da casa e da família também assume papel

secundário, mais relacionado por esses autores com a condição biológica do ser

humano.

A res pública perde sentido, entretanto, na Idade Média, na qual o poder real

absolutista priva os cidadãos da participação política na maioria dos casos,

especialmente nas cidades ou áreas de seu interesse. Assim, talvez por isto, o

Page 80: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

78

termo “idade das trevas” também possa estar associado à ideia de que a monarquia

obscurecera a importância do indivíduo enquanto cidadão.

A partir do renascimento, vê-se o resgate de princípios clássicos da

antiguidade clássica, entre eles: a razão, a literatura e a filosofia. Numa sociedade

em que a razão e o pragmatismo faziam-se prevalentes, a corte feudal perde

representatividade. Tem-se então a formação dos Estados Nacionais, que passam a

regular e mediar a res pública – nasce daí a noção de “poder público” como

sinônimo daquilo que é estatal. Nas palavras de Habermas (2003), essa noção

redefine, inclusive, a noção do que seria “público”: [...] não se refere mais à “corte” representativa, como uma pessoa investida de autoridade, mas antes ao funcionamento regulamentado, de acordo com competências, de um aparelho munido do monopólio da utilização legítima da força. O poderio senhorial transforma-se em “polícia”, as pessoas privadas, submetidas a ela enquanto destinatárias desse poder, constituem um público (HABERMAS, 2003, p.32).

O “poder público” ainda incluía a corte. A sociedade civil era representada

pelo setor de trocas de mercadorias e trabalho social, assim como a família. A

“esfera pública”, com papel de destaque para a esfera literária, era constituída pelos

clubes e a imprensa. Já a nova camada de burgueses empoderada pelo poder

econômico, no entanto, não governava diretamente, mas assumia uma posição de

quem demanda participação, conforme aponta Habermas (2003, p. 42): “A esfera

pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera das pessoas

privadas reunidas em público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada

pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade”.

A economia moderna, então, desloca-se do oikos para o mercado,

reorientando as categorias que na antiguidade clássica representavam uma

dualidade entre esfera pública e privada. Segundo Arendt (2007, p. 48),

“privatividade” não mais se refere diretamente à privação e “a privatividade moderna,

em sua função mais relevante – proteger aquilo que é íntimo – foi descoberta não

como oposto da esfera política, mas da esfera social, com a qual, portanto, tem

laços ainda mais estreitos e autênticos”. Essa esfera social a que se refere Arendt

(2007) passa a se politizar, exigindo do Estado outras funções que não somente de

legislador, controlador.

No século XX, surge então a ideia do Estado-social, que passa a ter a função

de indenizar e proteger os grupos sociais mais vulneráveis e prevenir alterações na

Page 81: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

79

estrutura social, atenuando ou dirigindo-as através de políticas públicas, assim como

o controle e equilíbrio dos ciclos econômicos passa a ser sua função (HABERMAS,

2003). O autor aponta ainda que começa a haver um certo hibridismo, um

entrecruzamento dos interesses privados organizados em sindicatos e associações.

Da mesma forma, a imprensa que até então era intermediadora entre os interesses

do privado e do público, torna-se ela própria privada, e a publicidade também passa

a desempenhar com ela papel operativo na opinião pública, considerada pelo autor

como “ficção” uma vez que ela não é agora espontânea, individual.

Nessa direção, Arendt (2007) aponta que o homem passa a ter no trabalho,

na manutenção da vida seu objeto fundamental e que uma espécie de “absorção

massificadora” de vários grupos sociais por uma “esfera social” passa a uniformizar

a opinião pública. A sociedade passa a esperar “dos outros” certos tipos de

comportamento gerando, segundo ela, conformismo. O bem comum passa a ser

consumido: alimentação, roupas, transporte. O trabalho adquire, enquanto meio para

“aquisição” de bens, um status ainda não visto.

O espaço público35 constitui então, simbolicamente, a matriz da comunidade

política, mas ele é, também, nas formas de expressão concretas através das quais

se manifesta uma arena de significações contestadas. Diferentes públicos buscam

nele se fazer ouvir e se opõem em controvérsias que não excluem nem os

comportamentos estratégicos, nem as tentativas de eliminação dos outros pontos de

vista (LAVILLE, 2006, p.26). O mesmo autor correlaciona assim a esfera pública e

seus preceitos à ideia de uma articulação entre diversos vieses, dentro das ações na

democracia moderna, dentre os quais pode-se destacar o político e o econômico: O Espaço Público constitui simbolicamente a matriz da comunidade política, mas ele é, também, nas formas de expressão concretas através das quais se manifesta uma arena de significações contestadas. Diferentes públicos buscam nele se fazer ouvir e se opõem em controvérsias que não excluem nem os comportamentos estratégicos, nem as tentativas de eliminação dos outros pontos de vista (LAVILLE, 2006, p.26).

A visão de Habermas evidencia ainda que com no contexto da economia

contemporânea e suas relações de mercado vê-se surgir a esfera do "social" onde

novas formas de “autoridade” emergem e se tornam um caminho alternativo ao da

autoridade pública. Nestes termos, a relação entre Estado e sociedade e a mudança 35 Aqui o conceito de “espaço público”, não se limita ao espaço materializado, físico, estendendo-se aos espaços de decisões que interessam à coletividade, entre eles a gestão do espaço público em si, este sim, material.

Page 82: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

80

estrutural da esfera pública, debatidas no âmbito da administração pública e da

gestão social encontra suporte no pensamento de Habermas (2003, p. 170).

Em vários aspectos podemos relacionar o conceito de esfera pública ao de

gestão social, muito embora vários autores afirmem que este último está em

processo de construção. Todavia, há certo consenso de que ambos os conceitos

relacionam-se à formação da opinião pública pela sociedade civil organizada;

pressupõem a relação dialógica entre sociedade e Estado e o compartilhamento da

formação dos espaços públicos a partir de ações mútuas entre sociedade e Estado –

ainda que conflituosas.

Segundo Fischer (2002), a prática da gestão social se apresenta diante de um

conceito ainda em construção. Para a autora, a gestão social corresponde à "gestão

do desenvolvimento social", um espaço "reflexivo das práticas e do conhecimento

constituído por múltiplas disciplinas" (FISCHER, 2002 p.29). Neste sentido, a autora

alerta para a banalização do conceito de Gestão Social que, para o autor, “parece

constituir nos últimos anos um daqueles termos que tem conquistado uma

visibilidade cada vez maior, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto, sobretudo,

em termos mediáticos [...] tudo que não é gestão tradicional passa então a ser visto

como gestão social" (FISCHER, 2002 p.26).

Tenório (2008, p.158), aponta que a gestão social tem sido associada mais à

ideia de gestão de políticas sociais ou até ambientais, "do que à discussão e

possibilidade de uma gestão democrática, participativa, quer na formulação de

políticas públicas, quer nas relações de caráter produtivo". Ainda segundo Tenório

(2004), a gestão social contrapõe-se à gestão estratégica à medida que busca

substituir o que denomina como “gestão tecnoburocrática” por um gerenciamento

participativo, dialógico, onde os processos decisório são exercidos por diferentes

sujeitos sociais: [...] No processo de gestão social, [...] a verdade só existe se todos os participantes da ação social (no espaço público) admitem sua validade, [...] é a promessa de consenso racional ou, a verdade não é uma relação entre o indivíduo e a sua percepção de mundo, mas sim um acordo alcançado por meio da discussão crítica, da apreciação intersubjetiva (entre os diferentes atores presentes no processo)” (TENÓRIO, 2004, p. 25-27).

França Filho (2008), por sua vez, entende que a gestão social pode ser

entendida tanto como processo quanto como uma finalidade: enquanto processo, a

gestão social corresponderia "[...] a uma forma de gestão organizacional que, do

Page 83: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

81

ponto de vista da sua racionalidade, pretende subordinar as lógicas instrumentais a

outras lógicas mais sociais, políticas, culturais ou ecológicas.” e, enquanto

finalidade, a noção gestão social, uma vez que “enquanto problemática de

sociedade, a ideia de gestão social diz respeito à gestão das demandas e

necessidades do social” (FRANÇA FILHO, 2008, p. 29-30) se aproximando assim da

ideia de gestão pública. E assim, o autor resume a finalidade e a esfera da gestão

social que para ele: “[...] corresponde, nessa linha de análise, ao modo de gestão próprio das organizações que atuam num circuito que não é, originariamente, aquele do mercado e do Estado. Este é o espaço da chamada sociedade civil, uma esfera pública de ação que não é estatal. As organizações atuando neste âmbito não perseguem objetivos econômicos. O econômico aparece como um meio para a realização dos fins sociais, que podem definir-se também em termos culturais, políticos, ou ecológicos, a depender do campo de atuação da organização. É exatamente esta inversão de prioridades em relação à lógica da empresa privada que condiciona a especificidade da gestão social”. (FRANÇA FILHO, 2008, p. 68).

2.2.2. Cidadania deliberativa, gestão pública e desenvolvimento local

O conceito de cidadania é bastante amplo e sua definição encontra-se

alicerçada em concepções teóricas muitas vezes controversas e muitos teóricos que

problematizam a questão possuem visões distintas (e por vezes antagônicas) sobre

quais são os direitos que caracterizam o status de cidadão (TENÓRIO, 2008). Para

o autor, com base na definição de cidadania deliberativa36 habermasiana, o

relaciona-a ao desenvolvimento local quando afirma que “a legitimidade das

decisões políticas deve ter origem em processos de discussão, orientados pelos

princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do

bem comum”. Especificamente em relação ao desenvolvimento local, aponta ainda

que os processos que o definem “supõem esforços articulados de atores estatais e

da sociedade, dispostos a levar adiante projetos que surjam da negociação de

interesses, inclusive divergentes e em conflito”. Assim, Tenório (2008, p.1) aponta

para a necessidade de que o desenvolvimento local prescinde “do surgimento e

fortalecimento de atores inscritos em seus territórios e com capacidade de iniciativa

36 Na leitura que Tenório (2008, p.5) faz de Habermas, o conceito de cidadania deliberativa “faz jus à multiplicidade das formas de comunicação, dos argumentos e das institucionalizações do direito através de processos [...] une os cidadãos em torno de um autoentendimento ético[...]” e que, em essência, “[...]consiste precisamente numa rede de debates e de negociações, a qual deve possibilitar a solução racional de questões pragmáticas, éticas e morais.”.

Page 84: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

82

e propostas socioeconômicas que promovam as potencialidades locais, apostando

em uma melhoria integral da qualidade de vida da população”.

Desta forma, há também a necessidade de engajamento dos atores locais no

campo político, econômico, social e cultural de forma, pois estes, segundo Tenório

(2008, p.1) seriam “portadores e fomentadores das potencialidades locais”. Ele

destaca ainda que o Estado não deve se omitir, mas também não deve monopolizar

as ações – sua função é antes a de articulador e facilitador do processo e que a

eficácia do desenvolvimento local depende, antes de tudo, de sua apropriação por

parte da sociedade. Assim, o autor observa: “[...] a necessidade de buscar um modelo de gestão pública fundado em processos democráticos, cooperativo e educativo, de modo que a população, conscientizada de seu papel político-deliberativo, possa influenciar em todos os âmbitos decisórios, desde o planejamento, passando pela execução até a avaliação, sendo solidária no empenho para a realização dos objetivos propostos. Pode-se supor que a ocorrência de um intenso debate sobre a participação cidadã no âmbito dos governos locais decorre da cada vez mais acentuada consciência de que a democracia representativa não é suficiente para atender as demandas da sociedade.” (TENÓRIO 2008, p.1).

Em seu trabalho Tenório (2008) destaca ainda a necessidade de haver participação

de forma endógena, consciente e voluntária no processo de desenvolvimento local e

que, assim, o ato de participar não se resume ao voto, mas demanda o envolvimento

ativo dos atores nos processos decisórios e nos relembra que esta necessidade é

inerente (de forma voluntária ou não) a vários aspectos da vida em sociedade: “O ato de participar integra o cotidiano de todos os indivíduos. Por desejo próprio ou não, somos, ao longo da vida, levados a participar de grupos e atividades. Esse ato nos revela a necessidade que temos de nos associar para buscar objetivos, que seriam de difícil consecução ou mesmo inatingíveis, se procurássemos alcançá-los individualmente. Assim a participação e a cidadania referem-se à apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino.” (TENÓRIO 2008, p.6, grifo nosso).

Em suma, Tenório (2008, p. 15) defende a tese de que a cidadania deliberativa

precisa ser entendida como uma ação sobretudo política, na qual o indivíduo deve

participar da decisão democrática de seu destino social como pessoa humana,

entendendo que como sujeito de sua própria existência dentro da sociedade, “Sua autodeterminação se dá também na democracia social, onde possui igualdade política e decisória. O cidadão deve ser democraticamente ativo, ou seja, o indivíduo influi na transformação de sua própria situação no âmbito que vive e atua. [...] O consenso é alcançado argumentativamente. Ou seja, a cidadania resulta da igualdade política e decisória.” (TENÓRIO 2008, p. 15).

Page 85: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

83

2.2.3. Definindo espaço, lugar e território

Uma vez que as praças observadas nesta pesquisa são espaços públicos que

compõem a paisagem da cidade e que esses espaços estabeleceram-se em locais

estrategicamente determinados na malha urbana desde o projeto original da cidade,

evidencia-se a necessidade de esclarecer conceitos fundamentais para sua análise.

Alguns desses conceitos vêm sendo estudados, resgatados e ressignificados pela

geografia desde o início do século XX. Todavia, somente nas últimas décadas, as

concepções precursoras da geografia humanista parecem ter empreendido maior

esforço na análise da relação subjetiva, cultural e dialética do homem com o

ambiente.

Holzer (1996, p. 67-68) aponta para o fato de que a geografia clássica, até a

década de 1980, tratava o conceito de “lugar”, hoje fundamental para o estudo

dessa disciplina, somente de forma secundária e muito mais relacionado a um

significado de posição geograficamente estabelecida, num sentido locacional. Ao

fazer uma abrangente revisão bibliográfica, Holzer (1999) menciona as obras de

autores precursores dessa mudança, que vinha ocorrendo, paulatinamente, desde

meados da década de 1960, quais sejam: Lukermann (1964), Tuan (1965), Buttimer

(1982) e Sauer (1983). Para Holzer (1999), abria-se aí uma nova perspectiva, na

qual o lugar aparece desvinculado desse sentido locacional estrito, positivista,

reforçando a ideia da geografia como uma disciplina que estava “além da ciência”.

Em outro trabalho, Holzer (1996) destaca o fato de que, no início da década

de 1960, ainda havia o domínio da geografia analítica e quantitativa que, pouco a

pouco, foi se afeiçoando à área da psicologia comportamental - surgimento da

geografia comportamental - assim como as vertentes, a geografia cultural e a

geografia histórica, aproximaram-se da antropologia, da psicologia e da sociologia,

que muito contribuíram para o debate de novas perspectivas.

O autor menciona ainda que, já em 1961, destacam-se as proposições de

dois geógrafos, as quais se desviavam da perspectiva positivista dominante: Tuan,

que propunha a topofilia (estudo do amor do homem pela natureza) e Lowenthal (ex-

aluno de Sauer), que objetivava a renovação da geografia cultural, cujo ponto de

partida era a geosofia, “[...] vista à base de um projeto de ciência que abarcasse os

vários modos de observação, o consciente e o inconsciente, o objetivo e o subjetivo,

o fortuito e o deliberado, o literal e o esquemático” (HOLZER, 1996, p. 9).

Page 86: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

84

Merece aqui destacar as diferenças entre duas abordagens bastante

recorrentes no que se refere à análise de espaços públicos, quais sejam: a primeira

que se debruça mais focalizada na análise físico-espacial e morfológica, que se

substancia na descrição do ambiente – aqui entendido pelas suas formas físicas e

características ambientais; e a segunda, a qual interessa e foi base deste trabalho, que entende o espaço como algo que não é dado a priori, mas que se

constrói, consolida-se e transforma-se pelo uso, pela ação do homem e pela sua

relação dialógica com esse espaço, numa perspectiva que entende não haver

desconexão entre o sujeito e o objeto e na qual o espaço é tanto produto da ação

humana como produtor da mesma. Considera-se relevante, portanto, a abordagem

conceitual que encontra respaldo em Gomes (2002) e Santos (2006), autores que

defendem a ideia de que o espaço consolida-se na prática social e sua análise

precisa levar em conta essa característica. Gomes (2002, p. 290) destaca: “[...] a

análise espacial deve ser concebida como um diálogo permanente entre a morfologia e as práticas sociais ou comportamentos”. Milton Santos (2006), nesse

mesmo raciocínio, toma essa concepção, à sua maneira, como ponto de partida: Como ponto de partida, propomos que o espaço seja definido como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações. Através desta ambição de sistematizar, imaginamos poder construir um quadro analítico unitário que permita ultrapassar ambiguidades e tautologias (SANTOS, 2006, p. 12).

Destaca-se a convergência, na proposição dos autores supracitados, da

concepção de que a produção e vivência do espaço não se dão em tempo “estacionado”, ou seja, essa relação dinâmica dá-se constantemente e atravessa o

tempo. Nesse processo, muitas vezes, tanto os elementos espaciais quanto os

comportamentos e as práticas, que ali se estabelecem, modificam-se.

Dito de outra forma, poder-se-ia inferir que a pré-existência de um espaço e

das relações ali vividas, em um dado momento, muito embora não seja

necessariamente determinante para aquilo que se conforma no tempo presente,

pode interferir na consolidação de significados, vivências e apropriações espaciais –

evidência de que a produção do espaço dá-se em uma relação constante e mutável

entre a sua forma e os sentidos e usos que ela pode favorecer ou mesmo

condicionar. Ademais, parece que a produção de significados em um dado espaço -

especialmente nos espaços públicos - está alicerçada nas práticas sociais, na

Page 87: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

85

relação entre seus elementos e funções que cumprem, na vivência e significação

construídas cotidianamente.

Assim sendo, aqui se percebe importante avaliar os espaços públicos diante

da perspectiva de momentaneidade que Santos (2006, p. 71) propõe acerca da

observação da dinâmica do espaço público: “[...]o espaço é a síntese, sempre provisória, entre o conteúdo social e as formas espaciais”. Ele destaca a

necessidade de se considerarem tanto os aspectos físicos dos espaços quanto das

práticas sociais que ali se estabelecem, pois, do contrário, a análise pretendida -

diante da hipótese de inseparabilidade dos objetos e ações - “[...] não seria capaz de

dar conta da realidade que é total e jamais é homogênea” (SANTOS, 2006, p. 63).

A interdependência entre objetos e ações evidencia a relação dialética

proposta por Santos (2006, p. 61), para quem “a ação não se dá sem que haja um

objeto; e, quando exercida, acaba por se redefinir como ação e por redefinir o

objeto”. De modo complementar, Gomes (2002, p. 36) argumenta que a organização

dos elementos em um espaço pode possibilitar que certas ações sejam mais

favorecidas que outras, ou seja, que, de certa forma, as práticas sociais em um

determinado espaço sofrem influência e podem ser até mesmo dependentes do

arranjo físico dos elementos que o compõem.

Santos (2006) descreve o espaço (físico) como oposição (ou vazio) da ideia

de lugar37 como o locus das relações estabelecidas, numa resistência à tendência

homogeneizadora dos espaços, aproximando do que aponta Zukin (1996), a ideia de

lugar refere-se a uma delimitação socioespacial comunitária, tem relação direta com

a apropriação feita em determinados espaços e, portanto, expressa características,

hábitos ou identidade de determinado grupo.

Nesses termos, deve-se levar em conta que, nos processos de construção

sociocultural do espaço e nas suas dinâmicas cotidianas, conformam muitas vezes

territórios e estes, por sua vez, podem indicar relações antagônicas de apropriação

social, antagônicas de segregação ou integração entre determinados grupos sociais.

37 Merece citar que Certeau (1994) entende os termos lugar e espaço de forma bastante distinta – diria até contrária - aos autores aqui trazidos e à discussão. Para ele, o lugar é o locus da prescrição, corresponde à coerência entre função e uso. Já o espaço seria “o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam, e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (CERTEAU, 1994, p. 201).

Page 88: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

86

Guattari (1985) diferencia o conceito de espaço do de território. Para o autor,

o espaço define as formas espaciais pré-estabelecidas, numa concepção que se

aproxima das “formas-objeto” de Santos. O território, por sua vez, é caracterizado a

partir das significações que lhe são atribuídas ou também se poderia dizer que é

originado a partir das apropriações e usos que determinados grupos fazem do

espaço concreto. Em suma, nas palavras do autor, os territórios seriam definidos na

esfera das relações subjetivas: Os Territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e coletiva e o espaço ligado mais às relações funcionais de toda espécie. O espaço funciona como uma referência extrínseca em relação aos objetos que ele contém, ao passo que o território funciona em uma relação intrínseca com a subjetividade que o delimita (GUATTARI, 1985, p.110).

Essa subjetividade também se expressa em Rolnik (1992), quando ela

contrapõe a noção de espaço à noção de território: “território é uma noção que

incorpora a ideia de subjetividade [...] É a ideia do espaço como marca, como expressão, como assinatura, como notação das relações sociais, como cartografia das relações sociais” (ROLNIK, 1992, p. 28), pois se refere a um espaço vivido, no qual as relações praticadas entre os indivíduos concretizam-se

também espacialmente.

Nesse sentido, podemos compreender que o território é também um produto

histórico-social. Essa ideia, segundo Rolnik (1192), pode ser verificada nas ruas, que

não são apenas espaços de passagem, mas são carregadas de memórias e

experiências dos sujeitos que ali passaram, como também dos grupos sociais.

Assim, não é de se surpreender que nos espaços públicos as disputas não

sejam travadas apenas entre os interesses “privados” e “coletivos”, mas representam

um campo onde são negociados (ou pelo menos deveriam ser) aspectos materiais e

simbólicos entre grupos de indivíduos e/ou entre estes e o Estado.

2.2.4. Delimitando o “espaço” da praça

Na literatura, não se tem uma definição única daquilo que seria o conceito de

praça. Contudo, apesar das divergências, um ponto ao qual muitos autores

convergem é que ela consiste em um espaço público notório, destinado aos

pedestres para o lazer, manifestações culturais, econômicas, políticas e encontros,

merecendo também destaque outros aspectos relevantes desses espaços que

podem servir como pontos de referência histórica e cultural, servindo, muitas vezes,

Page 89: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

87

como ponto de chegada e partida – como parte importante da mobilidade urbana -

ou mesmo abrigando o comércio, seja ele formal, informal, feiras e congêneres

(ROBBA; MACEDO, 2010).

Esses autores elegem ainda duas condições mínimas para que um espaço

possa ser considerado praça: o uso e a acessibilidade. Para eles, as praças devem

ser espaços urbanos livres, destinados ao lazer e ao convívio da população,

acessíveis aos cidadãos e livres de veículos. Essa tipologia apresentada pelos

autores supracitados apresenta a necessidade de um espaço que promova a

sociabilidade, função esta intrínseca ao espaço de uma praça.

Estariam então fora da classificação de praça alguns espaços públicos que

hoje são nomeados como tal, mas que não passam de jardins em canteiros centrais,

rotatórias com pouco ou nenhum mobiliário urbano ou árvore, áreas residuais

gramadas, entre outros, e que não possuem condições mínimas adequadas para a

promoção do lazer, de manifestações culturais, políticas ou mesmo do encontro e

socialização das pessoas.

Deve-se considerar, entretanto, o fato de que alguns espaços públicos podem

exercer funções típicas atribuídas a praças, ainda que formalmente estas não se

vejam concretizadas naquele espaço. Isto decorre muitas vezes das apropriações,

práticas sociais e usos de um determinado espaço.

Na cidade de Belo Horizonte, pode-se citar o caso da Praça Sete de

Setembro (antiga 14 de Outubro) - hoje composta por quatro quarteirões fechados –

e, até 1971, era ladeada por ruas abertas à intensa circulação de veículos. Todavia,

devido à sua localidade no coração da cidade, pouco a pouco, foi se conformando,

até que se viu a necessidade do fechamento das ruas em calçadões (ESTADO DE

MINAS, 2012)38.

2.2.5. Intervenções urbanas: conceitos e contextos

As praças, enquanto espaços públicos, são muitas vezes apropriadas como mercadoria e esvaziam-se de sentido e de uso – transformando-se cada vez mais

em artificialidades urbanas (SANTOS, 2006), muito distantes de uma outrora

38 Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/07/21/interna_gerais,307333/conheca-a-historia-dos-quatro-cantos-da-praca-sete.shtml>. Acesso em: 08 fev. 2018.

Page 90: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

88

harmoniosa integração entre a cidade e a natureza, preocupações estas que

impactam a qualidade de vida atual dos cidadãos e que já eram expressas décadas

atrás por Moro (1976): [...]a constante urbanização nos permite assistir, em nossos grandes centros urbanos, a problemas cruciais do desenvolvimento nada harmonioso entre a cidade e a natureza [...] cujos reflexos negativos contribuem para degeneração do meio ambiente urbano, proporcionando condições nada ideais para a sobrevivência humana (MORO, 1976, p.15).

Apesar de a dificuldade encontrada na literatura em se estabelecer

assertivamente o sentido de alguns termos que se relacionam a processos e

técnicas de intervenção urbana, faz-se mister identificá-los e trazer à tona algumas

de suas principais concepções – ainda que sem consenso - para melhor

caracterizarem-se as transformações dos espaços urbanos em estudo,

especialmente aquelas relacionadas às intervenções ocorridas nas últimas décadas.

Trata-se, pois, de explicitar quais são as terminologias que interessam neste

momento - especialmente porque identificam e descrevem os tipos de gestão e/ou

técnicas aplicadas em intervenções urbanas e arquitetônicas, quais sejam:

renovação, reabilitação, requalificação, restauração e revitalização, apenas

para citar alguns.

Não por acaso, o prefixo “RE” aparece na grafia de quase todos esses

termos, remetendo inicialmente à ideia de algo que age sobre pré-existências – por

vezes desconsideradas na prática - e que, de alguma forma, necessita de ser

transformado, refeito ou reordenado. Percebe-se também que essas concepções

apresentam entre si visões complementares, contraditórias, ou mesmo equivalentes,

mas em todas elas parte-se do pressuposto de um espaço que se encontra “sem

vida”, “desvirtuado” ou mesmo “doente”.

Para compreenderem-se as razões e origens de cada um desses termos, é

importante voltar um pouco no tempo. Já, na segunda metade do século XVIII, por

razões político-econômicas, de segurança e, especialmente destacadas, de saúde

pública – sobre as quais não cabe aqui se delongar -, a gradativa concentração das

pessoas nos centros urbanos indicava uma maior necessidade de organização e

controle das cidades, fazendo surgir a regulamentação do espaço urbano que fora

centralizada no Estado. Naquela época, o discurso era de que o motivo mais

relevante para tal controle e intervenções urbanas era a saúde pública.

Page 91: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

89

As cidades possuíam traçados medievais com vias estreitas e o tecido urbano

não era apropriado para a grande concentração de pessoas que “inchavam” os

espaços urbanos e “amontoavam-se” em cortiços insalubres. Por essa razão,

procedimentos de quarentena, como o confinamento, o registro e a vigilância, eram

adotados como políticas públicas sanitárias para evitar a propagação de doenças

epidêmicas. De Vasconcellos e De Mello (2008) apontam que Foucault (1977)

utilizava a expressão “medicina urbana” para traduzir uma política urbana que se

consolidava como uma espécie de quarentena “aperfeiçoada” e que possuía como

palavra de ordem a higienização:

A medicina urbana – expressão utilizada pelo referido autor - foi um aperfeiçoamento da quarentena, identificada em três grandes objetivos: (1) a análise dos lugares de "amontoamento", confusão e perigo - surgiu, em 1780, o cemitério com covas individualizadas; (2) o controle e o estabelecimento da circulação da água e do ar - o que veio a justificar a necessidade de abrir largas avenidas no espaço urbano, para "manter o bom estado de saúde da população"; (3) a organização dos diferentes elementos necessários à vida comum da cidade (esgotos, fontes, caves, cemitérios) (DE VASCONCELLOS; DE MELLO, 2008, p. 61).

Tais procedimentos higienistas seriam difundidos na sociedade europeia e

consolidar-se-iam como planos urbanísticos de intervenção aplicados em antigas

cidades medievais em plena industrialização - especialmente no século seguinte.

Um exemplo icônico desse tipo de intervenção, denominada renovação urbana, é o

Plano de Haussmann39 para a renovação da cidade de Paris – que se verá, mais

tarde, ter sido uma experiência que inspirou também a construção de Belo Horizonte

sob os preceitos da funcionalidade. O projeto de Paris vislumbrava a organização da

cidade em bairros e grandes e largas avenidas, com a extensão do tecido urbano

existente, mas também com a eliminação de boa parte do que já estava

estabelecido o que, pelo menos a princípio, justificava-se tecnicamente:

O argumento técnico era a modernização e salubridade e, acima de tudo, a melhoria das condições de moradia, transporte e infraestrutura.[...] A ideia de via se transforma e permite a diversificação e multiplicação das funções distributivas de um complexo substrato de funções: distribuição rápida de pessoas, alimentos, água, gás e remoção do lixo. Porém, foram, sobretudo,

39 George Eugène Haussman (1809-1891) formou-se em Direito e doutorou-se em 1831. Iniciou sua vida política como secretário geral da prefeitura de Vienne já em 1831, tendo sido vice-prefeito das cidades Yssingeaux, Nérac, Saint-Girons e Blaye nos anos seguintes. Em 1848, foi conselheiro da prefeitura de Bordeaux onde teve grande aproximação com a burguesia e apoiou a candidatura de Napoleão Bonaparte à presidência. Foi nomeado prefeito das cidades de Var (1949), Yonne (1850) e Gironde (1851) e, em 1853, tornara-se prefeito do antigo departamento de Sena (que englobava as atuais cidades de Paris, Hauts-de-Seine, Seine-Saint-Denis e Val-de-Marne), cuidando do planejamento e reforma urbana de Paris durante 17 anos, pela qual ficou mundialmente conhecido no urbanismo (PANEARI et al, 2013, p. 05).

Page 92: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

90

os “equipamentos públicos”, como hoje são conhecidos, que surgiam em todos os lugares: prefeituras, centros administrativos, ministérios, escolas, liceus, mercados abatedouros, hospitais, prisões, quartéis, câmaras de comércio, estações ferroviárias e assim por diante. [...] A identificação de uma hierarquia foi feita pela rede viária e pelos equipamentos nela distribuídos (PANERAI et al, 2013, p.11).

É importante contextualizar que a Paris de Haussmann era, à época,

considerada a maior cidade industrial do mundo e já contava com mais de 1 milhão

de habitantes, população que praticamente dobrara até a década de 1870 e que

preocupava não só pelos números de sua população e as questões de saúde, mas

também pela delicada relação entre seus atores sociais. Devido à grande massa de

trabalhadores e às profundas desigualdades sociais, o governo e a burguesia

temiam insurgências e barricadas e era necessário criarem-se estratégias e

delimitações territoriais que protegessem o Estado e a classe dominante (PANERAI

et al, 2013, p. 12).

Percebe-se, no entanto, que a renovação urbana de Paris, muitas vezes

destacada pelos avanços que promoveu na infraestrutura, ordenação e salubridade

da cidade, também traz consigo um lado sombrio: devido à ruptura e à demolição

que fez no tecido urbano pré-existente, quebraram-se os “laços” de vizinhança e a

memória da cidade medieval e, com isto, o poder de mobilização das massas foi

reduzido e controlado.

Tal atitude de renovação “demolidora” e “higienista” viria ser, inclusive,

reiteradamente defendida, aplicada e difundida pelas ideias dos urbanistas

modernistas no século XX, como se pode confirmar na Carta de Atenas (1933):

As leis de higiene universalmente reconhecidas fazem uma grave acusação contra as condições sanitárias das cidades. [...] Bairros inteiros deveriam ser condenados em nome da Saúde pública. Alguns, fruto de uma especulação prematura, só merecem a picareta; outros, em função das memórias históricas ou dos elementos de valor artístico que contêm, deverão ser parcialmente respeitados; há modos de preservar o que merece ser preservado, destruindo implacavelmente aquilo que constitui um perigo (CARTA DE ATENAS, 1933, p. 12).

