Chapter 1 Mastery

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IDescubra sua vocao: Sua Misso de Vidaoc possui uma espcie de fora interior que procura orient-lo para a sua Misso deVida aquilo que deve realizar durante sua existncia. Na infncia, essa fora clara. Ela o orienta para as atividades e os temas mais compatveis com suas inclinaes naturais, deflagrando uma curiosidade profunda e primordial. Nos anos subsequentes, essa fora tende a oscilar, medida que voc ouve mais os pais e os amigos e sucumbe s ansiedades dirias que o desgastam e exaurem. Esse processo pode ser a fonte de sua infelicidade de sua falta de conexo com quem voc e com o que o torna nico. O primeiro passo para a maestria sempre introspectivo aprender quem voc realmente e se religar com essa fora inata. O autoconhecimento o levar a descobrir seu caminho para a carreira mais adequada a voc e permitir que tudo o mais se encaixe. Nunca tarde demais para iniciar esse processo. A FORA OCULTANo final de abril de 1519, depois de meses de doena, o artista Leonardo da Vinci teve a certeza de que a morte o visitaria em poucos dias. Havia dois anos que Leonardo vivia no castelo de Cloux, na Frana, como hspede pessoal do rei francs Francisco I. O rei lhe proporcionara dinheiro e honrarias, considerando-o a incorporao viva do Renascimento italiano, que ele queria importar para a Frana. Leonardo fora muito til para o monarca, aconselhando-o sobre todos os tipos de assuntos importantes. Mas agora, aos 67 anos, sua vida estava prestes a terminar e seus pensamentos se voltavam para outras coisas. Ele preparou seu testamento, comungou na igreja e retornou ao leito, espera do fim iminente.Enquanto aguardava o prprio fim, vrios de seus amigos inclusive o rei o visitaram. Eles perceberam que Leonardo se mostrava reflexivo. Em geral ele no gostava de falar de si mesmo, mas, naquele momento, narrava as recordaes de sua infncia e juventude, insistindo no curso estranho e improvvel de sua vida.Leonardo sempre demonstrara forte sentimento de fatalismo e, durante anos, fora assaltado pela seguinte questo: existe algum tipo de fora interior que faz com que todos os seres vivos cresam e se transformem? Se essa fora existisse, ele queria descobri-la, e buscou indcios de suas manifestaes em tudo o que examinava. Era uma obsesso. Agora, em suas horas derradeiras, depois que os amigos o deixavam sozinho, certamente a mesma dvida retornava, de uma forma ou de outra, em relao ao enigma de sua prpria vida, levando-o a procurar sinais de uma fora ou sorte que determinara o desenrolar de sua existncia e o orientara at o presente.Leonardo teria comeado essa busca primeiro refletindo sobre sua infncia na comuna de Vinci, a uns 30 e poucos quilmetros de Florena. O pai dele, Piero da Vinci, era tabelio, baluarte da poderosa burguesia. No entanto, como era filho ilegtimo, Leonardo no podia frequentar a universidade nem exercer qualquer uma das profisses nobres. Sua escolaridade foi mnima e, quando criana, ficava quase sempre sozinho. Gostava, acima de tudo, de caminhar pelos bosques de oliveiras, nos arredores de Vinci, ou de seguir trilhas que levavam a um trecho muito diferente da paisagem uma floresta densa, cheia de javalis, onde cursos de gua velozes formavam corredeiras, cisnes deslizavam nos lagos e flores silvestres cresciam nos penhascos, compondo uma biodiversidade to intensa que o encantava.Um dia, esgueirando-se pelo escritrio do pai, Leonardo surrupiou algumas folhas de papel algo raro naqueles dias, mas, como tabelio, Piero tinha esse privilgio. O jovem levou-as consigo em seu passeio pela floresta e, sentado em uma pedra, comeou a esboar as vrias paisagens ao redor. Voltou numerosas vezes para repetir o exerccio; mesmo quando o tempo no estava bom, ele se acomodava em algum tipo de abrigo e desenhava. No teve professores, nem pinturas a observar; fazia tudo a olho nu, com a natureza como modelo. E constatou que, ao desenhar o que via, tinha que observar os objetos com muito mais ateno e captar os detalhes que lhes davam vida.Certa vez, desenhou uma ris branca e, ao fit-la to de perto, ficou impressionado com sua forma peculiar. A ris comeava como semente e ento evolua por vrios estgios, cada um dos quais ele retratou ao longo de alguns anos. O que levava aquela planta a se desenvolver em sucessivas fases, que culminavam com aquela forma irradiante, to diferente de qualquer outra? Talvez ela possusse alguma fora para impulsion-la por todas essas transformaes. Esse questionamento o impeliu a refletir sobre a metamorfose das flores durante anos a fio.Sozinho em seu leito de morte, Leonardo teria retornado a seus primeiros anos como aprendiz, no estdio do artista florentino Andrea del Verrocchio, onde fora admitido com a idade de 14 anos em consequncia da qualidade extraordinria de seus desenhos. Verrocchio instrua seus aprendizes em todas as cincias necessrias execuo dos trabalhos do estdio engenharia, mecnica, qumica e metalurgia. O pupilo demonstrou nsia por aprender todas essas disciplinas, mas logo descobriu em seu mago algo diferente: ele no conseguia se limitar a executar uma tarefa; precisava conferir-lhe um atributo pessoal, que a tornasse algo caracterstico dele prprio; tinha que inventar, em vez de apenas imitar o Mestre.Uma vez, como parte de suas incumbncias no estdio, pediram-lhe que pintasse um anjo em uma cena bblica ampla, concebida por Verrocchio. Ao realizar a tarefa, decidiu que daria vida ao personagem sua maneira. No primeiro plano, diante do anjo, pintou um canteiro de flores, mas, em vez de um conjunto de plantas corriqueiras, Leonardo desenhou os espcimes que havia estudado com tanta mincia quando criana, atribuindo-lhes um rigor cientfico nunca visto. Para retratar a face do anjo, ele experimentou e combinou as tintas numa mistura que lhe conferiu uma radincia suave, transmitindo um ar sublime. No intuito de captar esse sentimento, Leonardo passara horas numa igreja local, observando o semblante de pessoas comuns, imersas em preces fervorosas, at deparar com um jovem cuja expresso inspirou a do seu personagem pictrico. Por fim, ele resolveu que seria o primeiro artista a criar asas angelicais realistas.Para realizar esse propsito, ele foi ao mercado e comprou vrias aves. Passou horas desenhando suas asas, reproduzindo com exatido a maneira como se ligavam ao corpo. Seu intuito era criar a sensao de que as asas haviam crescido organicamente dos ombros dos anjos e que os levaria a alar voo a qualquer momento. Como sempre, Leonardo foi alm. Depois desse trabalho, ficou obcecado por aves, e surgiu em sua mente a ideia de que talvez os seres humanos pudessem mesmo voar, caso conseguisse desvendar a cincia do voo das aves. Dedicou-se horas a fio leitura e ao estudo de tudo a que tivesse acesso sobre aves. Era assim que sua cabea funcionava uma ideia desembocava em outra.Leonardo decerto se lembrava do pior momento de rejeio de sua vida: o ano de 1481. O papa pediu a Lorenzo de Medici que reunisse os melhores artistas de Florena para decorar sua mais recente obra no Vaticano a Capela Sistina. Lorenzo enviou a Roma os melhores artistas florentinos, exceo de Leonardo. Na realidade, eles nunca se relacionaram. Lorenzo era um tipo literrio, imerso nos clssicos. Leonardo no lia latim e tinha pouco conhecimento dos autores da Antiguidade. Por natureza, seus pendores eram mais cientficos. No entanto, a causa bsica da rejeio de Leonardo foi outra ele detestava a dependncia imposta aos artistas, que tinham que conquistar favores dos poderosos e viver de sucessivas encomendas. Ele se cansara de Florena e da poltica da corte que por l reinava.Assim, decidiu que mudaria tudo em sua vida: procuraria se estabelecer em Milo e adotaria uma nova estratgia para prover o seu sustento. Seria mais que um artista. Iria se dedicar a todos os ofcios e cincias que lhe interessassem arquitetura, engenharia militar, hidrulica, anatomia, escultura. A qualquer prncipe ou patro que quisesse seus servios, ele poderia atender como orientador geral e artista, por um bom ordenado. Sua mente, conclura, trabalhava melhor com vrios projetos diferentes, permitindo-lhe elaborar todos os tipos de conexes entre eles.Prosseguindo em seu autoexame, Leonardo sem dvida se lembraria da grande encomenda que aceitara nessa nova fase de sua vida uma enorme esttua equestre em bronze, em memria de Francesco Sforza, pai do ento duque de Milo. O desafio para ele era irresistvel. A obra seria feita em escala vista somente nos tempos de Roma, e a construo de algo to grande em bronze envolveria uma proeza tecnolgica que superaria os feitos de qualquer artista da poca. Leonardo trabalhou no projeto durante meses e, para test-lo, construiu uma rplica da esttua em cermica e a exibiu na maior praa de Milo. A obra