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CICLO DE ESTUDOS - anfip.org.br · é comum a empresa recolher corretamente o FGTS mas apresentar RAIZ separadas em mais de uma guia. Essa conduta é atualmente detectável através

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CICLO DE ESTUDOSSeminários

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CICLO DE ESTUDOSSeminários

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Volume III

04 de julho de 1997São Paulo - SP

Apresentação ........................................................................................... 07

Introdução ................................................................................................ 09

As diversas formas de fraude e sonegação na Previdência Valdir Moisés Simão - Fiscal de Contribuições Previdenciárias .................... 11

A tramitação dos processos fiscais Waldir Nogueira - Agente Fiscal de Rendas e Assessor da Delegacia Regional Tributária ........................................................................................... 23

A fraude e a sonegação no registro de empregados Walter Torre Arienzo - Inspetor do Trabalho ..................................................... 29

A tradição de sonegar e a impunidade Antônio Airton Ferreira - Auditor Fiscal do Tesouro Nacional ................. 39

A justiça dos ricos e a dos pobres Alcioní Serafin Santana - Delegado de Polícia Federal ................................... 47

O histórico jurídico dos crimes fiscais Lúcio Leocal Colóquio - Procurador Regional do INSS .................................. 55

A punibilidade penal na Lei nº 8.212/91 Francisco Dias Teixeira - Procurador da República ......................................... 61

Os crimes fiscais e a punibilidade Fábio Pietro - Juiz Federal ................................................................................ 71

Índice

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Apresentação

A sonegação e a fraude fiscal, temos repetido, sãoproblemas culturais e praticamente insanáveis, por mais que secombata e se tente extirpar. Como uma serpente de várias cabeças,aniquila-se uma e aparecem, no mesmo instante, outras tantas paraameaçar o incauto exterminador.

Neste momento, em que se discute a carga fiscal etributárias, a ANFIP resolveu desenvolver, por intermédio de seu Centrode Estudos , uma série de Seminários com a participação de colegasdas fiscalizações federais, estaduais e municipais, além deProcuradores, Delegados de Polícia Federal, Ministério Público e Juizesfederais, objetivando a analise e discussão das ações praticadas porsonegadores e aos fraudadores. A Nação convive, desde o início desua história, com essa secular e imortal instituição, mas precisa unir-se e fortalecer-se para enfrentá-la, no mínimo, de igual para igual.

Descobre-se, a cada evento, novos métodos utilizados pelosaudaciosos na arte de “enganar o fisco”. São mecanismos com forazestentáculos apresentados com camuflagens de cada época e de cadaregião. Insaciável, é uma fênix moderna, eletrônica, renascendo dascinzas de cada descoberta para continuar a burlar o fisco e de escapar,impunemente, das penas das leis.

E o pior, se já não bastasse toda sua artimanha e renovação,os sonegadores e os fraudadores são, quase sempre, beneficiadospor legislações casuísticas que, à guisa de propiciar uma oportunidadede reabilitação aos “bons pagadores”, introduzem dispositivos que oseximem de julgamento e punição criminal.

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Esta publicação está soberba quanto a informações edetalhes de como se faz as leis para ajudar sonegadores e fraudadores.É um corolário de citações legislativas – todas promulgadas pelo poderExecutivo – que indicam os descaminhos e a fuga das obrigaçõescontributivas as quais deveriam sustentar os programas e ações dosgovernos.

A perda de receitas oriundas da sonegação e da frauderepresenta, de há muito, somas expressivas. Somente na área federal,calcula-se em mais de R$ 100 bilhões anuais. A Receita Federal divulgao “slogan” de que “para cada real arrecadado um outro é sonegado ”.Na área previdenciária, os sonegadores e os fraudadores conseguemevadir-se com uma respeitável soma de 35 bilhões, representando 5vezes o valor do presumível déficit de 1998.

Como nos volumes anteriores, os depoimentos publicadossão um libelo público da desmedida proteção legal aos sonegadores eaos fraudadores. São depoimentos fortes, incisivos, partindoprincipalmente de profissionais e técnicos em legislação fiscal e penal.Servem de alerta para o país que protege os aproveitadores das lacunaslegislativas, quase sempre criadas pela burocracia política e,infelizmente, aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelopoder Executivo.

O contribuinte que paga, acaba pagando uma cargaimensamente pesada, cruel e perversa, sobrecarregado pelos índiceselevadíssimos de tributação, decorrente da evasão dos sonegadores efraudadores, que podem, assim, concorrer mais livremente no mercadode preços. O princípio de que “onde todos pagam, todos pagammenos ” só não é praticado no Brasil pelo vergonhoso conluio que hojeexiste nos meandros das nossas leis.

Desta conclusão, pode-se retirar vários e importantesensinamentos para a construção de “uma sociedade solidária e justa”,preconizada na nossa Constituição. Mas para isto a Nação precisa-seconscientizar e comece a exigir tratamento de respeito e de honestidadepara todos, inclusive para os que aprovam, ou deixam ser aprovados,mecanismos de proteção e apaniguamento aos sonegadores efraudadores contumazes.

ANFIP

Conselho Executivo

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Introdução

Seminário Combate à Sonegação, às Fraudes e à Evasão Fiscal

O combate à evasão tributária ou das contribuiçõesprevidenciárias, proveniente da sonegação e fraudes de toda a espécie,assim como da simples – mas também inaceitável – inadimplência porparte de maus contribuintes, sempre foi um dos maiores objetivos dosservidores que integram o nosso sistema arrecadador/fiscalizador. Daíterem a ANFIP e a APAFISP promovido, em São Paulo, mais umSeminário com essa finalidade, buscando, através de troca deinformações, identificar, na medida do possível, as suas causasprincipais ou distorções existentes.

Muito embora não possa ser quantificado, até porque faltamindicadores confiáveis, propala-se que, nos últimos tempos, o montanteevadido alcança índices vergonhosos e absolutamente inaceitáveis, aponto de um Senador da República ter constatado, ao final dostrabalhadores da CPI da Evasão Fiscal, uma triste realidade: “A faltade educação e consciência tributária dos contribuintes, geradaprovavelmente, pela falta de vontade política para combater asonegação é um dos aspectos relevantes para o montanteelevado” . O que fazer, então, frente a essa situação de descontroletotal em relação às finanças públicas?

Se, para alguns, a melhor solução pode estar na decantadareforma tributária e previdenciária, com a conseqüente redução ou fusãode partes dos impostos e contribuições existentes, não é menos verdadeque, para outros, a evasão pode ser combatida com maior eficiência,através da modernização da máquina arrecadadora. Somente assim,com pessoal altamente qualificado e equipamentos tecnológicos maisavançados, sem a concessão de “favores” (isenções, anistias, etc.)além do necessário entrosamento entre todos os órgãos envolvidos

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(Fiscalização, Procuradoria e Justiça) será possível uma ação maisvigorosa contra os espertalhões de toda a ordem, os quais, conhecendoessas deficiências que são também dos próprios órgãos repressores,inclusive do Poder Judiciário, delas se valem para auferir vantagensilícitas.

Não é justo, e menos ainda sensato, que poucos continuempagando muito e muitos paguem tão pouco, apenas porque estes podemestar acobertados, até mesmo, pelo manto do sigilo bancário e fiscal.Infelizmente, maus pagadores acabam quase sempre premiados, asonegação ou a fraude, via de regra, compensa. E como resultado dessabalbúrdia fiscal, do desmantelamento consciente do aparelhamentoestatal, arrecada-se muito menos, não havendo, dada a carência derecursos, como oferecer à sociedade os serviços públicos por elajustamente reclamados.

Portanto, a impunidade, o maior fator de estímulo a essainstitucionalizada evasão precisa e pode ser melhor combatida!

ANTONIO SÉRGIO MARTINS GASPARPresidente da APAFISP

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As Diversas Formas de Fraudee Sonegação na Previdência

Expositor: Valdir Moisés Simão

Fiscal de Contribuições Previdenciárias

Três aspectos compõem esta exposição: as formas desonegação no âmbito das contribuições previdenciárias; osinstrumentos à disposição da fiscalização para o efetivo combate àsonegação; e a representação criminal.

As contribuições previdenciárias e asonegação.

O INSS arrecada contribuições incidentes sobre aremuneração de empregados, de empresários, de autônomos eavulsos, de clubes de futebol correspondentes à renda, contratos depatrocínio, direitos de transmissão dos espetáculos esportivos e, ainda,contribuições sobre a comercialização de produtos rurais.

A principal contribuição é a devida pelas empresas sobre afolha de salários. Ela representa 80% do total arrecadado pelo INSS.

Neste campo, a sonegação existe, em primeiro lugar, pordecorrência da contratação do empregado informal. Há, no país, umenorme número de trabalhadores informais, correspondendo a 55% doPEA. A minoria dos trabalhadores brasileiros, portanto, é constituída deempregados com registro. É a inversão dos fatos, seja ela decorrenteda iniciativa das empresas ou até mesmo do interesse dos própriosempregados. Este tipo de sonegação se concentra mais em certossetores e tipos de empresas. A admissão de empregados sem registroé freqüente em empresas de médio e pequeno porte, porque elas, emtese, estão ficando fora do alcance da fiscalização previdenciária,principalmente após a introdução do sistema SIMPLES de pagamentode tributos e contribuições.

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Duas são as variantes principais de sonegação: (1) no casode emprego, a firma não registra trabalhadores ou não repassa o valordescontado do rendimento dos trabalhadores registrados; e (2) adissimulação do contrato de trabalho por contratação de profissionaisautônomos.

As diversas formas de sonegação

As formas de sonegação são muito variadas. Muito utilizadoé o corte em folha de pagamento: a empresa mantém os seusempregados em relações formais de trabalho mas apresenta, àfiscalização, uma folha de pagamentos de apenas uma parcela do real,excluindo empregados ou reduzindo sua remuneração na declaração.O objetivo é atingir uma massa salarial compatível com o que elapretende sonegar. Esta variante é freqüente na área de serviços, ondeé comum a empresa recolher corretamente o FGTS mas apresentarRAIZ separadas em mais de uma guia.

Essa conduta é atualmente detectável através da utilizaçãode instrumentos de controle como o Cadastro Nacional de InformaçõesSociais, mantido pelo Ministério da Previdência e também alimentadocom dados do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, do Ministériodo Trabalho e da Caixa Econômica Federal. Pelo cadastro, pode-seapurar o montante de salários pagos por empresa e por empregado,permitindo levantar quanto ela deveria recolher. Em caso de discrepância,o valor apurado entre o que deveria ter sido e o que foi realmenterecolhido, há que ser considerado, em princípio, como sonegação.

Essa apuração, por outro lado, aponta, em muitos casos,mais a existência da inadimplência face a dificuldade em recolher ostributos do que propriamente sonegação, já que a empresa declara,para várias instituições, a massa salarial real paga aos seusempregados.

Falsidade das folhas de pagamento

O item mais importante de perda de arrecadação daprevidência é o pagamento de salários fora da folha oficial apresentadapelas empresas. Este fato ocorre em empresas de todos os tamanhos,inclusive nas grandes. O pagamento pode ocorrer através de

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comissões, horas-extra, adicionais, etc. e é muito mais usual e freqüenteno comércio. Muitas vezes, há a aceitação do próprio empregadoporque, independente da contribuição, os benefícios têm um teto, acimado qual a contribuição não reflete o nível de benefício no futuro. E, alémdisso, declarar o valor real maior dos rendimentos poderia ocasionar orecolhimento de imposto de renda mais elevado por parte do empregado.

As utilidades, como são chamadas pela Previdência Social,constituem substituição de remuneração em dinheiro por salários “innatura ” ou serviços de terceiros necessários ao empregado, como oseguro de vida e a assistência médica. Fato preocupante é que o próprioMinistério da Previdência está aceitando, sem maiores questionamentos,a exclusão dessas parcelas da base de cálculo das contribuições,embora o Ministério do Trabalho tenha dúvidas em excluir o caráter desalário indireto dessas parcelas. O INSS até já regulamentou queseguros e assistência médica, quando fornecidos à totalidade dosempregados da empresa, não integram a base de cálculo dacontribuição. Mas há que levar em conta que essas utilidades substituemparte da remuneração do empregado e, sem dúvida, quando ele nãorecebe esse benefício da empresa, terá que pagá-lo com recursospróprios. E sua aposentadoria futura não cobrirá esse valor pago comosalário de benefício.

A sonegação de contribuições e aremuneração de empresários

Também se verifica este tipo de sonegação, principalmenteatravés do pagamento de utilidades que as empresas oferecem a seusexecutivos, como o pagamento do “leasing” do automóvel, da habitação,de mensalidades de escolas para os filhos, viagens de lazer, telefonesparticulares, serviços domésticos e etc.

Além disto, as empresas utilizam, fartamente, o caixa 2 comofonte importante de receitas, também para os empresários.

A sonegação no campo

A fiscalização da produção agrícola se baseia emdocumentos não regulamentados pelo INSS, mas pelo ICMS.Especialmente difícil é o controle da comercialização informal no campo,

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largamente utilizada. Mesmo a posteriori, ao comparar, por auditoriacontábil, o transporte rural de uma mercadoria comercializadainformalmente, o Fiscal do INSS não tem o poder de apreender amercadoria ou de questionar sobre Nota Fiscal.

Outras formas de sonegação e de fraudeÉ muito comum a fraude em documentos de arrecadação, a

falsificação de autenticação nas guias de recolhimento e das certidõesnegativas de débito. Esta última é exigida sempre que a empresaprocede à alienação de imóvel, participa de licitação ou tenta obter umalinha de crédito oriunda de recursos públicos.

Tendo em vista que os casos de exigência de documentosfiscais são muito freqüentes, para poder apresentá-los, a empresarecorre a sua falsificação.

A elisão fiscal, a terceirização e ascooperativas de trabalho

A terceirização está sendo muito utilizada na contratação detrabalhadores autônomos, na contratação de empresas especializadasem determinados tipos de serviços, que incluem a cessão de mão-de-obra e o trabalho temporário.

A legislação brasileira vem se adaptando rapidamente aessas novas formas e conceitos. Alteração recente na Lei no 8.212/91define a cessão de mão-de-obra, para fins de legislação previdenciária,como aquela relacionada ou não à atividade fim da empresa. A legislaçãotrabalhista, pelo enunciado nº 331, não aceita a terceirização ematividade fim da empresa. Assim, a legislação previdenciária está seantecipando à própria lei trabalhista, contra os seus próprios interesses.

Pode-se argumentar que desta forma facilita-se orecebimento da contribuição do prestador de serviço, através dacobrança solidária junto ao tomador. Mas não podemos esquecer queo prestador de serviço, via de regra, paga remunerações bem inferioresa seus empregados e, por conseqüência, contribuições tambéminferiores.

De igual modo acontece com a aceitação da norma de 1994que definiu que associado a cooperativa não é empregado nem da

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cooperativa nem do tomador do serviço. Sua aplicação gera umacontribuição muito menor que a contratação formal de empregados pelotomador, o que resulta em evasão expressiva de contribuição porqueas cooperativas de trabalho têm se expandido rapidamente no país,inclusive em áreas técnicas, de serviços, etc.

Há cooperativas de trabalho na área da construção civilregistradas junto ao Estado, à Receita Federal e ao CREA. Com istoelas estão em condições até, de participar de concorrências públicas,contratar obras, etc. Cabe aqui questionar a possibilidade legal de umacooperativa de trabalho estar efetuando esse tipo de trabalho. Diantedessa evolução a fiscalização dispõe de poucos meios para evitar aevasão, a sonegação e a fraude.

Como não pagar tributos e contribuiçõessociais

As empresas, por seu lado, dispõem de meios modernos esofisticados para encobrir a sonegação. Existem empresasespecializadas em assessorar contribuintes com objetivo de recolhermenos e, inclusive, instruindo como sonegar. Seminários sãoanunciados com títulos sugestivos e chamativos, por exemplo, “Comodeixar de pagar tributos e contribuições sociais ” e “Como impedirque a fiscalização apreenda seus documentos ”.

Os instrumentos e métodos à disposição dafiscalização.

O primeiro instrumento de controle à disposição dafiscalização quanto à forma de contratação informal, é a verificaçãofísica, que é feita pelo Ministério do Trabalho, o que é bastante difícil.

O segundo instrumento da fiscalização do INSS é a auditoriacontábil. O INSS não adota o lançamento por declaração, como fazemos órgãos de controle do ICMS e da Receita Federal. Por isso, quandoa fiscalização detecta que a empresa não está recolhendo ou estáinadimplente, pelo controle das informações disponíveis, o Fiscal éobrigado a visitar a empresa para promover o lançamento dacontribuição, realizando necessariamente uma fiscalização. Nessemomento, ele pode deparar-se com outros fatos comprovados de

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sonegação, por exemplo, não contabilizar ingressos e não registrar fatosgeradores de renda.

Controle da arrecadação e fiscalização

O trabalho da fiscalização do INSS compõe-se de dois tiposde atividades: um de controle específico de arrecadação e outro quantoà fiscalização no verdadeiro sentido da palavra. No primeiro caso, quandocontribuições são lançadas contabilmente e não são recolhidas, cabeao Fiscal exigi-las. Este é mais um trabalho de controle da arrecadação,envolvendo também a apuração dessa conduta, da qual a fiscalizaçãonão pode abrir mão.

A fiscalização, contudo, é, antes de mais nada, a busca, apesquisa e a investigação do fato gerador sonegado que esteja sendoocultado pela empresa. São dois tipos correlatos e distintos dasatividades, ambos próprios do trabalho do Fiscal. Falta, no entanto,melhor estruturar os dois tipos de trabalho, de modo que se tornepossível diferenciar os tipos de conduta, até com a imposição de multasdiferentes.

