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394 Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 20, n. 41, p. 394-420, maio/ago. 2019 | www.revistatopoi.org Cerâmica marajoara e Círio de Nazaré: significação e sacralização do patrimônio cultural brasileiro Márcio Couto Henrique 1 * 1 Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil. Anna Maria Alves Linhares 2 ** 2 Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil. RESUMO Este artigo analisa o processo de significação e sacralização da cerâmica marajoara e do Círio de Nazaré que resultou na concessão do título de patrimônio cultural brasileiro conferido a esses dois bens culturais. Com base em relatos de cronistas, documentos oficiais e matérias de jornais, analisa-se o longo processo de atribuição de sentidos à cerâmica marajoara e ao Círio de Nazaré, de modo a associá-los a certo ideal de civilização e de identidade nacional. Conclui-se que, longe de ser um processo natural, a transformação desses dois bens cultu- rais em patrimônio cultural brasileiro envolveu questões de ordem política, de relações de poder que implicam a produção de discursos de valorização de determinados bens enquanto silencia outros. Palavras-chave: cerâmica marajoara; Círio de Nazaré; patrimônio cultural brasileiro; espe- tacularização. Marajoara Pottery and Círio de Nazaré: meaning and consecration of the Brazilian cultural heritage ABSTRACT is article analyzes the processes of meaning-making and consecration of the Marajoara pottery and the Círio de Nazaré that enabled their recognition as part of the Brazilian DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02004106 Artigo recebido em 10 de dezembro de 2017 e aceito para publicação em 19 de setembro de 2018. * Professor da Universidade Federal do Pará/Faculdade de História, Programa de Pós-graduação em História, Belém/PA — Brasil. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0170-5315. ** Professora da Universidade Federal do Pará/Faculdade de História, Ananindeua, Pará — Brasil. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7548-9259.

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Cerâmica marajoara e Círio de Nazaré: signifi cação e sacralização do patrimônio cultural brasileiro

Márcio Couto Henrique1*1Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.

Anna Maria Alves Linhares2**2Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.

RESUMOEste artigo analisa o processo de signifi cação e sacralização da cerâmica marajoara e do Círio de Nazaré que resultou na concessão do título de patrimônio cultural brasileiro conferido a esses dois bens culturais. Com base em relatos de cronistas, documentos ofi ciais e matérias de jornais, analisa-se o longo processo de atribuição de sentidos à cerâmica marajoara e ao Círio de Nazaré, de modo a associá-los a certo ideal de civilização e de identidade nacional. Conclui-se que, longe de ser um processo natural, a transformação desses dois bens cultu-rais em patrimônio cultural brasileiro envolveu questões de ordem política, de relações de poder que implicam a produção de discursos de valorização de determinados bens enquanto silencia outros.Palavras-chave: cerâmica marajoara; Círio de Nazaré; patrimônio cultural brasileiro; espe-tacularização.

Marajoara Pottery and Círio de Nazaré: meaning and consecration of the Brazilian cultural heritage

ABSTRACTTh is article analyzes the processes of meaning-making and consecration of the Marajoara pottery and the Círio de Nazaré that enabled their recognition as part of the Brazilian

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02004106Artigo recebido em 10 de dezembro de 2017 e aceito para publicação em 19 de setembro de 2018.* Professor da Universidade Federal do Pará/Faculdade de História, Programa de Pós-graduação em História, Belém/PA — Brasil. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0170-5315.** Professora da Universidade Federal do Pará/Faculdade de História, Ananindeua, Pará — Brasil. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7548-9259.

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cultural legacy. Based on reports from chroniclers, official documents and newspaper articles, the long process of assigning meanings to the Marajoara pottery and the Círio de Nazaré is historically related to a certain ideal of civilization and national identity. The conclusion is that, far from being a natural process, the conversion of these two cultural assets into Brazilian cultural heritage involved political issues and power relations implied in the production of discourses which valued some remnants while others have been silenced.Keywords: cerâmica Marajoara; Círio de Nazaré; Brazilian cultural heritage; spectacle production

Cerámica marajoara y Círio de Nazaré: significación y sacralización del patrimonio cultural brasileño

RESUMEN Este artículo analiza el proceso de significación y sacralización de la cerámica marajoara y de Círio de Nazaré que resultó en la concesión del título de patrimonio cultural brasileño conferido a estos dos bienes culturales. Con base en relatos de cronistas, documentos oficiales y artículos de periódicos, se analiza el largo proceso de atribución de sentidos a la cerámica marajoara y al Círio de Nazaré, de tal forma de asociarlos a cierto ideal de civilización y de identidad nacional. Se concluye que, lejos de ser un proceso natural, la transformación de estos dos bienes culturales en patrimonio cultural brasileño envolvió cuestiones de orden política, de relaciones de poder que implican la producción de discursos de valorización de determinados bienes mientras se silencian otros. Palabras clave: Cerámica Marajoara, Círio de Nazaré, Patrimonio cultural brasileño, espectáculo.

***

À guisa de introdução

Toda cidade elege seus símbolos identitários, aqueles que funcionam como espécie de alma exterior,1 transmitindo a vida de fora para dentro e dando sentido à existência de seus moradores.

Patrimônio cultural é a noção que expressa a alma exterior das cidades, que traduz para os indivíduos o orgulho de ser o que são, ao mesmo tempo que exibe para fora a marca de

1 A ideia de “alma exterior” foi inspirada no conto “O espelho”, de Machado de Assis. Conferir MACHADO DE ASSIS, J. M. O espelho. In: MACHADO DE ASSIS, J. M. Contos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 21-35.

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sua suposta singularidade. Para isso, ele costuma ser sacralizado, visto como alma sagrada, revestido de um discurso religioso que o torna intocável, inquestionável.

Este artigo pretende aprofundar essa discussão a partir de dois ícones do patrimônio cultural do Estado do Pará: o Círio de Nazaré, realizado em Belém do Pará desde 1793, e a cerâmica marajoara, descoberta pelos arqueólogos na segunda metade do século XIX. O primeiro foi eleito Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 2004, inaugurando o livro de Celebrações do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.2 Em 2013, recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, conferido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O segundo tornou-se oficialmente patri-mônio cultural e artístico do Estado do Pará pela Lei 7.754, de 26 de novembro de 2013.3 A cerâmica marajoara é protegida pela legislação que trata da proteção do patrimônio arqueo-lógico nacional4 e, desde 2010, conta com pedido de seu registro como patrimônio cultural imaterial brasileiro.5

Independentemente do título oficial, pode-se constatar a referência aos objetos e aos grafismos marajoara espalhados pela cidade de Belém em diversos órgãos públicos, praças, fachadas de lojas, decoração de shoppings e de interiores de residências, evidenciando seu papel de símbolo da identidade cultural regional. Por outro lado, o grafismo marajoara tam-bém pode ser visto em outras partes do país, remetendo a um tempo na história do Brasil em que ser brasileiro era, de algum modo, ser marajoara.6

Esses dois ícones do patrimônio cultural paraense têm uma história que segue percur-sos distintos até o século XX, mas depois acabam se misturando. Percorrendo diferentes caminhos, o Círio de Nazaré e a cerâmica marajoara foram sacralizados e naturalizados na condição de patrimônio ou de símbolo de identidade regional. Engessados pela noção de patrimônio cultural agenciada pelo discurso oficial, muitas vezes deixa-se de perceber “as

2 IPHAN. Círio de Nazaré. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006 (Dossiê Círio de Nazaré). Para uma análise do processo de registro dessa celebração como patrimônio, conferir HENRIQUE, Márcio Couto. Do ponto de vista do pesquisador: o processo de registro do Círio de Nazaré como patrimônio cultural brasileiro. Amazô-nica: Revista de Antropologia (Online), Belém, v. 3, p. 324-346, 2011.3 Esta lei reconhece a "arte marajoara" como patrimônio estadual, mas não deixa claro se é uma referência à cerâmica arqueológica ou aos objetos do artesanato local que fazem alusão a esta cerâmica, produzidos no distrito de Icoaraci. Conferir PARÁ, Lei n. 7.754, de 26 de novembro de 2013. Disponível em: http://www.pge.pa.gov.br/sites/default/files/lo7754.pdf. Acesso em: 15 fev. 2017.4 BRASIL. Lei n. 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/1950-1969/L3924.htm. Acesso em: 7 fev. 2017.5 REQUERIMENTO (Do Sr. Paulo Rocha). Requer o envio de Indicação ao Poder Executivo, por intermé-dio do Ministério da Cultura, para sugerir o registro da arte marajoara como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/767153.pdf. Acesso em: 7 fev. 2017.6 Conferir LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios Marajoara e identidade nacional bra-sileira. Curitiba: CRV, 2016. Sobre os processos de construção de identidade a partir de símbolos culturais, conferir: ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do naciona-lismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1983]; HOBSBAWM, Eric; TERENCE, Ranger (Orgs.). A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2002 [1984].