era gigantesca, do tamanho de um grande edifcio. A multido que se reuniu para observ-la ficou estupefata com seu tamanho, a posio impetuosa do cavalo que o artista captara, seu aspecto imponente. Difundiram-se por toda a Itlia comentrios sobre essa maravilha, e o povo esperou ansioso por sua execuo em bronze. Para tanto, Leonardo desenvolveu uma tecnologia de fundio totalmente inovadora. Em vez de dividir o molde do cavalo em sees, Leonardo construiria o molde em pea nica (usando uma mistura inusitada de materiais que ele concebera) e o fundiria como um todo, o que daria ao animal uma aparncia muito mais orgnica e natural.Poucos meses depois, porm, estourou a guerra e o duque precisou de todo o bronze que pudesse reunir para produzir peas de artilharia. Por fim, a esttua de cermica foi derrubada e o cavalo nunca foi construdo. Outros artistas zombaram da loucura de Leonardo ele demorara tanto para descobrir a soluo perfeita que os acontecimentos acabaram conspirando contra ele. Certa vez, o prprio Michelangelo o insultou: Voc fez um modelo de cavalo que jamais poderia fundir em bronze e, para sua humilhao, se viu forado a desistir. Como o povo estpido de Milo pde confiar em voc? Ele se habituara a escrnios desse tipo sobre sua lentido no trabalho, mas, de fato, no se arrependeu de nada relativo a essa experincia. Teve a oportunidade de testar suas ideias sobre como engendrar projetos de grande porte; e aplicaria esse conhecimento em outras obras. Fosse como fosse, ele no se importava tanto com o produto acabado; o que mais o empolgava era a pesquisa e o processo de criar algo indito.Assim, imerso em reflexes sobre a vida, Leonardo teria detectado com clareza a atuao de alguma espcie de fora oculta dentro de si. Quando criana, essa fora o atrara para a rea mais agreste da regio, onde pde observar a biodiversidade em toda a sua intensidade. A mesma fora o compelira a roubar papel do pai e a se dedicar a desenhos da natureza. Tambm o empurrara para novos experimentos, ao trabalhar para Verrocchio. E ainda o afastara da corte de Florena e dos egos inflados que floresciam entre os artistas. Assim como o impulsionara para extremos de ousadia esculturas gigantescas, tentativas de voar, dissecao de centenas de corpos em seus estudos de anatomia , tudo para descobrir a essncia da vida.Desse ponto de vista privilegiado, tudo fazia sentido. Fora uma bno nascer filho ilegtimo, pois lhe permitira desenvolver o prprio estilo. Mesmo as folhas de papel em sua casa pareciam lev-lo a seu destino. E se ele tivesse se insurgido contra essa fora? E se, aps ter sido rejeitado no projeto da Capela Sistina, houvesse insistido em ir para Roma com os outros artistas e se empenhado em cair nas boas graas do Papa, em vez de buscar o prprio caminho? E se tivesse optado por se dedicar exclusivamente pintura, para ganhar mais dinheiro? E se houvesse agido como os outros, entregando seus trabalhos no menor prazo possvel? Talvez tivesse se sado bem; mas no teria sido Leonardo da Vinci. Sua vida teria carecido do propsito que a impregnou, e, inevitavelmente, no fim das contas, as coisas no teriam dado to certo.Essa fora oculta dentro dele, assim como a das ris que ele havia desenhado tantos anos antes, o levara ao pleno desabrochar de suas capacidades. Ele tinha seguido com perseverana a orientao dessa fora at o fim, completando o percurso. Agora, s restava morrer. Talvez suas prprias palavras, escritas anos antes em sua caderneta, tenham lhe retornado naquele momento: Da mesma maneira como um dia pleno de realizaes traz consigo o sono abenoado, tambm uma vida bem vivida culmina com a morte bem- aventurada.CAMINHOS PARA A MAESTRIAEntre os vrios seres possveis que nos habitam, cada um de ns sempre encontra aquele que o mais genuno e autntico. A voz que o convoca para esse ser legtimo o que denominamos vocao. Mas a maioria das pessoas se empenha em silenciar a voz da vocao e se recusa a ouvi-la. Conseguem gerar rudo dentro de si mesmas (...) distrair a prpria ateno a ?m de no ouvi-la; e se iludem ao substituir o eu genuno por uma vida falsa. JOS ORTEGA Y GASSET, filsofo espanholMuitos dos grandes Mestres da histria confessaram ter experimentado alguma espcie de fora oculta, de voz interior ou de senso de destino que os impulsionava no rumo certo. Para Napoleo Bonaparte foi sua estrela, que ele sempre sentia ascender quando fazia o movimento certo. Para Scrates, foi seu demnio, uma voz talvez de seres superiores, que falavam com ele em negativas dizendo-lhe o que evitar. Goethe tambm a chamava de demnio uma espcie de esprito que habitava dentro dele e o impelia a realizar seu destino. Em tempos mais modernos, Albert Einstein se referia a uma espcie de voz interior, que orientava o rumo de suas especulaes. Todas essas manifestaes so variantes do que Leonardo da Vinci experimentou com seu prprio senso de destino.Esses sentimentos podem ser vistos como puramente msticos, alm de qualquer explicao, ou como alucinaes ou delrios. Mas h outra forma de encar-los como algo real, prtico e explicvel. possvel compreend-los da seguinte maneira:Todos nascemos como seres nicos. Essa singularidade caracterstica gentica de nosso DNA. Somos fenmenos sem igual no Universo nossa composio gentica exata nunca ocorreu antes nem se repetir jamais. Em todos ns, essa singularidade se expressa pela primeira vez na infncia, por meio de certas inclinaes primordiais. Para Leonardo, foi a explorao do mundo natural em torno de sua comuna, ao qual deu vida no papel, sua maneira. Para outros, pode ser uma atrao precoce por padres visuais no raro um indcio de interesse futuro por matemtica. Ou quem sabe um fascnio por movimentos fsicos ou arranjos espaciais.Como explicar essas inclinaes? So foras dentro de ns que vm de um lugar profundo incapaz de ser descrito por palavras conscientes. Elas nos atraem para certas experincias e nos afastam de outras. medida que essas foras nos movimentam para l e para c, influenciam o desenvolvimento de nossa mente de maneira muito especfica.Essa singularidade profunda naturalmente quer se afirmar e se expressar, mas algumas pessoas a experimentam de modo mais forte que outras. No caso dos Mestres, sua intensidade tamanha que ela percebida como uma realidade externa uma fora, uma voz, um destino. Nos momentos em que nos dedicamos a atividades que correspondem s nossas inclinaes mais arraigadas, at sentimos um toque dessa realidade: as palavras que escrevemos ou os movimentos que executamos ocorrem com tanta rapidez e com tanta facilidade que at parecem se originar fora de ns. Estamos literalmente inspirados, palavra de origem latina que significa soprar dentro.Podemos descrev-la nos seguintes termos: ao nascermos, planta-se uma semente em nosso interior. Essa semente a nossa singularidade. Ela quer crescer, transformar-se, florescer em todo o seu potencial, movida por uma energia assertiva natural. A sua Misso de Vida cultivar essa semente at o pleno florescimento, expressar sua singularidade por meio do trabalho. Voc tem um destino a realizar. Quanto maior for a intensidade com que o sentir e o cultivar como uma fora, uma voz ou o que quer que seja , maior ser sua chance de realizar a sua Misso de Vida e alcanar a maestria.O que atenua essa fora, o que faz com que voc no a sinta ou mesmo duvide de sua existncia, a extenso em que sucumbe a outra fora da vida as presses sociais para o conformismo. Essa contrafora pode ser muito poderosa. Voc quer se encaixar em um grupo. Inconscientemente, talvez sinta que o que o distingue dos demais algo embaraoso ou doloroso. Seus pais muitas vezes tambm atuam como contrafora. Pode ser que tentem direcion-lo para uma carreira lucrativa e segura. Se essas contraforas se tornam poderosas demais, voc perde qualquer contato com sua singularidade, com quem voc realmente . Suas inclinaes e seus desejos passam a se moldar em outras pessoas.Essa situao pode lan-lo em terreno muito perigoso. Voc acaba escolhendo uma carreira que no compatvel com sua personalidade. Seus desejos e interesses aos poucos se desvanecem e seu trabalho sofre as consequncias. Voc passa a procurar prazer e realizao fora do trabalho. Ao se desengajar cada vez mais da carreira, deixa de prestar ateno nas mudanas dentro de sua rea de atuao fica para trs e paga por isso. Noomento de tomar decises importantes, voc se esconde ou segue o exemplo dos outros, pois no tem senso de direo nem uma bssola interior que o oriente. Perdeu o contato consigo mesmo.Voc precisa evitar esse destino a todo custo. O processo de seguir a sua Misso de Vida que o leva maestria pode ser iniciado a qualquer momento. A fora oculta est sempre presente dentro de voc, pronta para entrar em ao.O processo de realizar a sua Misso de Vida se desenvolve em trs estgios. Primeiro, voc precisa se