Na literatura, encontram-se outras abordagens que evidenciam o caráter

“demolidor” das práticas de renovação urbana e a sua desconsideração do contexto

existente, como se pode constatar em Villaça e Guerra (1994, p. 83): “tipo de

intervenção urbanística que traduz a demolição do antigo e a construção do novo

sobre os escombros do primeiro”; e em Pinto e Ruivo (1995, p. 142): “conjunto de

ações que eliminam um tecido urbano antigo e degradado para o substituir por uma

Page 93: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

91

ocupação nova e atual, dotada de uma nova estrutura urbana e funcional, com ou

sem ligação com a pré-existente” e também é alvo de críticas exatamente por essa

desconsideração, que acarreta vários problemas, inclusive de segurança pública,

como aponta Lopes (1991):

a renovação elimina a memória da Cidade, mata o espírito dos lugares e cria espaços vazios, construções desenraizadas. Expulsa os antigos habitantes para as periferias, implantando no seu lugar o reino do terciário que dá a estas zonas o caráter de cidade-de-dia e de deserto à noite, onde, uma vez mais, se vão instalar novas formas de marginalidade (LOPES, 1991, p. 73).

É importante contextualizar, entretanto, algumas situações em que a crítica

não se aplica: em uma Europa do pós-guerra, onde se mostravam urgentes

intervenções que restituíssem às cidades condições de habitabilidade, as políticas

de renovação urbana não só ganham força como se fazem necessárias para a

reconstrução das cidades e isto, de certa forma, “atenuava” as críticas a tais

processos. Por outro lado, também se verificava uma crescente crítica ao urbanismo

modernista, especialmente a partir da década de 1960. Segundo De Vasconcellos e

De Mello (2008),

o conceito de monumento histórico expresso na Carta de Veneza (1964) - até então restrito a exemplos isolados - passa a ser ampliado e considerar conjuntos urbanos representativos, mesmo os que, de forma modesta, pudessem significar o “testemunho de evoluções, civilizações ou acontecimentos históricos (DE VASCONCELLOS; DE MELLO, 2008, p. 61).

Já na década de 1970, fazia-se presente também a preocupação com a

salvaguarda e conservação de edificações e espaços públicos específicos, como é o

caso dos jardins, parques e os denominados “centros históricos” que são tratados

com destaque em recomendações patrimoniais, como no caso da Carta do Restauro

(1972):

[...] para assegurar sua salvaguarda e restauração, os conjuntos de edifícios de interesse monumental, histórico ou ambiental, particularmente os centros históricos; as coleções artísticas e as decorações conservadas em sua disposição tradicional; os jardins e parques considerados de especial importância (CARTA DO RESTAURO, 1972, s.p.).

Nesse mesmo documento, também é evidenciada a importância da adoção

de ações de manutenção e conservação dos monumentos e edificações como forma

de prevenir restaurações arquitetônicas mais intervencionistas:

No pressuposto de que as obras de manutenção realizadas no devido tempo asseguram longa vida aos monumentos, encarece-se o maior cuidado possível na vigilância dos imóveis para a adoção de medidas de

Page 94: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

92

caráter preventivo, inclusive para evitar intervenções da maior amplitude (CARTA DO RESTAURO, 1972, s.p.).

Além disso, propõe novos usos para os edifícios monumentais como

alternativa possível para a sobrevivência dos mesmos:

Sempre com o objetivo de assegurar a sobrevivência dos monumentos, vem-se considerando detidamente a possibilidade de novas utilizações quando não resultarem incompatíveis com os interesses históricos e artísticos (CARTA DO RESTAURO, 1972, s.p.).

E destaca que eventuais obras de adaptação dessas edificações devem

limitar-se ao mínimo, “conservando escrupulosamente as formas externas e evitando

alterações sensíveis das características tipológicas, da organização estrutural e da

sequência dos espaços internos” (CARTA DO RESTAURO, 1972, s.p.).

A importância que na Carta do Restauro (1972) é dada aos monumentos,

edificações e centros históricos – estes últimos entendidos não só como os

tradicionais “antigos centros urbanos”, mas também como

todos os assentamentos humanos cujas estruturas, unitárias ou fragmentárias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, hajam se constituído no passado ou, entre muitos, os que eventualmente tenham adquirido um valor especial como testemunho histórico ou características urbanísticas ou arquitetônicas particulares (CARTA DO RESTAURO, 1972, s.p.)

Estende-se também ao contexto urbano no qual se inserem e mesmo à

estrutura urbana (vias, ambiente, praças, ruas, espaços livres, etc.) que deve ser

objeto de intervenções: de reestruturação urbanística que propicie a “liberação”

nos centros históricos de “finalidades funcionais, tecnológicas ou de uso que, em

geral, vier a provocar-lhes um efeito caótico e degradante”; de reordenamento viário, que reduza os aspectos patológicos dos fluxos de tráfego e reconduza o uso

do centro histórico a “funções compatíveis”; e de revisão dos equipamentos urbanos com a finalidade de conectar de forma homogênea as edificações e os

espaços livres exteriores, impactando as relações entre o espaço edificado e a rua,

a praça e outros espaços livres existentes.

Nos anos seguintes e, sobretudo a partir dos anos de 1980, observam-se

alguns planos de estruturação urbana emergentes. Assim como, nos anos 1990,

outras preocupações relacionadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento

sustentável vieram se somar em um entendimento de que a cidade era um

organismo vivo, complexo e dinâmico e que carecia de políticas de manutenção e

Page 95: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

93

preservação como formas de intervenção conservacionista mais “branda” e menos

onerosa que a de restauração, que deve ter caráter excepcional e, por sua implícita

sofisticação, deve ser reservada a edifícios particularmente prestigiados (DE

VASCONCELLOS; DE MELLO, 2008, p. 61).

Mais recentemente, a partir do 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação

Urbana de Lisboa, ocorrido em 1995, produziu-se a conhecida Carta de Lisboa (1995) na qual foram definidos, ainda que de forma concisa, vários conceitos

(técnicas) atribuídos ao conjunto de práticas que a referida Carta denomina como

reabilitação urbana:

[...] uma estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes. Isso exige o melhoramento das condições físicas do parque construído pela sua reabilitação e instalação de equipamentos, infraestruturas, espaços públicos, mantendo a identidade e as características da área da cidade a que dizem respeito (CARTA DE LISBOA, 1995, s.p.).

Aqui, a reabilitação trata-se não de uma ação isolada, mas de uma estratégia

de gestão urbana que, através de múltiplas técnicas de intervenção, visa manter a

identidade e as características da área da cidade que dizem respeito às

transformações propostas em um dado contexto.

Aos poucos, ações integradas e interdisciplinares - que se apoiavam não

somente nas questões relativas ao patrimônio histórico e material, mas

consideravam também a necessidade de retomada das atividades econômicas e

reintegração de moradores aos seus locais de origem - passam a ganhar espaço

como alternativa e contraponto às ações de renovação. Nesse sentido, o trecho

destacado da Carta de Lisboa de 1995 induz a uma compreensão que aproxima o

significado dos termos reabilitação e requalificação.

A partir de então e gradativamente, a consideração e importância das pré-

existências, fossem elas materiais, culturais ou até mesmo a memória, passam a ser

cada vez mais relevantes. Encontram-se aqui similaridades e aproximações entre o

conceito de reabilitação e o de revitalização urbana40, uma vez que ainda, segundo

a mesma Carta de Lisboa (1995), este último conceito englobaria

40 Por vezes, encontra-se na bibliografia a menção do termo ”regeneração” com semelhante sentido.

Page 96: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

94

[...] operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da cidade em decadência. Esta noção, também próxima da reabilitação urbana, aplica-se a todas as zonas da cidade sem ou com identidade e características marcadas (CARTA DE LISBOA, 1995, s.p.).

Tais definições – reabilitação, requalificação e revitalização - demonstram

merecer atenção especial, tanto as questões econômicas quanto a “nova vida” que

se pretende dar ao espaço reabilitado, revitalizado (ou regenerado). Todavia,

diferem-se, tanto no que diz respeito à degradação ser condição prévia para se

caracterizar uma revitalização quanto na necessidade e importância dada à

manutenção da identidade, que parece cara somente à proposta de reabilitação,

uma vez que a revitalização é passível de ocorrência em zonas “com ou sem

identidade”. Por essa razão, muitas vezes o termo revitalização tem sido evitado na

“rotulagem” dos projetos, uma vez que ele traz consigo implícito, ainda que

subliminarmente, a possibilidade de não haver compromisso com a identidade e

memória.

O que se apresenta de comum na definição dos termos aqui destacados é

que em todos eles parte-se do pressuposto de que algo de novo precisa ser “RE”

feito na cidade e, por dedução óbvia, fica evidente a ideia de que há muito se tem

visto os espaços urbanos “adoecerem”, seja por falta da devida ordenação urbana,

pelas imbricadas relações e conflitos entre classes sociais, por razões de ordem

econômica – dentre outras - e, não resta dúvida, estes precisam de “tratamento”.

Fato é que muitos estudiosos e especialistas (ou não) têm-se debruçado

sobre a temática urbana desde muito e que as concepções sobre o espaço urbano

“ideal” ou ainda acerca das intervenções necessárias às suas “doenças” traduzem-

se – e muitas vezes se confundem propositalmente - em terminologias, técnicas,

discursos (às vezes meramente políticos) e ações que, até então, não parecem ter

dado conta do recado. Contudo, avanços no que diz respeito à consideração das

pré-existências temporais, materiais, simbólicas, sociais e ambientais como fatores

que norteiam as intervenções contemporâneas merecem ser destacados e apontam

caminhos que outrora eram desconhecidos, desimportantes ou mesmo considerados

descabidos.

Por outro lado, os discursos e proposições teóricas dessas formas de

intervenção ditas mais “inclusivas” apresentam muitas vezes, na prática, processos

perniciosos que são decorrentes, quer seja das políticas de financeirização e

Page 97: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

95

“consumo” no e do espaço público, quer seja da própria forma de apropriação que

se induz aos espaços. A cada dia, os termos utilizados apresentam novas

roupagens das intervenções no chamado “novo urbanismo” nem sempre

apresentando, na prática, o que tais termos parecem oferecer como proposição na

reabilitação, revitalização, requalificação ou congêneres.

A grande questão aqui, na verdade, não é o sentido a priori de termo ou a

proposta “textual” dessa ou daquela intervenção, mas aquilo que não está dito e

como, por que e para quem determinada intervenção é consolidada. Nesses termos,

o que se percebe em diversas pesquisas acadêmicas é que vários dos modelos são

adotados como “consagrados” e “bem sucedidos”, mas carregam consigo, ainda que

de forma subjacente ou a posteriori, processos de segregação simbólica, econômica

ou socioespacial, entre elas uma das mais recorrentes e perniciosas: a gentrificação.

Conforme dito anteriormente, o processo de gentrificação ou gentrification, apontado em diversos trabalhos como um dos males mais recorrentes nas

intervenções urbanas em espaços públicos, ocorre, especialmente, naquelas em

que o interesse do capital privado é majoritariamente contemplado e a partir das

quais a classe dominante apropria-se de espaços outrora rejeitados pela elite. Na

raiz do termo, tem-se o substantivo inglês gentry que faz alusão ao francês arcaico

genterise, os quais se encontram relacionados a estratos sociais “de alto poder

aquisitivo” ou de “origem nobre”.

Segundo Pereira (2015), as discussões dos processos de gentrificação no

meio acadêmico têm estreita ligação com processos de “retomada” dos centros

urbanos como moradia de classes mais altas e tornam-se mais relevantes na

literatura que trata de estudos urbanos a partir da década de 1980, muito embora já

aparecesse, em 1964, no livro da socióloga Ruth Glass “London: aspects of change”,

que trata dos processos de enobrecimento emergentes nos bairros londrinos:

Ainda nos anos 1960, a socióloga Ruth Glass (1964) publicou o livro London: aspects of change, obra em que se empregou a primeira vez o termo “gentrificação”. Nesse livro, a autora narra os primórdios de enobrecimento da área central de Londres, marcado por estratos sociais de alto poder aquisitivo – os gentry – em bairros até então identificados como lugares de moradia de classes trabalhadoras. Figurando inicialmente como um fenômeno esporádico, uma prática protagonizada por representantes de uma elite excêntrica seduzida pelo estilo de vida dos centros urbanos que se restringia a um universo geográfico e social bastante reduzido o processo de gentrificação [...] vem tomando proporções cada vez mais significativas. Nos anos 1980, quando a volta de classes afluentes às áreas centrais de algumas cidades do capitalismo avançado deixou de ser um

Page 98: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

96

fenômeno restrito a episódios isolados, a gentrificação despontou como um tema de grande repercussão crescente no debate acadêmico (PEREIRA, 2015, p. 19).

Pereira (2015, p.19), apontando o geógrafo escocês Neil Smith como uma

das referências nesse debate, diz que ele argumenta ser este um processo que está

evoluindo “de uma mera anomalia local a uma estratégia urbana global”,

manifestando-se “num universo cada vez mais amplo” e menciona duas correntes

explicativas distintas, “mas não necessariamente irreconciliáveis”, para o fenômeno

da gentrificação.

De um lado estariam as teorias que entendem o processo como sendo

decorrência de demandas advindas de “mudanças culturais” e “escolha de

consumidores” (leia-se: elites) pelo estilo de vida dos centros urbanos; e, de outro,

as teorias que apoiam a ideia de que o processo de gentrificação decorre das

ofertas como “parte integrante de um movimento mais amplo de reestruturação do

capitalismo”, que estaria relacionado “à ascensão de políticas urbanas de aspiração

neoliberal e ao processo de globalização financeira” (PEREIRA, 2015, p.19).

O mesmo autor destaca ainda a relação diacrítica existente entre os

discursos: de um lado os institucionais que defendem e propagandeiam (com apoio

quase unânime da mídia) que tais intervenções urbanísticas (revitalização,

requalificação e congêneres) são a única saída, inquestionavelmente benéfica, para

solução dos problemas decorrentes da degradação dos centros urbanos – e, de

outro, posicionamento dos críticos à adoção dessas referências “prontas”,

totalizantes, que trazem consigo os fantasmas da privatização do espaço e da

gentrificação que consideram como sendo provenientes de uma gestão voltada ao

empresariamento urbano com vistas à promoção do que é conhecido como city

marketing.

Assim, segundo Pereira (2015, p. 20-21), o conflito está posto e configura-se

“nas disputas pela apropriação do espaço”, considerando-se que “[...] as políticas de

revitalização das áreas centrais são frequentemente acompanhadas por processos

de dispossessão de moradores pobres” e que “tais intervenções urbanísticas são

quase invariavelmente acompanhadas por processos de valorização imobiliária” e

envolvem não só a questão do espaço material, mas também do espaço simbólico já

que as alterações espaciais trazem consigo em geral a alteração do “perfil

Page 99: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

97

socioespacial destas áreas, levando à sua descaracterização enquanto territórios

populares”, completa.

2.3 Metodologia

Desde os primórdios, o homem saiu à busca por conhecimento e, assim, os

saberes científicos são apenas um recorte, uma das muitas formas de expressão

dessa busca e, por isso mesmo, não exclusiva, conclusiva ou definitiva (MINAYO,

2000). A autora assim define a pesquisa como sendo: a atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação (MINAYO, 2000, p. 17).

O pesquisador das ciências sociais, para Minayo (2000), não pode ser

somente objetivo, pois, segundo ela, a objetivação é própria das ciências naturais.

Assim, ela defende que a relação entre objeto e pesquisador dá-se de forma

solidária, imbricada e comprometida.

2.3.1 O estudo de caso

Uma das estratégias de pesquisa das Ciências Sociais Aplicadas e que foi

aplicada nesta pesquisa constitui-se na adoção da metodologia do estudo de caso.

Muito embora esse método seja muitas vezes criticado por uma pressuposta falta de

critério na busca de evidências, nas palavras de Yin (2001), todavia, ele parece

caber “como uma luva” para as questões que o presente trabalho pretende abordar.

Para ele, os estudos de caso representam: [...] a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real (YIN, 2001, p. 19).

Em Minayo (2000), encontram-se ainda outras razões que justificam a

escolha do estudo de caso enquanto pesquisa qualitativa uma vez que esta: [...] trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização das variáveis [...] (MINAYO, 2000, p. 21-22).

Em relação à abordagem deste trabalho, a utilização do estudo de caso

parece bastante pertinente à proposta da pesquisa, pois ele apresenta uma

abordagem qualitativa que pretende responder “questões muito particulares” em

Page 100: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

98

uma situação dinâmica na qual se procura “um nível de realidade que não pode ser

quantificado” (MINAYO, 2000, p. 21). Essa ideia é também compartilhada por Yin

(2001, p. 32), quando ele diz que “[...] o estudo de caso é uma investigação empírica

de um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, sendo que os

limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.

Yin (2001) apresenta que o estudo de caso pode ser classificado em quatro

tipos distintos, dentre os quais parece mais afim a este trabalho o que ele denomina

como “estudo de múltiplos casos”, por ser mais consistente e permitir maiores

generalizações. Adotou-se aqui um estudo de caso teórico-histórico com o objetivo

de embasar uma futura pesquisa de campo.

Quanto à relação objeto/pesquisador, supõe-se necessário que o pesquisador

implique-se de modo relacional no objeto observado (sobretudo na pesquisa de

campo) e, para tal fim, utilizou-se da observação direta simples sem abrir mão da

imersão nos acontecimentos, mas sem interação, pelo menos não de forma

intencional, com os sujeitos observados.

Em relação ao método de condução da análise, sugere-se a “construção da

explanação”, pois, conforme explica Yin (2001), objetiva analisar dados construindo

uma explanação sobre o(s) caso(s) e ocorre geralmente, segundo sugere o autor,

“em forma narrativa, por meio da qual o investigador procura explicar um fenômeno,

estipulando um conjunto de elos causais em relação a ele” (YIN, 2001, p. 141). O

autor ainda propõe como uma das possíveis finalidades do estudo de caso a

descrição de uma intervenção e o contexto da vida real em que ocorreu.

Em suma, o presente estudo de caso: Estabelece, como proposta, o estudo de casos múltiplo histórico, tendo

como objetos as praças da Estação e a da Liberdade.

Coleta dados a partir de: pesquisas bibliográficas (em artigos, teses,

dissertações, revistas eletrônicas e publicações na mídia e portais) e

documentais.

Utiliza, como unidades de análise: os processos histórico-sociais que

deram origem à cidade de Belo Horizonte e de seus espaços públicos,

quais sejam: as Praças da Liberdade e da Estação, assim como as

principais práticas socioespaciais estabelecidas nesses espaços.

Page 101: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

99

Analisa as informações através da descrição do caso, de forma reflexiva,

tratando os dados obtidos na pesquisa bibliográfica e documental.

2.4. A Cidade como contexto

Após o declínio do chamado “ciclo do ouro”, uma nova capital emergia da

“tábula rasa” sobre o pequeno arraial do Curral del’ Rei que à época já se

denominava Belo Horizonte. A nova e moderna cidade, inicialmente denominada

como Cidade de Minas, foi inaugurada em 1897 e contava, já nas primeiras décadas

de sua existência, com os espaços sobre os quais este trabalho ira deter-se, quais

sejam: a Praça da Liberdade, cuja construção deu-se entre 1895 e 1897 e a Praça

da Estação, que teve sua construção iniciada com a pedra fundamental do prédio

que abrigaria a estação de trens em 1894. A “Liberdade” recebera inicialmente o

Palácio de Governo e outras instituições governamentais; já a “Estação”, como o

próprio nome sugere, funcionava como uma espécie de “porto”, por onde chegavam

os materiais para a construção da nova capital e também servia como porta de

entrada e saída para as pessoas.

A nova capital deveria então expressar valores republicanos e ordenar o

espaço de forma “neutra” e “científica”, para o Estado. Assim, o passado da antiga

capital colonial Ouro Preto deveria manter-se o mais distante possível da nova

cidade moderna e esta deveria refletir novos valores e expressá-los espacialmente,

“higienizar, embelezar, criar e hierarquizar espaços, e neles distribuir a população de

acordo com as classes sociais.”

No que diz respeito ao planejamento urbano, a cidade fora organizada em

três grandes zonas: a urbana, a suburbana e a rural. Destaca-se ainda o fato inédito

de Belo Horizonte ter sido a primeira capital do país planejada a partir de uma

“tábula rasa”, recebendo traçado reticulado ortogonal em sua zona urbana (figura 2-

1). Os traçados dos arruamentos da zona suburbana, entretanto eram mais

irregulares, de acordo com a topografia do terreno em que eram abertos.

Page 102: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

100

FIGURA 2-1: Planta geral da Cidade de Minas, 1895

Fonte: A BEIRA DO URBANISMO (2013)41.

A influência do Plano de Paris de Haussman é citada de forma recorrente nas

pesquisas e artigos acadêmicos. Todavia, sabe-se que a questão a ser solucionada

em Paris era diversa daquela que aqui se apresentava: a cidade de Belo Horizonte

fora “erguida” num espaço com baixo adensamento, enquanto que, na cidade

francesa, o oposto apresentava-se: um centro histórico largamente adensado e

deteriorado.

Este novo cenário promovia discussões sobre as mazelas das cidades no

“auge” da Revolução Industrial - problemas de higiene, promiscuidade oriundos da

grande concentração e aglomeração humana em uma cidade tipicamente medieval.

Todavia, esse modelo de urbanismo de Haussman, muito embora tenha sido

largamente utilizado e tenha sido referência para a equipe de Aarão Reis em Belo

Horizonte, não era o único adotado à época. Outras soluções foram propostas,

conforme destaca Nascimento (2013): A deterioração das áreas centrais passou a ser objeto de diversas discussões. A remodelação dos espaços urbanos se tornou uma questão premente, cujas práticas adotadas como solução, ao longo do século XIX, foram a progressiva suburbanização e a reforma. A primeira, predominante na Inglaterra e nos Estados Unidos, buscava resolver o problema das cidades fora delas, ou seja, na dispersão da população. A segunda prática

41 Disponível em: <http://abeiradourbanismo.blogspot.com/2013/11/pequeno-inventario-de-grandes-projetos.html>. Acesso em: 21 mar. 2017.

Page 103: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

101

adotada foi a da reforma, adaptação e transformação das regiões centrais das grandes cidades, que tem na reforma proposta pelo então prefeito de Paris Haussmann e pelo imperador Napoleão III sua expressão máxima (NASCIMENTO, 2013, s.p.).

Muito embora se credite à Hausmman42 o pensamento expresso “a lápis e

esquadro”, presente no projeto da nova capital de Minas, havia muita aproximação

também com a cidade de Washington de L’Enfant, do gosto em comum pelo

neoclássico europeu até outras características do plano barroco: Para além das convicções políticas, as aproximações entre o plano de Aarão Reis e de L’Enfant se exprimem no próprio traçado das cidades: a criação de avenidas de comunicação direta destinadas não apenas a facilitar a circulação, mas a preservar em toda sua extensão uma reciprocidade de visão ao mesmo tempo, com ênfase especial nas perspectivas vislumbradas ao longo dos caminhos. Washington, assim como Paris e Belo Horizonte guardavam aspectos de um plano barroco: a localização dos edifícios públicos, as imponentes avenidas, as abordagens axiais, a escala monumental, a presença do verde (NASCIMENTO, 2013, s.p.).

Desde logo, a cidade já apresentava sua “cara” positivista e sua ideologia

homogeneizante e segregadora, promovendo o que pode ser considerado

tipicamente um processo de gentrificação, já que, ao desconsiderar quase que por

completo as vivências e espacialidades do antigo povoado, a comissão construtora

desapropriou os antigos moradores deixando-lhes como única opção a ocupação de

áreas fora da zona urbana, conforme aponta Fernandes (2017): [...] lógicas sociais desiguais foram sobrepostas ao traçado regular, resultando a ocupação hierarquizada do território. Tais lógicas estavam desde muito enraizadas na mentalidade dos detentores de poder e, portanto, foram delineadas através de determinações do Estado que, pela Lei n. 3 adicional à constituição já lançava as bases sobre as quais a cidade seria planejada, construída e futuramente habitada, de maneira a favorecer alguns ao prejuízo de outros. Logo nos primeiros momentos, a desapropriação de toda a área estudada pela Comissão d’Estudo é autorizada pelo Estado, e levada a cabo pelo engenheiro-chefe com profundo ressentimento da população. As casas do arraial foram então esvaziadas de seus moradores, expulsos e dispersos pelos arrabaldes da nova cidade, e ocupadas pelos funcionários da Comissão Construtora sob o regime de aluguel (FERNANDES, 2017, s.p.).

A ocupação da zona urbana de Belo Horizonte deu-se inicialmente de forma

mais ou menos homogênea, muito embora a expectativa populacional não se tenha

concretizado nos primeiros anos após a inauguração da capital. Seu perímetro era

42 Foi ainda encontrada, em algumas pesquisas, a informação de que a cidade de La Plata (capital da província de Buenos Aires, na Argentina) também teria tido sua influência no traçado de Belo Horizonte. Entretanto, por ter sido a Cidade de La Plata fundada em 1882, portanto “às vésperas” da inauguração da capital mineira, essa informação pode não proceder. De qualquer forma, este autor, em viagem àquela capital em 1997, teria percebido enorme similaridade entre a sua malha urbana ortogonal e a de BH.

Page 104: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

102

delimitado pela Avenida do Contorno - denominada inicialmente como Avenida 17 de

Dezembro – e essa via separava desde já o traçado ortogonal regulador da área

urbana do traçado suburbano, mais afeito à topografia dos terrenos em aclive, e

funcionava como uma espécie de “muro invisível” que separava duas realidades

bem distintas.

Na zona urbana, planejada com a maioria de seus quarteirões de dimensões

equânimes (ou similares), localizavam-se os primeiros bairros ocupados, além das

duas praças aqui estudadas, e o Mercado Municipal. Junto à Praça da Liberdade,

ocupou-se o bairro dos Funcionários - exatamente pensado para os funcionários do

Estado e, na área adjacente à Praça da Estação, o bairro Comercial.

Enquanto erguiam-se na Praça da Liberdade as edificações que abrigariam

as instituições governamentais; no bairro Comercial43, alguns importantes espaços

também se desenvolviam, entre eles o Mercado Municipal e a Estação Ferroviária

(na praça da Estação) e, para além de concentrar as atividades comerciais (como o

nome sugere), o bairro Comercial também era caracterizado como um espaço com

diversidade de serviços e boa infraestrutura, sendo o local preferido da elite – e

então é cenário das duas primeiras décadas de vida da capital (LEMOS, 2010).

A mesma autora ainda aponta que, após os primeiros 20 anos de vida, Belo

Horizonte, já mais consolidada, possuía uma maior infraestrutura. Serviços, cafés,

cultura, os primeiros hotéis... a zona urbana se expandira. Com o passar do tempo,

a reunião de grupos sociais44 bastante diversos, pouco a pouco, fazia com que a

elite deixasse o centro, passando a “mover-se” em direção ao “alto centro”, região

localizada próxima às ruas da Bahia e Espírito Santo e Avenida Afonso Pena.

Segundo Arreguy e Ribeiro (2008), as décadas seguintes transformariam a

paisagem da capital. A partir das décadas de 1940 e 1950, o crescimento econômico

da cidade ganhou força, com o advento da expansão das indústrias. A área central,

bastante ocupada, começa a ser verticalizada e surgem os primeiros arranha-céus

no estilo art-deco, dentre os quais se destacava – e até hoje se destaca – o edifício

43 Posteriormente conhecido apenas como “centro da cidade”. 44 Mesmo as primeiras favelas localizavam-se, a despeito da “ordem” planejada, na região central, próximas à Praça da Estação Ferroviária e na região do Barro Preto, tendo sido ocupadas, sobretudo, pelos trabalhadores que colaboraram com a construção da capital (VILELA, 2006).

Page 105: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

103

Acaiaca45. O centro ainda fervilhava, concentrando os principais serviços,

especialmente os comércio e bancos.

Os bondes foram desaparecendo e dando lugar aos automóveis. Novos

bairros eram formados, entre os quais se destaca a Pampulha, cujo complexo

arquitetônico e a lagoa estavam sendo construídos à época. Jayme e Trevisan

(2011) comentam que, na década de 1950, a exclusão social era notória na região

central da cidade, cujo palco era a Avenida Afonso Pena: [...] agora a Avenida Afonso Pena abrigava cada vez maior variedade de serviços e atividades e atraía mais frequentadores, seja nas Casas de Chá e cafés, seja nas lojas, nos cinemas e no footing [...] espacializava a exclusão. [...] De um lado [...] ficavam os negros e as empregadas domésticas e do outro lado a elite que residia na área central (JAYME; TREVISAN, 2011, p. 7).

Nas décadas de 1960 e 1970, novas centralidades vão sendo formadas: a

região do Barreiro, a região da Savassi46 e Venda Nova são alguns dos exemplos. A

Savassi, em especial, passara a ser a nova centralidade das elites.

Estabelecimentos comerciais da região central fecharam as suas portas: a

sociedade do consumo estabelecia-se nessa nova centralidade (ARREGUY;

RIBEIRO, 2008).

A partir da década de 1960, com a perda da vitalidade econômica, o

patrimônio do centro de Belo Horizonte começa a se degradar, as ruas são mais

tomadas pelo automóvel, o footing desaparece do centro e este se torna cada vez

mais um lugar de passagem. Já, na década seguinte, com a formação das novas

centralidades, as classes média e alta abandonam a região, conforme aponta Jayme

e Trevisan (2012):

A década de 1960 foi marcada por intervenções físicas que responderam, basicamente, aos interesses do capital e do automóvel. As ruas do centro, [...] foram tomadas pelos carros, se tornando cada vez mais lugares de passagem. A cidade perdeu muito de seu patrimônio edificado e redefiniu áreas e funções descaracterizando, muitas vezes, edifícios e áreas públicas. No caso do centro, já em 1970, predominava a homogeneização da paisagem urbana e o aparecimento de novas centralidades fez com que

45 O edifício, projetado em 1943, foi inaugurado em 1947. Possuía 130 metros de altura e chegou a contar com um abrigo antiaéreo. Lojas luxuosas ali se estabeleceram nos primeiros anos. Sua sobreloja também já abrigou uma boate nos anos 1950. Também fora palco da política: ali se abrigavam os “Novos Inconfidentes”, um grupo formado por pessoas da classe empresarial e que teriam se reunido para planejar o golpe de 1964. Já foi sede do IBGE, da escola de filosofia da UFMG, da TV Itacolomi e do famoso Cine Acaiaca. Hoje o edifício é predominantemente ocupado por escritórios (BELO HORIZONTE, 2018). 46 A região da Savassi ocupa parte da área correspondente ao bairro Funcionários. Seu nome deriva de uma antiga padaria (e do sobrenome de uma conhecida família) que ali se estabelecera.

Page 106: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

104

a região fosse abandonada pelos estratos médios e altos, se tornando cada vez mais um local de trânsito intenso de veículos e pedestres. Nessa época o lugar já é representado como degradado e perigoso [...] (JAYME; TREVISAN, 2012, p. 362).

Os anos 1980 seriam marcados pelo fortalecimento das já mencionadas

“novas centralidades”, mas também foi, nessa década, que o Conselho Deliberativo

do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPC-BH) é regulamentado e várias

ações de preservação do patrimônio começam a ser tomadas. No caso da Praça da

Liberdade47, seu conjunto arquitetônico e paisagístico é tombado ainda em 1976. O

Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa, Praça da Estação48,

por sua vez, é tombado em 1988.

O objetivo dos processos de tombamento é transformar determinada

edificação, conjunto urbano, arquitetônico e até mesmo bens imateriais em um

“Patrimônio Cultural Protegido” que, segundo o IEPHA (2018a), diz respeito: [...]aos bens culturais, materiais ou imateriais, que, em função de seu valor histórico, artístico, estético, afetivo, simbólico, dentre outros, receberam algum tipo de proteção pelo poder público, tal o como tombamento, o registro imaterial, o inventário ou outras formas de acautelamento previstas na legislação. Um bem cultural protegido encontra-se sob um regime especial de tutela pelo Estado, uma vez que a ele foi atribuído um valor social (IEPHA, 2018a, s.p.).

A essas transformações, somam-se outras dinâmicas históricas, culturais,

econômicas e sociais e estas, por sua vez, promoveram novas alterações nesses

espaços – numa relação dialógica que é apontada por Santos (2006, p. 51, grifos

nossos) como sendo inerente ao processo histórico de formação dos espaços: “o

espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também

contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não consideradas

isoladamente, mas como o quadro no qual a história se dá”.

