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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA – UNIARA · 2011. 6. 14. · Priscila Fuzaro Uehara Marina Garcia Manochio Márcia Helena Pontieri AMELOGÊNESE IMPERFEITA, HIPOPLASIA DE ESMALTE

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  • CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA – UNIARA

    ReitorLuiz Felipe Cabral Mauro

    Pró-Reitoria AcadêmicaFlávio Módolo

    Pró-Reitoria AdministrativaFernando Soares Mauro

    EditoresMaria Lúcia Ribeiro

    Denilson TeixeiraLuis Henrique Rosim

    Lívia Nunes

    EditoraçãoLívia Nunes

    CapaBruno Zago

    Conselho EditorialHelena Carvalho De Lorenzo

    Inayá Bittencourt e SilvaLuciana Togeiro de Almeida

    Mary Rosa Rodrigues de MarchiWilson José Alves Pedro

    RevisãoDirce Charara Monteiro (Inglês)

    Lívia Nunes (Português)Rosmary dos Santos (Bibliográfica)

    REVISTA UNIARA

    REVISTA UNIARA: Revista do Centro Universitário de Araraquara.Araraquara – SP – Brasil, 1997.v. 13, n. 2, dez. 2010. 262 p.

    Publicação Semestral do Centro Universitário de Araraquara – Uniara.

    ISSN 1415-3580

  • SUMÁRIO

    LIBERDADE PROVISÓRIA E O CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES:UMA ANÁLISE CRÍTICA SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA"PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA"Renan Posella Mandarino

    IMPLICAÇÕES DO VELHO E DO NOVO PARADIGMA EM CIÊNCIA PARAA EDUCAÇÃOFlávio Roberto Chaddad

    O PAPEL DO MARKETING NA CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA AMBIENTAL:REFLEXÕES A PARTIR DE ESTUDO DE CASO DE UMA GESTÃO PÚBLICADennis Henrique Vicário OlivioVera Lúcia Botta Ferrante

    A EXTENSÃO AGRÍCOLA E AS "ESCOLAS NA MACHAMBA DO CAMPONÊS"EM MOÇAMBIQUE: O CASO DA PRODUÇÃO HORTÍCOLA NAS ZONAS VERDESDA CIDADE DE MAPUTOTomás Adriano Sitoe

    RANCHEIROS DO RIO MOGI-GUAÇU, MUNICÍPIO DE BARRINHA-SP:UMA EXPERIÊNCIA DO NOVO RURAL BRASILEIRORosane Teresinha Petroróssi de FigueiredoHelena Carvalho De Lorenzo

    VARIAÇÃO NICTEMERAL DE PARÂMETROS FÍSICO-QUÍMICOS E BIOLÓGICOSDO RIBEIRÃO DAS CRUZES, ARARAQUARA-SPVitor Rocha SantosDaniel Jadyr Leite CostaDenilson Teixeira

    COMUNIDADE DE ARTRÓPODES ASSOCIADA À SERRAPILHEIRA DECERRADO E MATA DE GALERIA, NA ESTAÇÃO ECOLÓGICA SERRA DAS ARARAS –MATO GROSSO, BRASILDaniela Cristina ZardoÂngela Pinheiro CarneiroLígia Gonçalves de LimaManoel dos Santos Filho

    ..................................6

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 3

    ARTIGOS ORIGINAIS

    ..................................8

    ................................35

    ................................50

    EDITORIAL

    ................................70

    ................................90

    ................................22

    ..............................105

  • 4 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    ARTIGO DE REVISÃO

    ....................................114LEVANTAMENTO DOS MACROINVERTEBRADOS AQUÁTICOS DOCÓRREGO LAGOA SERENA, INSTITUTO DE BIOTECNOLOGIA, UNIARA:AVALIAÇÃO DO POSSÍVEL IMPACTO AMBIENTAL DO REPRESAMENTOAlessandra dos Santos PintoDaniela Aparecida MouraFlávia Pâmela Alves de LimaJuliano José Corbi

    O COMPORTAMENTO ALIMENTAR E A INSATISFAÇÃO COM AIMAGEM CORPORAL DAS ATLETAS DO BASQUETE FEMININO DE UMACIDADE DO INTERIOR DE SÃO PAULOMicheli Bordonal GazollaPriscila Fuzaro UeharaMarina Garcia ManochioMárcia Helena Pontieri

    AMELOGÊNESE IMPERFEITA, HIPOPLASIA DE ESMALTE EFLUOROSE DENTAL – REVISÃO DA LITERATURAFlávia Magnani BevilacquaTamires SacramentoCristina Magnani Felício

    O PROTETOR-RECEBEDOR NO DIREITO AMBIENTALDahyana Siman Carvalho da Costa

    O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO, SUA INTERFACE COM ACULTURA E A COMUNICAÇÃORenato Márcio Martins de Campos

    EDUCAÇÃO, RACIONALIDADE E EMOÇÃO NA TESSITURA DASREDES SOCIOTÉCNICASFátima Kzam Damaceno de LacerdaMaristela Barenco Corrêa de MelloFátima Teresa Braga Branquinho

    A QUESTÃO DA VEGETAÇÃO NO AMBIENTE URBANIZADOZildo GalloFlávia Cristina Sossae

    ....................................124

    ....................................136

    ....................................149

    ....................................171

    COMUNICAÇÕES BREVES

    ....................................162

    ....................................182

  • REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 5

    CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: PERSPECTIVASMULTIDISCIPLINARES SOB ENFOQUES TEÓRICOS E APLICADOSAna Cláudia de Oliveira Leite

    PESQUISA DE STREPTOCOCCUS AGALACTIAE NA SECREÇÃOVAGINAL E ANAL DE GESTANTES DE UM MUNICÍPIO DONOROESTE PAULISTACátia RezendeAnne AzeredoDariane Galvão SilveiraRoberto Carlos Grassi MaltaValéria da Cruz Oliveira de CastroRenata Camacho Miziara

    III FÓRUM DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MEIOAMBIENTE: SISTEMAS DE INDICADORES PARA ODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – APRESENTAÇÃO

    RESUMOS

    ......................................194

    ......................................205

    ......................................202

    RESENHA

    NORMAS DE PUBLICAÇÃO ......................................260

    ......................................207

  • O processo de avaliação dos periódicos científicos compreende vários critérios, definidos pela políticaeditorial de cada revista, estabelecidos e divulgados pela comissão editorial. Essas diretrizes incluem, entreoutros, o escopo do periódico, os tipos de manuscritos que podem ser submetidos e sua estrutura, o fluxo desubmissão dos artigos e os prazos de revisão dos trabalhos aceitos.

    A maioria das revistas científicas é de natureza disciplinar – trabalham temas específicos de sua área; entretanto,existem outras com características interdisciplinares, que se colocam como um espaço privilegiado, ultrapassandoos limites do conhecimento disciplinar e dele se distinguindo por estabelecer pontes entre diferentes níveis derealidade.

    As características dos periódicos são assim apresentadas à comunidade científica, permitindo ao pesquisadorselecionar a revista mais apropriada para divulgar os resultados de seu trabalho. Alguns indicadores são tambémimportantes nessa seleção: no Brasil, a CAPES disponibiliza uma lista de periódicos com a classificação dosveículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da sua produção (Sistema Qualis).Compreende procedimentos que estabelecem uma estratificação da produção intelectual dos programas depós-graduação, aferindo a qualidade dos artigos a partir da análise dos veículos de divulgação.

    Outros indicadores de qualidade dos trabalhos científicos e das revistas estão associados ao Fator de Impacto.Essa medida reflete o número de citações de artigos científicos publicados em determinado periódico. O CitationIndex, por exemplo, avalia o número de citações por autor individual pelo número de referências citadas; oJournal Citation Report (JRC) mede o fator de impacto pelo número de citações do periódico e pela vidamédia da revista, ou seja, a periodicidade da revista é um fator importante; o Institut for Scientific Information(ISI) avalia e controla toda a publicação científica mundial e engloba o JRC e o Citation Index.

    Cabe destacar que, dentro desse rigoroso processo de avaliação, a contribuição dos pareceristas ocupa umdeterminante e significativo papel no cenário da comunicação científica.

    Se por um lado existem várias discussões a respeito da efetividade do Fator de Impacto e da qualidade daspublicações, a contribuição do parecerista é sem dúvida o ponto central da questão qualitativa. Trata-se de umtrabalho que envolve ética, responsabilidade e confidencialidade e oferece ao pesquisador/referee o crédito dejulgar com objetividade as pesquisas de seus pares. Um julgamento realizado com base em critérios de avaliaçãode cada periódico, mas que, de modo geral, contemplam, evidentemente, itens comuns: artigos inéditos, redigidoscom base na literatura da área e de acordo com as normas da revista – e, sobretudo, apresentando umadiscussão dos resultados que mostre claramente, além da confiabilidade dos resultados, a contribuição oferecidapara o avanço do conhecimento do tema em estudo. A experiência vivenciada por autores ao receber a respostada avaliação de um artigo submetido envolve desde a satisfação de um trabalho aceito sem modificações e/oucom pequenas modificações – o que transmite segurança em relação ao caminho da pesquisa – até uma recusa,o que pode indicar a necessidade de mudanças de rotas no desenvolvimento do trabalho. Em qualquer doscasos, as sugestões e recomendações apresentadas pelos pareceristas, se lidas com maturidade e espíritocientífico, fornecem, em geral, contribuições e outras ou novas perspectivas que auxiliam os rumos e oaprimoramento científico da investigação proposta. Nesse contexto, o trabalho do parecerista deve ser, comoafirmado acima, determinante para o desenvolvimento de pesquisas de qualidade, evitando a duplicidade deestudos e, também, problemas de plágio.

    Uma questão que vem sendo discutida na academia, quanto à submissão de artigos, refere-se ao tempo deespera para receber o resultado da avaliação de um manuscrito. Certamente um dos motivos é o significativoaumento de trabalhos submetidos, o que é um fator positivo. Uma segunda questão apontada por algumasrevistas é o tempo de resposta dos pareceristas, que pode atrasar o processo de avaliação.

