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Aplicação das classificações CID-10 e CIF nas definições de deficiência e incapacidade Heloisa Brunow Ventura Di Nubila Tese apresentada ao programa de Pós- Graduação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Saúde Pública. Área de concentração: Epidemiologia. Orientadora: Profa. Dra. Cassia Maria Buchalla São Paulo 2007

CID 10

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  • Aplicao das classificaes CID-10 e CIF nas

    definies de deficincia e incapacidade

    Heloisa Brunow Ventura Di Nubila

    Tese apresentada ao programa de Ps-Graduao da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Sade Pblica. rea de concentrao: Epidemiologia. Orientadora: Profa. Dra. Cassia Maria Buchalla

    So Paulo

    2007

  • 2

    Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta tese, por processos fotocopiadores.

    Assinatura:

    Data:

  • 3

    Dedicatria:

    Dedico esta tese

    Ao meu esposo Carlos, companheiro, revisor paciente e colaborador incansvel.

    s minhas filhas Angela e Julia, fonte de motivao, alegria e inspirao.

    memria de meu tio Roberto, que viveu a maior parte de sua vida com epilepsia,

    internado numa instituio, sem poder decidir o seu destino.

  • 4

    AGRADECIMENTOS:

    Agradeo a orientao, o apoio e a generosidade da orientadora Prof Dra. Cassia

    Maria Buchalla neste trabalho de tese, mas tambm em outras situaes de

    necessrio aprofundamento no uso e no entendimento da CIF.

    Ao Professor Ruy Laurenti por me permitir o privilgio do seu convvio e contnuo

    aprendizado no CBCD (Centro Brasileiro de Classificao de Doenas).

    amiga Lucila Faleiros Neves, que mesmo enfrentando os momentos mais difceis

    com a sua surdez no trabalho, me incentivou a enveredar pela CIF.

    Aos pacientes, familiares, amigos e colegas da AVAPE (Associao para

    Valorizao e Promoo de Excepcionais) que me ensinam todos os dias.

    Aos amigos Ana Rita de Paula e Antonio Carlos Munhoz, a quem muito admiro

    como protagonistas ativistas pelos direitos das pessoas com deficincia.

    A Maria Ceclia Mathias Coelho Tamantini, querida amiga, cuja ajuda me tornou

    possvel participar dos encontros internacionais da CIF.

    amiga Jacqueline Louise Schefler que me permitiu fazer a primeira aproximao

    das pessoas escondidas nos diagnsticos e prognsticos neurolgicos.

    A todas as maravilhosas pessoas envolvidas com o Movimento de Direitos das

    Pessoas com Deficincia que tive o prazer de conhecer neste caminho.

  • 5

    RESUMO

    Di Nubila HBV. Aplicao das classificaes CID-10 e CIF nas definies de

    deficincia e incapacidade [tese de doutorado]. So Paulo: Faculdade de Sade

    Pblica da Universidade de So Paulo; 2007.

    A Organizao Mundial de Sade tem hoje duas classificaes de referncia para a

    descrio dos estados de sade: a CID-10 (Classificao Estatstica Internacional de

    Doenas e Problemas Relacionados Sade) e a CIF (Classificao Internacional de

    Funcionalidade, Incapacidade e Sade). A utilizao da CIF vem sendo aguardada

    com grande expectativa pelas organizaes de pessoas com deficincias e

    instituies relacionadas. A falta de definio clara de deficincia ou

    incapacidade tem sido apontada como um impedimento para a promoo de sade

    de pessoas com deficincia. Este trabalho tem como objetivo apresentar definies

    de deficincia, discutindo a utilizao da CID-10 e da CIF e a contribuio da CIF

    para melhorar a compreenso sobre definies de deficincia a partir do conceito de

    funcionalidade e dos fatores contextuais. Foram revisados alguns diferentes

    conceitos/definies de deficincia, bem como publicaes envolvendo a aplicao

    da CIF. So apresentadas algumas categorias de diagnsticos de estados de sade da

    CID-10 hoje utilizadas em alguns sistemas, alm de elementos da recm-apresentada

    CIF, que podem contribuir para diferentes campos de aplicabilidade no que diz

    respeito ao entendimento das definies de deficincia ou incapacidade.

    Palavras-chave: Classificaes; CID; CIF; Definies; Deficincia; Incapacidade.

  • 6

    ABSTRACT

    Di Nubila HBV. Aplicao das classificaes CID-10 e CIF nas definies de

    deficincia e incapacidade/ Application of the classifications ICD-10 and ICF on

    definitions of disability [doctoral thesis]. So Paulo (BR): Faculdade de Sade

    Pblica da Universidade de So Paulo; 2007.

    The World Health Organization has nowadays two reference classifications for

    description of health conditions: ICD-10 (International Statistical Classification of

    Diseases and Health Related Problems) and ICF (International Classification of

    Functioning, Disability and Health). Organizations of people with disabilities and

    related institutions are waiting with high expectation for the ICF utilization. Lack of

    clear definition of disability is being pointed out as a deterrent for promoting the

    health of people with disabilities. The objective of this work is to evaluate definitions

    of disability, and discuss the use of ICD-10 and ICF and the contribution of ICF to

    improve understanding of definitions of disability through functioning and contextual

    factors. Some different definitions of disability have been reviewed, as well as

    publications involving ICF application. Diagnostic categories of health conditions of

    ICD-10 used in some systems are presented, as well as ICF components that could

    contribute for different fields of applicability regarding the understanding of

    definitions of disability.

    Key-words: Classifications; ICD; ICF; Definitions; Impairment; Disability.

  • 7

    NDICE 1. Introduo

    1.1 Questes de identidade

    1.2 - Questes de traduo

    8

    12

    21

    2. Objetivo 29

    3. Desenvolvimento do tema

    3.1 CID-10 e CIF

    3.1.1 Histrico das duas classificaes 3.1.2 - CID-10 3.1.3 CIF 3.1.4 - Definies de deficincia e incapacidade da CIF 3.1.5 - Natureza complementar e sobreposies das duas

    classificaes 3.2 - Definies de deficincia ou incapacidade

    3.2.1 Definies nas Leis dos Estados Unidos 3.2.2 Definies na Unio Europia 3.2.3 Baremas 3.2.4 Definies de Leis no Brasil

    3.3 - CID-10 para definir deficincia ou incapacidade

    3.4 - Categorias da CIF e da CID-10 relacionadas a deficincia ou incapacidade

    29 39 41 46 51

    54

    62 66 73 80

    94

    96

    4. Consideraes finais 100

    5. Referncias 104

    6. Anexos Anexo1 Anexo2 Anexo3

    113 142 154

  • 8

    1. Introduo

    A definio e a mensurao da incapacidade tema de interesse crescente a

    partir do momento em que as pessoas comearam a viver por mais tempo e as

    doenas crnicas e suas conseqncias tm-se tornado relativamente mais comuns

    (CHATERJI e col., 1999).

    Queixas mdicas, molstia, enfermidade, doena crnica, distrbio,

    limitaes funcionais, deficincia e incapacidade para o trabalho so fenmenos

    complexos e mal definidos. A incapacidade, em particular, uma categoria

    escorregadia e potencialmente expansiva, inerentemente subjetiva, ambgua,

    imprecisa, impalpvel e problemtica para definir e medir. A deficincia muitas

    vezes no pode ser observada diretamente, mas pode ser inferida a partir de causas

    presumidas (prejuzos, danos) com distintas conseqncias, isto , uma restrio ou

    incapacidade para desempenhar normalmente vrios papis, principalmente de

    trabalho. Danos sade que causam deficincia ou incapacidade precisam ser

    certificados medicamente, embora a certificao clnica de dano seja necessria, mas

    no suficiente para certificar a incapacidade para o trabalho ou elegibilidade para

    benefcios por incapacidade (MARIN, 2003).

    Para LOLLAR (2002), a falta de uma definio clara de deficincia ou

    incapacidade tem sido apresentada como um impedimento para a promoo da

    sade de pessoas com deficincia. A vigilncia e a interveno dependeriam da

    capacidade para identificar as pessoas que deveriam ser includas.

    Tanto no setor da sade como em outros setores que necessitam avaliar o

    estado funcional das pessoas, como o caso da previdncia social, do emprego, da

    educao e dos transportes, entre outros, a CIF pode desempenhar um papel

  • 9

    importante. O desenvolvimento das polticas nestes setores requer dados vlidos e

    confiveis sobre o estado funcional da populao. As definies de incapacidade de

    mbito legislativo e regulamentar tm de ser consistentes e fundamentarem-se num

    modelo nico e coerente sobre o processo que origina a incapacidade (PORTUGAL,

    2006).

    O processo de certificao de deficincia ou incapacidade pode s vezes ser

    bastante litigioso devido a diferenas entre suas definies legais, administrativas,

    sociais e culturais. Diferentes sistemas definem deficincia ou incapacidade de

    acordo com suas prprias necessidades e regulaes, mas as definies tipicamente

    carecem de critrios especficos, impossibilitando determinaes precisas

    (BARRON, 2001).

    Associar as categorias de diagnsticos de estados de sade da CID-10 com os

    elementos da recm-apresentada CIF, oferecendo uma discusso sobre a prtica

    possvel a partir das duas classificaes, pode contribuir para um melhor

    entendimento de possveis definies de deficincia ou incapacidade.

    O modelo mais amplo de funcionalidade, incapacidade e sade oferecido pela

    CID-10 e pela CIF, quando aplicado para a construo de instrumentos para

    levantamentos de sade e incapacidade, poderia reforar o campo da pesquisa em

    sade e incapacidade, na infncia (MCDOUGALL & MILLER, 2003), mas tambm

    nas outras etapas do ciclo de vida.