47 “O tombamento estadual do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Liberdade que compreende jardins, alamedas, lagos, hermas, fontes e monumentos, bem como os prédios das Secretarias de Estado da Fazenda, de Obras Públicas (antiga Sec. da Agricultura), da Educação (antiga Secretaria do Interior), de Segurança Pública e Interior e Justiça, dos Palácios da Liberdade e dos Despachos” (IEPHA, 2008b, s.p.). 48 “O Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa, Praça da Estação, é constituído pela Praça, seus jardins e esculturas, a área descrita na planta que o integra inclui os prédios da Estação Central, antiga estação Ferroviária Oeste de Minas, Casa do Conde de Santa Marinha, Edifício Chagas Dória, antiga Serraria Souza Pinto, Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (antigo Instituto de Eletrotécnica), antigo Instituto de Química e Pavilhão Mário Werneck” (IEPHA, 2008c, s.p.).

Page 107: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

105

2.5. Praça da Estação

2.5.1. Da gênese à intervenção recente

A praça, na verdade, “são duas”: inicialmente a praça era composta de um

espaço aberto relativamente integrado, mas já separada pelo Ribeirão Arrudas - o

que hoje se vê são dois espaços “cortados” pela Avenida dos Andradas, separando

dois espaços físicos que não guardam entre si aspectos físicos e paisagísticos. De

um lado, uma praça arborizada e ajardinada; do outro, uma praça seca. O lado

ajardinado, junto à Rua da Bahia, é conhecido como Praça Rui Barbosa e o lado que

compõe a “praça seca” como Praça da Estação.

Para receber materiais e equipamentos destinados à construção da nova

cidade, é inaugurada em 1898, a Estação de Minas – sendo esta demolida em 1920

para dar lugar à atual edificação da Estação Central49: a “porta de entrada” para a

capital mineira. As imagens a seguir (figuras 2-2 e 2-3) apresentam a antiga Estação

Ferroviária e os espaços hoje ocupados pela Praça da Estação:

FIGURA 2-2: Antiga Estação de Minas (ao fundo), em 1898

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (2018, editada pelo autor).

49 Projetada pelo engenheiro Caetano Lopes, com desenho do arquiteto Luiz Olivieri e construção do engenheiro Antônio Gravatá.

Page 108: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

106

FIGURA 2-3: Estação Ferroviária - 1910 - vista a partir da Rua Sapucaí

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (2018, editada pelo autor).

Os trabalhos de paisagismo da praça, “cartão de visitas” da cidade, iniciam-se

em 1904, sendo a praça já ajardinada e arborizada em 1906. Em novembro de 1912,

fora inaugurado o novo prédio (atual) da estação, em estilo eclético, conforme era

usual à época. Em 1914, seu nome foi alterado para Praça Cristiano Otoni (1914) -

em homenagem a um político mineiro com grande atuação no setor ferroviário.

Alguns anos mais tarde, recebe o nome de Praça Rui Barbosa (1923),

homenageando outro notável político, no ano de sua morte. Rui Barbosa foi coautor

da Constituição da Primeira República, jurista, deputado, senador e ministro da

fazenda. Já no ano seguinte da alteração de seu nome, executa-se na praça o

primeiro projeto de reforma paisagística, de autoria do arquiteto Magno de Carvalho.

Segundo Arroyo (2004), a praça afirmou-se desde os primeiros anos como

local de lazer, especialmente após a reforma paisagística, e em seu entorno

destacavam-se a Rua dos Caetés e a Avenida Santos Dumont, por concentrarem

praticamente todo o serviço e o comércio. Junto à praça, começaram a se instalar as

primeiras indústrias e galpões para armazenamento de produtos e matéria prima.

Constituía-se, portanto, de uma região que reunia à época tanto as práticas sociais e

o encontro entre as pessoas, como também simbolizava o desenvolvimento

econômico da cidade, quer seja pela instalação das indústrias nas proximidades ou

mesmo pela própria atividade da construção civil que utilizava a estação ferroviária

como chegada de materiais de construção e operários.

A partir da década de 1940, a ferrovia foi perdendo a sua importância tanto

pela diminuição da demanda “efervescente” da construção civil (em comparação às

primeiras décadas), quanto pela diminuição da demanda de passageiros. Giffoni

Page 109: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

107

(2010) indica essa obsolescência, mencionando que a criação do DER/MG, em

1946, foi responsável pela diminuição da importância da linha férrea, tendo sido

agravada com o fechamento de algumas linhas férreas, em 1957, pela recém-

inaugurada Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).

Arroyo (2004) ainda aponta outras razões para a decadência: o fato de o

então prefeito Juscelino Kubistchek (1940-1945) ter alavancado “um surto de

progresso”, cuja prioridade era a implementação de infraestrutura e a criação da

Cidade Industrial no município de Contagem, que deixara vazios galpões industriais,

não tendo havido nenhuma ação por parte do poder público para ocupação dessas

áreas.

A diminuição dos passageiros e da importância do transporte pelo sistema

ferroviário teria sido também uma das razões. Segundo Arroyo (2004, p. 113-114),

“no final dos anos 60 os ônibus passam a ser mais utilizados [...]. Assim, a Estação

Central enfraquece seu caráter de centralidade em relação à cidade”.

A despeito dessas mudanças, tamanha foi a importância da estação

ferroviária para a capital que, ainda nos dias atuais, ela é mais conhecida como

“Praça da Estação”. Nas suas imediações, fixaram-se inicialmente as primeiras

indústrias – na região do Barro Preto - e os primeiros operários no bairro Floresta. A

imagem a seguir (figura 2-4) apresenta o ajardinamento da praça com a Avenida do

Comércio ao Fundo (atual Avenida Santos Dumont):

FIGURA 2-4: Vista parcial da Praça Rui Barbosa (entre 1939 e 1949)

Fonte: MUSEU HISTÓRICO ABÍLIO BARRETO (2018).

Page 110: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

108

Ao longo do século XX, como processo de modernização e urbanização de

Belo Horizonte, a praça passou por alterações no seu projeto e mesmo no seu uso.

Nas décadas de 1940 e 1950, a acelerada expansão urbana da cidade e o grande

desenvolvimento do transporte rodoviário causaram uma mudança no uso da

Estação Central, ficando esta restrita ao transporte de cargas e a alguns poucos

trens suburbanos, intermunicipais e interestaduais. Na imagem a seguir (figura 2-5),

pode-se ver a praça em meados dos anos 1950, foto tirada a partir da Avenida

Amazonas.

FIGURA 2-5: Vista parcial dos jardins e edifícios da Praça da Estação (1954)

Fonte: Hoffman (2014)50.

Na década de 1980, abandonada pelo poder público, o uso da Praça da

Estação se resumia a local de estacionamento e, apesar de mal cuidada, servia de

espaço para grandes manifestações políticas, comícios e passeatas – espaço de

interlocução da sociedade civil e poder público – e, por este último, para a promoção

de festas populares (Forró de Belô - que chegou, este ano, à sua quadragésima

edição) e shows artísticos.

50 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cm/v16n32/2236-9996-cm-16-32-0537.pdf> Acesso em: 02 out. 2017.

Page 111: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

109

A implantação do sistema de transporte coletivo e o metrô transformariam a

Praça da Estação e a Rua Aarão Reis, trazendo outra dinâmica ao local agora

conhecido como Terminal Rui Barbosa51, conforme aponta Arroyo (2004): Entre os anos 80 e 2000 a Praça da Estação assume características de terminal, identificado como Terminal Rui Barbosa. O número de ônibus que irá circular na região, tendo como ponto final a Rua Aarão Reis, junto à praça, vão afirmar o caráter de passagem e atrair o comércio popular e informal [...] caracterizando uma alteração na utilização do comércio da região, considerando principalmente sua apropriação por usuários de baixa renda, devido às linhas de bairros da periferia e da região metropolitana (ARROYO, 2004, p. 117 -120).

A praça via-se tomada pelos ônibus, onde hoje é a “praça seca” com as

fontes, transformara-se em estacionamento de veículos. Houve o capeamento do

Ribeirão Arrudas e isolou-se parte da praça ajardinada (Rui Barbosa), fragmentando

ainda mais o espaço já degradado, reforçando a sua não apropriação e deixando

claro que o interesse das políticas públicas não era seu uso de outrora: “[...] a

prioridade das políticas públicas em relação à circulação não foi acompanhada no

sentido de assegurar o caráter de permanência e vivência da área como um todo

[...]” (ARROYO, 2004, p. 132).

Em seus versos no poema “Aqui Havia uma Praça”, publicado originalmente

em 1981, o poeta modernista Carlos Drummond de Andrade apresenta a “memória”

de uma praça de outrora no contraste da “realidade” de uma praça de agora,

deixando clara a importância que ele dá ao simbolismo e à memória: AQUI HAVIA UMA PRAÇA Duas vezes a conheci: antes e depois das rosas. Era a mesma praça, com a mesma dignidade, O mesmo recado para os forasteiros: “Esta cidade é uma promessa de conhecimento, talvez de amor”. A segunda Estação da Central, inaugurada por Epitácio, o monumento de Starace, encomendado por Antônio Carlos, são feios? São belos? São linhas de um rosto, marcas da vida. A praça da entrada de Belo Horizonte, mesmo esquecida, mesmo abandonada pelos Poderes Públicos, conta pra gente uma história pioneira. de homens antigos criando realidades novas. É uma praça – forma de permanência no tempo - e merece respeito. Agora querem levar para lá o metrô de superfície. Querem mascarar a memória urbana, alma da cidade,

51 Este autor particularmente teve a experiência de estar presente na primeira viajem do metrô de superfície na época de sua pré-inauguração, assim como utilizou frequentemente o terminal Aarão Reis nos finais de semana nos anos 1990, como ponto de partida para o bairro Veneza (município de Ribeirão das Neves, a cerca de 35Km da capital) que ficava próximo a um sítio de propriedade de seus pais.

Page 112: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

110

num de seus pontos sensíveis e visíveis. Esvoaça crocitante sobre a Praça da Estação o Metrobel decibel a granel sem quartel Planejadores oficiais insistem em fazer de Belo Horizonte linda, linda, linda de embalar saudade mais uma triste anticidade (DE ANDRADE, 1985).

Em 1981, foi realizado o “I Encontro pela Revitalização do Conjunto da Praça

da Estação”, do qual participaram os representantes do poder público, que

propunham a instalação do metrô, e de representantes de entidades de proteção do

patrimônio histórico e cultural, culminando, em 1988, na homologação do

tombamento do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa52,

aprovado pelo CDPC-BH.

Esse encontro surge em decorrência de várias discussões à época,

capitaneadas inclusive pela Escola de Arquitetura da UFMG, que já apontavam para

a ideia de transformar não só a praça, mas também as construções de seu entorno,

em um espaço cultural. Conforme mostrava a professora Suzy de Melo na ocasião,

a praça já era palco também, entre os anos de 1940 e 1950, de manifestações

políticas e era um espaço no qual já se realizavam as festas juninas da cidade: [...] outro ponto muito válido para a leitura da Praça da Estação é seu próprio espaço – de significativas dimensões – e que, por isso mesmo, foi utilizado para grandes concentrações políticas nas décadas de 40 e 50. Se hoje este espaço está mal aproveitado e com suas funções diluídas ou perdidas, pode e deve ser recuperado em proveito de uma faixa importe da população que ali poderia reencontrar novas formas de usufruir a cidade como ficou provado pelas festas juninas ultimamente. Seria oportuno lembrar que a Grand Central Station, de New York fecha a Park Avenue e, apesar de conter o gigantesco edifício Pan-Am, mantém suas características e funções de terminal rodoviário central, além de criar espaços de lazer e serviço para os habitantes da grande metrópole americana[...] (DE MELO, 1981 apud GIFFONI, 2010, p. 36).

Seguindo o movimento de revitalização da área, em 1989, foi inaugurado o

Centro Cultural da UFMG, com o intuito de fazer a integração das edificações, a fim

de formar um corredor cultural. Esse prédio, conforme aponta Giffoni (2010), fora

construído para instalar um hotel, mas foi adquirido pelo Governo do Estado e nele

funcionou, entre 1906 e 1911, o 2º Batalhão de Brigada Policial (figura 2-6), tendo

sido sede da Escola Livre de Engenharia a partir de 1926.

52 Para maiores informações acerca do tombamento, ver IEPHA (2018): Disponível em: <http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens-tombados/details/1/85/bens-tombados-conjunto-paisag%C3%ADstico-e-arquitet%C3%B4nico-da-pra%C3%A7a-rui-barbosa-pra%C3%A7a-da-esta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 22 jun. 2018.

Page 113: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

111

FIGURA 2-6: 2º Batalhão de Brigada Policial (entre 1905 e 1920)

Fonte: MUSEU HISTÓRICO ABÍLIO BARRETO.

Em 1995, foi aberta pela Prefeitura uma licitação para a elaboração do projeto

de recuperação da área da Praça Rui Barbosa, sendo vencedora a equipe de

arquitetos da empresa BGL (atual B&L Arquitetura), cujos arquitetos responsáveis

eram: Eduardo Begiatto, Edwiges Leal e Flávio Grillo53. A proposta, entretanto,

somente “saiu da gaveta” quase uma década depois, ocasião em que também

ocorrera a inauguração do Museu de Artes e Ofícios (MAO) e a criação da Linha

Verde. O projeto de restauração fora então concluído em 2004 e, uma década

depois, foi executado o tamponamento do Ribeirão Arrudas com a criação do

“Boulevard Arrudas”54. A imagem abaixo (figura 2-7) abaixo apresenta o resultado do

projeto que representa a conformação físico-espacial das praças nos dias atuais.

53 O arquiteto Flávio Grillo não é mais sócio da empresa. O autor deste trabalho trabalhou como estagiário e terceirizado para o “Flávio”, entre os anos de 1997 e 2002, e esteve envolvido, ainda que indiretamente, nos processos de intervenção na área do Hipercentro, em especial o da requalificação da Praça Sete, sendo esta, entre outras, uma das razões que lhe despertaram interesse pelo tema desta pesquisa. 54 Várias críticas foram feitas quando da implementação do projeto “Boulevard Arrudas”, uma delas inclusive retrata outro problema menos abordado: o fato do projeto perpetuar um processo de canalização de córregos e rios na cidade em benefício muito mais do transporte.

Page 114: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

112

FIGURA 2-7: Vista aérea das Praças Rui Barbosa e Estação (foto inserção)

Fonte: HOFFMAN (2014)55 (editada pelo autor).

Merece destacar o fato de que a proposta de restauro e requalificação da

Praça da Estação não era então totalmente novidade em 200356 e que a primeira

proposta, já em 1995, ocorrera no período em que a associação entre patrimônio e

cultura passa a ser vista com grande potencial estratégico para o turismo e o

desenvolvimento econômico dos centros urbanos, tendo encontrado, alguns anos

mais tarde, nas parcerias público-privadas, caminhos e estratégias para a

implementação desse tipo de intervenção, assim como para a gestão de espaços

culturais57.

Para além das cotidianas, antigas, novas e criativas formas de ocupar essa

área, destacam-se, a partir dos anos 2000, as manifestações políticas, as atividades

esportivas e os eventos culturais - algumas delas institucionalizadas, outras

espontâneas. Dentre os vários tipos de evento que têm ocupado a praça58, podem

55 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cm/v16n32/2236-9996-cm-16-32-0537.pdf> Acesso em: 02 out. 2017. 56 A título de informação, o autor desta pesquisa realizou a apresentação gráfica, no início dos anos 2000, da proposta do escritório B&L que vencera essa licitação, assim como a de outros projetos no Hipercentro (Praça Sete, Rua dos Caetés) e na Praça da Liberdade (restauração do edifício que abriga o Centro Cultural do Banco do Brasil). 57 Processo semelhante à gestão do MAO ocorrera, só que de forma muito mais numerosa, no Circuito Cultural Liberdade, conforme será abordado mais adiante. 58 A título de informação, o autor deste trabalho já participara de vários destes eventos antes mesmo de investigar o tema e fazer suas incursões, portanto, as suas memórias afetivas e experiências – as

Page 115: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

113

ser destacados: Shows de diversos artistas e estilos, comícios, Arraial de Belô, Praia

da Estação, Duelo de MC’s, Carnaval, Corridas (do Galo, do Cruzeiro, do América),

Bicicletada da Massa, Parada Gay – apenas para citar algumas.

Aqui este trabalho faz uma pausa para contextualizar a praça nas

transformações que começam a ocorrer em seu entorno a partir do ano 2004 com o

projeto denominado Centro Vivo, que coincide, inclusive, com a inauguração do

projeto de requalificação recente e propõe várias alterações no Hipercentro,

incluindo a região da Praça da Estação. Muitas delas já implementadas nos dias de

hoje.

2.5.2. O Projeto “Centro Vivo” e o Plano de Reabilitação do Hipercentro

Não há como analisar o Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui

Barbosa sem levar em consideração o fato de que, a partir de 2004, a prefeitura de

Belo Horizonte (PBH) passa a atuar com mais ênfase na região do hipercentro da

cidade através do projeto denominado “Programa Centro Vivo59” que, segundo a

própria PBH à época de sua proposição, salientava que o objetivo era a

requalificação de vários espaços coletivos em uma perspectiva interdisciplinar, com vistas ao equilíbrio das “políticas de requalificação com as ações sociais”, como

o próprio site da PBH anunciava à época de seu início: As ações do Centro Vivo caracterizam-se pela interdisciplinaridade e podem ser resumidas nos seguintes eixos: inclusão social, econômica e cultural; requalificação urbanística e ambiental; e segurança social. [...] envolve requalificação de espaços públicos, ruas e avenidas, preservação do patrimônio e obras de melhoria e manutenção da infraestrutura [...] contempla a qualidade ambiental, a valorização da paisagem urbana, a melhoria das condições de mobilidade e a segurança. O fomento das atividades econômicas é outra frente do programa, por meio de ações que estimulem o comércio e gerem emprego e renda (NOTÍCIAS PBH, 2004 apud VILELA, 2006, s.p., grifos nossos).

Em 2007, a Prefeitura de Belo Horizonte, com recursos do Programa Nacional

de Reabilitação de Centros Urbanos do Ministério das Cidades, apresenta o “Plano

de Reabilitação do Hipercentro”, cuja coordenação ficou a cargo da Secretaria

Municipal de Políticas Urbanas. Segundo o documento que resume o plano, o boas e as más – certamente contribuíram com as análises. Em outros, como a Praia da Estação, a Parada Gay e o Duelo de MC´s, buscou informações em pesquisas acadêmicas e na mídia. 59 Nessa época, alguns projetos oriundos de propostas e concursos anteriores - requalificação da Praça Sete (proposta original do Concurso BH-Centro) e o da Praça da Estação (Projeto Quatro Estações), dentre outros - são levados adiante e incluídos no programa, compondo uma área que compreende o Hipercentro Legal (região definida a partir do zoneamento definido da Lei 7165/96) acrescido do Parque Municipal e das quadras do Projeto Quatro Estações.

Page 116: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

114

objetivo principal seria “apontar soluções de planejamento, desenho urbano e

paisagismo que permitam dinamizar usos e ocupação, implementar a melhoria do

ambiente urbano e a valorização das áreas públicas” e, assim, conferir a essas

áreas “condições de vida compatíveis com seu potencial e sua importância na

cidade”.

No documento supracitado, a PBH/Práxis (2007, p.2) indica que a intenção

desde o início era envolver o “[...] maior número possível de profissionais das áreas

de planejamento e execução de políticas públicas da administração municipal [...]” e

completa: “bem como representantes de vários setores atuantes na área do

Hipercentro, tanto civis como instituições públicas e grupos organizados” e que,

após a “definição da equipe técnica adequada, iniciou-se a elaboração dos

diagnósticos, constituída por uma leitura técnica de vários aspectos característicos

da região [...]” que seria então complementada “por uma leitura comunitária, com a

discussão dos resultados técnicos junto aos representantes dos vários grupos de

interesses identificados” e, finalmente, explica como se deu a participação do público

“externo”: [...] foram priorizadas formas distintas de participação, a primeira individual, através de um intenso diálogo com lideranças em entrevistas estruturadas com um roteiro pré-definido; a segunda coletiva, com oficinas voltadas para a discussão de temas pré-selecionados (PBH/PRÁXIS, 2007, p. 2, grifos nossos).

O documento menciona ainda que o diagnóstico fora consolidado a partir de

“estudos técnicos e da leitura comunitária, das diretrizes gerais e setoriais,

construídas coletivamente pelos diversos atores que participaram do processo – as

quais nortearam a elaboração das propostas” (PBH/ PRÁXIS, 2007, p. 01). A

imagem a seguir (figura 2-8) apresenta a área do Hipercentro e as “sub-áreas”

definidas pelo diagnóstico para a proposição das propostas de intervenção:

Page 117: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

115

FIGURA 2-8: Hipercentro de BH: subáreas

Fonte: PBH/PRÁXIS (2007, p.15 , editada pelo autor).

Considerando os trechos acima destacados, percebe-se que, apesar de o (e

no) discurso empregado pela PBH mencionar-se a participação da sociedade civil,

isto foi feito sempre a partir de estudos “técnicos” prévios, entrevistas com roteiros

“pré-definidos” e oficinas com temas “pré-selecionados”, ou seja, não se trata de

uma participação realmente endógena, livre e deliberativa, os objetivos são pré-

determinados e ao cidadão restou apenas participar indiretamente através das suas

lideranças em “grupos de interesses” identificados (escolhidos) pela prefeitura.

Page 118: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

116

Vilela (2006), ao estudar a área do Hipercentro e suas recentes

transformações urbanas, considera uma relativização dos limites físicos do

Hipercentro Legal e amplia-o, subdividindo-o no que denominou Áreas

Homogêneas, o que justifica pela importância e influência de determinados espaços

públicos, vias e edificações no seu entorno imediato. Inclusive, cita que a extinta

Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte

(PLAMBEL) já percebia como impossível compreender a vida urbana na

centralidade metropolitana e desconsiderar a força de determinados espaços e

edificações de destaque dentro da área do Hipercentro e mesmo a influência da

Praça da Liberdade: [...] o Hipercentro não se compreende como unidade de vida urbana sem as áreas correspondentes à Praça da Liberdade, Praça Afonso Arinos/Prefeitura Municipal/Catedral da Boa Viagem e Praça da Estação. Estes espaços concretizam os agentes principais da metrópole, conferindo ao Hipercentro as marcas da centralidade metropolitana. Poder do estado, poder local e poder dos agentes privados estão aí simbolicamente representados em hierarquia e em confrontos (SOUZA; CARNEIRO, 2003, s.p. apud VILELA, 2006, p.16).

2.5.3. Século XXI: entre apropriações, insurgências e “a Praia”

Uma vez consolidadas várias ações do projeto “Centro Vivo” abordadas

anteriormente, assim como a implementação do Museu de Artes e Ofícios (MAO) em

janeiro de 2006, a inauguração da “nova” Praça da Estação representou a retomada

de antigos usos, assim como experimentou o surgimento de novas apropriações no

local.

Conforme já mencionado anteriormente, a praça faz parte de uma região

histórica e hoje integra, juntamente com alguns edifícios e espaços culturais, a

denominada Zona Cultural da Praça da Estação (ZCPE). Criada oficialmente em

10/06/2014, a ZCPE (figura 2-9) é decorrente de discussões entre o poder público e

a sociedade civil – após muita luta e organização desta última - sobre a proposta

anterior, o então “Corredor Cultural Praça da Estação” (CCPE) (2012), com a

inclusão de algumas áreas e equipamentos públicos, entre outras demandas

solicitadas.

O projeto do CCPE estabelecia uma série de intervenções urbanísticas que

seriam executadas com verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

das Cidades Históricas, as quais não foram recebidas pelo projeto.

Page 119: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

117

FIGURA 2-9: Zona Cultural Praça da Estação – limites e inserção na cidade

Fonte: elaborada pelo autor (2018).

Voltando um pouco no tempo, no final da década de 1990, restaurou-se a

edificação que abrigava a Serraria Souza Pinto, que estava abandonada há anos e

cujo objetivo era preparar o local para feiras, espetáculos e eventos de diversas

naturezas. Na mesma época, o viaduto de Santa Tereza também foi reformado.

Constituindo-se a reforma: da proposição do “Largo dos Poetas” - na porção lindeira

à Rua da Bahia - e, do lado oposto (onde se localiza a Serraria) foi prevista uma

estrutura com palco, arquibancada, pista de dança e bar/café. A proposta visava à

recuperação do Viaduto degradado, segundo consta, pela presença da população

em situação de rua, pela circulação de veículos e pelo desgaste do tempo.

A área da Praça da Estação e seu entorno imediato todavia já se consolidava

como espaço cultural antes mesmo dos dois projetos citados, e, por isso mesmo, o

projeto do “Corredor” foi bastante contestado à época. A partir deste debate e de

pesquisas realizadas acerca da produção cultural que já se fazia presença na

região, o grupo de pesquisas INDISCIPLINAR protagonizou a elaboração de uma

série de materiais gráficos, e mapeamentos entre eles o mapa digital (figura 2-10),

no intuito de divulgar tais expressões culturais:

Page 120: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

118

FIGURA 2-10: Mapeamento – “O Corredor Cultural já Existe”

Fonte: INDISCIPLINAR (2018)60

No ano 2000, o Instituto de Arquitetos do Brasil - Minas Gerais (IAB-MG) já

alertava para a necessidade de promover a apropriação da região por outras classes

sociais que ali não frequentavam (as classes mais altas), sugerindo que fossem

tomadas iniciativas que promovessem a diversificação dos usos do local.

Aproveitando o evento Casa Cor do mesmo ano, realizado na Casa do Conde de

Santa Marinha (atual sede da FUNARTE-MG), o IAB-MG teria apresentado o projeto

do “Corredor”, mencionado anteriormente (MIRANDA, 2007).

A partir de 2007, o coletivo Família de Rua organiza duelos de rap no baixio

do viaduto de Santa Tereza, que viriam a se tornar uma das marcas do lugar. O

famoso Duelo de MC´s (figura 2-11) então se estabelecia, tendo suas primeiras

edições sido realizadas na Praça da Estação. O Duelo de MC’s (Mestres de

Cerimônia), hoje estabelecido no Viaduto Santa Tereza, é um dos maiores encontros

nacionais de cultura hip hop, que engloba o rap, a dança e os grafites. As batalhas

de rimas ganharam força na cidade, resistindo no espaço público e tornaram-se uma

das maiores referências da cultura urbana brasileira.

60 Disponível em: < https://www.google.com/maps/d/edit?mid=1KvQNK5DvgISVBX-kKlLM5awbF_k&ll=-19.918278672302094%2C-43.93411135714723&z=16>. Acesso em 10 Mai. 2018.

Page 121: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

119

FIGURA 2-13: Duelo de MC´s no baixio do Viaduto de Santa Tereza

Fonte: ECOS-PERIFERIA (2017, editada pelo autor)61.

O Coletivo Família de Rua, que também organiza o encontro de skatistas

“Game of Skate” no mesmo local, tinha como intenção promover a cultura em

espaços públicos da cidade. No caso do Duelo, logo nas primeiras edições,

percebeu-se que o local não possuía infraestrutura para a atividade: iluminação

adequada, energia disponível, limpeza e banheiros. Consta ainda que o evento

estaria atrapalhando o funcionamento do MAO e, por isso, teve que se deslocar para

passar a utilizar o baixio do Viaduto de Santa Tereza, em frente à Serraria Souza

Pinto - a alteração do local original – a Praça - já demarcava uma disputa de poder

sobre o território (BERQUÓ, 2015).

Campos (2013) aponta, em sua pesquisa sobre o Duelo de Mc´s, que o

movimento promove a cidadania, uma vez que ocupar o território possibilita que os

cidadãos exerçam seus direitos. Para o autor, percebe-se, em Belo Horizonte, uma

crescente tendência de eventos públicos “fechados por catracas”, uma

burocratização por parte da Prefeitura que cria empecilhos “exagerados” para a

expedição de alvarás e licenças para eventos ocorrerem nos espaços públicos,

cerceando expressões culturais, como a proposta pelo Família de Rua. Em

entrevista concedida à UFMG, em 2014, ele ressalta ainda que, ao analisar o

61 Disponível em: <http://ecos-periferia.blogspot.com/2015/01/documentario-duelo-de-mcs-sobrenome-rua.html>. Acesso em 10 Nov. 2017.

Page 122: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

120

material de divulgação dos Duelos, notou a importância da utilização destes como

comunicação contra-hegemônica: Esses materiais disseminam um tipo de informação diferente da que é publicada nos veículos de comunicação hegemônicos. Nesses espaços analisados, os participantes do Duelo de MCs trocam informações sobre os assuntos que de fato lhes interessam (CAMPOS, 2014, p.).

Na entrevista, o autor ainda ressalta a importância desse tipo de evento para

a criação de sociabilidade nos espaços públicos, para a geração de pertencimento e

valorização da cultura negra e periféricas, numa (re)apropriação do espaço público,

que para ele é vital: Tendo como ponto de partida a questão da crise de representatividade do Estado – os cidadãos não mais se identificam com os governantes –, as questões políticas e sociais se deslocam para espaços informais, como o viaduto Santa Teresa. Ocorre também um deslocamento de poderes, pois o duelo mobiliza entre 1.500 e 2 mil pessoas por encontro, ocupando um espaço da cidade que é, de fato, do cidadão (CAMPOS, 2014).

Segundo Trevisan (2012), essa disputa entre o MAO e os eventos que

aconteciam na praça culminou, já em 2009, com o Decreto n. 13.798/09 (09 de

dezembro de 2009), emitido pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte na gestão

do então prefeito Márcio Lacerda, que consistia na proibição de “eventos de

qualquer natureza” na Praça da Estação, alegando que esses eventos destruiriam o

patrimônio recém restaurado. Tal decreto foi amplamente criticado, não somente

pelas pessoas que ali expressavam sua cultura ou participavam dos eventos

enquanto plateia, mas por uma série de movimentos organizados, estudantes e

profissionais das mais diversas áreas. O arquiteto e professor da Escola de

Arquitetura da UFMG, Roberto Andrés (2010), assim descreve o ambiente da praça

à época do decreto:

Na foto aérea da Praça Rui Barbosa, no Google Maps, mal se vê o piso. Uma multidão assiste a um show, e as ruas laterais estão repletas de passantes. Desde a revitalização, a área serviu a uma série de eventos públicos de grande porte, quase sempre musicais, abrigando uma matiz que vai de música evangélica a Clube da Esquina. Acontece que a aglomeração de pessoas muitas vezes causa danos ao patrimônio, gera sujeira e encontros – todos inconcebíveis em uma cidade moderna como a capital das Alterosas (ANDRÉS, 2010, s.p.).

Em seu artigo, Roberto Andrés propõe, com bastante sarcasmo, uma

solicitação fictícia por parte da Prefeitura e descreve uma solução projetual

“imaginária” que pode ser vista na imagem que se segue (figura 2-12):

Page 123: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

121

FIGURA 2-12: Barreira fictícia “protege” o patrimônio da Praça da Estação

Fonte: ANDRÉS (2010)62.

Rigorosa no seu papel de guardiã do patrimônio, a Prefeitura não deixou barato: convidou arquitetos renomados (os mesmos que desenharam, por ali, bancos de granito extremamente confortáveis e o Bulevar com árvores grandiosas) para pensarem uma solução de proteção contra os farristas. Com um projeto que concilia inovação, austeridade e respeito à tradição, os arquitetos criaram uma BPP que nada deve ao West Bank Barrier Israelense ou aos “Ecolimites” construídos por Sérgio Cabral nas favelas cariocas. Ao mesmo tempo em que protege a Praça das multidões, a barreira não impede a visada do edifício da estação pelos passantes de helicóptero e permite a entrada de pessoas munidas do Documento de Comprovação de Registro junto ao Departamento de Controle de Acesso a Praças e Jardins – recém criado pela administração para oferecer mais segurança, ordem e controle no uso da cidade. Do lado de dentro, a praça descansa em paz. Todos os dias, às 11h e às 16h, a fonte esguicha sua água costumeira. Entre a imagem do muro que se forma em uma poça d’agua e sua presença monumental na paisagem, no chão seco que as separa, quatro pombas defecam (ANDRÉS, 2010, s.p.).