    Muitas revistas solicitam dos autores a indicação de dois ou três nomes, relacionados ao tema do artigo

    A AVALIAÇÃO DOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

    6 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    edito

    rial

  • submetido, para serem selecionados como pareceristas. O procedimento sinaliza uma relação de confiança etransparência entre autores e editores, o que é muito salutar para o processo de avaliação da qualidade dotrabalho científico.

    Compreender as regras da comunicação científica pode ajudar, principalmente, os jovens pesquisadores nadivulgação dos seus resultados, e contribui decididamente na ampliação da visibilidade da revista no cenáriocientífico brasileiro.

    Os Editores

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 7

    A avaliação dos periódicos científicos

  • LIBERDADE PROVISÓRIA E O CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DEENTORPECENTES: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOB A ÓTICA DO

    PRINCÍPIO DA "PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA"MANDARINO, Renan Posella

    Bacharel em Direito pela Unesp/Franca; pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faap.Endereço: Rua Prof. Romualdo Monteiro de Barros, 193 – City Ribeirão, Ribeirão Preto-SP.

    E-mail: [email protected] ou [email protected].

    RESUMOO status libertatis é um direito fundamental garantido constitucionalmente e, portanto, não pode ser privadode maneira arbitrária pelo poder estatal. Com a absoluta prevalência das liberdades públicas fundamentais, aprisão cautelar apenas pode ser decretada quando preenchidos os requisitos legais e demonstrada sua necessidadedurante a persecução penal. Como se não bastasse, a nova Lei de Drogas vedou expressamente a possibilidadede liberdade provisória aos crimes de tráfico ilícito de drogas, norma essa que afronta os ditames constitucionaisde um Estado Democrático de Direito. Ressalte-se que o princípio da presunção de inocência garante a qualquercidadão o direito de permanecer em liberdade enquanto não provada sua culpabilidade (artigo 5.º, LVII,Constituição Federal); caso seja preso preventivamente, esta ordem deverá ser escrita e fundamentada, sobpena de ser decretada sua liberdade provisória (artigo 5.º, LXI e LXVI). O fato de o crime de tráfico ilícito deentorpecentes ser equiparado a crime hediondo (Lei 8.072/90 e alterações da Lei 11.464/07) não pode seróbice à concessão da medida cautelar liberatória. O presente trabalho apresenta os fundamentos da flagranteinconstitucionalidade do artigo 44 da nova Lei de Drogas. Na elaboração do artigo, utilizou-se o métodobibliográfico, como método de procedimento, e o dialético crítico, como método de abordagem.

    PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Tráfico; Drogas; Inocência; Estado; Constitucionalidade.

    ABSTRACTThe status libertatis is a fundamental right constitutionally guaranteed and, therefore, cannot be deprived arbitrarilyby the state. With the absolute primacy of fundamental civil liberties, imprisonment may be imposed only protectivelywhen completed the legal requirements and demonstrated their need for a criminal prosecution. Nevertheless,the new Drug Law expressly forbade the possibility of parole for crimes of drug trafficking, affronting thedictates of a constitutional democratic state of law. It is necessary to emphasize that the presumption of innocenceis a right to every citizen to remain free until proven guilty (Article 5, LVII, Federal Constitution); if ordered hisarrest, this order should be written and substantiated, otherwise his parole could be imposed (Article 5, LXI andLXVI). The fact that the crime of illicit drugs is treated as hate crime (Law 8.072/90 and amended by Law11.464/07) cannot be an obstacle to the injunction of freedom. This monograph describes the principles ofblatant unconstitutionality of article 44 in the new Drug Laws and how this standard affronts the guarantee ofindividual freedom of locomotion. In preparing the article, the bibliographic review method was used as aprocedure method, and the dialectical critical one, as an approach method.

    KEYWORDS: Freedom; Trafficking; Drugs; Innocence; State; Constitutionality.

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  • Liberdade provisória e o crime de tráfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 9

    INTRODUÇÃOÉ papel de um autêntico Estado Democrático de

    Direito garantir a radicalização da instrumentalidadedo processo, como meio de efetivação das liberdadespúblicas fundamentais. Assim, a liberdade deve estarpautada na autonomia materialmente garantida peloEstado por meio de prestações positivas e não apenasproclamada formalmente pela lei. Nesse sentido, oprocesso penal é instrumento de cidadania, de defesada dignidade humana e não simples mecanismo decontrole, repressão, estigma e exclusão social.

    Tanto que todo aparelho repressivo estatal, emsociedades liberais democráticas, deve estarfundamentado no garantismo penal, no qual a persecuçãopenal é exercida dentro de um marco de legalidade ecom o pleno acesso a todos os meios de defesa dessasliberdades. Uma das formas de exteriorização dogarantismo penal ocorre através do princípio dapresunção de inocência ou princípio liberal de inocência,o qual tem o papel fundamental de evitar qualquer espéciede rigor processual que se mostre desnecessário emrelação ao acusado, cuja culpa ainda não for declaradapor sentença condenatória definitiva. Ou seja, a regra éque o réu não deve ser preso antes da decisão final,exceto em caráter excepcional e absoluta necessidade,por meio de um despacho fundamentado; nem deve sersubmetido a constrangimento processual desnecessário.

    Porém, em diversos casos, é forçoso concluir que odiscurso racional e meramente retórico dos direitos egarantias liberais, tal como a presunção de inocência,para a maioria dos acusados tem efeito apenas"encantatório" (MACHADO, 2009, p.167), inoperante,sendo uma garantia constitucional meramente formal.Como consequência, a liberdade é constantementerelegada a segundo plano, a fim de facilitar a manutençãodos mecanismos de repressão e de controle dasociedade pelo Estado.

    É nesse contexto que se insere a nova Lei de Drogas(Lei 11.343/06), a qual veda expressamente a liberdadeprovisória na prática de crime de tráfico ilícito deentorpecentes, nos termos de seu artigo 44, numa nítidadissonância dos preceitos constitucionalmentegarantidos no artigo 5.º, incisos LIV, LVII, LXI e LXVI.

    Essa vedação é a nítida manifestação da "legislaçãodo pânico", ou seja, normas jurídicas feitasrepentinamente, com o viés único de o poder públicoapresentar um respaldo aos anseios da sociedade. ALei de Crimes Hediondos, cujo crime de tráfico deentorpecentes foi a eles equiparado, nasce justamentedo clamor público e da necessidade de aplicar sançõesmais severas a esses delitos.

    O presente artigo procurará demonstrar os elementosconstitucionais da liberdade provisória, a fim decomprovar a ineficácia da citada norma jurídica previstana Lei 11.343/06, apoiando-se nos fundamentos doprincípio da presunção de não-culpabilidade. O estudovisa analisar se a concessão indiscriminada de prisõescautelares, baseada tão somente em um artigo de lei, ouseja, sem observar as peculiaridades do caso concreto,os requisitos do artigo 312 e seguintes do Código deProcesso Penal – CDP, e as demais garantias de direitosindividuais, é instrumento eficiente no combate ao crimede tráfico ilícito de drogas.

    A essência do presente trabalho reside napreocupação com a excessiva decretação de prisõescautelares, muitas delas desmotivadas, prática usualem nosso cotidiano forense. São comuns despachossimplistas no seguinte sentido: "mantenha-se o flagradoà disposição da Justiça no presídio em que se encontra,eis que se trata e crime hediondo, insuscetível deliberdade provisória." Tais decisões se traduzem numapraxe judiciária distanciada dos princípios e normasconstitucionais.

    Evidente que alguns crimes merecem orecrudescimento das tutelas penais. Todavia, qual olimite? Até que ponto poderá haver a supressão dosdireitos constitucionais em detrimento da repressãopenal?

    Em uma matéria realizada pela Ordem dosAdvogados do Brasil – OAB, Emanuel Cacho,presidente do Conselho Nacional de Secretários deJustiça, Direitos Humanos e AdministraçãoPenitenciária, afirmou que a Lei de Crimes Hediondosmantém na cadeia cerca de 70 mil pessoas que nãodeveriam estar presas. O número representa mais de20% da população carcerária (disponível em:

  • 10 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    www.oab.br/noticiaprint.asp?id=2580, 2006). Talestatística é significativa, visto que não há tão somentepresos submetidos à Lei n.º 8.072/90 (Lei de CrimesHediondos).

    Percebe-se que a relação entre a prisão preventiva,a qual na sua essência possui natureza processual ecautelar, e o princípio da presunção da inocência, que éuma das mais importantes garantias constitucionais, émuito tênue, de modo que o rigoroso equilíbrio dos doisinstitutos é essencial para o salutar desenvolvimento doprocesso penal.

    Por derradeiro, a problemática central do presentetrabalho reside no seguinte questionamento: a vedaçãoexpressa da liberdade provisória aos crimes de tráficoilícito de entorpecentes estaria em consonância comos princípios constitucionais e garantias individuais?

    LIBERDADE: DISCURSO DAS LIBERDADES PÚBLICASFUNDAMENTAIS E O PROCESSO PENAL

    No seu conceito geral, liberdade, do latim libertates,significa o não estar preso de maneira nenhuma, o estarisento de travas, de qualquer espécie de determinaçãoproveniente de fora, contanto que esta isenção estejaunida a uma faculdade de autodeterminar-seespontaneamente (HENTZ, 1995, p.20-21).

    A palavra liberdade exprime múltiplos conceitos,podendo ter significados diferentes conforme ocontexto em que é empregada. Os gregos a dividiamem três significados: liberdade natural, que consistiaem uma determinação superior, cósmica, quecomandaria o destino do indivíduo; liberdade política,que exigia a ação do indivíduo de acordo com aspróprias leis; e a liberdade pessoal, que pressupunhauma realidade fora do campo social, ou seja, se situariana esfera estritamente pessoal do indivíduo. Os trêsconceitos fundamentais de liberdade entrelaçam-se,impondo condicionamentos recíprocos.

    Conforme José Afonso da Silva (2005, p. 236-237),liberdade da pessoa física é a "possibilidade jurídicaque se reconhece a todas as pessoas de serem senhorasde sua própria vontade e de locomoverem-sedesembaraçadamente dentro do território nacional".