A sonegação e a inadimplência na ReceitaFederal e na Previdência

O mais paradoxal é que o INSS trata de modo semelhante asonegação e a inadimplência. Usa-se, até, a mesma notificação fiscalde lançamento de débito e a mesma multa de até 20%. Contribuiçõessonegadas são cobradas oneradas de multa majorada na lavratura doauto. Esta pode ser variada entre a verificação do débito, a lavratura danotificação e até quando o contribuinte usufrui de prazo de 15 dias pararecolher ou apresentar recurso administrativo. Para efeito decomparação, nos tributos federais, em casos de débito normal, a ReceitaFederal aplica multa de 75% após o início do procedimento fiscal e, emcasos de sonegação, a multa sobe para 150%.

Certamente, a fiscalização deveria ser diferenciada para oscasos de inadimplência ou de sonegação. Enquanto não se adota olançamento por declaração, o Fiscal vai à empresa e promove olançamento das contribuições sem realizar uma auditoria contábil.

No caso de sonegação, para iniciar o procedimento de

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fiscalização, o Fiscal normalmente já tem elementos que permitemindícios sobre a forma de sonegação, no que se chama “fiscalizaçãopor fato gerador”. O procedimento já deveria ser, de antemão, diferente,incluindo a possibilidade de multa mais elevada. A Lei no 8.212/91,constituiu uma tentativa de fazê-lo, ao equiparar as contribuiçõesprevidenciárias aos tributos federais. No entanto, ela durou apenas quatromeses. Depois retornou-se à sistemática anterior, para ser mais branda.

Núcleo de inteligência fiscal no INSSSeguindo o exemplo da Receita Federal, o INSS iniciou a

criação de um núcleo de inteligência fiscal que incluiria um laboratóriode identificação de técnicas de sonegação. Seu objetivo poderia ser ode estudar a metodologia utilizada na fraude e na sonegação. Contarcom um grupo de apoio à fiscalização e uma legislação que dê umtratamento diferenciado à sonegação e à inadimplência é o únicocaminho efetivo e inteligente para combater, de fato, a sonegação.

As variantes adotadas na sonegação são específicas aossetores e ramos de atividade e o INSS já identificou alguns. Após afiscalização, as empresas mudam de procedimentos. Este trabalho deinteligência e informação, altamente especializado, deveria serimplementado de modo sistemático para subsidiar, de fato, os Fiscais,antes mesmo deles se dirigirem às empresas.

A obtenção da prova e o sigilo bancárioProblemas de aceitação de provas tanto para o processo

fiscal quanto para o processo-crime são comuns. O Tesouro norte-americano tem uma experiência bastante interessante. O Fiscal vai àempresa munido do perfil e do comportamento típico do segmentoeconômico da empresa naquela região, incluindo dados sobre consumode energia e outros indícios de nível de atividade. Se o que encontranão corresponde a esse perfil, há uma presunção de sonegação que,por si só, pode fundamentar um processo fiscal, que é aceita nostribunais. No Brasil, estamos longe dessa situação, mas já é o momentode se refletir sobre essa possibilidade.

A apuração da sonegação com base apenas em provadocumental é sempre falha se é desconhecido o fluxo financeiro daempresa. A forma mais eficaz de identificar o “modus operandi” da

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empresa sonegadora é através do seu caixa 2, pois, pelos documentose livros que ela apresenta à fiscalização, dificilmente se apurará algumafalha de contribuição. Neste sentido, ganha enorme e valiosa importânciaa campanha encabeçada pela ANFIP, exigindo a quebra do sigilobancário em certos casos, lançando o slogan: “quem não deve, nãoteme”.

Os crimes contra a Previdência SocialO capítulo da Seguridade Social da Constituição Federal foi

regulamentado e disciplinado pela Lei no 8.212/91. Ela, no seu Art. 95,define os tipos penais contra a Seguridade Social. Todos aprendemosna faculdade que a todo crime deve corresponder uma pena, senãonão é crime. É de causar espanto que o legislador, no âmbito daPrevidência Social, tenha definido os crimes previstos nas alíneas “d”,“c” e “f” e esquecido as penas correspondentes. Mais preocupante aindaé o fato de que já foram baixadas mais de quatro ou cinco MedidasProvisórias alterando a Lei no 8.212/91 e nenhuma delas se propôs acorrigir essa falha. Ou é esquecimento premeditado ou vontade políticade deixar a lacuna legal – penal.

No citado artigo, os crimes com pena definida se referemaos que os Fiscais entendem como de “apropriação indébita”: arrecadarcontribuição do segurado ou do público e não recolhê-la (alínea “d”);deixar de recolher contribuições que tenham integrado o custo deprodutos vendidos à sociedade (alínea “e); e o não pagamento debenefícios previdenciários, especificamente salário-família e salário-maternidade, aos empregados, após receber seu reembolso (alínea“f”) .

Os crimes sem penalidadesJá nos casos de sonegação, paradoxalmente, não se faz

menção a nenhuma pena. Quer dizer: se a empresa apuracontribuições, lança o fato gerador e simplesmente não recolhe acontribuição, existe um tipo penal específico com uma pena contida naLei dos Crimes contra a Ordem Financeira, conhecida como Lei doColarinho Branco (a de no 7.492/86), que é de 2 a 5 anos de reclusão.Se, ao contrário, a empresa oculta o fato gerador, por exemplo, atravésde um “caixa 2”, e não permite que a fiscalização apure ascontribuições, não há pena. A sonegação, neste caso, é um excelente

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exemplo de como esta prática de “caixa 2” é benéfica para as empresase elas estão utilizando no seu cotidiano.

Para sanar o problema, o Ministério Público tem lançado mãoda Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei no 8.137/90) eenquadrado a conduta como omissão de tributo ou contribuição. Ocorre,porém, que esta lei prevê penas inferiores para a sonegação do que asalíneas “d”, “e” e “f” do Art. 95 da lei de custeio da Previdência Social.Deste modo, estimula-se a sonegação ao declará-la menos arriscadaque a “apropriação indébita”. E mais ainda: apesar de as penas previstasnas alíneas mencionadas serem muito claras, o INSS, pela Ordem deServiço da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização no 96, de 1993,disciplinou os casos de apropriação indébita apenas quanto às alíneas”d” e “f”, deixando de fora a ”e”. Esta ficou, portanto, inexplicavelmentesem regulamentação, embora a pena esteja definida.

Estamos diante de matéria polêmica em termos jurídicos.Mas vejamos o caso concreto da alínea “e”: todas as contribuições etributações devidas são incluídas pelas empresas no custo e no preçodos produtos adquiridos pelo consumidor. Assim, quem paga estasobrigações é a sociedade adquirente do produto ou do serviço. Nãosendo a contribuição recolhida, caracteriza-se perfeitamente o crime,de mesma intensidade que o de arrecadar contribuição do segurado enão as recolher. Cabe, de todos os modos, refletir sobre o caso edisciplinar a questão sob pena da omissão estar beneficiando o infrator.

O procedimento da representação criminalAtualmente, o Fiscal deve produzir as provas durante a ação

fiscal, o que faz parte do seu dever de ofício, mas não é tarefa fácil.Solicitar que a empresa apresente cópia de folhas de pagamentos, delançamentos contábeis, de contratos sociais só tem por objetivo instruirum processo de representação criminal. Por isto, nem todo empresárioconcordará em fornecer este tipo de documento, embora o § 2o, do Art.95, da Lei no 8.212/91, disponha da faculdade da fiscalização não sóexigi-los, como até apreendê-los.

Com as provas produzidas o Fiscal elabora um relatório queé encaminhado à Procuradoria Regional do INSS, a quem compete,regimentalmente, fazer a representação ao Ministério Público. Esteencaminhamento poderia ser modificado. Como mencionado, na ReceitaFederal são os próprios auditores Fiscais do Tesouro Nacional que

Valdir Moisés Simão

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fazem a representação através de seu Secretário. No ICMS, ocorre amesma coisa. No INSS, ao contrário, dissocia-se a representação dotrabalho de fiscalização, tirando dela parte de sua capacidade de inibirfuturas condutas negativas para o fisco. Poder-se-ia sugerir que a própriafiscalização, através de sua direção nacional ou estadual, assumissea tarefa de regulamentar a elaboração da representação criminal, emcooperação com o Ministério Público Federal, queimando etapas noencaminhamento. Lembramos que, atualmente, este último órgão estáestruturado em várias cidades, principalmente no interior, como noEstado de São Paulo. Como o trabalho da fiscalização, na produção deprovas para o processo-crime, tem sido bastante elogiado pelo MinistérioPúblico Federal, dispensa, freqüentemente, o inquérito policial. De posseda representação fiscal o Ministério Público teria já todas as provasnecessárias para oferecer a denúncia.

O combate à sonegação e à fraude deve terpadronização fiscal

Se uma empresa sonega ICMS ou IPI, ou ainda, estásubfaturando, com certeza ela estará declarando massa salarial menorque a real. A empresa que emite uma Nota Fiscal calçada ou fria tambémtem que reduzir a massa salarial para evitar que esta correspondaparcela exagerada do faturamento. Portanto, a prática de subfaturamentoe de redução da base de cálculo da contribuição previdenciária ocorremnormalmente juntos, sendo indiferente averiguar qual decisão é tomadaantes da outra. Isto vai depender da importância do tributo ou dacontribuição que a firma recolhe.

Por isto, deveria haver maior integração entre as respectivasáreas de fiscalização, incluindo também o Ministério do Trabalho. Seriamuito útil criar um banco de dados de empresas sonegadoras. Énecessário, também, adotar uma padronização na imposição de multapor sonegação bem como no de recolhimento espontâneo.

A multa para a empresa que deixa de recolher a contribuiçãoprevidenciária ou o faz com atraso está sujeita a um percentual de, nomáximo, 10%. Para um tributo federal, a multa chega a 20%.Evidentemente, a empresa em dificuldades opta por pagar o tributo demulta menor. Gera-se assim uma concorrência entre o Tesouro e aPrevidência, totalmente sem sentido e, sobretudo, desnecessária.

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Algo semelhante ocorre com os instrumentos de fiscalização.Pela Lei no 9.430, de 1996, à fiscalização foi permitida até à apreensãode equipamentos de informática e livros contábeis. Além disto, afiscalização pode ser contínua em determinadas situações e, em casode sonegação, antecipar até o vencimento do tributo. Não é fácil aprovaruma lei com essas prerrogativas, mas quando se consegue seriainteressante estendê-las a todas as áreas da fiscalização. Em suma, apadronização da fiscalização em todas as áreas federais, estaduais emunicipais traria ganhos e facilidades ao trabalho de todas elas.

O INSS diante da COFINS, Lucro e doSIMPLES

As fontes de financiamento da Seguridade Social tem suasbases na Constituição Federal, e sua arrecadação e fiscalização estábastante definida nas leis posteriores a 1988. O INSS, em princípio,deveria ser o responsável pela arrecadação de todas as contribuiçõessociais que financiam o sistema de seguridade, como saúde, assistênciae previdência. Do ponto de vista jurídico, não me parece haver dúvidassobre essa atribuição, embora, hoje, tanto arrecada o INSS em relaçãoà contribuição patronal e do trabalhador sobre a folha de salários, comoa Receita Federal sobre o faturamento (a COFINS) e a contribuiçãosobre o lucro líquido.

Porém, a legislação acabou por transferir à Receita Federala competência de arrecadar, controlar e fiscalizar a contribuição socialda CONFINS e do lucro líquido. Agora, acrescentaram as mesmascompetências em relação a quase 1,5 milhões de empresas queoptaram pelo SIMPLES. No entanto, sendo o SIMPLES um misto detributos federais, estaduais e municipais, além de contribuição social etendo o INSS melhores condições para arrecadar e fiscalizarcontribuição para terceiros, ele poderia fazê-lo, cobrando umaremuneração módica, por exemplo de 3,5%. Assim, seria cumprida adeterminação constitucional quanto à vinculação das contribuiçõessociais, (art. 195) inclusive a Cofins e a sobre o lucro líquido, e se estarialevando em consideração a estrutura do INSS, melhor adequada àfiscalização deste tipo de contribuição. Ao mesmo tempo, estaríamosracionalizando as atividades de fiscalização de todas as contribuiçõessociais, exatamente para o seu destino que é o financiamento daSeguridade Social, e não o caixa do Tesouro Nacional.

Valdir Moisés Simão

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A Tramitação dos ProcessosFiscais Estaduais

Expositor: Valdir Nogueira

Agente Fiscal de Rendas e Assessor Fiscal da Delegacia Regional Tributária

A caracterização da sonegação fiscal noICMS

A legislação estadual contém uma capitulação fiscal, comoito incisos regulamentares para cada infração praticada com a sançãorespectiva. Em cada caso, para imputá-la criminalmente, deve-seanalisar se houve dolo. Em caso afirmativo, faz-se a representação.Há uma ressalva, na portaria que regula o procedimento fiscal, no casode representação sobre crime.

Como se sabe, o ICMS é um imposto indireto, nãocumulativo. Quer dizer, em cada operação ou venda, considera-se oimposto já pago, abatendo-o do imposto debitado na saída damercadoria. Há, portanto, uma compensação. Não se trata de um valoracrescido, mas, em tese, da diferença entre o imposto devido na saídada mercadoria da empresa e o imposto devido na entrada.

Após a apuração do débito, no final do mês, ele é declaradoem uma guia, um documento interno que vai para o processamentofazendário. O imposto assim apurado deve ser recolhido em um prazodeterminado. Ao final, pode existir saldo devedor ou credor. Na primeiraalternativa, é processado para recolhimento. Em caso de nãorecolhimento, o débito é encaminhado ao Departamento de dívida ativae à Procuradoria Fiscal para a execução. Nessas condições, quasenunca ocorre uma representação fiscal, sobre crime de sonegação.

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O único caso diferenciado se refere ao sistema de subscriçãotributária, pelo qual sobre vários produtos, como automóveis, cimento,sorvete, combustíveis, o tributo é retido antecipadamente, incluindo nopreço a parcela de ICMS referente à venda ao consumidor. Na prática,funciona como o IPI ou a contribuição para o INSS retida do salário doempregado. Caso a importância não seja recolhida a representação éencaminhada. Por ser um imposto declarado pelo próprio contribuinte,essa é a única hipótese de se encaminhar a representação.

Sendo um imposto declaratório, o ICMS não teria grandesconseqüências na área penal. À fiscalização cabe confirmar oslançamentos de débito e de crédito. A forma tradicional de diminuir oimposto devido era a venda sem Nota Fiscal. Esta prática foi ficandomais difícil, o que trouxe a necessidade de introduzir novos subterfúgios.

A indústria da Nota Fiscal friaAlém da nota espelhada ou calçada, existe a indústria de

Notas Fiscais frias. Simula-se, com elas, operações de aquisição demercadorias, com o único intuito de transferir imposto. Ao gerar umcrédito fiscal, a Nota Fiscal fria diminui o imposto a pagar. Essa práticaconstitui um dos maiores problemas para o ICMS.

Há casos conhecidos de simulação de exportação. Ela gerouum crédito acumulado porque a exportação está imune do ICMS. Mesmonão ocorrendo o recolhimento, o crédito é mantido e deve ser devolvidoa quem de direito. A lei, contudo, prevê algumas hipóteses detransferência de crédito: para a compra de matéria-prima, para outroestabelecimento da mesma empresa, entre outras, que é utilizada nafabricação de créditos nem sempre efetivos. No caso autuado, aempresa que tinha acumulado um crédito simulando exportações,acabou tendo a capacidade de criar dinheiro. Ela adquiria mercadorias,as vendia no mercado com documentos frios e com créditos advindosda simulação de exportações.

Efeitos das mudanças na legislaçãoAs modificações na legislação federal impuseram

adaptações na legislação do Estado. Em 1994, o Ministério Públicochegou a fazer a representação em todo e qualquer caso de infração,mesmo que nem sempre fosse encaminhada. Resultou num fantástico

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Valdir Nogueira

acúmulo de processos. A situação perdurou até a Lei no 9.430/96. Erao agente Fiscal o autor e responsável pela representação, embora fosseencaminhada pelo gabinete da Delegacia local junto com o auto deinfração. Uma portaria posterior modificou a sistemática e, atualmente,encaminha-se a representação apenas após a constituição definitivado crédito tributário.

O encaminhamento do auto de infração

O Fiscal, ao fiscalizar, preenche um formulário com 18quesitos, que atende à Lei no 8.137/90, incluindo o indício de dolo ounão. Por exemplo: se a conduta do agente consistiu em omitirinformações, de modo a suprimir a multa, ou, se ele prestou declaraçãofalsa, de modo a suprimir ou reduzir tributo, se houve inserção deelementos inexatos em documentos, e assim por diante.

Como a Lei no 8.137/90 é uma norma penal em branco, há anecessidade da configuração do crime para que este seja tipificado eque o crédito seja exigível. É imprescindível que o processo fiscal estejaextinto, seja na área judicial ou administrativa. Isto para evitar, como jáaconteceu, de uma pessoa ser condenada criminalmente a um ano deprisão e o auto de infração ter sido cancelado em segunda instânciaadministrativa. Por isso somos favoráveis à determinação contida noArt. 83 da Lei nº 9.430/96.

Os prazos de tramitação administrativa epenal

O Ministério Público de São Paulo não permite que seultrapasse o prazo de 4 anos a partir da data da infração, para fazer adenúncia, o que é muito difícil de observar.