A crítica ácida de Andrés também podia ser encontrada em tantas outras

publicações – acadêmicas ou não. E a partir do Decreto, o que se viu foi uma forma

de constranger o poder público de forma criativa: nascia então A Praia da Estação. A

“Praia”, como era conhecida desde o seu início, propunha uma ocupação do espaço

público – nesse caso, a Praça da Estação, pelas pessoas “comuns”, trajadas em

roupa de banho, em alusão à aridez do espaço. Foram algumas edições do evento

62 Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.119/3461. Acesso em: 10 abr. 2018.

Page 124: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

122

da Praia e esta contaminou “outras praias” pela cidade. A imagem a seguir (figura 2-

13) apresenta uma das tantas edições da Praia:

FIGURA 2-13: Praia da Estação – essa praia não tem líderes

Fonte: PRAÇA LIVRE BH (2011)63

Segundo o coletivo Conjunto Vazio (2011)64, o “evento” Praia da Estação, no

entanto, acabara por se tornar, ele próprio, um produto da mídia que muitos de seus

participantes criticavam por não abordar a problemática do uso do espaço público e

nem discutir amplamente o Decreto – mencionado na reportagem da Revista

Encontro que traz um infográfico (figura 2-14) da região, comparando-a à “Lapa

Carioca”, sem nem mesmo expor as críticas que foram feitas ao Prefeito Márcio

Lacerda e a proibição dos eventos na Praça da Estação.

63 Disponível em: <https://pracalivrebh.wordpress.com/category/praia-da-estacao/>. Acesso em 10 Nov. 2017. 64 O site “Praça Livre BH” já anuncia em sua capa tratar-se de: “Postagens de ‘Qualquer Natureza’ sobre a Praça da Estação”, numa clara – e crítica - alusão ao Decreto.

Page 125: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

123

FIGURA 2-14: “Até parece a Lapa” - matéria da Revista Encontro | Maio de 2011

Fonte: PRAÇA LIVRE BH (2011)65

65 Disponível em: <https://pracalivrebh.wordpress.com/category/praia-da-estacao/>. Acesso em 10 Nov. 2017.

Page 126: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

124

O Conjunto Vazio (2011) também responsabiliza, em parte, os próprios

“banhistas” pela postura adotada que transformou o evento em ponto de encontro: É verdade que a Praia permitiu vários e preciosos encontros e a partir dela muitas articulações foram organizadas, por outro lado, isso não impediu que depois de alguns meses ocorresse um certo apaziguamento de suas propostas, fato que acabou transparecendo na recepção da Praia como apenas mais um evento cultural e fetichizado [...]

O que deveria ser um espaço aberto para vivenciar e discutir a utilização da cidade acabou por se tornar um local mais para ver e ser visto, um point obrigatório e descolado.

Também nos parece significativo que vários banhistas da Praia fossem sistematicamente convidados para participarem de debates sobre os novos rumos da cultura na cidade. Alinhando discursos com os de alguns grupos artísticos, os quais não vão além da crítica reformista e mais preocupados com as leis de incentivo e a “classe artística”. [...]

Não se trata de negar o caráter estético e alegre que a Praia TAMBÉM teve, mas de explicitar a hipótese de que houve a perda de um potencial político e questionador em prol de seu lado cultural e lúdico. [...] Ou seja, ao invés da Praia (e das relações que se criaram dentro dela) conter críticas revestidas de um senso festivo e estético, sua inversão a transformou em um produto cultural com leve um verniz crítico. [...]

Cabe aqui então desmontar a ideia de “novidade”, que acaba por fascinar muita gente e nublar as discussões, historicizando e dando a ver uma série de ações questionadoras da cidade que já continham uma estética “praieira”. Então, apresentaremos um pequeno panorama do que chamamos (pomposamente e de maneira idiota) de “Tradição Praieira Insurgente” (CONJUNTO VAZIO, 2011, s.p.)66.

Segundo Melo (2014), até então, os movimentos e expressões culturais

anteriormente citados não teriam sido considerados no projeto do “Corredor Cultural

Praça da Estação”, afirmando que tais manifestações populares “geram uma tensão

com essas tendências de modernização das grandes cidades, as quais, a fim de

elitizar os espaços públicos, utilizam-se da gentrificação e da higienização como

principais métodos, varrendo para longe a ocupação de expressão popular” (MELO,

2014, p. 60). Ainda segundo a autora, outras presenças e “insurgências” são

notadas na região, e merecem respeito, a despeito das iniciativas de

“mercantilização” da cultura por parte do poder público e das

empresas/empresários(as) que privatizam os bens culturais e “estabelecem” qual

cultura importa:

Voltando às questões da elitização cultural dos espaços urbanos, uma das faixas a ser revitalizada – que vai da Funarte ao Parque Municipal, passando pela Praça da Estação – já possui o projeto chamado de “Corredor Cultural Estação das Artes”, em que se localizam alguns dos aparelhos culturais da cidade e se planeja criar um espaço de convívio para a família mineira de classe média e para atrair um fluxo maior de turistas.

66 Disponível em: <https://pracalivrebh.wordpress.com/category/praia-da-estacao/>. Acesso em: 10 nov. 2017.

Page 127: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

125

Além dos institucionalizados aparelhos culturais, há nessa região um amplo leque de manifestações populares, espetaculares e auto-organizadas que ativam os espaços públicos e que não estão sendo levadas em consideração na construção do projeto.

Além do Duelo de MC’s, há a sede do Teatro Espanca!, o Samba da meia-noite, que acontece após o Duelo, e, mais recentemente, da Praça da Estação até o Viaduto Santa Tereza, onde acontecem as multifacetadas e autogeridas Ocupações Culturais que resistem com o lema de que “o corredor cultural já existe”, e claro, há também a Praia da Estação que questiona toda essa lógica de ocupação institucionalizada/privatizada dos espaços públicos.

Assim como há também a população de rua, que ocupa esses espaços de forma transitória, dada a periculosidade e vulnerabilidade a que se expõe. Pelo Hipercentro há um enorme fluxo de trabalhadores que ali transitam, entre casa e trabalho, por meio do metrô e das diversas linhas de ônibus que ligam o centro aos bairros da região metropolitana. É, sem dúvida, um espaço efervescente de pessoas e encontros (MELO, 2014, p. 59-60).

No percurso de seu trabalho, Melo (2014) faz uma série de entrevistas com

pessoas no (e do) local, analisa materiais dos eventos, das manifestações e das

ocupações à época da Praia, procurando observar as nuances dos discursos e das

ações que se estabeleceram. Em uma das entrevistas expostas, Paulo Rocha, que

já havia participado de intervenções estéticas urbanas com o mesmo tema – o

happening “Queremos Praia!” do Grupo Galpão, que aconteceu nas praças da

Savassi e Sete; “A Ilha do coletivo”, do coletivo Conjunto Vazio e a intervenção

“Praia” do coletivo “This Land is Your Land”67 - analisa a “Praia” com olhar crítico. A Praia virou um cordão classista dentro de um espaço tomado por mendigos. A questão da Revista Encontro é sintomática. Esse é o meu problema com a cultura, ela é a ponta de lança dos processos de gentrificação, a ideia de um Corredor Cultural, a ideia de uma ocupação, por exemplo como no Santa Efigênia [o Espaço Comum Luiz Estrela], é um desses processos da valorização dos espaços, valorização financeira. Eu acho massa, tem que ocorrer, mas isso tem que ser pensado, ali já é uma área valorizada. Eu sempre falo do Soho [em Londres e posteriormente em Nova York] que hoje é o bairro das galerias, porque os artistas não tinham dinheiro para pagar o ateliê, então eles alugavam o loft, e você tem o esquema estatístico do aumento progressivo do aluguel, e aí as pessoas não conseguem mais morar lá. Berlim sofreu esse processo, o bairro dos squats punks, dos ateliês dos artistas fodidos hoje é tipo a Savassi, o local dos bistrôs. Você tem esse processo constante da gentrificação dos espaços, que os eventos culturais funcionam, esse pra mim é o problema da Praia, porque é um público majoritariamente universitário de classe média e cultural e foi interessante porque permitiu esses encontros, o Fora Lacerda eles colocam a Praia como esse momento de saída, de início. Só que pra mim foi isso, revista de moda ia tirar foto na praia, aquela Lilian Pacce tirando foto para mostrar qual é a moda da praia... (ROCHA in MELO, 2014)

67 Este é parte do projeto “Lotes Vagos: Ação Coletiva de Ocupação Urbana”: o projeto objetiva a transformação de lotes privados da cidade em espaços públicos de uso coletivo, durante um período. Ver: http://www.forumpermanente.org/rede/lotes-vagos/lotes-vagos-acao-coletiva-de-ocupacao-urbana-experimental-expansoes

Page 128: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

126

Fato é que outras tantas atividades, eventos e ações, insurgentes ou não - e

até mesmo os ditos “oficiais”, como é o caso do Arraial de Belô, dos shows

promovidos pelo poder público ou por instituições privadas - têm feito da Praça da

Estação e arredores uma região efervescente.

Manifestações culturais insurgentes, como o Sarau Vira-Lata, Marcha das

Vadias, Samba da Meia Noite, Lavação, Cidade Eletronika; espaços alternativos

para o encontro, como o Nelson Bordello; ativismo cultural, como o proposto pelo

grupo do Teatro Espanca demonstraram algumas práticas insurgentes, caminhos e

uma diversidade de apropriações possíveis do espaço público que é, por fim, um

bem da coletividade. Alguns debates emergiram, outros se dissolveram, mas é certo

também que outros surgirão. Protestos, como a ocupação do Viaduto, a Praia e

tantos outros suscitaram discussões, propostas e exigiram um novo posicionamento

do poder público.

Eventos esportivos como a Corrida do Galo, o carnaval, as manifestações,

tudo isto coloca o lugar em pauta. Se a mídia não se esforça em trazer à tona

determinados posicionamentos ou incitar o debate e nem mesmo há vontade do

poder público em fazê-lo, certamente a população, cedo ou tarde, fa-lo-á.

2.6. Praça da Liberdade

2.6.1. Das primeiras décadas até a “invasão” hippie

A Praça da Liberdade, além de ser palco das edificações que representavam

desde então o poder político republicano, teve ao seu lado a ocupação do bairro

Funcionários, de caráter predominantemente residencial e inicialmente unifamiliar e

destinado - como o próprio nome sugere - à ocupação pelos “funcionários” do poder,

conforme aponta Caldeira (2007): Numa elevação, em posição de destaque, instala-se o centro do poder executivo: a Praça da Liberdade, com suas secretarias de Estado e sobressaindo, imponente, o Palácio da Liberdade. Aos funcionários públicos é destinada uma área próxima a esta Praça, que vai incorporar a função de seus moradores ao nome do bairro: Funcionários (SILVA; DAGUIAR, 1989 apud CALDEIRA, 2007, p. 176).

Esse destaque não se dá somente em razão da implantação dos edifícios de

governo ao redor da praça, mas sua localização favorece também a sua formação

Page 129: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

127

enquanto marco, seja visual, seja simbólico. À época de sua implementação, a

Praça da Liberdade destacava-se por estar no platô mais alto edificado na cidade,

que, segundo Caldeira (2007, p. 176), marca a idealização da praça “como uma

acrópole moderna, o conjunto da Praça da Liberdade foi planejado para ocupar uma

posição de destaque e abrigar o edifício mais importante da capital: o Palácio

Presidencial, residência oficial do governador do Estado”. A imagem a seguir (figura

2-15), datada de 1900, ilustra bem esse destaque:

FIGURA 2-15: Panorama da cidade de Belo Horizonte (1900)

Fonte: CALDEIRA (2007).

O papel de destaque da Praça da Liberdade para a cidade fica evidente no

documento da Comissão Construtora da Nova Capital publicado na Gazeta de

Notícias de 30 de janeiro de 1985, o qual Caldeira (1998) destaca em seu trabalho,

em que também se vê expresso o papel do Palácio Presidencial68: Muitas praças de tamanhos e formas diversos cortarão as ruas e avenidas, dando largueza para o efeito architectônico dos edifícios públicos, verdadeiros palácios esplendidamente situados. Assim o Palácio Presidencial será erguido no centro da Praça da Liberdade, para onde convergem cinco avenidas[...] (NOVA CAPITAL, 1895 apud CALDEIRA, 1998, p. 74).

A área que receberia o Palácio Presidencial e a Praça da Liberdade fora

completamente aterrada, formando uma “esplanada monumental”. Ficava próxima à

antiga Matriz da Boa Viagem, no local conhecido como o Alto da Boa Vista. A

esplanada foi uma forma de impor o traçado geométrico ao lugar. Assim, desde o

início, dá-se a ideia de “terra arrasada”. Em 1985, a chefia da Comissão Construtora

foi alterada, sendo, então, Francisco Bicalho o responsável por dar continuidade às

obras, que fez com ênfase na construção das edificações (CALDEIRA, 1998). 68 O Palácio Presidencial recebia esse nome, pois, à época, quem governava os estados eram denominados presidentes e não governadores como atualmente.

Page 130: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

128

Na imagem mais aproximada abaixo (figura 2-16), pode-se ver a praça à

época da inauguração da capital – um platô que guarda lembrança com o que fora

produzido na Praça Tiradentes na antiga capital Ouro Preto.

FIGURA 2-16: Festa de inauguração de BH - Praça da Liberdade (1897)

Fonte: GUIMARÃES (2013)69.

Segundo Caldeira (2008), na administração do então secretário de

Agricultura, Francisco de Sá, teriam sido elaborados os projetos das três primeiras

secretarias e aprovados em 1895, quais sejam: a Secretaria do Interior, da

Agricultura e das Finanças - que comporiam o cenário da praça. Inicialmente

pensadas para compor o terreno do Palácio, acabaram sendo deslocadas para o

entorno da Praça da Liberdade. Também teriam sido aprovados os projetos de 7

tipos de casas para 219 funcionários.

Interessante notar a ausência de uma Matriz na praça principal. Como já se

anunciava, em Ouro Preto, na Praça Tiradentes, essa lógica “uma igreja, uma praça”

havia sido deixada no passado, era sinônimo de cidades antigas (MARX, 1980, p.

54). Era importante para o poder republicano, laico, afirmar sua imagem. Talvez só

por essa razão a antiga Matriz da Boa Viagem tenha sido mantida, numa cidade

onde imperava o novo e ordenador planejamento. É então definitivamente

estabelecido o caráter cívico da Praça da Liberdade, uma raridade à época, de

acordo com Marx (1980, p. 50): “as praças cívicas diante de edifícios públicos

importantes são raras entre nós. São exceções”. Caldeira (1998) menciona que a

69 Disponível em: <http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.161/4910>. Acesso em: 10 set. 2017.

Page 131: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

129

Praça Municipal de Salvador teria sido a primeira praça cívica, mas cita outras

semelhantes: Observa-se a existência de outros espaços semelhantes nas cidades tradicionais: o Largo de São Francisco, em São Cristóvão, o Largo de São Francisco, em Mariana, a Praça Tiradentes, em Ouro Preto e a Praça Marechal Deodoro, em Porto Alegre (CALDEIRA, 1998, p. 78).

Já, em 31 de dezembro de 1985, estabelecera-se a primeira “conexão” entre

as Praças da Estação e da Liberdade. Instala-se, nesta última, uma das estações do

ramal férreo, que, saindo da Estação Ferroviária (Praça da Estação), passava pela

Avenida Amazonas e subia a Rua Espírito Santo (CALDEIRA, 1998). A função do

ramal férreo era, especialmente, levar materiais de construção para as mais diversas

áreas da cidade.

Também se construíram ramais para o Bonde, tendo sido um dos mais

famosos aquele que ficava na esquina da Afonso Pena com Rua da Bahia, onde

hoje é o Mercado das Flores. Todavia, o ramal férreo, que posteriormente foi

estendido até o córrego do Acaba Mundo, também chegou a ser utilizado para o

transporte de passageiros.

A ocupação do território na capital foi se dando aos poucos e

concomitantemente à adaptação dos moradores em apropriarem-se dos espaços.

Caldeira (1998, p. 80) aponta para o fato de que essa adaptação da “cidade ideal”,

imaginada não se dava exatamente no tempo nem na forma como foi planejado:

“Entre a utopia do ‘lugar cenário’, esboçada na Praça da Liberdade, pelo desejo do

criador, e a possibilidade de legitimidade do lugar, existe um tempo necessário para

criar-se um vínculo” e utiliza-se das palavras de Julião (1996) para reforçar o que

diz: [...]obviamente, uma transformação tão radical no modo de vida não ocorreu, em Belo Horizonte, como num passe de mágica. Só lentamente as elites mineiras se adaptaram àquele novo cenário urbano e adquiriram novos hábitos, vencendo suas resistências e desajustes. [...] Esses desajustes entre espaço e vida social decorria também da ausência de identidade entre seus habitantes desenraizados e seu urbanismo inovador. Daí as incongruências, como os transeuntes acostumados às vielas coloniais em meio às avenidas a perder de vista [...] (JULIÃO, 1996 apud CALDEIRA, 1998, p. 80-81).

Aos funcionários públicos destinou-se um bairro próximo ao Palácio do

Governador, o bairro dos funcionários, inclusive com a doação de lotes, ficando clara

a distinção entre os operários da cidade - que a construíram a duras penas e

residiram em barracos junto à Praça da Estação (e de lá foram expulsos depois) - e

Page 132: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

130

os privilégios concedidos aos funcionários públicos. Mas, ainda assim, segundo

Caldeira (1998), esse processo não se deu sem resistência: O processo de transferência dos funcionários públicos residentes em Ouro Preto não decorreu facilmente; muitos vieram à contragosto (...) o Governo do Estado ofereceu muitas vantagens: dos 3839 lotes existentes (...) 553 foram destinados aos funcionários públicos na região próxima ao Palácio Presidencial (...) Apesar de todos os privilégios concedidos aos funcionários, inclusive a possibilidade de residirem em uma área de destaque, muitos se recusavam a vir para Belo Horizonte (CALDEIRA, 1998, p. 81, grifos nossos).

Marcava-se, então, simbolicamente, a região como marco da capital, lugar de

destaque, distinto e diferente dos demais, como se pode ver expresso nas palavras

de Pena (1903, apud CALDEIRA, 1998): Nesta formosa cidade, de que nos devemos orgulhar por tantos motivos, para que a grandiosa Praça da Liberdade venha a ser considerada um dia, como o deve e merece, a Praça do Estado de Minas, é necessário, no meu entender, que a exemplo de tantas outras, façamos embora lentamente, alguma cousa que simplifique um sentimento artístico e um dever patriótico. Devemos destiná-la para a galeria dos bustos mais notáveis, mortos no decorrer do século XIX (PENA, 1903, apud CALDEIRA, 1998, p. 81-82).

Nota-se, nos trechos anteriores, a clara destinação do espaço e seu entorno:

para as elites, claro. Também resta evidente a intenção de torná-la um marco, não

só visual, mas simbólico, empreendendo-lhe beleza corporificada, em seus jardins e

edifícios, e desde já a memória pelos “bustos mais notáveis”.

Embora Caldeira (1998) faça uma comparação com a Ágora grega e o Fórum

romano, arquétipos da praça cívica da antiguidade, a esse autor parece muito mais

próxima da Acrópole70 dos deuses gregos. Não só pela posição de destaque, no

alto, mas pelo poder que legitima. A praça compunha-se assim como cenário, à

medida que ali eram erguidos edifícios71 imponentes que ladeavam a praça e

fechavam-na, configurando-se como “território” do Estado e das elites. A intenção de

se utilizar a praça como símbolo de poder restava clara e inequívoca para a

Comissão Construtora: Praça cívica idealizada para sediar o poder político estatal. O Palácio Presidencial, destinado á residência do Prezidente do Estado, vai ser edificado em bellissima situação, n’um alto de onde se avista quasi toda a

70 Fernandes (1925 apud CALDEIRA, 1998, grifos nossos), embora se referindo aos jardins da praça, parece concordar com a concepção desse autor sobre a “Acrópole”: “[...] emoldurando uma grande álea de palmeiras imperiais e afeiçoada nos moldes de Versailles, aparece esplêndido de graça e veemência vegetativa, o jardim da Liberdade, a linda e embriagante Acrópole das rosas”. 71 Hoje a praça conta com edificações de vários períodos e estilos: moderno, pós-moderno e o contemporâneo, além dos concebidos à época, o que possui maior destaque, o estilo eclético – alguns deles receberam recentemente algumas intervenções contemporâneas.

Page 133: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

131

cidade, e 6 avenidas se cruzarão sobre o edifício, abrindo-lhe francos horisontes para todos os lados (A NOVA CAPITAL, 1895, apud CALDEIRA 2007, p. 178).

A ideia de liberdade, tão cara aos republicanos ”recém-abandonados” pelo fim

da escravidão, parece dual. Liberdade para quem? O nome da praça resta tão forte,

que posteriormente se altera o nome do palácio para Palácio da Liberdade72. Mello

(1996 apud CALDEIRA, 2007) ainda destaca outra questão relacionada ao poder,

ver e ser visto, vigiar e se impor - reforçando a ideia da Acrópole aqui defendida: [...] em seu projeto original, por estar a mesma a cavaleiro da área projetada contida na Avenida do Contorno, dela se poderia descortinar toda a cidade. O palácio do governador de Minas, sobranceiro, como poder, a fiscalizar e a vigiar; como o farol a indicar o rumo. Assim, o governo do Estado, presente na praça, se fazia ver e sentir ao mesmo tempo. Em Ouro Preto, panteão nacional, solo sagrado, o santuário preservado, mausoléu dos pais da nação brasileira e republicana. Em Belo Horizonte, a “Liberdade” para ser vista e lembrada numa acrópole. (MELLO 1996, p. 40 apud CALDEIRA, 2007, p. 177).

Na chegada do século XX, a Praça da Liberdade já contava com algumas

edificações em seu entorno, mas ainda árida. Seu projeto paisagístico começaria a

ser implementado após o Plano de Melhoramentos (1900), baseado nos jardins do

estilo pitoresco inglês, cuja inauguração dera-se em 190373. A imagem a seguir

(figura 2-17), datada de 1900, ilustra o aspecto que antecedeu a implantação do

projeto paisagístico:

FIGURA 2-17: Praça da Liberdade no ano de 1900, ainda sem paisagismo

Fonte: CALDEIRA (2007).

72 Corresponde à Avenida João Pinheiro. 73 “Em 1903, são inaugurados os jardins da Praça da Liberdade, concebidos originalmente por Antônio Nunes de Almeida em colaboração com o paisagista Paul Villon. Baseando-se na documentação de fotos e nos relatos da época, observa-se uma fluidez no traçado, sugerindo uma maior integração de todo o conjunto” (CALDEIRA, 2007, p. 182).

Page 134: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

132

Com o projeto paisagístico implementado, a Praça da Liberdade adquire outro

aspecto (figuras 2-18 e 2-19). O projeto mantinha o eixo de perspectiva da Avenida

Liberdade (atual João Pinheiro), reforçando o simbolismo do poder do Estado. Um

dado curioso foi o fato de ali se instalar uma réplica do Pico do Itacolomi, numa clara

referência à importância desse elemento simbólico para os ex-moradores da cidade

de Ouro Preto que se mudaram para Belo Horizonte - a praça, agora ajardinada,

tinha em suas características pitorescas um claro contraste com o traçado

geométrico da própria praça e da malha urbana, conforme aponta Caldeira (2007): De caráter orgânico, o traçado paisagístico era formado por um conjunto de pequenas fontes, canteiros e jardins, coreto, pontes rústicas, incluindo uma réplica, em concreto do Pico do Itacolomi. Esse ambiente pitoresco contrastava com a dimensão clássica da praça (CALDEIRA, 2007, p. 182).

FIGURA 2-18: Praça da Liberdade 1903 – jardins e réplica do Pico do Itacolomi

Fonte: FUNDAÇAO JOAO PINHEIRO (1997, editada pelo autor).

FIGURA 2-19: Praça da Liberdade 1903 - aspecto do traçado paisagístico

Fonte: LAZULIA ARQUITETURA (2008)74.

74 Disponível em: < http://www.lazuliarquitetura.com.br/coreto.htm>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Page 135: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

133

A chegada da década de 1920 no Brasil é marcada por uma série de reformas

em muitas das suas grandes cidades. Belo horizonte, ainda jovem e em fase de

consolidação, também tem seu plano de melhoramentos estabelecido e a Praça da

Liberdade passa então por uma reforma paisagística, cujo contexto incluía a visita

dos reis da Bélgica à cidade.

Seu traçado pitoresco dá lugar a um projeto mais geometrizado (figura 2-20),

influenciado pelo paisagismo francês, e é basicamente o que conforma o aspecto da

praça que se vê ainda nos dias de hoje. O que permanece do projeto anterior são,

basicamente, o coreto e a alameda central, assim como os limites da praça.

FIGURA 2-20: Praça da Liberdade - projeto paisagístico de 1920

Fonte: CALDEIRA (1998).

A imagem a seguir (figura 2-21) ilustra o aspecto da Praça da Liberdade já

com seu novo paisagismo no estilo francês, demonstrando a valorização atribuída

ao verde:

FIGURA 2-21: Os jardins da década de 1920 já implementados

Fonte: CALDEIRA (2007, editada pelo autor).

Page 136: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

134

Segundo Caldeira (2007), essa prática de reformar as praças não se dava

apenas no contexto de Belo Horizonte, cidades mais antigas, como o Rio de janeiro,

também assistiam a esse novo tipo de ajardinamento: A reforma da Praça da Liberdade não constitui um evento isolado. No Rio de Janeiro, diversas praças tiveram sua composição alterada em função da prática de ajardinamento, iniciada em fins do séc. XIX. Em 1877, o Largo do Paço (Praça D. Pedro II) sofreu uma reforma paisagística com a introdução de um jardim central. Em 1902, ocorreria outra intervenção, destacando a influência francesa, com a colocação de fontes, canteiros e jardins ordenados geometricamente (CALDEIRA, 2007, p. 183).

A decoração da praça também é outra característica que começa a ser

notada, valorizando, sobretudo, a alameda central que proporciona uma visada do

Palácio do Governador. É também, nessa época, que a efervescência observada no

centro reflete-se em novas práticas de sociabilidade na cidade: “footing, o encontro

nas amplas esquinas, a conversa dos cafés e dos bares. No contexto citadino, a

Praça da Liberdade divide com outros lugares o status de espaço de encontro e

lazer” (CALDEIRA, 2007, p. 186). Na imagem a seguir (figura 2-22), pode-se

perceber a ênfase dada à perspectiva da alameda central, quando a praça fora

“enfeitada” para a posse do então governador Raul Soares, em 1922:

FIGURA 2-22: Postal: posse do governo Raul Soares

Fonte: CALDEIRA (2007).

Nos anos de 1940, enquanto a cidade de Belo Horizonte assiste à

verticalização na área central com a chegada de seus primeiros arranha-céus, na

região da Praça da Liberdade, a paisagem ainda é outra, com muitos espaços

vazios e edificações mais horizontalizadas - o destaque dos edifícios ecléticos que

abrigam as Secretarias e o Palácio (figura 2-23) é muito evidente:

Page 137: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

135

FIGURA 2-23: Vista aérea da Praça da Liberdade – década de 1940

Fonte: CALDEIRA (2007).

À medida que as cidades iam crescendo e se industrializando, os “espaços

livres” iam sendo valorizados em termos populacionais. No entorno da praça,

também se estabelece, a partir do final da década de 1920, o bairro de Lourdes75,

tipicamente residencial e ocupado por elegantes casarões (figura 2-24). Constituía-

se em moradias das classes sociais mais abastadas e influentes da capital -

consolidando ainda mais o espaço de representação do poder na região da praça,

poderes político e econômico.

FIGURA 2-24: Casarões do bairro de Lourdes, em 1941

Fonte: ARREGUY E RIBEIRO (2008).

75 Esse bairro era, entretanto, até o final da década de 1920, ainda ocupado por “cafuas” – habitações simplórias e que ocupavam de forma improvisada o bairro eram características da população pobre que não tinha como viver no Centro ou no bairro Funcionários (ARREGUY; RIBEIRO, 2008).

Page 138: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

136

A cidade passa a privilegiar o automóvel e há gradativamente uma redução

do cuidado com os espaços públicos. A valorização da terra acompanhou um

processo de adensamento urbano e estas são, para Robba e Macedo (2010), uma

das razões pelas quais se viram necessárias, mais adiante, as intervenções que

buscavam retomar a qualidade de vida e a valorização dos espaços públicos: A consequência imediata do crescimento contínuo das cidades foi a valorização dos espaços livres, em função do alto valor comercial da terra. Estes começam a se tornar escassos e a ser raridade na malha urbana. O processo de urbanização elimina largos e campos em detrimento do adensamento urbano. O poder público diminui notadamente o investimento na cidade, abandonando a manutenção dos espaços livres, como as praças. A ruptura com esse processo ocorreria com a valorização dos espaços livres remanescentes, a partir da busca pela qualidade de vida urbana, associada à retomada do espaço público a partir das intervenções de recuperação e renovação urbana (ROBBA; MACEDO, 2010, p. 32).

Vê-se que a Praça da Liberdade passa a se consolidar cada vez mais como

um lugar de memória, conforme apontam vários autores e o seu simbolismo via-se

consolidado pelas práticas socioespaciais ali estabelecidas desde a sua origem.

Essa “memória coletiva” ia-se fortalecendo, então, na própria apropriação da praça,

na atenção que lhe era conferida pelo Estado e na escolha desta como local de

destaque, conforme aponta Lana (1990, p. 21): “[...] desde as primeiras décadas do

século a Praça da Liberdade destacava-se como o mais importante espaço de uso

público da capital onde ocorriam os mais variados eventos sociais, políticos, cívicos

e culturais”.

O bairro dos Funcionários também começa a verificar transformações,

sobretudo a partir da década de 1930. Local onde se instalaram inicialmente as

residências dos funcionários do Estado, o bairro passa a contar com os primeiros

edifícios e instituições: a Faculdade de Odontologia e Farmácia; o “Clube do

Automóvel”76; o próprio Palácio Episcopal (primeira presença eclesiástica no local), o

Minas Tênis Clube – apenas para citar alguns exemplos (CALDEIRA, 1998).

Na década de 1950 e 1960, ergueram-se também outros edifícios no entorno

da praça, como é o caso da Biblioteca Pública Estadual, o Edifício Niemeyer, o

Edifício Xodó (MAPE), a antiga sede do IPSEMG77, a sede do Departamento

76 Essa edificação passou a ser denominada como Automóvel Clube e situa-se na Avenida Afonso Pena, em frente ao Parque Municipal. Atualmente é um dos locais preferidos para festas da “alta sociedade”, como casamentos e festas de 15 anos. 77 Esse edifício encontra-se em reforma e abrigará a futura sede da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

Page 139: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

137

Estadual de Trânsito (DETRAN)78, dentre outros. Assim, com a chegada das

edificações modernistas, a praça é agora palco de uma diversidade de estilos

arquitetônicos. É um período em que várias casas são demolidas na cidade, não só

na região da praça, dando lugar a edificações comerciais, residenciais

multifamiliares e institucionais e a especulação imobiliária intensifica-se na região

(CALDEIRA, 1998).

A década de 1960 marcaria também uma série de alterações na malha

urbana da cidade, privilegiando cada vez mais o automóvel. Outros órgãos públicos

seriam instalados em outras áreas da cidade, descentralizando em parte o papel

administrativo que caracterizava a Praça da Liberdade. Todavia, aponta a autora, a

praça ainda funciona como espaço cívico e administrativo, local onde ocorrem

comemorações e manifestações, pelo menos até o golpe de 1964. Nas palavras de

Albano et al. (1984 apud CALDEIRA, 1998), esse momento é retratado: De um lado o Minas Tênis Clube e a Universidade Católica provocavam o ir e vir na Praça; conversas e olhares que prosseguiam nas horas dançantes do Clube, discussões políticas e intelectuais dos estudantes que entravam noite adentro nos bancos da Praça. De outro, processa-se a modernização dos hábitos, com a primeira lanchonete (Xodó) e um bar (Porão) que se afirmavam como novos pontos de encontro. O corte de classe permanece: na lanchonete e no bar “rapazes e moças de família”, nas alamedas dos jardins os mesmos frequentadores do footing ao pé do Coreto que Ciro dos anjos descreveu nos anos 20 (ALBANO et al., 1984 apud CALDEIRA, 1998, p.108).