    Um estudo sobre elegibilidade para Programas de Interveno Precoce nos EUA

    utilizou um sistema de classificao com descritores para condies de sade, atraso

    no desenvolvimento e fatores associados com estado de risco, baseado na CID-10 e

    na CIF (SIMEONSSON e col., 2002). Este estudo pode oferecer um modelo ou um

  • 10

    ponto de partida para a elaborao de recursos para utilizao em outras faixas

    etrias ou outros sistemas, no que diz respeito no s a definies e elegibilidade,

    mas tambm para propostas de interveno, avaliao, certificao, destinao de

    recursos em reabilitao e, de modo mais amplo, no estabelecimento de polticas.

    A CID registra uma condio anormal de sade e suas causas, sem registrar o

    impacto destas condies na qualidade de vida da pessoa ou paciente, e hoje uma

    exigncia legal para todos os benefcios e atestados relacionados ao paciente

    (BATTISTELLA e BRITO, 2002). A maioria das leis no Brasil, que concede

    benefcios a pessoas com deficincia, tem como exigncia a apresentao de laudo

    mdico, algumas vezes acompanhado da avaliao e assinatura de outros

    profissionais de equipes multiprofissionais, com o preenchimento de campos

    especficos para cdigos da CID ou a simples informao destes cdigos em

    atestados mdicos em receiturio comum assinado por mdico.

    Para a autora deste trabalho, na posio de mdica em um servio de

    reabilitao, a questo das definies de deficincia surgiu a partir da

    responsabilidade de ser quem certifica a condio, para fins de acesso a vrios tipos

    de benefcios. Quem e quem no elegvel? Acostumada a usar os cdigos da CID-

    10 para cobrir exigncias legais, a autora participou de um grupo que, no sistema de

    transporte, discutia quais os limites e prioridades de atendimento, dentro de um

    conjunto de situaes muito vasto e heterogneo. Mais difcil ainda, como fazer isto

    usando como parmetros definies legais vagas, fortemente ancoradas em

    diagnsticos mdicos, com pouqussima orientao quanto a aspectos funcionais?

    A publicao da CIF neste caminho, como classificao complementar CID,

    com seu foco sobre a funcionalidade, trouxe o interesse em explorar as sobreposies

  • 11

    e interfaces das duas classificaes, no que tange aos prprios limites a serem

    desenhados para as definies de deficincia.

    Este trabalho ter cumprido sua funo se com ele for possvel avanar alguns

    passos nesta discusso e contribuir para maior clareza e justia, menor arbitrariedade

    e crena pessoal, no processo de julgar e certificar a condio de incapacidade de

    uma pessoa, pelos profissionais e pelas prprias pessoas interessadas nestes limites.

  • 12

    1.1 Questes de Identidade

    Questes de identidade precisam ser levadas em conta ao discutir definies

    de deficincia e incapacidade, pois estas definies influenciam o imaginrio social,

    partindo de diferentes instituies, produzindo identidades construdas externamente

    e em parte incorporadas internamente. importante discutir as definies, pois elas

    ao mesmo tempo influenciam e so o reflexo da maneira como pensa a sociedade.

    Segundo ROCHA (1999), no seu trabalho de doutoramento, a expanso e o

    fortalecimento das organizaes de pessoas com deficincia dependem, entre outros

    fatores, principalmente da construo de uma mentalidade em relao ao que seja

    deficincia, diferente das noes vigentes no senso comum, de excepcional,

    subnormal, aleijado, incapaz, coitadinho, que refletem uma viso paternalista e

    assistencialista. O conceito de deficincia, nos dias atuais, resulta de pelo menos dois

    sculos de construo terica.

    A deficincia como categoria cientfica s passou a existir no sculo XIX.

    At ento, as pessoas consideradas deficientes enquadravam-se no grupo dos

    sobrenaturais, aleijados, loucos, leprosos, contagiosos, delinqentes, e a

    deficincia percebida como produo mtica, religiosa ou de ameaa social (SILVA,

    1986).

    A partir do sculo XIX, a deficincia passa a ser compreendida como uma

    patologia na lgica cientfica da poca, tornando-se passvel de estudos,

    classificaes e objeto de intervenes especficas, de acordo com os principais

    problemas de ordem mdica. Neste momento, a deficincia adquire uma nova

    expresso de sua negatividade: a de pertencer ao universo de anomalia da natureza.

  • 13

    Esse novo enquadramento na negatividade social, por sua vez, passa a requerer

    solues por meio de intervenes normatizadoras, previstas pelas instituies

    cientficas. Assim, as deficincias so classificadas em mental, fsica,

    perceptivas/sensoriais (auditiva, visual) e, nesta lgica, so organizados modelos

    especficos de interveno para cada tipo de deficincia, em instituies

    especializadas (ROCHA, 1999), divididas de acordo com seus tipos, fragmentadas e

    retificadoras.

    O avano da Medicina no conhecimento da etiologia das doenas, dos tipos e

    manifestaes das deficincias, tambm levou a uma classificao das mesmas, de

    forma cada vez mais especfica. A preciso na determinao da patologia torna-se

    cada vez mais presente e cumpre a finalidade de observar onde est a causa e agir

    sobre ela tambm de forma preventiva. A classificao das deficincias, a partir do

    olhar cientfico do sculo XIX e XX, foi fundamental na constituio de modelos de

    interveno. O aprofundamento das causas e dos tipos de deficincia fez com que as

    prticas de reabilitao passassem a ser cada vez mais especializadas e pautadas pelo

    modelo mdico, com finalidades corretivas. No entanto, mesmo que o conceito de

    patologia tenha se tornado referncia dos projetos de interveno teraputica e de

    organizao de servios, isto no foi capaz de eliminar a verso religiosa da viso da

    pessoa com deficincia, inclusive nos dias atuais. Ocorreram transformaes tambm

    sobre o conceito de doena do sculo XIX para o XX, havendo o deslocamento

    gradativo da idia de um corpo doente individual para um conceito de corpo social,

    aproximando-se cada vez mais da idia de que as doenas so produes histrico-

    sociais. Nessa linha, o conceito de deficincia tambm passou a ser contemplado

    com um olhar cientfico, que amplia seu objeto: de um corpo deficiente individual

  • 14

    para um corpo deficiente social, com incapacidades e desvantagens, um corpo

    biolgico, individual, incapacitado, excludo do social. No corpo individual est

    expressa toda a negatividade social da deficincia, justificando-se a interveno que

    busca sua correo. O conceito de desvantagem, introduzido com a CIDID/ICIDH,

    colocaria o corpo social como objeto ampliado das prticas de interveno em

    sade e reabilitao. Com o conceito de desvantagem e a necessidade de intervir no

    ambiente, nas relaes pessoais e sociais, esboa-se a idia de interveno no corpo

    social, que deve ser objeto de mudanas a fim de minorar as incapacidades e perdas

    da pessoa deficiente, embora o enfoque, a finalidade, ainda esteja no individual, uma

    vez que visa o desempenho timo de cada pessoa com deficincia na sociedade. Com

    o deslocamento do objeto do corpo individual para o corpo social proposto pela

    OMS, tem-se uma redefinio da negatividade da deficincia (ROCHA, 1999).

    A psicloga Dra. Ana Rita de Paula, estudando em sua tese o asilamento de

    pessoas com deficincia, considera a instituio do ponto de vista exclusivamente

    poltico (micropoltica), onde geralmente a noo de sujeito abandonada,

    privilegiando-se os mecanismos de produo de lugares institucionais/sociais. O

    objeto do qual se apropria a instituio asilar o cuidado com aqueles que no so ou

    deixaram de ser capazes de viver em sociedade. As razes atribudas a essa

    impossibilidade, a essa incapacidade social, dizem respeito situao de

    dependncia, de incapacidade para o autocuidado dessas pessoas, associada, porm, a

    dficits sociais, isto , falta de outras instncias para suprir essas necessidades de

    cuidado. Esto associadas carncia econmico-cultural das famlias e s vezes,

    limitao de recursos tcnicos de assistncia, que colocam os servios disponveis

    como privilgio de poucos, ou como bens to preciosos que no devem ser

  • 15

    desperdiados com indivduos que no podem tirar o mximo de aproveitamento.

    diante de um quadro de total dependncia, impossibilidade de mudana ou de

    progresso, que a instituio asilar vai cuidar daqueles a quem ningum quer ou

    ningum pode cuidar, nem mesmo a prpria pessoa. a instituio da incapacidade

    social, tanto dos indivduos internados, quanto da sociedade, de manter uma relao

    que no a da excluso e segregao. Em outros termos, a instituio asilar propaga

    uma representao de duas faces: a de que a pessoa com deficincia incapaz de

    cuidar de si mesma e a de que a sociedade incapaz de conviver com estas pessoas

    no cotidiano, garantindo sua participao e incluindo-as. Quando se est diante de

    um caso na rea de reabilitao, e se objetiva a promoo de mudanas no sentido da

    maior autonomia possvel, preciso, antes de mais nada, compreender as

    interligaes existentes entre a deficincia enquanto incapacidades funcionais

    concretas e suas representaes no imaginrio individual e familiar. Interpretar a

    demanda feita, conhecer o desenho, a matriz das relaes estabelecidas, para, s

    ento, definir-se quem , ou que so o caso, quais os profissionais que atuaro, no

    qu, e em qu sentido (PAULA, 2000).

