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Cesário Verde Temáticas A cidade e o campo A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos seus poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por sinais”) – característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico. Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocação da memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opressão que lhe provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento de um ocidental) o campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico, mas a natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas. A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o grotesco, a beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade... “Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a perversão do amor, e o campo a sua expressão idílica. Ao nível social, a cidade significa opressão, e o campo a recusa da mesma e a possibilidade do exercício da liberdade.” No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada, reprimida e doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas quintas bem muradas, /Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós) As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas facetas e segundo ângulos de

Cesario Verde

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Cesário Verde

Temáticas  

A cidade e o campo

A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos seus poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por sinais”) – característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico.

Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocação da memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opressão que lhe provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia  (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento de um ocidental)

o campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico, mas a natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas.

 A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o grotesco, a beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade...

“Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a perversão do amor, e o campo a sua expressão idílica. Ao nível social, a cidade significa opressão, e o campo a recusa da mesma e a possibilidade do exercício da liberdade.”

No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada, reprimida e doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas quintas bem muradas, /Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós)

As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas facetas e segundo ângulos de visão de personagens várias (Num Bairro Moderno; Cristalizações; O Sentimento dum Ocidental).

A invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudável dos produtos do campo (como por exemplo, a “giga” da “rota, pequenina, azafamada” rapariga em Num Bairro Moderno).

Binómio cidade/campo

O contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário e revela-nos o seu amor ao rústico e natural, que celebra por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos valores urbanos a que, no entanto, adere.

A cidade personifica a ausência de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma prisão que desperta no sujeito “um desejo absurdo de sofrer”. É um foco de infeções, de doença, de MORTE. É um símbolo de opressão, de injustiça, de industrialização, e surge, por vezes, como ponto de partida para evocações, divagações

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O campo, por oposição, aparece associado à vitalidade, à alegria do trabalho produtivo e útil, nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado à fertilidade, à saúde, à liberdade, à VIDA. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, daí surgir o mito de Anteu, uma vez que a terra é força vital para Cesário. O poeta encontra a energia perdida quando volta para o campo, anima-o, revitaliza-o, dá-lhe saúde, tal como Anteu era invencível quando estava em contacto com a mãe-terra. Campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e

descrita tão minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz). É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à cidade e considerando-o “um salutar refúgio”.

A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular mas que acaba.

A humilhação

A humilhação sentimental:o Mulher formosa, fria, distante e altiva

(Esplêndida; Deslumbramentos; Frígida);o A mulher fatal da época/a humilhação do sujeito poético tentando a

aproximação  (Esplêndida);o  A mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhação do sujeito

poético que não ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social  (Humilhações);

o   A mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana/a consequente humilhação do poeta (“Milady, é perigoso contemplá-la  (...)/ Com seus gestos de neve e de metal.”, Deslumbramentos);

o  A mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e receia/a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos (Frígida).

A humilhação estética:o A revolta pela incompreensão que os outros manifestam em relação à

sua poesia e pela recusa de publicação por alguns jornais (“Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores/ Deliram por Zaccone”; “Agora sinto-me eu cheio de raivas frias/ Por causa dum jornal me rejeitar, há dias/ Um folhetim de versos.”, Contrariedades).

 A humilhação social:o O povo comum oprimido pelos poderosos (Humilhações);o O abandono a que são votados os doentes (“Uma infeliz, sem peito, os

dois pulmões doentes  (...)/ O doutor deixou-a...”, Contrariedades);o O povo dominado por uma oligarquia poderosa (a “Milady”

de Deslumbramentos é uma representante dessa oligarquia).

A busca da perfeição formal Cesário busca a expressão clara, objetiva e concreta;

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As suas descrições têm pouco de poético –  prosaísmo lírico  –, pois procura explorar a notação objetiva e sóbria das graças e dos horrores da vida da cidade ou a profunda vitalidade da paisagem campestre – características de um realista.