Com o golpe militar de 1964, as manifestações políticas na cidade também

praticamente cessaram. O Palácio levanta suas grades e o poder do Estado isola-

se, autoritário. O uso do palácio também se transforma e nele são criados

apartamentos de luxo para recepcionar “figuras ilustres” (LANA, 1990; CALDEIRA,

1998).

2.6.2. A Savassi, as Feiras e a polêmica da restauração na década de 1990

Curiosamente, a praça transforma-se, em plena ditadura militar, em território

de um novo “grupo”: os hippies, que ali instalaram sua “Feira de Artesanato”79 no

final da década de 1960. Estes, apesar de serem tidos como figuras da

“contracultura”, não se estabeleceram ali para contrapor o poder do Estado e sim

78 Localizado nas imediações da praça, o edifício abriga, ainda hoje, o mesmo órgão. 79 Conhecida como “Feira Hippie” desde suas origens e assim até hoje.

Page 140: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

138

para comercializar sua arte, seu artesanato, conforme apresenta Carrieri et al.

(2008): A criação e a formação da Feira de Arte e Artesanato teria ocorrido a partir da integração entre críticos de arte, artistas plásticos, artesãos e alguns elementos hippies. Por esta perspectiva, de enquadramento dos artistas hippies na fundação da Feira, percebe-se a atribuição de um caráter mais “popular”, isto é, menos articulado politicamente e, até, eufêmico quanto aos objetivos principais declarados na criação daquela. Isto porque, de acordo com a concepção da época, os hippies eram considerados elementos subversivos, desordeiros e alienados em relação aos padrões da cultura dominante. [...] Os hippies utilizavam a Feira como meio de subsistência. Apesar de sua presença, a Feira Hippie não tinha nenhum elemento propulsor do estilo de vida alternativo. No entanto, o estigma de ser hippie trouxe benefícios à questão ideológica e simbólica da relação produção-consumo dentro da Feira. Ainda que no Brasil este movimento, surgido em meados dos anos sessenta, tenha se apresentado mais como um modismo do que como uma postura crítica e existencialista, ele se mostrava como uma resposta à cultura e aos valores dominantes da época, aproximando-se de temas como o comunismo e igualdade (que eram questionados devido a Ditadura). Havia uma significação simbólica em consumir os produtos da Feira, pois estes representavam o questionamento aos padrões impostos pela cultura dominante, como a industrialização da economia, produção de bens de consumo em série e as normas e valores da sociedade que se tornavam “massificados” e “alienantes” (CARRIERI et al., 2008, p. 69).

Caldeira (1998) aponta também que, pouco a pouco, o footing desaparece da

praça e que, com a construção do Palácio dos Despachos80 e o Palácio das

Mangabeiras (que passa a ser a residência do governador) na zona sul da cidade, a

esfera do poder público descentraliza-se. Nessa época, entre os anos de 1960 e

1970, o centro da cidade, antes ocupado pela elite, também se altera: o aumento do

número de automóveis, a ocupação do centro pelos edifícios de escritórios e

instituições financeiras pouco a pouco fazem com que as classes mais altas migrem

para a porção Sul da cidade.

Surge então uma nova centralidade: a região da Savassi, localizada entre a

Praça da Liberdade e os bairros que foram sendo ocupados (Sion, Santo Antônio,

Anchieta, entre outros). Essa região, cujo nome originara-se de uma padaria de

mesmo nome81, no final da década de 1960 e durante as décadas seguintes,

assumiu uma ocupação bastante diversificada: bares, lanchonetes, restaurantes,

cinemas, serviços e residências de alto padrão. Sua importância como “novo centro”

80 Inaugurado em 1975 pelo então Presidente da República Marechal Costa e Silva, este passa a concentrar, de acordo com Caldeira (1998), funções administrativas que antes se restringiam ao Palácio do Governo (atual Palácio da Liberdade). 81 A padaria Savassi foi aberta em 1939 e pertencia a uma abastada família de mesmo sobrenome. Funcionou como um polo de atração para outros comércios no local, conhecido como Praça da Savassi (Praça Diogo de Vasconcelos).

Page 141: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

139

(das elites) de comércio sofisticado reduziu-se somente a partir da década de 1980,

com a chegada dos shoppings centers. Todavia, ainda hoje, a Savassi é local de

encontro e compras, sobretudo das classes mais altas que residem nessa porção da

cidade (LEMOS, 2010).

Essa nova centralidade apontada por Lemos (2010) traz também uma nova

dinâmica à praça. No final da década de 1980, com o processo de abertura política e

o regime militar chegando ao seu fim, manifestações pedindo “Diretas Já” ali

comparecem, trazendo de volta à praça uma de suas importantes funções. A Feira

de Artesanato (Hippie) consolida-se e outras feiras, como a Feira de Plantas e

Flores, Feira de Comidas Típicas e Feira de Antiguidades passam a ocupar a praça

de quinta à domingo.

Essa reapropriação da praça pelas feiras traz de volta uma sociabilidade

intensa, como que retomasse o footing dos anos da década de 1920. Interessante

notar que esse período, apesar da apropriação da praça por grupos os mais

diversos, a presença das classes mais altas continuava predominando, conforme

aponta Albano et al. (1984 apud CALDEIRA, 1998): Realiza-se na Praça, uma reunião descontraída, de grupos provenientes das classes privilegiadas, caracterizados principalmente nas pessoas do artista e do intelectual. Eles lhes dão um certo clima, que permanece em certa medida no decorrer do dia, conformando uma imagem que atrai outras pessoas [...] As horas vão se passando e tudo vai se avolumando, os espaços vazios vão sendo ocupados e os demais vão sendo reapropriados [...] Rompem-se as fronteiras entre as antiguidades, artistas e comidas. Rompem-se também as fronteiras individuais, sendo impossível demarcar espaços ou isolar grupos (ALBANO et al., 1984 apud CALDEIRA, 1998, p. 118) .

O uso da praça para essa finalidade – as feiras – toma corpo e torna-se talvez

um dos principais fatores que atraíam grande fluxo de pessoas ao local. O poder

público passa a regulá-las, estimular que aconteçam em outros locais para

“desafogar” a Praça da Liberdade. Carrieri et al (2008) apontam o período entre

1973 e 1983 como os “anos dourados da Feira”, mas destacam que já havia uma

separação simbólica entre o que era “legítimo e de qualidade” – portanto destinado

às elites que frequentavam o espaço; e o que era “mercadoria inferior”, produzida

por “não-artesãos” e, portanto, destinado às classes mais baixas: Devido à facilidade da exposição dos produtos, à pouca burocracia e à acessibilidade do local, que por si só já era um ponto de encontro e que com a criação da Feira, passou a ser um forte ponto de agregação cultural da cidade, foi criada uma outra Feira, às quintas-feiras, entre 1975 e 1976, no mesmo local, no horário de fim de tarde e noite. Para os expositores, a

Page 142: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

140

Feira de quinta-feira era “de acesso”, em que ficavam os feirantes que estavam ingressando, os não-artesãos e os de “mercadoria de qualidade inferior”. Assim, criava-se uma separação entre os “fundadores”, os primeiros a ingressarem na Feira e os “caras lá que nunca fizeram nada”. Nessa ‘nova’ feira havia certa distinção entre o público e os expositores dos domingos (CARRIERI et al, 2008, p. 71).

Os autores ainda mencionam que, durante a semana, o público mais elitizado

também ocupava o espaço da praça para caminhadas e sociabilidade, durante a

Feira de quinta-feira: Às quintas-Feiras, por ser um dia de trabalho, o público era menor e de classes mais populares. Além disso, durante a semana, com o movimento dos frequentadores da Feira, a Praça tornou-se um local propício para prática de caminhadas e encontros de amigos, imprimindo, assim, um caráter mais social do que a Feira de domingo, em que a atividade predominante era ‘vender’ os produtos para o público de maior poder aquisitivo (CARRIERI et al, 2008, p. 71).

Em 1977, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA/MG),

órgão recém-criado (1971), decreta então o tombamento do “Conjunto Arquitetônico

e Artístico da Praça da Liberdade”, procurando preservar o patrimônio e com ele a

memória, mas isto não teria impedido a demolição de algumas edificações históricas

na região, sobretudo de sobrados residenciais (LANA, 1990). Esse tombamento,

todavia, aparentava ter muito mais um caráter simbólico do que prático, pois,

conforme aponta Caldeira (1998), as feiras continuavam a degradar o local e a

Metrobel teria feito intervenções grosseiras na praça sem a autorização do IEPHA,

descaracterizando-a: “[...]implantou bancos de pedra, cercou os canteiros com

paralelepípedos, alterou os jardins cercando-os com arame, asfaltou a alameda

central, e introduziu o estacionamento rotativo “Faixa Azul”, alterando, mais uma

vez, o seu perímetro” (CALDEIRA, 1998, p. 117).

Por outro lado, é exatamente o intenso fluxo de pessoas que, segundo

Caldeira (1998) descreve, utilizando-se de depoimentos da época e notícias da

mídia, também atrai outros públicos e isto parecia incomodar a elite, a mídia e o

Estado. As feiras que ali efervesciam o local, de quinta a domingo, reuniam um total

de cerca de 3.200 expositores, atraindo também ambulantes, que aproveitavam o

movimento já consolidado.

A mídia e o poder público então começaram a se “preocupar” com a

degradação da Praça da Liberdade em decorrência das feiras e estas passam a ser

apontadas como causadoras não só da degradação do espaço físico, mas também

da desqualificação dos usos ali praticados e até mesmo de sua deturpação.

Page 143: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

141

As feiras, conforme aponta Lana (1990), também eram acusadas pela mídia

de desrespeitar os horários previstos para término, abrigar expositores que

comerciavam ilegalmente produtos industrializados e extrapolar o perímetro da

praça. Nesse sentido, Caldeira (1998) aponta que, no final dos anos 1980, as feiras

sofrem grande pressão da mídia que afirmava ser necessário que elas fossem dali

retiradas e demonstra, através de vários trechos de publicações nos jornais da

época, a publicidade negativa que se fazia em relação às feiras. Numa dessas

matérias, “Patrimônio da Praça é Destruído pelas Feiras”, lê-se: Observa-se, [...] nos últimos anos que o volume descontrolado adquirido pelas feiras além de uma série de desvios quanto aos objetivos iniciais de sua criação, exigem medidas de orientação destes eventos, em defesa da preservação do patrimônio da Praça da Liberdade e de suas ideias bem sucedidas que, se não forem bem administradas, vão deteriorar-se e tornarem-se inviáveis [...] A Administração Centro-Sul coloca a Praça da Estação como uma alternativa para as feiras de Quinta e Domingo. A partir de um novo projeto a Praça Rui Barbosa oferecia uma melhor seleção e setorização dos expositores, uma padronização das barracas, acompanhada do equipamento total da Praça (HOJE EM DIA apud CALDEIRA, 1998, p. 125).

Houve, segundo Caldeira (1998), grande resistência por parte dos expositores

em deixar o local, culminando com a criação de um Comitê Pró-solução da Praça da

Liberdade, em razão das pressões que estavam sendo feitas para que se

transferissem as Feiras para outros locais da cidade, já no final dos anos de 1980,

na gestão do então prefeito Pimenta da Veiga, quando se propôs a restauração da

praça. Assim, segundo a autora, a contenda arrastou-se por mais de dois anos,

contrapondo notadamente forças desiguais – de um lado, os expositores e, de outro,

apoiados pela mídia, a Regional Centro-Sul, a Secretaria do Meio Ambiente, a

Prefeitura e o IEPHA.

Para respaldar-se na opinião pública, a Prefeitura teria então realizado uma

pesquisa82 junto à comunidade e, em abril de 1990, “foram entrevistadas 1.170

pessoas em toda a cidade, com amostras proporcionais de cada região”,

constatando-se que 95,4% dos entrevistados eram favoráveis à restauração

completa da praça. Nas entrevistas com moradores da região, obteve-se 95,6% de

aprovação. Houve críticas sobre uma suposta intenção eleitoreira da proposta, as

quais foram rebatidas pela administração da Regional Centro-Sul, esclarecendo que

82 Merece reflexão se o posicionamento veemente da mídia em favor da retirada das Feiras da praça e a sucessiva abordagem negativa em relação a estas não teria influenciado a “opinião pública”.

Page 144: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

142

a intervenção seria feita através de parcerias público-privadas (HOJE EM DIA

apud CALDEIRA, 1998, p. 126).

As Feiras foram então ali proibidas pelo Decreto nº 6762/91, em 1991 - a

Feira Hippie é transferida para a Avenida Afonso Pena e as demais foram alocadas

em outros locais. O Decreto, todavia, não restringia apenas as Feiras na Praça da

Liberdade, mas em outros logradouros: O Prefeito de Belo Horizonte, no uso de suas atribuições legais e considerando:

I - A necessidade de se preservar o principal conjunto arquitetônico histórico da Cidade, constituído pela Praça da Liberdade e suas adjacências;

II - O início, a curto prazo, das obras de restauração daquele logradouro tombado;

III - A importância social, econômica e turística das feiras de arte, artesanato e outras, e a necessidade de preservá-las e aperfeiçoá-las;

IV - A necessidade de reorganizar essas feiras e sanar distorções nelas existentes, decreta:

Art. 1º - Ficam extintas, a partir de 11 de fevereiro de 1991, todas as feiras de arte, artesanato, plantas e flores naturais, comidas e bebidas típicas e antiguidades que se realizam na Praça da Liberdade e na Praça Raul Soares.

Parágrafo Único - Ficam revogadas todas as licenças, convites, credenciais e autorizações de qualquer natureza para exposição e venda nessas feiras, inclusive aquelas dos vendedores ambulantes de alimentos e bebidas. Art. 2º - Ficam revogadas [...] as autorizações provisórias para exposição e venda de produtos de arte e artesanato da Rua Gonçalves Dias e Praça Rui Barbosa.

Art. 3º - Fica criada a Feira de Arte e Artesanato da Região Centro-Sul, que funcionará na Avenida Afonso Pena [...] Art. 4º - Fica criada a Feira de Plantas e Flores Naturais da Região Centro-Sul, que funcionará na Avenida Bernardo Monteiro[...] (BELO HORIZONTE, 1991) 83.

Desta forma, em vez de procurar equacionar os usos que na Praça da

Liberdade já tinham se tornado tradicionais, ordena-se a sua extinção. Considera-se,

claramente, o valor da Praça da Liberdade como “superior” aos demais, uma vez

que se tratava do “conjunto arquitetônico histórico da Cidade”. Ao menos, o poder

público, tratou de manter sua existência e hoje essas feiras continuam apresentando

sua força – em especial a “Feira Hippie”, que atrai milhares de visitantes e turistas à

BH. Carrieri et al (2008), ao entrevistarem feirantes, apontam que, entretanto, a

“explosão” do número de expositores e frequentadores - que teria legitimado tal

83 Disponível em: <https://cm-belo-horizonte.jusbrasil.com.br/legislacao/241143/decreto-6762-91>. Acesso em: 10 jun. 2018.

Page 145: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

143

Decreto – ter-se-ia originado, obtusamente, de concessões “políticas”, apesar de ter

sido criada à época uma “comissão técnica consultiva” que selecionava quem

poderia expor.

2.6.3. A reforma dos anos 1990

Após a saída das Feiras da Praça da Liberdade em 1991, a praça é fechada

com tapumes. Essa estratégia visava especialmente coibir qualquer tentativa de

apropriação da praça por parte dos feirantes. Assim, tal qual viria a acontecer na

reforma que se iniciara há pouco, no ano de 2018, a restauração dos anos 1990 era

executada com um certo ar de “mistério” e despertava curiosidade da comunidade.

Segundo a autora do projeto de restauração, a arquiteta Jô Vasconcelos, em

entrevista à Caldeira (1998), essa reação aos tapumes não era totalmente

planejada: eu achava antes, que a gente devia colocar um tapume transparente, mas o tapume acabou criando um certo mistério, a gente não queria fazer o tapume assim fechadão, queria fazer tudo vazado, para as pessoas verem, consultar [...] mas aí quando o tapume fechou todo mundo começou a me ligar [...] As pessoas ligavam, perguntavam, e nas vésperas, quando a gente começou a tirar os tapumes [...] as pessoas entravam, paravam, pediam para entrar, para visitar, então a expectativa foi violenta (VASCONCELOS, 1997 apud CALDEIRA, 1998, p. 127).

A autora destaca ainda outro trecho da entrevista, na qual se percebe que a

colocação dos tapumes e fechamento da praça não se deram sem resistência por

parte dos feirantes. No trecho, é visível a posição da arquiteta contra a resistência e

que ela achou bom o fato de a cidade estar vazia quando os feirantes faziam

“buzinaço”, o que denota uma certa insegurança em relação ao apoio que os

manifestantes poderiam eventualmente receber por parte da população: No final, com muita dificuldade, a praça foi fechada num Domingo de carnaval quando a cidade estava bem vazia, a feira estava fechando [...] uma quantidade enorme de peões [...] com as pelas de madeira no chão, e a Polícia Militar para dar uma força. Fechou-se a praça num minuto, e os feirantes que não queriam sair [...] ficaram lá dentro [...] Não podia fechar a Praça [...] então eles começaram a fazer um buzinaço [...] não tinha quase ninguém na cidade [...] São Pedro deu uma força, caiu uma chuva tão violeta que eles tiveram que sair correndo [...] aí, nós passamos e fechamos (VASCONCELOS, 1997 apud CALDEIRA, 1998, p. 127).

A intenção da restauração era “recriar” a Praça da Liberdade tal como ela se

encontrava quando do seu projeto nos anos 1920. Foi feita uma “arqueologia

urbana”, sondagens perfurações, revelando características do projeto original

“enterradas” sob o asfalto e intervenções ao longo de sete décadas. Esses dados

Page 146: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

144

somados a algumas poucas imagens que se tinham da praça foram as bases do

trabalho que, segundo Caldeira (1998), consistiu, em linhas gerais, nas seguintes

ações com vistas a resgatar o projeto “original” de 1920: recuperação de alguns

materiais originais, remoção das inserções realizadas, reinserção de várias espécies

de plantas e árvores e instalação de um sistema de irrigação artificial para manter a

cobertura vegetal durante todo o ano.

Para financiar o projeto, foi feito um convênio entre a PBH e a empresa

Minerações Brasileiras Reunidas (MBR84) que “adotou”85 a reforma da Praça da

Liberdade e também ficou responsável pela sua manutenção (limpeza, cuidado com

os jardins e manutenção dos passeios) nos anos seguintes. Decorre da experiência

dessa parceria, considerada pela PBH como bem-sucedida, a criação do programa

“Adote o Verde”, no qual empresas e pessoas físicas podem firmar convênio com a

PBH e “adotar” (recuperar e manter) espaços públicos, quer sejam estes: praças,

parques ou canteiros. Como contrapartida, podem instalar no local placas com a

identidade visual da empresa, associando-a à marca do programa “Adote o Verde”.

A praça tem também, nos anos 1990, o perímetro de tombamento ampliado

para “Conjunto Urbano Praça da Liberdade - Avenida João Pinheiro e Adjacências”

pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte

(CDPCM – BH), mantendo inclusive tudo o que havia sido tombado em 1977.

2.6.4. Da reinauguração ao Circuito Cultural Liberdade

A reinauguração da Praça da Liberdade coincide ainda com a conclusão da

obra do edifício que ficou conhecido como “Rainha da Sucata” (figura 2-25),

localizado na esquina da praça com a Avenida Bias Fortes, projeto de concepções

pós-modernas de autoria dos arquitetos Sylvio de Podestá e de Éolo Maia. Edificado

84 Essa empresa fora adquirida pela companhia Vale do Rio Doce que hoje cuida do espaço. 85 Essa “adoção”, na verdade, não foi simplesmente uma benevolência da empresa, mas como medida compensatória pela exploração (pelo impacto ambiental desta) na área da mineração, em Minas Gerais. Esse tipo de regulação – a medida compensatória - tem como uma de suas origens, no Brasil, a lei federal n. 4.771/65, que instituiu o Código Florestal. Há vários exemplos de empreendimentos que se utilizaram desse tipo de medida para serem aprovados na RMBH: a instalação do Centro Administrativo de Minas Gerais, na Linha Verde é um deles – que precisou criar o Parque Serra Verde como contrapartida de sua construção. Em alguns casos, funciona como medida de punição, como é o caso que fora muito noticiado à época, da construção de um templo evangélico nas imediações da Praça Raul Soares que teria demolido casarões em processo de tombamento e como punição ficou como corresponsável pela manutenção dessa praça.

Page 147: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

145

para abrigar o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, passou posteriormente a

sediar o Museu de Mineralogia.

FIGURA 2-25: “Rainha da Sucata”

Fonte: PODESTÁ (2018)86 (editada pelo autor).

Fechado para obras em 2013 e reaberto no início de 2017, o “Rainha” é hoje

parte integrante do Circuito Cultural Praça da Liberdade (CCPL), funcionando como

“Centro de Informação ao Visitante” e também espaço destinado a palestras,

exposições, espaços de coworking. Além disso, tem, em seu pilotis, um espaço

aberto à Praça, um Teatro de Arena, que volta a ser ocupado com programação

cultural gratuita, como palestras, workshops, bate-papos e outras iniciativas.

86 Disponível em: <http://www.podesta.arq.br/index.php?option=com_content&view=article&id=159:projeto-rainha-da-sucata&catid=1:residências> . Acesso em: 15 jul. 2018.

Page 148: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

146

Polêmico, como pretendia ser para a arquitetura da época, ele traz

materializado “o novo” com referências historicistas e acrescenta mais um estilo à

diversidade de estilos arquitetônicos da praça. O artista plástico e professor de

história da arte e da arquitetura, Marcelo Albuquerque, assim o descreve: Polêmico desde o nascimento, o edifício ainda causa repulsa e admiração, para leigos e entendidos: para muitos, representa o próprio mau-gosto edificado, kitsch, desproporcional e agressor de seu entorno. Para outros, uma joia da arquitetura contemporânea pós-moderna brasileira. Dialogando de forma irônica e irreverente com o entorno, o edifício é composto por colagens e citações que compõem um projeto de grande expressão imagética. A arquitetura pós-moderna revalida a ambiguidade e a ironia, a pluralidade dos estilos, o duplo código que lhe permite voltar-se tanto ao gosto popular (citações históricas e vernaculares) quanto aos métodos compositivos arquitetônicos mais eruditos (HISTORIA ARTE ARQUITETURA, 201787, s.p.).

Após sua reinauguração, pouco a pouco, a praça vai se ajustando à nova

realidade sem as Feiras. Da agenda cheia de “compromissos” com as Feiras, agora

inexistentes, a Praça da Liberdade vê-se reocupada pelos usos cotidianos: a corrida,

a caminhada, as babás com as crianças, a contemplação, a parada para o descanso

– apenas para citar alguns exemplos. Assim, a reportagem do Jornal Estado de

Minas, em matéria intitulada “A praça de todos os tempos”, descreve-a em meados

de 1990: Nem tudo mudou. O footing ainda é hábito de muitos. Passear de mãos dadas também. Encontros sob as árvores acontecem frequentemente. A confraternização familiar é a mais comum das cenas. As crianças andando sobre modernos rollers ou fazendo piruetas com as bicicletas destacam-se. Para completar, o pipoqueiro, o vendedor de balão e algodão doce, a carrocinha de cachorro quente e o fotógrafo lambe-lambe. Em tempos de ditadura da saúde e da boa forma, durante a semana, no início da manhã e final da tarde, a praça é ocupada pelos atletas de plantão. Vestidos a caráter (trainings e tênis), uns caminham e outros correm. Boa parte deles se conhece. O esporte é pretexto perfeito para rever os amigos. Nos finais de semana o bicho pega. A rua lateral da praça é fechada e a praça é invadida por centenas de pessoas, que vão lá para passear ou para assistir as apresentações teatrais e musicais que acontecem no coreto, o símbolo mais querido (ESTADO DE MINAS, 1996 apud CALDEIRA, 1998, p. 146).

Durante a primeira década dos anos 2000, os usos na praça permanecem

praticamente como descritos na reportagem acima, com o acréscimo gradativo de

eventos, embora de menor porte que as Feiras dos anos 1980. Esses eventos

também se utilizavam das áreas próximas ou adjacentes à Praça da Liberdade,

87 Disponível em: <https://historiaartearquitetura.com/2017/11/03/cor-arte-e-arquitetura-rainha-da-sucata/>. Acesso em: 12 dez. 2017.

Page 149: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

147

especialmente na sua porção Oeste, utilizando-se a própria rua lateral que continua

sendo fechada para eventos nos finais de semana.

Também se costuma fechar o quarteirão ao lado do Palácio da Liberdade -

entre a Avenida Bias Fortes e Rua da Bahia – para eventos diversos. Outro local que

começou a ser apropriado para esse fim é o “largo” que conforma, entre duas de

suas edificações ecléticas, a Praça Carlos Drummond de Andrade.

Alguns shows começam a se fazer presentes no espaço interno da Praça da

Liberdade e aos poucos a “efervescência” dos anos 1980 é retomada, de outras

formas e um pouco mais dispersa. O público, entretanto, dadas as características da

maioria dos eventos, é “seleto”, sendo predominantemente caracterizado por

pessoas de classe mais alta. As manifestações que ali se fazem presentes também

começam a confirmar, gradativamente, a praça como um território de manifestantes

da “direita”, com raras exceções - o que acaba por ser reflexo de todo o simbolismo

histórico que se consolidou ao longo de mais de um século. A imagem a seguir

(figura 2-26) apresenta uma destas manifestações, ocorridas no ano de 2016:

FIGURA 2-26: O protesto a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff

Fonte: G1- GLOBO.COM (2016)88.

88 Disponível em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2016/04/bh-tem-protestos-contra-e-favor-do-impeachment-da-presidente-dilma.html>. Acesso em: 09 out. 2017.

Page 150: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

148

No final da primeira década do século XXI, a Praça da Liberdade vê-se

novamente em um processo de transformação. O governo estadual decide realizar a

construção da “Cidade Administrativa”, na região de Venda Nova, ao norte da

capital. Assim, as edificações que abrigavam funções administrativas – as

Secretarias de Estado - são esvaziadas e dão lugar ao “Circuito Cultural Praça da

Liberdade”, com a implementação de vários museus que passam a integrá-lo,

juntamente com algumas instituições já consolidadas, como a Biblioteca Pública

Estadual, o Arquivo Público Mineiro e o Museu Mineiro.

O infográfico a seguir (figura 2-27) apresenta os espaços que conformam o

Circuito:

FIGURA 2-27: Circuito Cultural Praça da Liberdade

Fonte: HOLYDAY BELO HORIZONTE (2018)89.

89 Disponível em: <http://holidaybelohorizonte.com.br/circuito-cultural-praca-da-liberdade/>. Acesso em: 10 mar. 2018.

Page 151: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

149

A criação do complexo cultural, iniciada em 2010, foi amplamente divulgada

pela mídia local e nacional, atraindo grande público e turistas - estes últimos,

sobretudo, durante o período da Copa do Mundo de 2014. No circuito, foram

inaugurados vários espaços museológicos temáticos através de parcerias público-

privadas. O espaço público-urbano em que se insere o Circuito é assim

caracterizado por Silva e Ziviani (2016): [...] lugar público por excelência, que comporta toda sorte de atores individuais e coletivos, usos territoriais institucionalizados e cotidianamente configurados, memórias e discursividades diversas, sentidos atribuídos e construídos, experiências e experimentações, apropriações simbólicas e concretas, entre outros. E que também, simultaneamente, comporta uma rede complexa e intensa de relações sociais – antagônicas, complementares, paralelas, convergentes, simbióticas, parasitas, consensuais, conflitantes -, refletindo diferentes padrões de diálogo e negociação (SILVA; ZIVIANI, 2016, p. 18).

Garcia e Rodrigues (2016), por sua vez, apontam que outros usos colocam-se

em contraponto ao complexo cultural, inclusive as pessoas em situação de rua que

utilizam o anexo da Biblioteca Pública como local de moradia (ainda que

temporária): [...] ocorrem no entorno do prédio outras formas de apropriação que se assentam em sua dimensão pública e percebem sua historicidade como espaço de sociabilidade e manifestação da diversidade. São usos que se colocam em contraponto à lógica das ‘revitalizações’ [...] (GARCIA; RODRIGUES, 2016, p. 254).

O uso predominante do espaço público fora dos espaços culturais “edificados”

permanece, entretanto como simbólica e historicamente estabelecido, mas não sem

disputa, conforme apontam Lins e Altheman (2018), ao observarem as práticas

recentes no espaço público da Praça e arredores: Do lado de fora do complexo arquitetônico, ao redor da Praça, pode-se perceber os esportistas que caminham no período da manhã e da tarde, os transeuntes que passeiam e, muitas vezes, param ali para descansar, namorar, brincar, etc. Grupos de jovens que usam o local para beber, conversar, socializar. Diversas empresas e instituições que usam a Praça para atividades culturais. Manifestantes que se reúnem para ali protestar. Moradores de rua que lá habitam. Esses, a despeito da proposta que envolve o seu entorno, parecem desconsiderar que ali se faz um complexo cultural. Suas práticas remetem ao uso tradicional que sempre os belo-horizontinos fizeram do lugar, reflexão que nos remete novamente a Rancière, que discute a necessidade de se alterar o tempo e o espaço do lugar, caso contrário, a experiência, o uso, volta. Uso esse que nos remete ao conceito de tática de Michel de Certeau (1994), “[...] a tática é a arte do fraco [...] é astúcia” (p. 101) (LINS; ALTHEMAN, 2018, p. 32).

Os espaços culturais então são consolidados e mantidos por grandes

empresas, como a Vale, Gerdau, Tim e Banco do Brasil, e assim estas lançam mão

Page 152: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

150

de uma estratégia bastante presente em todo o mundo: o marketing cultural. Essas

empresas, então, associam suas marcas à cultura enobrecida e esta (re)enobrece

suas marcas já consolidadas. Suas “estampas”, sua marcas, estão logo na entrada,

como também estão nas narrativas.

Esse tipo de parceria, embora viabilize tais espaços, fazem-no “entregando” a

curadoria museológica a instituições privadas e, dessa forma, também privatizam as

narrativas que ali se estabelecem - esta é uma das críticas que se faz do Circuito,

além de o fato de ele concentrar-se num lugar já valorizado e próximo de bairros

residenciais de pessoas das classes mais altas que já tinham bastante acesso a

bens culturais e poderiam acessar espaços museológicos ainda que estes não

fossem ali concentrados. Em uma dessas críticas, Bahia (2006) indaga: A análise expressa no plano do Circuito Cultural da Praça datado de 03 de março de 2005 é clara: os edifícios históricos que compõem o conjunto da Praça não tem sido visitados, o acesso deve ser universal e portanto novos usos devem ser definidos. Aqui nos perguntamos se o único uso legítimo do monumento pela população é a visita ao seu interior. Com relação ao uso, que em sua maioria já existe em instituições consolidadas tais como a Biblioteca Pública Municipal, o Arquivo Público Mineiro e o Museu Mineiro, não seria mais produtivo e menos traumático para as edificações históricas reforçar as instituições existentes? Não seria melhor direcionar recursos para a recuperação de edificações históricas e de áreas urbanas que se encontram degradadas no centro da cidade e que não é o caso do prédio da Secretaria da Fazenda e da Educação? (BAHIA, 2006, s.p.).

Outro ponto muito criticado foi o gasto exorbitante despendido na construção

da Cidade Administrativa - tido por alguns críticos como desnecessário - e o

afastamento desta do “alcance” do cidadão comum. Assim, as manifestações

políticas na praça alteram-se e o aspecto público das instituições de governo é

esvaziado. O arquiteto e professor da UFMG José Eduardo Ferolla critica a proposta

nesse sentido: A equipe atualmente na casa cismou que estes prédios não lhe servem mais, e alegando que "Minas" necessita de um novo centro administrativo, ordenou este, e outros despejos. Estranha também a justificativa, de que o governo está gastando demais com aluguéis. Primeiro, porque estes prédios não são alugados; segundo, porque locação, hoje, é mais negócio que imobilizar nosso escasso capital, ainda mais para cadeira, mesa, telefone e computador, resumindo, burocracia. Tão incerta economia exige mobilidade: ficou pequeno? Grande? Caro? simples, a gente muda. [...] É desejável democratizar o uso daqueles espaços, dá pena ver tanta beleza exclusiva do funcionalismo público, mas, saindo este, usar e ocupar ali, com o quê? na praça mais importante da cidade, espaços tão nobres, isentos de IPTU... Excelente negócio, não vão faltar interessados, mas o que melhor seria para a Praça, para a cidade? [...] Digamos que se justifique este gigantesco centro cultural, e haja cultura para ocupá-lo, [...] será mesmo necessário que já se desocupem os prédios? E, comprovada esta hipótese,

Page 153: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

151

precisaremos mesmo construir um novo centro administrativo? [...] estando Minas encalhada numa anomia política, econômica e cultural, se justifique criar "um novo marco", uma nova abstração que, num passe de mágica, a todos se nos recupere o brio. [...] Será que não nos basta a Liberdade? (FEROLLA, 2004, s.p.).