    Em seu trabalho de anlise do discurso em servios de reabilitao, NALLIN

    (1994) argumenta que os contnuos ataques identidade, que vo configurando um

    lugar de clientela, podem levar a pessoa deficiente a assumir um modelo de

    deficiente ideal, proposto pela instituio o deficiente que persiste, que supera as

    dificuldades, que se empenha, que constri uma nova vida, que se cuida, que se

    inspeciona, que trabalha, num processo de individualizao da responsabilidade pela

    no-integrao, e de alienao de si mesmo, contribuindo para que no se rompa com

    esta padronizao e submisso, reforadas pela Tcnica e pelo Saber. Assim, criado

  • 16

    um modelo ideal de deficiente o reabilitando -, que opera uma separao entre os

    deficientes reabilitveis e os no-rebilitveis, por uma dupla determinao

    classificatria. So estabelecidas categorias de pessoas deficientes pela patologia

    face da cincia e pelo aspecto moral face da filantropia. Legitima-se e se refora,

    deste modo, um processo social de excluso, que incide sobre um grupo j excludo

    pela deficincia.

    Pode-se distinguir entre categorizao social e identificao de grupo. Uma

    categoria definida e reconhecida por outros, enquanto a identificao de grupo

    ocorre atravs do auto-reconhecimento e reconhecimento mtuo entre os membros

    do grupo. Categorizao social pode afetar a identificao de grupo porque

    categorias sociais afetam o modo como as pessoas so tratadas na sociedade, por

    exemplo, por agncias de bem-estar social. A relao entre categorizao e

    identificao no direta, contudo: grupos podem se rebelar contra e subverter

    categorias sociais que os afetam. Alm disso, no se deve exagerar o impacto da

    categorizao social na identificao de grupo. possvel para pessoas pertencer a

    uma categoria social sem saber da sua existncia, ou do fato de ser membro desta.

    Definies de deficincia ou incapacidade utilizadas em inquritos so em geral

    construdas a posteriori a partir de respostas a perguntas sobre sade e limitaes na

    vida diria. Os respondentes provavelmente no sabem que as suas respostas sero

    usadas para classific-las como deficientes ou incapacitadas. Algumas vezes as

    medidas de inquritos de deficincia ou incapacidade se dizem baseadas em

    autodefinio, mas isto enganoso: elas so baseadas nas limitaes na vida diria

    auto-referidas, no em deficincia ou incapacidade autodefinida. As circunstncias

    nas quais pessoas definem a si mesmas como deficientes ou incapacitadas no foram

  • 17

    muito pesquisadas. Mesmo que as pessoas estejam freqentemente conscientes das

    suas categorizaes na poltica social para concesso de benefcios (seu status como

    detentor de direito ao recebimento de benefcios), elas no necessariamente adotam

    estas categorizaes como identidades. Um sinal da disjuno entre categorias e

    identidades terminolgico: os termos usados para categorias so freqentemente

    rejeitados como termos para identidades precisamente porque seu significado

    construdo por outros, no pela identidade do grupo por si s (BRUNEL , 2002).

    Um estudo de Watson (WATSON, 2002 abstract, apud BRUNEL, 2002)

    aponta diretamente a questo de auto-identificao como deficiente ou incapacitado.

    A maioria dos membros de sua amostra de pessoas com deficincias demonstrou

    considervel resistncia para adotar a identidade de uma pessoa deficiente ou

    incapacitada. A maioria dos seus respondentes procurou estabelecer identidades

    sociais que no eram dominadas pelas suas deficincias: identidades como membros

    de famlias e grupos de amizade, como indivduos produtivos e cheios de

    habilidades, como pessoas que levam vidas normais. Isto pode ser visto como um

    genuno reflexo da importncia limitada da deficincia (no nvel do corpo) ou ento

    como uma forma de falsa conscincia motivada pelo estigma ligado deficincia

    ou incapacidade. As pessoas devem ser capazes de desenvolver e escolher suas

    prprias identidades, no ter uma identidade imposta a elas com base em algumas

    caractersticas imputadas. Os informantes politicamente ativos do estudo de Watson

    tambm rejeitaram uma identidade construda na deficincia, mas eles se

    identificaram com outras pessoas deficientes ou incapacitadas ao descrever

    experincias de opresso. Isto sugere que a mobilizao poltica de um grupo com

    experincias comuns no tem que se colocar sobre definir uma identidade fixa e

  • 18

    comum. Mobilizao poltica poderia ser vista como envolvendo um terceiro

    processo ao lado dos processos de identificao e categorizao da poltica social.

    Este processo pode ser chamado de construo social. Construes sociais

    seriam esteretipos sobre grupos particulares de pessoas que tm sido criados por

    polticas, culturas, socializao, histria, meios de comunicao, literatura, religio e

    outras, exercendo uma forte influncia na formao da poltica pblica. til notar

    as diferenas entre construes sociais e categorias de polticas sociais para

    concesso de benefcios. Construes sociais caracterizam grupos de pessoas, mas

    no se preocupam com a tarefa de determinar que indivduos precisamente esto no

    grupo que est sendo descrito. De fato, alguma dificuldade em encontrar indivduos

    que correspondam a construes sociais inerente a sua natureza estereotpica. Elas

    freqentemente se apiam sobre casos e anlise seletiva. Existem claramente

    conexes entre construes sociais e categorias de poltica social para concesso de

    benefcios: por exemplo, regras que definem categorias podem refletir questes sobre

    excluir grupos negativamente-construdos tais como parasitas ou incluindo pessoas

    merecedoras positivamente-construdas, mas estas conexes so freqentemente

    problemticas devido natureza retrica das construes sociais. A burocracia que

    administra categorias pode ser influenciada por esta retrica, mas igualmente pode

    estar consciente das dissonncias entre os grupos construdos e as circunstncias das

    pessoas realmente encontradas. Muito do debate sobre a definio de deficincia ou

    incapacidade ocorre sobre a construo social da deficincia ou incapacidade. Este

    debate preocupa-se com o modo como a imagem pblica de deficincia ou

    incapacidade formada. Isto muito importante para o desenvolvimento de polticas

    de deficincia ou incapacidade. Defensores dos direitos das pessoas com deficincia

  • 19

    ou incapacidade fizeram avanar diferentes construes sociais de deficincia ou

    incapacidade no processo de buscar livrar-se da imagem de merecedor, mas

    dependente da deficincia ou incapacidade no olhar pblico, e promoveu o

    desenvolvimento de novos tipos de poltica com diferentes arrazoamentos para

    medidas tradicionais de bem-estar social. Entretanto, inovaes na construo social

    de deficincia ou incapacidade no se traduzem num caminho simples no processo

    de categorizao nas polticas sociais (BRUNEL, 2002).

    Segundo KAPLAN (2003), as questes da definio de pessoa com uma

    deficincia ou incapacidade e como as pessoas com deficincia ou incapacidade

    percebem a si mesmas so difceis e complexas. No acidental que estas questes

    estejam emergindo ao mesmo tempo em que o status das pessoas com deficincia ou

    incapacidade na sociedade est mudando dramaticamente. Nos Estados Unidos da

    Amrica, a lei conhecida como ADA (Americans with Disabilities Act) a causa

    de algumas destas mudanas, mas tambm o resultado da mudana de direo na

    poltica pblica. Questes de status e identidade esto no cerne da poltica de

    deficincia ou incapacidade. Para Kaplan, um dos objetivos centrais do movimento

    de direitos na deficincia ou incapacidade, o qual pode chamar para si a

    responsabilidade poltica primria pelo ADA, mover a sociedade americana para

    um entendimento novo e mais positivo do que significa ter uma deficincia ou

    incapacidade.

    importante compreender as representaes sociais que esto na base das

    definies. Diferentes instituies propagam estas representaes e alimentam as

    construes sociais das quais derivam as definies. No h como entender a

    deficincia ou incapacidade ficando apenas no nvel do corpo e do funcionamento,

  • 20

    sem atingir a compreenso das representaes que foram apontadas neste tpico.

    Uma mudana no modo de trabalhar com estas definies pode produzir mudanas

    de cultura, que no ocorrem a curto prazo, o que bem pde ser observado ao longo

    dos ltimos 30 anos, com o movimento de direitos das pessoas com deficincia.

  • 21

    1.2 Questes de Traduo

    A CIF foi revisada em vrios idiomas considerando o ingls apenas como o

    idioma operacional. Vrios colaboradores da OMS lideraram o trabalho de traduo,

    anlise lingstica e reviso editorial dos idiomas oficiais da OMS. A verso ao

    portugus da CIF foi realizada pelo Centro Colaborador da OMS para a Famlia de

    Classificaes Internacionais na Faculdade de Sade Pblica da Universidade de

    So Paulo (OMS CIF, 2003).

    No anexo sobre questes terminolgicas e taxonmicas da CIF, termos so

    definidos como a designao de conceitos e se traduzem em expresses lingsticas,

    tais como palavras ou frases. A maioria dos termos que geram confuso utilizada

    com um significado baseado no senso comum da linguagem corriqueira, falada e

    escrita. Os termos deficincia, incapacidade e limitao (ou desvantagem)

    so usados freqentemente com o mesmo sentido dos contextos quotidianos. Na

    verso de 1980 da CIDID/ICIDH, esses termos j passavam a ter um significado

    mais preciso. Durante o processo de reviso, o termo desvantagem ( ou

    limitao, como traduo da palavra handicap) foi abandonado e o termo

    "incapacidade" foi utilizado para abranger todas as trs perspectivas corporal,

    individual e social. Sendo a CIF uma classificao escrita, traduzida em vrias

    lnguas, particularmente importante usar de clareza e preciso para definir os vrios

    conceitos, de maneira que possam ser escolhidos os termos mais apropriados para

    expressar de maneira no ambgua cada um dos conceitos subjacentes. Tambm

    essencial chegar a um acordo sobre os termos que possam melhor refletir o contedo

    em cada idioma. Com a possibilidade de vrias alternativas, preciso que as decises

  • 22

    sejam tomadas com base em princpios de preciso, aceitabilidade e utilidade geral

    (OMS CIF, 2003).

