Cérebro Muda de Acordo Como é Usado, Diz Neurocientista

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  • 8/17/2019 Cérebro Muda de Acordo Como é Usado, Diz Neurocientista

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    todo o seu funcionamento, seu suprimento de sangue e de energia, bem como a força desuas operações.

    Portanto, não apenas melhoro uma habilidade em si, mas todo o maquinário cerebral.

    Quando jogo pingue-pongue pela primeira vez, sou muito desajeitado.

    Após um ano de prática intensa, fico muito habilidoso, consigo ver e acertar a bola com

    alta acurácia.

    Por meio de mudanças físicas e químicas incrivelmente complexas, criou-se um cérebrocom esse recurso.

    Nosso cérebro será diferente daqui a uma semana e muito mais diferente ainda daqui a

    uma década. Pode ser uma mudança para frente ou para trás, ganhando ou perdendohabilidades. Depende do uso.

    Agência FAPESP – O treinamento de uma habilidade favorece mudanças positivas, mas

    como as mudanças negativas são direcionadas?

    Merzenich – Fazemos coisas ao longo da vida que degradam nossa habilidade de extrairinformações úteis do mundo a nossa volta.

    Por exemplo: como um humano moderno, passo várias horas por dia olhando para umatela na qual coisas importantes para mim acontecem. Tudo que está fora daquela tela édesimportante, inútil, uma distração.

    Estou sistematicamente treinando minha visão, estreitando meu ponto de vista, de modoque somente aquilo que está à frente de meu nariz é importante.

    Fazendo isso, vou perdendo progressivamente a habilidade de processar a informaçãovisual daquilo que está ao redor.

    O cidadão médio em meu país, e isso foi bastante estudado por lá, já perdeu em torno de30% do seu campo visual aos 60 anos e mais de 50% aos 80 anos.

    As coisas acontecem e ele não vê porque o cérebro rejeita aquele estímulo.

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    Essa é uma das razões pelas quais os idosos sofrem mais acidentes de trânsito. Elesgradualmente vão regredindo a um campo visual mais estreito e, ao mesmo tempo,

    quando conseguem enxergar algo, respondem a esse estímulo de forma mais lenta.

    Agência FAPESP – Mas é possível treinar uma pessoa de modo a fazê-la perder umahabilidade já adquirida, como entender a fala em outro idioma?

    Merzenich – Sim. Posso treiná-la usando formas modificadas de som não articulado, que

    não correspondem à fala.

    Treino o cérebro a mudar sua capacidade de processamento de sons, de forma que esseperde a capacidade de interpretar os elementos que se modificam rapidamente no fluxo

    acústico formado pela estrutura fonêmica, a estrutura elementar das palavras.

    Essa interpretação é necessária para extrair o sentido das palavras.

    Assim como posso refinar essa habilidade, posso destruí-la. Posso desafiar você a fazerdistinções cada vez mais acuradas do que ouve, detalhadamente, em alta velocidade.

    Posso treiná-la a fazer essa distinção mesmo quando a voz está baixa, ou o discurso

    está anormal e distorcido.

    Ou posso fazer o oposto e degradar essa sua habilidade. Dar-lhe um cérebro que operasomente quando as coisas ocorrem morosamente.

    Fazer com que não consiga mais interpretar os detalhes do som em determinadasfrequências. Fizemos experimentos de treinamento não virtuoso com macacos e ratos e

    mostramos que isso é possível.

    Agência FAPESP – Como o envelhecimento influencia as mudanças no funcionamentocerebral?

    Merzenich – O cérebro opera de forma muito limitada quando somos crianças e,

    progressivamente, vai aperfeiçoando seu maquinário de modo a operar com cada vezmais precisão.

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    Os diferentes sistemas vão se tornando mais coordenados em suas ações e isso vaimelhorando até o auge da vida – que no humano médio ocorre entre o 20º e o 40º

    aniversário.

    Uma alta performance persiste um pouco mais nas mulheres, mas, quando entram namenopausa, ocorre uma rápida deterioração em decorrência das mudanças hormonais e

    elas alcançam o nível masculino por volta de 60 ou 65 anos.

    Portanto, temos esse período da vida, de cerca de duas décadas, em que nosso cérebroopera em alta performance e depois deteriora.

    Se aos 30 anos uma pessoa está operando abaixo da média da performance da

    população (no auge de seu funcionamento cerebral, atingiu 100% de sua capacidade),aos 60 anos ela pode estar só com 16% de sua capacidade e, aos 80 ou 85 anos, com10%.