    A consagração do direito à liberdade foi resultado

    de conquistas sucessivas ao longo da evoluçãohistórica. O marco decisivo para que o direitoconstitucional de liberdade fosse erigido à categoriade direito fundamental, bem como para que houvesseo reconhecimento de sua proteção legal, surgiu comas cartas e estatutos assecuratórios de direitosfundamentais, como a Magna Carta, em 1215, quandobarões ingleses obrigaram João-Sem-Terra a firmá-la; a Petition of Rights, em 1628; o Habeas CorpusAmendment, em 1679, e o Bill of Rights, em 1688.

    Assim, o direito de liberdade passou a constar detodos os documentos internacionais de direitoshumanos, fazendo repousar a sua legitimidade naretórica do jusnaturalismo. Ou seja, concebida comoum direito humano fundamental, a liberdade passou aexibir características da universalidade, da inerência,da indivisibilidade, da transnacionalidade e dainalienabilidade. As várias formas de liberdade,enquanto direitos humanos de primeira geração,guardam uma enorme interlocução com o direitoprocessual penal na medida em que este último estáem permanente e problemática interação com o sistemade liberdades públicas fundamentais. Isso porque,sempre que houver uma persecução penal, é fato quetambém haverá um desprestígio ao status libertatisdo indivíduo.

    As diversas formas de liberdade são tambémdenominadas liberdades públicas, de um lado, porqueestão definidas em normas de caráter público, as normasconstitucionais e de processo, representando o própriofundamento jurídico dos Estados que se estruturam combase nos valores e objetivos do liberalismo; de outro,porque tais liberdades configuram direitos de interessegeral no espaço público e até mesmo exercitáveis contrao Estado. E são fundamentais, uma vez que integrama Carta de Direitos das constituições e compõem abase axiológica do Estado liberal, conferindo-lhesustentáculo e fundamento ético-político.

    Com efeito, no campo processual penal é sempremuito tensa a relação estabelecida entre a necessidadeda persecutio criminis, por exigências de defesa social,e os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Nesseconfronto, a teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli

    MANDARINO, R.P.

  • REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 11

    alçou o processo penal à categoria de verdadeiroinstrumento de proteção das liberdades públicasfundamentais, como verdadeiro mecanismo de efetivaçãodos direitos e garantias individuais. Sobre o assuntopondera Ada Grinover (1982):

    É dentro do processo penal, entendido comoinstrumento da persecução, que a liberdade doindivíduo avulta e se torna mais nítida anecessidade de se colocarem limites à atividadejur isdicional. A dicotomia defesa social/direitos de liberdade assume frequentementeconotações dramáticas no juízo penal; e aobrigação do Estado de sacrificar na medidamenor possível os direitos da personalidade doacusado se transforma na pedra de toque deum sistema de liberdades públicas (p.20).

    Garantido o direito constitucional de liberdade,apresenta-se então o problema de estabelecer oequilíbrio entre a liberdade individual e a autoridadeestatal. Ressalte-se que a existência de um sistema deliberdades e dos respectivos instrumentos de garantiaé condição sine qua non para a manutenção do EstadoDemocrático de Direito; e o processo penal própriodesse tipo de Estado se inscreve entre aquelesinstrumentos de garantia da liberdade, cuja funçãoprimordial outra não é senão a de assegurar o respeitoao regime de liberdades públicas, sem as quais nem oEstado liberal nem a democracia liberal burguesaconseguirão sobreviver. É importante não perder devista que a defesa de um regime de liberdades públicas,por meio da instrumentalidade do processo penal, nãose confunde jamais com a defesa da impunidade deacusados ou criminosos. A sustentação de tal regimecorresponde à defesa da própria democracia e doEstado Democrático de Direito.

    Liberdade provisóriaA liberdade provisória é o instituto processual que

    permite ao acusado, como direito subjetivo seu,aguardar em liberdade o decorrer do processo até finaljulgamento. Esse benefício pode ser conferido, de

    forma a vincular ou não o acusado a determinadasobrigações no processo. Sua concessão se justificaem nome da precariedade do inquérito, como tambémda não definitividade do processo.

    Exige-se que em alguns casos o beneficiado sesubmeta ao cumprimento de certas obrigações legais,sob pena de sua revogação, conforme artigos 327 e328 do CPP.

    A liberdade provisória se ampara no artigo 310 eseu parágrafo único do Código de Processo Penal ese apresenta sob duas modalidades, a saber: liberdadeprovisória com fiança e sem fiança.

    A custódia provisória sem fiança pode serconcedida em atenção à qualidade da pena, nashipóteses em que não for cominada pena privativa deliberdade, quando o máximo da pena privativa deliberdade não exceder três meses (artigo 321 eseguintes do CPP); liberdade provisória em funçãodas circunstâncias do fato, quando o agente pratica ocrime acobertado por uma das excludentes deantijuridicidade (artigo 310 parágrafo único do CPP);liberdade provisória relacionada com a condiçãoeconômica do acusado (artigo 350 do CPP); infraçãoem que é imposta somente a pena de multa (artigo321, inciso I, do CPP).

    A concessão da liberdade provisória mediantefiança é possível quando o ilícito for apenado comdetenção ou prisão simples e a pena máxima cominadaexceder três meses, cuja fiança poderá ser concedidainclusive pela autoridade policial (artigo 322 do CPP);nos casos de delitos apenados com reclusão, quandoa pena mínima cominada não for superior a dois anos,cuja fiança somente será concedida pela autoridadejudiciária competente (artigo 322, parágrafo único, c/c artigo 323, inciso I, do CPP); nos crimes contra aeconomia popular e de sonegação fiscal definidos emlei, quando houver prisão em flagrante (artigo 325,parágrafo 2.°, incisos I, II e III, do CPP).

    A liberdade provisória não poderá ser concedidanos casos em que se seguem: quando a infração penalfor punida com reclusão e a pena mínima cominadafor superior a dois anos; quando se tratar decontravenções de vadiagem e mendicância; no caso

    Liberdade provisória e o crime de tráfico...

  • 12 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    de crime doloso punido com pena privativa deliberdade, se o réu for reincidente específico, ou seja,caso já tenha sido condenado por outro crime dolosoem sentença definitiva (transitada em julgado); quandohouver nos autos provas que demonstre ser o réu vadio;quando a infração penal for punida com reclusão eprovoque clamor público ou tenha sido cometida comviolência contra a pessoa ou com grave ameaça; noscasos de quebra de fiança anteriormente concedidano mesmo processo, ou ainda quando houverdescumprimento, sem razão justificada, das obrigaçõesrelacionadas pelo artigo 350 do CPP; nos casos deprisão disciplinar, administrativa ou militar; quando oréu estiver em gozo de suspensão condicional da penaou de livramento condicional, salvo se processado porcrime culposo ou contravenção que admita fiança;quando presentes os motivos que determinam adecretação da prisão preventiva; quando se tratar decrimes hediondos e conexos elencados pela Lei n.°8.072/90 (artigos 1.° e 2.°).

    ASP ECTOS FUNDAM ENTAIS DO PRINCÍPIO DAPRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

    O princípio da presunção liberal de inocênciaaparece, pela primeira vez em constituições brasileiras,na Constituição de 1988, no artigo 5.º, inciso LVIII:"ninguém será considerado culpado até o trânsito emjulgado da sentença penal condenatória."

    A grande crítica feita a esse princípio constitucionalincide nas restrições que ele comporta, pois a própriaDeclaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,de 1789, já afirmava que todo homem é presumidoinocente, ao passo que, em seguida, estabeleciaimplicitamente a possibilidade de prisão sem culpaformada, ao determinar que esta deveria ser cumpridasem excesso. Logo, a presunção de inocência pareceriaconduzir a uma noção de proibição de aplicação deefeitos da condenação, antes de um processo e antesde uma condenação. Entretanto, a ideia não vingou.Era necessária a preservação da "ordem pública" nasua extensão maior, o que viabilizava a permissão pararestringir a liberdade, antes mesmo de submeter alguéma um processo e antes mesmo de ser confirmada a

    condenação num processo.Nesse sentido, leciona Batisti (2009):

    A presunção de inocência é uma garantia, abstratae indeterminada, impeditiva, que assim redirecionao Estado para um não agir. É, então, um princípiode ação negativa. Exige um não fazer. A exceção– qual seja, a possibilidade de prisão – antes decondenação e antes mesmo do processo, passoua ser fundamentada como uma garantia inversa,ou seja, garantia de agir, de fazer em nome daprevalência do interesse social em face dointeresse pessoal (p.158).

    Assim, a exceção que permite agir fundamenta-seno poder de cautela, em nome do acautelamento dointeresse público e da segurança jurídica. Disso partea separação entre privação de liberdade em face dacondenação em processo e privação de liberdadecautelar.

    Note-se que as constituições brasileiras em nenhummomento previram expressamente a possibilidade deprisão obrigatória em face da gravidade de crimes. Éfirme o entendimento da Suprema Corte, conforme severifica no Habeas Corpus 90.063/SP, de relatoria doministro Sepúlveda Pertence, DJ 27.03.2007, no sentidode que a gravidade objetiva do crime não é suficientepara determinar a prisão, mas tão somente a necessidadecautelar, preenchidos os requisitos legais previstos noartigo 312 e seguintes do estatuto processual penal.Portanto, uma prisão cautelar deve estar fundamentadana necessidade, ter caráter de subsidiariedade,excepcionalidade e imprescindibilidade, em razão daimagem de culpado gerada à pessoa detida aos olhosdo público. A eficácia da medida cinge-se ao resultadoútil a ser obtido, ou seja, não há cautelaridade a serresguardada, se não houver risco durante a faseinvestigatória e instrutória e na consecução dosresultados.

    Ademais, o caráter de necessidade constrói-sevinculadamente à subsidiariedade. A cautelar emquestão somente deve ser prevista e imposta comonecessidade última. Portanto, deve ceder a outras

    MANDARINO, R.P.

  • REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 13

    cautelas que sejam adequadas para garantir o resultadoprocessual.

    A excepcionalidade da presunção de inocênciavigora através da marcação de o acusado respondersolto a qualquer processo. A prisão processual cautelaré situação fática de exceção, a depender da completaanálise do caso concreto.

    Outra garantia que se depreende do textoconstitucional é que a cautelar deve ser determinada porórgão judicial competente, com decisão fundamentadaque justifique os pressupostos exigíveis da medida.