    Dentro do esquema hierrquico de estruturao da CIF, as definies so

    importantes pois especificam as qualidades, propriedades ou relaes (atributos

    essenciais) do conceito designado para cada categoria. Cada definio estabelece que

    tipo de coisa ou de fenmeno designado por um termo, indicando como ele difere

    de outras coisas ou fenmenos relacionados (OMS CIF, 2003).

    Do ponto de vista da terminologia, qualquer classificao tem sua base na

    distino fundamental entre os fenmenos que esto sendo classificados e a prpria

    estrutura da classificao. Em geral, importante distinguir entre o mundo e os

    termos que utilizamos para descrev-lo. Por exemplo, os termos dimenso ou

    domnio podem ser definidos precisamente para se referir ao mundo e

    componente e categoria definidos para se referir apenas classificao. Ao

    mesmo tempo, h uma correspondncia, ou seja, uma funo de compatibilidade,

    entre esses termos e h a possibilidade de que uma grande variedade de usurios

    possa utilizar esses termos de maneira intercambivel. Para exigncias mais

    especializadas, montagem de bancos de dados e pesquisas, por exemplo, essencial

    que os usurios identifiquem separadamente, e com uma terminologia claramente

    distinta, os elementos do modelo conceitual daqueles da estrutura da classificao.

    Todavia, chegou-se concluso de que a preciso e pureza fornecidas por este tipo

    de abordagem no valem o preo pago em um nvel de abstrao que pode solapar a

    utilidade da CIF ou, mais importante, restringir a faixa de potenciais usurios desta

    classificao (OMS CIF, 2003).

  • 23

    Segundo SASSAKI (2006), medida que o movimento inclusivo se espalha

    pelo mundo, palavras e conceituaes mais apropriadas ao atual patamar de

    valorizao dos seres humanos esto sendo incorporadas ao discurso dos ativistas de

    direitos, por exemplo, dos campos da deficincia e da sade mental. Este considera,

    em primeiro lugar, a questo do vocbulo deficincia, colocando que a traduo

    correta das palavras (respectivamente, em ingls e espanhol) "disability" e

    discapacidad" para o portugus falado e escrito no Brasil deveria ser deficincia,

    pois esta palavra permanece no universo vocabular tanto do movimento das pessoas

    com deficincia como dos campos da reabilitao e da educao, como uma

    realidade terminolgica histrica. O termo anormalidade seria utilizado na CIF

    estritamente para se referir a uma variao significativa das normas estatsticas

    estabelecidas (isto , como um desvio da mdia da populao dentro de normas

    mensuradas) e ele deveria ser utilizado somente neste sentido.

    Para este autor, o conceito de deficincia no pode ser confundido com o de

    incapacidade, colocando que esta palavra uma traduo, tambm histrica, do

    termo "handicap". O conceito de incapacidade denotaria um estado negativo de

    funcionamento da pessoa, resultante do ambiente humano e fsico inadequado ou

    inacessvel, e no um tipo de condio, apontando como exemplos: a incapacidade

    de uma pessoa cega para ler textos que no estejam em braile, a incapacidade de uma

    pessoa com baixa viso para ler textos impressos em letras midas, a incapacidade de

    uma pessoa em cadeira de rodas para subir degraus, a incapacidade de uma pessoa

    com deficincia intelectual para entender explicaes conceituais, a incapacidade de

    uma pessoa surda para captar rudos e falas. Assim estaria configurada a situao de

    desvantagem imposta s pessoas com deficincia atravs daqueles fatores

  • 24

    ambientais que no constituem barreiras para as pessoas sem deficincia, segundo

    o seu entendimento (SASSAKI, 2006).

    Ainda segundo Sassaki, infelizmente para quem luta h dcadas pelo uso de

    terminologias corretas, a CIF foi oficialmente traduzida para o portugus como

    Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade. Sassaki

    critica o fato de ser utilizada apenas a palavra incapacidade toda vez que, no texto

    original, aparece o vocbulo disability (que para o portugus corrente seria

    deficincia). Defende que, do ponto de vista formal, deva-se manter a palavra

    deficincia no singular, apresentando como exemplos: pessoas com deficincia

    visual (e no pessoas com deficincias visuais), ou pessoas com deficincia

    intelectual (e no pessoas com deficincias intelectuais). Salienta a importncia

    de usar o singular ao nos referirmos deficincia e/ou ao tipo de deficincia,

    independentemente de, no idioma ingls, ser utilizado o plural ("persons with

    disabilities", "persons with intellectual disabilities") ou o singular ("persons with a

    disability", "persons with an intellectual disability") (SASSAKI, 2006).

    Apontando para o comentrio sobre o portugus corrente referido no

    pargrafo anterior, deve-se lembrar que a maioria dos termos que se presta a

    confuses tem sido utilizada, no dia a dia, com o significado que o senso comum lhes

    atribui habitualmente (OMS CIDID, 1989). Mesmo muitos profissionais que

    trabalham na rea de reabilitao ainda utilizam termos para se referir deficincia e

    incapacidade que fazem parte de vocabulrio comum, com pouca diferenciao do

    seu real significado.

    Uma razo fundamental da falta de informao sobre a situao social e sobre

    outras condies das pessoas com deficincia, inclusive o prprio nmero de pessoas

  • 25

    que apresentam deficincia ou incapacidade na populao, provm do fato das

    diversas organizaes oficiais implicadas no partilharem de uma definio comum e

    desprovida de ambigidade sobre o que constitui a incapacidade, a deficincia e

    limitao de atividade. Por outro lado, tambm se verificam incoerncias quanto

    identificao de problemas. Dentro dos conceitos da CIDID/ICIDH, o problema de

    fundo provm dos conceitos relacionados com incapacidade e desvantagem no

    serem suficientemente apreciados, estudados e, conseqentemente, no ter se

    desenvolvido uma prtica sistemtica da linguagem especfica referente a estas

    questes. Embora as distines semnticas possam ser levadas ao exagero, na

    verdade o que justifica a opo por determinada nomenclatura o fato de, com ela,

    ser possvel conseguir vantagens prticas. Tais vantagens devem tornar-se evidentes

    medida que uma descrio mais esclarecedora dos processos revelar a forma de

    solucionar os problemas. J no manual da CIDID/ICIDH, deu-se muita ateno aos

    termos descritivos utilizados, de forma a reforar as distines de tipo conceitual

    (OMS CIDID, 1989).

    No dicionrio Houaiss da lngua portuguesa, h uma descrio da origem

    etimolgica da palavra inglesa handicap que remonta ao ano de 1754, explicando o

    sentido de desvantagem, para uma corrida ou competio em que uma vantagem

    concedida ou uma desvantagem imposta a um participante para igualar as chances

    de vitria dos competidores; desvantagem que torna mais difcil alcanar uma meta,

    deficincia fsica. O termo provm de handicap, que seria uma alterao de hand in

    cap descrito como um tipo de jogo em que o dinheiro pago como penalidade ficava

    em um chapu. A descrio como substantivo masculino oferece trs significados:

    (1) na rubrica esportes h a explicao em corridas e outras competies,

  • 26

    vantagem que se concede a um ou mais competidores (pessoa ou animal) para

    compensar deficincias de sua parte e igualar as possibilidades de vitria para

    todos; (2)como derivao em sentido figurado como qualquer desvantagem que

    torna mais difcil o sucesso ou (3) deficincia fsica ou mental que dificulta as

    atividades normais de uma pessoa (HOUAISS, 2002).

    Uma descrio semelhante pode ser encontrada no Dicionrio

    Contemporneo da Lngua Portuguesa de Caldas Aulete para a palavra inglesa

    handicap relacionando-a ao turfe, corrida em que cavalos de diferentes classes

    recebem pesos proporcionais a suas qualidades, a fim de igualar-lhes suas

    possibilidades de vitria. Por extenso, nas provas esportivas de fora, destreza ou

    agilidade, descrito como qualquer desvantagem artificial imposta ao concorrente

    havido como superior; desvantagem (AULETE, 1964).

    No Dicionrio de Sinnimos American Century Thesaurus, o termo

    handicap tem entre vrios sinnimos, a palavra disability. A palavra disability,

    por sua vez tem como sinnimos as palavras handicap, impairment,

    disablement, inability, incapacity entre outras (URDANG, 1997).

    Podemos perceber que a dificuldade com o uso adequado destes termos no

    s da lngua portuguesa e fazer a traduo dos mesmos acaba por esbarrar no uso

    intercambivel de termos que se fez por muito tempo, tambm na lngua inglesa.

    Mesmo reconhecendo as questes de uso das palavras no idioma portugus, a CIF de

    alguma maneira d definies para os termos impairment e disability, tendo sido

    abandonado o termo handicap.

    Em Portugal, ao ser iniciada a discusso do modelo biopsicossocial da CIF,

    foi posto em questo o tradicional modelo mdico. Este modelo est baseado em

  • 27

    classificaes categoriais e em critrios estritamente mdicos, critrios estes

    assentados sobre terminologias, conceitos e definies que so ancoradas em

    inferncias causais relativas deficincia e inerentes pessoa, sem tomar em

    considerao os fatores externos ou ambientais. O termo deficincia (no nvel do

    corpo) no deixa transparecer o papel relevante do meio ambiente e carrega um

    conceito de conotao eminentemente biolgica, prpria do modelo mdico.