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questões de ordem política, de relações de poder, de campos de força e âmbitos do social”7 que envolvem esses processos de produção de discursos e, ao mesmo tempo, de silenciamen-tos. Comecemos, então, pela cerâmica marajoara.

Cerâmica marajoara: de caco a espetáculo

A cerâmica marajoara é constituída por vestígios arqueológicos, tais como tangas, vasos, jarros e urnas funerárias deixados por índios que viveram na ilha do Marajó, no Estado do Pará, e que desapareceram cerca de 200 anos antes da chegada dos europeus ao Brasil. A relação dos moradores da Ilha do Marajó com esses vestígios é marcada por certa ambigui-dade. Por um lado, inserem em seu cotidiano peças como urnas arqueológicas, utilizadas para depósito de peixe, água ou farinha, por exemplo, ou fazem uso de certos objetos como brinquedos para as crianças.8 Por outro, muitos têm medo das chamadas “caretinhas de índios”, forma como se denominam, no Marajó, as pequenas cabeças antropomorfas e zoo-morfas que adornavam vasos e pratos produzidos pelos índios Marajoara e que, vez ou outra, submergem da terra. Além disso, muitos sítios arqueológicos do Marajó estão envoltos em um imaginário de visagens e assombrações que causam medo nos moradores.9

Ora, tanto para compreender o medo causado pelos vestígios arqueológicos quanto sua posterior valorização enquanto símbolos de identidade cultural precisamos recuar no tempo. Comecemos pelo sentimento de medo. Desde o Brasil colonial construiu-se um imaginário que associava a cultura material indígena às práticas demoníacas ou de idolatria. No relato de muitos cronistas desse período, o maracá, por exemplo, aparece como instrumento demo-níaco, utilizado pelo xamã ou “feiticeiro”. Assim, dizia Hans Staden, que empreendeu duas viagens ao Brasil, em meados do século XVI:

7 Conferir CHUVA, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n. 34, p. 152, 2011.8 Conferir DERBY, Orville A. The Artificial Mounds of the Island of Marajo, Brazil. The American Natural-ist, v. 13, n. 4, p. 224-229, Apr. 1879. The University of Chicago Press for The American Society of Natural-ists; LANGE, Algot. The Lower Amazon. New York: G. P. Putnam's Sons, The Knickerbocker Press, 1914; HILBERT, Peter Paul. Contribuição à arqueologia da ilha de Marajó: os 'tesos' marajoaras do alto Camutins e a atual situação da ilha do Pacoval, no Ararí. Belém: Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará, 1952. (Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará. Publicações, n. 5); BEZERRA, Marcia. “As moedas dos índios”: um estudo de caso sobre os significados do patrimônio arqueológico para os moradores da Vila de Joanes, ilha de Marajó, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, p. 57-70, jan./abr. 2011.9 GALLO, Giovanni. O homem que implodiu. Belém: Secult, 1996; LINHARES, Anna Maria Alves. De caco a espetáculo: a produção cerâmica de Cachoeira do Arari, ilha do Marajó, Pará. Dissertação (Mestrado) —Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará, Belém, 2007.

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A princípio, quando cheguei entre eles [índios Tupinambá] e falaram-me dos maracás, calculei que fosse, talvez, uma arte do diabo, pois narravam-me muitas vezes como os objetos falavam. Quando fui à choça em que estavam os feiticeiros que deviam fazer as coisas falar, tinham todos que assentar-se. Eu, porém, saí da cabana quando reconheci a farsa e pensei comigo: pobre gente cega é esta!10

Assim, a principal autoridade espiritual indígena, o xamã, é reduzido à condição de “fei-ticeiro”, que se utiliza do maracá para enganar os índios. De acordo com Francismar Alex Lopes de Carvalho, a “farsa” promovida pelos xamãs era vista pelos cristãos tanto como embuste desses “feiticeiros” quanto como influência do diabo sobre eles.11 Ao analisar a perseguição sofrida pela santidade de Jaguaripe, na Bahia do século XVI, Ronaldo Vainfas refere que seus rituais incluíam pregações em transe e que, após sorverem a fumaça de certa erva, os caraíbas (xamãs) conversavam baixinho com suas cabaças mágicas, enfeitadas de pe-nas, pintadas com olhos, nariz e boca e que alojavam o espírito dos deuses. Os cristãos viam nessas cerimônias festas diabólicas, réplicas do sabá europeu, idolatrias rebeldes e heréticas.12

Com exceção de Tupã, transformado em “Deus dos índios” pelos jesuítas, todos os ou-tros entes indígenas brasileiros foram associados ao demônio cristão. Dizia o jesuíta João Daniel sobre os índios da Amazônia, no século XVIII: “(...) o diabo disfarçado em figura humana curupira tem muita comunicação com os índios mansos, e já aldeados; e muito mais com os bravos, que os chamam caaporas, isto é, habitadores do mato”.13

Segundo Francismar Lopes de Carvalho, os padres operaram uma metamorfose das en-tidades que, sem serem inteiramente más, causavam danos, na figura cristã do diabo. Com relação à Amazônia espanhola, o autor observa que:

Os missionários europeus, e em especial os jesuítas, inseriam o processo de “conquista espiritual” das terras amazônicas em uma narrativa de luta entre as forças do bem e do mal. Apresentavam-se como aqueles que vieram libertar os índios que viviam acorrentados à adoração do demônio, que se servia dos xamãs para promover toda a sorte de conflitos e danos, e inspirava celebrações e sacramentos que imitavam os da religião cristã, mas que ao fim e ao cabo apenas reforçavam a submissão dos nativos aos desígnios do comum inimigo.14

10 STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974 [1557]. p. 174.11 CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. Imagens do demônio nas missões jesuíticas da Amazônia espa-nhola. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 31, n. 57, p. 741-785, set./dez. 2015.12 VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Conferir, também, SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. 4. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 [1986].13 DANIEL, Padre João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. v. 1. p. 32414 CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. i nas missões jesuíticas da Amazônia espanhola, op. cit., p. 751.

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É evidente que entes como Curupira, Caapora, Anhangá, Jurupari, todos demonizados pelo cristianismo,15 não dizem respeito ao universo da cultura material indígena. Em todo caso, como em outras partes do Brasil, os objetos constituíam parte fundamental nessas celebrações e sacramentos supostamente inspirados pelo diabo na Amazônia. Maracás, flau-tas, vasos de cerâmica, urnas funerárias, ídolos zoomorfos e antropomorfos, assim como a humanidade demonizada que os produzia, ficaram associados a esse imaginário repleto de xamãs impostores, “feiticeiros” que realizavam festas diabólicas, cerimônias de idolatria e práticas heréticas. Tanto os entes espirituais quanto os objetos da cultura material indígena eram vistos como disfarces do diabo.16 Apesar de esse imaginário falar mais sobre os estere-ótipos cristãos do que sobre as práticas indígenas,17 ele nos ajuda a compreender o medo que muitos moradores da Amazônia têm das “coisas de índio”.