Há ainda a questão das intervenções arquitetônicas que ocorreram nas

edificações históricas que também foram alvo de polêmicas e críticas, dentre elas a

dos arquitetos e de Bendito Oliveira que discute a questão de patrimonialização

versus memória: Nas propostas de revitalização das antigas edificações da Praça da Liberdade, existem sérios questionamentos relativos aos usos e programas que estão sendo implantados e à forma autoritária de condução do processo, que está mutilando o patrimônio e inviabilizando a conservação integral da Praça. As intervenções propostas [...] não visam restaurá-las, mas sim descaracterizam-nas, na medida em que não respeitam seus espaços internos e suas volumetrias, suas intenções plásticas e seus ornamentos, os sistemas construtivos e os materiais originais dessas edificações (OLIVEIRA, 2009, p. 5).

Ferolla (2004) parecia já prever que poucos anos depois a Praça da

Liberdade precisaria de nova reforma, quando alerta para o fato de que esses novos

usos trazidos para o Circuito poderiam então degradar a praça: [...] a repercussão destes novos usos não afetará apenas as edificações. A Praça da Liberdade não está morta, ou degradada. Espaço urbano dia e noite, usado com grande vitalidade, é um frágil "ecossistema" já saturado, que não comporta maior afluência. Secretarias de Estado atraem público infinitamente menor do que centros culturais e comerciais (aqueles, hoje, não sobrevivem sem estes), e o sucesso de empreendimentos deste tipo, se já exige muito cuidado para não comprometer os prédios, poderá destruir a praça (FEROLLA, 2004, s.p.).

Atualmente a Praça da Liberdade está novamente fechada para reforma e

vazia (figura 2-28), e, tal qual a dos anos 1990, fora precedida pelo fechamento por

tapumes. Só que, dessa vez, esse fechamento foi sendo feito gradualmente e os

tapumes foram intercalados com espaços “telados”, de forma que a população

possa acompanhar a execução do projeto. A obra, cuja entrega está prevista para

novembro deste ano, irá reestruturar o paisagismo, mobiliário e iluminação da praça,

mas não pretende alterar praticamente nada do projeto. Um fato interessante foi a

concessão por meio de edital da utilização dos tapumes (externamente) como

espaços para a arte do grafite (figura 2-29) e divulgados como “galeria de arte” a céu

aberto.

Page 154: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

152

FIGURA 2-28: A Praça da Liberdade “vazia”, de novo em obras - 2018

Fonte: acervo pessoal (2018)

FIGURA 2-32: Reforma da Praça da Liberdade (2018) e o grafite

Fonte: O TEMPO (2018, editada pelo autor)90

Assim, hoje se tem o Circuito aberto e a Praça fechada. Aguardemos que

esse espaço, cercado de grafites, seja novamente “devolvido” à sociedade e, quem

sabe um dia, veremos maior diversidade em seus espaços. 90 Disponível em: <https://www.otempo.com.br/cidades/obras-da-pra%C3%A7a-da-liberdade-ganham-as-cores-do-grafite-1.2003905>. Acesso em 25 Jul. 2018.

Page 155: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

153

2.7. Considerações Finais

Este artigo propôs-se a resgatar conceitos e abordagens sobre espaço, lugar

e território, discutir a noção de res publica e as relações e tensões entre o “público” e

“privado” na sociedade contemporânea, assim como contextualizar e esclarecer

conceitualmente os processos que transformam os espaços públicos urbanos das

cidades. Analisou os processos de gênese, transformação e apropriação de dois

espaços públicos notórios da cidade de Belo Horizonte ao longo de um pouco mais

de um século: as Praças da Estação e da Liberdade, trazendo à tona as discussões

recentes sobre os processos de intervenção contemporânea realizados a partir de

parcerias público-privadas..

Percebeu-se que as Praças da Liberdade e da Estação, como espaços

públicos notórios e simbólicos que são, funcionam também como lugares de

memória – conceito este que, segundo o historiador francês Pierre Nora, determina

os locais ou suportes de registro histórico-documental que remetem a uma

lembrança de um fato passado. Contudo, ele destaca a necessidade de que o lugar

tenha uma aura simbólica, para que seja considerado um lugar de memória e alerta

para o fato de que isto não acontece de forma espontânea:

[...]os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais (NORA, 1993, p. 10).

No que concerne à memória, merece rememorar alguns aspectos

considerados “propulsores” das intervenções urbanas contemporâneas, sobretudo

aqueles que, tal como no caso das praças que foram objeto deste trabalho, possuem

notadamente valor histórico e simbólico.

A partir dos anos 1960, a crítica à cidade e à arquitetura modernistas começa

a surgir, ganhando mais força nos anos de 1970 e 1980. Sua crítica era, sobretudo,

em relação à austeridade e à desconsideração da escala humana na maioria das

propostas modernistas. Essas críticas expressavam-se também fisicamente em uma

série de novas propostas arquitetônicas, que, genericamente, foram denominadas

de pós-modernismo. Em geral, eram provocadoras, evocavam a reflexão sobre o

papel da história na arquitetura, experimentavam a utilização da cultura popular

como linguagem da arquitetura vernacular e buscavam a retomada da escala

humana em seus projetos.

Page 156: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

154

A partir dos anos 1980, intervenções urbanas mediadas por parcerias público-

privadas dão-se em um contexto internacional em franca expansão inaugurando a

concepção de que a cultura e o espaço urbano podem ser vistos como produtos de

consumo, potencializadores de atratividade turística e de desenvolvimento

econômico. Essas intervenções urbanas contemporâneas (executadas ou em

curso), no Brasil, seguira, em maior ou menor grau uma tendência internacional, que

consolidou-se fortemente a partir dos anos 1990, e cuja preocupação residia na

afirmação das identidades, simbolismos e experiências socioculturais das regiões

centrais nas grandes cidades. Na capital mineira, esses projetos começaram a ser

concretizados na década seguinte, época esta na qual o Brasil gozava de certo vigor

econômico, assim como grandes obras públicas e privadas estavam sendo

executadas, sobretudo nas maiores capitais, num país “à espera” da Copa do

Mundo de Futebol de 2014.

Pôde-se perceber, ainda, nos processos de patrimonialização praticados na

cidade de Belo Horizonte, a preocupação acerca do processo de esvaziamento e

degradação do seu Hipercentro que começou nos anos de 1980 e que, de certa

forma, impulsionou ações do poder público e da diversos setores da sociedade em

direções nem sempre convergentes, tampouco isentas de conflitos, mas que, de

certa forma, possibilitaram, a partir daquela década, processos de preservação e

conservação do patrimônio, de valorização dos espaços simbólicos e da cultura na

capital mineira, numa resposta à associação da imagem do Hipercentro como

espaço em deterioração e gradativa perda de importância simbólica e social.

Na Praça da Liberdade e em seu entorno, tal processo de desvalorização e

perda de vitalidade, todavia, não ocorreu, visto que ali, apesar da ocorrência de

tombamentos, intervenções e restaurações ao longo do tempo, estas parecem ter

emanado da preocupação apenas com o espaço deteriorado ou desfigurado pelas

intervenções anteriores.

As intervenções nas Praças da Liberdade e da Estação convergem no que diz

respeito aos processos de patrimonialização (JEUDY, 2005), que possibilitam a

conservação de símbolos e signos culturais, paisagens, festas e até mesmo um

prato típico e nos quais a valorização do capital simbólico é nitidamente transposta

para o espaço público da praça ou mesmo para as edificações, onde "as memórias

Page 157: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

155

são 'colocadas em exposição' para que o reconhecimento de sua singularidade seja

igualmente assegurado, o testemunho tem que ser exemplar" (JEUDY, 2005, p. 26).

Ao trazer à tona as premissas e perspectivas urbanistas que perpassaram a

proposição da cidade planejada de Belo Horizonte e seus espaços públicos, assim

como percorrer os processos histórico-sociais que transformaram a cidade e os

espaços públicos, conformados pelas Praças da Estação e da Liberdade, objetivou-

se demonstrar que as práticas socioespaciais observadas no espaço público não

podem ser analisadas fora de seu contexto, quer seja histórico, político, econômico

ou social. Os conceitos e contextos aqui apresentados pretendem subsidiar

possíveis análises sobre estes e outros espaços públicos urbanos, assim como a

reflexão acerca da necessidade de envolver o cidadão nas esferas decisórias que

promovem a transformação física e simbólica dos espaços urbanos.

O capital privado, percebe-se, é cada vez mais tido pelo Estado como capaz

de solucionar a falta de recursos públicos para a implementação de grandes projetos

urbanos e estas têm se mostrado estratégicas para alavancar o turismo e promover

as cidades, o chamado city marketing. Todavia, merece destacar que a ênfase dada

aos diagnósticos de “especialistas” ao patrimônio e memória subsidia discursos

oficiais que parecem “validar” tais processos, mas escondem a falta de uma gestão

participativa do espaço público urbano.

Parece justo que, ao se intervir no espaço público nas cidades

contemporâneas, os conceitos e processos envolvidos nas intervenções urbanas

contemporâneas estejam claros e que os processos histórico-sociais que deram

origem a esses espaços e os transformaram sejam levados em conta. Da mesma

forma, importa observar quais são as práticas socioespaciais dinamizadas nos

espaços nas quais se pretende intervir no contexto atual.

A forma como as cidades e os espaço públicos são tratados no Brasil por boa

parte das de intervenções urbanas atuais já consolidadas (ou em curso) as quais se

estabeleceram, sobretudo, a partir de parcerias público-privadas, transforma-os em

mercadoria. Na cidade de Belo Horizonte, as Praças da Estação e da Liberdade não

fogem a esta tendência, privilegiando projetos e concessões à iniciativa privada que

se apropria se não diretamente das praças, o faz em seu entorno e, desta forma,

“ditam” de certa forma a programação de utilização destes espaços e tendem a

segmentar o público frequentador.

Page 158: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

156

O Estado e as empresas envolvidas em intervenções e requalificações

urbanas geralmente dão publicidade apenas aos aspectos benéficos: as melhorias

de infraestrutura, a implementação de equipamentos culturais, comércios e serviços

(não raramente “elitizados”) e assim “vendem” a ideia de requalificação dos espaços

públicos como processos indiscutivelmente benéficos. Tais transformações, que

parecem favorecer cada vez mais a apropriação destes por uma minoria (a elite)

possuidora de recursos e interesses para o consumo dos bens culturais ofertados,

distanciam-se, assim, da noção de res publica apresentada no referencial teórico

deste capítulo.

Da mesma forma o Poder Local (municipal ou estadual), ao não valorizar a

gestão participativa dos processos decisórios que promoveram as intervenções

urbanas recentes nos espaços públicos em questão, aponta uma gestão pública na

direção oposta aos preceitos cidadania deliberativa habermasiana, os quais são

também caros para consideramos esta como uma gestão alinhada à gestão social e

desenvolvimento local conforme o entendimento de Fischer (2002), Tenório (2004;

2008) e França Filho (2008) trazidos neste trabalho.

Para se analisar de forma mais abrangente os processos de intervenção

urbana implementadas (e em curso) nos espaços públicos conformados pelas

Praças da Estação e da Liberdade, nota-se o estudo de caso aqui proposto

apresenta-se limitado, sobretudo pelo seu caráter predominantemente teórico.

Ainda assim, ao resgatar os processos histórico-sociais que originaram e

transformaram estas praças ao longo e “tomar de empréstimo” outras “falas” (artigos,

documentos, notícias) e pesquisas acadêmicas já realizadas sobre a temática e

espaços aqui tratados, entende-se que parte do caminho fora trilhado com sucesso

e, mesmo que a pesquisa bibliográfica e as análises documentais trazidas à tona

neste artigo tenham se mostrado, na visão deste autor, insuficientes para

conclusões mais assertivas sobre os espaços estudados; por outro lado, parecem-

lhe bastante relevantes para subsidiar outra importante fase de um estudo de caso

que se pretenda mais completo: a pesquisa de campo.

Page 159: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

157

REFERÊNCIAS

ANDRÉS, Roberto. Prefeitura de Belo Horizonte inaugura Barreira de Proteção ao Patrimônio na Praça da Estação. Minha Cidade. Vitruvius, São Paulo, ano 10, n. 119.03, , jun., 2010. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.119/3461>. Acesso em: 08 jun. 2018.

ARENDT, H.. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

ARREGUY, C. A. C.; RIBEIRO, R. R.. Histórias de bairros [de] Belo Horizonte: Regional Centro-Sul. Belo Horizonte. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, 2008. Disponível em: <http://www.pbh.gov.br/historia_bairros/CentroSulCompleto.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2017.

ARROYO, Michele Abreu. Reabilitação Urbana Integrada e a Centralidade da Praça da Estação. XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA CAMPINAS, UNICAMP, São Paulo, 2004.

BAHIA LOPES, Myriam. Liberdade, testemunho e valor. A praça da Liberdade em Belo Horizonte. Minha Cidade, Vitruvius. São Paulo, ano 07, n. 076.01, nov., 2006. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/07.076/1936>. Acesso em: 16 abr. 2018.

BERQUÓ, P. B.. A Ocupação e a Produção de Espaços Biopotentes em Belo Horizonte: entre rastros e emergências. Dissertação (Mestrado). Núcleo de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015.

CALDEIRA, Junia Marques et al. A Praça Brasileira: trajetória de um espaço urbano-origem e modernidade. Tese (Doutorado). Campinas, Unicamp, 2007. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280677>. Acesso em: 16 fev. 2018.

CALDEIRA, Júnia Marques. Praça: território de sociabilidade. Uma leitura sobre o processo de restauração da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado_. Campinas, Unicamp, 1998. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279797/1/Caldeira_JuniaMarques_M.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2018.

CAMPOS, Luiz Fernandro. Análise sobre informações trocadas no Duelo de MCs aponta para a criação de discurso contra-hegemônico. UFMG, Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/031437.shtml>. Acesso em: 08 jun. 2018.

CARRIERI, Alexandre de Pádua; SARAIVA, Luiz Alex Silva; PIMENTEL, Thiago Duarte. A institucionalização da feira hippie de Belo Horizonte. Organizações & Sociedade, v. 15, n. 44, p. 63-79, 2008.

Page 160: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

158

CARTA DE ATENAS. Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, 1933. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226>. Acesso em: 15 mai. 2018.

CARTA DE LISBOA. Carta de reabilitação urbana integrada. 1995. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226>. Acesso em: 15 mai. 2018.

CARTA DO RESTAURO. Carta de restauro. 1972. Disponível em:< http://portal. iphan. gov. br/uploads/ckfinder/arquivos. Carta% 20do% 20Restauro Acesso em: 15 mai. 2018.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano I: as artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

CONJUNTO VAZIO. A Tradição Praieira Insurgente de Belo Horizonte. Praça Livre, Belo Horizonte, 2011. Disponível em: <https://pracalivrebh.wordpress.com/category/praia-da-estacao/>. Acesso em: 10 nov., 2017.

DE ANDRADE, Carlos Drummond. Amar se aprende amando: poesia de convívio e de humor. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 1985.

DE MELLO, João Baptista Ferreira. Valores em Geografia e o dinamismo do mundo vivido na obra de Anne Buttimer. Espaço e Cultura, n. 19-20, p. 33-39, 2012.

DE VASCONCELLOS, Lélia Mendes; DE MELLO, Maria Cristina Fernandes. Terminologias em busca de uma identidade. Revista de Urbanismo e Arquitetura, v. 6, n. 1, 2008. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/rua/article/view/3232/2350>. Acesso em: 10 mai. 2018.

ESTADO DE MINAS. Conheça a história dos quatro cantos da Praça Sete. 2012. Disponível em: < https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/07/21/interna_gerais,307333/conheca-a-historia-dos-quatro-cantos-da-praca-sete.shtml>. Acesso em: 15 jun. 2018.

FERNANDES, Patrícia Capanema Alvares. Transcendências da forma: o projeto, o induzido e o espontâneo em Belo Horizonte. Anais do XVII ENANPUR. 2017. Disponível em: <http://anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais/ST_Sessoes_Tematicas/ST%207/ST%207.2/ST%207.2-04.pdf>. Acesso em: 08 mai. 2018

FEROLLA, José Eduardo. Usos, abusos & desusos da Liberdade. Minha Cidade, Vitruvius. São Paulo, ano 04, n. 043.01, fev., 2004. Disponível em: <http://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/04.043/2024>. Acesso em: 16 abr. 2018.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Definido Gestão Social. In: SILVA JR, J. T.; MÂISH, R. T.; CANÇADO, A. C. Gestão Social: Práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008.

Page 161: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

159

GARCIA, L., H. A; RODRIGUES, R. L.. O tempo, a carne e a pedra, reflexões sobre o patrimônio em Belo Horizonte. In: SILVA, Regina H. A; ZIVIANI, Paula (org.). Cidade e Cultura: rebatimentos no espaço público. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

GIFFONI, I. A. et al. Belo Horizonte: da cidade planejada ao planejamento da cidade: turismo na Praça da Estação. Dissertação (Mestrado). Universidade do Vale do Itajaí. Balneário Camboriú, 2010. Disponível em: <https://siaiap39.univali.br/repositorio/handle/repositorio/1358>. Acesso em: 04 jul. 2017.

GOMES, P.C.C.. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.

GUATTARI, Félix. Espaço e poder: a criação de territórios na cidade. Espaço & Debates. São Paulo, n. 16, 1985.

HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003

HOFFMAN, F. E. Museums and urban revitalization: Museu de Artes e Ofícios and Praça da Estação in Belo Horizonte. Cadernos Metrópole, v. 16, n. 32, p. 537-563, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2236-99962014000200537&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 06 jun. 2017.

HOLZER, Werther. A Geografia Humanista: uma revisão. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, n. 3, p. 8-19, 1996. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/viewFile/6707/4783>. Acesso em: 26 set. 2017.

IEPHA. Patrimônio Cultural Protegido, 2018. Disponível em: http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido>. Acesso em: 08 jun. 2018.

______. Praça da Liberdade, 2018. Disponível em: <http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens-tombados/details/1/86/bens-tombados-pra%C3%A7a-da-liberdade>.. Acesso em: 08 jun. 2018.

______. Conjunto paisagístico e arquitetônico da Praça Rui Barbosa (Praça da Estação), 2018. Disponível em: <http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens-tombados/details/1/85/bens-tombados-conjunto-paisag%C3%ADstico-e-arquitet%C3%B4nico-da-pra%C3%A7a-rui-barbosa-pra%C3%A7a-da-esta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 08 jun. 2018.

JAYME, J. G.; TREVISAN, E. Intervenções urbanas, usos e ocupações de espaços na região central de Belo Horizonte. Citivias: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 359-377, mai./ago., 2012. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/742/74223598008.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2017.

JEUDY, H.. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.

LANNA, Ricardo. Conjunto Urbanístico da Praça da Liberdade e Avenida João Pinheiro: Uma Proposta de Intervenção. PBH, Regional Centro-SUL, Belo Horizonte, 1990.

Page 162: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

160

LAVILLE, J.J.; Ação Pública e Economia: Um Quadro de análise. In: FRANÇA FILHO, Genauto; LAVILLE, J.J.; MEDEIROS, Alzira; MAGNEN, J. P.(orgs.). Ação Pública e Economia Solidária: uma perspectiva internacional. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2006. 326. p.21-37.

LEMOS, C. B.. Antigas e novas centralidades: a experiência da cultura do consumo no centro tradicional de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Editora da Escola de Arquitetura da UFMG, 2010.

LINS, Leticia Alves; ALTHEMAN, Francine. As estratégias do Circuito Cultural Liberdade e as táticas dos públicos: acontecimentos, atravessamentos e resistência. Belo Horizonte, 2018: Revista Mediação, v. 20, n. 26. Disponível em: <http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/6077>. Acesso em: 08 jun. 2018.

LOPES, Filipe Mario. Reabilitação Urbana em Lisboa. Sociedade e Território. Porto, n. 14-15, p. 73-78, 1991.

LOPES, Jecson Girão. As especificidades de análise do espaço, lugar, paisagem e território na geográfica. Geografia ensino & pesquisa, v. 16, n. 2, p. 23-30, 2012. Disponível em:< https://periodicos.ufsm.br/geografia/article/view/7332>. Acesso em: 10 ago. 2017.

MARX, M. Cidade Brasileira. São Paulo: Melhoramentos; EDUSP, 1980.

MELO, Thalita Motta; ROCHA, Maurilio Andrade. Praia da Estação: carnavalização e performatividade. Belo Horizonte: Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes. Belo Horizonte, 2014.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

MIRANDA, A. S.. A gênese da preservação do patrimônio municipal de Belo Horizonte: movimentos sociais e a defesa da Praça da Estação. Dissertação (Mestrado). Núcleo de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007.

MORO, D. A. A.. As áreas vedes e seu papel na ecologia urbana e no clima urbano. Separata da Rev. Maringá, v.1, p. 15-20, 1976.

NAME, L.. O conceito de paisagem na geografia e sua relação com o conceito de cultura. Geotextos, v. 6, dez., 2010. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/geotextos/article/view/4835/3584>. Acesso em: 09 out. 2017.

NASCIMENTO, ALEXANDRA. Notas sobre memória, identidade e patrimônio na gestão contemporânea: o programa “Centro Vivo” no Hipercentro de Belo Horizonte. In: CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. 2013. Disponível em: <http://www.aninter.com.br/ANAIS%20II%20Coninter/artigos/603.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018.

NORA, P. et al. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, v. 10, 1993.

Page 163: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

161

Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/12101/8763>. Acesso em: 05 ago. 2017.

OLIVEIRA, B T. Circuito Cultural da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, MG: Um desrespeito a um “Monumento Nacional”, 2009. Disponível em: < https://vdocuments.site/circuito-cult-p-liber-desrespeito.html>. Acesso em: 08 jun. 2018.

PANERAI, Philippe; CASTEX, Jean; DEPAULE, Jean-Charles. Formas urbanas: a dissolução da quadra. Porto Alegre: Bookman, 2013.

PBH/PRÁXIS. Plano de Reabilitação do Hipercentro de Belo Horizonte, 2007. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/politica-urbana/2018/planejamento-urbano/publicacaoes_plano_reabilita%C3%A7%C3%A3o_hipercentro_bh.pdf> Acesso em: 10 mai. 2018.

PEREIRA, Alvaro Luís dos Santos. Intervenções em centros urbanos e conflitos distributivos: modelos regulatórios, circuitos de valorização e estratégias discursivas. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo. 2015. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-19052016-111952/en.php>. Acesso em: 10 mai. 2018.

PINTO, Luis Oliveira; RUIVO, Luis Miguel. Alfama e Colina do Castelo. Tipos de Intervenção. Anais I ENCONTRO LUSO-BRASILEIRO DE REABILITAÇÃO URBANA: CENTROS HISTÓRICOS. Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1995.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Adote o Verde. 2018. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/meio-ambiente/adote-o-verde>. Acesso em: 20 jul. 2018.

ROBBA, F.; MACEDO, S. S.. Praças brasileiras. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.

ROLNIK, Raquel. “História Urbana: História na Cidade?”. In: FERNANDES, A.; GOMES. M. A. de F.. Cidade e História. Modernização das Cidades Brasileiras nos Séculos XIX e XX. Salvador: Faculdade de Arquitetura, UFBA, ANPUR, 1992.

SANTOS, M.. A natureza do espaço – técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2006.

SILVA, R. H. A; ZIVIANI, P.. Cidade e Cultura: rebatimentos no espaço público. Belo Horizonte: Autêntica, 2016ANDRÉS, Roberto. Prefeitura de Belo Horizonte inaugura Barreira de Proteção ao Patrimônio na Praça da Estação. Minha Cidade. Vitruvius, São Paulo, ano 10, n. 119.03, , jun., 2010. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.119/3461>. Acesso em: 08 jun. 2018.

TENÓRIO, Fernando Guilherme. Um espectro ronda o terceiro setor; o espectro do mercado: ensaios de gestão social. 2.ed. rev. Ijuí (RS): Ed. Unijuí, 2004.

Page 164: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

162

TENÓRIO, Fernando Guilherme et al. Critérios para a avaliação de processos decisórios participativos deliberativos na implementação de políticas públicas. Encontro de Administração Pública e Governança, v. 3, 2008.

TREVISAN, E.. Transformação, Ritmo e Pulsação: O Baixo Centro de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012.

VILELA, Nice Marçal. Hipercentro de Belo Horizonte: movimentos e transformações espaciais recentes. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006. Disponível em: <www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/MPBB-6XRKL9>. Acesso em: 19 dez. 2018.

YIN, Robert K.. Estudo de Caso, planejamento e métodos. São Paulo: Bookman, 2001.

ZUKIN, Sharon. Paisagens Urbanas Pós-modernas: mapeando cultura e poder. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 24, p. 204-219, 1996.

Page 165: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

163

3. PRODUTO TÉCNICO – “DERIVAS CARTOGRÁFICAS”

RESUMO

O presente trabalho objetiva propor procedimentos metodológicos alternativos para a pesquisa de campo em espaços públicos com o uso de novas tecnologias com base nas proposições de teóricos situacionistas e suas experiências das derivas. Estabelece para tal intento um estudo de caso “piloto”, empírico e experiencial. Estes procedimentos foram então construídos, testados e analisados a partir de sua aplicação na pesquisa de campo que tem como objeto de estudo o espaço público conformado pela Praça da Liberdade (e seu entorno imediato), localizada na região Centro-Sul da cidade de Belo Horizonte/MG. É parte integrante da dissertação “Entre a Ágora e a Acrópole: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte/MG) – um estudo de caso sobre as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos”, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

Palavras-chave: Deriva. Espaço público. Situacionismo. Praças. Pesquisa de campo.

Abstract:

The present work aims, starting from an empirical case study of experiential character with established from theoretical reflections on the experiences of the drift proposed by the Situationists still in the 1960s and from his ethnographic look to propose the application of methodological procedures in the field research in public spaces from the use of new technologies and collaborative digital mapping. These procedures were tested and analyzed based on their application in the field research that has as object of study the public space conformed by Praça da Liberdade (and nearly surroundings), located in the Center-South region of the city of Belo Horizonte / MG. It is part of the dissertation "Between the Agora and the Acropolis: Praças da Liberdade e da Estação (Belo Horizonte / MG) - a case study on socio-spatial practices established in public spaces", of the Graduate Program in Social Management, Education and Local Development of UNA University Center.

Keywords: Drift. Public place. Situationism. Squares. Field research.

3.1. Introdução

O produto técnico aqui apresentado objetiva, a partir de um estudo de caso de

caráter empírico e experiencial que tem como objeto o espaço público conformado

pela Praça da Liberdade e seu entorno imediato - tido por diversos pesquisadores

com um espaço público notório na cidade de Belo Horizonte, propor diretrizes e

procedimentos metodológicos com vistas a subsidiar pesquisas de campo análogas,

lançando mão de procedimentos metodológicos específicos e do auxílio de novas

tecnologias para cartografar o espaço urbano “dinâmico” sob um olhar etnográfico.

Page 166: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

164

O estudo de caso aqui realizado vale-se então de uma perspectiva alternativa

para a coleta de dados dinâmicos, ressaltando-se que a pesquisa de campo aqui é

vista como uma das etapas das metodologias de investigação científica sendo um

dos vários procedimentos possíveis para coleta de dados e por meio da qual os

procedimentos aqui propostos puderam ser colocados em prática e à prova. Assim,

tais procedimentos foram aplicados neste trabalho como forma de experimentá-los

como meio de coleta e armazenamento de dados oriundos da observação direta

simples, cuja diferenciação em relação aos processos tradicionais de cartografia se

dá em razão de uma combinação de estratégias, entre as quais:

Partir de uma base teórica experiencial, alicerçada na cartografia

errante (deriva situacionista);

Utilizar-se de múltiplos aparatos tecnológicos para a coleta de dados

simultâneos e dinâmicos e “liberta” o observador-pesquisador para que

a sua observação possa ser amplificada.

Fazer uso de mapeamento online colaborativo para o armazenamento,

compartilhamento e publicação dos dados coletados.

Como resultado do estudo de caso, objetivou-se:

analisar a pertinência e praticidade dos procedimentos

experimentados na coleta de dados em campo e nas etapas de

análise, tratamento e compartilhamento dos dados coletados;

elaborar de diretrizes (em forma de roteiro) que possam ser utilizadas

por docentes de cursos de arquitetura e urbanismo na proposição de

“derivas cartográficas” como opção para pesquisas de campo.

3.2. Referencial teórico

3.2.1. A deriva como gênese da pesquisa de campo experiencial

A deriva pode ser descrita mais como uma estratégia de abordagem do

espaço urbano do que como uma técnica, abordagem esta proposta inicialmente

pelos situacionistas já em meados da década de 1950, com origens na crítica ao

surrealismo e ao funcionalismo modernista. Em seu artigo, Breve Histórico da

Internacional Situacionista – IS, Jacques (2003) destaca Guy-Ernest Debord (escritor

Page 167: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

165

cuja obra apontava nítida influência marxista) como um dos principais nomes desse

grupo, o fundador da IS, juntamente com Jacques Fillon, os quais comentam a

técnica da deriva: As grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos de deriva. A deriva é uma técnica do andar sem rumo. Ela se mistura à influência do cenário. [...] O novo urbanismo é inseparável das transformações econômicas e sociais felizmente inevitáveis. É possível se pensar que as reivindicações revolucionárias de uma época correspondem à ideia que essa época tem da felicidade. A valorização dos lazeres não é uma brincadeira. Nós insistimos que é preciso se inventarem novos jogos (DEBORD; FILLON, 1954 apud JAQUES, 2003).

Em entrevista concedida para Kristen Ross, Lefebvre (1983), que não só era

contemporâneo dos situacionistas, como com eles dialogava e possuía ideias

bastante convergentes, comenta sobre a experiência da deriva: [...] A experiência consistia em interpretar aspectos diferentes ou fragmentos da cidade simultaneamente, fragmentos que só podem ser vistos sucessivamente, da mesma forma que existem pessoas que nunca viram certas partes da cidade (LEFEBVRE, 1983, s.p.).

Silva et al. (2008), pesquisadores da área da Comunicação Social da UFMG,

relatam em seu artigo a experiência da utilização da técnica da deriva cartográfica,

cujas bases apoiam-se na deriva situacionista, que foi utilizada no Hipercentro de

Belo Horizonte. Sobre os instrumentos utilizados para a coleta de informações, eles

citam as gravações em áudio e vídeo durante a deriva, complementados por

pesquisa em arquivos e na Internet. Muito embora esses autores tenham feito

alertas acerca das limitações e “traduções” impostas por esses aparelhos técnicos -

ainda que operados pelo pesquisador - a equipe de pesquisa justifica sua utilização

pela eficiência prática: O resultado é uma maior variedade de materiais sonoros e visuais, mais condizentes com a diversidade de usos e apropriações de um espaço como o Hipercentro. Tais procedimentos também parecem mostrar, de forma mais adequada e simples, o caráter fragmentário e relativo dos registros técnicos (SILVA et al., 2008, p. 6, grifo nosso).

Apesar de denominarem a técnica utilizada de deriva cartográfica, Silva et al.

(2008) propõem-se a um registro de cunho mais narrativo que descritivo no que

denominaram “mapas narrativos” na busca da experimentação de ambiências

urbanas, as quais remeteriam à ideia situacionista: As ambiências abrigam as situações que são interações entre sujeitos, nas quais a comunicação acontece. As interações podem se dar em copresença ou com marcas deixadas pelos sujeitos nos diferentes momentos. Cabe aqui uma aproximação com a ideia situacionista, não no sentido de revolucionar o cotidiano, mas na perspectiva de explorar possibilidades dos lugares (SILVA et al., 2008, p. 11).