    Segundo esta discusso, a utilizao deste termo seria, ao mesmo tempo, causa e

    conseqncia da permanncia de algumas opes de poltica quanto organizao

    de recursos, procedimentos e critrios de elegibilidade, bem como de

    representaes sociais e profissionais mais negativas relativas s pessoas com

    deficincia (PORTUGAL, 2006).

    Implementar a CIF como um novo sistema de classificao complexo e

    requer esforos conjugados, sobretudo de diferentes setores da Administrao

    Pblica, de organizaes no governamentais, de pessoas com deficincia ou

    incapacidade, de universidades e escolas superiores, de profissionais e especialistas

    de diferentes reas disciplinares, bem como requer a colaborao internacional,

    especialmente da OMS e dos seus mecanismos estabelecidos para efeitos de apoio aos

    diferentes pases que queiram implementar tal sistema. Portugal defende que, para

    incrementar de maneira coerente a sua aplicao progressiva, este novo modelo seja,

    desde j, o elemento orientador para a reformulao de polticas setoriais, de sistemas

    de informao e estatstica, de quadros legislativos, de procedimentos e de

    instrumentos de avaliao e de critrios de elegibilidade. Nesta perspectiva, Portugal

    prope que todos os esforos sejam empreendidos em diferentes nveis para a adoo

    do termo incapacidade, como termo genrico que engloba os diferentes nveis de

  • 28

    limitaes funcionais relacionados com a pessoa e o seu meio ambiente, para referir o

    estado funcional da pessoa, expressando os aspectos negativos da interao entre um

    indivduo com problemas de sade e o seu meio fsico e social, em substituio ao

    termo deficincia (que corresponde apenas s alteraes ou anomalias no nvel das

    estruturas e funes do corpo, incluindo as funes mentais) que se configura mais

    restritivo e menos prximo do modelo social (PORTUGAL, 2006).

    No entanto, reconhecendo que deficincia ainda o termo de referncia

    predominante na lngua portuguesa, no documento Plano de Ao para a Integrao

    das Pessoas com Deficincias ou Incapacidades, Portugal opta pela utilizao

    simultnea dos termos incapacidade e deficincia de modo a estabelecer uma

    transio, indicando um caminho para a adoo da nova terminologia (PORTUGAL,

    2006).

    Desta forma, entendendo a questo apresentada por Sassaki, mas tambm

    buscando a melhor maneira de aproximar as tradues e os conceitos descritos na

    CIF, a autora opta por utilizar nesta tese a palavra pessoa com deficincia ou

    incapacidade para traduzir person with a disability, pessoa deficiente ou

    incapacitada para traduzir disabled person, incapacitante para disabling,

    desvantagem para handicap e apenas deficincia onde houver a palavra

    impairment, da maneira como Portugal aponta para uma forma de transio.

  • 29

    2. Objetivo:

    Apresentar definies de Deficincia e Incapacidade, contidas em bibliografia

    especializada, bem como em leis brasileiras e de alguns outros pases, discutindo a

    possvel contribuio das classificaes CID-10 e CIF nesta rea.

    3. Desenvolvimento do tema:

    3.1 CID-10 e CIF

    3.1.1 Histrico das duas classificaes

    A Dcima Reviso da Classificao Internacional de Doenas (CID),

    denominada Classificao Estatstica Internacional de Doenas e Problemas

    Relacionados Sade, ou de forma abreviada CID-10, a mais recente reviso da

    Classificao de Bertillon ou Lista Internacional de Causas de Morte de 1893. Os

    antecedentes histricos dos principais fatos que levaram classificao, organizada

    por Bertillon, so apresentados no Volume 2 da CID-10. Com a dcima reviso, o

    ttulo da classificao foi alterado para tornar mais claro o contedo e a sua

    finalidade, mas tambm para refletir a extenso progressiva da abrangncia da

    classificao alm de doenas e leses, sendo mantida a familiar abreviatura "CID".

    Na atualizao da classificao, as afeces foram agrupadas de forma a torn-la mais

    adequada aos objetivos de estudos epidemiolgicos gerais e para a avaliao de

    assistncia sade (OMS CID-10, 1996).

    Em 1983 iniciou-se o trabalho para a Dcima Reviso da CID, quando foi

    realizada uma Reunio Preparatria sobre a CID-10, em Genebra. O programa de

    trabalho foi conduzido por meio de reunies peridicas dos Diretores de Centros

  • 30

    Colaboradores da OMS para a Classificao de Doenas. Foram realizadas vrias

    reunies para estabelecer o plano de ao, incluindo as reunies do Comit de Peritos

    em Classificao Internacional de Doenas, realizadas em 1984 e 1987. Muitos

    comentrios e sugestes foram provenientes dos Pases Membros da OMS e dos

    Escritrios Regionais da OMS, alm das contribuies tcnicas oferecidas por vrios

    grupos de especialistas bem como de peritos individuais. Esses comentrios e

    sugestes resultaram na circulao, pelos pases, dos rascunhos das propostas da

    Reviso em 1984 e 1986. Vrios modelos alternativos de estrutura foram avaliados

    seguindo sugestes apresentadas durante a preparao da Nona Reviso da

    Classificao, pois foram feitas sugestes de que uma estrutura bsica diferente

    poderia atender melhor s necessidades de muitos e variados tipos de usurios.

    Entretanto, ficou claro que o modelo tradicional de eixo com varivel nica da

    classificao, assim como outros aspectos de sua estrutura que davam nfase a

    afeces que eram freqentes, que representavam altos custos ou, por outro lado,

    eram de importncia em sade pblica, resistiu ao tempo e que muitos usurios no se

    satisfaziam com os modelos apresentados como possveis substitutos. Assim, foi

    mantida a tradicional estrutura da CID, com um esquema de cdigo alfanumrico que

    substituiu o anterior que era apenas numrico. Isso levou a um sistema com muito

    maior nmero de cdigos deixando espaos para que em futuras revises no

    houvesse rompimento da ordenao, como ocorria nas revises anteriores (OMS

    CID-10, 1996).

    A Classificao foi aprovada pela Conferncia Internacional para a Dcima

    Reviso em 1989 e apresentada Quadragsima Terceira Assemblia Mundial de

    Sade. Por meio das recomendaes do relatrio da Conferncia Internacional para a

  • 31

    Dcima Reviso da Classificao Internacional de Doenas, foi adotada a lista

    detalhada de categorias de trs caracteres e subcategorias opcionais de quatro

    caracteres com as Listas Abreviadas de Tabulao para Mortalidade e para

    Morbidade, constituindo a Dcima Reviso da Classificao Estatstica Internacional

    de Doenas e de Problemas Relacionados Sade, para entrar em vigor em 1 de

    janeiro de 1993. Foram includas as definies, normas e requisitos para informaes

    relacionadas s mortalidades materna, fetal, perinatal, neonatal e infantil, alm das

    regras e instrues para as codificaes da causa bsica de mortalidade e da causa

    principal em morbidade. Foi estabelecido um processo de atualizao para ocorrer

    durante o ciclo de dez anos da reviso (OMS CID-10, 1996).

    A CID era inicialmente uma classificao de causas de morte. Apenas a partir

    da Sexta Reviso, passou a ser uma classificao que incluiu todas as doenas e

    motivos de consultas, possibilitando seu uso em morbidade (LAURENTI, 1991).

    A CID-10 retm pontos-chave da Classificao de Bertillon, original do

    sculo XIX, e muitas das caractersticas da sexta reviso, a CID-6, adotada em 1946.

    O contedo da CID-10 foi desenvolvido a partir de 1983-1989 e reflete o

    conhecimento e o pensamento daquela poca (WHO FDC Bethesda, 2001).

    No perodo de 1984 a 1987, durante o processo de reviso, muitos usurios

    manifestaram o desejo de que a CID inclusse outros tipos de dados alm da

    "informao diagnstica" que sempre havia includo, surgindo o conceito de uma

    "famlia" de classificaes. Segundo esse conceito, a CID atenderia as necessidades

    de informao diagnstica para finalidades gerais, enquanto outras classificaes

    seriam usadas em conjunto com ela, tratando com diferentes enfoques a mesma

    informao ou tratando de informao diferente (principalmente procedimentos

  • 32

    mdicos e cirrgicos e as incapacidades). Na Quadragsima Terceira Assemblia

    Mundial de Sade foram endossadas as recomendaes da Conferncia Internacional

    para a Dcima Reviso relativas ao conceito e a implementao de uma famlia de

    classificaes de doenas e de problemas relacionados sade, tendo como ncleo

    central a Classificao Estatstica Internacional de Doenas e de Problemas

    Relacionados Sade, cercada por vrias classificaes relacionadas ou

    suplementares a ela e a Nomenclatura Internacional de Doenas. Com base nesta

    necessidade, a partir da Dcima Reviso passa a existir uma famlia de

    classificaes para os mais diversos usos em administrao de servios de sade e

    epidemiologia (LAURENTI, 1991; OMS CID-10, 1996).

    A CIF (Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade)

    pertence a esta famlia de classificaes, desenvolvida pela Organizao Mundial

    da Sade (OMS) para aplicao em vrios aspectos da sade (STUN, 2002).