ligar ou religar com suas inclinaes, com aquele senso de singularidade. Portanto, o primeiro passo sempre introspectivo. Voc vasculha o passado em busca de indcios daquela voz ou fora interior. Silencia as outras vozes que podem confundi-lo como as de pais e amigos. Procura um padro subjacente, o mago de seu carter, que voc deve compreender da forma mais profunda possvel.Segundo, com o restabelecimento da conexo, voc deve examinar a carreira em que j est ou que est prestes a iniciar. A escolha desse caminho ou seu redirecionamento fundamental. Nesse estgio, preciso ampliar seu conceito de trabalho. Com muita frequncia, estabelecemos uma distino entre vida profissional e vida pessoal, sendo que s nesta ltima encontramos prazer e realizao. O trabalho geralmente visto como um meio de ganharmos dinheiro para aproveitar a vida fora dele. Mesmo que encontremos alguma satisfao em nossa carreira profissional, ainda tendemos a compartimentar a vida dessa maneira. Essa uma atitude deprimente, pois, afinal, passamos no trabalho uma parcela substancial das horas em que estamos acordados. Se encararmos a vida profissional como uma provao a ser enfrentada para alcanarmos as verdadeiras fontes de prazer, as horas despendidas no trabalho representaro um trgico desperdcio de nossa curta existncia. Em vez disso, desejvel ver o trabalho como algo mais inspirador, como parte de sua vocao. A palavra vocao vem do latim e significa chamado ou convocao. Seu uso em relao trabalho coincidiu com o incio do Cristianismo certas pessoas eram convocadas por Deus a abraar a vida religiosa; essa era sua vocao. Os primeiros cristos seriam capazes de ouvir literalmente sua vocao, ao escutarem o chamado de Deus, que os escolhera para esse trabalho de salvao. Com o passar do tempo, o termo se secularizou, passando a se referir a qualquer trabalho ou estudo que algum sentia ser compatvel com sua personalidade. No entanto, hora de retornarmos ao sentido original do termo, pois ele se aproxima muito mais da ideia de Misso de Vida e de maestria.Nesse caso, a voz que o convoca no necessariamente a de Deus, mas vem de um lugar profundo. Ela emana de sua individualidade. Indica quais atividades so mais compatveis com seus interesses. E, a certa altura, ela o chama para um tipo especial de trabalho ou carreira. Nesse caso, o trabalho passa a ser algo profundamente conectado com o seu ser, no um compartimento isolado. assim que se desenvolve o senso de vocao.Voc deve encarar sua carreira ou caminho vocacional mais como uma jornada, com suas curvas e desvios, do que como uma linha reta. Voc comea escolhendo uma rea ou posio que corresponda mais ou menos s suas inclinaes. Esse ponto de partida lhe oferece espao para manobra e indica importantes habilidades a serem aprendidas. No se pode comear com algo muito grandioso e ambicioso voc precisa ganhar a vida e conquistar confiana. Uma vez nesse caminho, voc encontra certas trilhas internas que o atraem, enquanto outras o desagradam. Ajusta o curso e talvez se movimente para outra rea afim, mas sempre expandindo sua base de qualificaes. Como Leonardo, voc parte do que faz para os outros e o converte em algo prprio.No final, descobre determinada rea, nicho ou oportunidade que se encaixa perfeitamente com suas inclinaes. Voc o reconhecer to logo o encontre, pois ele ir disparar aquele senso infantil de deslumbramento e empolgao. Depois disso, tudo se encaixar. Voc aprender com mais rapidez e mais profundidade. Seu nvel de habilidade chegar a um ponto em que voc ser capaz de reivindicar sua independncia no ambiente de trabalho e tomar seu prprio rumo. Em um mundo em que no h tantas coisas que no conseguimos controlar, essa condio lhe proporcionar o mximo de poder. Voc determinar suas circunstncias. Como seu prprio Mestre, no mais estar sujeito aos caprichos de chefes tirnicos ou de colegas manipuladores.Essa nfase em sua singularidade e em sua Misso de Vida talvez parea um conceito potico, sem qualquer relao com a realidade prtica, mas, na verdade, ela bastante relevante para os tempos em que vivemos. Estamos entrando numa era em que podemos confiar cada vez menos no Estado, nas empresas, na famlia ou nos amigos como fontes de ajuda e de proteo. um ambiente globalizado, altamente competitivo. Precisamos aprender a nos desenvolver. Ao mesmo tempo, um mundo apinhado de problemas graves e de oportunidades promissoras, que sero mais bem resolvidos e aproveitados pelos empreendedores indivduos ou pequenos grupos que pensam de forma independente, se adaptam com rapidez e possuem pontos de vista nicos. Suas habilidades criativas sem igual sero muito valorizadas.Pense nisso da seguinte maneira: no mundo moderno, o que mais falta em nossa vida o senso de um propsito mais amplo. No passado, eram as religies organizadas que ofereciam esse sentimento. No entanto, hoje quase todos vivemos em um mundo secularizado. Ns, seres humanos, somos nicos, e portanto devemos construir nosso prprio mundo. No reagimos simplesmente aos acontecimentos por algum cdigo biolgico. Porm, sem o senso de direo, ficamos confusos. No sabemos preencher e estruturar nosso tempo. Parece que no dispomos de um propsito na vida. Talvez nem mesmo tenhamos conscincia de nosso vazio, mas ele nos contamina de todas as maneiras.Sentir que somos convocados a realizar algo a forma mais positiva de alcanarmos esse senso de propsito e de direo. como uma busca religiosa para cada um de ns. Essa procura no deve ser vista como egosta ou antissocial. Ela, de fato, se relaciona com algo muito maior que a vida de cada um. Nossa evoluo como espcie dependeu da criao de uma grande diversidade de habilidades e de pontos de vista. Prosperamos com base na atividade conjunta de pessoas dotadas de talentos singulares. Sem essa diversidade, a cultura morre.A singularidade de cada um ao nascer o fator fundamental dessa diversidade indispensvel. Na medida em que ela cultivada e expressada, um papel fundamental exercido. Nossos tempos enfatizam a igualdade, o que pode ser confundido com a necessidade de todos serem idnticos. No entanto, essa igualdade na verdade oferece a todos as mesmas oportunidades para expressar suas diferenas, permite o florescimento da biodiversidade. A vocao mais que um trabalho a executar. algo que se relaciona com a parte mais profunda do ser e que manifestao da enorme diversidade na natureza e na cultura humana.Cerca de 2.600 anos atrs, Pndaro, poeta da Grcia Antiga, escreveu: Torna-te quem s aprendendo quem s. O que ele queria dizer com isso o seguinte: voc nasceu com determinada compleio e com certas tendncias que o caracterizam. Algumas pessoas nunca se tornam quem so em seu mago; param de confiar em si mesmas, sujeitam-se s preferncias alheias e acabam usando uma mscara que oculta sua verdadeira natureza. Se voc criar condies para descobrir quem realmente , prestando ateno na voz e na fora em seu interior, poder realizar o seu destino tornando-se um indivduo, um Mestre.ESTRATGIAS PARA DESCOBRIR SUA MISSO DE VIDAA misria que o oprime no decorre de sua pro?sso, mas de voc mesmo! Quem no mundo no acharia sua situao intolervel se escolhesse um ofcio, uma arte, alis, qualquer estilo de vida, sem experimentar um chamamento interior? Quem quer que nasa com um talento, ou para um talento, certamente o considerar a mais agradvel das ocupaes! Tudo na Terra tem seu lado difcil. S algum impulso interior o prazer, o amor pode nos ajudar a superar os obstculos, a desbravar o caminho e a nos erguer acima do crculo estreito em que outros arrastam suas existncias angustiadas e miserveis! JOHANN WOLFGANG VON GOETHEConectar-se com algo to pessoal quanto suas inclinaes e sua Misso de Vida pode parecer relativamente simples e natural quando voc reconhece sua importncia. No entanto, a verdade o oposto. preciso uma boa dose de planejamento e estratgia para faz-lo de maneira adequada, uma vez que muitos obstculos surgiro no percurso. As cinco estratgias a seguir, ilustradas por histrias de Mestres, o ajudaro a transpor as principais barreiras que se erguero em seu caminho com o passar do tempo vozes alheias que o influenciaro, limitao de recursos, escolha de falsos caminhos, fixao no passado e perda da trajetria. Preste ateno em todas elas, porque voc ter que enfrent-las, de uma forma ou de outra.1. Retorno s origens Estratgia da inclinao primordialOs Mestres costumam ser apresentados s suas inclinaes com extraordinria clareza ainda na infncia. s vezes, elas se manifestam na forma de um simples objeto que desencadeia uma resposta profunda. Quando Albert Einstein (1879-1955) tinha 5 anos, o pai lhe deu uma bssola de presente. Imediatamente o garoto ficou fascinado pela agulha, que mudava de direo medida que ele movimentava o instrumento. A ideia de que havia algum tipo de fora magntica que