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CIBERATIVISTAS DA SAÚDE: PERCURSO HISTÓRICO DE SUAS
MOBILIZAÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS
Wesley Batista de Albuquerque1
Roberta Fernandes Buriti2
Raquel ALS Venera3
RESUMO O presente artigo articula-se a partir de duas pesquisas de dissertação em andamento. A primeira intitulada “Valores Patrimoniais nas Narrativas (Auto)biográficas constituídas noslócus educativo do ciberespaço”, e asegunda pesquisa “Esclerose Múltipla em Rede: a circulação de afetos em narrativas de testemunhos”. O ponto de convergência das duas pesquisas, que se debruça esse artigo está na forma como ocorremos desdobramentos do ciberativismo a partir do acionamento de memórias, entendendo o ciberespaço como um ambiente de convivência, regido por uma cultura tecnológica. Sendo assim, busca-se compreender historicamente como uma ferramenta de controle social assume outras funcionalidades, e se prolifera em desdobramentos sociais, como no caso do ciberativismo dos pacientes 2.0. Para definirmos este percurso, em um primeiro momento o artigo irá apresentar o processo de reelaboração de memórias de blogueiros, que diante do diagnóstico de uma doença crônica, ressignificam suas subjetividades e tornando-se ciberativistas, agenciando linhas sociais e políticas cristalizadas, onde os processos de comunicação são estabelecidos de forma simbiótica com as novas tecnologias digitais. Num segundo momento apresentaremos uma história do ciberespaço para que de dentro dela situemos o ciberativismo. Por fim, num terceiro momento, será discutido a trajeto dos Blogueiros da Saúde, constituídos a partir destas novas formas de socialidade, onde suas dimensões sociais e culturais formam um mosaico do ciberativismo da saúde na mobilização das redes sociais em prol da melhoria das políticas públicas de saúde, na defesa de direitos, e no estabelecimento de debates sociopolíticos. Palavras- chaves:memória, ciberespaço, ciberativismos, saúde
1Mestrandodo curso em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). E-mail: [email protected]. Financiamento: CNPq/CAPES. 2Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinvile (UNIVILLE). E-mail: [email protected]. 3Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. E-mail:[email protected].
Situando a questão
“O artista vive em sociedade e – queira ou não – existe uma influência recíproca entre ele e a sociedade. O artista – queira ou não – se apóia numa determinada concepção do mundo, que ele
exprime igualmente em seu estilo” (LUKÁCS, 1967)
“O poeta não escapa à história, inclusive quando a nega ou a ignora. Suas experiências mais secretas ou pessoais se transformam em palavras sociais, históricas”
(PAZ, 1976)
O que o filósofo húngaro Georg Lukács e o poeta mexicano Octávio Paz, nas
epígrafes acima disseram é que nenhuma obra de arte é isolada de seu contexto.
Por mais que haja um elemento de individualidade na obra, o aspecto social não lhe
escapa. Logo, enquanto fenômeno social a arte cria uma conexão estética entre
artista e sociedade. Há um jogo de afetação. Assim como a arte, entendemos que a
circulação de (auto)biografias na Internet também é um fenômeno social da
atualidade que merece atenção. Interessa-nos registrar aqui o modo como esse jogo
de afetação também se dá entre os blogueiros com Esclerose Múltipla (EM), que
dispõem informações diversas e experiências de vida com a doença no ciberespaço,
além da rede de leitores que acessam e compartilham essas informações. A fala
destes indivíduos na Internet vem se tornando cada vez mais “palavras sociais,
históricas” (PAZ, 1976, p.55). E o que há nessa afetação entre a sociedade atual e
os blogueiros com EM que merece nossa atenção? Por certo que há muitas coisas
que mereceriam destaque, mas nos ateremos apenas à abertura que a Internet,
como espaço onde a sociedade atua tendo a tecnologia como componente
integrante de sua prática de vida, proporcionou para o surgimento do ciberativismo.
Mais especificamente delimitaremos nosso registro ao ciberativismo de blogueiros
com EM, e em como isso reflete um movimento mais amplo e em rede, já
consolidado, no projeto Blogueiros da Saúde.