    Ora, ninguém quer estar aos 85 anos com apenas 10% da capacidade cerebral e o quedemonstramos é que essa deterioração é reversível.

    De maneira simplificada, o cérebro do idoso é mais lento em suas decisões e menos

    fluente em suas operações do que na juventude porque lida com as informações deforma mais confusa e degradada. Vicissitudes ocorrem ao longo da vida, causam ruídono cérebro e podem acelerar o declínio.

    Pode ser uma queda de bicicleta e uma pancada na cabeça, uma infecção cerebral ouexposição a toxinas.

    Mas podemos treinar o cérebro velho e fazê-lo recuperar muitas de suas habilidades.

    Fizemos estudos com diversas populações e mostramos que é possível reverter essedeclínio com treinamento.

    Agência FAPESP – Como funciona o treinamento que o senhor desenvolveu?

    Merzenich – O treinamento aplicado pela BrainHQ busca primeiramente exercitar osmecanismos cerebrais que controlam a neuroplasticidade.

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    Esses mecanismos também são plásticos e podem ficar subutilizados com a idade ou emdecorrência de doenças. Mostramos que é possível treinar uma pessoa por 15 ou 20

    minutos e, assim, regular processos bioquímicos nesse maquinário.

    Como consequência, tudo que ela aprender ou fizer na hora seguinte serápotencializado.

    Vai aprender mais rapidamente, como se eu tivesse lhe dado uma droga que aumenta o

    nível de atividade cerebral.

    Mas, ao contrário do que acontece com a droga, se eu aplicar o treinamento todos osdias, durante 15 dias, a mudança é duradoura.

    A performance do maquinário cerebral é aprimorada e, quando olhamos um ano depois,o cérebro ainda está mais alerta, mais vivo, mais predisposto a mudar.

    Em segundo lugar, o treinamento busca melhorar a maneira como o cérebro processa osdetalhes daquilo que vemos, ouvimos e sentimos.

    À medida que o cérebro fica ruidoso, vai mudando a forma como ele processa

    informação.

    Vai perdendo a capacidade de interpretar de forma nítida os detalhes que se modificamrapidamente.

    O treinamento visa reverter essa mudança negativa, pois todas as demais operações

    cerebrais dependem disso.

    O limite da performance de qualquer operação mental complexa, como, por exemplo, amemória, será determinado pela claridade com que o cérebro representa a informação.

    Se estou tentando gravar uma informação, quanto mais fielmente ela for representada no

    cérebro, mais facilmente eu consigo lembrar.

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    O cérebro é uma máquina de fazer previsões. Ele acumula informações ao longo dotempo e, continuamente, faz previsões do futuro e associações com o passado. Possomelhorar essa capacidade simplesmente aumentando a clareza das operações.

    Para isso, treinamos o cérebro a manipular informações. Para elevar o nível de suasoperações, posso dar uma tarefa em que o cérebro precisa não apenas vir com umaresposta certa, mas com várias possibilidades de resposta em uma alta velocidade e de

    maneira fluente.

    Posso treinar o cérebro a rapidamente classificar informações, a rapidamente mudar asregras de suas operações quando as condições do meio exigirem isso.

    Todas essas coisas são válidas de serem praticadas. O que comumente fazemos é

    avaliar em cada indivíduo onde estão as falhas: no controle de atenção, na habilidade degravar informação, na forma como ele representa informação em sequência ou comomanipula e organiza cadeias complexas de informação. Todas essas coisas sãopassíveis de treinamento.

    O software que usamos lembra alguns jogos para celulares, pois propõe tarefas isoladas

    que devem ser cumpridas em 1 ou 2 minutos e oferece um certo número de tentativas.

    O nível de dificuldade vai rapidamente se ajustando na medida em que o indivíduo venceuma etapa, um nível mais difícil se abre e o desafia para aumentar essa habilidade a umnível maior.

    Agência FAPESP – O programa de treinamento pode ser usado para tratar doençasneuropsiquiátricas, como Alzheimer ou esquizofrenia?

    Merzenich – Temos diversos estudos que mostram que portadores de doenças como

    Alzheimer, esquizofrenia, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade ou depressãopodem ser beneficiados.