O processo passa por duas instâncias administrativas dejulgamento que demandam tempo, especialmente a segunda. OMinistério Público exige uma apuração cuidadosa da culpa e sobre oque teria ocasionado a falta do recolhimento. Essa morosidade é comuma todo procedimento deste tipo. É bem verdade que todo processo fiscal(que também pode configurar crime contra a ordem tributária) recebeuma tramitação preferencial, conforme determinação em portaria.

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Quando, ao contrário, a fiscalização nem faz menção de possibilidadede crime no auto de infração, o processo não é encaminhado aoMinistério Público.

De todos modos, com todas as instâncias previstas e seusproblemas decorrentes é muito difícil atender-se o prazo de quatro anosfixado pelo Ministério Público.

A fiscalização e a representação penal

Cabe, em toda representação, à autoridade ou ao agenteFiscal de renda, indicar os elementos que possam configurar ainfração penal.

Assim, não basta constatar um crédito indevido,configurado por documento inidôneo. É certo que um documentofrio já constitui um forte indício de participação, mas ainda não ésuficiente para comprovar a infração. Nessa situação, antes mesmode lavrar o auto, pesquisa-se o recebimento efetivo da mercadoria,o pagamento, o cheque emitido, o pedido de compra e faz-se todasas diligências necessárias.

Se ainda assim a prova não foi encontrada, faz-se adiligência junto ao emitente do documento, o que é mais difícil. Porexemplo, quando a Nota Fiscal fria provem de outro Estado, fatobastante comum. Às vezes, o Fiscal não consegue avançar muito.Os sonegadores estão se sofisticando e aperfeiçoando seusmétodos de “enganar” a fiscalização com muito mais agilidade edisponibilidade de recursos técnicos e equipamentos modernos doque a própria máquina estatal.

As Leis no 4.729/65 e 8.137/90 previam a extinção dapunibilidade em caso de recolhimento da obrigação devida. A Lei no

8.383/91 revogou os artigos correspondentes. Suas conseqüênciasnão foram muito convenientes: se o contribuinte recolhesse o tributoe a multa exigidos, em tese, estaria quase confessando o delito penal.A representação não podia ser sustada e era encaminhada de todomodo. Resultou um estoque muito grande de processos semliquidação. A partir da Lei no 9.249/95 e da volta da extinção dapunibilidade, uma grande quantidade de autos de infração tem sidoliquidado, diminuindo bastante o volume de serviço da fiscalização.

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Instâncias e recursos permitidos

Sendo a primeira instância favorável ao fisco, o processovolta ao posto fiscal, onde fica por 30 dias aguardando julgamento,recolhimento ou recurso ao tribunal de impostos e taxas. Apresentadoo recurso, o processo vai a julgamento na instância superior. Nãohavendo recurso nem recolhimento, o processo é encaminhado àDelegacia, onde é feita a reabilitação do crédito e são respondidos osquesitos necessários ao Ministério Público.

A tendência geral é a da substituição tributária, o quesimplifica o trabalho e reduz o número de contribuintes e o nível desonegação. Cobra-se muito mais da indústria e do atacado, deixando ovarejo com o imposto já recolhido. Judicialmente, o procedimento temtrazido problemas, como no ramo de combustíveis levando as empresasrefinadoras e as distribuidoras a optar pelo depósito judicial. Esteprocedimento envolve perto de 2.800 postos de gasolina, só em SãoPaulo. Outros problemas da distribuição tributária também existem nosramos de cerveja, guaraná e refrigerantes, cimento, tintas e produtosfarmacêuticos.

Em todos esses casos, se o imposto não é recolhido pelaindústria ou pelo atacado está configurada também a infração denatureza penal, além do não recolhimento de um imposto declaratóriocomo o ICMS.

Valdir Nogueira

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A Fraude e a Sonegação noRegistro de Empregados

Expositor: Valter Torre ArienzoInspetor do Trabalho

A Fiscalização do Trabalho

Em São Paulo há aproximadamente 500 Fiscais ativos e areceita decorrente da aplicação de multas pela fiscalização é de cercade 1,5 bilhão de reais.

A fiscalização do trabalho não é, especificamente, uma áreatributária, embora parte da fiscalização do trabalho fiscalize também oFundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), cujo caráter tributárioé discutível. Por essa razão, vou me referir aqui, apenas de maneirasubsidiária, a alguns aspectos tributários.

Problemas da fiscalização do trabalho

A base da fiscalização do trabalho é o registro dosempregados, ponto de partida para todos os recolhimentos, encargos,etc. E é exatamente aí que começam os problemas, pois a falta deregistro é o fato ilícito mais comumente constatado pela fiscalização.Por isso, há uma campanha permanente de nossa parte contra a faltade registro, bem como a não observância dos demais direitos dotrabalho.

Ao longo dos últimos anos, ao sabor de tantos planoseconômicos, constatamos que a cada ano se registra menosempregados, constituindo-se esta clandestinidade em fraude, numasonegação indireta.

É muito comum a empresa só registrar uma parcela mínimade empregados. Constatar esse fato através da contagem individual deempregados não é fácil para o Fiscal, especialmente quando ele vai à

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empresa desacompanhado, o que é a regra. Há muitas portas de entradae muito mais de saída, algumas delas, até guarnecidas por seguranças.Como dificilmente os Fiscais trabalham em grupo, por falta de pessoal,resulta que o mau empresário consegue ser, assim, beneficiado pelaomissão da fiscalização. E, muitas vezes, contam até com a conivênciados próprios empregados sem registro. Malgrado ser o Fiscal dotrabalho, por ironia, uma autoridade federal para proteger o trabalhadorem relação ao seu trabalho, sua atuação não é reconhecida nem pelopróprio trabalhador.

Seguro desemprego serve parasuplementar novo emprego

Dificuldade complementar decorre paradoxalmente doseguro-desemprego. É comum o próprio trabalhador pedir para nãoser registrado em seu novo emprego e nem ser mencionado pelo Fiscal,negando-se, inclusive, a declarar seu nome, para não perder o direitoao seguro desemprego. São questões de fundo, de caráter moral e deconsciência, de educação de um povo. Mas fatos como esses tambémconstituem fraude.

O Ministério do Trabalho conta com um sistema decomputação muito bem estruturado, interligado com o seguro-desemprego e com a Caixa Econômica Federal, que permite facilmenteconstatar fraudes e eliminá-las. Mas não consegue forçar o trabalhadora declarar seu nome e sua condição de não registrado, no momento dafiscalização. Nesses casos, não há muito a fazer. Só resta pedir à políciapara prender este trabalhador, pessoa não especializada, de nenhumaescolaridade e de baixa renda, que vive em dificuldades sociais eeconômicas e que, finalmente, conseguiu um emprego, mesmo queem situação irregular. Porém, ele se sente muito satisfeito. E isto emmeio a uma situação geral caracterizada pelo aumento do desemprego,em função da terceirização, da globalização, etc. Em situações comoessas cabe ao fiscal aplicar o bom senso, já que os regulamentos nãoapresentam outras soluções.

Normalmente relacionado com falta de registro, ocorre arecusa da empresa em apresentar os documentos do empregado, aoFiscal. As desculpas são muitas: o documento está com o contador, ocontador saiu, o diretor levou o livro de empregados. Ao final, resta aoFiscal, obviamente, apenas a autuação.

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A regulamentação interna também dificulta a fiscalização:empresas com até 10 empregados - cabe perguntar-se por queexatamente este número 10 - devem receber um prazo para regularizara situação e a atuação não pode ser imediata. A firma é notificada aapresentar os documentos e receberá nova visita no prazo de 2 a 8dias. Se após este prazo os documentos não forem apresentados, lavra-se o auto de infração.

Baixo valor da multa estimula à sonegaçãoe à fraude

Segue-se outro problema decorrente do baixo valor da multa(Art. 630, §§ 3º e 4º da CLT). Após o prazo dado à empresa, quando elaé finalmente notificada a pagar a multa, poderá fazê-lo com um descontode 50%. Não é difícil concluir que, para a empresa, é um verdadeiroestimulo o não registro do empregado, correndo um risco pequeno deser fiscalizada ou ser denunciada pelos trabalhadores sem registro. Afiscalização solicita, há tempos, mudanças dos valores das multas eoutras medidas para evitar essas facilidades legais que acabambeneficiando o mau empresário.

A norma interna obriga a fiscalização a voltar três vezes àempresa, e autuá-la também três vezes, se não forem apresentadosos documentos devidos. Só a partir da quarta visita, com autuação, éque esta é encaminhada ao Ministério Público do Trabalho com denúnciacontra a empresa, para que seja enquadrada em crime contra aorganização do trabalho.

Número de empregados não define porte daempresa

Em algum momento, alguém entendeu que uma empresacom até 10 empregados é uma empresa pequena, o que, hoje, nemsempre é verdade, principalmente nas atividades com uso deequipamentos de alta tecnologia como a de computação. Algumasempresas de apenas 5 empregados apresentam faturamento igual ouaté mesmo superior a outras que possuem 100 empregados. Cabe,por isto, questionar, de modo mais realístico e geral, se o sistema dearrecadação da Previdência, que incidente exclusivamente sobre a folha

Valter Torre Arienzo

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de pagamentos, é o mais adequado para avaliar o seu porte econômicoe sua participação solidária no mundo de hoje.

Parece-me que a incidência do cálculo das contribuiçõesprevidenciárias sobre o faturamento refletiria mais fielmente a expressãoeconômica da empresa e não estimularia, como hoje, o enxugamentodas folhas de pagamento por intermédio do desemprego, gerando crisessociais e diminuindo, por conseguinte, a arrecadação. Além do mais,estes fatos agravam outros programas sociais como o auxíliodesemprego, o uso de benefícios por falsas doenças ou de outrosmecanismos usuais e bem conhecidos.

Entra-se em um círculo vicioso: a arrecadação cai, o caixanão tem dinheiro para aparelhar e prover com pessoal a máquina fiscalnem para dar reajuste ao funcionalismo e aos aposentados epensionistas. O Ministério do Trabalho, de sua parte, tenta atacar o pontode partida de tudo: a falta de registro dos empregados.

O Fundo de Garantia

O FGTS é um direito constitucional do trabalhador, que nãochega a ser caracterizado como um imposto, nem como tributo. É umacontribuição que a empresa é obrigada a fazer sobre a remuneraçãodos empregados. Seu recolhimento tem sido fiscalizado juntamentecom a ocorrência do registro dos empregados.

A efetividade da fiscalização do FGTS pode ser medida pelogrande aumento de arrecadação da Caixa Econômica Federal. Sãofreqüentes as campanhas de recolhimento do Fundo, com excelentesresultados. Em suma: o FGTS vem sendo bem fiscalizado.

A Lei no 8.036, que regula o FGTS, é aparentemente simples:o recolhimento corresponde a 8% da remuneração do empregado ousobre a folha salarial. Na realidade, a situação se complica porque oempregador tenta descaracterizar várias parcelas como integrantes dosrendimentos do trabalhador para que a incidência do Fundo ocorra sobrevalor menor.

Os Arts. 457 e 458 da CLT, que tratam da remuneração dotrabalhador, diz que se integram aos salários: as comissões, prêmios,percentagens, salário “in natura”, etc., constituindo essa soma aremuneração sobre a qual deve incidir as contribuições para aPrevidência Social e para o FGTS. Duas dessas parcelas apresentamdificuldades para a fiscalização do recolhimento para o Fundo de

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Garantia por serem polêmicas: a assistência médica gratuita e o segurode vida em grupo, concedidos pelas empresas. Embora não sejamquestionáveis, há autoridades superiores que discordam, entre si,quanto a incluí-las ou não nos rendimentos do empregado.

A assistência médica gratuita paga pelasempresas

Ela é concedida nas empresas de maior porte, no geral commais de 100 empregados, integralmente ou mediante contribuiçãopequena do empregado. De modo semelhante, funcionam os fundosde pensão privados mantidos em parte ou totalmente pelas empresas.

A tese de que se trata de prestação salarial se baseia emque tudo que um empregado recebe de uma empresa, direta ouindiretamente, só pode ser decorrente de seu contrato de trabalho e,portanto, tem natureza salarial. Ao sofrer fiscalização, as empresasalegam que estando a Previdência Social falida e sendo péssimos oshospitais públicos, ao conceder o plano privado de saúde estariamprestando um benefício social. E esta visão é, muitas vezes,corroborada pelo próprio empregado.

Quando o empregado perde o emprego, perde, também, aassistência médica gratuita. E ao procurar trabalho em outra empresaele tenderá a exigir assistência médica semelhante. Se o novo empregonão o conceder, o empregado terá que pagar de seu bolso para mantero mesmo padrão de atendimento, com que estava acostumado, parasi e sua família. Com isto, sofrerá redução de salário real, pois o planoprivado de saúde correspondia a salário indireto. Nesse caso, porconseguinte, o FGTS deve incidir sobre todos os rendimentos diretos eindiretos do empregado, incluindo o plano de saúde pago pela empresa.Para o trabalhador, é importante que o Fundo incida sobre o total derendimentos, porque é um substituto de direitos antigos de indenização,devida em caso de demissão, no montante a um mês de salário porano de trabalho.

O empregador argumenta que se for exigido o FGTS tambémsobre a parcela correspondente ao gasto com a assistência médicagratuita, o benefício será cortado, condenando o trabalhador a voltar aotempo das cavernas na área de medicina social. Como se vê, o objetivoé claro: colocar a fiscalização contra o empregado.

Valter Torre Arienzo

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O seguro de vida em grupo pago pelaempresa

Este benefício também é pago em empresas de grande porte,normalmente acima de 200 empregados. Geralmente, o seguro seestende a todos os empregados da empresa e cobre casos de morte,que, via de regra, são poucos a cada ano, não passando nunca deduas mortes para um total de 500 empregados.

Para o empregador é um seguro que pouco se usa, por issonão custa muito caro. Por alguma razão, ele reluta muito em dar aumentode salário mas o seguro de vida, que também é um custo, ele querfazer e paga.

Ora, sabemos que em qualquer tipo de seguro, há um retornoparcial dos prêmios pagos em caso de pouca ou nenhuma utilizaçãodo seguro. Sabe-se, também, que é muito difícil fiscalizar esse retornoe o custo total do seguro consta como sendo o valor da apólice. Aexperiência e o faro do Fiscal indicam que a empresa costuma fazer oseguro de vida coletivo para seus empregados sempre com o bancocom que trabalha, onde o gerente é, no geral, conhecido e tem ligaçõesestreitas com a diretoria da empresa, facilitando a devolução parcial outotal dos prêmios pagos.

A fiscalização contábil referente ao FGTS só é possível noscasos de serviços prestados, nos lançamentos no livro diário, no planode contas, etc. É impossível constatar se os prêmios de segurosdevolvidos são lançados na contabilidade da empresa. Na relação como banco segurador, a empresa funciona quase como uma corretora deseguros. Os nomes dos empregados são utilizados como participantesde uma apólice cujos custos a empresa recolhe e paga ao banco comque trabalha. Os custos com o seguro de vida são lançados comodespesas operacionais. Ora, despesa operacional é tudo que éobrigatório para a operação da empresa. Cabe perguntar se o segurode vida é realmente necessário para que a firma funcione. A respostaserá certamente negativa. Mesmo assim, trata-se de um benefícioindireto concedido aos empregados, sobre o qual devem incidir osencargos.

As empresas reagem violentamente contra a tentativa doFiscal de levantar a contribuição de 8% sobre o seguro de vida coletivodos empregados. Elas se defendem afirmando que, nesse caso, serão

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forçadas a cortar o seguro e que este é pago pelos trabalhadores e nãopor elas. Na verdade, estamos diante de uma corretagem de seguro,usando os trabalhadores que servem de contribuintes para umacompanhia de seguros normalmente interligada à empregadora e aoseu banco. Em outras palavras, isto constitui uma fraude. Seriainteressante saber como pensam, hoje, os colegas da Previdência Socialsobre a incidência ou não desses seguros de vida como sendo denatureza salarial, embora se saiba que a Previdência entende, emprincípio, que não há incidência de contribuição quando o benefício seestende a todos os empregados.

As rescisões contratuais

Elas constituem outra área na qual a fraude é freqüente. Nosplantões de homologação do Ministério do Trabalho, os Fiscais ficamatentos aos tributos devidos. No caso de trabalhadores com mais deum ano de empresa, as rescisões são obrigatoriamente homologadas,para que eles possam sacar o FGTS. Nos contratos de trabalho commenos de um ano, a homologação não é obrigatória e as fraudes devemser bastante freqüentes, com recolhimentos subestimados e mal feitosassim como outras irregularidades.

A terceirização

A terceirização é uma tendência mundial, no rastro dachamada globalização, que vem trazendo consigo um enorme índicede desemprego. As pressões das empresas para que seusdepartamentos pratiquem a redução de custos, e isto a qualquer preçopara fazer face a crescente concorrência, levam a reestruturações dasmesmas, resultando, quase sempre, em desemprego. Este, não deveriaapresentar em si graves problemas se fosse executado de acordo coma legislação trabalhista. Mas infelizmente ocorre o contrário. Procura-se manter o trabalhador em atividade, porém sem o emprego formal,caracterizado legalmente. Uma saída é a terceirização.

Ao terceirizar e continuar rentável, as empresas passaminvariavelmente, a sonegar uma série de tributos e contribuições.Transferindo parte do serviço para o pequeno empresário, em firmaspequenas, abertas com o propósito da terceirização, os direitostrabalhistas dos empregados, via de regra, desaparecem.