Perceber o percurso histórico de como isso se deu é a questão de confluência
de duas pesquisas de dissertação em andamento. Ambas trabalham com blogs de
pessoas com EM, todavia tem suas particularidades. A pesquisa “Esclerose Múltipla
em rede: a circulação de afetos em narrativas de testemunho”vem considerando os
testemunhos narrados por três blogueiros, sendo eles: Cynthia Macedo, Gustavo
San Martín e Paula Kfouri. Temos entendido que esses testemunhos de vida,
dispostos no ciberespaço, vem acionando ou agenciando culturalmente a memória
de uma doença e estimulando-nos a problematizar a relação entre a vida e o
Patrimônio Cultural. Seria possível pensarmos essa relação? Se sim, como se daria
tal relação? Que interesses poderiam ser ressaltados? Que demanda isso
atenderia? Essa e outras questões ainda estão sendo analisadas e vem alimentado
o corpus da pesquisa. Por sua vez, a segunda pesquisa intitulada “Valores
Patrimoniais nas Narrativas (Auto)biográficas constituídas nos lócus educativo do
ciberespaço” se propõe a refletir sobre as narrativas (auto)biográficas de dois
blogueiros, Bruna Rocha e Jaime, que tentam aprender a viver com a doença. Eles
passaram por uma ruptura na trajetória de suas vidas provocada pelo diagnóstico de
EM. A partir dai suas percepções de si são impactadas e passam a utilizar os blogs
como um espaço para dar vazão aos novos significados advindos da experiência
com a doença. Seus blogs se configuram como instrumento educativo e auto
formativo. O objetivo mais amplo é analisar como dois agentes sociais, através de
suas narrativas (auto)biográficas, constituídas nos fluxos do ciberespaço,
potencializam práticas educativas de auto formação evidenciando valores
patrimoniais.
Consideradas, pois, as direções específicas tomadas pelas duas pesquisas,
retomamos a questão que despertou o interesse de ambas e assim as intersecciona
neste artigo: como se deu o percurso histórico das mobilizações sociais e políticas
dos ciberativistas da saúde? Visando atender a esta questão problema, primeiro
apontaremos para os movimentos precursores do ciberativismo. Ou seja, a partir de
Malini e Antoun (2013) entendemos que no momento histórico em que a Internet,
criada pelos militares americanos e utilizada pelos acadêmicos das universidades
para a troca de dados no início da década e 1980, passa a ser utilizada por usuários
comuns abre-se então espaço para o ciberativismo, caracterizando assim uma linha
de fuga. Num segundo momento, apresentaremos o projeto Blogueiros da Saúde, e
a razão de seu surgimento e sinalizando-o como um desdobramento herdeiro dos
ciberativismos precursores da década de 1980.
Ciberativismo: movimentos precursores
A Internet nasce com o nome de “Protocolo Internet” no ano de 1984. Antes
disso os militares norte-americanos e acadêmicos das universidades faziam uso da
Arpanet como um meio para a troca de informações, ainda de uso muito restrito. Era
um lugar sem nenhum atrativo, apenas o resultado lógico matemático de cadeias
binárias, constituída para atender a objetivos militares, durante a Guerra Fria. Nesse
sentido pode-se dizer que era um dispositivo de monitoramente e controle (MALINI;
ANTOUN; 2013). Claramente era um conjunto de ferramentas que viabilizavam um
controle sistemático das informações. Contudo a partir da década de 1980 novos
usuários se apropriaram dessa rede abrindo-a para usos múltiplos, tornando-se um
meio de vida, de conversação e de militância. É o momento de expansão de
atividades dos “hackeadores da rede” (MALINI; ANTOUN; 2013). Nas palavras de
Pretto (2013, p.111):
A palavra hacker, contudo, surge no meio dos programadores de computador para designar aqueles que se dedicam com entusiasmo ao que fazem nesse campo. Steven Levy, em um interessante livro sobre a história da computação, afirma que os hackers trabalham de forma aficionada para ‘tomar as máquinas em suas mãos para melhorar as próprias máquinas e o mundo’. Foi o esforço coletivo e colaborativo dessa turma que possibilitou a
criação e a presença da internet em quase todo o planeta.
E ainda:
Quando se pensa em hacker, é comum que se pense num criminoso que age entre os zeros e uns da internet, roubando senhas e quantias em dinheiro. Entretanto, o estereótipo do vilão online não representa adequadamente os hackers. Para os vilões, foi inclusive criada a palavra cracker, para identificar esses criminosos cibernéticos, que não têm nada a ver com o jeito hacker a que aqui nos referimos. Portanto, a única forma de combater a marginalização do termo hacker é a população receber informações sobre o assunto e ser educada para não vê-los como terroristas virtuais, mas, sim, como um grupo de pessoas em busca da construção coletiva do conhecimento (PRETTO, 2017, p.36,37).