    Não estou falando de cura, mas de melhorar a qualidade de vida. Mas, pelas leis do meu

    país, não podemos lidar diretamente com condições médicas. O treinamento, nessecaso, precisa ser intermediado por um médico ou terapeuta.

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    Também temos estudos que mostram benefícios para pessoas com lesão cerebralcausada por AVC ou por trauma, pessoas expostas a veneno, infecções cerebrais eestresse.

    Sempre conseguimos obter uma melhora – em alguns casos bastante significativa e, emoutros, mais limitada por causa da magnitude da lesão.

    Em um dos estudos, aplicamos o treinamento em uma população grande de voluntáriosque tinham sofrido uma concussão.

    Após dois meses, o cérebro havia voltado ao normal, enquanto o grupo que não passou

    pelo treinamento ainda apresentava alterações neurológicas um ano após a lesão.Também já testamos em pessoas sadias que desempenham funções em que a tomada

    de decisão pode envolver questões de vida e morte, como policiais e soldados.

    Estatísticas indicam que policiais, de maneira geral, fazem más escolhas em 50% doscasos e isso causa grande impacto em uma cidade.

    Nossos resultados mostram que com o treinamento é possível melhorar o processo de

    tomada de decisão.

    Em uma pesquisa feita em parceria com uma empresa de seguros, treinamos 20 milmotoristas profissionais ou informais, nesse segundo caso, idosos, e reduzimos pelametade o número de acidentes de trânsito. Já treinamos cerca de 600 mil pessoas aotodo.

    Agência FAPESP – Assim como acontece com os músculos, o cérebro perde os

    benefícios adquiridos quando o treinamento é interrompido?

    Merzenich – Fizemos quase 30 ensaios clínicos para avaliar a duração do efeito e vimosque há sempre alguma duração significativa, em alguns domínios bem mais do que emoutros.

    Se você treina e muda a forma como o cérebro trabalha a atenção, isso é maisduradouro, pois é uma habilidade usada em muitas situações da vida real.

    Já quando você treina a habilidade de ouvir, a deterioração é mais rápida.

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    Mas, certamente, se você atinge um nível de alta performance em alguma habilidade,algum tipo de treino de manutenção será necessário para manter o alto nível.

    Em algumas populações em que o funcionamento do cérebro está mais propenso a sedeteriorar, como é o caso de pessoas com pré-Alzheimer (prejuízo cognitivo leve) ou comdoença de Huntington, o declínio ocorre mais rapidamente quando o treino é interrompido

    e logo retornam ao nível que teriam se nunca tivessem treinado.

    Enquanto estiverem treinando, porém, conseguem se manter relativamente estáveis, masnão sabemos ao certo por quanto tempo.

    É um grande desafio porque temos que mantê-los engajados e o treino precisa ser

    intenso, pois todas as habilidades do cérebro estão em risco.

    Agência FAPESP – Como evitar que esse conhecimento seja usado de forma errada?

    Merzenich – O cérebro pode ser treinado a operar de forma destrutiva e há potenciaisformas de abuso.

    Muitos teriam interesse em manipular a plasticidade cerebral para propósitos egoístas.

    Então é um desafio para nós pensar como isso pode ser controlado e como ter certezade que esse conhecimento será usado para o bem-estar humano e não para adestruição.

    Por exemplo, é possível tirar de casa um garoto de 10 ou 12 anos, um bom estudante, e

    transformá-lo em um assassino, um monstro.

    O que ocorre nesse caso é a plasticidade cerebral direcionada para a destruição.

    Agência FAPESP – É possível fazer o caminho reverso nesse caso?

    Merzenich – É difícil e requer muito treinamento, mas é possível e esse é um dos meusesforços.

  • 8/17/2019 Cérebro Muda de Acordo Como é Usado, Diz Neurocientista

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    Tratar crianças com longo histórico de abuso e negligência, condições que danificam omaquinário cerebral que controla o aprendizado.

    Essas crianças, ao mesmo tempo em que têm o maquinário cerebral de aprendizagem

    prejudicado, têm acesso a um repertório pobre, que não as prepara para a vida.

    Claro que acabam malsucedidas. A menos que façamos algo para ajudá-las do ponto de

    vista neurológico, não há esperança para elas.

    Mas o que a sociedade em geral faz? Culpa-as pelo seu mau desempenho.

    Culpamos massivamente as crianças com infâncias terríveis por suas experiências. Issoé estúpido.

    http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/cerebro-muda-de-acordo-como-e-usado-diz-neurocientista/