atuava sobre a agulha, invisvel aos olhos, tocou-o no mago. E se houvesse outras foras no mundo, igualmente invisveis e poderosas, at ento no descobertas ou no compreendidas? Pelo resto da vida, todos os seus interesses e ideias girariam em torno dessa questo de foras e campos ocultos, e no raro ele se lembrava da bssola que desencadeara aquela fascinao inicial.Quando Marie Curie (1867-1934), que viria a descobrir o elemento qumico rdio, tinha 4 anos, entrou no gabinete do pai e deparou-se com um mostrurio de vidro com todos os tipos de instrumentos de laboratrio para experimentos de qumica e fsica. Ela ficou paralisada, de olhos fixos naqueles objetos admirveis. E voltaria quele recinto repetidas vezes para observ-los, imaginando todos os experimentos que poderia realizar com aqueles tubos e dispositivos de medio. Anos mais tarde, quando entrou em um laboratrio de verdade pela primeira vez e fez alguns experimentos, ela se reconectou imediatamente com a obsesso da infncia. Sabia que havia encontrado sua vocao.Quando o diretor de cinema Ingmar Bergman (1918-2007) tinha 9 anos, os pais deram a seu irmo, no Natal, um cinematgrafo um aparelho que projeta imagens em movimento numa tela por meio de uma sequncia de fotografias. Ele precisava da mquina para si e ofereceu ao irmo alguns brinquedos para consegui-la. Assim que a viu sob seu domnio, correu para um grande closet e ficou observando as imagens tremeluzentes projetadas na parede. Parecia que algo adquiria vida, como que por mgica, quando ele a ligava. Produzir essa mgica foi a sua obsesso pelo resto da vida.s vezes essa inclinao se torna clara por meio de certa atividade que desperta a sensao de grande poder. Quando criana, Martha Graham (1894-1991) se sentia frustrada pela incapacidade de se fazer compreender de maneira mais profunda; suas palavras lhe pareciam inadequadas. At que um dia ela assistiu a um espetculo de dana. A primeira bailarina tinha um estilo todo prprio de expressar emoes pelo movimento; era algo visceral, no verbal. Ela passou a frequentar aulas de dana e logo compreendeu sua vocao. Somente quando danava ela se sentia viva e expressiva. Anos mais tarde, inventaria uma forma de dana totalmente nova e revolucionaria o gnero.Outras vezes no um objeto ou uma atividade, mas algo na cultura que estabelece uma conexo profunda. O antroplogo e linguista contemporneo Daniel Everett (nascido em1951) cresceu numa regio rural, na fronteira da Califrnia com o Mxico. Desde a mais tenra idade ele se viu atrado pela cultura mexicana ao seu redor. Tudo nela o fascinava o som das palavras dos trabalhadores imigrantes, a comida, as maneiras to diferentes do mundo anglo-saxo. Assim, mergulhou tanto quanto possvel na lngua e na cultura do pas vizinho. Esse sentimento se transformaria em interesse vitalcio pelo outro pela diversidade de culturas no planeta e pelo que isso diz sobre nossa evoluo.E tambm acontece de as verdadeiras inclinaes de algum serem reveladas no encontro com um Mestre. Na juventude vivida na Carolina do Norte, John Coltrane (1926-1967) se sentia diferente e estranho. Era muito mais srio que os colegas de escola; tinha anseios emocionais e espirituais que no conseguia verbalizar. Dedicava-se msica mais como passatempo aprendeu saxofone e tocava na banda da escola. Ento, poucos anos depois, assistiu a uma apresentao de Charlie Bird Parker, grande saxofonista de jazz, e os sons que ouviu lhe produziram profunda impresso. A interpretao de Parker manifestava algo original e pessoal, uma voz das profundezas do ser. Coltrane de repente descobriu como expressar sua singularidade e dar voz a seus anseios espirituais. Passou a praticar o instrumento com tamanha intensidade que, em uma dcada, se tornou, talvez, o maior artista de jazz de sua poca. preciso compreender o seguinte: para dominar uma rea, para ser Mestre nela, indispensvel am-la e sentir uma profunda conexo com ela. Seu interesse deve transcender a rea em si e atingir as raias da religio. Para Einstein, no era a fsica, mas o fascnio pelas foras invisveis que governam o Universo; para Bergman, no era o cinema, mas a sensao de criar e dar vida; para Coltrane, no era a msica, mas o poder de dar voz a emoes poderosas. Essas atraes da infncia so difceis de expressar em palavras e so mais como sensaes o deslumbramento, o prazer dos sentidos, o sentimento de poder e a exacerbao da conscincia. importante reconhecer essas inclinaes pr-verbais porque so indcios claros de uma atrao no contaminada pelos desejos de outras pessoas. No so algo que seus pais lhe convenceram a fazer, nem que decorre de uma associao mais superficial, alguma coisa mais verbal e consciente. Em vez disso, emergem de um lugar mais fundo, so exclusivamente suas, produtos de sua qumica sem igual. medida que voc se torna mais sofisticado, no raro perde contato com esses sinais de seu ncleo primordial, que podem ser soterrados por todos os seus estudos e leituras subsequentes. Seu poder e seu futuro dependem da reconexo com esse mago e do consequente retorno s origens. preciso escavar em busca dessas inclinaes dos primeiros anos. Procure seus vestgios nas reaes viscerais a algo simples; um desejo de repetir uma atividade de que voc nunca se cansava; alguma coisa que lhe suscitou uma curiosidade inusitada; sentimentos de poder associados a determinadas aes. O que quer que seja, j est dentro de voc. No necessrio criar nada; basta escavar e reencontrar o que estava enterrado l, desde o incio. Ao se religar com esse ncleo, em qualquer idade, algum elemento dessa atrao primitiva renascer com todo o vio, indicando um caminho que pode acabar sendo a sua Misso de Vida.2. Ocupe o nicho perfeito Estratgia darwinianaA. Quando criana, em Madras, na ndia, no final da dcada de 1950, V. S. Ramachandran sabia que era diferente. No se interessava por esportes nem pelas outras preferncias dos garotos de sua idade; gostava de ler sobre cincias. Em sua solido, ele costumava vaguear pela praia, e logo ficou fascinado pela incrvel variedade de conchas que as ondas depositavam na areia. Comeou a recolh-las e estud-las minuciosamente. Aquilo lhe transmitia um sentimento de poder era algo s dele; ningum na escola jamais saberia tanto sobre conchas. Em breve, sentiu-se atrado pelas variedades mais estranhas de moluscos, como a Xenophora, organismo que recolhe conchas descartadas e as usa como camuflagem. Sob certo aspecto, ele era como a Xenophora uma anomalia. Na natureza, essas anomalias servem a um propsito evolucionrio mais amplo podem levar ocupao de novos nichos ecolgicos, oferecendo maiores chances de sobrevivncia. Ser que Ramachandran podia dizer o mesmo de sua excentricidade?Com o passar dos anos, ele transferiu seus interesses de garoto para outras reas anormalidades anatmicas humanas, fenmenos peculiares em qumica, e assim por diante. O pai, sentindo que o jovem acabaria em algum campo de pesquisa obscuro, convenceu-o a matricular-se na faculdade de medicina. L ele travaria contato com todos os lados da cincia e sairia com uma qualificao prtica. Ramachandran cedeu. Embora os estudos de medicina o interessassem, depois de algum tempo voltou a se sentir inquieto. Ele detestava todo aquele aprendizado convencional. Queria experimentar e descobrir, no memorizar. E comeou a ler todos os tipos de peridicos e livros cientficos no includos na lista de leitura da faculdade. Um desses livros foi Olho e crebro, do neurocientista visual Richard Gregory. O que o intrigou principalmente foram os experimentos sobre iluses de ptica e pontos cegos anomalias do sistema visual que oferecem algumas explicaes sobre o funcionamento do crebro.Estimulado pelo livro, ele fez seus prprios experimentos, cujos resultados conseguiu publicar em um prestigioso peridico, o que o levou a ser convidado para estudar neurocincia visual no Departamento de Ps-Graduao da Universidade de Cambridge. Empolgado com a oportunidade de alcanar algo mais compatvel com seus interesses, Ramachandran aceitou o convite. No entanto, depois de alguns meses em Cambridge, percebeu que no pertencia quele ambiente. Em seus sonhos de infncia, a cincia era uma grande aventura romntica, uma busca quase religiosa pela verdade. Em Cambridge, porm, para os alunos e para os professores, parecia mais um emprego burocrtico; voc cumpria a jornada de trabalho, contribua com alguma anlise estatstica e nada mais.No entanto, ele persistiu, descobriu seus prprios interesses e se ps-graduou. Poucos anos depois, foi contratado como professor assistente de psicologia visual da Universidade da Califrnia, em San Diego. Como acontecera tantas vezes antes, decorrido algum tempo sua mente passou a derivar para outro tema dessa vez para o estudo do crebro em si. Ele ficou intrigado com o fenmeno de membros fantasmas que ocorre em