Então, de acordo com os trechos acima, os movimentos operados pelos
hackers se traduzem na quebra dos muros de contenção que envolvia o uso da
Internet. Mesmo assim Malini e Antoun (2013, p.30,31) chama-nos a atenção para o
fato de não se interpretar a motivação dos hackers como algo impulsionado por uma
motivação puramente altruísta:
[...] ao analisar o trabalho hacker, veremos que a motivação para criação de inovações tecnológicas reside na construção de meios de circulação de saberes que possam tornar a sociedade mais desenvolvida e democrática. Não se trata, em nenhuma hipótese, de altruísmo. O hacker busca o reconhecimento social, o que torna o seu principal instrumento de valoração do próprio trabalho. [...] Os hackers valorizam antes de tudo uma relação com o trabalho que não se baseia no dever, e sim na paixão intelectual por uma determinada atividade, um entusiasmo que é alimentado pela referência a uma coletividade de iguais e reforçada pela questão da comunicação em rede.
Voltando ao fio da meada, onde falávamos que foi graças aos hackeadores
da rede que a Internet obteve a alforria, Malini e Antoun (2013) oferecem um
exemplo desse hackeamento. A criação do modem4 e dos programas (softwares)
foram obra dos hackers para facilitar a circulação das informações na linha
telefônica. Um desses softwares foi a rede Usenet, a primeira plataforma de
conversação online da história da rede (MALINI; ANTOUN; 2013, p. 18). É dentro
dessa conjuntura que o ciberespaço emerge. Segundo os referidos autores essa
emersão tem marco histórico, pois eles afirmam que o ano de 1984 é o ano da
invenção do ciberespaço. Que impacto esse ciberespaço traria sobre a vida das
pessoas?
Para Pierre Lévy (2003), filósofo, teórico da cibercultura e da realidade virtual,
o ciberespaço é um ambiente potencializador para o processo de emancipação do
ser humano, pois a formação de novos saberes ocorre de forma coletiva. Com esta
estrutura, as comunidades virtuais ou grupos de discussão se formam, e o
intercâmbio de conhecimentos ocorre na interação entre as pessoas. Esta teoria é
discutida por Pierre Lévy no livro A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do
ciberespaço (2003), através da teoria da engenharia do lar social, que defende a
exploração das riquezas humanas, habilidades e competências que se destacam em
um indivíduo, e são valorizadas por uma comunidade ou grupo. Ou seja, seria um
grande arquivo do que cada ser humano tem de melhor a oferecer, chamada por ele
de “A árvore do conhecimento” (2003, p.90), que estaria disponibilizada em rede,
4 Um dispositivo eletrônico para transmissão de dados entre computadores por meio da linha telefônica.
oferecendo o acesso a troca de conhecimentos e de experiências, e assim novos
saberes são constituídos. É a construção de uma memória coletiva que passa a ser
fruto deste processo social de interação entre pessoas.
A integração deste ambiente virtual nos processos comunicacionais das
relações políticas, sociais e mercadológicas traz para o panorama histórico, político
e social novas configurações que são pautadas em uma cultura tecnológica. É a
partir dessas novas configurações que sublinhamos o ciberativismo, que pode ser
traduzido como a democratização do acesso a informação e a liberdade de
expressão por meio da constituição de novos nichos de representação social e
política. “A Internet dos grupos de discussão vai inaugurar a política de vazamento
como modus operandi para fazer chegar aos diferentes usuários de todo o mundo as
informações privilegiadas sobre a situação social de regimes políticos fechados”
(MALINI; ANTOUN; 2013, p.20).
A natureza das mudanças desencadeadas pelo ciberativismo foram tão
singulares que chegou a criar uma ruptura com o modelo anterior de ativismo social.