Valter Torre Arienzo

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A fiscalização do trabalho nas pequenas empresasterceirizadas é muito difícil. Por exemplo, na construção civil. Antes, asgrandes construturas mantinham um, dois mil empregados. Atualmentenão passam de vinte ou trinta na administração central, comcomputadores, secretária e um engenheiro controlando dez prédios.Os custos maiores são transferidos para subempreiteiros pequenos,responsáveis por diferentes fases da construção. No momento dafiscalização, quem já terminou seu serviço não está mais presente naobra e é de difícil localização. Com isto, torna-se quase impossívellevantar o número exato de empregados, além dos poucos registradosou daqueles declarados como autônomos. Desta forma, a empresadeixa de recolher FGTS, Previdência Social, etc., com a conivênciados próprios empregados.

A terceirização é comumente associada à Ásia, mas cadaregião apresenta características próprias. Na Itália, a terceirização estásendo abolida. Na Europa, já se percebeu que ela funciona mal, poisvem acompanhada de uma queda de qualidade dos serviços. Com odesemprego crescente, lá não estão insistindo tanto na terceirização,enquanto no Brasil, persiste-se nessa linha, mal se importando comtodo o custo social dela decorrente.

As cooperativas de trabalho

A alteração da CLT referente às cooperativas é bastanterecente. A reestruturação das empresas ao contratar uma cooperativaresulta em que desaparecem formalmente os empregados. Em casorecente, por exemplo, uma escola deixou de ter professoresempregados. A fiscalização fez a autuação, por considerar que autilização da cooperativa tinha apenas o objetivo de não recolher ascontribuições devidas, já que o trabalho desempenhado pelosprofessores era a principal atividade da prestação de serviços e fontede captação de renda da escola.

Segundo a legislação vigente, o funcionamento de umacooperativa deve estar regulamentado. Ela deve ter um balancetemensal com o resultado contábil e a distribuição dos resultados aosseus membros. Além disso, outros documentos são exigidos paraatestar que realmente se trata de uma atividade de cooperativa. Noexemplo da escola autuada, os contratos apresentados foram

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desconsiderados e eles foram autuados como empregados semregistro (Art. 41 da CLT), pois cumpriam normas características deempregado, com horário de trabalho, subordinação e demais obrigaçõesiguais as de qualquer empregado, recebendo ordens e se submetendoàs normas da escola e de sua diretoria. Caracterizando-se, assim, comouma relação patrão-empregado e não de cooperado-cooperativa. Emsuma, estava configurada a fraude com a conseqüente sonegação apartir da declaração de outro tipo de relação de trabalho que não era areal.

Os artigos da CLT relativos às cooperativas, na verdade,deveriam ser revogados. Sua aprovação ocorreu de modo muito rápidoe os interessados em resguardar os direitos trabalhistas não se deramconta a tempo. Ao que parece, sua introdução partiu de preocupaçõescom a utilização quanto ao trabalho rural, onde, em determinadassituações, as cooperativas podem funcionar satisfatoriamente econtribuir para fixar ou manter o homem ao campo e diminuir o êxodorural. Mas, nas grandes cidades, as cooperativas de trabalho têm porconseqüência imediata pulverizar os direitos trabalhistas e diminuir asdespesas salariais e sociais das empresas, especialmente em certasáreas, e devem ser vistas como tendo o mesmo objetivo da terceirizaçãomencionada acima.

A cooperação entre Ministério do Trabalho eINSS

As atividades fiscais das áreas do trabalho e da previdênciajá estiveram integradas num mesmo Ministério. Havia um controle únicopara a verificação de empregado sem registro, que era encaminhadoao INSS. Atualmente, essa ação conjunta já não mais existe. A melhoriada troca de informações entre as duas áreas é, hoje, uma das principaisreivindicações e, talvez, a mais antiga, feita pelas entidades de Fiscais.Há, também, uma maior interação com a Caixa Econômica Federal, aReceita Federal e a Previdência Social.

Os levantamentos do INSS, incluindo os pagamentos extra-folha, têm sido utilizados pela fiscalização do trabalho, mas não de formaorgânica. O ideal seria que ocorresse a interação dos dados disponíveisna esfera federal, para subsidiar o trabalho da fiscalização de todos osministérios envolvidos.

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A Tradição de Sonegare a Impunidade

Expositor: Dr. Antônio Airton FerreiraAuditor Fiscal do Tesouro Nacional

O que são infrações objetivas e subjetivas

O Art. 136 do Código Tributário define a responsabilidade porinfrações da seguinte maneira: “Salvo disposição de lei em contrário, aresponsabilidade por infrações da legislação tributária independe daintenção do agente ou do responsável e da efetiva natureza e extensãodos efeitos do ato”.

Existem, portanto, na área tributária, dois tipos de infrações:as objetivas e as chamadas subjetivas. As infrações objetivas sãoaquelas nas quais o elemento intenção não está presente. Numafiscalização constata-se, por exemplo, uma diferença, um simples erro,que teria alterado a base de cálculo. Seria uma infração na qual nãoestá presente o dolo, a intenção. De modo semelhante, poderia serclassificada a ausência de um documento.

Nas infrações subjetivas, ao contrário, a intenção é manifesta.Há, presente, a manifesta vontade de obter o resultado desejado, coma presença do dolo.

Na fiscalização tributária federal, quando se aplica uma multaem processo de infração objetiva comum, seu valor corresponde,atualmente, a 75% do valor da diferença encontrada. Já nas infraçõessubjetivas, a multa é qualificada ou agravada. Atualmente, seu valor éde 150% da diferença encontrada, tendo sido reduzida recentemente,pois anteriormente já chegou a ser de 300%.

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Também para o procedimento do Fiscal, a diferenciação entreinfrações objetivas e subjetivas é importante. Nas primeiras, o fiscoconstata o fato e aplica a penalidade juntamente com o auto de infração.Deste, constará o crédito tributário cobrado e a aplicação da penalidadecomum. Nestes casos, a prova produzida pelo fisco é mais simples:basta detectar e mostrar o fato. Por outro lado, a defesa do autuadotambém permanece como matéria de fato. Se há, por exemplo, umadespesa contabilizada para a qual a empresa não localiza o documentoprobatório, cobra-se a diferença, impondo a penalidade simples. Sedepois a empresa localizar o documento e o apresenta, o fato causadorda penalidade desaparece.

No caso de infração subjetiva, inverte-se o ônus da prova,que passa a ser do fisco. Isto altera completamente o processo deinvestigação. Se, no mesmo caso anterior, a empresa apresenta odocumento relativo a despesa contabilizada, cabe ao fisco o ônus deproduzir a prova de que o documento é inidôneo, se houver adesconfiança, por exemplo, de que o documento não esteja lastreandouma operação efetiva.

Nessa situação, em visita à empresa será averiguado comofoi feito o recolhimento, quais as características da operação e pode-severificar em diligência se a empresa prestadora de serviços mencionadaexiste mesmo, se realizou o trabalho, se tinha profissional empregadocompatível com o serviço, etc. Se a desconfiança se confirmar comofato, estamos diante de uma infração subjetiva consubstanciada pornota inidônea, incompatível com uma operação efetiva. Neste caso,será confeccionado um auto de infração cobrando o tributo e apenalidade agravada.

Ao mesmo tempo, surge a figura do delito fiscal ou crimefiscal, já que a conduta correspondente àquela infração subjetivacaracteriza-se do tipo penal, da área criminal. O passo seguinte é aconfecção da representação penal. Ela é endereçada à ProcuradoriaGeral da República, ao Ministério Público Federal, a quem cabe,conforme os artigos 127 e 128 da Constituição Federal, receber a notícia-crime e, caso julgue cabível, oferecer a denúncia ao Poder Judiciário.Se este julgar a denúncia procedente, será instaurado o processo penal.

Ao Fiscal competem duas tarefas importantes ao lavrar oauto e impor a penalidade agravada: lavrar o auto de infração e, aomesmo tempo, elaborar a representação penal.

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Antônio Airton Ferreira

O processo fiscal e administrativo naReceita Federal

As infrações mais comuns são: a nota calçada, a falta derecolhimento de IPI lançado, a utilização de crédito indevido de IPI paradiminuir o recolhimento, o uso de certidão negativa falsa, a falta deemissão de Nota Fiscal (tipificada como crime nas leis no 8.137/90 e8.846/94), a utilização de Nota Fiscal fria, inidôneas, etc.

Na Receita Federal, atualmente, há uma divisão de tarefas:as delegacias que fiscalizam e cobram e aquelas que julgam, emprimeira instância, as impugnações apresentadas contra os autoslavrados. Na primeira instância de julgamento administrativo, cerca de40% dos créditos tributários lançados são julgados improcedentes.Constatada uma fraude em prova apresentada, caberá, por exemplo, àDelegacia de Julgamento, oferecer a representação penal.

Esta representação tem seu rito constante do Art. 83 da Leino 9.430. de 27 de dezembro de 1996, exigindo que a representaçãopenal só deva ser encaminhada à Procuradoria após ter sidoanteriormente julgada em todas as instâncias administrativas.

Ao constatar o fato, os Auditores Fiscais fazem arepresentação penal, preenchendo o formulário apropriado. Em seguida,pedem o enquadramento penal pelo fato detectado, indicando alegislação pertinente e a descrição detalhada dos fatos caracterizadoscomo ilícitos, indicando os elementos de prova e o crédito tributáriodecorrente da infração. Este ponto é imprescindível porque os crimesfiscais são chamados de crimes de dano ou de resultado, impondo,para tipificá-lo, a existência da redução ou supressão de tributo.

Finalmente, registra-se a qualificação dos responsáveis pelosfatos detectados para, em seguida, relacionar a qualificação dastestemunhas, se as houver. Segue-se a relação dos elementoscomprobatórios, como os autos do desenvolvimento da fiscalização,as declarações colhidas, etc., com o que a representação penal estácompleta.

A representação é encaminhada à Procuradoria. Se estajulgar ter todos os elementos necessários e que o crime estácaracterizado, oferece a denúncia. A Procuradoria tem competênciapara formar juízo sobre a existência, ou não, do crime. Na Receita

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Federal, esta não é uma função do Fiscal autuante. Caso o Procuradorentenda faltarem fatos ou provas, o processo retorna à repartição deorigem para completar a investigação, inclusive, se necessário, com acolaboração da Polícia Federal.

O Fiscal diante do processo penal

Oferecida a denúncia pelo Procurador e recebida pelo Juíz,inicia-se o processo penal. Nesses casos o Fiscal autuante énormalmente chamado a depor como testemunha, o que é, sem dúvida,uma situação extremamente incômoda, pois o acusado e seu Advogadoestarão também presentes. O Juíz formula perguntas a todas as partespara formar sua convicção. As audiências e os depoimentos criamsituações constrangedoras que nem sempre deixam margem e tempopara as informações mais adequadas.

Com a exigência do Fiscal fazer, em alguns casos, arepresentação penal, sua função se ampliou. Sua tarefa de Fiscal é,em primeiro lugar, a de verificar se houve infrações fiscais, constituindo-se, inicialmente, em uma espécie de investigador criminal comlimitações, pois as provas colhidas para o processo fiscal normalmentenão são suficientes para o processo penal. No geral, é suficienteconstatar os fatos, fazer a prova, aplicar o auto contra o contribuinte,normalmente uma pessoa jurídica.

Na área penal e criminal a situação é bastante diferente. Énecessário esclarecer que o Fiscal não é, necessariamente, umespecialista em matéria de direito penal. Em segundo, não é a pessoajurídica que responde pelo crime, mas os seus responsáveis. Portanto,ao fazer a representação penal o Fiscal deve, também, localizar dequem é a autoria do delito. Por mais que se procure levantar asresponsabilidades pelos diversos setores e funções dentro da empresa,é sempre uma grande dificuldade na área técnica. Isto porque, ametodologia da fiscalização, para se constatar infrações fiscais, não ésuficiente nem adequada para identificar crimes com base em condutasprevistos no Código Penal, diferentemente daqueles previstas nas leistributárias. Esta alternativa está consignada na legislação atual que nãoexige o prévio inquérito policial para que se faça a representação,passando boa parte da investigação a ser também tarefa da fiscalização.

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Pagou, não há mais o crime

A determinação de que o processo só pode ser encaminhadoà Procuradoria após esgotar todas as instâncias administrativas, criadapelo Art. 83, da Lei no 9.430/98, criou sérios problemas. Antes destaLei, existia a “extinção da punibilidade” estabelecida na Lei no 9.249, de26 de dezembro de 1995. O curioso é que tal mudança, a de só haverrepresentação fiscal após esgotar os recursos da esfera administrativa,introduzida pela Lei no 9.430/96, não veio acompanhada de suspensãoou dilatação do prazo da prescrição penal. Só resta inverter a ordem dejulgamento dos processos, dando preferência àqueles que contenhama representação penal, sem contudo evitar a perda de agilidadeprocessual e a prescrição penal.

Tal determinação, de esgotar primeiro todas as esferasadministrativas, pode até fazer sentido: se é um crime de resultado, épreciso saber se a indicação de infração fiscal é realmente precedentepara depois fazer-se a representação. Mas o problema não foirazoavelmente definido do ponto de vista operacional.

O Art. 83 da Lei no 9.430/96 reintroduziu a extinção dapunibilidade desde que ocorra o recolhimento do débito fiscal antes dorecebimento da denúncia. Tal prerrogativa se soma à prescrição comomeio para evitar qualquer sanção relativa a infração cometida. A extinçãonão significa que não tenha havido o crime, apenas que a punição foiesquecida face o recolhimento do tributo devido.

O uso da prova emprestada

O fisco federal utiliza freqüentemente provas produzidas pelosfiscos estaduais, por exemplo, já que não é necessário repetir osmesmos procedimentos. O mesmo fazem os fiscos estaduais quandoas provas são antes levantadas pela fiscalização federal. Tenho aimpressão que a fiscalização da Receita Federal se utiliza mais dasapurações dos Fiscais estaduais do que vice-versa. Minha experiênciapessoal é de intercâmbio quase diário com colegas do fisco estadual,inclusive sem requisição, que só era feita quando a informação deveriaser incluída em processo.

Muito diferente, no entanto, é tomar apenas o auto lavradopelo fisco estadual, que constitui a conclusão do trabalho, não a prova.

Antônio Airton Ferreira

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Por isto, tomar só o auto de outra fiscalização não é suficiente paraencaminhamento do processo fiscal. As provas, porém, podem e devemser compartilhadas pelas diversas fiscalizações.

A presunção legal e o ônus da prova

A presunção é definida como um fato de conhecido,relacionado com um outro desconhecido, mas provável. Por exemplo,a presunção de omissão de receita por saldo credor de caixa. Aimportância da presunção legal reside na inversão do ônus da prova.Ela parte de uma presunção comum, que ao se transformar empresunção legal, inverte o ônus da prova. Assim, se há saldo credor decaixa, basta ao fisco constatá-lo, para que passe ao contribuinte aobrigação de provar, por exemplo, que o saldo é inexistente ou decorreude erro.

A tradição de sonegar impostos e aimpunidade

As normas que tratam da punibilidade são obedecidas pordois motivos: o receio da sanção criminal e da sanção social. Quantoao segundo motivo, encontramos uma grande diferença com relação aoutros crimes. O mais indicado certamente não seria ver o recolhimentode impostos apenas do ponto de vista da obrigação tributária, pois pagartributo é obrigação do cidadão, corresponde a sua participação nofinanciamento do Estado.

Outra questão se refere ao tipo de sanção imposta à condutailícita no campo tributário. Dependendo da nocividade da conduta, olegislador determina que a sanção fique na área fiscal com a aplicaçãode uma simples multa, ou, ao tipificá-la como crime, as do processopenal.

A Lei no 8.137, de 1990, teve origem no Governo Collor e éde difícil aplicação para sancionar crimes tributários. Isto porque, nestalei, quase tudo tipifica crime. Os efeitos de uma lei demasiado rigorosapodem ser exatamente contrários aos objetivos iniciais do legislador,pois sendo as penas muito severas, o Juíz muitas vezes decide pelaabsolvição da conduta ilícita comprovada de menor monta.

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Na mesma lei não estava prevista a extinção da punibilidademediante o recolhimento do tributo devido. Muitos defendem a suareintrodução, como ocorreu mais tarde, por serem independentes ocrime e a área fiscal. Sua grande vantagem é o estímulo ao recolhimentodo tributo. As mudanças freqüentes e tumultuadas da legislação tambémdificultam a observância das normas.

Outros impecilhos se apresentam aos Fiscais ao tentaremlevantar provas suficientes, não só para a fase fiscal, mas tambémpara a penal. Os Fiscais têm dificuldade de colher certas provas, aProcuradoria de fazer a denúncia e o Judiciário de julgar. Este, como jámencionado, tem que julgar a responsabilidade individual pelo crime, oque nem sempre o Fiscal consegue localizar em uma firma autuada.Todas essas dificuldades constituem um somatório que leva àimpunidade.

Além disto, nossas leis penais se concentram nos crimesindividuais, quando sabemos que grande parte dos crimes tributáriosenvolvem várias pessoas. Há uma incompatibilidade entre o queacontece na prática e a previsão da legislação. Atualmente, fora dosistema financeiro, que tem infrações de grupo, a legislação na áreafiscal ainda parte do pressuposto de que os crimes são individuais.Este aspecto também dificulta a sanção dos crimes tributários e abreum extraordinário espaço à impunidade.