    A Classificao Internacional das Deficincias, Incapacidades e

    Desvantagens foi publicada em 1980 (conhecida pela sigla CIDID em portugus ou

    ICIDH do nome em ingls, International Classification of Impairments, Disabilities

    and Handicaps,), em carter experimental, aps sucessivas revises que foram

    incorporando categorias correspondentes s conseqncias duradouras das doenas

    (CASADO, 2001; OMS CIDID, 1989).

    A CIF a segunda reviso da CIDID/ ICIDH de 1980. Como segunda

    reviso, a CIF foi desenvolvida aps estudos de campo sistemticos e consulta

    internacional que duraram pelo menos cinco anos, sendo ento aprovada em maio de

    2001 para uso internacional (STUN, 2002; OMS CIF, 2003).

  • 33

    Organizaes de pessoas com deficincia, como a Rehabilitation

    International (RI) e outras, tiveram participao importante em questes conceituais

    ao longo das revises sucessivas da CIDID/ICIDH at a verso final da CIF

    (CASADO, 2001).

    O processo de reviso da CIDID/ICIDH comeou no incio dos anos 90. Aps

    numerosas verses resultantes deste processo de reviso, a CIF sucedeu a

    CIDID/ICIDH, refletindo o conhecimento e o pensamento de uma dcada diferente

    (WHO FDC Bethesda, 2001; EGEA e SARABIA, 2001). Esta dcada diferente

    compe o pano de fundo de importantes mudanas de concepes e no modelo da

    classificao, com a aprovao e publicao de documentos de extrema relevncia

    para o movimento de direitos das pessoas com deficincia no mundo. um perodo

    que sucede importante movimentao poltica para democratizao, com impacto

    diferenciado em diferentes pases, podendo ser lembrado o perodo de abertura

    poltica no Brasil.

    A OMS desenvolveu um esquema relacionado com as conseqncias da

    doena de natureza preliminar em 1972, sendo, em poucos meses, sugerida uma

    abordagem mais abrangente. As sugestes foram feitas com base em dois princpios

    importantes: distinguir entre as deficincias e a sua importncia, ou seja, as

    conseqncias funcionais e sociais, e classificar independentemente, com diferentes

    cdigos, esses vrios aspectos ou eixos de informao. Explorou-se a possibilidade

    de constituir um esquema que fosse compatvel com os princpios da estrutura da

    CID, com tentativas para sistematizar a terminologia aplicada s conseqncias das

    doenas. Em 1973, essas sugestes circularam de modo informal e foi solicitada

    especial ajuda de grupos do setor da reabilitao. Em 1974, circularam classificaes

  • 34

    distintas para deficincias e para desvantagens e as discusses continuaram, sendo

    recolhidos comentrios para a elaborao de propostas definitivas. Em outubro de

    1975, estas propostas foram submetidas considerao da Conferncia Internacional

    para a Nona Reviso da Classificao Internacional de Doenas que recomendou a

    sua publicao em carter experimental (OMS CIF, 2003).

    Concomitantemente, em 1975, foi aprovada pela Assemblia Geral da ONU a

    Resoluo que estabeleceu a primeira Declarao dos Direitos das Pessoas

    Deficientes. Um ano depois, em 16 de dezembro de 1976, foi aprovada a Resoluo

    que proclamava o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes,

    que agregou grupos de defesa dos direitos das pessoas com deficincia, projetos e

    recomendaes para atividades em nvel nacional e internacional, diversas metas a

    curto, mdio e longo prazo, representando uma importante conquista. Este ano teve

    como tema Participao plena e igualdade, trazendo o foco para o reconhecimento

    mundial de que as pessoas com deficincia tm os mesmos direitos de todos os

    outros cidados de se beneficiar dos servios postos disposio pelo Estado e pela

    sociedade em geral a todos os outros cidados, entendendo como participao plena a

    participao em todos os aspectos da vida comunitria, incluindo as atividades

    polticas, econmicas, sociais e culturais (SILVA, 1987).

    Em 1976 a OMS aprovou, para teste, a CIDID/ICIDH como manual das

    conseqncias da doena, para ser publicada em 1980 na verso oficial em ingls.

    Em 1987, estabelece-se a rede de centros colaboradores da OMS para aplicao e

    desenvolvimento da CIDID/ICIDH e neste mesmo ano o Conselho Europeu cria um

    Comit de Especialistas para a aplicao da CIDID/ICIDH. Em 1989 o Conselho

    Europeu cria um documento sobre a utilizao da CIDID/ICIDH e em 1992 realiza-

  • 35

    se uma reunio anual sobre a CIDID/ICIDH na Holanda em que so revisados alguns

    itens da Classificao, redigida uma nova introduo, com o acordo de levar adiante

    o processo de reviso, com o estabelecimento de responsabilidades aos distintos

    centros colaboradores (OMS CIF, 2003; EGEA e SARABIA, 2001).

    Em 1992, ano em que se decide efetivamente avanar na reviso da

    CIDID/ICIDH, foi proclamado o Dia Internacional das Pessoas com Deficincia pela

    Assemblia Geral das Naes, para ocorrer todos os anos na data de 3 de dezembro,

    com o objetivo de promover, na populao em geral, a compreenso das questes de

    deficincia e mobilizar o respeito pela dignidade, pelos direitos e pelo bem-estar das

    pessoas com deficincia.

    Na reunio anual de 1993 sobre a CIDID/ICIDH realizada em Washington,

    programa-se o processo de reviso e so distribudas tarefas e responsabilidades entre

    os centros colaboradores. A OMS publica uma reimpresso da CIDID/ICIDH em que

    aparece a meno para teste com o acrscimo um novo prlogo. Neste mesmo ano,

    as Naes Unidas publicam as Normas Uniformes para a Equiparao de

    Oportunidades para as Pessoas com Deficincia (OMS CIF, 2003; EGEA e

    SARABIA, 2001).

    Em 1996, foi redigida a verso preliminar alfa da nova CIDID/ICIDH, que

    passa a utilizar a sigla ICIDH-2, por razes histricas, ou seja, indicando que se

    tratava de uma verso da classificao original, em processo de modificao. De

    maio de 1996 a fevereiro de 1997 a verso preliminar Alfa circulou entre os centros

    colaboradores e os grupos de trabalho, sendo centralizados na OMS, em Genebra,

    todos os comentrios e as sugestes coletados. Uma lista de perguntas bsicas

  • 36

    englobando os principais problemas relacionados com a reviso tambm circulou

    para facilitar a coleta dos comentrios (OMS CIF, 2003; EGEA e SARABIA, 2001).

    Em maro de 1997, foi elaborada uma verso preliminar Beta-1 que integrava

    as sugestes recolhidas nos anos anteriores, sendo apresentada na reunio de reviso

    da CIDID/ICIDH em abril de 1997. Aps a incorporao na CIDID/ICIDH das

    decises da reunio, foi produzida em junho de 1997 a verso preliminar ICIDH-2

    Beta-1, para estudos de campo. Este segundo rascunho beta-1 da ICIDH-2, recebeu

    o nome provisrio de Classificao das Deficincias, Atividades e Participao.

    Entre janeiro e abril de 1999, com base em todos os dados e outras informaes

    provenientes dos estudos de campo da verso Beta-1, foi redigida a verso preliminar

    Beta-2. A verso resultante foi apresentada e discutida na reunio anual da ICIDH-2

    em Londres em abril de 1999. O novo rascunho beta-2 da ICIDH-2 recebeu o

    nome de Classificao do Funcionamento e da Incapacidade. Aps a incorporao

    das decises da reunio, a verso preliminar Beta-2 foi impressa e publicada em

    julho de 1999 para ser utilizada em estudos de campo (OMS CIF, 2003; EGEA e

    SARABIA, 2001).

    Os estudos de campo concentraram-se em questes transculturais e

    multisetoriais, desencadeando uma ampla participao dos Estados Membros da

    OMS, com diferentes disciplinas, incluindo setores como seguros de sade,

    previdncia social, trabalho, educao e outros grupos engajados na classificao das

    condies de sade. O objetivo era chegar a um consenso, atravs de definies que

    fossem claras e operacionais. Os estudos de campo constituram um processo

    contnuo de desenvolvimento, consulta, feedback, atualizao e teste (OMS CIF,

    2003).

  • 37

    Em 2000, com base nos dados do estudo de campo da verso Beta-2 e com a

    colaborao dos centros colaboradores e do Comit de Peritos em Medio e

    Classificao da OMS, foram feitos dois rascunhos pr-finais (em outubro e

    dezembro, respectivamente) da ICIDH-2, com o nome de Classificao

    Internacional de Funcionamento, Incapacidade e Sade. Em janeiro de 2001, o

    Comit Executivo da OMS decide levar para aprovao na 54 Assemblia Mundial

    da Sade, o rascunho pr-final de dezembro da ICIDH-2. Em abril, surgiu o

    rascunho final da ICIDH-2 e em 22 de maio foi aprovada a nova verso desta

    classificao com o nome definitivo de Classificao Internacional de

    Funcionalidade, Incapacidade e Sade com a sigla CIF. O perodo de aplicao da

    CIDID/ICIDH vai alm de 20 anos e seu perodo de reviso se prolongou por quase

    uma dcada. Foi um longo processo, com ampla participao internacional (todos os

    centros colaboradores, grupos de trabalho especficos para algumas partes,

    instituies internacionais representativas e redes internacionais). Mais de 50 pases e

    de 1800 peritos estiveram envolvidos nos testes de campo, cada um produzindo o seu

    prprio relatrio. Foram utilizadas novas tecnologias da informao e da

    comunicao (a OMS , em sua pgina da web, manteve uma parte dedicada reviso

    da ICIDH). Ocorreram voltas surpreendentes neste processo de elaborao (termos

    que apareceram e desapareceram, inclusive o prprio nome da classificao,

    desdobramento ou agrupamento das diferentes escalas que compem a Classificao

    e at uma mudana final nas siglas que a iriam reger desde o momento de sua

    aprovao pela Assemblia Mundial da Sade de 2001) (OMS CIF, 2003; EGEA e

    SARABIA, 2001).