O ativismo social antes do advento da Internet tinha como via midiática para
protestar os jornais impressos, revistas, rádio e televisão. O problema é que esses
meios estavam eivados de restrições e controle. Mas quando esse ativismo se
apropriou da Internet, pós Arpanet, tangenciou-se daqueles meios de comunicação
que centralizavam a informação. Nesse ato tangencial surge o ciberativismo. Para
Malini e Antoun (2013, p.21), o ciberativismo faz uso de “uma estrutura de mídia que
permite a toda informação vazar nas mais distintas comunidades virtuais”. Os
autores explanam melhor a ideia que tem sobre os diferentes tipos de ativismo
midiático, quando tecem um contraste entre midialivrismo5 de massa e
midialivrismociberativista. Como não dispomos de espaço para trazer à tona essa
questão, basta ressaltar que o ciberativismo mostra sua singularidade no fato de os
sujeitos, uma vez interfaceados por sites, blogs, perfis de redes sociais, etc.,
buscarem “fora do modus operandi dos veículos de massa produzir uma
comunicação em rede que faz alimentar novos gostos, novas agendas informativas
5Palavra formadas pela junção das palavras “mídia” e “livre”.
e novos públicos, alargando assim o espaço público midiático” (MALINI; ANTOUN;
2013, p.24).
Afirmamos, portanto, que esses primeiros movimentos de comunicação
amplificada e descentralizada são de caráter precursor. Pois, “ele [o ciberativismo]
influenciou decisivamente grande parte da dinâmica e das definições sobre os
principais protocolos de comunicação utilizados na conformação da Internet”
(SILVEIRA, 2010, p.31). A título de exemplo, a influência desse novo protocolo de
comunicação pode ser percebida em movimentos como o Zapatista (1994 no
México) e o 15M (2011 na Espanha). O ponto comum que as une, apesar das
diferenças, é que fizeram uso da Internet para organizar suas mobilizações e
transmitir suas mensagens.
Parece não restar dúvidas quanto às mudanças ocasionadas pelo
ciberativismo. Mas considerado o fato de esses movimentos “livres” se darem a
partir de estruturas fechadas, não seria o caso de problematizarmos se os
movimentos ciberativistas também não estariam sujeitos a alguma estrutura ou
modelagem? Neste ponto as reflexões de André Lemos (2006) são bem
significativas, pois ao discorrer sobre o tema Ciberespaço e Tecnologias Móveis ele
traz à tona as ideias de territorialização, des-territorialização e re-territorialização. “A
noção de território é polissêmica, e não deve se entendida apenas no aspecto
jurídico, como espaço físico limitado. Definimos território através da ideia de controle
sobre fronteiras, podendo essas serem físicas, sociais, simbólicas, culturais,
subjetivas” (LEMOS, 2006, p.3,4). Partindo dessa concepção, podemos
correlacionar a Arpanet ao “território” criado pelos militares e o uso popular da
Internet a partir da década de 1980 como a “des-territorialização” engendrada pelos
usuários civis e ciberativistas.
Mas ao observarmos esses movimentos de des-territorialização ou linhas de
fuga ciberativistas (DELEUZE; GUATTARI, 2011) percebemos também a criação de
outro tipo de espaço, uma “re-territorialização”. De acordo com Lemos (2006, p.6) “o
ciberespaço cria linhas de fuga e desterritorializações, mas também
reterritorializações. Os meus blogs, site, chats, podcast, rede P2P, são
reterritorializações, formas de controle do fluxo de informações em meio ao espaço
estriado que constitui o ciberespaço planetário”. Essa fala do autor nos permite uma
aproximação. Entendemos que o projeto Blogueiros da Saúde só foi possível por
conta daquela des-territorialização acionada lá atrás pelos hackers, mas se firma e
cria uma identidade a partir da apropriação de um novo espaço, um território com
fronteiras discerníveis.
Destacar alguns dos elementos que evidenciam essas fronteiras é o foco do
próximo tópico. Assim, pensar o ciberativismo como praticado pelos Blogueiros da
Saúde nos faz perceber que ele não está comprometido apenas com a produção da
diferença e rupturas, mas também, com a produção da estabilidade e duração.