    Alguns juristas discutem sobre a distinção práticadas expressões "presunção de inocência" e "presunçãode não culpabilidade". Illuminati (1979, p.21) rejeita odebate semântico a fim de se evitar o risco de reduziro princípio a uma inconcludente enunciação retórica,em que o acusado de presumível inocente passa a serconsiderado não culpado, situação esta que prejudicauma noção extremamente clara e historicamenteconsolidada.

    Na lição de Alexandra Vilela (2005, p.73), "fazer adistinção entre presunção de inocência e presunçãode não culpabilidade revela-se contraproducente, poisretira-se um significado determinado, favorecendo,assim, soluções arbitrárias no plano aplicativo".

    Apesar de a redação do texto constitucionalenveredar pela utilização da expressão "presunção denão culpabilidade", a doutrina e a jurisprudência têmadotado, salvo raríssimas exceções, a designaçãooriginal.

    A interpretação literal desse direito-garantia éequivocada, pois conduz ao paradoxo frente àsmedidas cautelares de restrição de liberdades edireitos, tais como: busca e apreensão, interceptaçãode comunicações e dados, etc., e até mesmo diantedas formas de prisão provisória adotadas pelageneralidade dos sistemas processuais.

    Portanto, ao longo do presente trabalho, aexpressão "presunção de inocência" ou "presunção denão culpabilidade" será utilizada sem um rigor linguísticotécnico, visto que as discussões sobre o assunto sãoinconclusivas e discrepantes.

    Ademais, o princípio da presunção de inocência

    apresenta três dimensões jurídicas no teor de suaanálise, ou seja, atua como regra probatória, regra detratamento e regra de garantia.

    Primeiramente atua como regra de tratamento, ouseja, embora recaiam sobre o imputado suspeitas deprática criminosa, o mesmo deve ser tratado no cursodo processo como inocente, sem diminuí-lo social,moral ou fisicamente diante de outros cidadãos nãosujeitos a um processo acusatório. Essa dimensão atuasobre a exposição pública do imputado, acerca de sualiberdade individual, mais precisamente como limite àsrestrições de liberdade do acusado antes do trânsitoem julgado, a fim de se evitar a antecipação de pena.Sob esse aspecto, o princípio funciona como limitaçãoteleológica à aplicação da prisão preventiva(NICOLITTI, 2006, p.63).

    Outra dimensão se verifica no campo probatório;nesse sentido, o princípio atua como regra dedistribuição do ônus da prova e regra de julgamento,em seu desdobramento in dubio pro reo. O ônus daprova incide sob dois aspectos: formal e material. Oprimeiro liga-se à distribuição entre as partes daincumbência de provar certos tipos de fatos. O segundorefere-se a quem sofre o prejuízo em função da dúvidasobre um fato no momento da sentença.

    No processo penal, para parte da doutrina, aquestão da distribuição (iniciativa) entre as partes restaprejudicada, em razão da aplicação do princípio daverdade real, o qual permite que o próprio magistradodetermine diligências e complemente a atividadeprobatória das partes. Entretanto, a visão massificadaabordada nos manuais de processo penal é a de quecabe ao acusador a prova do fato e da autoria, bemcomo as circunstâncias que causam o aumento de pena;ao acusado cabe a prova dos fatos impeditivos ouextintivos, tais como as causas excludentes deantijuridicidade, da culpabilidade e da punibilidade,bem como das circunstâncias que impliquem diminuiçãode pena (op. cit., p. 80-83).

    A terceira dimensão incide na análise da presunçãode inocência como regra de garantia. Assim, toda pessoaacusada de delito tem como garantia que se presumasua inocência enquanto não se comprove legalmente sua

    Liberdade provisória e o crime de tráfico...

  • culpa; logo, o referido princípio impõe ao MinistérioPúblico o dever de apresentar, em juízo, todas as provasde que disponha, sejam as desfavoráveis, sejam asfavoráveis ao imputado. Além disso, viola-se a presunçãode inocência como regra de garantia quando, naatividade acusatória ou probatória, não se observaestritamente o ordenamento jurídico.

    LIBERDADE PROVISÓRIA E O CRIME DE TRÁFICOILÍCITO DE ENTORPECENTES: PONDERAÇÕES SOBRE ACONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 44, DA LEI11.343/06

    A proibição da liberdade provisória para o crimede tráfico não é novidade, pois este era o espírito quedirecionava a jurisprudência majoritária na vigência daLei 6.368/76.

    Pesquisas apontam que as apreensões de drogasilícitas pela Polícia Federal, de 2001 a 2005, atingiram1.112,45 toneladas. O indiciamento de traficantes pelocitado órgão vem numa crescente (2.756 em 2001,3.543 em 2002, 3.150 em 2003, 3.265 em 2004 e4.181 em 2005). Os dados do censo penitenciáriorealizado pelo Departamento Penitenciário Nacional doMinistério da Justiça, relativo ao ano de 2007, apontaque existem 54.585 pessoas presas em razão da práticade crime de tráfico de drogas (disponível em:www.unodc.org/pdf/brazil/portugues_final2.pdf, 2008).

    Nesse sentido, a aprovação da Lei 11.343/06revogou expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, bem como modificou o panorama do tratamentodo acusado ou condenado por determinados tipospenais relacionados às drogas. Dentre eles está o artigo44, o qual dispôs que os crimes previstos nos artigos33, caput e parágrafo 1.º, e 34 a 37 são inafiançáveise insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia eliberdade provisória, vedada a conversão de suas penasem restritivas de direitos.

    Acrescentou o parágrafo único que, nos crimesprevistos no caput do referido artigo, dar-se-á olivramento condicional após o cumprimento de doisterços da pena, vedada sua concessão ao reincidenteespecífico.

    Portanto, esse era o quadro no qual se insere a

    legislação no combate às drogas, com a evidentefinalidade de recrudescer o ordenamento jurídico penale promover uma falsa sensação de segurança aocidadão brasileiro.

    A alteração na Lei 8.072/90 e os seus reflexosna Lei de Drogas

    A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º,inciso XLIII, inovou ao estabelecer um mandado aolegislador para que, através de lei, passasse a considerarcomo inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia aprática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes edrogas afins, o terrorismo e os crimes definidos comohediondos, responsabilizando penalmente os mandantes,executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Ajustificante do constituinte é de que se tratavam de crimesrepugnantes, sórdidos e, portanto, deveriam ter umtratamento mais rígido.

    Baseado no ordenamento constitucional, já em1990, época de crescente alarde nacional em razãode suposto incremento da criminalidade, o CongressoNacional aprovou a Lei de Crimes Hediondos, Lei8.072 de 26 de julho de 1990. Apesar de não definiro que poderia ser considerado como "crime hediondo",o texto legal estabeleceu, em seu artigo 1.º, um rol dedelitos que deveriam ser considerados como tal.

    Ao mesmo passo, o diploma legislativo equiparouaos crimes hediondos a prática da tortura, o tráficoilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo.Dessa maneira, tanto os delitos hediondos quanto osequiparados seriam insuscetíveis de anistia, graça,indulto, fiança e liberdade provisória, consoante aoartigo 2.º.

    Como não bastasse, o prazo de prisão temporáriaaumentou de 5 para 30 dias (prorrogáveis por outros30 dias). Portanto, a lógica das prisões decorrentesde sentenças penais condenatórias recorríveis forainvertida, ao fixar como regra a fundamentação para aliberdade e não para a prisão, e o regime paracumprimento da pena fora fixado como o integralfechado.

    Por cerca de 16 anos, o crime de tráfico de drogas(assim entendido pelo Supremo Tribunal Federal como

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  • aquele previsto nos artigos 12 e 13 da antiga Lei 6.368/76, já que inexistente um tipo penal com tal nomenjuris), na condição de equiparado a hediondo, sofreuas consequências penais e processuais da Lei dosCrimes Hediondos. Ocorre que, com a previsão doartigo 44 da Lei 11.343/06, a proibição da liberdadeprovisória passou a ser expressa.

    O desfecho histórico-legislativo de toda essasucessão de leis penais no tempo ocorreu com apublicação, em 29 de março de 2007, da Lei 11.464,a qual alterou a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e, teoricamente, passou a permitir liberdadeprovisória em crimes hediondos e equiparados. Amencionada lei nada dispôs sobre eventual vedação àconcessão de sursis e à conversão da pena privativade liberdade em restritiva de direitos.

    A Lei 11.464/07 previu que o cumprimento da penadeveria ser inicialmente em regime fechado e aprogressão de regime após o cumprimento de 2/5 (doisquintos) da pena, se o condenado fosse primário, e 3/5 (três quintos), se fosse reincidente, para os crimesnela elencados.

    Entretanto, surge uma controvérsia ao analisar odisposto no artigo 2.º da Lei 8.072/90 com o dispostono artigo 44 da Nova Lei de Drogas, visto que esteúltimo dispositivo legal veta a concessão de liberdadeprovisória para o crime de tráfico de entorpecentes. Amaioria dos doutrinadores entende que o crime de tráficode drogas comporta a liberdade provisória sem fiança.

    Guilherme de Souza Nucci (2008, p.348) asseveraser possível a concessão de liberdade provisória parao crime de tráfico de entorpecentes, visto que a Lei8.072/90, alterada pela Lei 11.464/07, e a Lei 11.343/06 são especiais e da mesma categoria hierárquica.Logo, prevalece a lei editada mais recentemente.

    No mesmo sentido, Fernando Capez (2007,p.143-148) salienta a necessidade de o magistradojustificar o periculum in mora, ao negar o pedido deliberdade provisória ao acusado pela prática do crimede tráfico de drogas, em razão da prevalência doprincípio da não-culpabilidade.

    Na contramão, Vicente Greco Filho (2008, p.155-157) sustenta que o crime de tráfico de drogas não

    comporta liberdade provisória sem fiança. Argumentaque a Lei n.º 11.464/07, ao ser promulgada, modificouo artigo 2.º, inciso II da Lei n.º 8.072/90, e permitiu aconcessão de liberdade provisória para os crimeshediondos e equiparados; contudo, diz tratar-se de umamodificação genérica, que não abarca o crime de tráficode drogas, visto que a Lei de Drogas veta expressamentea concessão de liberdade provisória para os crimes detráfico ilícito. Assevera, ainda, que a Lei n.º 8.072/90aplicar-se-á somente aos crimes de tráfico de drogas,quando suas disposições não contrariarem o dispostona Lei de Drogas.