  • 38

    Uma das razes para as mudanas de nome da classificao durante o

    processo de reviso e ao final a mudana da sigla para CIF, envolve o entendimento

    de que a CIDID/ICIDH apresentava apenas os aspectos negativos da deficincia ou

    incapacidade, buscando com os termos funcionalidade e sade reforar os

    aspectos positivos e o fato de ser uma classificao de sade. Houve muitas

    modificaes e, na prtica, muito pouco restou da CIDID/ICIDH em termos de

    conceitos e da terminologia empregada (EGEA e SARABIA, 2001).

    A CIF evoluiu a partir de uma classificao de conseqncias de doenas

    para uma classificao de componentes da sade. Componentes da sade

    definem o que constitui a sade, enquanto conseqncias focalizam o impacto das

    doenas ou outras condies que se seguem como um resultado. Neste caminho, a

    CIF toma um lugar neutro com respeito etiologia e permite aos pesquisadores

    chegar a inferncias causais com mtodos cientficos (STUN, 2002).

    A CIF faz um deslocamento paradigmtico do eixo da doena para o eixo da

    sade, permitindo uma viso diferente da sade, permitindo entender a condio ou

    estado de sade dentro de contextos especficos. Como classificao de sade, a CIF

    introduz um novo modo de compreender a situao de sade de indivduos ou

    populaes, mais dinmico e mais complexo, compatvel com a complexidade que

    envolve compreender a experincia completa de sade.

    A verso final da Classificao Internacional de Funcionalidade,

    Incapacidade e Sade, foi disponibilizada nos seis idiomas oficiais na pgina da

    famlia de classificaes e publicada na lngua portuguesa para todos os pases

    lusfonos em novembro de 2003 (OMS CIF, 2003; EGEA e SARABIA, 2001; ICF

    WHO homepage).

  • 39

    3.1.2 - CID-10

    Pode-se definir uma classificao de doenas como um sistema de categorias

    que so atribudas a entidades mrbidas segundo algum critrio estabelecido, com

    vrios eixos de classificao possveis. Um determinado eixo pode vir a ser

    selecionado, dependendo do uso das estatsticas elaboradas. Todas as entidades

    mrbidas devem ser includas dentro de um nmero manusevel de categorias em

    uma classificao estatstica de doenas (OMS CID-10, 1996).

    Ao ser aprovada, a CID-10 passou de dois para trs volumes. No volume 1 est

    a Lista Tabular, que a Classificao propriamente dita nos nveis de trs e quatro

    caracteres, alm da classificao de morfologia das neoplasias, listas especiais de

    tabulao para mortalidade e para morbidade, as definies e os regulamentos da

    nomenclatura. No volume 2, que um Manual de Instrues, so apresentadas notas

    sobre a certificao mdica e sobre a classificao, que estavam antes includas no

    volume 1, agora com maior quantidade de informaes e de material de instruo e

    orientaes sobre o uso do volume 1, sobre as tabulaes e sobre o planejamento para

    o uso da CID, o que se julgou que faltava nas revises anteriores. Inclui tambm a

    parte histrica que antes estava na introduo do volume 1. No volume 3, que o

    ndice Alfabtico, consta o ndice propriamente dito com uma introduo e maior

    quantidade de instrues sobre o seu uso (OMS CID-10, 1996).

    Como publicao oficial da OMS, a CID-10 foi adotada por todos os pases

    membros para finalidade de apresentaes estatsticas das causas de morte

    (mortalidade) ou das doenas que levam a internaes hospitalares ou atendimentos

    ambulatoriais (morbidade). At a nona Reviso (CID-9), as revises da CID eram

  • 40

    decenais e no havia atualizaes entre as revises. No relatrio da Conferncia

    Internacional para a Dcima Reviso, em 1989, que aprovou a CID-10, foi lanada a

    recomendao de que "a OMS endosse o conceito de um processo de atualizao no

    perodo entre duas revises e considere os mecanismos para que esta atualizao seja

    colocada em prtica" (OMS CID-10,1996).

    Hoje a classificao diagnstica padro internacional para propsitos

    epidemiolgicos gerais e administrativos da sade, incluindo anlise de situao

    geral de sade de grupos populacionais e o monitoramento da incidncia e

    prevalncia de doenas e outros problemas de sade. Embora a CID seja adequada

    para estas aplicaes, ela nem sempre permite a incluso de detalhes suficientes para

    algumas especialidades, e s vezes pode ser necessria a informao acerca de

    diferentes atributos das afeces classificadas (OMS CID-10, 1996).

  • 41

    3.1.3 CIF

    A CIF organiza a informao em trs componentes: (1) O construto do Corpo,

    que compreende duas classificaes, uma para funes do corpo e uma para

    estruturas do corpo, cujos captulos so organizados de acordo com os sistemas do

    corpo; (2) Os construtos de Atividade e Participao, que cobrem a extenso

    completa de domnios que denotam aspectos da funcionalidade a partir da

    perspectiva individual e social; (3) Uma lista de fatores ambientais. Os fatores

    ambientais tm um impacto sobre todos os trs construtos e so organizados a partir

    do ambiente mais imediato do indivduo para o ambiente geral. Os domnios do

    componente de Atividades e Participao esto includos numa lista nica que

    engloba a totalidade das reas vitais (desde a aprendizagem bsica ou a mera

    observao at reas mais complexas, tais como, interaes interpessoais ou de

    trabalho). Os domnios deste componente so qualificados pelos dois qualificadores

    de desempenho e capacidade. O qualificador de desempenho descreve o que um

    indivduo faz no seu ambiente real. Devido ao fato de que o ambiente real traz um

    contexto social, o desempenho pode tambm ser entendido como envolvimento em

    uma situao de vida ou a experincia vivida das pessoas no contexto real nas

    quais vivem. Este contexto inclui os fatores ambientais todos os aspectos do mundo

    fsico, social e de atitudes que podem ser codificados usando os Fatores Ambientais.

    O qualificador de capacidade descreve a capacidade de um individuo para executar

    uma tarefa ou ao descrita na classificao em um ambiente uniforme. Este

    construto oferece um entendimento do mais elevado nvel provvel que uma pessoa

    pode alcanar em um dado domnio em um dado momento. Um ambiente uniforme

    como um termo especfico, cobre os fatores ambientais relevantes para o domnio

  • 42

    especificado e no deve ter barreiras ou obstculos, de modo que permita a algum

    avaliar a total capacidade do indivduo. Assume-se que ambiente uniforme seja o

    mesmo para todas as pessoas em todos os pases para permitir comparaes

    internacionais (STUN, 2002; OMS CIF, 2003).

    A CIF cobre todos os componentes possveis da sade e alguns componentes de

    bem-estar relacionados sade (tais como educao, trabalho, etc) para descrio e

    avaliao. Como uma classificao, a CIF sistematicamente agrupa diferentes

    domnios. Os domnios da CIF so descritos por duas listas bsicas: (1) funes e

    estruturas corporais; (2) atividades e participao (STUN, 2002).

    A CIF descreve estes aspectos da sade humana e os relacionados sade como

    domnios da sade e domnios relacionados sade. Os estados de sade

    associados com todas doenas, distrbios, leses e outras condies de sade podem

    ser descritos usando a CIF. A unidade de classificao , portanto, o domnio da

    sade e dos estados relacionados sade (STUN, 2002).

    A CIF uma classificao com mltiplos propsitos, idealizada para servir a

    vrias disciplinas e diferentes setores. Seu objetivo especfico prover uma base

    cientfica para a compreenso e o estudo de condies de sade e estados

    relacionados sade e os seus determinantes, alm de estabelecer uma linguagem

    comum para descrever os estados de sade que permitiro a comparao de dados

    entre pases, disciplinas de cuidados de sade, entre servios e ao longo do tempo.

    Mesmo a CIDID/ICIDH foi utilizada para vrios propsitos, tais como estatsticas de

    sade, pesquisa, trabalho clnico e poltica social. A CIF uma classificao de

    sade e de domnios relacionados sade e estes so agrupados de acordo com suas

    caractersticas comuns (tais como origem, tipo ou similaridade) e ordenados de um

  • 43

    modo significativo. A CIF d definies operacionais dos domnios da sade ao

    contrrio das definies de sade vernaculares (ou seja, definies prprias dos

    idiomas dos pases a que pertencem). Estas definies operacionais descrevem os

    atributos essenciais de cada domnio (por exemplo, qualidades, propriedades e

    relacionamentos) e contm informao sobre o que est includo e excludo em cada

    domnio, com pontos de ancoramento para avaliao, de modo que as definies

    possam ser traduzidas em questionrios, ou de modo inverso, resultados de

    instrumentos de avaliao possam ser codificados em termos da CIF. Por exemplo,

    viso definida como uma pessoa poder ver claramente objetos a distncias

    variadas, o campo visual e a qualidade da viso, enquanto a gravidade da dificuldade

    de viso pode ser codificada como de nvel leve, moderado, grave ou total (STUN,

    2002; OMS CIF, 2003).