Blogueiros da Saúde
Blogueiros da Saúde é projeto pioneiro na promoção de palestras socioeducativas e workshop de comunicação para blogueiros e ativistas digitais da saúde. Idealizado à partir da experiência de advocacy e empoderamento do Blog Artrite Reumatoide, escrito por Priscila Torres, que compreendeu que o papel do blogueiro de saúde no Brasil, pode ir além do compartilhamento de sua experiência de vida com uma doença crônica, pode auxiliar na tomada de decisão em saúde, influenciar e impactar positivamente políticas públicas em saúde, ampliando o acesso e melhorando a condição de vida das pessoas que convivem com a mesma doença deste blogueiro, foi essa a experiência do Blog Artrite Reumatoide, com o projeto TwittAR que incentivou a incorporação de novos medicamentos para o tratamento da doença no Brasil, permitindo amplo acesso a medicamentos biotecnológicos em todo território nacional através da atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Tratamento da Artrite Reumatoide no SUS. (...) Blogueiros da Saúde é um marco para a união e fortalecimento dos blogueiros e ativistas em redes sociais que abordam o tema “saúde”, incentivando a democratização da informação, evidenciando a importância desses formadores de opinião como agentes de transformação social 6.
Com base nos detalhes apresentados no texto informativo supracitado,
disponível na guia “Quem Somos” do site referenciado em nota, deixa muito claro a
posição que os blogueiros que se juntam ao projeto devem assumir. Devem agir
como agentes sociais e políticos, intermediando e discutindo em rede sobre as
formas de tratamento, as medicações que estão disponíveis no mercado, o tempo
de recuperação, os efeitos colaterais das medicações disponíveis e as
6www.blogueirosdasaude.org.br. Acesso em: 04/07/2018.
conseqüências de suas escolhas pessoais. Este autocuidado coloca o paciente 2.07
como protagonista direto no processo de gerenciamento de sua doença, na
constituição de si a partir de uma “condição crônica de doença”, na descoberta de
formas terapêuticas e na escolha das formas de processos de aprendizagens que se
aproximam mais de sua realidade e de suas necessidades. Logo, os Blogueiros da
Saúde, buscam influenciadores digitais, como administradores de fanpage, grupos
no Facebook, Youtubers, Instagramers, blogueiros e todo ativista digital da saúde, e
oferecerem a estes grupos, consultoria, workshop, coaching, conteúdos atualizados
sobre saúde, encontros, tendo como finalidade gerenciar estes blogs e redes
sociais, que tem como foco a temática da saúde, para que os mesmos ganhem cada
vez eficiência e eficácia.
Após a conceituação do que vem a ser os Blogueiros da Saúde, será de
grande valia entendermos como eles funcionam na prática. Para isso separamos
duas postagens específicas, ambas escritas por Priscila Torres8, um intitulado “1º
Encontro de pacientes e blogueiros de diabetes discute informações e perspectivas
sobre a doença no Brasil”, a outra “Influenciadores digitais trocam experiências e
vivências no 1º Encontro de Pacientes e Blogueiros de Diabetes”. O evento de dois
dias, que reuniu cerca de cem pessoas, ocorreu na cidade de São Paulo em outubro
de 2017. A primeira postagem refere-se ao resumo do que aconteceu no primeiro
dia do encontro (28/10), o qual foi aberto aos pacientes, familiares, blogueiros,
ativistas, profissionais, estudantes e toda a sociedade civil. A segunda postagem
refere-se ao segundo dia (20/10), o qual foi direcionado apenas para os blogueiros e
ativistas de diabetes. Os temas abordados reforçaram a importância da informação
de qualidade e responsabilidade social na internet sobre a doença9. Nosso objetivo é
sublinhar dentro das postagens aquelas falas que mostram como as re-
territorializações são operadas pelos Blogueiros da Saúde.
7 Paciente 2.0 é uma correlação com a palavra Web 2.0, isto é, a versão de uso popular da Internet. Seria o paciente empoderado pelo ciberespaço. 8 Priscila é granduanda em Comunicação Social “Jornalismo” nas Faculdades Unidas Metropolitanas. Foi diagnosticada com Artrite Reumatóide, uma doença crônica e auto-imune, em 2006. Tornou-se blogueira e ativista digital da saúde. Idealizou o Grupo EncontrAR e Blogueiros da Saúde. A blogueira se diz apaixonada por transformação social. 9http://www.blogueirosdasaude.org.br/1o-encontro-de-pacientes-e-blogueiros-de-diabetes. Acesso
em: 15/09/18.
A primeira fala que sublinhamos está estampada no cabeçalho da página
principal do site. Lá encontramos o seguinte slogan: Blogs e redes sociais também
promovem a saúde10. Merece atenção a palavra “também”. Pois, revela que os
Blogueiros querem contribuir com a saúde assim como as instituições legitimadas
pelo Estado. Passam a ocupar um lugar de fala que não tinham antes, e assim des-
territorializam um território que antes era do monopólio do Ministério da Saúde, SUS,
Conselho Nacional de Medicina etc.