Page 168: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

166

Outro aspecto que merece destaque no trabalho dessa equipe foi o fato de

que a metodologia de campo utilizada coloca o observador como sujeito e objeto da

própria observação, o que parece ser muito mais uma vantagem que uma negação à

figura do pesquisador observador: Em vez de observar os fenômenos sociais por si, busca-se perceber de que forma estes constroem significados para os habitantes – passantes e ficantes91 – da cidade. O pesquisador não se exclui do conjunto, participando também desses processos. Essa postura possibilitou uma imersão na experiência de uma cidade viva. As relações entre as pessoas no espaço urbano, bem como a ocupação da cidade e os usos e apropriações das ruas, quarteirões, etc. são interessantes como os meios pelos quais os habitantes de uma cidade vivenciam-na, atribuindo sentidos múltiplos a essa vivência (SILVA et al., 2008, p. 3, grifo nosso).

No presente trabalho, utiliza-se como base a experiência da deriva na

pesquisa de Silva et al. (2008) como referência para a pesquisa de campo, de

caráter exploratório, de forma que esta objetiva um “mapeamento dos sentidos e da

diversidade”, cuja coleta de informações fez-se de forma similar à daquela pesquisa

(áudio, vídeo e imagens) na busca de sintetizar as representações do espaço que se

dão de forma “polifônica” e, por vezes, caótica, típica dos espaços coletivos, onde, a

partir da observação, pretende-se que o pesquisador, além de espectador, através

da observação direta simples, imersiva, torne-se parte do objeto analisado.

Pretende-se, portanto, uma abordagem da deriva situacionista sob uma

perspectiva etnográfica, na qual o observador busca, mais do que as identidades

dos sujeitos urbanos, ser afetado por eles. Na etnografia, a teoria e a prática

mostram-se inseparáveis: mais que uma metodologia per si, entende-se aqui a

etnografia como uma prática que, em campo, será perpassada de forma recorrente

pela teoria - a “teoria vivida” - ideia esta defendida por Peirano (2008, p. 3), quando

destaca que “[...] no fazer etnográfico, a teoria está, assim, de maneira óbvia, em

ação, emaranhada nas evidências empíricas e nos nossos dados”.

Ao se tomarem “emprestadas” as bases do método etnográfico para aplicá-lo

na área do urbanismo, objetiva-se a prática da deriva através do que é conhecido

também como urbanismo errante – o qual será aplicado com vistas à compreensão

do outro (sujeito urbano) que se quer apreender e compreender.

91 Apesar de achar estranhos os termos destacados, para fins deste trabalho, considera-se como “passantes” aquelas pessoas que utilizam o espaço como lugar de passagem e “ficantes” as que nele permanecem por mais tempo, quer seja para lazer, contemplação, descanso, práticas esportivas ou até mesmo permanências mais longas, como é o caso das pessoas em situação de rua.

Page 169: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

167

Parte-se da proposta de que a deriva aqui não deve ser tratada de forma isolada das demais técnicas que serão utilizadas, pelo contrário, é apenas uma forma de olhar mais de perto – e de dentro - o outro, num mergulho mais prolongado e profundo para um “acercamento” como propõe Magnani (2002,

p.17), para quem “o método etnográfico não se confunde nem se reduz a uma

técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme as circunstâncias de cada

pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e apreensão do que um conjunto de

procedimentos”.

Ao adotar a técnica do urbanismo errante, pretende-se “escutar” o urbano e

registrá-lo por meio de diversos métodos de coleta de dados, dentre as quais:

anotações, croquis, fotografias sequências, áudio e vídeo. Sua aplicação define-se

por uma observação em movimento “de baixo e de dentro”, a partir da observação in

loco, buscando apreender e compreender o outro (transeunte) a partir da

espontaneidade de suas ações no espaço urbano estudado com o qual ele se

relaciona dinamicamente.

3.3. Metodologia

Para fins de observação do espaço conformado pela Praça da Liberdade e

seu entorno imediato, parte-se da premissa de que as praças são espaços livres, de

uso público, distintos de outros espaços, como parques e jardins públicos. Interessa

observar esse espaço como lugar propício (ou não) à socialização, contemplação e

outros usos diversos, tais quais: descanso, passagem, atividades esportivas –

apenas para citar alguns – a fim de verificar as práticas socioespaciais neles

estabelecidas.

Durante as observações em campo, foi feita a utilização de instrumentos de

registros audiovisuais (áudio, vídeos e fotografias) em conjunto com as bases

cartográficas (plantas) da praça92. A título de se buscar facilitar as anotações para o

registro das atividades observadas na praça, foi proposta uma “tabela de atividades”

(apêndices II e III) com a possibilidade de inclusão de outras categorias não

previstas. Os instrumentos de registro, por sua vez, foram aplicados por razões e

com finalidades ora distintas, ora complementares, conforme descrito a seguir:

92 As bases cartográficas aqui mencionadas serviram, inclusive, como um diário de anotações e observações por parte do pesquisador (observador participante), como sensação de segurança, ruído entre outras.

Page 170: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

168

Registro no “diário”: o observador parado93 em um local de onde

poderia observar as práticas com certa tranquilidade, com facilidade de

fazer anotações no mapa (planta), as quais normalmente eram

complementadas por fotos no momento seguinte ou por alternância

entre as anotações e fotos. Nesse tipo de observação, as anotações

eram predominantes, servindo as imagens somente para ilustrar e

facilitar a “leitura” das suas descrições.

Registro fotográfico: realizado através do caminhar pela praça e em

alguns deslocamentos no entorno destas, alternando-se

deslocamentos e paradas para registro de imagens que retratassem

usos e apropriações dos (e nos) espaços. Estes registros foram feitos

de duas formas: automática (por disparos da câmera pré-

temporizados) e intencional (quando o pesquisador entendia

necessário algum registro específico – em geral, neste caso, o local do

registro era assinalado na base cartográfica para facilitar posterior

identificação).

Registro em vídeo: o observador em movimento, ora segurando a

câmera do celular, ora utilizando-se de uma câmera GoPro® fixa ao

corpo para que pudesse também observar os arredores. Esses

registros alternavam-se com paradas para anotações a cada período

de tempo, variando conforme o local do percurso - geralmente a cada

quarteirão ou um conjunto destes, nos casos em que se considerou

não serem necessárias maiores observações.

Registro em áudio: complementar aos demais, em ocasiões nas quais

as anotações tivessem alguma restrição, sendo útil para abreviar o

tempo despendido em anotações, ou mesmo em situações de

insegurança.

A maioria das observações foi feita com o observador parado ou em

movimento a pé. Todavia, em algumas situações - sobretudo em razão de

segurança -, foram realizadas incursões e observações de dentro de um automóvel,

93 Esse procedimento foi adotado especialmente para observação da praça em si e, nesse caso, o espaço físico foi dividido em subespaços devido à sua grande dimensão.

Page 171: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

169

percorrendo a região da praça. Esse procedimento tornou viável a observação dos

espaços em horários noturnos, ainda que por períodos mais curtos de tempo.

As observações dessas práticas socioespaciais consolidaram-se através de

diversas incursões ao espaço físico da Praça da Liberdade e em seu entorno

imediato, em dias e horários também diversos para que se possibilitasse uma leitura

mais ampla do cotidiano, assim como se fez presente o autor em eventos

específicos para verificar as interações socioespaciais nessas ocasiões. Nessas

visitas, foram utilizadas várias formas de “captura” desses usos e práticas, quais

sejam: fotografias, gravações em áudio e vídeo e anotações, assim como anotações

em bases cartográficas (plantas baixas dos espaços).

Em suma, o presente estudo de caso propôs-se a:

coletar dados através da observação direta simples, imersiva, sendo

utilizados como instrumentos de registro: o diário, composto de uma base

cartográfica (apêndice I), cujo preenchimento utiliza como referências

“categorias de atividades” relacionadas em uma tabela auxiliar (apêndices

II e III), além de gravações em áudio e vídeo e fotografias;

utilizar como unidades de análise: as espacialidades conformadas na (e a

partir da) Praça da Liberdade, assim como as práticas socioespaciais nela

estabelecidas;

analisar as informações coletadas através da descrição do caso, de forma

reflexiva, tratando os dados obtidos na pesquisa de campo conjuntamente

às informações oriundas do estudo de campo exploratório, a fim de verificar

a aplicabilidade e pertinência da metodologia proposta;

fornecer subsídios para a elaboração de diretrizes (em forma de roteiro)

que possam ser utilizadas por docentes de cursos de arquitetura e

urbanismo na proposição de “derivas cartográficas” como opção para

pesquisas de campo.

3.4. Estudo de Caso Experimental: a Praça da Liberdade

A seguir serão apresentados os espaços conformados pela Praça da

Liberdade de forma a fazer uma aproximação gradual “do alto e de fora”, procurando

Page 172: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

170

descrever sua inserção na cidade, sua organização físico-espacial até chegar “de

perto e de dentro”, para apresentação dos dados colhidos a partir da pesquisa de

campo.

3.4.1. Localização, morfologia e articulação com o entorno

A Praça da Liberdade localiza-se na Região Centro-Sul da cidade de Belo

Horizonte/MG tendo ocupação do solo e usos diversificados em seu entorno:

comércios variados, edifícios residências, serviços, instituições de ensino, entre

outros. A praça é delimitada pelas Avenidas Brasil, Bias Fortes, Cristóvão Colombo e

João Pinheiro, além da Rua Gonçalves Dias, sendo estas as principais vias de

acesso, conforme apresenta a imagem (figura 3-1) abaixo:

FIGURA 3-1: Praça da Liberdade: vias de acesso

Fonte: GOOGLE MAPS (2018 , editada pelo autor).

Morfologicamente, a Praça da Liberdade poderia ser considerada uma praça-

rotatória, uma vez que possui circulação de veículos em toda a sua volta. De acordo

com Oliveira (2015, p. 161), uma praça-rotatória “é primordialmente um rotor que

soluciona a confluência de uma ou mais vias”.

Page 173: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

171

Por outro lado, explica que, para se considerar essa definição, deve-se levar

em conta também outras características: “Este tipo de praça, em geral, é ocupada

pela população dos quarteirões vizinhos, muitas vezes, nem chegando a ter

importância como espaço de uso público para o bairro como um todo” (OLIVEIRA,

2015, P. 182). Como exemplo de praça-rotatória na cidade de Belo Horizonte, pode-

se citar a Praça da Bandeira (figura 3-2), localizada no alto da Av. Afonso Pena.

FIGURA 3-2: Praça da Bandeira, Belo Horizonte/MG

Fonte: GOOGLE MAPS (2018).

Assim, a Praça da Liberdade, em razão das suas atribuições e grandes

dimensões, poderia também ser classificada como “praça-quarteirão”. Oliveira (2015) explica que as praças-quarteirão, como o próprio nome sugere, “têm uma

morfologia configurada como um quarteirão; ou seja, com a forma, a princípio,

retangular e com limites bem estabelecidos pelas vias que a circulam” (OLIVEIRA, 2015, p.177). Todavia, a autora não considera como excludentes entre si as duas

classificações supracitadas: Extrapolando a análise, pode-se dizer também que as praças quarteirões podem vir a funcionar como rotores, uma vez que podem ser circuladas por veículos em todos os lados, assim como a praça-rotatória. Mas, uma das diferenças fundamentais é que a praça-quarteirão pode abrigar mais de uma ambiência e diversos tipos de centralidade, enquanto que na praça-rotatória a forma circular valoriza muito o ponto central do desenho (OLIVEIRA, 2015, P. 182).

Outra característica marcante das praças-quarteirão, segundo a autora, é a

forma dos caminhos e disposição dos canteiros nesse tipo de praça. Esta praça

caracteriza-se por ter, nos caminhos e canteiros, a articulação entre espaços de

passagem e espaços de permanência, criando micro espacialidades que podem ser

convenientes para determinados usos e ainda colaboram para a coesão de

Page 174: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

172

determinados elementos construtivos e marcos visuais que, eventualmente, existam.

Auxiliam ainda na consolidação dessas micro espacialidades o arranjo do mobiliário,

a paginação do piso e a disposição de jardins, canteiros e árvores. Assim sendo, as

características da Praça da Liberdade indicam que ela é marcada, sobretudo, por

características mais afins às praças-quarteirão: A Praça da Liberdade poderia ser considerada uma praça-rotatória, mas não o é porque possui dimensões maiores do que as que se encontra comumente em rotores, e ainda carrega grande complexidade no que diz respeito ao número de micro espacialidades, desvencilhando-se da força que o ponto central do rotor estabelece no desenho das praças-rotatórias. O quarteirão que conforma a praça se insere no tecido urbano de maneira a se confundir com o espaço livre da rua sendo quase compreendida como uma continuidade dos passeios. Na medida em que serve de conexão e abriga edifícios históricos significativos, a praça acaba por permitir diversos percursos internos, servindo, inclusive, como atalho para se cruzar, a pé, entre ruas paralelas (OLIVEIRA, 2015, p. 183).

Para além das características simbólicas dessa praça, as quais já foram

tratadas anteriormente neste trabalho, ela caracteriza-se também por estabelecer

certa proximidade com outras importantes praças da região, quais sejam: a Praça

Raul Soares e a Praça Diogo de Vasconcelos (também conhecida como Praça da

Savassi). A imagem a seguir (figura 3-3) ilustra essas conexões, além de outras

praças e áreas de referência próximas à Praça da Liberdade: FIGURA 3-3: Praça da Liberdade (em destaque): articulação com o entorno

Fonte: GOOGLE MAPS (2018 , editada pelo autor).

Page 175: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

173

A praça conecta a Avenida Afonso Pena à área residencial da zona sul da

cidade, sendo seu acesso dado nas proximidades do Parque Municipal,

especialmente pela Avenida João Pinheiro e pela Rua da Bahia, assim como por

esta última (do lado oposto à Avenida João Pinheiro) tem-se acesso a bairros

valorizados como Lourdes, Cidade Jardim e Santo Agostinho. Conforme se pode ser

visto pela imagem acima (figura 3-3), a praça também fica próxima à Região

Hospitalar, a qual pode ser acessada tanto pela Avenida João Pinheiro como pela

Avenida Brasil.

A principal vista da praça, comumente encontrada em cartões postais e fotos

de divulgação, é a que representa a chegada pela Avenida João Pinheiro, onde o

reforço da perspectiva é dado pelas palmeiras imperiais que ladeiam a alameda

central da praça, enquadrando o Palácio da Liberdade.

Essa alameda, apesar de ser um elemento que separa fortemente a praça em

duas metades quando vista do alto, no nível do observador, ela não parece um

elemento de ruptura. Merece destacar que essa alameda hoje é de uso exclusivo de

pedestre, mas já fora da via de tráfego de veículos, conforme imagem (figuras 3-4 e

3-5) abaixo:

FIGURA 3-4: Praça da Liberdade: alameda central nos dias atuais

Fonte: IEPHA (2017)94.

94 Disponível em: <https://www..iepha.mg.gov.br/patrimonio-cultural-protegido/bens-tombados/bens-tombados-praça-da-liberdade>. Acesso em: 15 jul. 2018.

Page 176: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

174

FIGURA 3-5: Praça da Liberdade: alameda central nos anos 1970

Fonte: CHEGA DE MORAR COM A SOGRA (2017)95.

3.4.2. Os edifícios e a praça

Em relação às edificações do entorno imediato à praça, o estilo predominante

é o eclético, representado pelo Palácio da Liberdade e as antigas secretarias de

estado, além dos icônicos representantes do estilo moderno (Edifício Niemeyer) e

pós-moderno (Rainha da Sucata96). Ergueram-se algumas edificações nas décadas

seguintes. Nas palavras do arquiteto Sylvio de Podestá, um dos autores da “Rainha”: Ali, numa praça do início da construção de Belo Horizonte, com o Palácio do Governo, suas Secretarias em estilo eclético, um conjunto aparentemente harmônico e antigo, mas que com uma leitura mais atenta, consegue-se perceber várias construções e de várias épocas, como por exemplo a “Casa do Bispo97” de Raffaello Berti, neoplasticista [...]; o Edifício Tancredo Neves, de Oscar Niemeyer (década de 50), de bela arquitetura mas incompatível com o porte da Praça; o Edifício Xodó, de Sylvio de Vasconcellos e o IPSEMG, de Raphael Hardy (50/60), este último, com uma preocupação real com a volumetria da Praça quando, da sua concepção, mantendo próximo à rua construção de altura pertinente com os edifícios existentes e afastando a torre, enfraquecendo sua presença na praça e, o anexo da Secretaria de Educação, década de 60 (Galileu Reis).

95 Disponível em: <https://chegademorarcomasogra.blogspot.com/2012/09/fotos-antigas-de-belo-horizonte-minas.html>. Acesso em: 12 mai. 2018. 96 Seu projeto data de 1984/85, mas a obra prolongou-se nos sete anos seguintes, tendo sido inaugurada somente em 1992. O apelido da edificação deve-se aos materiais utilizados, em cores diversas e também faz referência à telenovela de mesmo nome exibida à época pela Rede Globo®. 97 Esse edifício, no estilo art-decó, denominado Palácio Cristo Rei (1937), não dialoga muito com o espaço da praça. Tornou-se a sede da Cúria Metropolitana e residência oficial do Bispo e seus auxiliares, representando a única presença da Igreja no entorno da praça.

Page 177: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

175

Um pouco mais afastada, a Biblioteca Pública98, (que Niemeyer renega pelas mudanças, mas que contém seus traços característicos), fecha esta arcada. Todas as décadas, menos a de 70, de alguma forma, ali estavam representadas e, para a “Rainha” ficou a responsabilidade de contar a história dos anos 80, anos pluralistas, de grande efervescência e discursos cheio de adjetivos e substantivos (PODESTÁ, 2018, s.p.)99

Mais recentemente, algumas das edificações ecléticas sofreram intervenções

arquitetônicas (figura 3-6), a fim de abrigar o Circuito Cultural Liberdade, conforme

descrito a seguir: [...] a arquitetura pós-moderna de Éolo Maia e Sylvio de Podestá; e intervenções contemporâneas, convertendo as edificações em espaços culturais formando o Circuito Cultural Praça da Liberdade, entre elas o Espaço do Conhecimento TIM UFMG, projetado por Jô Vasconcellos, e o Museu das Minas e do Metal, projetado por Paulo Mendes da Rocha e Pedro Mendes da Rocha. (ARQUITETOS ASSOCIADOS, 2018, s. p.)100.

FIGURA 3-6: Praça a Liberdade, intervenções contemporâneas (ao centro)

Fonte: acervo pessoal (2018).

Essa variedade de estilos arquitetônicos transforma o espaço em uma

espécie de “museu a céu aberto”, um verdadeiro “cenário”, onde as obras são as

próprias edificações que proporcionam uma “aula” sobre os estilos arquitetônicos

98 Essa edificação de estilo modernista encontra-se na esquina da Avenida Bias Fortes, junto ao Palácio do Governador. Aproxima-se, portanto, da “Casa Fiat de Cultura”. 99 Disponível em: <http://www.podesta.arq.br/index.php/arquiteto?id=159:projeto-rainha-da-sucata&catid=1:residências>. Acesso em: 2 jun. 2018. 100 Disponível em: <http://www.arquitetosassociados.arq.br/home/?projeto=redesenho-urbano-das-areas-publicas-do-entorno-da-praca-da-liberdade>. Acesso em: 02 jun. 2018.

Page 178: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

176

mais representativos da cidade de Belo Horizonte, simbolismo este ainda mais

enfatizado com a criação do Circuito Cultural Praça da Liberdade (figura 3-7).

FIGURA 3-7: Circuito Cultural Liberdade

Fonte: PORTAL DAS GERAIS (2018) 101.

A preocupação com a estética que se fez presente desde as origens da Praça

da Liberdade e a formação de uma espécie de “cenário”, todavia, não era uma

novidade, mesmo em fins do século XIX, conforme aponta Caldeira (2007): O uso da praça como elemento de composição estética, cenográfica, aparece na cultura ocidental, a partir do Renascimento. Nas cidades barrocas, porém, esse conceito alcança uma escala monumental e sobretudo na França, as praças tornam-se focos de intervenções urbanas. Posteriormente as práticas sanitaristas também recorrem ao uso da praça como espaço ajardinado, para introduzirem o verde na paisagem urbana. O plano de Haussmann para Paris recorre ao uso da praça como elemento de composição estética, destacando seu caráter monumental (CALDEIRA, 2007, p. 175).

A relação entre os edifícios e a praça, a despeito de haver vias de circulação

de veículos em toda a sua volta, faz-se de forma acolhedora, quer seja pela

proximidade destes com as vias, ou ainda pelo fato das suas imponentes escadarias

- no caso das edificações ecléticas - abrirem-se às calçadas à frente de grandes

portas que dão acesso às edificações.

101 Disponível em: <http://portaldasgerais.com.br/coluna-minas-turismo-gerais-tudo-do-turismo-mineiro-e-brasileiro-2/>. Acesso em: 20 jul. 2018.

Page 179: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

177

Os edifícios modernistas que foram erguidos após da década de 1940 e os

que se encontram junto à praça também estabelecem com ela relações, sendo que,

alguns deles, ainda que tenham uso privado, mostram-se de certa forma partícipes

do uso público.

O Edifício Xodó (figura 3-8), cujo projeto é de autoria do arquiteto Sylvio de

Vasconcellos é um dos representantes deste estilo. Nele, a lanchonete que leva o

mesmo nome resistiu a mais de cinco décadas. Inaugurada em 1962, percorreu

gerações que frequentaram a praça, sendo uma das mais antigas da capital.

Durante as visitas à praça, a lanchonete apresentava pouco movimento, apesar de

ser ponto de referência para muita gente.

FIGURA 3-8: Lanchonete Xodó, há quase seis décadas em funcionamento

Fonte: acervo pessoal (2018).

Neste mesmo estilo arquitetônico, a Biblioteca Pública Estadual de Minas

Gerais (figura 3-9) tem percorrido também, ao lado do Edifício Xodó, quase seis

décadas. Vale dizer que a biblioteca recebera essa nova denominação

recentemente, publicada no Diário Oficial do Município (DOM) em 04/05/2018.

Inaugurada em 1954, a Biblioteca passou a ocupar a edificação no ano de 1961,

Page 180: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

178

cujo projeto é de Oscar Niemeyer, tendo sido batizada originalmente em

homenagem ao professor Luiz de Bessa (CULTURA, 2017, s.p.)102.

Por encontrar-se localizada “do outro lado” da Avenida Bias Fortes, ladeando

o Palácio da Liberdade, a biblioteca também não estabelece relação direta com os

usos e apropriações da praça, mas pode ser um motivo, ainda que ocasional, desse

uso. Todavia merece destaque que o trecho em frente à Biblioteca, que vai da

Avenida Bias Fortes até a Rua da Bahia, tem recebido com certa frequência

eventos, geralmente ligados à gastronomia103.

FIGURA 3-9: Biblioteca Pública Estadual – vista da Praça da Liberdade

Fonte: GOOGLE MAPS (2018, editada pelo autor).

Outro edifício modernista, cujo projeto é de Raphael Hardy, data dos anos

1950. O edifício que abrigava o IPSEMG estava em reforma durante todo o período

da pesquisa e, portanto, não há muito que dizer sobre ele e sua relação com a praça

atualmente. A obra de reforma tinha seu término previsto para o ano de 2006, mas

até o presente momento está inacabada. Todavia, é certo que, uma vez pronta a

reforma e o edifício ocupado pela Escola de Design da UEMG (figura 3-10), o fluxo

de alunos poderá representar um novo público para a praça. Segundo o arquiteto e

professor da instituição Alonso Lany, “o prédio de 11 pavimentos receberá 600

pessoas por turno [...]” (ESTADO DE MINAS, 2014, s.p.)104.

102 Disponível em: < http://www.cultura.mg.gov.br/ajuda/story/4085-biblioteca-publica-ganha-novo-nome-para-reforcar-suas-raizes-mineiras>. Acesso em: 27 jul. 2018. 103 Mesmo que durante a pesquisa de campo não tenha sido registrado nenhum evento no local, o autor deste trabalho já participou de vários desses eventos nos últimos anos. 104 Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/04/09/interna_gerais,517025/predio-do-antigo-ipsemg-recebe-licenca-para-abrigar-escola-de-design-da-uemg.shtml>. Acesso em: 12 jul. 2018

Page 181: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

179

FIGURA 3-10: Tapumes fecham a futura sede da Escola de Design da UEMG

Fonte: ESTADO DE MINAS (2014 , editada pelo autor) 94.

Talvez o edifício mais conhecido da praça no estilo modernista, o Edifício

Niemeyer (figura 3-11), foi erguido sob pilotis, o que cria permeabilidade visual e

respeita o espaço no nível do pedestre, servindo este, inclusive, como abrigo em

dias de chuva. Nota-se ainda que houve, no espaço aberto105 entre este edifício e o

CCBB, conformado pelo quarteirão fechado da Rua Cláudio Manoel (figura 3-12),

um redesenho urbano que parece convidar à prática do skate e, muito embora esta

não tenha sido a intenção de uso dos autores do projeto, estes apontam para o

“potencial de apropriações diversas e imprevistas”. Segundo os autores do projeto

descrevem em seu site: [...] anteriormente ocupado por área de estacionamento, passa a se conformar como praça, com uso exclusivo de pedestres. A pavimentação plana no trecho inferior da nova praça assegura o acesso eventual de automóveis desde a Avenida Brasil até o portão de acesso ao pátio central do edifício do CCBB. [...] propôs-se a intervenção sobre sua topografia de modo a definir sutis variações em faixas que se desdobram com ondulações variadas [...] o que conforma suportes para a apropriação do espaço, aos modos de bancos de alturas variáveis, gerando um espaço de permanência com alto grau de indeterminação, portanto, com potencial de apropriações diversas e imprevistas (ARQUITETOS ASSOCIADOS, 2018, s.p.)106.

105 O projeto, de autoria do escritório de arquitetura “Arquitetos Associados”, data de 2008, sendo seus autores os arquitetos: Alexandre Brasil, André Prado, Bruno Santa Cecília e Carlos Alberto Maciel. 106 Disponível em: <http://www.arquitetosassociados.arq.br/home/?projeto=redesenho-urbano-das-areas-publicas-do-entorno-da-praca-da-liberdade>. Acesso em: 02 jun. 2018.

Page 182: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

180

FIGURA 3-11: Pilotis do Edifício Niemeyer (CCBB ao fundo)

Fonte: GOOGLE MAPS (2018, editada pelo autor).

FIGURA 3-12: Quarteirão fechado – Rua Cláudio Manoel (ao lado do CCBB)

Fonte: acervo pessoal (2018).

Observou-se que, durante o período em que as edificações estão abertas ao

público, o uso das escadarias (figura 3-13) restringe-se basicamente ao acesso às

edificações, não sendo observadas pessoas assentadas ou deitadas nesses

espaços - apenas, vez por outra, há pessoas ali aparentemente esperando por

Page 183: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

181

alguém. Todavia, nas visitas realizadas no período noturno, outro uso mostrou-se

presente em algumas escadarias, especialmente quando as edificações estão

fechadas (figura 3-14): jovens reúnem-se regularmente nesses espaços e ali

conformam seu próprio território de sociabilidade, quer seja para conversar com os

amigos, beber ou tocar músicas.

FIGURA 3-13: Jovens reunidos à noite nas escadas do Museu Gerdau

Fonte: acervo pessoal (2017).

FIGURA 3-14: Escadarias do Museu Gerdau vazias (período diurno)

Fonte: GOOGLE STREET VIEW (2018, editada pelo autor).

3.4.3. O cotidiano da praça

A Praça da Liberdade apresenta usos bastante variados, sobretudo pelas

suas dimensões e desenho dos jardins e fontes que favorecem a formação de micro

espacialidades e apropriações as mais diversas. Também, em eventos e ocasiões,

Page 184: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

182

como no período de Natal, a praça transforma-se, conforme será apresentado mais

adiante. Destaca-se que, no período diurno, a maior parte dos registros na Praça da

Liberdade fora feita por descrição em áudio e anotações no mapa (diário).

Durante os dias de semana, observou-se que as atividades mais recorrentes

são: a corrida, a caminhada, a contemplação, o descanso e o namoro, além das

pessoas que apenas transitam pela praça a caminho de outro destino. A

preponderância de um uso em relação ao outro, porém, varia ao longo do dia, assim

como a quantidade de pessoas que frequenta a praça. Observou-se ainda que a

quantidade de pessoas que frequenta a praça também se altera ao longo do dia e,

sobretudo, nos finais de semana e eventos especiais.

Nas incursões realizadas durante a semana, também se percebeu que a

caminhada e a corrida, por exemplo, são atividades que reúnem mais pessoas no

início da manhã e ao final da tarde (figura 3-15), sendo ainda observado que no

início da manhã a caminhada é preponderante e os usuários aparentam mais idade,

situação esta se invertendo no final de tarde e com a chegada da noite.

FIGURA 3-15: Caminhada ao cair da tarde

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 185: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

183

Na imagem a seguir (FIGURA 3-16), pode-se perceber outra atividade

relativamente comum na praça especialmente no início da manhã, final da tarde e

aos finais de semana: passear com o cão.

FIGURA 3-16: Passeio com o cão (matinal e vespertino)

Fonte: acervo pessoal (2017).

Durante o dia, além da caminhada, observou-se que a praça é utilizada

bastante para transpor um percurso. Esse dado é interessante pelo fato de que as

pessoas observadas que fizeram esse tipo de trajetória geralmente percorriam as

extremidades da praça. Todavia também foram observadas, vez por outra, pessoas

que percorriam a praça, num percurso não retilíneo, mas não permaneciam no local,

seguindo seu trajeto, o que indica a possibilidade de que essas pessoas observadas

tenham agido assim pelo simples gosto de caminhar em um ambiente agradável em

meio ao caos urbano.

Junto às edificações, observou-se a presença de comerciantes ambulantes107

próximos às entradas dos museus - especialmente do CCBB108 - e pontos de

107 Esses comerciantes, cotidianamente, restringem-se basicamente aos(às) pipoqueiros(as) – aparentemente, a presença da guarda municipal, afugenta ambulantes não autorizados. Todavia, nos finais de semana e na ocasião de eventos na praça, outros ambulantes comparecem. 108 Aparentemente, isto se dá em razão da maior visitação a esse espaço em relação aos demais. O Centro Cultural Banco do Brasil recebe exposições diversas e também de artistas renomados.

Page 186: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

184

ônibus109. Também foi observada, em mais de uma ocasião, a presença de um

pipoqueiro na esquina com a Rua Gonçalves Dias, junto à antiga Secretaria da

Viação e Obras. Exercer essa atividade na Praça da Liberdade parece ser motivo de

orgulho, especialmente para um deles que estampa em seu carrinho duas

reportagens (figura 3-17), onde aparece como personagem da praça:

FIGURA 3-17: Pipoca e política no espaço da arte 110

Fonte: acervo pessoal (2017).

Ainda, durante o período diurno, notou-se, em algumas ocasiões, a

permanência de pessoas sozinhas, lendo, descansando e até mesmo ouvindo

música. Em menor número, foram encontradas pessoas em grupos, à exceção de

109 A constante rotatividade e a permanência das pessoas nos pontos de ônibus pode explicar a escolha desses locais para a permanência dos comerciantes. 110 Este é o título da reportagem estampada à direita do carrinho do pipoqueiro. Nos dizeres da reportagem lê-se: “Misturando pipoca e política, o vendedor Washington Silvestre decorou seu carrinho, que fica em frente a um museu do Circuito Cultual Praça da Liberdade, com frases do comunista chinês Mao Tsé-Tung. A intervenção fez sucesso com um grupo de turistas chineses durante a Copa do Mundo e o pipoqueiro, que também é escritor e compositor, já prepara uma nova edição, com versos de Chico Buarque” (TULIO SANTOS, EM/DA. PRESS, s.d.).

Page 187: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

185

pessoas idosas com seus cuidadores, conforme ilustra a imagem a seguir (figura 3-

18). Também foram percebidas babás com crianças pequenas ou bebês.

FIGURA 3-18: Idosos acompanhados contemplam a paisagem da praça

Fonte: GOOGLE MAPS (2018 , editada pelo autor).

Destaca-se um ligeiro aumento na quantidade de pessoas que permanecem

na praça no horário de almoço, especialmente lendo ou descansando, sendo

encontradas mesmo pessoas deitadas nos bancos ou na grama.

Entre o final da tarde e o período noturno, a atmosfera da praça modifica-se.

Em geral, há mais movimento nos museus e a praça torna-se “mais ativa”. Nesse

horário, é comum observar dezenas de pessoas caminhando e correndo (figura 3-

19), sendo alguns outros usos reduzidos, como a leitura e o passeio de idosos.