Essa imagem começou a mudar no século XIX, a partir da constituição da identidade nacional brasileira, após a independência política do país. Em sua caminhada pelo “bosque tropical” do passado brasileiro, literatos, historiadores e cientistas, de mãos dadas com o imperador d. Pedro II, tinham como meta criar uma história para a jovem nação, inventar uma memória que delimitasse, a partir de então, a separação entre os destinos do Brasil e os da antiga metrópole europeia.18 Nesse recuo ao passado mais distante em busca das raízes da nacionalidade encontrou-se a figura do índio, escolhido, então, como representante maior da identidade nacional brasileira.

Um dos principais elementos desse projeto foi a constituição de museus que pudessem reunir objetos de salvaguarda dessa memória nacional. De modo especial, o Museu Nacio-nal, inaugurado em 1818, mas estruturado apenas na segunda metade do século XIX, pas-sou a agenciar símbolos culturais de identidade nacional, entre os quais se insere a utilização de objetos da cultura material indígena.19 Identificado o índio como raiz da nacionalidade, o

15 Para uma análise da demonização desses entes indígenas no século XIX, conferir HENRIQUE, Márcio Couto. O general e os tapuios: linguagem, raça e mestiçagem em Couto de Magalhães (1864-1876). Disserta-ção (Mestrado) — Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará, Belém, 2003.16 ROZAT DUPEYRON, Guy. América, imperio del demonio: cuentos y recuentos. México, DF: Univ. Ibe-roamericana, Departamento de Historia, 1995.17 CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 20. A respeito dos ídolos de pedra amazônicos, conferir PORRO, Antonio. Arte e simbolismo xamânico na Amazônia. Boletim do Museu Para-ense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 5, n. 1, p. 129-144, jan./abr. 2010.18 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993; FREITAS, Marcus Vinícius de. Charles Frederick Hartt, um naturalista no Império de Dom Pedro II. Belo Horizonte: UFMG, 2002.19 Inicialmente, os objetos da cultura material indígena integraram os chamados "gabinetes de curiosidades", precursores dos museus contemporâneos. Somente no século XIX eles se tornaram objetos de pesquisa de viajantes e naturalistas, dando origem às coleções etnográficas. Conferir VELTHEM, Lucia Hussak van; RIBEIRO, Berta G. Coleções etnográficas: documentos materiais para a história indígena e a etnologia. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,

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ideário romântico, preocupado em afirmar a particularidade brasileira com relação à antiga metrópole, tratou, então, de produzir “mitos arqueológicos”, a partir da busca ou da inven-ção de perdidas civilizações indígenas e suas formidáveis obras de arquitetura.20

Tratava-se, então, de localizar no passado distante do Brasil sinais de civilização. Nesse sentido, a descoberta da cerâmica marajoara pela ciência na segunda metade do século XIX serviu bem aos interesses da intelectualidade que agenciava esse projeto. Em primeiro lugar, lembre-se que os índios Marajoara viveram na ilha do Marajó, no Estado do Pará, por volta de 400 a 1300 AD. Portanto, quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, esses índios haviam desaparecido (por razões desconhecidas) há cerca de 200 anos. Além dos vestígios arqueológicos de sua cerâmica nada se sabe, objetivamente, sobre eles, a língua que falavam, seu modo de organização ou as causas de seu desaparecimento. Sequer sabemos como eles se autodenominavam, eis que a denominação Marajoara lhes foi atribuída poste-riormente, considerando o fato de que eles viviam na ilha do Marajó.

Ora, o fato de estarem situados num tempo histórico bastante recuado serviu bem aos propósitos da elite imperial. Dada a inexistência de provas em contrário, pôde-se afirmar que os índios Marajoara pertenciam ao tronco liguístico Tupi, no qual estavam reunidos os grupos indígenas considerados mais “nobres”, mais civilizados.21 Pertencia a este tronco o índio idealizado como a raiz da nacionalidade brasileira, aquele que supostamente aceitou a presença colonizadora e se fez aliado da civilização. Evitava-se, desse modo, o constrangi-mento que seria associar os Marajoara aos chamados Tapuia, a exemplo dos Botocudo, com quem os portugueses continuavam em guerra no século XIX, tidos como o protótipo de índios selvagens, atrasados, inimigos da civilização.22

No mais, a cerâmica marajoara causou verdadeiro fascínio em função de sua beleza es-tética. Com base em raciocínios analógicos, os pesquisadores identificaram ou construíram semelhanças entre os grafismos da cerâmica marajoara e aqueles que eram vistos na cerâmica de povos considerados civilizados, tais como os gregos e os egípcios. A partir de então, a cerâmica arqueológica do Marajó passou a ser divulgada em revistas científicas nacionais e internacionais, exposta em exposições em diversas partes do mundo.23

Secretaria Municipal de Cultura, Fapesp, 1992. Para a experiência chilena, conferir OLATE, Gabriela Urizar. Estado y museos nacionales en Chile durante el siglo XIX. Representación de una nación en construcción.: Boletín Americanista, Barcelona, año LXII, 2012.20 LANGER, Johnni. Ruínas e mitos: a arqueologia no Brasil imperial. Tese (Doutorado) — UFPR, Curitiba, 2001.21 RODRIGUES, João Paulo. Tupifilia na Amazônia e em São Paulo. Revista Estudos Amazônicos, v. V, n. 1, p. 145-172, 2010. Deve-se observar, no entanto, que a filiação Tupi dos Marajoara não era unanimidade entre os pesquisadores do século XIX. Conferir, a respeito, LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios Marajoara e identidade nacional brasileira, op. cit.; SCHAAN, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009.22 MONTEIRO, John Manuel. Tupis, Tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Tese (Livre Docência) — Unicamp, Campinas, 2001.23 LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios Marajoara e identidade nacional brasileira, op. cit.

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Da ciência oitocentista a cerâmica marajoara foi para o campo da arte, a partir do início do século XX, compondo o quadro do que se pretendia uma autêntica arte nacional brasi-leira. Um dos principais divulgadores da beleza estética dos grafismos desses índios na arte foi o historiador e pintor paraense Theodoro Braga (1872-1953).24 Nesse contexto, muitos artistas utilizaram o simbolismo marajoara na pintura, escultura, arquitetura, cerâmica, objetos utilitários e decorativos, poesia, entre outros campos.

No século XX, já revestido da condição de símbolo da identidade nacional brasileira, o simbolismo da cerâmica marajoara se articulou com outro desses símbolos, o carnaval, es-tampado em fantasias ou servindo de suporte para carros alegóricos. Valorizados pela ciência e pela arte, desde meados do século XIX os objetos da cerâmica marajoara começaram a ser disputados no mercado de consumo de bens arqueológicos, dando origem à verdadeira atividade de saque desses objetos em distintas cidades da ilha do Marajó. Muitos desses ob-jetos foram parar nos museus científicos do Brasil e do exterior, enquanto outros foram para coleções particulares.25

Vale destacar que esse processo de significação da cerâmica marajoara foi marcado por muitas divergências entre aqueles que tentaram interpretá-la. Muitos debates surgiram em torno da suposta filiação Tupi dos produtores dessa cerâmica, dos significados dos grafismos, bem como da relação entre a complexidade dessa sociedade, revelada em sua cultura mate-rial, e o meio ambiente amazônico.26

De cacos associados ao primitivismo ou a obras do diabo, os vestígios arqueológicos ma-rajoara passaram à condição de símbolo da identidade nacional brasileira, espetacularizados como símbolos de civilização e de beleza estética. Longe de ser um processo natural, em que a beleza estética da cerâmica marajoara se impôs por si mesma diante das outras cerâmicas