pessoas que sofreram amputao de brao ou perna mas ainda sentem uma dor lancinante no membro amputado. E prosseguiu com a realizao de experimentos sobre essas manifestaes, que levaram a descobertas importantes sobre o crebro em si, assim como sobre uma nova maneira de aliviar o sofrimento desses pacientes.De repente, o sentimento de no pertencimento, de inquietao, desaparecera. O estudo de transtornos neurolgicos anmalos seria o campo a que se dedicaria pelo resto da vida. A nova disciplina suscitava questes que o fascinavam sobre a evoluo da conscincia, sobre a origem da linguagem e outras. Era como se tivesse completado o crculo, retornando aos tempos em que colecionava as formas mais raras de conchas. Era um nicho s dele, algo que poderia dominar durante anos, que correspondia s suas inclinaes mais profundas e em que serviria melhor causa do avano cientfico.B. Para Yoky Matsuoka, a infncia foi um perodo de confuso e indefinio. Criada no Japo, na dcada de 1970, tudo parecia ter sido planejado antecipadamente para ela. O sistema escolar a levaria a reas adequadas a garotas. Os pais, defensores da importncia dos esportes na educao, a empurraram para competies de natao ainda muito crianaTambm a levaram a estudar piano. Para outras crianas japonesas daquela poca, talvez houvesse sido bom ter a vida programada daquela maneira, mas, para Yoky, tudo aquilo era doloroso. Ela se interessava por todas as reas, sobretudo por matemtica e cincias. Gostava de esportes, mas no de natao. No tinha ideia do que queria ser nem de como poderia se encaixar naquele mundo programado e controlado.Aos 11 anos, ela finalmente se imps. J se dedicara muito natao e agora queria aprender tnis. Os pais a atenderam. Muito competitiva, acalentava grandes sonhos como tenista, mas estava comeando um pouco tarde. Para compensar o tempo perdido, teria que se submeter a um programa rigorosssimo de treinamento e prtica. Todo dia, pegava o trem para a periferia de Tquio e fazia o dever da escola no caminho de volta para casa. Muitas vezes tinha que viajar em p no vago lotado, mas, mesmo assim, abria o livro de matemtica ou de fsica, e trabalhava com as equaes. Ela adorava resolver problemas, e, enquanto fazia o dever de casa, ficava to entretida e absorta que nem sentia o tempo passar. Por mais estranho que parecesse, a sensao era semelhante que tinha na quadra de tnis uma concentrao to profunda que nada a distraa.Nos poucos momentos de cio no trem, ela pensava no futuro. Cincias e esportes eram os dois grandes interesses de sua vida. Por meio deles, expressava todas as diferentes facetas de seu carter o amor pela competio, por trabalhos manuais, por movimentos graciosos e coordenados, pela anlise e soluo de problemas. No Japo, era preciso escolher carreiras muito especficas. No importava o que escolhesse, ela teria que sacrificar os outros interesses, o que a deixava deprimida. Um dia, sonhou em inventar um rob que jogasse tnis com ela. Inventar e jogar com o rob atenderia aos diferentes aspectos de seu carter; mas era s um sonho.Embora houvesse subido no ranking para se tornar uma das tenistas mais promissoras do Japo, ela logo percebeu que aquele no seria seu futuro. Nos treinamentos, ningum a vencia, mas nas competies quase sempre ficava paralisada, levando muito a srio o jogo e perdendo para adversrias inferiores. E, ainda por cima, sofrera algumas leses debilitantes. Teria que se concentrar nos estudos, no nos esportes. Depois de frequentar uma academia de tnis na Flrida, ela convenceu os pais a deixarem-na estudar nos Estados Unidos e a se matricular na Universidade da Califrnia, em Berkeley.Na faculdade, ela no conseguia escolher uma especializao nada parecia satisfazer sua ampla gama de interesses. Na falta de algo melhor, optou por engenharia eltrica. Um dia, contou a um professor seu sonho de produzir um rob que jogasse tnis com ela. Para sua grande surpresa, o professor no riu de sua ideia, mas a convidou para trabalhar em seu laboratrio de ps-graduao em robtica. O trabalho dela se mostrou to promissor que, mais tarde, foi admitida no curso de ps-graduao do MIT, onde passou a trabalhar no laboratrio de inteligncia artificial de robtica do pioneiro Rodney Brooks. Na poca, estavam desenvolvendo um rob com inteligncia artificial, e Yoky se ofereceu para projetar as mos e os braos.Desde criana, ela se impressionava com as prprias mos enquanto jogava tnis, tocava piano ou escrevia as equaes. As mos humanas so um milagre da natureza. Embora no se tratasse propriamente de um esporte, ela trabalharia com as mos para construir mos. Ao encontrar alguma coisa que, enfim, atenderia amplitude de seus interesses, dedicou-se dia e noite construo de um novo tipo de membros robticos, algo que possusse tanto quanto possvel a sensibilidade e a delicadeza das mos humanas. O projeto de Yoky surpreendeu Brooks estava anos frente de qualquer coisa que algum j tivesse desenvolvido.Sentindo que faltava algo fundamental em seus conhecimentos, resolveu fazer ps- graduao tambm em neurocincias. Se pudesse compreender melhor a ligao entre a mo e o creo, ela seria capaz de projetar um membro prottico com a sensibilidade e a versatilidade das mos humanas. E prosseguiu no processo, adicionando novos ttulos ao seu currculo. Por fim, acabou desenvolvendo uma disciplina nova, que denominou neurorrobtica o projeto de robs com verses simuladas da neurologia humana, trazendo- os mais perto da vida em si. A criao desse campo lhe conferiria grande sucesso cientfico e lhe outorgaria o mximo de poder a capacidade de combinar livremente todos os seus interesses. O mundo profissional como um sistema ecolgico: as pessoas atuam em determinados campos, nos quais devem competir por recursos e pela sobrevivncia. Quanto maior for a quantidade de pessoas que se aglomeram em certo espao, mais difcil se torna prosperar nele. Trabalhar nessas reas tende a desgastar os que lutam para receber ateno, para participar dos jogos da poltica e para conquistar recursos escassos. Perde-se tanto tempo nessas lutas que sobra pouco tempo para alcanar a verdadeira maestria. As pessoas so atradas para essas reas por verem outras atuando nelas, ganhando a vida e avanando nos caminhos conhecidos. Mas no se tem conscincia de como a vida pode ser difcil.Para fugir dessa disputa infrutfera, deve-se encontrar um nicho que se possa dominar na ecologia mais ampla. Nunca fcil encontr-lo. A busca exige muita pacincia e estratgia especfica. No comeo, escolhe-se uma rea que corresponde mais ou menos aos prprios interesses (medicina, engenharia eltrica). A partir da, h duas direes a seguir: a primeira o caminho de Ramachandran. Na rea escolhida, procuram-se trilhas secundrias particularmente atraentes (nesse caso, a cincia da percepo e da ptica). Quando possvel, muda-se para esse campo mais estreito. Prossegue-se no processo at que, enfim, um nicho totalmente desocupado seja encontrado, e quanto mais estreito melhor. De alguma forma, ele corresponde prpria singularidade, do mesmo modo como a forma especfica de neurologia de Ramachandran corresponde a seu senso primordial de considerar-se exceo.A segunda o caminho de Yoky Matsuoka. Depois de dominar o primeiro campo (robtica), procuram-se outras disciplinas ou qualificaes a serem conquistadas (neurocincias), conforme a prpria disponibilidade de tempo, se necessrio. Agora, possvel combinar esse novo campo de conhecimento com o original, talvez criando uma nova rea ou, quem sabe, estabelecendo conexes inditas entre eles. Continua-se no processo tanto quanto se quiser. Por fim, cria-se um campo prprio, exclusivo. Essa segunda verso bastante compatvel com uma cultura em que se dispe de tantas informaes e na qual a associao de ideias uma forma de poder.Em ambas as direes, preciso encontrar um nicho em que no haja uma multido de concorrentes. H liberdade para divagar, andar sem rumo e perseguir certas questes de seu interesse. Desonerado da competio e da politicagem sufocantes, voc ter tempo e espao para cultivar a sua Misso de Vida.3. Evite o caminho falso Estratgia da rebelioEm 1760, aos 4 anos, Wolfgang Amadeus Mozart comeou a aprender piano com o pai. Foi a criana que pediu para iniciar o aprendizado to cedo. A irm, com 7 anos, j tocava piano. Talvez tenha sido em parte por causa dessa rivalidade fraternal que ele tomou a iniciativa, vendo a ateno e o amor que a irm recebia por causa de sua destreza com o instrumento.Depois de poucos meses de prtica, o pai, Leopold pianista, compositor e professor talentoso percebeu que Wolfgang era excepcional. O mais estranho era que, apesar da sua idade, o garoto adorava praticar; noite, os pais tinham que arranc-lo do piano. Aos 5 anos, j compunha suas prprias peas. Em pouco tempo, Leopold levava o prodgio e a irm estrada afora, para se apresentarem