 A preocupação com:o  A beleza e a perfeição da sua poesia (a musicalidade, a harmonia,

a escolha dos sons...); o  O vocabulário – a expressividade verbal, a adjetivação abundante, rica e

expressiva, a precisão vocabular  (chega mesmo a usar termos técnicos), o colorido da linguagem...;

o Os recursos fónicos – as aliterações, que contribuem para a musicalidade e para a perfeição formal;

·        os processos estilísticos –  abundância de imagens, as metáforas, as sinestesias…A regularidade métrica, estrófica e rimática (na métrica, preferência pelo verso decassilábico e pelo alexandrino; na organização estrófica, a preferência evidente pela quadra que lhe permitia registar as observações e saltar com facilidade para outros assunto

A imagética Feminina A mulher fatal, altiva, aristocrática, “frígida” que atrai/fascina o sujeito

poético, provocando-lhe o desejo de humilhação. É o tipo citadino artificial, surge portanto associada à cidade servindo para retratar os valores decadentes e a violência social. Esta mulher surge na poesia de Cesário incorporando um valor erótico que simultaneamente desperta o desejo e arrasta para a morte  conduzindo a um erotismo da humilhação (Esplêndida, Vaidosa, Frígida).

A mulher angélica, “tímida pombinha”, natural, pura, acompanhada pela mãe, embora pertencente à cidade, encarna qualidades inerentes ao campo. Desperta no poeta o desejo de proteção e tem um efeito regenerador (Frágil).

Questão SocialO poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos

marginalizados e admira a força física, a pujança do povo trabalhador.O poeta interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando

documentá-lo e analisá-lo, embora sem interferir. Anatomia do homem oprimido pela cidade Integração da realidade comezinha no mundo poético

O Impressionismo adaptado ao Real

“A mim o que me preocupa é o que me rodeia”A poesia do quotidiano despoetiza o ato poético, daí que a sua poesia seja

classificada como prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impressões que os objetos lhe deixam através dos sentidos.

Ao vaguear, ao deambular, o poeta perceciona a cidade e o “eu” é o resultado daquilo que vê.

Cesário não hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a conceção da poesia, não tinham nada de poético.

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Cesário não só surpreende os aspetos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexão sobre as personagens e certas condições.

A representação do real quotidiano é, frequentemente, marcada pela captação perfeita dos efeitos da luz e por uma grande capacidade de fazer ressaltar a solidez das formas (visão objetiva), embora sem menosprezar uma certa visão subjetiva – Cesário procura representar a impressão que o real deixa em si próprio e às vezes transfigura a realidade, transpondo-a numa outra.

Linguagem e Estilo:Cesário Verde é caracterizado pela utilização do Parnasianismo que é a busca da

perfeição formal através de uma poesia descritiva  e fazendo desta algo de escultórico, esculpindo o concreto com nitidez e perfeição. O parnasianismo é também a  necessidade de objetivar ou despersonalizar a poesia e corresponde à reação naturalista que aparece no romance. Os temas desta corrente literária são temas do quotidiano com um enorme rigor a nível de aspeto formal e há uma aproximação da poesia às artes plásticas, nomeadamente a nível da utilização das cores e dos dados sensoriais.

Através deste parnasianismo ele propõe uma explicação para o que observa com objetividade e, quando recorre à subjetividade, apenas transpõe, pela imaginação transfiguradora, a realidade captada numa outra que só o olhar de artista pode notar. 

Cesário utiliza também uma linguagem prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano.

A obra de Cesário caracteriza-se também pela técnica impressionista ao acumular pormenores das sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestões e impressões da realidade.

A nível morfossintático recorre à expressividade verbal, à adjetivação abundante, rica e expressiva, por vezes em hipálage, ao colorido da linguagem e tem uma tendência para as frases curtas.

Vocabulário concreto Linguagem coloquial Predomínio do uso do decassílabo e do Alexandrino Uso do assíndeto que resulta da técnica de justaposição de várias

perceções Técnica descritiva assente em sinestesias, hipálages, na expressividade

do advérbio, no uso do diminutivo e na utilização da ironia como forma de cortar o sentimentalismo (equilibrar).