    Na visão de Francis Rafael Beck (2008), éequivocada a argumentação acima. Cotejando os doisdiplomas legais, percebe-se que a nova Lei de Drogas,assim como a Lei de Crimes Hediondos, manteve avedação à fiança. Entretanto, no caso concreto, avedação não oferece maiores consequências aoacusado:

    A fiança, enquanto forma de assegurar ao presoem flagrante o direito de liberdade provisória,perdeu atualmente sua importância no sistemaprocessual penal, o qual permite a concessão daliberdade "com" ou mesmo "sem" o pagamentode fiança, desde que ausente os requisitos para adecretação da prisão preventiva presentes noartigo 310, parágrafo único. Ou seja, ainda queincabível a fiança, a liberdade provisória não seráafetada (p.159).

    Portanto, parece um pouco desarrazoado econtraditório o entendimento restritivo da Liberdadeprovisória na Lei 11.343/06 e suscetível na Lei deCrimes Hediondos. Beck critica o recrudescimentoexacerbado do sistema penal e cria uma nova categoriaao delito de tráfico de drogas, chamado de crimes"supra-hediondos":

    Dessa forma, certo é que os crimes relacionadospelo artigo 44 da Lei 11.343/06 têm restriçõespenais mais severas do que os próprios crimesreferidos na Lei 8.072/90. Isso porque àqueles,

    Liberdade provisória e o crime de tráfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 15

  • como visto, não é permitida a liberdade provisória,sursis e conversão de penas. O que resta evidenteé que a Lei de Drogas criou uma categoria decrimes "supra-hediondos", já que com limitaçõespenais mais graves do que os próprios crimeshediondos, previstos pela Constituição Federalcomo os de mais alto grau de reprovação jurídico-penal (p.161)

    Ainda que haja vedação expressa para concessãode liberdade provisória, é imprescindível a análise dosrequisitos que autorizam a decretação da prisãopreventiva. Ausentes estes, a liberdade deve serdecretada, independentemente da gravidade do delito.Portanto, a gravidade do fato e a presumívelpericulosidade do agente não são elidentes do princípioda presunção de inocência. Caso inexistam osrequisitos autorizadores da custódia preventiva, deveser concedida a liberdade provisória (MARCÃO,2008, p. 370).

    Ressalte-se que, para a regularidade processual dadecretação da prisão preventiva, não basta aidentificação da presença dos requisitos autorizadores.É imprescindível que o despacho de decretação dacustódia cautelar seja suficientemente fundamentado,com indicação precisa da presença de cada um dosrequisitos.

    A discutível constitucionalidade do artigo 44da Lei de Drogas e o princípio da presunção deinocência

    É comum observar no cotidiano forense decisõesmecanicistas com teor distanciado dos princípios enormas constitucionais, iniciando-se aí um confrontodireto com as liberdades públicas fundamentais. É atradução de manifestações nulas por absoluta ausênciade fundamentação, bem como por instituir a prisãopreventiva compulsória, automática.

    Essa excessiva visão legalista fere a garantiaconstitucional da presunção do estado de inocência, aqual tem como corolário lógico a proibição de que seadote contra o réu qualquer medida de caráter punitivoantes do trânsito em julgado da sentença penal

    condenatória. A lei ordinária pode admitir ou não aliberdade provisória, conforme circunstânciasconcretas; porém, não pode sempre vedá-la em carátergenérico e absoluto para certa tipologia de crimes.

    O principal fundamento para a inconstitucionalidadedo artigo 44 da Lei 11.343/06 é a inversão dos valoresjurídicos constitucionais da norma: a lei ordinária tornouregra o que era exceção no ordenamento constitucionalbrasileiro, ou seja, a prisão cautelar tornou-se normacogente para os crimes hediondos e equiparados e aliberdade pessoal, a exceção. Assim, o cenárioconstruído pela nova Lei 11.343/06 é o da prisãopreventiva obrigatória.

    Além disso, o legislador ordinário disse mais doque o legislador constituinte, uma vez que o artigo 5.º,inciso XLII, da Carta Política proíbe aos crimesconsiderados hediondos e aos por ele assemelhados aanistia ou graça, tornando-os inafiançáveis, semmencionar, no entanto, a vedação expressa à liberdadeprovisória.

    Sobre o assunto, César Faria Júnior apoia-se nahermenêutica jurídica e faz suas ponderações acercado citado inciso constitucional: "trata-se de exceçãoque a constituição faz a si mesma e, por conseguinte,não é dado ao legislador ordinário ampliar e estenderuma exceção constitucional, sabido que, pela maiselementar regra de hermenêutica, as exceções devemser interpretadas restritivamente. Portanto, não podeo legislador proibir a concessão da liberdadeprovisória, naqueles crimes, por falta de previsão econsequente autorização constitucional" (p. 159).

    A segregação provisória deve ser utilizada somentepara a proteção rápida e emergencial de interessesenvolvidos na persecução penal. Dois requisitos sãofundamentais para a restrição da liberdade provisória,qual seja a probabilidade do fumus comissi delicti edo periculum libertatis.

    Não basta dizer que o direito é concretude se, nacotidianidade das práticas jurídicas, tais afirmações nãoencontram comprovação, nem de longe, na medidaem que os juristas sacrificam a singularidade do casoconcreto em favor de "pautas gerais", fenômeno quenão é percebido no imaginário jurídico. No contexto

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  • da dogmática jurídica, os fenômenos sociais quechegam ao Judiciário são analisados como merasabstrações jurídicas, nas quais os protagonistas doprocesso (autor e réu) estabelecem uma espécie decoisificação, objetificação da relação jurídica.

    Frise-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgara Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.112-1/DF, relativamente ao Estatuto do Desarmamento,decidiu que o artigo 21 da Lei n.º 10.826/03 afronta aConstituição. Referido artigo guarda idêntica redaçãoao artigo 44 da lei antitóxicos, uma vez que proíbegenericamente a concessão de liberdade provisória semapreciar os dados objetivos e concretos de cada casoespecífico, bem como as circunstâncias pessoais doacusado.

    Pelos motivos expostos, a recente decisão serve deparâmetro e fundamento para o reconhecimento dainconstitucionalidade, difusa ou em concreto, da vedaçãoà liberdade provisória pelo artigo 44 da Lei 11.343/06.

    CasuísticaSuperior Tribunal de JustiçaCumpre salientar que a Corte Superior apresenta

    duas posições distintas sobre o assunto. A Quinta Turmadefende a legalidade do texto da Lei 11.343/06 e aSexta Turma justifica a necessidade de idôneamotivação para decretação da prisão cautelar.

    A orientação da Quinta Turma do Superior Tribunalde Justiça é o da prevalência do dispositivo 44 da Lei11.343/06. Os ministros Napoleão Nunes Maia Filho,Laurita Vaz e Felix Fischer, principais relatores da Turmaacerca do assunto, proferiram decisão no sentido deque a norma contida na Nova Lei de Drogas trazvedação expressa do benefício da liberdade provisória,a qual, por si só, é motivo suficiente para impedir aconcessão da benesse ao réu preso em flagrante porcrime de tráfico ilícito de drogas. É o que se depreendedo Habeas Corpus 143.038/RJ, publicado no DJ nodia 27 de maio de 2010.

    Outro argumento utilizado pelo Superior Tribunalde Justiça, para negar os pedidos de liberdadeprovisória, é o de que sua proibição aos presos emflagrante de delito pela prática de crime hediondo

    deriva da inafiançabilidade preconizada pelo artigo 5.º,inciso XLIII, da Constituição Federal. Cite-se comoexemplo o Habeas Corpus 78.237/RS, publicado noDJ dia 7 de agosto de 2007.

    Entretanto, a Sexta Turma tem entendimentodiametralmente oposto ao ora exarado. Baseada suafundamentação no garantismo constitucional dapresunção de inocência, argumenta a ministra MariaThereza de Assis Moura que, para a decretação daprisão cautelar, é indispensável a comprovação concretado periculum libertati. Argumenta no Habeas Corpus68.397/MG, publicado em 19 de maio de 2009:

    A garantia constitucional da presunção deinocência exige que o magistrado demonstreconcretamente a utilidade e a necessidade damedida extrema a partir de um juízo de ponderaçãoe de proporcionalidade, este alicerçado na análisesimétrica entre a idéia da proteção da coletividade,sentida pela óptica da segurança social, e orespeito à liberdade do cidadão. No caso vertente,não se encontra presente o periculum libertatispor meio do que se assentou a proteção da ordempública. Ordem concedida para permitir que aPaciente responda em liberdade o processo penal,sob o compromisso de comparecimento a todosos atos do processo.

    Em seu voto no Habeas Corpus 139.412/SC, aministra alerta que o indeferimento da liberdade provisóriapautado somente na vedação legal do artigo 44 éinidôneo para justificar a imprescindibilidade da medidacautelar. Alega que a decisão de prisão deve fundar-seem fatos concretos e não na gravidade abstrata do delito.No acórdão, a ministra Maria Thereza posiciona-sefavorável à tutela das garantias fundamentais, visto seresse o princípio que lastreia o Estado Democrático deDireito. Ressalta a vigência absoluta das liberdadespúblicas no ordenamento jurídico brasileiro:

    Dúvida não há, portanto, de que a liberdade, antesdo trânsito em julgado, é a regra, não secompactuando com a automática determinação/

    Liberdade provisória e o crime de tráfico...