em todas as capitais da Europa. Wolfgang surpreendia as audincias reais s quais se apresentava. Ele tocava com segurana e improvisava todos os tipos de melodias brilhantes. Era como um brinquedo precioso. O pai agora obtinha uma boa renda para a famlia, medida que mais cortes europeias queriam ver o gnio em ao.Como patriarca, Leopold exigia total obedincia dos filhos, embora, agora, fosse o jovem Wolfgang quem basicamente sustentava todos eles. Wolfgang se submetia de bom grado ele devia tudo ao pai. Mas, ao entrar na adolescncia, algo o inquietou. Ele gostava de tocar piano ou simplesmente de ter toda a ateno para si? A dvida o confundia. Depois de tantos anos compondo, agora comeava a desenvolver o prprio estilo; no entanto, o pai insistia em que ele continuasse produzindo as peas mais convencionais, que tanto agradavam s cortes e traziam dinheiro para a famlia. A cidade de Salzburgo, onde moravam, era provinciana e burguesa. Mas ele ansiava por algo mais, por ser ele mesmo. Com o passar do tempo, Wolfgang sentia-se cada vez mais frustrado.Em 1777, o pai permitiu que Wolfgang agora com 21 anos partisse para Paris, acompanhado da me. L, ele deveria conquistar uma posio de destaque como regente, para que continuasse a sustentar a famlia. Mas Wolfgang no gostou de Paris. Os trabalhos que lhe ofereciam estavam aqum de seus talentos. Alm disso, a me caiu doente enquanto estavam l e morreu na volta para casa. A viagem foi um desastre sob todos os aspectos. Wolfgang voltou para Salzburgo sentindo-se culpado e disposto a se submeter vontade do pai. Aceitou um emprego pouco interessante como organista da corte, mas no conseguia abafar por completo seu desconforto. Desesperava-se por desperdiar a vida naquela funo medocre, compondo msicas para agradar provincianos tacanhos. A certa altura, escreveu ao pai: Sou compositor (...) No posso nem devo enterrar o talento com que Deus, na sua bondade, me presenteou.Leopold reagia com raiva a essas queixas cada vez mais frequentes do filho, lembrando-lhe de sua dvida de gratido por todo o treinamento que recebera e por todas as despesas que gerara em suas viagens sem fim. At que, num lampejo, ocorreu a Wolfgang que o piano no era realmente sua paixo, nem mesmo a msica em si. Na verdade, ele no gostava de se apresentar diante de outras pessoas, feito uma marionete. Seu destino era compor; e mais do que isso, ele tinha um amor intenso pelo teatro. Queria produzir peras essa era sua verdadeira voz. Jamais realizaria esse sonho se continuasse em Salzburgo. O pai era mais que um obstculo; estava arruinando sua vida, sua sade, sua confiana. No se tratava apenas de dinheiro; o pai, na verdade, tinha inveja do talento do filho e, de maneira consciente ou no, tentava sabotar seu progresso. Wolfgang tinha que fazer algo, por mais doloroso que parecesse, antes que fosse tarde demais.Numa viagem a Viena, em 1781, Wolfgang tomou a deciso de ficar. Nunca voltaria a Salzburgo. O pai nunca o perdoou pela ousadia. O filho abandonara a famlia. O conflito entre eles jamais seria resolvido. Sentindo que havia perdido muito tempo submisso ao pai, Wolfgang comps em ritmo frentico, suas mais famosas peras e composies transbordando de seu ntimo, como se estivesse possesso. O caminho falso na vida , em geral, algo a que somos atrados por motivos equivocados dinheiro, fama, ateno, e assim por diante. Se de ateno que precisamos, em geral experimentamos uma espcie de vazio interior, que esperamos preencher com o falso amor da aprovao pblica. Quando a rea que escolhemos no corresponde s nossas inclinaes ms profundas, raramente realizamos nossos anseios. A qualidade do trabalho sofre as consequncias e a ateno que talvez tenhamos recebido no comeo comea a diminuir um processo doloroso. Se dinheiro e conforto que norteiam nossa deciso, na maioria das vezes estamos agindo por ansiedade, movidos pela necessidade de agradar aos nossos pais. at possvel que nos estejam induzindo para algo lucrativo por zelo e preocupao, mas, no fundo, talvez se encontre algo mais quem sabe um pouco de inveja por desfrutarmos de mais liberdade do que eles quando eram jovens.Sua estratgia precisa ser dupla: primeiro, concluir to cedo quanto possvel que voc escolheu a carreira pelas razes erradas, antes de sua confiana sofrer o golpe fatal. E, segundo, reagir ativamente contra as foras que o afastaram do melhor caminho. Despreze a necessidade de ateno e de aprovao elas o desencaminharo. Libere um pouco de raiva e ressentimento pelas foras paternas que pretenderam lhe impor uma vocao estranha. Seguir um caminho independente de seus pais e construir a prpria identidade um componente saudvel de seu desenvolvimento. Deixe que o senso de revolta o encha de energia e propsito. Se a figura paterna, o Leopold Mozart, que est bloqueando seu caminho, voc deve super-la e avanar.4. Descarte o passado Estratgia da adaptaoDesde que nasceu, em 1960, Freddie Roach foi preparado para ser campeo de boxe. O pai havia sido lutador profissional e a me, rbitra de boxe. O irmo mais velho de Freddie comeou a aprender o esporte ainda muito criana, e, ao completar 6 anos, Freddie foi levado ao ginsio local, na zona sul de Boston, para iniciar rigorosa aprendizagem. Ele treinava vrias horas por dia, seis dias por semana.Aos 15 anos, sentia-se completamente esgotado. Arranjava cada vez mais desculpas para no ir ao ginsio. Um dia, a me percebeu a realidade e lhe disse: Afinal, por que voc luta boxe? atingido o tempo todo. No sabe lutar. Ele estava acostumado s crticas constantes do pai e dos irmos, mas ouvir uma avaliao to franca da me produziu um efeito estimulante. Sem dvida, ela achava que o irmo mais velho que estava destinado grandeza. Naquele momento Freddie decidiu que de alguma forma provaria que ela estava errada. E retornou ao regime de treinamento com novo nimo. Descobriu dentro de si mesmo a paixo pelos treinos e se sentiu movido por uma disciplina ferrenha. Gostava da sensao de melhorar, adorava os trofus que se acumulavam e, mais que qualquer coisa, sentia-se empolgado por agora conseguir vencer o irmo. O amor pelo esporte havia sido reativado.Freddie se revelava o mais promissor dos irmos, e o pai o levou a Las Vegas para impulsionar sua carreira. L, aos 18 anos, ele conheceu Eddie Futch, treinador legendrio, e comeou a treinar sob seus cuidados. Tudo parecia muito promissor ele foi escolhido para a seleo de boxe dos Estados Unidos e comeou a subir no ranking. No demorou muito, porm, e ele se deparou com outro obstculo. Aprendia as manobras mais eficazes de Futch e as praticava com perfeio, mas, na luta real, as coisas mudavam. Assim que era atingido no ringue, voltava a lutar instintivamente; as emoes levavam a melhor sobre ele. Suas lutas se estendiam por muitos rounds, e ele muitas vezes perdia.Em poucos anos, Futch disse a Freddie Roach que era hora de se aposentar. Mas o boxe fora toda a sua vida; aposentar-se para fazer o qu? Ele continuou a lutar, sempre perdendo, at que, por fim, a ficha caiu e ele abandonou o boxe. Conseguiu um emprego em telemarketing e passou a beber muito. Agora, odiava o esporte dera tudo de si e no tinha nada a mostrar como resultado de seus esforos.Um dia, quase a despeito de si mesmo, voltou ao ginsio de Futch para ver o amigo Virgil Hill praticar com outro pugilista que tentava conquistar um ttulo. Os dois lutadores treinavam sob a orientao de Futch, mas no havia ningum no canto de Hill para ajud-lo. Assim, Freddie levou-lhe gua e ofereceu-lhe conselhos. Retornou no dia seguinte, para de novo ajudar Hill, e logo se tornou frequentador assduo do ginsio de Futch. Como no estava sendo pago, manteve o emprego em telemarketing, mas algo nele identificou ali uma oportunidade e estava desesperado. Era o primeiro a chegar e o ltimo a sair. Conhecendo to bem as tcnicas de Futch, podia ensin-las a todos os lutadores. E suas atribuies comearam a aumentar.No fundo da mente, no conseguia se desvencilhar do ressentimento pelo boxe, e se perguntava por quanto tempo conseguiria resistir. Era um mundo co e os treinadores no duravam muito no negcio. Ser que aquilo tambm se transformaria em mais uma rotina, em que ele repetiria interminavelmente os mesmos exerccios que aprendera com Futch? Algo nele ansiava por voltar a lutar pelo menos a luta no era to previsvel.Um dia, Virgil Hill lhe mostrou uma tcnica que aprendera com alguns lutadores cubanos: em vez de trabalhar com um saco de boxe, eles praticavam principalmente com o treinador, que usava grandes luvas acolchoadas. No ringue, os lutadores lutavam com o treinador e exercitavam seus socos. Roach experimentou a tcnica com Hill e seus olhos se iluminaram. Ele estava de volta ao ringue, mas no era s isso. O boxe, tal como ele o conhecia, ficara obsoleto, assim como seus mtodos de