Numa segunda fala destacamos: “Realizado pelo grupo Blogueiros da Saúde,
em parceria com as empresas Sanofi, Merck, Boehringer Ingelheim e Novo Nordisk.,
o encontro teve início”11. O que fica em evidencia aqui são as parcerias com as
empresas que se dedicam a pesquisa e produção de medicamentos. Assim os
Blogueiros recebem investimento financeiro e em contrapartida oferecem
publicidade. Ou seja, ao mesmo tempo em que des-territorializam espaços
convencionais de promoção da saúde, se configuram no território previsto dos
programas de financiamentos das ONG’s e associações da saúde.
Uma terceira fala, um pouco mais extensa, sinaliza a participação dos vários
especialistas, geralmente porta-vozes de “sociedades” ou “conselhos”, que estavam
com a responsabilidade de trazer informações técnicas (científicas) e de qualidade:
Em seguida, o presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Dr. Luiz Turatti, falou [...] a Dra. Karla Melo, representante da Sociedade Brasileira de Diabetes/Projetos de Insulinas Análogas falou sobre a política nacional de prevenção ao diabetes e como o SUS cuida do diabético no Brasil [...] À tarde, os presentes desfrutaram de palestras de especialistas, representantes de entidades, blogueiros e ativistas que lutam pela causa do paciente com diabetes. [...] Já o Dr. Ricardo Garcia, membro do Conselho do Centro Latino Americano de Pesquisas em Biológicos trouxe informação,
de forma didática, sobre osmedicamentos genéricos e biossimilares12
Neste esmo tom, muitos outros trechos poderiam ser colocados aqui, mas o
espaço desse artigo não nos permite. Caberia a fala de nutricionistas falando da boa
alimentação e de blogueiros que enfatizam a prática de atividades físicas. Estas
10http://www.blogueirosdasaude.org.br. 11http://www.blogueirosdasaude.org.br/1o-encontro-de-pacientes-e-blogueiros-de-diabetes-discute-informacoes-e-perspectivas-sobre-doenca-no-brasil. Acesso em: 15/09/18. 12http://www.blogueirosdasaude.org.br/1o-encontro-de-pacientes-e-blogueiros-de-diabetes-discute-informacoes-e-perspectivas-sobre-doenca-no-brasil. Acesso em: 15/09/18.
falas deixam claro a importância que tem aqueles/as que têm o conhecimento de
seus campos de atuação.
No segundo dia do evento, onde o foco era proporcionar um intercambio de
ideias com os profissionais de algumas áreas, destacamos uma quarta fala que põe
seu foco na ação do advocacy.
Vanessa Pirolo, DM1, jornalista, conselheira da Associação Diabetes Brasil (ADJ) e blogueira em Convivência com Diabetes, falou sobre ações de advocacy, das quais atuou para a incorporação das insulinas análogas de ação rápida, que propiciam um melhor controle glicêmico, no SUS. Vanessa contou que a partir do apoio e de mais de 22 mil assinaturas numa petição online, o dossiê, elaborado pela Sociedade Brasileira de Diabetes, que propunha a incorporação das insulinas conseguiu ser aceito pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS)13
Em linhas gerais advocacy é a ferramenta legal ou “... basicamente, um lobby
realizado entre setores (ou personagens) influentes na sociedade. É na realização
de processos de comunicação, reuniões entre os interessados e os pedidos entre
essas influências que se dá o verdadeiro advocacy, que pode ter várias vertentes,
como social, ambiental ou cultural” 14. No caso das pessoas com diabetes o
advocacy busca mobilizar e transformar as políticas no campo da saúde e trabalho.
Por fim, separamos a fala que notabiliza o papel do marketing digital. Como
os blogueiros são influenciadores digitais nada melhor do que potencializar os
recursos para a propagação das informações.