24 Conferir FARIAS, Edilson da Silva. Tela, chuva, canivete: a pintura de Belém no tempo do modernismo. Tese (Doutorado) — Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.25 O suíço Barbier-Mueller levou para a Europa uma série de objetos arqueológicos marajoara, com os quais montou um museu em Barcelona, na Espanha, atualmente desativado. Muitas das peças deste museu foram colocadas à venda no sítio da Sothebys. Conferir: Marajoara. Disponível em: http://www.sothebys.com/en/search-results.html?keyword=marajoara. Acesso em: 13 jul. 2017. Um exemplo de coleção particular é a que foi montada em Florianópolis, Santa Catarina, pelo também suíço Tom Wildi. Conferir SCHAAN, Denise Pahl. A linguagem iconográfica da cerâmica marajoara: um estudo da pré-história na ilha do Marajó (400-1300 AD). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.26 Um dos debates mais conhecidos é o que inaugurou “uma rixa histórica entre as duas grandes damas da arqueologia amazônica” (SCHAAN, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009, p. 166). Beth Meggers, marcada pela perspectiva do determinismo ambiental, defendia a ideia de que o solo pobre da Amazônia limitava o surgimento de sociedades complexas. Por outro lado, Anna Roosevelt exaltava os solos férteis das várzeas, que teriam propiciado o surgimento de sociedades complexas conhecidas como cacicados. Conferir MEGGERS, Betty. Environmental limitation on the development of culture. American Anthropologist, v. 56, n. 5, p. 801-824, 1954; ROOSEVELT, Anna C. Parmana: Prehistoric Maize and Manioc Subsistence Along the Amazon and Orinoco. New York: Academic Press, 1980; SCHAAN, Denise Pahl. The Camutins Chiefdom: Rise and Development of Complex Societies on Marajó Island, Brazilian Amazon. Dissertation (Ph. D.) — University of Pittburgh, 2004.

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indígenas, trata-se de um processo fortemente marcado por interesses políticos que acom-panham os debates no campo das ciências, da arte e da política propriamente dita desde o século XIX. Passemos, agora, ao Círio de Nazaré.

Círio de Nazaré

Conforme vimos no início deste artigo, o Círio de Nazaré foi registrado junto ao IPHAN como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro e junto à Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade. Na verdade, essa celebração envolve um conjunto de procissões e ativida-des, reunidas na expressão “Festa de Nazaré”.27 Tal é a grandeza dessa festa que ela é con-siderada “O Natal dos paraenses”, expressão com certa dose de heresia tolerada pela Igreja. Atualmente, o Círio de Nazaré é responsável pelo período de maior presença de turistas na cidade de Belém, movimentando a economia local em torno de uma infinidade de produtos vendidos aos devotos e turistas.28 Com orgulho, os paraenses repetem, todos os anos, que esta é “a maior festa religiosa do Brasil” ou “um dos maiores eventos religiosos do mundo”. Como parte da engenharia do consenso construída em torno da festa, é comum ouvir ex-pressões como “Festa de todos”, “Festa de todos os paraenses”, “Todos por Maria”. Muitas narrativas revelam admiração pela fé do povo, pela forma como se pagam as promessas, pela relação tão próxima com Maria, a mãe de Jesus, que é carinhosamente chamada pelos devotos de “Naza”, “Nazica” ou “Nazinha”. Mas, nem sempre foi assim.

O primeiro Círio de Nazaré foi realizado em 1793, por iniciativa do então presidente da Província do Pará, o português Francisco de Sousa Coutinho, que, num misto de devoção e preocupação com a dinamização da economia local, determinou o estabelecimento de uma feira de produtos regionais, seguida de novena, missa cantada e procissão, no mesmo período em que era grande a movimentação de devotos à pequena ermida da santa. Os primeiros círios compreendiam, basicamente, a condução (Trasladação) da imagem de Nossa Senhora de Nazaré da ermida de Nazaré até ao Palácio do Governo; a procissão (Círio) que levava a imagem de volta à sua igreja e o chamado Recírio, cerimônia que marcava o fim da festa de Nazaré. Com o passar dos anos muitos outros elementos foram sendo acrescentados.29

Desde o primeiro Círio existe o arraial, espaço onde os devotos se divertem com bebidas alcoólicas, brinquedos, teatro, música e dança. Era no arraial que ocorria a feira de produtos regionais organizada por Francisco de Souza Coutinho. A feira se foi, mas o arraial festivo foi sendo incrementado pelos devotos com o passar dos tempos. Surgiram, então, o teatro

27 ALVES, Isidoro. O carnaval devoto: um estudo sobre a Festa de Nazaré, em Belém. Petrópolis: Vozes, 1980.28 HENRIQUE, Márcio Couto. Círio de Nazaré: entre a fé e o espetáculo. In: FREITAS, Ricardo Ferreira; LINS, Flávio; SANTOS, Maria Helena Carmo dos. Megaeventos, comunicação e cidade. Curitiba: CRV, 2016. p. 289-318.29 IPHAN. Círio de Nazaré, op. cit.

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de bonecos, os cafés e restaurantes, as danças e exibições de imagens em cosmorama no Pavilhão da Flora, localizado no centro do arraial, os jogos de azar, os cavalinhos de pau, a montanha-russa.30 Tudo isso funcionava como atrativo a mais para os devotos que vinham a Belém de todos os cantos da província do Pará a fim de participar da Festa de Nazaré.

No século XIX, este Círio de “festas profanas e alegrias ruidosas”31 começou a receber fortes críticas de religiosos e intelectuais. Segundo o historiador e folclorista Arthur Vianna, “em 1793, a festa de Nazaré honrava o meio que a produzia, era uma prova de adiantamen-to, de progresso. Hoje a festa do arraial, incompatível com a civilização do Pará, só pode depor em desabono dos nossos costumes”.32 Arthur Vianna criticava a introdução da corda para puxar a berlinda com a imagem da santa, onde se vê “a turba multa dos devotos que enxameiam ridiculamente em volta à santa, em desrespeitoso desalinho, num atropelo e aglomerado pouco decentes, numa vozeria ensurdecedora”.33 O autor concluía dizendo que “o que arrasta essa multidão compacta, em sua grande maioria, não é o sentimento religioso, é o gozo”.34

Em vários momentos, a igreja tentou acabar com os jogos e com a venda de bebida alcoólica durante a festa de Nazaré, o que gerou conflitos com os devotos. Nos jornais, geralmente os aspectos profanos eram chamados de “inocente passatempo”, “diversões”, “re-gozijos públicos”, “recreio público” ou simplesmente, entretenimentos.35 Na verdade, tais regozijos eram encontrados em outras festas populares daquele período, como a de São Brás, que acontecia no mês de dezembro, também em frente à igreja de Nazaré. Eram, portanto, expressões da cultura popular da Amazônia daquela época.

Em 1877, os devotos exibiram em poliorama, no Pavilhão de Flora, quadros em que apareciam imagens de mulheres nuas.36 Indignado, o bispo Dom Macedo Costa proibiu a continuidade das orações na igreja de Nazaré. Por sua vez, o povo arrombou a porta da igreja e continuou as rezas, mesmo sem a presença dos padres. O conflito permaneceu em 1878 e 1879, anos em que ocorreram os chamados “círios civis”, ou seja, o Círio foi realizado apenas pelos devotos conduzindo a imagem da santa, sem a presença de membros da igreja. Em 1878, o jornal O Liberal do Pará publicou matéria em que dizia que o jornal católico A Boa Nova repetia

30 ROCQUE, Carlos. História do Círio e da Festa de Nazaré. Belém: Mitograph, 1981.31 MONTARROYOS, Heraldo. Festas profanas e alegrias ruidosas. Belém: Falângola, 1992.32 VIANNA, Arthur. Festas populares do Pará — a Festa de Nazareth. Annaes da Bibliotheca e Archivo Pu-blico do Pará, Belém, t. IV, p. 236, 1905.33 Ibidem, p. 237.34 Ibidem, p. 241.35 FESTA…, Treze de Maio, Belém, 14 set. 1854, p. 2.36 AINDA…, A Boa Nova, Belém, 31 out. 1877, p. 2.