Todavia coexistem nesse horário, além da caminhada e da corrida, diversas outras

atividades em ação, dentre as quais: o passeio de bicicleta, o passeio com o cão, a

música, o namoro, apenas para citar algumas.

FIGURA 3-19: Jovem praticando corrida ao redor da praça

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 188: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

186

É interessante notar que algumas atividades desenvolvem-se em locais mais

ou menos específicos: o casal com os cães procuraram um lugar que lhes

garantisse a maior visibilidade de seus pets; o casal de hippies vendia seu

artesanato próximo ao acesso do coreto, buscando maior visibilidade de seus

produtos; adolescentes passavam de bicicleta no perímetro externo da praça que é

mais retilíneo; casais de namorados procuravam um lugar mais recluso para ficarem

mais à vontade, conforme pode ser visto nas imagens a seguir (figuras 3-20 a 3-23).

FIGURA 3-20: O casal e seus “melhores amigos”

Fonte: acervo pessoal (2017).

FIGURA 3-21: Adolescentes passeiam de bicicleta

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 189: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

187

FIGURA 3-22: Namoro em local mais reservado

Fonte: acervo pessoal (2017).

FIGURA 3-23: Hippies: artesanato à venda e socialização

Fonte: acervo pessoal (2017).

3.4.4. Natal na praça

Em uma das incursões realizadas, no período de dezembro de 2017, numa

terça-feira à noite, observou-se que o as principais atividades realizadas na praça

eram: a caminhada; o passeio, a corrida e a contemplação das luzes e instalações

Page 190: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

188

de natal. Merece destacar que a corrida e a caminhada são atividades recorrentes e

marcantes nessa praça - que em seus primórdios era mais dada ao footing -

especialmente no início da manhã e ao cair da tarde. Todavia, nesse dia, enquanto a

luz do Sol desaparecia, outros usos despontavam e as duas atividades mais

presenciadas na praça reduziam-se quase que por completo.

Na ocasião dessa visita ao local, faltavam apenas duas semanas para a

chegada do natal e a iluminação da praça já estava inaugurada.111 Nesse período, a

Praça da Liberdade apresenta um fluxo atípico de visitantes, assim como a

apropriação dos espaços e atividades ali realizadas também são distintas das que

são observadas no cotidiano, uma vez que muitas pessoas vão até o local

especialmente no intuito de ver a iluminação cênica.

Nos bancos, também se viam amigos reunidos em uma conversa, casais de

namorados e ainda um grupo de amigos preparando-se para uma roda de música

(figuras 3-24 a 3-26).

FIGURA 3-24: Amigos papeando em banco próximo ao coreto

Fonte: acervo pessoal (2017).

111 A iluminação de natal da Praça da Liberdade já é tradicional. Muitas pessoas vão à praça especialmente com a finalidade de ver a iluminação à noite. Geralmente há, inclusive, ajustes no trânsito da região, tamanho é o fluxo de pessoas e veículos nesta época do ano.

Page 191: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

189

FIGURA 3-25: Casal de namorados

Fonte: acervo pessoal (2017).

FIGURA 3-26: Amigos preparam o violão para uma roda de música

Fonte: acervo pessoal (2017).

Observou-se, nesse dia – conforme esperado -, que esse grande fluxo de

pessoas atrai consigo outros usos, especialmente no que diz respeito à variedade –

e quantidade - de ambulantes presentes: pipoqueiros112, vendedores de algodão

doce, de balões, de pequenos brinquedos e artesanato e o Papai Noel, é claro, não

112 Este tipo de comércio ambulante é, todavia praticamente onipresente no cotidiano da praça. A diferença observada foi somente na quantidade de carrinhos presentes na data.

Page 192: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

190

fica de fora. Nas proximidades da praça, era possível perceber a presença de food

trucks113, aproveitando o percurso dos visitantes (figuras 3-27 a 3-30).

FIGURA 3-27: Food Trucks próximos à praça (ao lado do CCBB)

Fonte: acervo pessoal (2017).

FIGURA 3-28: A presença do Papai Noel anuncia a chegada do Natal

Fonte: acervo pessoal (2017).

113 Foi observada a presença de food trucks também em outras ocasiões, em especial no início da noite e finais de semana, todavia, em menor número.

Page 193: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

191

FIGURA 3-29: Vendedores de balão se posicionam em local visível na praça

Fonte: acervo pessoal (2017).

FIGURA 3-30: Pipoqueiros sempre marcam presença na praça

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 194: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

192

No Coreto (figura 3-31) - um dos elementos de destaque da praça - também

havia uso: como de costume, especialmente ao fim das tardes e finais de semana,

jovens ocupam a escadaria conversando e observando o movimento.

FIGURA 3-31: Jovens ocupam o coreto da praça, como de costume

‘ Fonte: acervo pessoal (2017).

A presença de policiais e guardas municipais é também reforçada, mas não

parece ser na mesma proporção do aumento do público visitante. Todavia, o

posicionamento estratégico de uma viatura e policiais na alameda central (figura 3-

32), além de alguns circulando pela praça, atendem às duas funções: o caráter

inibidor contra eventuais tentativas de ilícitos e o aumento da sensação de

segurança devido à visibilidade do local escolhido.

FIGURA 3-32: Efetivo policial concentra-se na alameda central da praça

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 195: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

193

De qualquer forma, a presença de pessoas com atitude despreocupada com

seus pertences e a presença de crianças pequenas denota uma sensação de

segurança. A imagem a seguir (figura 3-33) ilustra bem essa situação, que podia ser

vista em toda a praça: a mãe com uma criança de colo e o rapaz utilizando o celular,

ambos com postura bastante despreocupada.

FIGURA 3-33: Postura despreocupada denota sensação de segurança

Fonte: acervo pessoal (2017).

Dois dias depois, numa quinta-feira à tarde, foi feita uma nova visita à praça,

só que dessa vez no meio da tarde. A imagem a seguir (figura 3-34) apresenta o

cenário por volta das 17 horas na alameda central. À esquerda da imagem, está

uma estátua humana, que não é comum de se ver na praça. Percebe-se ainda, ao

redor da imagem, a presença de uma quantidade considerável de pessoas,

especialmente ao fundo e à esquerda onde se localiza também o Coreto, estrutura

muito utilizada pelas crianças para brincadeiras e, em cuja escadaria, os jovens

permanecem para papear.

Page 196: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

194

FIGURA 3-34: Praça da Liberdade – alameda central

Fonte: acervo pessoal (2017).

No centro da imagem acima (figura 3-34), percebem-se ainda as luzes de

natal já acesas que irão conformar ainda mais o cenário que a praça já representa.

Também podem ser vistos nas fotos (à direita) três fiscais da PBH que

provavelmente estavam controlando algum eventual comércio irregular. As pessoas

conversam de pé e assentadas, num ar de bastante tranquilidade, denotando uma

grande sensação de segurança, que também é ilustrada pela jovem no centro da

imagem, carregando sua bolsa e uma sacola de compras de forma bastante

relaxada. A quantidade de crianças também é bastante representativa, o que reforça

essa ideia.

À medida que a noite ia chegando, a quantidade de pessoas presentes na

praça foi aumentando e, conforme dito anteriormente, isto provavelmente se dava

em razão do interesse em ver as luzes de natal. Aos poucos, praticamente todos os

espaços, especialmente a alameda central (figura 3-35), estavam tomados.

A iluminação não se restringia a esse local, mas devido à perspectiva que

essa conforma na praça, que guia o olhar ao Palácio da Liberdade (também

iluminado), este é sempre escolhido para destaque. Na alameda central, não há

nenhum tipo de mobiliário urbano e os bancos da praça são em número muito

Page 197: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

195

inferior ao público presente e, por esse motivo, as pessoas utilizam-se do desnível

entre a alameda central e o piso das duas metades da praça para assentar-se114.

FIGURA 3-35: Iluminação de Natal – Praça da Liberdade (alameda central)

Fonte: acervo pessoal (2017).

3.4.5. Eventos

Nos últimos anos, a Praça da Liberdade recebeu inúmeros eventos de

diversas temáticas: ciência, cultura, gastronomia – apenas para citar alguns - dentre

os quais: Inova Minas, Exposição Jardins Móveis, Festival da Gentileza, Virada

Cultural, Projeto Arte no Prato Gourmet.

Em um dos eventos observados, o evento Inova Minas 2017, ocorrido em um

sábado, percebeu-se a presença de pessoas de variadas idades, desde crianças,

famílias, jovens e pessoas mais idosas. Na ocasião, ao contrário do que usualmente

verificou-se em outras visitas durante a semana, as escadarias das edificações

ecléticas foram bastante utilizadas (figura 3-36).

114 Alguns autores denominam esse tipo de apropriação, na qual uma estrutura é utilizada para finalidades distintas das planejadas, de desvio de uso.

Page 198: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

196

Figuras 3-36: Vendedor ambulate (pipoca) e apropriação das escadas

Fonte: acervo pessoal (2017).

Os comerciantes ambulantes, regulares ou não, viam-se presentes em vários

locais do evento, vendendo pipoca, bebidas (figura 3-37), guloseimas e, até mesmo,

artesanato (figura 3-38). Durante o tempo de observação do evento, aparentemente

não havia nenhum constrangimento ou represália à presença desses vendedores.

Figura 3-37: Vendedor ambulate (bebidas) e apropriação da calçada

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 199: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

197

Interessante que as pessoas pareciam se sentir à vontade, utilizando inclusive

a calçada para uma refeição junto às edificações históricas. Esses espaços entre a

rua e a edificação criavam certo grau de privacidade. Os próprios vendedores

ambulantes auxiliavam nessa formação de uma microespacialidade.

Figura 3-38: Vendedores ambulates (artesanato e algodão doce)

Fonte: acervo pessoal (2017).

Apesar da convivência saudável entre passantes, ambulantes e visitantes do

evento, logo ali, há alguns metros do local, via-se estampada a diferença, a

segregação. Utilizando-se do anexo da Biblioteca Pública como abrigo (figura 3-39),

ao fundo da Praça Carlos Drummond de Andrade, pessoas em situação de rua

acampavam. Durante todas as incursões realizadas à Praça da Liberdade, havia

pessoas nesse local.

Figura 3-39: Anexo da Biblioteca Pública– pessoas em situação de rua

Fonte: acervo pessoal (2017).

Page 200: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

198

3.5. Produto Técnico: recomendações para uma “deriva cartográfica”

3.5.1. Planejamento pré-deriva (antes de ir a campo)

A partir da experiência advinda desta pesquisa, percebeu-se que uma deriva

bem sucedida começa pelo seu planejamento. Algumas sugestões foram abaixo

relacionadas, sem a pretensão de “regrar” os procedimentos e sim norteá-los:

Distâncias percorridas: sugere-se que os percursos da deriva não

excedam um percurso de caminhada a pé que demande muito esforço

físico. Neste sentido, considera-se que um tempo estimado em até 20

minutos de caminhada (cerca de 1,5Km no total) seja o ideal para uma

coleta de dados onde o pesquisador-observador se sinta confortável e

propenso.

Delimitação da área de percurso: a área a ser percorrida pode ser

estabelecida por pontos de apoio indicadas em um mapa de uma

determinada região da cidade que se deseja observar. O trajeto, no

entanto, quanto mais natural, mais propenso a observações espontâneas.

Todavia pode-se fazer uma deriva “preliminar” na região a fim de se

estabelecer certos trechos prioritários para uma segunda deriva.

Quantidade de pesquisadores: uma deriva pode ser realizada por um

pesquisador-observador individualmente ou em equipes. Pela experiência

do presente estudo de caso, a pesquisa realizada por somente um

observador, apesar do auxílio dos aparatos tecnológicos e da

sistematização acaba por tornar a deriva mais demorada e extenuante. Um

percurso de aproximadamente 1,5km pode demorar até 2 horas entre a

caminhada em si (que é a menor parte), ajustes dos dispositivos,

anotações e afins. Acredita-se que a pesquisa em pares ou trios de

pesquisadores é mais profícua, assim como a subdivisão de grandes

áreas.

Incursões sistemáticas: dependendo do que se pretende observar no

espaço público, recomenda-se que a área seja visitada em várias ocasiões

para que se tenha a observação em circunstâncias distintas, alternando-se

incursões em dias de semana com outras aos finais de semana (ou em

Page 201: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

199

eventos especiais). Assim, é possível coletar dados mais condizentes com

as mais variadas dinâmicas apresentadas nos espaços observados.

Sistematização dos registros: a partir de uma ou mais incursões

exploratórias pode-se estabelecer um padrão para registro das atividades,

usos e apropriações que se imagina novamente observar no espaço

público. Neste trabalho, a tabela que se encontra nos APÊNDICES II e III

foi elaborada após algumas incursões no espaço e outras tentativas de

registro. Todavia, em alguns casos, outras formas de registro se mostraram

tão ou mais eficientes tanto para a coleta como para a análise das

observações, como as gravações em vídeo.

3.5.2. Instrumentos e bases para o registro das derivas (em campo)

Durante o trabalho de campo alguns materiais se fazem necessários e/ou são

indicados para tornar a coleta de informações mais eficiente e organizada, entre os

quais sugere-se:

Prancheta A4: fundamental para apoio quando o pesquisador vai realizar

anotações em papel.

Mapa impresso: pode ser esquemático e a princípio não precisa de escala

específica. Se a área observada não for conhecida do pesquisador, o ideal

é incluir nomes de ruas e pontos de referência para facilitar o registro.

Tabela de registro das atividades: não é um item obrigatório, mas

acelera as anotações durante a deriva, já que são realizadas apenas

indicações numéricas mapa (ocupando menos espaço). As informações

acerca das observações são então assinalados na tabela de forma

sistemática, o que facilita a leitura e interpretação a posteriori.

Dispositivos de captura de áudio e imagens (foto e vídeo): recomenda-

se a utilização de dispositivos que possam capturar imagens tanto de forma

estática (fotografias) quanto contínua (vídeos), sendo ainda melhor se

estes dispositivos possibilitarem também registros “automáticos” (fotos e

vídeos com temporizador). Em alguns casos, a nitidez / foco das imagens

são menos importantes do que o conteúdo que capturam, mas, de toda

forma, dispositivos que capturam em melhor resolução ampliam as

Page 202: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

200

possibilidades de utilização de elementos das imagens em eventuais

publicações, sobretudo quando é necessário “recortar” apenas um pequeno

pedaço de uma foto, por exemplo.

3.5.3. Procedimentos durante a deriva (em campo)

Conforme apresentado na metodologia deste estudo de caso, os

procedimentos de coleta de dados que nos pareceram mais eficazes são os

seguintes:

Registro no “diário”: neste caso o observador pode ficar parado em um

local estratégico de onde pode observar a dinâmica do espaço público com

certa tranquilidade, fazer anotações em um mapa do local (pode ser uma

planta esquemática como a apresentada no APÊNDCE I). O mapa (ou

outra forma de “diário”) também pode ser utilizado em paradas a cada

trecho percorrido para anotações – recomenda-se que não se percorra

percursos longos e a cada 20 minutos (no máximo), se faça uma pausa

para anotações.

Registro fotográfico: pode ser realizado de forma pontual e, neste caso o

ideal é parar, apontar e registrar (anotando no mapa o local e a direção do

registro) ou realizado com a câmera em automático (os disparos da câmera

são pré-temporizados) – neste caso pode-se o caminhar com a câmera

ligada, alternando-se deslocamentos e paradas para registro de imagens

que retratem o que se pretende observar nos espaços públicos (ex.: usos e

apropriações).

Registro em vídeo: recomenda-se para coleta de dados com o

observador em movimento, podendo este segurar a câmera (de um celular,

por exemplo) ou utilizar-se de uma câmera fixa ao corpo, liberando-se

assim o pesquisador para que possa observar os arredores de forma

concomitante. Esses registros não devem ser muito longos para facilitar

posterior análise e devem ser alternados com paradas para anotações a

cada período de tempo (+/- 5 min), variando conforme o local do percurso -

geralmente a cada um ou dois quarteirões observados – neste caso as

imagens e vídeos costumam não ficar nítidas, mas ganham em

“espontaneidade”.

Page 203: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

201

Registro em áudio: complementar aos demais, em ocasiões nas quais as

anotações possam ser de difícil execução. No presente estudo de caso

este procedimento foi utilizado para incursões onde o pesquisador-

observador estava dirigindo um automóvel. Também é uma forma de

registro mais discreta podendo ser realizada com o uso de celulares e

fones de ouvido e assim aplicáveis em áreas nas quais o pesquisador sinta

insegurança.

3.5.4. Procedimentos pós-derivas

A coleta de dados é só um dos propósitos das derivas aqui propostas. Os

dados coletados, para que sejam úteis a qualquer análise, precisam ser organizados

e armazenados de forma segura e que facilite uma posterior consulta. Assim,

recomenda-se alguns cuidados após a realização de cada deriva:

Organização dos mapas e tabelas: os mapas e tabelas preenchidos

devem ser datados e armazenados em local seguro. Sugere-se a utilização

de pastas organizadoras, podendo ser do tipo fichário ou pastas com

divisórias. Assim, pode-se separar cronologicamente as derivas e organizá-

las segundo uma cronologia, o que facilita a “leitura” do que foi observado

ao longo do tempo. Preferencialmente não se deve levar para uma deriva

os dados coletados em derivas anteriores, a não ser que seja

extremamente necessário. Neste estudo de caso foram perdidos muitos

dados coletados (de meses) pela inobservância deste procedimento.

Sugere-se ainda a digitalização das anotações e o armazenamento dos

arquivos digitais por data e local observado (no caso de mais de uma área

percorrida).

Arquivos de fotos / vídeos: este tipo de arquivo pode sobrecarregar a

memória do dispositivo de captura e, ainda que este possua boa

capacidade de memória, deixar todo um trabalho concentrado em um único

local pode ser perigoso e deixar vulnerável a pesquisa, uma vez que este

tipo de dado muitas vezes não pode ser coletado novamente (pelo menos

não da mesma forma) ou o prazo para fazê-lo pode não ser suficiente. Por

isto recomenda-se “backups”, o que pode ser feito em “nuvem” (drives de

armazenamento online). Hoje várias empresas fornecem este serviço e em

Page 204: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

202

parte ele pode ser até gratuito, como no caso dos usuários de contas de e-

mail Google® ou Mircosoft®. De qualquer forma, o “backup” automático

(como no caso do Google Fotos) não é tão eficaz, pois o ideal é organizar

os arquivos por data e local das observações e, se possível, eliminar aquilo

que efetivamente é inútil a cada uma ou duas derivas: no caso de capturas

automáticas de imagens, muitas vezes se armazenam dezenas ou até

centenas de fotos praticamente iguais e que só fazem ocupar espaço.

Integração com plataformas / mapeamento online: observando-se o

experimento do presente estudo de caso, vislumbra-se a possibilidade de

integração da metodologia de pesquisa de campo aqui apresentada com a

elaboração de mapas virtuais, tais como o MyMaps (Google®), quer seja

para armazenar dados coletados pelo pesquisador “pré-filtrados”, para o

compartilhamento de dados de pesquisas de campo realizadas por vários

pesquisadores ou, ainda, para a produção de uma síntese e apresentação

dos resultados. Esse tipo de produção de mapeamentos “publicados” em

mapas virtuais já aparece em algumas pesquisas acadêmicas que tratam

de analisar os espaços públicos, mas de forma incipiente. Há ainda várias

possibilidades de produção de cartografias digitais do cotidiano “abertas” e

de produção coletiva, que já se mostram emergentes em plataformas como

OpenStreetMap115, Mapas Coletivos116 , CrowdMap117, entre outras e que

vêm sendo experimentado em alguns mapeamentos realizados a partir de

grupos de estudo e pesquisas acadêmicas, tais como o

“Mappingthecommons”118 o “Em Breve Aqui” 119 e até mesmo já citado “O

Corredor Cultural já EXISTE!”120.

115 Ver: https://www.openstreetmap.org 116 Ver: http://www.mapascoletivos.com.br/ 117 Ver: https://embreveaqui.crowdmap.com/ 118 Ver: http://mappingthecommons.net/pt/info/ 119 Disponível em: <http://blog.indisciplinar.com/em-breve-aqui/>. Acesso em: 23 jul. 2018. 120 Disponível em: <https://www.google.com/maps/d/edit?mid=1KvQNK5DvgISVBX-kKlLM5awbF_k&ll=-19.918278672302094%2C-43.93411135714723&z=16>. Acesso em: 10 Mai. 2018.

Page 205: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

203

3.6. Considerações Finais

Este trabalho constituiu-se da proposição de uma abordagem alternativa para

a pesquisa de campo com vistas à observação direta simples (imersiva) em estudos

que tratam de espaços públicos, sobretudo praças. Para tal intento, primeiramente,

apresentou-se uma revisão da perspectiva situacionista que, já nos anos 1960,

propunha uma forma distinta de se observar a cidade. Em seguida, foi proposta uma

metodologia que se utiliza de instrumentos e técnicas de registro com o apoio de

novas tecnologias. Tal proposta foi então aplicada em um estudo de caso

experimental, tendo como objeto de análise a Praça da Liberdade e seu entorno

imediato.

Para tais fins, aqui se propôs o uso das novas tecnologias aplicadas na

pesquisa de campo, quais sejam a fotografia digital e a gravação em áudio e vídeo,

que se apresentaram como meios que agilizam as observações em campo e

permitem um número maior de dados coletados em menor tempo. Assim, mostram-

se registros eficazes para auxiliar a observação do pesquisador e, em alguns casos,

permitem coletas simultâneas de dados, ampliando o espectro da apreensão das

práticas socioespaciais por parte do pesquisador. Outra contribuição dessas novas

tecnologias deu-se na fase de descrição do caso, uma vez que os dados coletados

possibilitam “rememorar” o observado.

Todavia, há a questão do limite de registro por parte dos artefatos (câmeras,

gravadores e afins) que funcionam como “filtros” da realidade. Aquilo que é

fotografado, gravado não é a realidade, mas um recorte dela. Mas isto também não

parece ser de todo um problema, já que a própria observação pelo pesquisador já

tem esse viés e a operação que ele faz desses artefatos também possui uma

intenção, que é característica desse tipo de pesquisa. Merece ainda notar que há

certo constrangimento das pessoas fotografadas, gravadas e isto, por vezes, gerou

até mesmo a intervenção desses sujeitos e o pesquisador acabou tendo que apagar

os dados coletados.

Page 206: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

204

REFERÊNCIAS

ARQUITETOS ASSOCIADOS. Redesenho Urbano das Áreas Públicas do Entorno da Praça da Liberdade. Disponível em: <http://www.arquitetosassociados.arq.br/home/?projeto=redesenho-urbano-das-areas-publicas-do-entorno-da-praca-da-liberdade>. Acesso em: 02 jun. 2018.

BHTRANS. Resgate da qualidade de vida da população. 2018. Disponível em: <http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpublico/Temas/Noticias/Centro%20Vivo>. Acesso em: 2 mai. 2018. CALDEIRA, Junia Marques et al. A Praça Brasileira: trajetória de um espaço urbano-origem e modernidade. Tese (Doutorado), Campinas, Unicamp, 2007. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280677>. Acesso em: 16 fev. 2018.

CULTURA. Biblioteca Pública ganha novo nome para reforçar suas raízes mineiras. 2018. Disponível em: <http://www.cultura.mg.gov.br/ajuda/story/4085-biblioteca-publica-ganha-novo-nome-para-reforcar-suas-raizes-mineiras> Acesso em: 27 jul. 2018. ESTADO DE MINAS. Prédio do antigo Ipsemg recebe licença para abrigar Escola de Design da Uemg. 2014. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/04/09/interna_gerais,517025/predio-do-antigo-ipsemg-recebe-licenca-para-abrigar-escola-de-design-da-uemg.shtml>. Acesso em: 12 jul. 2018.

JACQUES, P. B.. Breve histórico da Internacional Situacionista – IS. Arquitextos, São Paulo, v. 3, 2003. Disponível em: <http://chroniquedupieton.blogs.com/chronique_du_pieton/files/vitruvius%20%7C%20arquitextos%20035.05.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017.

LEFEBVRE, H. Henri Lefebvre e a Internacional Situacionista. Entrevista com Kristen Ross. 1983. Trad. Cláudio Roberto Duarte. Disponível em: <http://guy-debord.blogspot.com.br/2009/06/henri-lefebvre-e-internacional.html>. Acesso em: 05 out. 2017.

MAGNANI, J. G. C.. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, jun., 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v17n49/a02v1749>. Acesso em: 26 set. 2017.

OLIVEIRA, Natália Mara Arreguy. Espaços Livres Públicos em Belo Horizonte: Um Estudo das Relações Estabelecidas Entre o Uso e a Forma. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-99BHUB>. Acesso em: 09 mai. 2018.

PEIRANO, M.. Etnografia, ou a teoria vivida. Ponto Urbe, São Paulo, ano 2, versão 2.0, fev., 2008. Disponível em: <https://pontourbe.revues.org/1890>. Acesso em: 13 set. 2017.

Page 207: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

205

PODESTÁ, Silvio Henrique. Rainha da Sucata 1985/92. Disponível em: <http://www.podesta.arq.br/index.php/arquiteto?id=159:projeto-rainha-da-sucata&catid=1:residências>. Acesso em: 2 jun. 2018.

SILVA, R. H. A. et al. Dispositivos de memória e narrativas do espaço urbano: cartografias flutuantes no tempo e espaço. E-Compós, 2008. p. 1-17. Disponível em: <http://compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/269/258> Acesso em: 09 out. 2017.

Page 208: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

206

CONSIDERAÇÕES FINAIS (DA DISSERTAÇÃO)

Percorrer a história das cidades e com ela perceber as condições histórico-

sociais que envolveram as transformações e apropriações do espaço público e das

praças ao longo do tempo favoreceu a apreensão da cidade de Belo Horizonte,

enquanto contexto no qual se inserem seus espaços públicos, ilustrados aqui pelas

praças da Liberdade e da Estação e estas, ao serem observadas dentro desse

contexto, também mostraram contextos próprios.

A gênese e a transformação dos espaços públicos parecem então

indissociáveis de seu contexto histórico-social e as práticas socioespaciais neles

estabelecidas nem sempre são regidas de forma totalizante pelo Estado ou mesmo

pela classe dominante. Todavia, merece observar que há uma tendência à

privatização gradativa desses espaços pelas elites, conformando-se espaços cada

vez mais homogêneos e menos dados à diversidade de apropriação, sobretudo

pelas classes mais baixas.

Os espaços públicos da cidade de Belo Horizonte, neste trabalho ilustrados

pelas praças da Liberdade e da Estação, parecem carecer de uma observação mais

detida, sobretudo no que se refere aos processos de privatização pelos quais têm

passado. Ao longo da pesquisa realizada por este trabalho, percebeu-se que a

discussão sobre os processos de intervenção urbana está cada dia mais presente

nas pesquisas acadêmicas.

Todavia, foi perceptível que, no caso das praças estudadas, há um maior

número de pesquisas acadêmicas que discutem os processos de transformação

socioespacial da Praça da Estação em comparação à Praça da Liberdade, o que

parece justificável por esse espaço encontrar-se inserido no Hipercentro da cidade

de Belo Horizonte, que já passara por uma degradação e que se caracteriza por

alternâncias de interesse do Estado que ora o descarta e agora o revaloriza.

O favorecimento dos interesses do capital privado e a transformação da

cidade e dos espaços públicos em mercadoria, decorrentes dos processos de

requalificação do centro histórico degradado, parece também ser outra razão,

sobretudo pelo fato de que indicam promover a segregação socioespacial desses

espaços e privilegiar sua apropriação por classes sociais mais favorecidas. Assim, é

clara a essas pesquisas a necessidade de se discutirem os processos de

Page 209: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

207

gentrificação percebidos (ou emergentes) como decorrentes das parcerias público-

privadas interessadas em intervir na região da Praça da Estação e no Hipercentro da

cidade de Belo Horizonte.

A apropriação da Praça da Liberdade decorrente das parcerias público-

privadas aparece em parte das pesquisas acadêmicas estudadas. Todavia, em

muitos trabalhos discutem-se, majoritariamente, as questões relacionadas ao

simbolismo dessa praça para a cidade e sua importância como praça cívica, e o

debate sobre a consolidação, cada dia mais efetiva, desse espaço como território e

propriedade de uma classe dominante parece ainda incipiente.

Evidentemente há exceções, mas ainda parece importante discutir

possibilidades para tornar esta praça mais convidativa (e inclusiva) para uma maior

parte da população da cidade de Belo Horizonte. Dali, as Feiras de outrora foram

expulsas, a praça reformada... Novas feiras e eventos ali (re)ssurgiram, mas

parecem agora majoritariamente voltados para um público “seleto” e, quer seja pelo

valor dos produtos comercializados, pela forma de divulgação “restrita” e pelo

próprio território consolidado, estas “novas” feiras e eventos parecem reproduzir,

mais uma vez, uma a segregação socioespacial que quase sempre fora vigente.

A falta de um debate maior sobre a democratização do espaço da Praça da

Liberdade, talvez decorra da percepção de que ele sempre foi dado a práticas e

apropriações elitizantes e que desde sempre fora território do Estado e das elites.

Todavia merece destacar que há um importante debate acerca da concentração

desses espaços museológicos em uma região já privilegiada e que isto denota uma

falta de vontade do Estado em induzir – ou proporcionar – investimentos em

espaços culturais nas regiões menos valorizadas da capital.

A partir do estudo de caso de caráter teórico apresentado no segundo

capítulo deste trabalho, propôs-se, no capítulo seguinte, como forma de intervenção

(produto técnico), uma metodologia para a pesquisa de campo, com vistas à

observação simples. Essa pesquisa de campo, por sua vez, foi aplicada em caráter

experimental, tendo como objeto de estudo a Praça da Liberdade e mostrou-se uma

alternativa para se cartografar o espaço urbano com a utilização de antigas e novas

tecnologias. Demonstrou, ainda, que as novas tecnologias experimentadas possuem

suas qualidades, mas também suas limitações e sua aplicação para a pesquisa de

campo merece ainda ser investigada de forma mais detida.

Page 210: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

208

O percurso estabelecido neste trabalho demonstra ainda que, para que se

obtenham resultados e análises mais aprofundadas, um estudo de caso que

pretenda investigar as práticas socioespaciais estabelecidas nos espaços públicos

urbanos, em especial o estudo de caso múltiplo, não é tarefa fácil. E que, para tal

intento, deve-se lançar mão de todos os dados possíveis, inclusive a coleta de

dados por entrevista, que neste trabalho não foi utilizada.

Conforme também fora observado anteriormente, a gestão pública, ao afastar

a sociedade do debate acerca do planejamento e transformação dos espaços

públicos físicos, enfraquece a res publica e esta parece ter sido a postura do poder

público nos processos decisórios que promoveram as intervenções urbanas

recentes nos espaços públicos das Praças da Liberdade e da Estação objetos desta

pesquisa. Todavia, também foram apontados alguns movimentos de “resistência” e

“insurgência”, como na proposição da equipe do INDISCIPLINAR e do m FAMÍLIA

DE RUA (Duelo de MC´s) no debate acerca do “Corredor” da Praça da Estação que

indicam caminhos possíveis para uma cidadania deliberativa habermasiana, e

propõe alternativas à procura da gestão social e do desenvolvimento local destes

espaços.

As reflexões e aqui propostas, não são, obviamente, as primeiras sobre o

tema da formação e apropriação dos espaços públicos nas cidades contemporâneas

e nem mesmo sobre as práticas socioespaciais estabelecidas nas praças em

questão, tampouco será a última: as discussões sobre as formas pelas quais se têm

gerido o espaço público urbano nas cidades contemporâneas e as implicações

decorrentes das parcerias público-privadas que se estabelecem como práticas

comuns mostram-se cada vez mais recorrentes nas pesquisas acadêmicas e ainda

há muito que se investigar.

Page 211: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

209

APÊNDICE I: MAPA ESQUEMÁTICO – PRAÇA DA LIBERDADE

Page 212: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

210

APÊNDICE II: TABELA PARA REGISTRO DE ATIVIDADES (FRENTE)

Page 213: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA DIRETORIA DE EDUCAÇÃO … · amor. O imperador volta ao povo, mergulha em seu seio e recebe o clamor de reconhecimento. Ele volta, no sentido em que está

211

APÊNDICE III: TABELA PARA REGISTRO DE ATIVIDADES (VERSO)