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  • manutenção de encarceramento. Pensar-sediferentemente seria como estabelecer umagradação no estado de inocência presumida. Ora,é-se inocente, numa primeira abordagem,independentemente da imputação. Tal decorre daraiz da ideia-força da presunção de inocência edeflui dos limites da condição humana, a qual seressente de imanente falibilidade. A necessidadede motivação das decisões judiciais – dentre asquais se insere aquela relativa ao status libertatisdo imputado antes do trânsito em julgado – nãopode significar, a meu ver e com todo o respeitodos votos contrários, a adoção da tese de que, noscasos de crimes graves, há uma presunção relativada necessidade da custódia cautelar em se tratandode flagrante. E isso porque a Constituição daRepública não distinguiu, ao estabelecer queninguém poderá ser considerado culpado antes dotrânsito em julgado de sentença penal condenatória,entre crimes graves ou não, tampouco estabeleceugraus em tal presunção. A necessidade defundamentação decorre do fato de que, em setratando de restringir uma garantia constitucional,é preciso que se conheça dos motivos que ajustificam. É nesse contexto que se afirma que aprisão cautelar não pode existir ex legis, mas deveresultar de ato motivado do juiz.Trata-se de verdadeira afronta à garantia damotivação das decisões judiciais o decisum quejustifica a prisão da forma supracitada. Comomedida extrema, dotada de absolutaexcepcionalidade, deve ser a prisão provisóriajustificada em motivos concretos, e, ainda, queindiquem a necessidade cautelar da prisão, sobpena de violação à garantia da presunção deinocência.

    E ratifica os argumentos contrários à aplicabilidadeda nova redação do artigo 2.º da Lei 8.072/90 aocrime de tráfico de entorpecente:

    A propósito da discussão, nesta Corte tem havidodivergência quanto à necessidade de justificar a

    prisão quando o agente é preso em flagrante pelasuposta prática de alguns dos crimes previstos noinciso XLIII, do art. 5.º, da Constituição Federal.Desconsiderar o teor da Lei n.º 11.464/07, ouentender que tal comando normativo não se aplicaà Lei n.º 11.343/06 – sendo que ambas sãocomandos normativos de mesma hierarquia – érealizar, a meu ver, uma distinção judicial que nemmesmo foi empreendida pelo Texto Maior. Comefeito, não é dado ao Poder Judiciário, sob pena dese incorrer em vedado arbítrio, promover adiferenciação, criando-se, de modo sinuoso, umanova categoria, ao arrepio da lei e da Constituição.Desprezando-se a nova redação do art. 2.º daLei n.º 8.072/90, haverá, também, a violação doprincípio da proporcionalidade. Tal decorre do fatode se empreender uma disciplina mais rígida parao crime de tráfico, o qual é equiparado a hediondopela Constituição Federal. Sobreleve-se o fatode que, dentre os hediondos, há crimes punidosmais intensamente do que o delito de tráfico dedrogas, como o homicídio qualificado, e nem porisso a nova regra da liberdade provisória deixaráde ser aplicada a eles.

    Supremo Tribunal FederalO Supremo Tribunal Federal vinha pacificando seu

    entendimento que a Lei 11.464/07 apenas corrigiuredundância legislativa, pois, ao vedar a fiança,implicitamente vedava a liberdade provisória. Justificavaque ainda que se entendesse abolida a proibição daliberdade provisória, essa permissão não se estenderiapara o delito de tráfico, pois tanto a ConstituiçãoFederal como a Lei 11.343/06 impedem a aplicaçãodo citado benefício. Assim foi o voto do ministro GilmarMendes nos autos do Habeas Corpus 92495/MG,publicado em 9 de julho de 2007. Compartilham omesmo entendimento: Ricardo Lewandowski, CarlosAyres Britto, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, MarcoAurélio e Ellen Gracie.

    A ministra Cármen Lúcia assevera ser desnecessárioquestionar sobre a constitucionalidade da supressãoda liberdade provisória aos crimes de tráfico de

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  • entorpecentes, visto que a proibição de liberdadeprovisória, nos casos de crimes hediondos eequiparados, decorre da própria inafiançabilidadeimposta pela Constituição da República à legislaçãoordinária (constituição da República, art. 5.º, inc.XLIII). Assim, inconstitucional seria a legislaçãoordinária que dispusesse diversamente, tendo comoafiançáveis delitos que a Constituição da Repúblicadetermina inafiançáveis. Limitou-se a lei numa alteraçãotextual: a proibição da liberdade provisória decorreda vedação de fiança, não da expressão suprimida.Mera alteração textual, sem modificação da normaproibitiva de concessão da liberdade provisória aoscrimes hediondos e equiparados, que continua vedadaaos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos.A Lei 11.343/06 não poderia alcançar o delito de tráficode drogas, cuja disciplina já constava de lei especialaplicável ao caso vertente. Irrelevância da existência,ou não, de fundamentação cautelar para a prisão emflagrante por crimes hediondos ou equiparados.

    Parte da doutrina, na qual nos filiamos, critica talargumentação. Lendo (e relendo) o art. 5.º, XLIII, daCF/88, não se encontra (nem implicitamente) a vedaçãoda liberdade provisória nos crimes hediondos.

    No caso do tráfico de drogas, equiparado a hediondodesde 1990, a proibição da liberdade provisória foireiterada na Nova Lei de Drogas, mais precisamente emseu artigo 44. Desde 8 de outubro de 2006, data em queentrou em vigor a nova lei, essa proibição, portanto, seachava presente tanto na lei geral (Lei dos CrimesHediondos) como na lei especial (Lei de Drogas). Essecenário foi completamente alterado com o advento daLei 11.464/07, que, vigente desde 29 de março de 2007,aboliu a vedação da liberdade provisória.

    Adverte Gomes (2008, p.235) que houve umasucessão, no tempo, de leis processuais materiais,fenômeno regido pelo princípio da posterioridade, istoé, a lei posterior revoga a anterior (essa revogação, comosabemos, pode ser expressa ou tácita; no caso da Lei11.464/2007, que é geral, derrogou expressamente partedo art. 44 da Lei 11.343/2006, que é especial). Emoutras palavras: desapareceu do citado art. 44 a proibiçãoda liberdade provisória, porque a nova lei revogou

    (derrogou) explicitamente a antiga. Portanto, o princípiovigente é o da posterioridade, não o da especialidade,que pressupõe a vigência concomitante de duas ou maisleis, aparentemente aplicáveis ao caso concreto. Nãose pode confundir o instituto da sucessão de leis penais(conflito de leis no tempo) com o conflito aparente denormas penais: no primeiro há uma verdadeira sucessãode leis, ou seja, a posterior revoga ou derroga a anterior;já no segundo, pressupõe e exige duas ou mais leis emvigor e, por força do princípio ne bis in idem, uma sónorma será aplicável. Outra distinção é que o conflitoaparente de leis penais é regido pelos princípios daespecialidade, subsidiariedade e consunção. O que reinana sucessão de leis penais é o da posterioridade.

    O Congresso Nacional, consoante se depreende,ressalvou as hipóteses em que o benefício era vedadopela lei especial, a fim de impedir os efeitos da leiposterior.

    Portanto, observa-se que a interpretação dada peloSupremo Tribunal Federal gera indisfarçável injustiça.Todavia, recentemente, a Suprema Corte vemapresentando entendimento mais ponderado paraconcessão da liberdade provisória aos crimes detráfico de entorpecente. Quedam-se nesse sentido osministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa, Eros Graue Cezar Peluso.

    Na decisão em caráter liminar do Habeas Corpus100742/SC, o ministro Celso de Mello repeliu oartigo 44 da Lei de Drogas. O argumento foi que avedação seria inconstitucional, pois incompatível,independentemente da gravidade objetiva do delito,com a presunção de inocência e a garantia do dueprocesso f Law. O ministro ainda ressalta que amesma situação se registra em relação ao artigo 7.ºda Lei 9.034/95, Lei do Crime Organizado, e no artigo21 do Estatuto do Desarmamento, o qual foradeclarado inconstitucional em via de ação direta.

    CONSIDERAÇÕES FINAISA sanha do Poder Legislativo, numa demagógica

    tentativa de combater a criminalidade por meio dasupressão de direitos e garantias individuais, encontraa devida resistência pelo Poder Judiciário, através do

    Liberdade provisória e o crime de tráfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 19

  • reconhecimento da manifesta inconstitucionalidade.O artigo 44 da Lei Antitóxicos, ao proibir

    genericamente a concessão de liberdade provisória aoacusado de tráfico, associação e financiamento aotráfico ilícito de entorpecentes, infringe diretamente oprincípio do estado de inocência e o dever defundamentação das decisões judiciais.

    Vai contra o estado de inocência, porque permite aadoção de custódia preventiva sem observar osprincípios de natureza cautelar que devem inspirar amedida e tornar-se, portanto, punição antecipada. Ocorolário lógico desse princípio proíbe que se adotemcontra o réu quaisquer medidas de caráter punitivo antesdo trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

    As prisões cautelares não podem converter-se emforma antecipada de punição penal; são instrumentosexcepcionais utilizados para viabilizar a investigaçãocriminal sempre que a liberdade do acusado possacomprometer o regular desenvolvimento e eficácia daatividade processual.

    Admitir a prisão de uma pessoa, sem que haja umadecisão condenatória transitada em julgado, atravésda mera homologação da prisão em flagrante, porhaver permissivo legal, constitui manifesto retrocesso.Dar guarida a norma de tal jaez é sustentar ainconstitucionalidade, de tal forma a suprimir o princípioda presunção de inocência.

    As alterações pertinentes a Lei de Crimeshediondos, por meio da Lei 11.464/07, não impedema aplicação da liberdade provisória aos crimes detráfico ilícito de entorpecentes.

    Os tribunais seguem divididos com relação aoassunto. Todavia, ganha cada vez mais espaço oargumento de inconstitucionalidade da referida normae a possibilidade de decretação da liberdade provisóriaaos crimes de tráfico de drogas.

    REFERÊNCIAS

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  • IMPLICAÇÕES DO VELHO E DO NOVO PARADIGMA EM CIÊNCIAPARA A EDUCAÇÃO

    CHADDAD, Flávio RobertoGraduado em Engenharia Agronômica pela Unesp/Botucatu e em Ciências Biológicas pela Unip/Bauru;

    especialista em Educação Ambiental pela Unesp/Botucatu e mestre em Educação pela PUC-Campinas.E-mail: [email protected].