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[...] a história das figuras nuas do ano passado, no que é acompanhado pelo Sr. Dom Antonio, mas calam ambos que estas figuras não são mais do que a reprodução daquelas que o mundo inteiro vê nos museus e até no próprio Vaticano, já representando personagens mitológicas, já os chefes da obra de celebrados artistas.37

Muito provavelmente, tratava-se de reproduções do tema de Vênus, como no quadro “As três graças”, pintado por Rubens, em que três mulheres aparecem nuas.38 Somente depois de muitas brigas e negociações o Círio de 1880 contou com o retorno dos padres, encerrando a chamada “Questão nazarena”. A ação de Dom Macedo fazia parte do processo de romanização que, a partir de meados do século XIX, marcou as relações entre Igreja e Estado, bem como as relações entre Igreja e adeptos do catolicismo popular.39 Os bispos romanizadores procuravam diminuir a autonomia dos devotos, reforçando a autoridade da Igreja brasileira e sintonizando a ação da instituição com as diretrizes vindas da Igreja romana, daí o termo romanização.

As tentativas da Igreja de eliminar os “excessos” populares no Círio de Nazaré conti-nuaram ao longo do século XX. Em 1926, o bispo Dom Irineu Joffily determinou, entre outras coisas, a retirada das rodas que moviam a berlinda que conduzia a imagem da santa, passando a ser conduzida nos ombros dos devotos. Ora, tal medida implicava a retirada de um dos principais ícones do Círio: a corda. Mais uma vez, os devotos protestaram, enviando ao arcebispo um abaixo-assinado solicitando a manutenção das “tradições”. Dom Irineu Joffily argumentava: “vi com os meus próprios olhos, numa observação serena e insuspeita, os atropelos e outros inconvenientes graves motivados pela referida corda”.40 Esse conflito só se encerrou em 1931, com a intervenção do intendente Magalhães Barata, que intermediou o retorno da corda e da berlinda com rodas na procissão do Círio.41

Em livro publicado pela primeira vez em 1986, Mízar Bonna se referia a certos compor-tamentos que desagradavam a Diretoria da Festa. Um deles era a “marola”:

[...] grupos de homens juntavam os braços e iam acompanhando o Círio num movimento de bêbados, direita-esquerda, o que atrapalhava bastante os que iam às proximidades. Quando, então, um grupo desses resolvia fazer marola na corda, dentro e fora — fora e dentro... como complicava e ficava feio. Era uma espécie de brincadeira e que na maioria das vezes era realizada por gente que já estava “alta” mesmo.42

37 QUESTÃO DO DIA…, O Liberal do Pará, Belém, 26 nov. 1878, p. 1.38 SIMSON, Otto von. Peter Paul Rubens 1577-1640: Humanist, Maler und Diplomat. Mainz: Philip von Zabern, 1996.39 NEVES, Fernando Arthur de Freitas. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.40 FESTA…, A Palavra, Belém, 27 jun. 1926, p. 1.41 IPHAN. Círio de Nazaré, op. cit.42 BONNA, Mízar Klautau. Círio: painel de vida. 2. ed. Belém: Secult, 1992, p. 58. Essa prática era bastante

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Mízar Bonna comemorava o fato de que, à época em que ela escrevia, as marolas não existiam mais e notava-se “maior piedade no povo que acompanha [o Círio]”.43 A partir do início do século XX, a igreja de Nazaré criou instâncias displinadoras do Círio, de modo a exercer maior controle sobre a devoção. Em 1910, criou-se a Diretoria da Festa, responsável pela organização do Círio, que antes cabia a uma confraria leiga e popular, a Irmandade de Nazaré. Mesmo se tratando de uma festa dedicada a uma figura feminina, Maria, a mãe de Jesus, da Diretoria de Nazaré só podem participar homens, apesar de as mulheres dos dire-tores trabalharem muito na organização do evento.

Em 1974, surgiu a Guarda de Nazaré, considerada a primeira “guarda” católica do Brasil e da qual podem participar católicos do sexo masculino, com idade superior a 18 anos. Essa guarda tem “a missão de cuidar da Berlinda de Nossa Senhora de Nazaré e ajudar na organi-zação das procissões, sempre em harmonia com a Diretoria da Festa”.44 Como toda guarda, a de Nazaré tem funções diretamente ligadas à disciplinarização, à manutenção da ordem. “Cuidar da berlinda”, por exemplo, implica manter afastados devotos ligados às religiões afro-brasileiras, como era comum até a década de 1970.45

Com a criação desse aparelho disciplinarizador dos devotos muitas práticas consideradas “imorais” pela igreja foram proibidas e controladas, como a “marola”, por exemplo. Aos pou-cos, o Círio passou a ter o caráter “mais piedoso”, disciplinado, devocional, que o discurso da igreja ostenta com orgulho nos dias de hoje. Isso não significa que os conflitos deixaram de existir. Mesmo com o fim das “marolas”, ainda se pode ver na procissão principal pessoas “altas”, que muitas vezes passam a noite anterior em festas profanas e, amanhecidas, seguem para acompanhar o Círio na corda que puxa a berlinda. A corda, por sinal, continua sen-do fonte de conflitos, sendo muitas vezes responsabilizada pela demora na procissão. Mais recentemente, alguns devotos começaram a cortar pedaços da corda antes que a imagem chegue à igreja de Nazaré, o que tem sido alvo de críticas por parte da igreja e também da maioria dos devotos. Mas, depois de Dom Irineu Joffily, ninguém ousou defender publica-mente sua retirada da procissão.

A partir da década de 1950, constata-se a apropriação do Círio de Nazaré pela indústria cultural e sua consequente transformação em espetáculo para o consumo. Aos poucos, a mídia vai transformando o Círio numa “festa para valer turismo”,46 inclusive com a insta-lação de arquibancadas para que os turistas possam assistir à procissão. A partir da década de 1970, começa a transmissão via Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) para

antiga. Matéria publicada no jornal Diário de Belém em 13 de outubro de 1885 anunciava que "realizou-se o Círio, o legendário Círio, com todo aquele aparato meio religioso, meio burlesco que lhe é peculiar... Devía-mos dizer carnavalesco, porque aquelas danças e contradanças fizeram-nos lembrar dos cordões de roceiros e do bumba meu boi". Conferir NAZARETH…, Diário de Belém, 13 out. 1885, p. 3.43 BONNA, Mízar Klautau. Círio: painel de vida, op. cit., p. 58.44 Guarda de Nazaré. Disponível em: http://nazare10.com.br/guarda-de-nazare/. Acesso em 22 dez. 2016.45 ALVES, Isidoro. O carnaval devoto: um estudo sobre a Festa de Nazaré, em Belém, op. cit.46 HENRIQUE, Márcio Couto. Círio de Nazaré: entre a fé e o espetáculo, op. cit.

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todo o Brasil. Assim como a cerâmica marajoara, o Círio também foi parar no Carnaval. Em 1975, a escola de samba Unidos de São Carlos, do Rio de Janeiro, decidiu utilizar o Círio como tema de seu desfile, gerando críticas do arcebispo de Belém, Dom Alberto Ramos e comemoração dos setores ligados ao turismo.47 Conforme Henrique:

A imagem-síntese oficial do Círio é marcada pelas ideias de unanimidade, unicidade, inquestionabilidade, consenso. Todo esse discurso é capitalizado para a consolidação do chamado patriotismo de cidade, cuja contrapartida é o esvaziamento da dimensão política do evento. Nesse sentido, a engenharia do consenso converge para a política do governo do Estado intitulada “orgulho de ser paraense”, amplamente veiculada nos meios de comunicação locais e que parte do uso da emoção como instrumento político, como parte de uma estratégia de criação de identidade local (SÁNCHEZ, 2001, p. 44). Ocorre, assim, a construção de uma relação emotiva e afetiva entre o governo do Estado, organizadores do Círio e população, sustentada em fortes aparatos de comunicação.48

Esse esforço dos setores do turismo (empresários e órgãos governamentais), com a parti-cipação direta da Diretoria da Festa de Nazaré, no sentido de transformar o Círio em “pro-duto turístico”, tem ligação direta com o aumento de devotos e turistas na Festa de Nazaré, o que gera desdobramentos sobre a organização e sobre como os devotos experimentam a celebração. Não se pode desligar esse movimento de cunho político e econômico da con-sequente percepção do Círio de Nazaré como “patrimônio cultural do Brasil”, título que agrega valor simbólico ao evento.49

