6
Nós Que fruta! E que fresca e temporã, Nas duas boas quintas bem muradas, Em que o sol, nos talhões e nas latadas, Bate de chapa, logo de manhã! O laranjal de folhas negrejantes, (porque os terrenos são resvaladiços) Desce em socalcos todos os maciços, Como uma escadaria de gigantes. Das courelas, que criam cereais, De que os donos – ainda! – pagam foros , Dividem-no fechados pitosporos , Abrigos de raízes verticais. Ao meio, a casaria branca assenta À beira da calçada, que divide Ao escuros pomares de pevide, Da vinha, numa encosta soalhenta! a b a b interpol ada

Cesario Verde

Embed Size (px)

DESCRIPTION

resumo poema

Citation preview

Page 1: Cesario Verde

NósQue fruta! E que fresca e temporã,Nas duas boas quintas bem muradas,Em que o sol, nos talhões e nas latadas,Bate de chapa, logo de manhã! O laranjal de folhas negrejantes,(porque os terrenos são resvaladiços)Desce em socalcos todos os maciços,Como uma escadaria de gigantes. Das courelas, que criam cereais,De que os donos – ainda! – pagam foros ,Dividem-no fechados pitosporos ,Abrigos de raízes verticais. Ao meio, a casaria branca assentaÀ beira da calçada, que divideAo escuros pomares de pevide,Da vinha, numa encosta soalhenta!

ab

ab interpolada

Page 2: Cesario Verde

• A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos seus poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por sinais”) – característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico.

• · Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocação da memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opressão que lhe provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento de um ocidental)

• · Do campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico, mas a natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas.

• · A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o grotesco, a beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade...

• · “Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a perversão do amor, e o campo a sua expressão idílica. Ao nível social, a cidade significa opressão, e o campo a recusa da mesma e a possibilidade do exercício da liberdade.”

• · No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada, reprimida e doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas quintas bem muradas, /Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós)

• · As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas facetas e segundo ângulos de visão de personagens várias (Num Bairro Moderno; Cristalizações; O Sentimento dum Ocidental).

• · A invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudável dos produtos do campo (como por exemplo, a “giga” da “rota, pequenina, azafamada” rapariga em Num Bairro Moderno).

Page 3: Cesario Verde

• O campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e descrita tão minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz). É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à cidade e considerando-o “um salutar refúgio”.

• A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular mas que acaba por aprisioná-lo.

Page 4: Cesario Verde

•Este é o mais longo poema de Cesário Verde.•Constituído por 128 quadras, nesta 1ª parte estão incluídas 12 estrofes, todas elas em verso alexandrino (composto de doze sílabas métricas).•Aqui podemos observar um rigor formal, característico do movimento literário denominado Parnasianismo (anti-romântico).•A rima nesta parte é cruzada em algumas estrofes (ABAB) e interpolada e emparelhada noutras (ABBA)

Page 5: Cesario Verde

• 1.ª estrofe: referencia ao clima doentio da cidade;2.ª estrofe: fala da vida saudável do campo ;3.ª à 7.ª estrofe: descrição da cidade como limitação, repressão, doença e morte ;8.ª à 12.ª estrofe: descrição do campo tendo em atenção a sua fecundidade, espaço amplo de liberdade, saúde e vida; 13.ª à 17.ª estrofe: descrição da cidade novamente com as mesmas características negativas.

Localização no espaço: Cidade: estrofes 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 13, 14, 15, 16, 17. Campo: estrofes 2, 8, 9, 10, 11, 12.

Page 6: Cesario Verde

• Pelo Campo Cantando Vai Contente• Pelo campo cantando vai contente

o Lavrador seguindo o curvo arado: e canta na prisão o desgraçado, ao triste som de uma áspera corrente.

Aquele, canta alegre, e docemente, nas suaves pensões de seu Estado; este, só por vingar-se de seu fado, com o Canto disfarça o mal que sente.

Eu também já em doces alegrias, qual Lavrador, cantei nesta espessura, sem conhecer do Fado as tiranias:

porém hoje de Amor na prisão dura, com o Canto disfarço as agonias, por vingar-me de minha desventura.

Domingos dos Reis Quita, in 'Antologia Poética'