    RESUMOGrande parte dos problemas da escola pública deriva de uma visão de ensino fragmentada, de metodologiasobsoletas, de um currículo inflexível, de um professor transmissor de uma Ciência inquestionável e de um alunodepositário desse conteúdo. Todos esses aspectos são produtos da visão de mundo oriunda da Ciência clássica.Como contraponto a esse paradigma em educação, oriundo da Ciência clássica, se está construindo um outro.Este tem as suas bases fundamentadas, principalmente, na Teoria da Relatividade, na Teoria Quântica e Teoriadas Estruturas Dissipativas e implica um processo educativo vivo, em que o aluno não se limita a ser apenas umreceptor de conteúdos, mas constrói conhecimentos com seus pares e com o seu professor, que passa a serfacilitador de um conhecimento transitório. O objetivo deste estudo é analisar, através de uma revisão bibliográfica,as implicações do velho e do novo paradigma científico para a educação.

    PALAVRAS-CHAVE: Velho Paradigma Científico; Novo Paradigma Científico; Educação.

    ABSTRACTMost problems of public school come from a fragmented teaching vision, obsolete methodologies, an inflexiblecurriculum, teachers as transmitters of an unquestionable science and students who are depositary of this content.All these aspects are products of the worldview originated from classical science. As a counterpoint to thisparadigm in education, derived from the classical science, another is being built, whose foundation is basedmainly on the Theory of Relativity, on the Quantum Theory and on the Dissipative Structures Theory. It involvesa live educational process, in which the student is not limited to be only a content receiver, but to constructknowledge with peers and their teacher, who becomes the facilitator of a transitory knowledge. The aim of thisstudy is to analyze, by means of a literature review, the implications of the old and the new scientific paradigmsfor education.

    KEYWORDS: Old scientific paradigm; New scientific paradigm; Education.

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  • INTRODUÇÃOHoje estamos assistindo à falência da escola pública.

    As escolas estão sem nenhuma condição deinfraestrutura, com falta de manutenção, com condiçõessanitárias inadequadas de funcionamento e com falta dematerial didático. As crianças e adolescentes se aglutinamnas salas de aula, na maioria das vezes, sem saber ler eescrever, só ajudam a piorar o caos escolar gerando,cada vez mais e mais, indisciplina. Além disso, verifica-se que a aprendizagem do aluno não é o foco. De ummodo geral, as escolas não estão preparadas paragarantir o processo de ensino pelo professor e aaprendizagem do aluno, desprendem mais energia comas rotinas administrativas e deixam de lado a gestãopedagógica. Outro ponto fundamental se relaciona coma existência de profissionais desmotivados e semqualificação necessária, fruto de uma política de baixavalorização do professor, o que, nos últimos anos, vemgerando uma baixa atratividade dos cursos delicenciaturas. A inexistência de um plano de carreira comsalários dignos afeta todo o sistema, exige do professorum malabarismo descomunal para garantir suasobrevivência pessoal e familiar. Enfim, a escola virouum depósito de alunos, onde os alunos fingem queaprendem e os professores, devido a todo esse processo,ensina. A progressão continuada veio selar a pedrafundamental numa situação que vem sendo mantida háanos, por vários governos (MORAES, 2002).

    Pode-se dizer que tudo isso é fruto de uma visãofragmentada, desart iculada, descont ínua ecompartimentada da educação. Esses fatos colaborampara o prevalecimento das atuais taxas deanalfabetismo, evasão, repetência, baixa qualidade doensino e tantas outras mazelas da educação brasileira.A escola não cumpre seu papel, está completamentedissociada do mundo. A sociedade em geral estáinsatisfeita com a qualidade do ensino oferecido, masmuitas mães de alunos também não acompanham seusfilhos durante o processo de ensino e aprendizagem,as suas deficiências, na verdade esquecem que têmfilhos. Este é um depoimento de um professor que jápassou anos no ensino básico. As reuniões que sãorealizadas nas escolas, tencionando chamar a

    comunidade, os pais, para dentro dos muros escolares,na verdade não os atraem. Disso resulta um aluno quenão sai qualificado do banco escolar; sai, muitas vezes,sem saber ler, escrever e sem saber fazer cálculosnuméricos, e ninguém o cobra por isso. O importante éperceber que esses problemas existem e permanecemhá várias décadas, são completamente interdependentesuns dos outros e suas soluções requerem uma visãosistêmica de realidade, uma percepção da complexidadeda realidade a ser transformada (MORAES, 2002).

    Como exemplo dessa percepção fragmentada daeducação, tem-se a política educacional do Estadode São Paulo, voltada à implantação de um currículoúnico e ao acompanhamento dos resultados, por meiodo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar doEstado de São Paulo – SARESP. Essa política contoucom os seguintes objetivos: adoção de um currículoúnico e fechado; utilização de material instrucionalpadronizado; acompanhamento dos resultados porsupervisão cerrada através de avaliação; uso dosresultados da avaliação como critério para aconcessão de vantagens salariais (bônus); utilizaçãode incent ivo monetário para aumento deprodutividade do trabalho. Mais do que uma pretensamelhoria, a política revela o uso de uma racionalidadetécnica instrumental autoritária que não encontrafundamento no processo democrático de formaçãohumana, para a autonomia da escola na construçãodo seu projeto político-pedagógico e para odesenvolvimento pessoal e profissional dosprofessores (RUSSO; CARVALHO, 2010).

    Como uma de muitas situações responsáveis pelofracasso do ensino público, que muitas vezes passamimperceptíveis para a maioria dos profissionais daeducação, está a implicação do velho paradigmacientífico para a educação.

    Segundo Moraes (2002), na área educacional, ovelho paradigma ainda dominante – sob as influênciasde Descartes e Newton –, continua gerando padrõesde comportamentos preestabelecidos, com base emum sistema de referência que ensina a não questionar,a não expressar o pensamento divergente, a aceitarpassivamente a autoridade, a ter certeza das coisas.

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    Implicações do velho e do novo paradigma...

  • Onde está a origem disso tudo? Observa-se que aescola atual continua influenciada pelo universo estávele mecanicista de Newton, pela filosofia reducionistacartesiana, pelo determinismo mensurável, pela visãofechada de um universo linearmente concebido,estático. Consequentemente, é uma escola submetidaa um controle rígido, a um sistema paternalista –autoritário e dogmático –, fruto da própria formaçãoda sociedade ocidental, conforme a tese de Engels(1995), A origem da Propriedade Privada, daFamília e do Estado, não percebendo as mudançasao seu redor e, na maioria das vezes, resistindo a elas:

    Uma escola que continua dividindo o conhecimentoem assuntos, especialidades, subespecialidades,fragmentando o todo em partes, separando ocorpo em cabeça, tronco e membros, as floresem pétalas, a história em fatos isolados, sem sepreocupar com a integração, a interação, acontinuidade e a síntese. É o professor o únicoresponsável pela transmissão de conhecimento,continua vendo o aprendiz como uma tábula rasa,produzindo seres subservientes, obedientes,castrados em sua capacidade criativa, destituídosde outras formas de expressão e solidariedade(MORAES, 2002, p.51).

    Além dessa educação, que foi designada por Freireapud Moraes (2002) como bancária, em que oconhecimento em partes e descontextualizado édepositado na "cabeça de cada aluno", há também odesinteresse por aquilo que está fora do alcance denossos olhos, por aquilo que não nos afeta diretamente,como o sofrimento e a dor do outro. O individualismopresente e cultivado no espaço escolar também trazsérias implicações éticas sobre quais indivíduosformaremos e estamos formando nos dias de hoje.

    Segundo Oliveira (2010), esse modo de pensar omundo é fruto do velho paradigma mecanicista, peloqual somos levados a negligenciar as tendênciasintegrativas em favor das autoafirmativas, isoladas,competitivas. Essas tendências não são apenasincentivadas, mas também recompensadas e reforçadas.

    É o que podemos notar se olharmos com mais atençãopara a história da humanidade: o imperialismo, adegradação da natureza, a discriminação de povosmenos desenvolvidos tecnologicamente, a opressão damulher e a luta por poder econômico são alguns exemplosde como o mundo foi organizado a partir de uma lógicafuncional, paternalista e dominadora, que nósreproduzimos diariamente nas salas de aula.

    Hoje, porém, estamos vivenciando um processo emque um novo paradigma, baseado sobretudo na FísicaQuântica, na Teoria da Relatividade e na Teoria dasEstruturas Dissipativas, se está constituindo, mas aindafalta sua plena enunciação na vida de todos e,principalmente, nos processos educacionais, que aindaobedecem à velha fórmula descrita acima, ou seja, aoparadigma científico dos séculos XVI e XVII.

    O novo paradigma reconhece a interdependênciaexistente entre os processos de pensamento e deconstrução do conhecimento e o ambiente em geral. Elecolabora para resgatar a visão de contexto, através daFísica Quântica e da Teoria Sistêmica, e não separa osindivíduos do mundo em que vivem e de seusrelacionamentos, os promovem a seres interdependentes,reconhecendo que a nossa vida está entrelaçada com anatureza. De acordo com Guattari (2001), compreendeo perfeito entrosamento dos indivíduos com os processossubjetivos, sociais e naturais.

    O objetivo deste trabalho é analisar as implicaçõesdo velho e do novo paradigma em Ciência para aeducação.

    O QUE É PARADIGMA?Paradigma pode ser entendido por um exemplo, um

    modelo, uma referência, uma diretriz, um parâmetro, umrumo, uma estrutura, ou até mesmo um ideal. Algo dignode ser seguido. Podemos dizer que um paradigma é apercepção geral e comum – não necessariamente amelhor – de se ver determinada coisa, seja um objeto,seja um fenômeno, seja um conjunto de ideias. Aomesmo tempo, ao ser aceito, um paradigma serve comocritério de verdade e de validação e reconhecimentonos meios em que é adotado. Foi o físico Thomas Kuhnque o utilizou como um termo científico em seu livro A

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    CHADDAD, F.R.

  • Estrutura das Revoluções Científicas, publicado em1962 (STIGAR, 2010).

    Segundo Stigar (2010), para Kuhn a palavraparadigma pode ser entendida como uma concepçãode mundo oriunda da área científica. Segundo ele,paradigma pretende sugerir que "certos exemplos daprática científica atual – tanto na teoria quanto naaplicação – estão ligados a modelos conceptuais demundo dos quais surgem certas tradições de pesquisa".Em outras palavras, uma visão de realidade atrelada auma estrutura teórica apriorística, aceita, estabeleceuma forma de compreender e interpretarintelectualmente o mundo segundo os princípiosconstantes do paradigma em vigor.