Nazaré marajoara

Conforme vimos até aqui, a cerâmica marajoara e o Círio de Nazaré passaram por pro-cessos de “purificação” antes de assumirem o título de patrimônio cultural do Brasil. Para cumprir seu papel de patrimônio cultural, a cerâmica produzida pelos índios do Marajó pas-sou, primeiro, pelas bênçãos da ciência, que lhe retirou do lugar tradicionalmente reservado aos primeiros habitantes do Brasil, associado ao atraso e à selvageria. Somente depois de sua nobilitação, da equiparação de sua produção material com a das grandes civilizações, ela

47 PARÁ…, A Província do Pará, 11 fev. 1975, 2o caderno, p. 3. Em 1974, a escola de samba Quem São Eles, de Belém do Pará, levou à avenida um enredo que homenageava os índios Marajoara, consagrando-se a vencedora do Carnaval daquele ano. Em períodos distintos, outras escolas de samba, não apenas do Pará, mas principalmente do Rio de Janeiro, utilizaram o simbolismo marajoara em seus enredos. Conferir LI-NHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios Marajoara e identidade nacional brasileira, op. cit.48 HENRIQUE, Márcio Couto. Círio de Nazaré: entre a fé e o espetáculo, op. cit., p. 308.49 Para uma leitura do Círio de Nazaré como patrimônio cultural, conferir HENRIQUE, Márcio Couto. Círio de Nazaré, patrimônio cultural brasileiro. Belém: Açaí, 2016.

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pôde ingressar no rol das nobres produções nacionais, merecendo, inclusive o título de arte. Assim, tais objetos foram “descobertos, tomados, mercantilizados, despojados de seus víncu-los sociais, redefinidos em novos cenários e reconcebidos de modo a corresponder às neces-sidades econômicas, culturais, políticas e ideológicas de pessoas de sociedades distantes”.50 Ao tentar explicar o fascínio causado pela chamada arte marajoara na contemporaneidade, a arqueóloga Denise Schaan afirmou que:

Antes de se constituir uma arte para ser simplesmente observada como bela ou exótica, me parece que a arte marajoara cativa o observador por requerer dele uma decodificação. Nesse sentido, o grafismo marajoara revela, em uma leitura contemporânea, aqueles aspectos que o tornam menos uma arte étnica e mais uma arte de compreensão universal. Talvez resida nesse forte componente metafórico o segredo da arte marajoara.51

Em outro trecho, diz a autora: “Essa estética inspirada na arte nativa tem excelente acei-tação, especialmente porque os motivos decorativos prestam-se a interpretações diversas, acomodando-se a novas formas de suporte e permitindo novas combinações de formas sem perder ritmo e simetria”.52 Note-se que a pesquisadora reduz o “segredo da arte marajoara” a uma questão de fundo emotivo, que leva o observador a querer desvendar seu “forte compo-nente metafórico”. Em nenhum momento Denise Schaan relaciona a “excelente aceitação” da arte marajoara com os processos políticos que, desde o século XIX, conferem à cerâmica marajoara o caráter de “uma arte de compreensão universal”.

A exigência de decodificação não explica, por exemplo, por que a arte marajoara teve “excelente aceitação” enquanto as de outros povos indígenas, como a cerâmica tapajônica ou maracá, não obtiveram o mesmo sucesso.53 É por desassociar a valorização da cerâmica ma-rajoara dos processos históricos e políticos que a constituíram enquanto “herança arqueoló-gica” ou “patrimônio cultural” que Denise Schaan afirma que “como objeto de arte, a cerâ-mica tem valor em si”54 ou que “tais objetos até hoje inspiram o artesanato regional, devido ao seu alto apelo estético e simbólico”.55 Ao lado do “alto apelo estético e simbólico”, importa inserir o apelo político que, inclusive, construiu e chancelou seu valor enquanto “objeto de arte”. Na mesma linha segue o trabalho de Lilian Bayma de Amorin ao afirmar que:

50 PRICE, Sally. Arte primitiva em centros civilizados. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000. p. 24.51 SCHAAN, Denise Pahl. Cultura marajoara. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009. p. 298.52 Ibidem, p. 294.53 Sobre a cerâmica maracá, conferir MELO, Josiane Martins. Objetos em trânsito: a musealização de artefatos arqueológicos no Museu Paraense Emílio Goeldi (1866-1907). Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós--graduação em História da Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.54 SCHAAN, Denise Pahl. Marajó: arqueologia, iconografia, história e patrimônio. Erechim: Habilis, 2009. p. 38.55 Ibidem, p. 8.

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[...] os objetos de uma coleção científica, no caso a Coleção Marajoara do Museu Paraense Emílio Goeldi, devem ser compreendidos como artefato-documento dessa cultura indígena e, consequentemente, como patrimônio cultural a partir de sua musealização. Esse procedimento possibilita a percepção desses bens como herança, tendo como ponto de partida sua preservação e exposição ao público, como forma de comunicação e interação entre o passado e o presente.56

Note-se que a autora estabelece uma relação direta entre o artefato-documento e sua

condição de patrimônio cultural. O que argumentamos é que é impossível compreender a cultura material indígena como patrimônio cultural sem discutir os processos políticos e as operações historiográficas que tornaram possível essa associação. Importa, então, dis-cutir os mecanismos utilizados nos processos de musealização, as imbricações políticas que interferem na maneira como cientistas, artistas e demais cidadãos se relacionam com os objetos musealizados. Ao se referir à “identificação do paraense com a cerâmica marajoara”, Amorim afirma que “herdeiros dos estilos cerâmicos das culturas arqueológicas marajoara e tapajônica, o povo paraense tem uma predileção ao motivo decorativo marajoara”.57 Mais do que predileção, o destaque dado à cerâmica marajoara tem que ser compreendido como resultado desse longo processo que a transformou, de cacos que não serviam para nada, em símbolo da identidade nacional brasileira. Assim, o “conteúdo metafórico das composições” não pode ser dissociado dos processos políticos que, desde o século XIX, instigam a curio-sidade do observador em torno da cerâmica marajoara, “gerando uma sensação de prazer estético e familiaridade”.58

Foram as apropriações da cerâmica marajoara feitas por cientistas, artistas e políticos, desde o século XIX, que geraram a primazia dessa “arte” com relação à tapajônica, por exemplo. De todo modo, esse processo não se deu sem conflitos. Para o artista paraen-se Manoel Pastana, algumas cópias de peças arqueológicas que estavam sendo produzidas constituíam um sério “desvirtuamento da arte do índio do Marajó”. Segundo ele, a falta de leitura dos trabalhos produzidos sobre essa cerâmica levava muitos artistas a produzirem peças “de fancaria rotulada de marajoara”.59 Outro exemplo da recepção crítica dos modos de significação dessa cerâmica foi publicado no jornal O Careta, do Rio de Janeiro, em 1936. Assim, dizia o articulista que

56 AMORIM, Lilian Bayma de. Cerâmica marajoara: a comunicação do silêncio. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2010. p. 28.57 AMORIM, Lilian Bayma de. Cerâmica marajoara: a comunicação do silêncio, op. cit., p. 29.58 SCHAAN, Denise Pahl. Cultura marajoara, op. cit., p. 296.59 PASTANA, Manoel. Cerâmica pré-histórica de Marajó: o desvirtuamento da arte dos primitivos habitan-tes de Pacoval. O Careta, Rio de Janeiro, 31 jul. 1937, p. 51.