treinamento. Em sua imaginao, ele via uma maneira de adaptar o trabalho com luvas, ampliando-o, para ir alm da simples prtica de socos. Poderia ser uma forma de o treinador desenvolver toda uma estratgia no ringue e demonstr-la a seus lutadores em tempo real. Talvez at revolucionasse e revitalizasse o esporte em si. Roach comeou a aplicar essa ideia ao grupo de lutadores que ele agora treinava. Passou a instru-los em manobras que eram muito mais fluidas e estratgicas.Em pouco tempo, ele deixaria Futch para trabalhar por conta prpria. No demorou muito para conquistar a reputao de preparar pugilistas melhor que qualquer outro treinador e em alguns anos se tornou o mais bem-sucedido treinador de sua gerao. Ao gerenciar sua carreira e suas mudanas inevitveis, preciso pensar do seguinte modo: voc no est preso a determinada posio; sua lealdade no com a carreira nem com a empresa. Seu compromisso com a sua Misso de Vida, criar condies para sua plena realizao. Compete a voc descobri-la e orient-la corretamente. No cabe a ningum mais proteg-lo e ajud-lo. Voc est por conta prpria. A mudana inevitvel, sobretudo nessa nossa poca rolucionria. Como voc deve cuidar de si mesmo, tem que identificar as mudanas em curso em sua profisso neste exato momento. Voc precisa adaptar a sua Misso de Vida s novas circunstncias. No insista nas formas ultrapassadas de fazer as coisas, ou correr o risco de ficar para trs, sofrendo as consequncias. preciso ser flexvel e se adaptar o tempo todo.Se a mudana lhe for imposta, como aconteceu com Freddie Roach, voc deve resistir tentao de se exaltar ou de sentir pena de si mesmo. Roach instintivamente encontrou o caminho de volta ao ringue por ter compreendido que o objeto de seu amor no era o boxe em si, mas os esportes competitivos e a elaborao de estratgias. Pensando assim, ele conseguiu ajustar suas inclinaes para uma nova direo, dentro do boxe. Como Roach, seu objetivo no abandonar as qualificaes e as experincias acumuladas, mas descobrir novas maneiras de aplic-las. Seus olhos esto voltados para o futuro, no para o passado. Em geral, esses ajustes criativos conduzem a um caminho melhor somos sacudidos da complacncia e induzidos a reavaliar nosso rumo. Lembre-se: a sua Misso de Vida um organismo vivo, pulsante. No momento em que passa a seguir um plano definido em sua juventude, voc se tranca numa posio e se sujeita impiedade do tempo.5. Descubra o caminho de volta Estratgia de vida ou morteJ na mais tenra infncia, Buckminster Fuller (1895-1983) tinha conscincia de que sentia o mundo de modo diferente. Como nascera com alta miopia e tudo ao seu redor parecia desfocado, seus outros sentidos se desenvolveram para compensar essa carncia em especial o tato e o olfato. Mesmo depois de passar a usar culos, aos 5 anos, ele continuou a perceber o mundo sua volta no apenas com os olhos; desenvolveu uma forma de inteligncia ttil.Fuller foi uma criana muito engenhosa. Um dia, inventou um novo tipo de remo para impeli-lo atravs dos lagos, no Maine, onde passava o vero entregando cartas. O desenho dos remos se inspirava na forma das guas-vivas, que ele observara e estudara. Conseguia visualizar a dinmica do movimento delas com mais do que os olhos: ele a sentia. E reproduziu-a em sua inveno, que funcionou maravilhosamente bem. Durante esses veres, ele sonhava com outras invenes interessantes e esse seria o trabalho de sua vida, seu destino.No entanto, ser diferente tinha seu lado doloroso. Ele no tinha pacincia com os mtodos comuns de educao. Embora fosse brilhante e tivesse sido aceito na Universidade de Harvard, no conseguia se adaptar ao estilo rgido de aprendizado. Faltava s aulas, bebia e se tornara um tanto bomio. At ser expulso de Harvard duas vezes na segunda vez, para sempre.Depois disso, no conseguia parar em emprego nenhum. Trabalhou numa fbrica de processamento de carnes e, durante a Primeira Guerra Mundial, conseguiu boa posio na Marinha. Tinha incrvel sensibilidade para entender o funcionamento das mquinas. Mas era inconstante e no conseguia ficar muito tempo no mesmo lugar. Aps a guerra, quando j tinha mulher e filho para sustentar, desesperado por jamais ter sido capaz de cuidar bem da famlia, resolveu assumir uma funo bem-remunerada como gerente de vendas. Trabalhou duro, saiu-se bem, mas, depois de trs meses, a empresa faliu. Ele achara o trabalho extremamente insatisfatrio, mas parecia que aquilo era o mximo que podia esperar da vida.At que, finalmente, de onde menos esperava, surgiu uma oportunidade. O sogro inventara um modo de produzir materiais para a construo de casas que as tornaria mais durveis e mais bem isoladas, a um custo muito mais baixo, mas no conseguia encontrar investidores para ajud-lo a abrir uma empresa. Fuller achou a ideia brilhante. Sempre se interessara por construo e arquitetura e se disps a assumir a implementao da nova tecnologia. Dedicou-se tanto quanto possvel iniciativa e at conseguiu melhorar os materiais a serem usados. O sogro de Fuller o apoiou e, juntos, constituram a Stockade Building System. O dinheiro dos investidores, principalmente membros da famlia, lhes permitiu abrir fbricas. A empresa enfrentou dificuldades a tecnologia era nova e radical demais, e Fuller era muito purista para comprometer o desejo de revolucionar a indstria de construo civil. Depois de cinco anos, a empresa foi vendida e Fuller foi demitido da presidncia.Agora a situao parecia mais sombria que nunca. A famlia vivera bem em Chicago com o salrio dele, gastando alm do que podia. Naqueles cinco anos, ele no conseguira poupar nada. O inverno se aproximava e as perspectivas de trabalho eram muito limitadas sua reputao estava em frangalhos. Uma noite, ao caminhar pelas margens do lago Michigan, reconstituiu sua vida at aquele momento. Decepcionara a esposa e perdera o dinheiro do sogro e dos amigos que investiram na empresa. Era incompetente nos negcios e no passava de um fardo para todos. Por fim, concluiu que o suicdio era a melhor opo. Ele se afogaria no lago. Tinha um bom seguro de vida e a famlia da esposa cuidaria melhor dela do que ele fora capaz. Ao avanar em direo gua, preparou-se mentalmente para a morte.De repente, algo se interps em seu caminho o que ele mais tarde descreveria como uma voz que conversou com ele. Ela dizia: De agora em diante, nunca espere aprovao para as suas ideias. O que pensa verdadeiro. Voc no tem o direito de se matar. No pertence a si mesmo. parte do Universo. Seu significado sempre lhe ser obscuro, mas voc estar exercendo sua funo caso se dedique a converter suas experincias em realidade, para o mais alto proveito dos outros. Como nunca ouvira vozes antes, Fuller aceitou-a como algo real. Espantado com essas palavras, mudou de rumo e voltou para casa.No percurso, comeou a ponderar sobre as palavras e a reavaliar sua vida, agora sob nova luz. Talvez no tivesse errado tanto como julgara. Ele tentara se encaixar em um mundo (dos negcios) a que no pertencia. A voz estava tentando lhe dar esse recado e ele precisava ouvir. A experincia da Stockade no fora um desperdcio completo ele tinha aprendido algumas lies inestimveis sobre a natureza humana. No deveria se arrepender. A verdade era que ele era diferente. Em sua cabea, imaginava todos os tipos de inveno novos tipos de carros, de casas e de construes que refletiam suas habilidades perceptivas inusitadas. Ao olhar para as sucessivas fileiras de prdios de apartamentos em seu retorno para casa, ocorreu-lhe que as pessoas sofriam mais com a mesmice, com a incapacidade de imaginar coisas diferentes, do que com o inconformismo.Ele jurou que, a partir daquele momento, no ouviria nada a no ser a prpria experincia, a prpria voz. Criaria uma forma alternativa de fazer as coisas, capaz de abrir os olhos das pessoas para novas possibilidades. E, assim, acabaria ganhando dinheiro. Sempre que pensava primeiro no dinheiro o desfecho era desastroso. Ele cuidaria da famlia, mas teriam que viver com simplicidade durante algum tempo.Ao longo dos anos, Fuller cumpriu a promessa. A realizao de suas ideias peculiares levaria ao projeto de formas de transporte e de abrigo pouco dispendiosas e com baixo consumo de energia (o carro Dymaxion e a casa Dymaxion) e inveno da cpula geodsica estrutura arquitetnica totalmente nova. Fama e dinheiro foram simples consequncias. Nada se ganha ao se desviar do caminho a que se foi destinado. Quem age assim assediado por todo tipo de dor. Quase sempre a pessoa se deixa levar pela atrao por dinheiro, por perspectivas mais imediatas de prosperidade. Como a escolha errnea no compatvel com algo profundo dentro de si, o interesse diminui e o dinheiro acaba no chegando com tanta facilidade. Parte-se em busca de outras fontes fceis de fortuna, afastando-se cada vez mais do prprio caminho. Ao perder o rumo, acaba-se