    Isso traz repercussões a toda a sociedade,conforme a definição e explicação dada de paradigmapor Capra (1999). Segundo o autor, paradigmaengloba o pensamento, a percepção e os valores queformam uma determinada visão de realidade. Esteparadigma que está em transformação, ou em questão,dominou nossa cultura durante muitas centenas de anos,ao longo dos quais modelou nossa sociedade ocidentale influenciou significativamente o resto do mundo. Elecompreende um certo número de ideias e valores.Valores que estiveram associados a várias correntesda cultura ocidental, entre elas a Revolução Científica,o Iluminismo e a Revolução Industrial. Incluem a crençade que o método científico é a única abordagem válidado conhecimento; a concepção do universo como umsistema mecânico composto de unidades materiaiselementares; a concepção da vida em sociedade comouma luta competitiva pela existência; do crescimentoeconômico e tecnológico. Nas descobertas científicasque se iniciaram a partir do começo do século passadoverificou-se que todas essas ideias e valores estãoseriamente limitados e necessitam de uma revisãoradical, uma nova reconstrução.

    O VELHO PARADIGMA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA AEDUCAÇÃO

    Segundo Capra (1999; 2001; 2007), Moraes(2002) e Santos (2007), vivemos hoje sob a crise doparadigma moderno, nascido com a Ciência Moderna,

    que determinou o modo de ser e de agir do ser humanocontemporâneo.

    De maneira geral pode-se afirmar que o paradigmamoderno, hoje em transição, começou a tomar vultoquando o italiano Galileu fez os primeiros experimentosque deram origem à racionalidade cientificista quetemos atualmente, principalmente as pesquisas emastronomia. Imediatamente, na Filosofia, somou-se aGalileu o racionalismo dedutivo e reducionista deDescartes, o empirismo indutivista de Bacon e a fusãodesses dois métodos por Newton. Antes desse modeloou dessa nova visão de mundo, o paradigma dominanteera o da Teologia, que vigorou durante a Idade Médiae remetia a Deus a explicação de tudo e do todo.Porém, tido como imperfeito pelos avanços na Ciência,principalmente na Astronomia, foi, de uma vez portodas, deixado de lado pelo sistema analítico ededutivo cartesiano, pelo método empírico ou indutivode Bacon e pelas descobertas da gravitação universalda física newtoniana, que deram origem à mecânicaclássica. No século XX, a partir da Mecânica Quântica,da Teoria da Relatividade e da Teoria das EstruturasDissipativas, lançaram-se as bases de uma NovaCiência, ou seja, de um novo paradigma em Ciência(CAPRA, 1999).

    Mas quais são as ideias que permeiam o velhoparadigma? Como o velho paradigma influenciou einfluencia a educação? Quais foram as descobertascientíficas nos campos da Biologia, Química e Físicaque se posicionaram como um divisor de águas ecolocaram em xeque o velho paradigma em Ciência?Quais são os seus reflexos para a educação? Quaisteorias de aprendizagem se adaptam a essa novarealidade científica?

    O velho paradigma é uma junção das ideias epensamentos de Bacon, Descartes e Newton. Antesdeles, Nicolau Copérnico se opôs ao pensamento ouconcepção geocêntrica de Ptolomeu e da Bíblia, ouseja, onde a Terra era o centro do Universo. GalileuGalilei marcou o nascimento do experimentalismocientífico ao substituir a argumentação lógica da dialéticaformal pela observação dos fatos em si mesmos,reafirmando, por meio da metodologia científica, a visão

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    Implicações do velho e do novo paradigma...

  • do sistema solar lançada por Copérnico. SegundoCapra (1999), Galileu foi o primeiro a combinar aexperimentação científica com o uso da linguagemmatemática para formular as leis da natureza por eledescobertas; é, portanto, considerado o pai da Ciênciamoderna. A Filosofia está escrita nesse grande livroque permanece sempre aberto diante de nossos olhos;mas não se pode entendê-la se não aprendermos,primeiro, a linguagem e os caracteres em que ela foiescrita. Esta linguagem é a matemática, e os caracteressão triângulos, círculos e outras figuras geométricas.

    Conforme Santos (2007):

    As ideias que presidem a observação e aexperimentação são as ideias claras e simples apartir das quais se pode ascender a umconhecimento mais profundo e rigoroso danatureza. Essas ideias são as ideias matemáticas.A matemática fornece à Ciência moderna não sóo instrumento privilegiado de análise, comotambém a lógica da investigação, como ainda omodelo de representação da própria estrutura damatéria. Assim, para Galileu, o livro da naturezaestá escrito em caracteres geométricos, e Einsteinnão pensava diferente. Este pressuposto traz duasconsequências básicas. Primeiro, conhecersignifica quantificar. O que não é quantificávelnão é cientificamente relevante. Em segundo lugar,se assenta a redução da complexidade que é omundo (SANTOS, 2007, p.14-15).

    E essa redução vai estar presente, principalmente,nas regras do Discurso do Método de Descartes(2000). É uma das formas ou metodologia da obtençãoou revelação das leis que regem a natureza e que,conforme está implícita no universo em formamatemática desde Parmênides e Pitágoras, tem comoideia central de ordem e de estabilidade do mundo aideia de que o passado se repete no futuro, não hácriação, improviso ou novas situações que possibilitemuma reorganização por parte do aluno – ou seja, nãohá vida (RUSSELL, 2001).

    Esta ideia mecanicista, reducionista e fragmentária

    de Ciência tomará corpo com o positivismo de AugustoComte (1976) no século XIX, o qual influenciarádecisivamente toda a Ciência moderna, inclusive asCiências Sociais.

    Segundo Capra (1999; 2001; 2007), Moraes(2002) e Santos (2007), nessa mesma época, Bacondescrevia seu método empírico de Ciência, conhecidocomo indutivo. Ele examinava casos particulares parachegar a explicações gerais. Outro filósofo cientistaque acreditava e foi grande teorizador doexperimentalismo foi David Hume. Ele defendia, juntocom Locke, que nossas ideias são construídas combase em impressões sensíveis provenientes dasexperiências dos órgãos do sentido. Assim, o queconhecemos é aquilo que foi registrado em nossa mentepelos órgãos dos sentidos. Aquilo que nãotransformamos em impressões sensíveis não pode serconhecido. As ideias inatas, aqui, não fazem sentido.René Descartes, por sua vez, acreditava no ideal deArquimedes de uma hierarquia dedutiva deproposições. Para ele, o fundamento doempreendimento científico estava no raciocíniodedutivo. Dono do método analítico, propunha adecomposição dos problemas em suas partes e suadisposição em ordem lógica. Para Descartes (2000),quem conhece é o sujeito, o espírito humano, a razão.

    Esses modelos ou formas de adquirir ou atingirconhecimento (Bacon, Descartes e Hume) sãomodelos subjetivistas que se centram no eu, em situaçãoeducacional, no indivíduo-aluno, que o privilegiam naaquisição do conhecimento, dispensando as relações,o contexto sociocultural-natural, o que agora vem sendoquestionado pela Nova Ciência e pelas Teorias deEnsino e Aprendizagem. Por sua vez, a causalidadeimplícita nas leis gerais que regem o universo faz comque o conhecimento seja um conjunto de dadosinquestionáveis, neutros, verdades científicas que sãodepositados linearmente, no espaço e tempo, na cabeçado educando (MORAES, 2002).

    É de se perguntar, conforme Boaventura de SousaSantos (2007): Onde se materializa a liberdade e aimprevisibilidade, a não linearidade, da ação humanaem seu processo de conhecer? Para esses cientistas,

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  • o espírito humano obtém o conhecimento por meio deum ensino que Paulo Freire apud Moraes (2002)denominou ensino bancário, em que cada disciplinadeposita na cabeça de cada aluno seus conteúdos emuma sequência lógica, determinada e linear, que cerceiaa liberdade e o livre arbítrio, deixando de lado osinergismo implícito nas relações, o aparecimento donovo a partir das contradições que estão imersas narealidade educacional, ou seja, a própria vida. É umensino morto!

    Entretanto, foi Isaac Newton quem complementouo pensamento de Descartes e de Galileu Galilei dandoao mundo uma visão maquínica, de acordo com aconcepção cartesiana de natureza. Segundo Capra(1999), ele formulou as leis exatas do movimento paratodos os corpos, sob a influência da lei da gravidade.A significação dessas leis reside em sua aplicaçãouniversal. Comprovou-se que eram válidas para todoo sistema solar, confirmando a visão mecanicistacartesiana de natureza. Conforme Moraes (2002), ouniverso newtoniano passou a ser um grande sistemamecânico que funcionava de acordo com leis físicas ematemáticas. Para ele, todos os fenômenos físicosestavam reduzidos ao movimento de partículasmateriais causado pela atração mútua, pela força dagravidade. Essa força foi descrita por equações demovimento que constituem os fundamentos básicos daMecânica clássica. A matéria seria composta departículas homogêneas sólidas indestrutíveis, nas quaisatua a força da gravidade. Era um mundo estático aflutuar num espaço vazio, que, para ser conhecido,necessitava ser decomposto em seus elementos. Assim,de acordo com Newton, Deus criou as partículasmateriais, a força entre elas e as leis fundamentais domovimento. Tudo isso funciona como uma máquinagovernada por leis imutáveis, que controla a naturezae leva a Ciência a pressupor a existência dodeterminismo universal, ou seja, o universo funcionasempre da mesma maneira (CAPRA, 1999).

    De acordo com Capra (1999), a concepçãomecanicista de natureza que advém com essescientistas, principalmente, Newton, está relacionadacom um rigoroso determinismo, em que a gigantesca

    máquina cósmica é completamente causal edeterminada. Tudo o que aconteceu teria tido umacausa definida e dado origem a um efeito definido, e ofuturo de qualquer parte do sistema podia – emprincípio – ser previsto com absoluta certeza, desdeque seu estado, em qualquer momento dado, fosseconhecido em todos os seus detalhes.

    Segundo Capra (1999), na esteira da física deNewton, Locke desenvolveu uma concepçãoatomística de sociedade, descrevendo-a em função deseu componente básico, o ser h