Antônio Airton Ferreira

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A Justiça dos Ricose a dos Pobres

Expositor: Alcione Serafin SantanaDelegado de Polícia Federal

(Nota: o Delegado Alcioní Serafin Santana, autor desta palestra, foiassassinado em 27 de maio de 1998, em frente a sua casa, em SãoPaulo. As apurações policiais indicam que o crime foi praticado porvingança, em decorrência das atividades que o Dr. Alcioní vinhadesenvolvendo na Polícia Federal, daquele Estado.)

Mais importante que constatar o despreparo da Polícia ou alentidão do Judiciário, é adotar, como ponto de partida, o consenso deque não se pode construir um país envenenado pela impunidade, peladesigualdade e pela hipocrisia. Para avançar, será necessário responderperguntas como: por que o país convive tanto tempo com policiaisdespreparados e com a Justiça emperrada? Ou por que os corruptoscontinuam impunes? Vamos partir do papel da Polícia Federal nocombate aos crimes previdenciários.

As atribuições da Polícia Federal

O órgão foi criado em 1944 no governo de Getúlio Vargas,como mais um passo para federalizar o sistema nacional de governo.Posteriormente, ele foi objeto de tratamento constitucional em 1967,passando, em 1988, a compor o sistema de segurança pública nacional.Conforme o Art. 144 da Constituição vigente, a segurança pública édever do Estado, de todos e deve ser exercida para preservação daordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio públicofederal, por intermédio de vários órgãos, inclusive da Polícia Federal.

A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente,destina-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social,em detrimento de bens, serviços e interesses da União, de suasentidades autárquicas, fundacionais e empresas públicas. No próprio

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texto constitucional estão, portanto, previstas as atribuições do órgãoem relação ao chamado crime previdenciário. No inciso 4º, do artigo144, está previsto, pela primeira vez, que a Polícia Federal deve exercercom exclusividade as funções de polícia judiciárias da União.

O mencionado inciso estabelece, assim, que no caso decrime da órbita da Justiça Federal, seja comum ou especial, a atribuiçãode apurá-lo, no campo da persecução federal é da Polícia Federal, órgãoexclusivo da União com essa finalidade.

A delegacia de crimes previdenciários esuas dificuldades

A Delegacia previdenciária foi criada pela Portaria nº 325, de1994, a partir da necessidade de especializar policiais na tarefa de apurare reprimir os crimes contra a Instituição previdenciária. Na cadeia deórgãos e pessoas envolvidas nessa função estão, como sabemos, osFiscais previdenciários e na ponta final, o Juíz federal. Os órgãosfiscalizadores dependem da participação efetiva da Previdência Social,como órgão informador da persecução penal, tanto quanto o Procuradortem papel essencial para a esfera da jurisdição.

Constatada a necessidade social e criada a Delegacia, suasdificuldades estão, infelizmente, relacionadas com os problemas maisgerais do país, como a crise de poder e de autoridade bem como a faltade cidadania enquanto direito universal. Com tantos órgãos defiscalização, nenhum deles conta com a necessária autonomia querepresenta a soberania do Estado. Mais grave ainda: as leis sãoconfusas, difusas, esparsas e objetivamente elaboradas para não seremaplicadas. Há superposição de atribuições, criadas pelo legislador, semque a comunicação entre os órgãos respectivos esteja prevista ouestruturada. Muito menos ocorre, de modo satisfatório, a comunicaçãocom o fisco estadual ou com órgãos correlatos, como no caso dorecolhimento do FGTS.

Leis confusas para beneficiar sonegadores

É de tal monta a confusão de leis, portarias e atribuições nafiscalização e na repressão aos crimes previdenciários que nenhumcérebro seria capaz de concebê-la e produzí-la. Um dos exemplos maisgritantes de legislação mal feita constitui a Lei no 8.212/91 e, em especial,

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seu Art. 95. Não é à toa que os Juízes e os tribunais não chegam a umconsenso mínimo sobre sua aplicação, pois a legislação éflagrantemente falha. Como pode o legislador esquecer a sanção penal,criar tipos penais sem prever as penas respectivas? Estamos em umasituação de perplexidade. O direito só existe se contiver a sanção. Casocontrário, não passará de uma norma moral.

Outro exemplo marcante é dos chamados crimes decolarinho branco, previstos na Lei no 7.492/65. Segundo o último censodo Ministério da Justiça, há 250 mil presos no Brasil, e nenhum éconsiderado criminoso pela lei do colarinho branco. De quem é a culpa?Da polícia corrupta e despreparada, da fiscalização ineficaz, dosprocessos fiscais incorretos, dos Procuradores que não conseguemproduzir ações penais boas e bem fundamentadas ou dos Juízes quenão contam com instrumental jurídico adequado para cumprir sua funçãoconstitucional? Será que estamos em uma situação na qual todos fazemde conta que desempenham sua tarefa?

A Polícia Federal está evidentemente incluída nesse caos.Os Juízes federais conhecem os resultados do trabalho da PolíciaFederal e os Procuradores reclamam freqüentemente das imperfeiçõesde suas atividades. Veja-se o caso da Delegacia em São Paulo. Criadaem 1994, só em 1997 está prestes a se efetivar enquanto ente autônomoe especializado para atender às necessidades detectadas.

Nesta Delegacia há um grupo policial especialmente formadopara se dedicar à apuração dos crimes relacionados à PrevidênciaSocial atuando há muitos anos. Em todos os Estados, a atuação éainda desorganizada, os policiais têm que dar conta de milhares deinquéritos que funcionam como casos individuais e isolados, emborase saiba que há verdadeiras quadrilhas atuando organizadamente. CadaDelegado decide o destino de seu inquérito, sem maior interconexãocom outras delegacias. As delegacias nos Estados quase não secomunicam entre si. Resulta, em termos genéricos, num sistema venalcom poucos efeitos práticos.

A legislação e o combate aos crimesprevidenciários

A legislação mais recente - Lei no 8.212/91 - é tão imperfeitaque os tipos de crimes e de sonegação fiscal são ainda menosadequadamente indicados que na CLPS, Lei no 3.807, de 1960, que

Alcione Serafin Santana

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sequer nominava os delitos específicos mas definia claramente, emborade forma não muito técnica, padrões de crimes de sonegação fiscal,de apropriação indébita, de falsidade ideológica e de estelionato. Ostrês tipos penais previstos no Art. 95 da Lei no 8.212/91, letras “d”, ”e” e”f” são, como se sabe, equiparados aos crimes de colarinho branco e,como tais, foram concebidos e mal escritos para resultarem na nãocondenação. Excluídos esses três tipos, os demais demandam umagrande dose de interpretação para que se encontre em algum outroinstrumento legal a pena adequada.

Após trinta e cinco anos de proteção penal à PrevidênciaSocial o legislador, infelizmente, ainda não logrou produzir uma legislaçãoséria, objetiva, clara e minimamente livre de equívocos. Para ascondutas previstas nas alíneas “d”, ”e” e ”f”, o legislador tomou deempréstimo em matéria previdenciária, uma vez mais, a sançãoestabelecida para os crimes de colarinho branco. Talvez a intençãotenha sido a de aumentar sensivelmente a gravidade da sançãocorrespondente, mas a aplicação da lei específica para os crimesprevidenciários tornou-se, a partir daí, muito mais difícil.

Em artigo recente, o Juíz federal Dr. Nelson Bernardes concluique é possível punir todos os casos de crime contra a Previdência Social,para os quais a sociedade deve buscar uma sanção adequada, combase no Art. 95 da Lei no 8.212/91. Propõe, aquele magistrado, aplicar oprincípio da subsidariedade valendo-se também da Lei no 8.137/90, quetrata do mesmo tema, ou do Código Penal Brasileiro. Persistem, contudo,muitas questões em aberto, como a da extinção da punibilidade.

A apropriação indébita e o não recolhimentode contribuição previdenciária

O crime cuja tipificação, doutrina e jurisprudência são aceitaspacificamente é o de apropriação indébita. Se esta não for reconhecidana aplicação da legislação previdenciária, ter-se-á, pela primeira vezno Brasil, um crime tributário sem a antecedente fraude. Trata-se, naverdade, de uma discussão mais ampla que resvala para aspectosConstitucionais. Se a natureza do tributo é civil, ele tem algumasgarantias que a Constituição assemelha ao direito penal. Pela tradiçãoimperante no país, deixar de pagar tributo não é crime, embora esseseja cobrável pela via executiva, civil. O que caracteriza o crime tributárioé a fraude, a evasão propositada, como meio de enriquecimento ilícito

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proveniente de tributos cobrados do consumidor e não repassado aoscofres públicos.

Quando o empregador deixa de recolher contribuiçõesprevidenciárias, incorre, na minha opinião, em apropriação indébita, poisocorre um desvio de valores que não pertencem ao empregador, masao empregado, ao público em geral ou a outras figuras assemelhadas.Há quem sustente, em contraposição, que a apropriação indébita temcaracteres próprios e, por isto, foi inclusive, excluída do Art. 168 doCódigo Penal.

A discussão está longe de terminar. De todo modo, ela não émeramente bizantina, pois o posicionamento frente a ela gera absolviçãoou condenação de alguém, gera impunidade ou punibilidade. Eis asconseqüências de uma legislação que foi elaborada para não funcionar.Seria muito mais fácil repetir o conteúdo do Art. 168 do Código Penal eindicar a pena específica. Como isto não ocorreu, recorre-se a figurasretóricas, absurdas, para não se chegar a nada.

Tradição é não punir crime fiscal

Quer-se, por um lado, cobrar o tributo, mas, por outro, nãohá a tradição de punir os crimes fiscais, tributários e do colarinho branco.É muito fácil no Brasil, apoderar-se de um bilhão de dólares ou maisatravés da manipulação das chamadas contas CC-5 – contasexistentes no Banco Central, de pessoas residentes no estrangeiros eque possuem negócios no Brasil e que, por este intermédio remetem,sem qualquer limitação, dólares do Brasil para suas contas no exterior– deixando de recolher os tributos devidos. Caso o fisco consigalocalizar o sujeito ativo do delito, este simplesmente paga o tributo eestá totalmente livre no campo penal. Mas se alguém rouba uma bicicletausando uma arma de brinquedo, qualificadora do crime de roubo, comoconsta de caso sumulado no STJ, o indivíduo pode ser condenado aaté cinco anos e quatro meses de reclusão. A diferença de tratamentoé gritante. No tocante à Previdência Social, a situação é ainda maisgrave do que quando não se recolhe tributo federal, pois estamos diantede um emaranhado de normas em boa parte inaplicáveis.

Em muitos casos, tem sido acolhida a tese de que quandose permite ao empregador o recolhimento parcelado de contribuiçõesprevidenciárias descontadas do salário de seus funcionários, o delitoestaria descaracterizado, implicando em trancamento da ação penal

Alcione Serafin Santana

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por falta de justa causa, já que assim fica demonstrada a inexistênciade ânimo de transferir para si a posse do montante não recolhido.

O estabelecimento da responsabilidadepenal

A questão é tratada de modo evidentemente imperfeito doponto de vista penal no § 3º do Art. 95, da Lei no 8.212/91 – a lei decusteio da previdência. Os nossos sistemas Constitucional e jurídiconão acolhem a responsabilidade objetiva. Não basta que o legisladordefina quem é o autor de infração penal. É sempre o Juíz que define aresponsabilidade específica no fim do processo, baseando-se na efetivaparticipação e conduta de cada um. Por ser sócio-gerente de umaempresa, o indivíduo não pode ser responsabilizado penalmente. Aresponsabilidade civil se vale do instituto da responsabilidade objetiva,mas não o direito penal. Além disto, há uma grande discussão a respeitoda prisão por dívida e a confusão ficou ainda maior com uma lei federalrecente (no 9.430/96, Art. 83), cujo interesse principal seria tentararrecadar tributos e contribuições e que colaborou para dificultar apersecução criminal dos responsáveis.

A busca e a apreensão de documentos eprovas jurisprudência.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu poderes de buscae apreensão aos órgãos de fiscalização, mas isto raramente acontece.O Supremo considerou inclusive, em dezembro de 1994, em açãocontra os senhores Fernando Afonso Collor de Mello e Paulo CésarCavalcanti Farias e outros, que as empresas e os escritórios têm osresguardos constitucionais semelhantes aos concedidos à moradia,enquanto garantias individuais do cidadão. E as provas produzidas apartir de busca e apreensão, sem mandado judicial, em escritório dosdois réus mencionados, foram consideradas ilícitas. As informaçõescontidas no computador apreendido na ocasião, em diligência da ReceitaFederal, com memória apagada mas que pôde ser resgatada, cujoconteúdo tinha por senha coincidentemente a palavra Collor, foiconsiderado prova obtida por meio ilícito por não ter sido precedida demandado judicial de busca. Não se trata aqui de crítica ao PoderJudiciário, mas a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que acaba

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se constituindo em referencial de jurisprudência por ter sido proferidapela suprema corte do país.

A justiça dos ricos e a justiça dos pobresDesta forma acabamos tendo dois níveis de direito penal: o

dos pobres e o dos ricos. Se o indivíduo é rico, recorre a bancas deadvocacia poderosas que se fundamentam em doutrinas nacionais eaté alienígenas para se defender. Se pobre, ele mal conta com a ajudaadvocatícia prevista na Lei no 1.060. As conseqüências são conhecidasde todos: temos 250 mil presos, constituídos de pobres, pretos eprostitutas.

Em contraposição, de 1986 a 1995, de um total de 682 casosde crimes financeiros que transitaram na Justiça Federal de primeirograu, apenas cinco (5) resultaram em condenação. E mais: o BancoCentral do Brasil demora em média dois anos para comunicar crimesem sua órbita de fiscalização. Ressalte-se que são casos que chegama envolver bilhões de dólares. As dificuldades de atuação da fiscalizaçãoe da Polícia Federal situam-se em três planos: poder econômico,despreparo pessoal e legislação ultrapassada. Em tempos deglobalização, é urgente globalizar o direito penal e processual penal,adotando leis e práticas mais avançadas e condizentes com os últimosdesenvolvimentos na esfera financeira.

Grandes escândalos, mínima punibilidadeNenhum país está livre de corrupção e de abusos, mas o

único meio de contê-los é com a punição dos culpados. Ademocratização do Brasil deu transparência a práticas escusas, masa estupefação, a cada novo indício de desvio de conduta sem punição,poderia levar a uma atitude geral de descrédito e de resignação. Serialastimável que uma seqüência de fatos e indícios desabonadoresarrefeça a divina capacidade de indignação ética e moral da opiniãopública e que permita uma acomodação geral em prol da impunidade.Alegações de que certas revelações visam interesses políticos e que,por isto, deva-se evitar a formação de CPIs, para resguardar processosde reformas econômicas, podem reforçar a cultura do ceticismo. Sóapurações rigorosas e punições podem reduzir as chances de que osescândalos continuem a se repetir com freqüência tão grande, mascom punibilidade mínima.

Alcione Serafin Santana

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Expositor: Lúcio Leocal ColóquioProcurador Regional do INSS

O Histórico Jurídico dosCrimes Fiscais

O Direito Penal e os crimes contra aPrevidência Social

Antes de tudo, desejo deixar claro que não falo em nome daProcuradoria, pois ela é representada pelo Procurador Estadual. Faloem nome próprio, como funcionário do INSS, desde 1981. Minhaespecialidade não é na área do crime fiscal, mas a defesa do INSS nasações de benefícios, na cobrança de créditos previdenciários e naexecução de dívidas regulamentares inscritas como dívidas ativas, entreoutras. Mesmo assim, arrisco fazer algumas observações sobre oscrimes em matéria fiscal.

Toda ação de combate ao crime de sonegação encontra certadificuldade em sua caracterização. É ela que permite punir a condutacriminosa. O Prof. Basileu Garcia iniciava a conceituação do DireitoPenal com uma definição rápida do delito: é a ação humana, antijurídica,típica, culpável e punível. É uma definição que acomoda os princípiosda legalidade e da anterioridade, segundo os quais não há crime sempena e ninguém é punido quando não há crime. Este princípio vemsendo consagrado em todas as Constituições brasileiras e está tambémmantido no inciso XL, do Art. 5o, da Carta em vigor. O princípio da nãoretroatividade das leis penais, salvo quando para beneficiar o réu,também está contemplado no mesmo artigo.

São definições claras e precisas para o crime e a penarespectiva, que exigem a determinação e a descrição do agenteresponsável, dos elementos objetivos e subjetivos do crime, que é

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caracterizado não apenas pela culpa mas, principalmente, pelo dolo,salvo casos especificados na lei.

O conceito de Previdência Social se encontra integrado, demodo amplo, na denominação de Seguridade Social. Os crimes contraela foram, primeiramente, incluídos como disposições sociais no Art.155, da Lei no 3.807, de 26/08/1960, com a redação dado pelo Art. 25 doDecreto-Lei no 6.666, cujas disposições foram reproduzidas no Art. 222,incisos I a IV da então vigente Consolidação das Leis da PrevidênciaSocial (CLPS). Os mesmos dispositivos foram regulamentados, emsegunda versão, pelo Decreto no 89.312, no qual cada figura ou condutadelituosa, prevista no Art. 222 da CLPS, foi tipificada em termos defiguras legais preexistentes, tais como a sonegação fiscal prevista noArt. 1º, da Lei no 4.729, de 14/07/65, com pena de reclusão de 2 a 6anos acrescida de multa.

A conduta definida como apropriação indébita, por exemplo,está tipificada no inciso I, letras “a” a “c” do mesmo artigo,correspondendo ao Art. 168 do Código Penal, com pena de reclusãoprevista de 2 a 4 anos de detenção e multa. A falsidade ideológica,prevista no Art. 299 do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5anos, em caso de documento público, e de 3 anos em caso dedocumento particular. Na CLPS está contida nas condutas previstasnas letras “a” a “c” do inciso III, do Art. 155, da Lei no 3.807/60 e no Art.222 da CLPS.