Encerrando as palestras capacitadoras, Mariana Dacal, gestora de marketing digital, falou sobre planejamento e gestão de projetos na área. Acima de qualquer técnica, a consultora corroborou o valor de se ter um propósito sobre o que se quer fazer nas mídias sociais. Para auxiliar neste processo de definição de objetivos, Mariana elencou algumas ferramentas como mapas mentais e geradoras de persona, que são arquétipos do público alvo15
O objetivo era conscientizar os blogueiros ativistas sobre a importância de se
refletir sobre a relevância do que vão postar, a qual público será destinado a
informação e por qual propósito. Já outros palestrantes alertaram sobre o perigo das
13http://www.blogueirosdasaude.org.br/influenciadores-digitais-trocam-experiencias-e-vivencias-no-1o-encontro-de-pacientes-e-blogueiros-de-diabetes. Acesso em: 15/09/2018. 14http://www.ipea.gov.br/acaosocial/article26c3.html?id.article=592. Acesso em: 15/09/2018. 15http://www.blogueirosdasaude.org.br/influenciadores-digitais-trocam-experiencias-e-vivencias-no-1o-encontro-de-pacientes-e-blogueiros-de-diabetes. Acesso em: 15/09/2018.
fakenews sobre a doença. Falta-nos espaço para falar de outras falas que
testemunham a tramitação de projetos de leis e de uma melhor educação para a
doença. Os breves trechos aqui apresentados serviram apenas a título de exemplo,
pois estivemos cientes de que estas falas e outras que não foram sublinhadas são
potentes para uma análise mais densa, o que não era o nossa proposta aqui.
Retomando o pensamento com que fechamos o tópico anterior, os Blogueiros
da Saúde nasceram de movimentos de linhas de fuga, mas sua consolidação e
reconhecimento vem na medida em que conseguiram fixar uma identidade no
ciberespaço. E os traços dessas fronteiras podem ser percebidos nas falas acima.
Considerações finais
Este artigo, fomentado pelo questionamento comum de duas pesquisas de
dissertação em andamento, procurou mostrar através de um percurso histórico como
se deu o surgimento do ciberativismo como praticado pelos Blogueiros da Saúde. O
percurso histórico em foco não teve a pretensão de ser exaustivo. A partir de Malini
e Antoun (2013) demonstramos que as rupturas da história dos ciberativistas
desencadeadas a partir da década de 1980, ao democratizar as informações e
almejar a transformação social, acabou sendo o germe para a concretização de
projetos como os Blogueiros da Saúde.
A des-territorialização criada pelo advento da Internet propiciou o surgimento
dos Blogueiros da Saúde, revelando-se assim como um desdobramento do percurso
histórico do ciberativismo. Mais uma vez é pertinente suscitar Lemos (2006, p.4),
para quem “a vida social precisa de ‘territórios’ para existir (leis, instituições,
arquiteturas), mas o vitalismo só existe a partir de tensões des-territorializantes que
impulsionam e reorganizam esses ‘territórios’”. Baseado nessas palavras, os
movimentos operados pelos Blogueiros da Saúde só foram possíveis por causa
desse “vitalismo” contravetor, antidisciplinado. Porém, mesmo concebendo que as
des-territorializações e re-territorializações devem ser encarados como processos
interligados, Lemos (2006, p.4) entende que a tônica recai mais na fluidez que na
fixidez, quando diz: “a dinâmica da sociedade se estabelece mais por movimentos
de fuga do que por uma essência imutável das coisas”. No entanto, sem querer
entrar numa celeuma com as assertivas de Lemos (2006), nós queremos realçar
àquele aspecto em que o autor afirma que a “vida social precisa de ‘territórios’”, ou
seja, precisa de fixedez (LEMOS, 2006, p.4). Essa fixedez é o que garante, por
exemplo, a não compactuação dos Blogueiros da Saúde com certos tratamentos.
Isto é,...
tratamentos alternativos sem consensos médicos e autorização de órgãos regulatórios, por muitas vezes sendo influenciadas por blogueiros e ativistas de grupos temáticos a fazerem uso de medicamentos e terapias que prometem a cura. Existe uma infinidade de blogs e grupos temáticos que replicam informações que podem influenciar o uso de tais medicamentos e terapias, comprometendo a vida do paciente16.
Em suma, os Blogueiros da Saúde construíram seu território, construíram um
sistema para discutir, informar, propagar, engajar e gerenciar tudo que for possível
sobre a temática da saúde e da doença, revelando assim uma configuração
característica de controle social. Não coube a este trabalho julgar se este controle é
bom ou ruim. Apenas objetivou por em evidência como o ciberespaço propiciou
novas configurações da participação pública e social referente a um tema tão
importante no país como o tema da Saúde.
REFERÊNCIAS
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