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[...] o “estilo marajoara” está na moda [...] nos bairros elegantes da cidade. Não há mestre de obras que não tenha construído a sua casinha marajoara [...]. E os honrados “nouveaux riches” do Rio fazem suas casas nesse estilo... das cerâmicas de Marajó. Estupendo! Como pilhéria, não pode haver nada mais divertido.60

Por outro lado, a noção de “herança” também deve ser problematizada, pois não há con-tinuidade histórica na produção ou mesmo no conhecimento da existência dessa cerâmica, que reapareceu no século XIX depois de um longo período embaixo da terra. Em todo caso, isso não significa negar às pessoas o direito de reivindicar e ressignificar a cultura material marajoara como parte da herança recebida dos índios. O que queremos destacar é que o pon-to de partida de sua percepção como “herança” não é sua preservação e exposição ao público. Ao contrário, tal percepção é resultado de um longo processo de significação e sacralização desses objetos. Desse modo, com relação à cerâmica marajoara, uma reflexão sobre o valor e a necessidade de preservação dessa “herança arqueológica” não pode ser feita sem uma reflexão sobre a historicidade de seus modos de significação e sacralização.

A produção de cópias e réplicas que começou a ser feita no distrito de Icoaraci, na pri-meira metade do século XX, tem mais relação com a musealização da cerâmica marajoara do que com a suposta “herança” desse estilo cerâmico. O mito de origem da produção de cópias e réplicas em Icoaraci é a visita que o ceramista Raimundo Saraiva Cardoso, o Mestre Cardoso, fez a uma exposição de arqueologia no Museu Goeldi, em 1970.61

Conforme demonstrou Anna Maria Alves Linhares,62 a espetacularização da cerâmica marajoara se iniciou no século XIX, passando pelo crivo de cientistas, folcloristas, histo-riadores, arqueólogos, pintores, arquitetos e artistas das mais variadas matizes. O mesmo esforço de nobilitação foi feito com o Círio de Nazaré, num processo muito mais tenso e marcado por conflitos. Afinal, os Marajoara tinham desaparecido há muitos anos, enquan-to os devotos de Nazaré estavam ali, de carne e osso, dispostos a enfrentar os padres para preservar sua própria noção de tradição e de festa religiosa. De todo modo, assim como a cerâmica marajoara, o Círio de Nazaré também foi espetacularizado, revestido de um dis-curso de procissão civilizada e piedosa e posto em uma embalagem de produto turístico. Inclusive, uma das principais procissões dessa celebração atualmente, a Romaria Fluvial, foi criada com o fim exclusivo de atrair turistas para a cidade na época da festa, muito embora a igreja e os setores ligados ao turismo tenham construído a justificativa de permitir que os ribeirinhos homenageassem a santa durante sua passagem pelo rio.63

60 AINDA O ESTILO MARAJOARA. O Careta, Rio de Janeiro, 6 jun. 1936, p. 20.61 SCHAAN, Denis Pahl. Cultura marajoara, op. cit., 2009, p. 288.62 LINHARES, Anna Maria Alves. Um grego agora nu: índios Marajoara e identidade nacional brasileira, op. cit.63 HENRIQUE, Márcio Couto. Círio de Nazaré: entre a fé e o espetáculo, op. cit.

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Tanto na valorização da cerâmica marajoara quanto na do Círio de Nazaré ocorre a cons-trução de uma relação emotiva e afetiva entre a população e esses dois elementos, a partir de sua elevação à condição de patrimônio cultural. Quanto mais espetacularizados, mais esses elementos são distanciados dos sentidos que lhes deram vitalidade enquanto práticas cultu-rais, ou são ressignificados de tal modo que dizem mais sobre nós mesmos do que sobre a experiência social dos sujeitos que produziram a cerâmica marajoara ou dos que vivenciam o Círio de Nazaré como experiência e não como espetáculo.64 Com relação à cultura material, Sally Price argumenta que “objetos etnográficos tornam-se obras-primas da arte mundial no momento em que perdem sua contextualização antropológica e são considerados capazes de sustentar-se puramente pelo seu próprio mérito estético”.65

Em artigo em que discute o uso do simbolismo de objetos arqueológicos indígenas para evocar o passado, Moragas afirma:

Em muitos casos, o elo do produto com o nome possui pouca relação, mas, em todo caso, eles se tornaram ícones da vida cotidiana em seus países de origem e reforçaram algumas construções nacionais. Mas, outra fonte para esse tipo de estudos são as campanhas publicitárias, muitas vezes do setor turístico, que nos oferecem imagens, algumas belas esteticamente, mas muito distantes dos tipos reais da população indígena original.66

Nobilitados, abençoados e espetacularizados pela ciência, pela igreja e pela arte, a ce-râmica marajoara e o Círio de Nazaré puderam, então, dialogar nos mesmos espaços. Esse processo foi tão bem-sucedido que é possível ver sua junção em situações inimagináveis até o século XIX. Um bom exemplo disso é o quadro “Madona Marajoara”, de 1938, obra do artista russo Dimitri Ismailovtich (1892-1976), apresentado a seguir.

64 Françoise Choay chama a atenção para os “efeitos perversos” da industrialização/pasteurização do pa-trimônio. Cf. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2001, p. 232. Assim, uma experiência que era diretamente vivida se esvai na fumaça da representação espetacular. Cf. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.65 PRICE, Sally. Arte primitiva em centros civilizados, op. cit., p. 126.66 “En muchos casos la vinculación del producto con el nombre tiene poco que ver, pero en todo caso se han convertido en iconos de la cotidianidad en sus países de origen y han reforzado algunas construcciones na-cionales. Pero otro filón para este tipo de estudios está en las campañas publicitarias, a menudo del ámbito turístico, que nos ofrecen imágenes, algunas muy bellas estéticamente, pero muy alejadas de los tipos reales de la población indígena originaria” (Tradução dos autores). MORAGAS, Natalia. Ecos del pasado, imáge-nes para el futuro. Lo prehispánico en los medios audiovisuales. Boletín Americanista, Barcelona, año LXIII, n. 66, p. 20, 2013.

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Figura 1. Madona Marajoara, de Dimitri Ismailovtich. NOVAMENTE…, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 23 nov. 1941, p. 3.

Os traços indígenas da Madona de cabelos lisos e pretos e olhos puxados vieram de Eros Volúsia (1914-2004), artista de teatro carioca. Note-se o grafismo marajoara estilizado nas bordas do quadro, na auréola da santa e, principalmente, no manto que cobre Nossa Senhora. Nesse momento, a afirmação da identidade nacional, recobrindo-se a mãe de Jesus com um manto que remetia às origens da nacionalidade brasileira, importava mais do que a vida profana da modelo que emprestou seus traços ao quadro. Segundo o jornal Gazeta de Notícias, Eros Volúsia era conhecida por suas criações “afroindígenas” e encarnava no palco “as belezas artísticas de nossa terra, de nossa gente”.67 Apesar do manto de Ismailovtich não estar vestindo especificamente Nossa Senhora de Nazaré, ele veste Maria, a mãe de Jesus.

A seguir, outra imagem serve de exemplo do diálogo contemporâneo entre Círio de Na-zaré e grafismo marajoara.

67 ÊXITO DE PINTORES. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 28 jun. 1942, p. 7. Para a apropriação sim-bólica da imagem dos índios no período Vargas, conferir GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-Nação na era Vargas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 15-42, 2000.

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Figura 2. “A Rainha da Amazônia”. Acrílico sobre tela. Fabrício Pinheiro, 2012.

Nessa tela, a Virgem de Nazaré é apresentada como índia e o menino Jesus como um curumim, uma criança indígena, presa ao colo da mãe por meio de uma tipoia, espécie de tira de pano utilizada pelas mães indígenas para transportar os bebês. Mãe e filho têm o ros-to pintado com o vermelho do urucu, como fazem muitos povos indígenas. Fazendo as vezes de coroa de Nossa Senhora, nota-se a figura de um vaso marajoara com o costumeiro dese-nho das “gregas” e, por trás da santa, um grande cocar. A “Rainha da Amazônia” de Fabrício Pinheiro faz uso de um colar indígena e tem os seios cobertos por duas cuias. Nas mãos do Menino Jesus não há a figura do globo que se percebe nas imagens tradicionais. Ao contrá-rio, ele parece segurar um pequeno fruto regional. Uma longa saia feita de penas de pássaros cobre a parte de baixo do corpo da santa indígena, na qual se nota, abaixo do umbigo, um desenho que lembra o formato de uma tanga marajoara. Por fim, nota-se o manto cobrindo a Virgem, elemento comum nas representações de Nossa Senhora de Nazaré. O manto da “Rainha da Amazônia” é todo bordado e também apresenta os desenhos chamados de “gre-gas”, desenhos geométricos bastante encontrados nos objetos arqueológicos marajoara e que foram muito importantes na atribuição de “civilidade” aos índios Marajoara no século XIX.