Já o estelionato está previsto no inciso IV, letras “a” a “c” doArt. 171, do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa.

Assim, mesmo após a edição da Lei no 3.807/60 e do Art.222 da CLPS, não se podia falar ainda em crimes previdenciáriospropriamente ditos, pois se buscava em outras figuras jurídicaspreexistentes à semelhança delituosa para punir condutas consideradascriminosas contra o patrimônio e os interesses da Previdência Social.

Após a promulgação da Constituição de 1988, era evidenteque os Arts. 201 e 202 careciam de regulamentação para sua vigênciaplena. Esta só se concretizou nas Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24de julho de 1991, e seus regulamentos, que dispõem sobre os novosplanos de custeio e de benefícios da Previdência Social.

A partir daí, os crimes ou delitos previdenciários passaram ater tipificação no Art. 95 da Lei no 8.212/91. Nele, não se faz maisreferência a delitos previstos no Código Penal, como sonegação fiscal,

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apropriação indébita, falsidade ideológica ou estelionato. Agora, passaa constituir crime uma série de condutas específicas para a PrevidênciaSocial, tais como: deixar de incluir na folha de pagamento seguradosou empresários, trabalhadores avulsos ou autônomos que lhe prestemserviços; deixar de lançar mensalmente gastos com trabalhadores;omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos (forma semelhanteà sonegação fiscal); não repassar aos cofres da Previdência Socialcontribuições previdenciárias descontadas do empregado segurado oudo público (o que caracterizaria o crime de apropriação indébita se nãofosse a não previsão de pena nesta lei, o que força a fiscalização e aJustiça a ir buscá-la na Lei no 7.492/86).

Cada um destes delitos está tipificado em alíneas específicasda Lei no 8.212/91. A lista de crimes segue nas alíneas ”g”, “h” e “i”, quecontemplam figuras correspondentes às antigas cominações defalsidade ideológica ou documental. E a alínea “j” volta a contemplar ocrime de estelionato, embora sem mencioná-lo.

A questão da cominação da pena

No § 1o, do Art. 95, figura o seguinte: no caso dos crimescaracterizados nas alíneas “d”, “e”, e “f”, infere-se que apenas nessas,a pena será estabelecida no Art. 5º, da Lei no 7.492, de 16 de junho de1986, aplicando-se as disposições constantes do Arts. 26, 27, 30, 31 e33, do mesmo diploma legal. Trata-se da lei que define os crimes contrao Sistema Financeiro, a chamada Lei do Colarinho Branco, com penasde reclusão de 2 a 6 anos e multa.

Os artigos da Lei contra os Crimes do Sistema Financeiro,referidos na Lei no 8.212/91 dizem respeito ao procedimento penal,determinando que a ação é pública, que depende de promoção doMinistério Público Federal e, caso este não o faça, a vítima e/ou arepartição respectiva podem fazê-lo em caráter subsidiário ou indicandoum órgão que o faça.

O § 3º da mesma “Lei do Colarinho Branco” determinaexatamente, e de forma clara, quais os dirigentes que são pessoalmenteresponsáveis pelos crimes catalogados ou caracterizados nas alíneas“a” a “j” do Art. 95, da Lei no 8212/91: o titular da firma individual, ossócios solidários, os gerentes, diretores ou administradores queparticipem ou tenham participado da gestão da empresa beneficiada,assim como o segurado que tenha obtido vantagem.

Lúcio Leocal Colóquio

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Sabemos, no entanto, que há lacunas nas normas e naalternativa de utilizar dispositivos aplicáveis por subsidiaridade. Épossível que em ação na qual é necessária a intervenção do MinistérioPúblico, o Procurador da República interfira questionando, conforme ocaso, se a autoridade pode ser coatora ou se seus atos foram lesivos.

As prerrogativas da fiscalização e aslacunas legais

O § 4º, do mesmo Art. 95, da Lei nº 8.212/91 confere àfiscalização toda uma gama de prerrogativas e as especifica, porexemplo, quando a onde buscar na contabilidade da empresa acomprovação ou a caracterização dos delitos previstos no mesmo artigo.Mas, como sabemos, apenas os descritos nas letras “d” a “f” têm penafixada. Os demais devem ser apenados, conforme a determinaçãocitada do Art. 1º, seguindo o que determina a Art. 4º da “Lei do ColarinhoBranco”. As autoridades competentes têm adotado a tese, diante dessalacuna, de que essa lei, em conjunto com a Lei nº 4.729/65 (sobre asonegação fiscal). As próprias figuras contidas no Código Penal, Arts.168, 161 e 299 caracterizam os crimes e definem perfeitamente aspenas. Deste modo, tem sido possível a punição de crimes contra opatrimônio previdenciário que, em si, pertence aos segurados edependentes.

Há uma famosa decisão de um Juíz Federal de Campinas,Dr. Nelson Bernardes de Sousa, que conclui que, mesmo sem a Lei nº8.212/91, todas as condutas delituosas contra a Previdência Social jáestariam contempladas em outros diplomas legislativos, com base nosquais poderiam ser julgadas e punidas.

Caberia aos poderes próprios da República, e com muitarapidez, suprir as lacunas legais existentes, para dirimir todas as dúvidasainda remanescentes sobre as figuras delituosas de interesse daSeguridade Social e as respectivas sanções e penalidades.

Em primeiro lugar, carece de reformulação a forma deprocedimento fiscal definida na Instrução de Serviço 008, para apurar aocorrência e as responsabilidades previstas nas letras “d” e “f” da Leiespecífica da Seguridade Social. Assim, será possível definir uma normaprópria para o delito previsto na letra “e” da mesma lei (referente adespesa contábil repassada ao custo do produto). Os demais delitos

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previstos nas alíneas “a”, “b”, “c”, “g”, “h”, “i”, “j”, necessitam tambémde normas internas, para que os Fiscais previdenciários as apurem etrabalhem no sentido de encaminhar para a Procuradoria as peçasnecessárias à representação por parte do Ministério Público.

No tocante à arrecadação e à execução fiscal, a fiscalizaçãodeve pesquisar sempre qual é o patrimônio dos responsáveis quepermita pagar os débitos para com a Previdência. Nos casos em quenão se encontre patrimônio suficiente, seria oportuno introduzir umaação de depósito do valor devido. Este tipo de ação apresenta um efeitode demonstração e atemorização nada desprezível para outrospossíveis sonegadores.

O papel do Fiscal previdenciário

Não cabe diretamente ao Fiscal de ContribuiçõesPrevidenciárias promover, ele mesmo, a representação ao MinistérioPúblico Federal com vistas à ação penal. Há outra ordem de serviço - aOS no 008/92 - assinada em conjunto pela Diretoria de Arrecadação eFiscalização – DAF, e pela Procuradoria Geral, que estabelece, emresumo, o seguinte procedimento: o Fiscal previdenciário vai à empresa,fiscaliza, pesquisa, investiga, constata a ocorrência que de fato julgaser um delito e que pode se enquadrar, por exemplo, nas circunstânciasprevistas na alínea “d” e na alínea “f” do Art. 95, quanto à apropriaçãoindébita .

Por mais que o delito esteja descrito e tenha pena previstana “Lei do Colarinho Branco”, com todas as combinações acessórias,não cabe ao Fiscal afirmar que o delito estaria perfeitamentecaracterizado. Sua função é a de expor os fatos apurados e comunicaras provas que colheu quanto à conduta delituosa. A notificação éencaminhada ao chefe superior, ao supervisor. Deste, segue para aProcuradoria, onde os Procuradores, versados em direito, especificamos crimes e denunciam o fato criminoso. Recomenda-se, enfaticamente,que o processo, até para a preservação do Fiscal, seja remetido àProcuradoria para ser analisado quanto ao fato em si e quanto aosdocumentos apresentados para receber a representação deste setortécnico que será encaminhada ao Ministério Público Federal.

Se o Procurador se omite e não produz a representação,embora o devesse fazer, o fato deve ser denunciado, pois poderá estarincorrendo em prevaricação.

Lúcio Leocal Colóquio

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Expositor: Francisco Dias TeixeiraProcurador da República

A Punibilidade Penalna Lei nº 8.212/91

A grande dificuldade do Ministério Público é efetivamentetentar enquadrar os fatos num tipo penal, porque existem inúmeras leis,sobre as quais não se chegou a um acordo de como interpretá-las.Nem no Ministério Público, nem entre os Juízes de segunda instância,nem tampouco nos tribunais superiores.

Tentarei montar um quadro, de ordem teórica e técnica, sobrea legislação atualmente existente. Para tal é necessário percorrer umleque enorme de leis.

Minha exposição estará, por isto, dividida em três partes: umbreve histórico da legislação sobre o assunto; a lei vigente e seusproblemas; e por fim condutas criminosas que poderiam eventualmentese relacionar com a questão tributária mas que não constituem crimefiscal, que se denomina crime de descaminho.

A legislação brasileira sobre a contribuiçãoà Previdência Social

Desde 1937, o Decreto-lei no 65, em seu Art. 5o, já dispunha:“empregador que retiver as contribuições recolhidas de seusempregados e não as recolher na época própria, incorrerá nas penasdo Art. 331, no 2, da Consolidação das Leis Penais, sem prejuízo dasdemais sanções estabelecidas nesse Decreto-lei”. A questão sobre sese trata ou não de apropriação indébita continua controversa, mas, comose observa, o ilícito já era conhecido e foi descrito há muito tempo. Istoem uma época anterior ao próprio Código Penal. A figura jurídica jáentão era equiparada à apropriação indébita.

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Prefiro denominar a conduta mencionada como “apropriaçãoindevida de tributo ou de contribuição social”, uma figura diferente daapropriação indébita prevista no Código Penal.

Em 1960, a Lei no 3.807, que dispunha sobre a PrevidênciaSocial, em seu Art. 86, também previu a conduta, sem equipará-la àapropriação indébita, mas caracterizando-a como crime. Em 1966, oArt. 155 da mesma lei foi alterado, de tal modo que na própria PrevidênciaSocial os atos lesivos a ela receberam um tratamento mais geral eabrangente, além de ocorrer uma caracterização mais específica dosvários tipos de conduta. O legislador aplicou a técnica de equipararfatos e condutas relativos à Previdência Social a tipos de crimesprevistos no Código Penal, como a sonegação fiscal, a falsidadeideológica, o estelionato e a apropriação indébita. De certa forma, essasituação perdura até hoje.

Os elementos deste tipo de crime estão descritos desde1986, quando a Lei no 7.429 previu os crimes fiscais de maneira geral.

Extinção da punibilidade mediante orecolhimento do tributo

Após 1966, sucederam-se inúmeros decretos-lei e leisregulamentando setorialmente a questão, em especial quanto à extinçãoda punibilidade mediante o recolhimento do tributo, que também seguecontroversa.

O tumulto oriundo da profusão de documentos legais foi, emboa parte, sanado com a promulgação da Lei no 8.137, de 1990, quetrata dos crimes contra a ordem tributária. Já sua própria denominaçãodenota seu propósito abrangente, definindo as várias figuras de delitorelacionadas a essa esfera, como a sonegação fiscal ou de tributo, aapropriação indevida de tributo, o crime funcional, a corrupçãorelacionada com a atividade de arrecadação, entre outras. A questãoda extinção da punibilidade também recebeu solução provisória: o Art.14 da lei previa a extinção para qualquer crime contra a ordem tributária,caso o recolhimento ocorresse antes do recebimento da denúncia. Aíestariam, portanto, incluídas a sonegação de tributo, a apropriação detributo e inclusive o crime funcional, o que era absurdo.

De certo modo, a lei de 1990 significou uma sistematizaçãoda questão, revogando todas as disposições anteriores e definindo mais

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Francisco Dias Teixeira

claramente os temas controversos. O seu primeiro artigo descreve ocrime de sonegação de tributo e o artigo seguinte prevê , entre outrosaspectos, o crime de apropriação indevida de tributo ou de contribuiçãosocial.

Os três ilícitos básicos relacionados àPrevidência Social

Lembremos que há três ilícitos básicos contra a PrevidênciaSocial relacionados ao não recolhimento de contribuições: 1º) - o simplesnão recolhimento; 2º) - o não recolhimento mediante fraude e 3º) - onão recolhimento ao órgão arrecadador do que foi retido do contribuinte,pelo empregador.

Não recolher um tributo, uma contribuição, enfim, éclaramente um ilícito civil, tributário. O meio coercitivo contra o infratoré a execução fiscal, com a série de conseqüências previstas nalegislação previdenciária, que é de conhecimento geral.

O não recolhimento passa da figura de inadimplência simplespara crime fiscal se for utilizada qualquer tipo de fraude, por exemplo,tendente a encobrir o fato gerador. Este crime está previsto no Art. 1º,da Lei nº 8.137/90. Tanto a fraude como qualquer outro tipo de ilícitomencionado constituem ilícito penal.

O não recolhimento, no prazo legal, de tributo arrecadado docontribuinte, aos cofres públicos, também constitui crime, mesmo quenão haja fraude. Assim reza a lei. Esta determinação tem importantesconseqüências, inclusive no tocante à extinção da punibilidade, comose verá mais adiante.

Vejamos, em detalhe, os dois tipos de ilícitos penaismencionados na legislação: a sonegação de tributo (o não recolhimentomediante fraude) e a apropriação indevida de tributo ou de contribuiçãosocial (a contribuição descontada do empregado, retida pelo empregadore não recolhida nos prazos legais).

A Lei nº 8.137/90

A Lei nº 8.137/90, em seu Art. 1º e incisos respectivos, previaa sonegação de tributo de várias formas: o não recolhimento do tributomediante declaração falsa, alteração de livro, omissão de informação,

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entre outros (inciso I) e no inciso II, previa o não recolhimento de tributoou contribuição social arrecadados dos segurados e do público em geral.Ambos os incisos se referiam, portanto, à sonegação de tributosmediante fraude, objeto do Art. 1º.

Já o Art. 2o se referia ao não recolhimento na época devidado imposto arrecadado de terceiro. Resumindo: no Art. 1o estavamprevistas as condutas com fraude, independente de serem ascontribuições devidas pela própria pessoa ou arrecadadas de terceiro.

Segundo esta interpretação, as hipóteses de o empregadorreter a contribuição previdenciária do empregado e não recolher no prazolegal, valendo-se de fraude (para demonstrar que não reteve) ou dolo,determinavam qual artigo devia ser aplicado. As sanções eramevidentemente diferentes para cada caso.

A Lei nº 8.212/91Conforme sabemos, em julho de 1991 foi editada nova lei da

Seguridade Social que revogou as anteriores que tratavam do mesmotema. De modo semelhante à anterior, também a Lei no 8.212/91 previuas condutas que constituem crime e as elencou no famoso Art. 95. Assuas primeiras quatro alíneas referem-se claramente à sonegação fiscal.Nota-se que o legislador optou por retirar o crime de sonegação fiscalcontra a Previdência Social, diluindo-o nas mencionadas alíneas.

As alíneas seguintes - “d”, ”e” e “f” - apresentam um conteúdoassemelhado à apropriação indébita ou apropriação indevida de tributo.As seguintes - “g” e “h” - têm o conteúdo de falsidade ideológica e asduas últimas - “i” e “j” – de falsidade documental e de estelionato. Todasas condutas ali listadas foram declaradas crime.

O § 1o do mesmo artigo determinou que para os casosprevistos nas alíneas “d”, “e”, e “f” a pena seria a da Lei no 7.492/86, quetrata dos crimes financeiros. As condutas criminosas previstas nasdemais alíneas não tiveram penas previstas, o que abre um grandecampo para uma razoável dúvida sobre a vontade de punir. Pode-seperfeitamente sustentar que uma norma pretensamente penal que nãoprevê pena não é norma penal. Se foi ali novamente qualificada comocrime há que se buscar a pena correspondente a cada condutacriminosa onde também é prevista como crime e com a penacorrespondente: no Código Penal e na Lei no 8.137/90.

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A omissão da pena na Lei nº 8.212/91Aqui é irrelevante discutir se a omissão da pena foi proposital

ou constituiu apenas equívoco, ou ainda se a omissão foi politicamentedeterminada. A Lei nº 8.212/91 incluiu apenas uma excepcionalidadeao indicar que as penas previstas em algumas alíneas seriam asmesmas da Lei nº 7.492/86.

Sustento que, como parte de lei organizadora da PrevidênciaSocial, o citado Art. 95 tem uma finalidade puramente didática. Comexceção das excepcionalidades relacionadas às penas previstas emoutra lei, a Lei nº 8.212/91 não criou os crimes mencionados porquefalta, expressamente, a menção de qual pena deve ser aplicada. Assimsendo, a criação do crime continua sendo a da lei vigente anteriormente,a Lei nº 8.137/90 (Art. 2º, inciso II) e o Código Penal. A nova lei apenasrepete quais as condutas que constituem crime e a função do § 1º foiapenas a de excepcionalizar os casos aos quais caberia a aplicaçãode outra lei que não a específica da Previdência Social. Para os demaiscasos, seguiria vigente a legislação anterior. Assim, não haveriammaiores problemas de interpretação.