em um beco sem sada na carreira. Mesmo que se atenda s necessidades materiais, existe um vazio que se tenta preencher com todos os tipos de crenas, drogas ou diverses. Reconhece-se quanto se desviou do verdadeiro rumo pela intensidade da dor e da frustrao. preciso ouvir a mensagem trazida por esses sentimentos, seguindo sua orientao, com a mesma confiana e determinao com que Fuller se deixou levar por sua voz interior. uma questo de vida ou morte.O retorno exige sacrifcio. No se pode ter tudo no presente. A estrada para a maestria demanda persistncia. necessrio manter o foco durante cinco ou dez anos do percurso, ao fim dos quais se colhero as recompensas pelo esforo. O trajeto para chegar l, no entanto, cheio de desafios e de prazeres. Faa da retomada do rumo uma resoluo pessoal e, ento, converse sobre ela com os outros. Dessa maneira, ser motivo de vergonha e de embarao se desviar mais uma vez. No fim das contas, o dinheiro e o sucesso realmente duradouros acontecem quando se coloca o foco na maestria e na realizao da sua Misso de Vida.DESVIOSAlgumas pessoas, na infncia, no se conscientizam das prprias inclinaes nem da carreira futura, mas, sim, dolorosamente, das prprias limitaes. Elas no so boas no que os outros acham fcil ou vivel. A ideia de vocao na vida estranha para elas. Em alguns casos, internalizam os julgamentos e as crticas dos demais, e passam a se ver como deficientes.Ningum se defrontou com esse destino mais intensamente que Temple Grandin. Em1950, aos 3 anos, ela recebeu o diagnstico de autismo. Ainda tinha que progredir no aprendizado da linguagem e se supunha que sua condio continuaria inalterada e que precisaria passar toda a vida internada numa instituio psiquitrica. Mas a me queria fazer uma ltima tentativa antes de desistir e levou Temple a uma fonoaudiloga, que, aos poucos, conseguiu ensin-la a falar, o que lhe permitiu ir para a escola e comear a aprender o mesmo que as outras crianas.Apesar desse avano, o futuro de Temple parecia limitado, na melhor das hipteses. Sua mente funcionava de forma diferente ela pensava em termos de imagens, no de palavras. Para aprender uma palavra, precisava formar sua imagem mental, o que dificultava o aprendizado de termos abstratos e outras disciplinas, como matemtica. Ela tambm no se relacionava bem com outras crianas, que debochavam dela por ser diferente. Com essas dificuldades de aprendizado, o que ela poderia fazer na vida, alm de alguns servios triviais? Para piorar a situao, sua mente era extremamente ativa, e, sem algo em que se concentrar, ela era dominada por sentimentos de intensa ansiedade.Sempre que se sentia em dificuldade, Temple se refugiava em duas atividades que a confortavam: interao com animais e trabalhos manuais. Quanto aos animais, principalmente os cavalos, ela tinha a estranha capacidade de captar seus sentimentos e pensamentos. E, assim, tornou-se especialista em hipismo. Como tendia a pensar primeiro com imagens, ao fazer trabalhos manuais (como costura ou marcenaria) ela primeiro visualizava o produto acabado e depois o produzia com facilidade.Aos 11 anos, Temple visitou uma tia proprietria de um rancho no Arizona. L, percebeu que sua empatia era ainda mais aguda com bovinos do que com equinos. Um dia, ela assistiu com interesse colocao de alguns bovinos em bretes, que lhes pressionavam os flancos para relax-los antes da vacinao. Durante toda a infncia, ela tivera o desejo de ser segurada com firmeza, mas no por um adulto tinha medo de no poder controlar a situao e entrava em pnico. Assim, pediu tia para coloc-la no brete. A tia concordou e, durante 30 minutos, Temple se entregou ao sentimento de presso com que sempre sonhara. Ao sair, sentiu-se dominada por intensa sensao de tranquilidade. Depois daquela experincia, ficou obcecada pela mquina e, vrios anos depois, construiu sua prpria verso primitiva, para usar em casa.Agora, suas ideias fixas eram gado, bretes e o efeito do toque e da presso sobre crianas autistas. Para satisfazer sua curiosidade, teve que desenvolver habilidades de leitura e de pesquisa. No processo, constatou que tinha alta capacidade de concentrao ela conseguia ler durante horas sobre determinado assunto, sem se cansar. Suas pesquisas aos poucos se converteram em livros de psicologia, biologia e cincias em geral. Em consequncia das habilidades intelectuais que desenvolvera, ela foi aceita na universidade. Seus horizontes aos poucos se expandiam.Vrios anos depois, cursava o mestrado em cincias zoolgicas, na Universidade Estadual do Arizona. L, sua obsesso por gado ressurgiu ela queria fazer uma anlise detalhada de currais de engorda e dos bretes, em especial, para facilitar a compreenso das respostas comportamentais dos animais. Seus professores no conseguiam compreender esse interesse e lhe disseram que no seria possvel realizar sua pretenso. Inconformada, lutou e conseguiu que professores de outro departamento a orientassem em seu trabalho. Prosseguiu no estudo e, no meio-tempo, encontrou a sua Misso de Vida. Ela no fora talhada para a vida universitria. Era uma pessoa prtica que sempre queria construir algo e que necessitava de estmulo mental constante. E resolveu desbravar o prprio caminho. Como autnoma, ofereceu seus servios a vrios ranchos e currais de engorda, projetando bretes muito mais adequados para os animais e muito mais eficientes para os criadores. Aos poucos, com seu apurado senso visual para projeto e engenharia, aprendeu sozinha os rudimentos da gesto de negcios. Por fim, ampliou seus servios com o projeto de matadouros menos cruis.Com a carreira j consolidada, foi adiante: tornou-se escritora; voltou universidade como professora e conquistou reputao como palestrante sobre animais e autismo. De alguma maneira, conseguiu superar todos os obstculos que pareciam intransponveis e desbravou o caminho para a sua Misso de Vida, totalmente compatvel com suas peculiaridades. Ao se defrontar com deficincias, adote a seguinte estratgia: ignore os pontos fracos e resista s tentaes de ser como os outros. Em vez disso, como Temple Grandin, concentre-se nas pequenas coisas em que bom. No sonhe nem faa grandes planos para o futuro; empenhe-se em ser um especialista nessas habilidades simples e imediatas. Isso lhe dar confiana e ser a base para partir em outras buscas. Avanando assim, passo a passo, voc deparar com a sua Misso de Vida.Entenda que a Misso de sua Vida nem sempre se apresenta como uma inclinao grandiosa ou promissora. Ela pode se manifestar por meio do esforo para contornar ou superar as deficincias, levando-o a se concentrar nas poucas coisas em que bom de verdade. Ao trabalhar com essas habilidades, voc aprende o valor da disciplina e colhe as recompensas de sua persistncia. Como uma flor de ltus, suas habilidades se irradiaro a partir de um centro de fora e de confiana. No inveje os que parecem naturalmente talentosos; muitas vezes essa prodigalidade inata uma maldio, uma vez que essas pessoas raramente aprendem o valor da diligncia e do foco, e mais tarde sofrem as consequncias. Essa estratgia tambm se aplica aos retrocessos e s dificuldades. Nesses momentos, em geral prudente persistir nas poucas coisas que conhecemos e fazemos bem, para restabelecer nossa confiana.Se algum como Temple Grandin, que enfrentou tantas adversidades desde o nascimento, pde encontrar seu caminho para a sua Misso de Vida e para a maestria, significa que tal poder acessvel a todos ns.Mais cedo ou mais tarde algo parece nos chamar para determinado caminho. Voc pode se lembrar desse algo como uma convocao na infncia, quando uma manifestao vinda do nada, uma fascinao, uma reviravolta inesperada despontou como um prenncio: isto o que eu devo fazer, isto o que preciso ter, isto o que eu sou (...). Se no to vvida e inequvoca, a epifania pode ter sido mais como uma corrente suave, que o leva, sem saber, para a margem de um curso dgua. Em retrospectiva, voc percebe que o destino interferiu no processo. (...) A vocao pode ser postergada, evitada e ignorada vrias vezes. Mas tambm pode se apossar completamente de voc. Qualquer que seja a sua forma, o que acaba acontecendo. Ela faz suas cobranas. (...) As pessoas extraordinrias demonstram suas vocaes de maneira mais evidente. Talvez seja por isso que fascinam. Tambm possvel que sejam extraordinrias justamente por suas vocaes se manifestarem com tanta intensidade e por elas serem to ?is a esses chamamentos. As pessoas extraordinrias so as melhores testemunhas, por mostrarem o que inalcanvel para os mortais comuns. Aparentamos ter menos motivao e mais disperso. Entretanto, nosso destino impulsionado pelo mesmo motor universal. As pessoas extraordinrias no so de uma categoria diferente; o funcionamento desse motor nelas apenas mais transparente. JAMES HILLMAN, psiclogo americano