Atentos a esse novo mercado, os ceramistas trabalham na criação de novos objetos, atua-lizando as ressignificações no âmbito da própria cultura material. Desse modo, compreende--se a oferta de um recipiente para água benta, produzido pela Cerâmica Cardoso, de Icoara-ci, conforme imagem a seguir.

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Figura 3. Recipiente para água benta. Foto: Do autor.

Com cerca de 8 centímetros de altura, o pequeno recipiente de cerâmica apresenta uma imagem reduzida de Nossa Senhora, com os dizeres “Círio de Nazaré”. Nas laterais, pode-se ver a estilização do grafismo marajoara que, por um lado, identifica o local de sua produção, remetendo para a marca “cerâmica marajoara” ou “estilo paracuri”68 e, por outro, revela o diálogo entre esses dois ícones do patrimônio cultural paraense. O fato de estar apto a receber água benta indica claramente o quanto os grafismos indígenas foram purificados, abençoados por um longo processo de reapropriação e ressignificação.

A purificação do grafismo marajoara, desprovido do conteúdo idolátrico ou demoníaco que foi atribuído à cultura material indígena, tornou possível que ele adentrasse as igrejas ca-tólicas, gerando imagens que causariam tremores nos missionários do Brasil colonial. Assim, por exemplo, observa-se numa das salas da igreja Santuário de Fátima, em Belém, um altar coberto com uma toalha de mesa repleta de grafismos marajoara. Veja a seguir.

68 Os artesãos do distrito de Icoaraci produzem réplicas e cópias da cerâmica marajoara. Além disso, pro-duzem objetos completamente distantes dos objetos arqueológicos, mas que em alguns casos têm alguns desenhos indígenas, como as já citadas gregas: cinzeiros, emblemas de times de futebol, porta-revistas, entre outros. Esses objetos fazem parte do que se convencionou chamar de "estilo paracuri", fazendo alusão ao nome do bairro onde tais peças são produzidas. Para saber mais, ler: COIROLO, Alicia Durán. A cerâmica de Icoaraci, Pará, Brasil. 1 CD-ROM. Projeto musical patrocinado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, MCT/CNPq. Belém, 2005; DALGLISH, Lalada. Mestre Cardoso: a arte da cerâmica Amazônica. Belém: Semec, 1996; FRADE, Isabela. A ressonância marajoara: a cerâmica ancestral e a comunicação do arcaico. Tese (Doutorado) — USP, São Paulo, 2002; FURUYA, Yoshiaki. Negotiating Tradition and Moderntity in Amazonian Potery. In: FIEALC XI Congress National Of Ethnology & Osaka University. Osaka, Japan. 2003; SANTOS, Telma Saraiva dos. A volta do tempo: as reminiscências de um projeto de identidade nacional na cerâmica “marajoara” de Icoaraci. Dissertação (Mestrado) — UFPA, Belém, 2011.

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Figura 4. Altar marajoara. Foto: Do autor.

A toalha bordada com grafismos marajoara reveste o altar em que se celebra a missa católica, suporte no qual o padre realiza o milagre da Transubstanciação, segundo a crença católica. Desse modo, o corpo de Cristo representado no sacramento da Eucaristia mantém contato direto com o simbolismo marajoara. Note-se, ainda, ao fundo, a cópia de urna ma-rajoara bem embaixo da imagem de Jesus crucificado.

À guisa de conclusão

A longa história que elevou o Círio de Nazaré e a cerâmica marajoara à condição de patrimônio cultural brasileiro indicam claramente a dimensão política dos processos de constituição do patrimônio cultural. Cientistas, folcloristas, historiadores, arqueólogos, ar-tistas, moradores e devotos muitas vezes emprestam suas vozes para a espetacularização de determinados bens culturais que são sacralizados e naturalizados na condição de patrimônio ou de símbolo de identidade regional ou nacional. Assim, tais bens culturais tornam-se passíveis de apropriação política pelo Estado, sendo engessados pelo discurso oficial que os ressignifica de acordo com interesses específicos.

Do ponto de vista da Arqueologia Pública, os moradores não são apenas receptores do discurso arqueológico, mas também produtores de discursos. A arqueóloga Marcia Bezer-ra inclui os moradores do Marajó, especialmente os formadores de “coleções domésticas”,

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entre aqueles que “participam do ‘jogo’ do patrimônio”.69 Segundo a autora, “as coleções formadas por moradores de Joanes — adultos ou crianças — não constituem atos opostos à preservação e à apropriação, mas, ao contrário, são processos singulares de significação e de sacralização dos objetos”.70 Às vezes de modo independente dos discursos oficiais sobre a cerâmica marajoara ou sobre o Círio de Nazaré, outras vezes em diálogo com eles, pessoas pertencentes a grupos diversos ressignificam esses bens culturais, constroem suas próprias interpretações e criam formas próprias de lidar com o patrimônio cultural brasileiro.71

O “jogo do patrimônio” ou os “jogos de poder”,72 portanto, são marcados por constan-tes tensões, por disputas de significados. Ter e manter a consciência das questões de ordem política, das relações de poder e dos campos de força na constituição do que vem a ser eleito patrimônio cultural é uma condição fundamental para não sermos vítimas da engenharia do consenso que envolve os bens culturais numa embalagem emotiva e comercial que, ao mesmo tempo, produz discursos, silenciamentos e exclusão. Nesse sentido, a pesquisa his-tórica é fundamental para a consciência de nosso papel enquanto produtores de discursos sobre o patrimônio, discursos que muitas vezes sacralizam lugares e coisas, em detrimento das pessoas.73

O que pretendemos mostrar neste artigo, a partir de dois casos específicos de patrimo-nialização, é que esses processos não se dão de forma natural. Discursos sobre o patrimônio carregam a historicidade do tempo e dos processos que os constituíram e devemos estar aten-tos a isso, especialmente quando determinados bens culturais são registrados oficialmente pelo Estado, passando a satisfazer interesses políticos específicos, geralmente associados aos processos de constituição de identidade nacional. Devemos estar atentos não apenas ao que o patrimônio fala, mas também àquilo que ele silencia.

69 Conferir BEZERRA, Marcia. “As moedas dos índios”: um estudo de caso sobre os significados do patrimô-nio arqueológico para os moradores da Vila de Joanes, ilha de Marajó, Brasil, op. cit., p. 58.70 Ibidem, p. 67.71 Para modos de ressignificação da cultura marajoara na ilha do Marajó, conferir PACHECO, Agenor; SCHAAM, Denise Pahl; BELTRÃO, Jane Felipe (Orgs.). Remando por campos e florestas: patrimônios marajoaras em narrativas e vivências. Rio Branco: GKNoronha, 2011 e PACHECO, Agenor; SCHAAM, Denise Pahl; BELTRÃO, Jane Felipe (Orgs.). Remando por campos e florestas: patrimônios marajoaras em narrativas e vivências: Ensino Médio. Belém: GKNoronha, 2012.72 PRICE, Sally. Arte primitiva em centros civilizados, op. cit., p. 102.73 BEZERRA, Marcia. “As moedas dos índios”: um estudo de caso sobre os significados do patrimônio ar-queológico para os moradores da Vila de Joanes, ilha de Marajó, Brasil, op. cit.

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Cerâmica marajoara e Círio de Nazaré: significação e sacralização do patrimônio cultural brasileiro

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