Resumindo a questão referente à apropriação indevida decontribuição social: é crime previsto na Lei nº 8.212/91. Apropriaçãoindevida de contribuição social é crime previsto na Lei nº 8.212/91 (alíneas“d”, “e” e “f”), como as demais condutas criminosas listadas, só querecebe uma pena igual à prevista na Lei nº 7.492/86. A prática criminosade sonegação de imposto, ou seja, o não recolhimento de impostomediante utilização de fraude, quer se refira aos tributos arrecadadospela Receita Federal, quer pelos outros entes políticos, como Estadose Municípios, também constitui crime, como rezam as alíneascorrespondentes mas sua caracterização enquanto crime, com asrespectivas penas, segue sendo a da lei anterior, a de nº 8.137/90,disciplinados no seu Art. 1º em seus vários incisos. De modo semelhantecontinua em vigência o Art. 2º, inciso II, da mesma lei, no tocante àapropriação indevida de contribuição social ou de outro tributo, apenassua pena deve ser agravada, razão pela qual se aplicam as penasprevistas em outro documento legal mais severo.

A extinção da punibilidade dos crimesfiscais

Francisco Dias Teixeira

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Esta interpretação, em princípio, seria bastante fácil se nãotivesse sido revogada, em 1991, a extinção da punibilidade e novamenterestabelecida em 1995, pela Lei nº 9.249, Art. 34, mediante orecolhimento de tributo. De modo muito claro, é possível ao próprioagente da ilicitude, pelo simples pagamento, extinguir a punibilidade doscrimes previstos na Lei nº 8.137/90 e na Lei nº 4.729/65. Como estaúltima estava de fato totalmente revogada, o conteúdo do Art. 34 citadorefere-se à extinção da punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, caso o contribuinte pague o imposto ou a contribuição social antesdo recebimento da denúncia.

No entanto, praticamente não há dúvida de que a retençãoindevida da contribuição da Previdência Social não está prevista na Leinº 8.137/90, mas de forma clara apenas na Lei nº 8.212/91. Se extinguea punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, no caso de ocontribuinte recolher o imposto até a denúncia. O mesmo se aplicariapara os casos previstos na Lei nº 8.212/91, desde que se aceite o princípioconstitucional da isonomia da contribuição social com os demaistributos, em uma construção muito mais legislativa que propriamentejurisprudencial.

Ressalte-se que essa isonomia, na prática, desde 1937 nuncaexistiu, pois, por exemplo, as penas aplicáveis à sonegação ou àapropriação indevida de tributos federais e da contribuição à PrevidênciaSocial sempre foram diferentes. Se agora se levanta a isonomia nocaso da extinção da punibilidade mediante o recolhimento, incluindotodos os encargos devidos, a razão não parece nada clara.

A representação fiscal

A Lei no 9.430/96 prescreve, como se sabe, que arepresentação fiscal só poderá ser encaminhada apenas após prolatadaa decisão final administrativa, com trânsito em julgado. Interpretada demodo rígido, esta determinação implicaria que, enquanto o processoestiver sendo examinado ou discutido na esfera administrativa, não sepode sequer questionar, judicialmente, sobre a existência do crime. Istoinviabiliza qualquer execução de uma condenação, pois sabe-se que,na condenação e na execução, normalmente se reduz, a grande maioriados casos, à pena mínima. Acrescente-se ainda que, neste caso, apena mínima prescreve retroativamente. Se assim for, é melhor voltarlogo à situação anterior a 1965, quando sonegar tributo não era crime.

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O Ministério Público entende que esse dispositivo da lei éinconstitucional, pois implica vincular e submeter a função institucionaldo Ministério Público - promover a ação penal – bem como a do próprioPoder Judiciário – de julgar as ações penais - à existência da decisãoadministrativa. Argüida sua inconstitucionalidade, o Supremo TribunalFederal indeferiu liminar porque deu interpretação diversa: o dispositivose refere à própria esfera administrativa, permitindo-a encaminhar arepresentação somente após a decisão administrativa com trânsito emjulgado. Mas não impede, em absoluto, que o Ministério Público exerciteplenamente suas funções institucionais, previstas no Art. 128 do CódigoPenal, promovendo a representação criminal, nem inibe o Juiz de recebera representação do Ministério Público e, uma vez demonstrado o crime,prolate a sentença condenatória.

Esta foi a decisão do Supremo Tribunal, que teve por objetivoresguardar a constitucionalidade desse dispositivo legal. Porém, nasprimeira e segunda instâncias, em São Paulo, de forma quase unânime,a interpretação tem adotado decisão de que os processos penais emandamento, com recurso administrativo pendente devem sersuspensos ou extintos, aguardando o trâmite final da esferaadministrativa.

O estado caótico da legislação e suasconseqüências

Os exemplos mencionados já são suficientes para mostrarquão caótica é a legislação concernente à contribuição à PrevidênciaSocial, que reflete uma grande indecisão política ao reprovar condutasilícitas. A situação legal se inverte freqüentemente. A sonegação fiscalé crime em uma época, em outra não. A punibilidade se extingue e logoapós deixa de se extinguir. É verdade também que não se pode ficartodo o tempo criticando a legislação. Os comentários anteriores indicamque é possível uma interpretação puramente técnica, nos limites dosinstrumentais jurídicos, doutrinários e hermenêuticos, que permita salvaro essencial da lei e aplicá-la no sentido de coibir as condutas ilícitas ecriminosas.

Tanto o Ministério Público quanto a Magistratura devem fazeruma severa crítica a sua própria atuação no Brasil, no tocante à questãopenal. O fato de não termos ninguém condenado por “crime de colarinho

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branco” não se deve só a falhas na ação da polícia ou da fiscalização.São preocupantes a maneira como as provas desses crimes têm sidoanalisadas e as construções jurisprudenciais aceitas por parte doMinistério Público e pela Magistratura.

O papel do Ministério Público no processo de ação penal écentral, pois a ele cabe fazer a denúncia, sem a qual não há condenação.Ele é o titular da ação penal. Se ele decidir pelo arquivamento do inquérito,não há processo.

Nos processos concernentes a crimes financeiros, há umadificuldade intrínseca de encontrar provas semelhantes às de crimesviolentos contra pessoa. Lembremo-nos que o indício pelo Código Penalé prova, desde que considerada suficiente. Não é necessário semprealiar provas a indícios. Em crimes de fraude, quando a prova é bemfeita, não há outra possível que não a indiciaria. Por exemplo, se oindivíduo não assinou ele mesmo o cheque que serviria de prova, comoesperar encontrar a prova acabada? Nesses casos, temos que buscarindícios suficientes que sirvam como prova.

A omissão de representação por parte dosFiscais

A norma do Código Penal é genérica e diz que qualquerpessoa pode comunicar o fato criminoso. O funcionário deve fazê-lo,conforme está previsto no estatuto. Em geral, a autoridade a se dirigir éo Ministério Público ou a Policia.

A forma de fazê-lo depende em parte das normas própriasde cada órgão de fiscalização. Não há uma norma geral. Na minhaopinião, o procedimento deve seguir o que prescreve o Código Penal,ao qual estão subordinadas todas as regras e atribuições de cada órgãofiscalizador para fazer a representação, mesmo que estas estejamprevistas em decreto ou outra regulamentação menor.

Há, portanto, a obrigatoriedade de comunicar o fato criminoso,objeto de ação penal pública, também no caso de crime fiscal. Deimediato, deve-se sempre comunicar o fato, seja de grande ou pequenamonta ao superior hierárquico, conforme lei recente em vigor. Em casode omissão deste, em princípio não há nada mais obrigatoriamente acomunicar. Mas se a omissão começa a colocar em dúvida a própria

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credibilidade dos órgãos, o funcionário está absolutamente legitimadopara se dirigir ao Ministério Público. Do ponto de vista do Código Penal,ele não terá feito mais que sua obrigação. E qualquer conseqüência deordem puramente funcional e administrativa é também improcedente,caso o funcionário comunique o fato criminoso ao Ministério Público,desde que antes já o tenha feito ao superior imediato.

A prova em Juízo

A representação do Fiscal quando bem instruída cumpreapenas um ritual na Justiça, do mesmo modo que a denúncia doMinistério Público. Ao Juiz caberá, então, julgar com base nos elementosjuntados à denúncia.

As provas são produzidas com o intuito de condenar o atoilícito e compete à defesa desfazê-las. Há uma tese muito difundida deque só têm validade as provas colhidas em Juízo, por exemplo, quandocolegas arrolam testemunho. Ela tem sido também interpretadadesconsiderando todo o acervo de prova, incluindo a pericial, por nãoter sido produzida em Juízo. Ora, quando o Fiscal arrola, com fé detestemunha, judicializa-se a prova, juntamente com seu depoimento etodo o acervo de documentos produzidos por ele. Essa judicializaçãotem, em princípio, fundamento suficiente para o julgamento. O advogadode defesa poderá citar inúmeros casos de jurisprudência anterior emque a sentença foi de absolvição por apresentação de provas nãoproduzidas em Juízo. E, mesmo que o Juíz e o Procurador não aceitemtal linha de interpretação, o tribunal pode acolhê-la.

O controle externo do Judiciário

Mesmo sendo um tema polêmico e fora do tema desteSeminário, não me furto a um posicionamento: sou favorável ao controleexterno do Judiciário, inclusive do Ministério Público. E também soufavorável à súmula vinculante.

Duas ponderações me parecem, neste sentido, necessárias.

O controle externo sobre o Judiciário, inclusive do MinistérioPúblico, no tocante à gestão administrativa propriamente dita, relativa àsua função institucional, além de sua função jurisdicional, não podeexistir porque, pela Constituição, eles constituem órgãos que gozam

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de autonomia administrativa e financeira, equiparados ao executivo eao legislativo. Penso que se deveria introduzir outros mecanismos decontrole da gestão administrativa e financeira, pois os controlesexistentes são insuficientes.

Argumenta-se que o Tribunal de Contas fiscaliza essasinstituições, assim como o Judiciário e o Ministério Público podem sere são fiscalizados no decorrer do processo. O argumento, no entanto,só é válido para sua função jurisdicional e, por isso, está desfocado daquestão posta. Quanto às questões administrativa e financeira dessasinstituições, não contamos com controle interno eficaz, seja por partedo Ministério Público seja por parte da população. Ao contrário do controleexercido pela opinião pública, pela crítica, pelo questionamento e pelainvestigação por parte da população, pelos meios de comunicação, pelarenovação dos mandatos no Executivo e no Legislativo, os cargos noJudiciário são vitalícios. Por isto, não há dúvidas de que devemosencontrar outras formas de controle da gestão administrativa e financeiratanto no Judiciário quanto no Ministério Público, com a importanteressalva do respeito intocável à autonomia do seu exercício institucional.

A súmula vinculante

Eis outra questão extremamente polêmica. Em princípio,estou convencido que não há como solucionar o congestionamento,nas várias instâncias jurídicas, nos próximos 50 ou 100 anos, sem algumtipo de mecanismo de vinculação quanto às decisões absolutamenteconsolidadas. A súmula não deveria ser prevista no regimento doSupremo Tribunal ou de alguma outra instância, mas no plano dadisciplina legal, sob a forma de consolidação de entendimentos emdeterminada matéria que vincule Juízes e Tribunais.

Três são os argumentos básicos favoráveis: (1) não há, comodito acima, outro modo de equacionar o problema do congestionamentoprocessual da Justiça; (2) sendo estabelecida de forma criteriosa, asúmula vinculante ainda deixa ampla possibilidade a um Juiz de exercitara sua convicção. Ele irá apenas ter mais meios para impedir recursosabsolutamente protelatórios; (3) a súmula vinculante dá maiscredibilidade ao Judiciário, na medida em que torna mais eficazes erápidas suas decisões.

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Os crimes Fiscaise a Punbilidade

Expositor: Fábio PietroJuiz Federal

Agradeço, de início, o convite que as associações ANFIP eAPAFISP, organizadoras deste Seminário, fizeram ao Tribunal Federaldessa Região e a confiança que em mim depositou o presidente daCorte, Dr. Juíz Jorge Cartesini, ao me indicar para aqui falar sobre otema do ponto de vista do Tribunal. Aproveito para mencionar que estãoaqui presentes mais dois outros Juízes federais: Fausto Martins Santi eTori Yamamoto.

As leis sobre a contribuição à PrevidênciaSocial

A minha análise é completamente diferente das demais aquiexpostas. Considero essas leis não ultrapassadas, mas atualíssimas.Não são confusas, mas sim obra de pessoas que têm senso deestratégia e de lógica muito bem ordenada. Entendo que essas leis nãofazem pouco caso dos interesses que elas vieram resguardar erepresentar. Ao contrário, elas fazem muito caso desses interesses.

Vou tentar defender o mesmo que os meus colegas que aquiexpuseram, mas apenas no campo das intenções. Por isso, minhaanálise será totalmente diversa da que eles fizeram, tentando seguirum plano lógico de exposição, de acordo com o título que me deram: Oprocesso de cobrança e o crime fiscal.

A idéia de processo é de continuidade. O processo é umconjunto de atos ordenados e coordenados, destinados a alcançardeterminado fim. Assim, é também no processo de cobrança eespecificamente relacionado ao tema geral da sonegação fiscal.

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A formação do Estado brasileiro

O Estado brasileiro tem uma particularidade que o diferenciadesde sua criação e segue diferenciando dos países ditos civilizados:aqui, no Brasil, o Estado nasceu aqui antes da sociedade. O Estadochegou pelo canhão do colonizador. As naus portuguesas trouxeram oEstado, a aduana, a Coroa Portuguesa. Nos Estados Unidos, porexemplo, onde funciona hoje um sistema de repressão à fraude muitoeficiente, o processo foi exatamente o inverso.

Os grupos religiosos que deixaram a Inglaterra e se dirigiramaos Estados Unidos primeiro criaram a sociedade americana ou assuas bases. Quando fortalecidos, fundaram o Estado Americano,declararam a independência e expulsaram os colonizadores. Eis umadiferença de suma importância.

Quando um cidadão brasileiro faz hoje um comentáriogenérico, depreciativo e negativo, relacionado a qualquer tipo defiscalização deste país, causa-nos uma impressão negativa. Talvez umaanálise mais profunda deste tipo de comentário genérico, que nãodiferencia o Fiscal desonesto do honesto, seja de que ramo for, nosfaça ver alguma coisa de positivo. Porque o sentimento mais comumentre os brasileiros, desde a luta pela independência, era contrário nãosó aos Fiscais mas a toda autoridade representante da Coroaportuguesa, inclusive os Juízes, os Procuradores, os cobradores doRei e outras autoridades. Eles representavam o colonizador, oriundodo estrangeiro, que vinham buscar a riqueza brasileira, em posiçãocontrária a das pessoas que viviam no Brasil. Aqui, ao contrário deoutros países como os Estados Unidos, o povo não preza as suasautoridades porque não as encara como seus representantes. Isto nãoacontece por acaso. Há um fundamento histórico que muito bem oexplica.

Esta posição genérica contra todo tipo de autoridade atingetambém o Parlamento brasileiro, na minha opinião o poder maisimportante do país. Como vêm, sendo Juíz não sigo a tendência tãocomum entre os colegas de mitificar a sua própria função social, poisnão considero o Judiciário o poder mais importante, mas o legislativo.

Temos, portanto, uma dificuldade cultural, política e históricade encarar a transferência de renda do cidadão ou das empresas aquiestabelecidas para a autoridade arrecadadora, que, por muito tempo,

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Fábio Pietro

era estrangeira. Durante séculos, arrecadar tributos significava saqueara riqueza do país. Assim, para aprofundar a cidadania é importante queas pessoas tenham consciência do processo de formação do Estadobrasileiro, para estar em condições de construir neste país o que já foialcançado em tantos outros.

O crime fiscal

A legislação de combate à fraude e à sonegação brasileiranão é obra do acaso, nem sem lógica, muito menos ultrapassada. Elatrata de um tipo de delito no qual predomina o agente do interesseeconômico. Ela não é obra de algum deputado inculto ou despreparado.Ao contrário. É obra de pessoas com muito domínio de estratégia política,com amplo conhecimento dos verdadeiros interesses da produção eda prestação de serviços e de todos os interesses econômicos,estratégicos e relevantes, em nossa sociedade.

Se não há punição no país, não é por falta de leis, já que astemos em grande quantidade. Há o Código Penal, no qual estão previstosmuitas das fraudes e dos ilícitos que os Fiscais encontram em suaatividade. Além disto, há uma lei penal tributária geral - a Lei no 8.137,de 1990, com a especificidade de tratar a matéria tributária. Há aindauma terceira lei - a de no 8.212/91, com seu Art. 95, que prevê ascondutas ilícitas e criminosas no âmbito da Previdência Social.

As interpretações do Art. 95 da Lei nº 8.212/91

Como sabemos, no citado artigo há uma norma penal e nocaso de três incisos há além da descrição do preceito – tecnicamente,a descrição da conduta criminosa - a previsão da sanção penal. Estessão os dois elementos que caracterizam um tipo penal: o preceito e apena correspondente.

Causa-me espécie que alguns Juízes, alguns membros doMinistério Público e alguns Delegados da Polícia Federal se declaremperplexos, ao duvidar de que onde há um preceito criminal, mesmosem a correspondente sanção penal, haja a afirmação da existência deum tipo penal. É evidente que nos incisos mencionados não há adescrição completa de tipos penais, pois ali não se fez a previsão dapena. Mas a existência do tipo penal está claramente descrita e, se a

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pena não estiver prescrita na legislação, ela deve ser buscada,tecnicamente, em outro documento legal.

De fato, há normas em abundância, para qualificar toda equalquer conduta. Mas há também um processo de guerra, de lutapolítica, histórica, entre os que entendem que saquear o país, corromperautoridades, degradar instituições, não cumprir a lei, são direitosseculares dos que chegaram ao Brasil em nome dos interessescoloniais. Por outro lado, há os que entendem que até mesmo osinteresses coloniais devem ser respeitados. Mas também nós, osbrasileiros, temos o direito de construir um país, com autoridadespróprias, gozando de um mínimo de respeito, com o direito de aplicar alei, inclusive condenando qualquer funcionário ou autoridade que seenvolva com métodos de corrupção. É dentro deste contexto que temosque compreender certas interpretações e decisões absurdas,esdrúxulas, carentes de lógica, no âmbito da magistratura, do MinistérioPúblico, da Polícia Federal ou mesmo da atividade dos Fiscais.

Reparcelamento: eterniza o calote naPrevidência

A Lei no 8.212/91 representa bem nossa tradição jurídica deum direito conceitual. Sem ser necessariamente boa ou ruim, essatradição é o jeito brasileiro de legislar. A lei mencionada descreve, commuito detalhe, não apenas condutas na área penal, mas tambémbenefícios, a estrutura do INSS, cria os Conselhos, fixa as atividadesda Fiscalização, estabelece uma série de normas, disciplina uma grandevariedade de condutas e tenta dar um mínimo de organização à anarquiaimperante na Previdência Social. A aparente anarquia, na minha opinião,não é involuntária, nem na Previdência nem nas outras instituiçõesbrasileiras.

A lei contém aspectos interessantes mas também coisasabsurdas. Por exemplo, o instituto do reparcelamento. Poucos paísesteriam a engenhosidade de conceber algo tão absurdo que é oreparcelamento permitindo eternizar o calote na Previdência Social.

O tempo dirá se a Lei no 8.212 e seu Art. 95 são, de fato,fruto dessa pseudo-desorganização brasileira ou se eles constituíramum primeiro passo para a construção de algo melhor e mais sadio paranós. Talvez algum dia tomemos conhecimento de que o Art. 95representou uma grande batalha dentro do Congresso Nacional, pois

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foi possível caracterizar várias das condutas ilícitas como efetivamentecriminosas, mas os deputados que pretendiam sancionar criminalmenteaquelas condutas não lograram ir além desses enunciados, contra osinteresses contrariados de poderosas forças econômicas, e foramimpedidos de impor a pena correspondente. Mas mesmo assim, nuncaé demais repetir que não será por falta de leis que alguém que praticouilícitos fiscais deixará de ir para a cadeia se o merecer. O problema éde aplicação e de interpretação da lei.

A representação e a punibilidade dosgrandes sonegadores

Outro problema daquela lei está relacionado com arepresentação da autoridade administrativa paralelamente a que possapromover o Ministério Público. Quando a Constituição determina quecabe ao Ministério Público promover a ação penal, isto não é apenasuma faculdade sua, mas um dever. Por exemplo, sugiro que o MinistérioPúblico levante junto à Receita Federal e ao INSS a lista dos vinte outrinta maiores devedores e requisite, valendo-se dos seus poderes, combase na Lei Complementar e na Constituição Federal de informaçõesquanto às práticas ilícitas desses devedores. Quando ações desse tipotomarem o lugar de representações contra açougues, padarias,pequenos comércios, firmas falidas e outros casos irrelevantes para aJustiça Federal, o resultado poderá ser o contrário do que era a intençãodo legislador .

O fato de grandes sonegadores serem condenados à prisão,ao lado de criminosos menores, poderá ter um efeito altamentemoralizador e servir de exemplo, contribuindo para que a sociedadeconfie mais na Justiça. O primeiro passo poderia ser dado pelo MinistérioPúblico, partindo para a denúncia dos vinte ou trinta maiores casos desonegação fiscal, agindo tanto junto à Receita Federal, quanto ao INSS,com base na “Lei do Colarinho Branco”. Esta autoriza, desde 1986, aprisão preventiva tendo em vista a magnitude da lesão causada. Se oMinistério Público invocar o dispositivo e conseguir, na Justiça, decretara prisão de algum grande sonegador, com três ou quatro Juízes comcoragem suficiente para cumprir com seu dever, ainda que ela sejarevogada em instância superior, estaremos fazendo um trabalhohistórico.

Fábio Pietro

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Débito irrelevante e a Justiça

Como Juíz, tenho a tendência de rejeitar os casosabsolutamente irrelevantes para o Poder Judiciário. Por exemplo, quandoos débitos não são significativos. A decisão está amparada no Art. 54que reza: os órgãos competentes estabelecerão critério para a dispensade constituição ou exigência de crédito e de valor inferior ao custo dessamedida. Assim, como os Fiscais não lavram as Notificações de Débitosquando seus valores são irrelavantes, também não há como justificarque a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal muitas vezes,não tenham a sensibilidade de perceber que um delito de 100 ou 200Reais de um tintureiro, um padeiro da periferia ou um comerciante semexpressão acabará custando mais caro para a sociedade que oresultado do processo.

O Art. 83, da Lei no 9.430/96, permite, e mais, torna dever doMinistério Público, promover a ação penal, com o poder de requisiçãoque possui por lei, em casos de grandes devedores. Portanto, mesmoque o Juíz rejeite as denúncias, o Ministério Público pode e deve investigarmelhor, por exemplo, os casos escandalosos de reparcelamento.

Responsabilidades das autoridadesadministrativas

As responsabilidades de algumas autoridades administrativastambém devem ser apuradas. Há um caso “sui-generis” que envolvia oBanco Central, no qual foi reconhecido, na primeira instânciaadministrativa, que havia crime de colarinho branco. O Banco Centralremeteu a documentação para a Justiça Federal e os envolvidos foramdenunciados e, ao mesmo tempo, recorreram na segunda instânciaadministrativa. Nesta, foram absolvidos em virtude do voto de umindivíduo que declarava, não obstante houvesse indícios de crime eaquela conduta configurasse ilícito contra o sistema financeiro, não sersaudável a aplicação da pena administrativa. Mesmo que se encontremsempre Juízes que acatam a absolvição do âmbito administrativo,malgrado uma fundamentação tão escandalosa, e suspendam oprocesso penal, eu penso diferente. Mandei requisitar o inquérito policialcontra as autoridades do Banco Central e iniciei a apuração de como épossível que uma autoridade reconheça que há falta funcional contra o

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sistema financeiro e ainda assim absolva dois ou três banqueiros.Tamanho era o escândalo que era necessário levantar o sigilo bancárioe telefônico dos funcionários envolvidos e talvez de seus superiores,para apurar se há ou houve relações com o setor privado. O processocriminal teve continuidade e também a apuração da responsabilidadedas autoridades do Banco Central.

A palavra do Fiscal

É preciso que cada Fiscal do INSS, da Receita ou daSecretaria da Fazenda possa falar abertamente sobre seu modo deatuação com a honradez que lhe cabe, respondendo de cabeça erguidaqualquer questionamento sobre seu trabalho. Não é uma questãocorporativa. A melhor forma de defender cada órgão é defender seusmembros honrados e honestos. Há muitos Juízes honrados, comotambém existem muitos Fiscais, Procuradores do Ministério Público eAdvogados. Em nome pessoal posso aqui declarar que há muitos Juízesinteressados no trabalho correto dos Fiscais, pois estamos interessadosem construir uma postura ética mais responsável e de maior respeito edignidade para os servidores públicos de nosso país.

O conceito de justiça

A lei é obra de muitos e o conceito de justiça cada um tem oseu próprio. Constitui para qualquer Juíz, que nunca deixa de ser umser humano, com orgulho, vaidade, vontade de ser justo e maravilhoso,uma enorme tentação em aplicar seu próprio conceito de justiça, comuma certa dose de voluntarismo, mesmo com o risco de impor a suavontade contra o espírito e os preceitos da lei. Algo bastante diferenteocorre quando estamos diante de uma lei draconiana que, por exemplo,atente contra a Constituição. Evidentemente não a aplicarei, mas nãobaseado no conceito de direito natural, porque cada um pode acharque o natural é o seu lado da questão. O Juíz não pode se considerar osalvador da pátria. Ele também tem que seguir sempre a Constituiçãoe a Lei, procurando respeitar as normas sociais e coletivas.

Essas questões são extremamente importantes, porque oJuíz brasileiro detém um poder extraordinário, concedido pelo controleda constitucionalidade das leis. No Brasil, como em outros países, oJudiciário não resolve apenas conflitos, função própria sua, como

Fábio Pietro

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também tem a faculdade de fazer um exame da compatibilidade entrea Constituição e as leis que dela são derivadas.

O dever funcional do Fiscal em denunciar

Em primeiro lugar, a hierarquia e a racionalidade funcional,com seus canais de comunicação internos, têm que ser respeitadasevitando o voluntarismo individual – próprio de cada ser humano e,também, de cada servidor público. Mas se o superior hierárquico nãoder andamento à denúncia, por falta de interesse ou por estar envolvido,por corrupção, praticando qualquer ato criminoso para acobertar o crimeao invés de investigá-lo, o funcionário deve também procurar o MinistérioPúblico, onde certamente será bem recebido. A denúncia de atoscriminosos às vezes é feita até por telefone, quando o servidor temmedo de se identificar. Mesmo que nem sempre logremos condenar osculpados, o servidor tem o dever de comunicar as condutas criminosase fazer todo o possível para que sejam apuradas e, caso comprovadas,recebam a sanção cabível.

Não se trata de uma atitude tipo “Dom Quixote”, tentando serum super-homem, para resolver tudo. A atitude frente as leis e osregulamentos, no Brasil, foi sendo construída ao longo de 400 anos enão será mudada apenas por um punhado de homens decididos,esgrimindo seus conceitos de justiça, de direito natural ou qualqueroutro. Há que se mostrar uma coerência lógica e aplicar uma estratégiade conjunto para se alcançar verdadeiras e duradouras mudanças.

O Fiscal como testemunha ou réu

Há que se reconhecer que ocorre, muitas vezes, uma falhade estratégia processual do Ministério Público Federal. Se a prova édocumental não vejo sentido em arrolar Fiscais, seja do INSS seja daReceita Federal. Cabe ao Procurador justificar e sustentar a legitimidadedessa prova. Se, por outro lado, a defesa puder colocar em dúvida otrabalho dos Fiscais, ela o fará, arrolando os Fiscais e tentando tratá-los como réus. É um ônus da defesa tentar desqualificar a prova, masse não lograr desqualificar o documento nem a ação fiscal, tudo poderáser usado para justificar a condenação.

Temos que esperar que todos atuem com firmeza, com base

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em sua convicção. Isto também vale para o Fiscal. Se sentimos queele talvez não tenha atuado muito bem, cabem também perguntas aele para deixar tudo claro quanto a sua atuação. Pois o Fiscal tem umafunção da maior relevância e ele deve ser muito sério e conseqüenteno que faz. Isto inclui, também, reconhecer seus erros, caso ocorram.

Talvez dizer que os Fiscais às vezes são tratados comoréus é um pouco exagerado. Tudo deve se desenrolar de modocivilizado, também com relação aos Fiscais. Tentar intimidar qualquertestemunha ou fazer gestos teatrais em Juízo são meios injustificáveis.Ou se tem os argumentos necessários ou se deve dizer que não ostem, embora a obrigação, tanto do promotor quanto dos advogados, éter sempre argumentos.

A ação e a prática de justiça entre pobres ericos

Para se apreender um computador ou outro bem de umapessoa altamente relacionada na sociedade, às vezes é necessárioobter um mandado até no Supremo Tribunal Federal, passando poruma infinidade de instâncias e burocracias. Para chutar e arrombar aporta de um barraco, qualquer PM é suficiente, basta estar de botinas.É assim evidente que não devemos aceitar exigências absurdas,diferentes para cada classe de cidadãos.

Em cada caso, compete agir corretamente e não se curvardiante de exigências absurdas. É freqüente que a defesa exija que serepita na fase judicial o que já foi feito no inquérito policial, ou argumentaque falta um carimbo, uma página do processo estaria errada, etc. Àsvezes, não é possível se contrapor a este tipo de falha, mas podemosdeclarar que alguém está sendo absolvido só porque falta um carimbode 1912. Quando o escândalo estoura, todos ficam sabendo, por maisrico que o envolvido seja, que seu processo só foi arquivado por umartifício ou uma decisão vergonhosa, ou porque a polícia nem abriuinquérito. O peso do estigma social pode se tornar muito forte, comocomumente ocorre nos Estados Unidos. Também no Brasil acontecealgo parecido e é importante que aconteça. Mesmo que o absolvidonão vá para a cadeia, o fato de que apareça como sonegador tem algumefeito social e pessoal. Como afirmou um grande teórico norte-americano, responsável pela estruturação do Estado liberal nos Estados

Fábio Pietro

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Unidos e primeiro presidente da Suprema Corte do país, o Judiciário àsvezes não leva a pessoa acusada para a cadeia, mas acende a luzsobre o fato ou a situação delituosa. E isto já tem grande efeito social,mesmo que a Justiça por vício, falhas, inoperância e até mesmo porcorrupção não leve o responsável para a cadeia.

Controle externo sobre o Judiciário

Antes de mais nada, deve-se perguntar de qual modelo decontrole externo estar-se-ia falando. Pois há muitos no mundo. A idéiaé, em princípio, muito simpática, até diante do completo descontrole eda anarquia reinante, mas não há nenhuma proposta concreta de comose faria o tal controle. De fato, há muita divisão interna no Judiciário enão há um projeto claro, definido e descutido. É bom que se diga que oJudiciário nunca tem projeto sobre nada, porque ele é muitohierarquizado. Tantas vezes o Supremo Tribunal Federal tem umaopinião, o STJ, os Tribunais Federais e os Tribunais de Justiças, outrasbem diferentes. Nunca há um projeto uniforme.

Não há dúvida de que o Judiciário está em uma situaçãolamentável. O mesmo se pode afirmar quanto ao Ministério Público.

Quando o Procurador Geral é uma pessoa séria einteressada, a situação melhora. Quando não o é, ele tem poderes paracometer os maiores absurdos.

A Ordem dos Advogados do Brasil é pública para algumascoisas e privada para outras. Quando interessa, ela se comporta comoautarquia, quando não interessa é uma associação.

Se tivermos algum dia um controle, eu preferia que ele nãofosse apenas sobre o Judiciário, mas sim de todo o sistema deadministração da Justiça, do Ministério Público, da OAB, comincumbência de fiscalizar todas essas instituições. Mas ainda estamoslonge disso: não sabemos como seria o controle externo e nem quemdeveria controlar o quê. Por exemplo, a existência de impeachmentpara o Juíz é algo muito perigoso. É só imaginar um Juíz decretandouma prisão preventiva de alguém muito influente na política e, no diaseguinte, quarenta deputados se reunindo para pedir o seuimpeachment.

Qual seria o exemplo a ser seguido pelos demais juízes, emcasos semelhantes?

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A súmula vinculante

Ela é apontada como solução para minorar o problema docongestionamento processual dos nossos tribunais. Em nosso sistemajurídico há, no entanto, um outro instrumento que também existe emoutros países: a ação coletiva. Não é a toa que, quando a Constituiçãode 1988 concedeu força expressiva a esse instrumento, houve fortecampanha para restringir seu uso.

Sou de opinião que a ação coletiva resolveria todos osproblemas, pois evitaria uma infinidade de ações judiciais individuaissobre a mesma questão. Eis um instrumento muito mais democráticoque a súmula vinculante, com a grande vantagem de seguir a trilhanormal dentro do Judiciário, passando por todos os julgamentos, todosos recursos possíveis e em todas as instâncias.

A introdução da súmula vinculante levanta a seguintesuspeita: será ela realmente séria e estendida a todas as questõesigualmente ou apenas àquelas de interesse do governo? Cabe aindaperguntar se ela será aplicada apenas nas questões administrativas?Se assim for, será um absurdo. Ela tem que ser válida para todos.Tanto a questão do controle externo sobre o Judiciário quanto a súmulavinculante dão mais a impressão de serem dois balões de ensaiovagando no céu.

Enquanto ficamos olhando, a caravana passa, as coisasimportantes acontecem. Devemos cuidar mesmo é da caravana e nãotanto dos balões. Enquanto todos ficaram olhando para o céu, a Vale doRio Doce foi privatizada .

Fábio Pietro

CONSELHO EXECUTIVCONSELHO EXECUTIVCONSELHO EXECUTIVCONSELHO EXECUTIVCONSELHO EXECUTIVOOOOO1997-19991997-19991997-19991997-19991997-1999

SEVERINO CAVALCANTE DE SOUZAPresidente do Conselho Executivo

NILDO MANOEL DE SOUZAVice-presidente Executivo Substituto

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JOSÉ AVELINO DA SILVA NETOVice-presidente de Seguridade Social

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MARGARIDA LOPES DE ARAÚJOVice-presidente de Cultura Profissional

SÉRGIO GUIMARÃES CAMPOS DE PINHOVice-presidente de Serviços Assistenciais

JOSÉ AMÉRICO ESPÍNDOLA PIMENTAVice-presidente de Assuntos Jurídicos

MISMA ROSA SUHETTVice-presidente de Administração

MARIA SALETE PAZVice-presidente de Patrimônio e Cadastro

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FLORIANO MARTINS DE SÁ NETOVice-presidente de Comunicação Social

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ÁLVARO SÓLON DE FRANÇAVice-presidente de Assuntos Parlamentares

GILBERTO NOBRE CAVALCANTEVice-presidente de Relações Interassociativas

A N F I PVice-Presidência de Assuntos da Seguridade Social

Centro de Estudos da Seguridade Social

CICLO DE ESTUDOSSeminários

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