    Os cdigos da CIF somente so completos pela presena de pelo menos um

    qualificador, que denota a magnitude do nvel de sade (por exemplo, gravidade do

    problema) seja em termos do construto Desempenho ou do construto

    Capacidade. Os Qualificadores so codificados como um ou dois nmeros aps um

    ponto decimal. O uso de qualquer cdigo deve ser acompanhado por pelo menos um

    qualificador. Sem os qualificadores, os cdigos no tm significado quando usados

    para indivduos ou casos (STUN, 2002; OMS CIF, 2003)

    Dificuldades ou problemas nestes domnios podem surgir quando existe uma

    alterao qualitativa ou quantitativa no modo como as funes nestes domnios so

    realizadas. Limitaes ou restries so avaliadas contra um padro geralmente

    aceito para a populao. O padro em relao ao qual a capacidade e o desempenho

    de um indivduo comparado aquele de um indivduo sem uma condio similar de

  • 44

    sade (doena, distrbio ou leso, etc.). Limitao ou restrio registram a

    discordncia entre o desempenho observado e o esperado. O desempenho esperado

    a norma da populao, que representa a experincia de pessoas sem a condio

    especfica de sade. Esta a mesma norma no qualificador de capacidade, de modo

    que algum pode fazer inferncias sobre o que pode ser feito ao ambiente da pessoa

    para melhorar seu desempenho (STUN, 2002; OMS CIF, 2003).

    Os fatores contextuais representam o histrico completo da vida e do estilo de

    vida de um indivduo. Incluem fatores ambientais e fatores pessoais que podem ter

    um impacto sobre o indivduo com uma condio de sade e sobre a sade ou os

    estados relacionados sade do indivduo. Os fatores ambientais representam o

    ambiente fsico, social e de atitudes nos quais as pessoas vivem e conduzem suas

    vidas. Estes fatores so externos aos indivduos e podem ter influncia positiva ou

    negativa sobre a participao de um indivduo como um membro da sociedade, no

    seu desempenho de atividades ou sobre a sua funo ou estrutura corporal. Os fatores

    pessoais so o conjunto de caractersticas individuais da vida de um indivduo e da

    sua existncia, compostos por caractersticas que no so parte de uma condio de

    sade ou estado de sade. Estas podem incluir idade, raa, gnero, nvel educacional,

    experincias, estilo de carter e personalidade, aptides, outras condies de sade,

    preparo fsico, estilo de vida, hbitos, tipo de criao, estilos de enfrentamento,

    substrato social, profisso e experincia passada e atual. Os fatores pessoais no so

    classificados na CIF (STUN, 2002; OMS CIF, 2003).

    Na CIF, so dados a uma pessoa conjuntos de cdigos que compreendem as

    trs partes da classificao. Geralmente a verso mais detalhada de 3 ou 4 nveis

    usada por servios especializados (por exemplo, resultados em reabilitao, geriatria,

  • 45

    etc) enquanto a classificao de 2 nveis pode ser usada para levantamentos e

    avaliao de resultados clnicos. No modelo das Medidas Resumo de Sade de

    Populaes - Summary Measures of Population Health (SMPH), a CIF fornece um

    modelo til para capturar as mltiplas dimenses de resultados ou desfechos de

    sade no fatais (nonfatal health outcomes) (STUN, 2002).

    Descries de estados de sade incluem a informao sobre a doena e as

    habilidades funcionais afetadas em vrios domnios. A CIF d um perfil de tais

    habilidades funcionais, que so definidas de uma forma padronizada para observao

    e mensurao (por exemplo, vrias funes corporais, mobilidade, autocuidados,

    cognio, relaes interpessoais, etc.). Estas descries podem ser usadas como um

    elemento valioso para avaliaes do estado de sade por medidas resumidas de

    sade. Como avaliao, expressa como um nico valor numrico e obtida atravs

    de um processo onde a descrio de estados de sade dada para elicitar os valores

    dados em termos de importncia, tempo, pessoa, dinheiro, probabilidade ou risco. As

    descries a partir da CIF oferecem uma ferramenta til para chegar a exerccios de

    avaliao conceitualmente compreensveis e culturalmente significantes. As

    descries da CIF oferecem um modelo comum com definies padro e pontos de

    ancoramento, que so factveis e cientficos. Usando o modelo da CIF, pode-se

    tambm estudar a mudana aps um evento-chave tal como adaptao,

    enfrentamento, ajustamento e acomodao, uma vez que a CIF permite a codificao

    e medidas de capacidade, fatores ambientais e fatores pessoais (OMS CIF, 2003;

    STUN, 2002).

  • 46

    3.1.4 - Definies de deficincia ou incapacidade da CIF

    O desenvolvimento de uma terminologia formal relacionada a funcionalidade

    e incapacidade apresenta desafios nicos devido ambigidade conceitual dentro

    deste campo. A CIF uma fonte rica de termos relevantes, conceitos e relaes

    requeridas para terminologias formais, oferecendo um importante ponto de partida

    para o desenvolvimento destas (HARRIS e col., 2003).

    Durante dcadas foram disponibilizadas ferramentas teis para coletar dados

    sobre causas de morte e modos de estimar a mortalidade da populao. Embora as

    disciplinas da reabilitao tenham produzido incontveis instrumentos de avaliao e

    medidas de qualidade de vida, ficou faltando uma classificao completa que

    pudesse assegurar coleta de dados confiveis e comparabilidade internacional. Esta

    foi a primeira motivao para levar ao desenvolvimento da CIF. A CIF agora serve

    como modelo da OMS para sade e incapacidade, como uma base conceitual para a

    definio, medidas e formulaes de poltica para todos os aspectos da deficincia ou

    incapacidade (MC DOWELL e NEWELL, 1996; BICKENBACH, 2003).

    Ao construir as definies das categorias da CIF, foram consideradas

    caractersticas ideais das definies operacionais. So consideradas caractersticas

    ideais das definies terem um significado e serem consistentes do ponto de vista

    lgico, identificando unicamente o conceito pretendido pela categoria. Ainda

    segundo caractersticas ideais, as definies devem apresentar os atributos essenciais

    do conceito tanto na inteno (o que o conceito significa intrinsecamente) como na

    extenso (a que objetos ou fenmenos ela se refere), alm de serem precisas, sem

    ambigidades, englobando o significado do termo na sua totalidade. Sua expresso

    deve utilizar termos operacionais que envolvam gravidade, durao, importncia

  • 47

    relativa e possveis associaes. importante que seja evitada a circularidade, isto ,

    o prprio termo, ou qualquer sinnimo, no deve aparecer na definio que tambm

    no deve incluir um termo definido noutro local em que se utiliza o primeiro termo

    na sua definio. Possveis fatores etiolgicos ou interativos devem ser referidos,

    sempre que for apropriado. Obedecendo a regras de taxonomia, as definies de uma

    determinada categoria devem-se ajustar aos termos das categorias superiores (um

    termo do terceiro nvel deve incluir as caractersticas gerais da categoria de segundo

    nvel qual pertence) e devem ser consistentes com os atributos dos termos

    subordinados (os atributos do segundo nvel no devem contradizer os termos do

    terceiro nvel subjacente). Alm disso, devem ser concretas e operacionais, evitando

    sentido figurado ou metforas. adequado que suas formulaes empricas sejam

    observveis, testveis ou dedutveis por meios indiretos. Sua formulao deve ser,

    sempre que possvel, em termos neutros sem conotaes negativas desnecessrias.

    Elas devem ser concisas, evitando-se, dentro do possvel, os termos tcnicos (com

    exceo de alguns termos das Funes e Estruturas do Corpo). Cada definio deve

    conter notas de incluso que forneam sinnimos e exemplos que levem em

    considerao a variao e as diferenas culturais ao longo da vida, bem como notas

    de excluso que alertem os usurios para possveis confuses com termos

    relacionados (OMS CIF, 2003).

    A seguir so alistadas as definies dos componentes da CIF.

    - Funes Corporais: so as funes fisiolgicas ou psicolgicas dos sistemas do

    corpo.

    - Estruturas Corporais: so as partes anatmicas do corpo tais como rgos, membros

    e outros componentes.

  • 48

    - Deficincias: so problemas na funo ou estrutura corporal, tais como um desvio

    ou perda significativos.

    -Funcionalidade: refere-se a todas as funes do corpo e desempenho de tarefas ou

    aes como um termo genrico.

    - Incapacidade: serve como um termo genrico para deficincias, limitaes de

    atividades e restries participao, com os qualificadores de capacidade ou

    desempenho.

    A CIF tambm alista fatores ambientais que interagem com todos estes

    construtos (STUN, 2002).

    Funes Corporais e estruturas corporais referem-se ao organismo humano

    como um todo, incluindo o crebro e suas funes, isto , a mente. Portanto, funes

    mentais (ou psicolgicas) so agrupadas sob as funes corporais. Funes e

    estruturas corporais so classificadas juntamente com sistemas corporais. As

    deficincias de estrutura podem envolver uma anomalia, defeito, perda ou outro

    desvio significativo em estruturas corporais. As deficincias representam um desvio

    de certos padres geralmente aceitos para a populao no estado biomdico do corpo

    e de suas funes. As deficincias podem ser temporrias ou permanentes;

    progressivas, regressivas ou estticas; intermitentes ou contnuas. O desvio da norma

    pode ser leve ou grave e pode flutuar ao longo do tempo. Estas caractersticas so

    capturadas em descries ulteriores, principalmente nos cdigos, por meio dos

    qualificadores (STUN, 2002; OMS CIF, 2003)

    Na CIF, o termo deficincia corresponde, como descrito acima, a alteraes

    nas funes ou estruturas corporais, ou seja, apenas no nvel do corpo, enquanto o

    termo incapacidade seria bem mais abrangente, constituindo um termo genrico para

  • 49

    deficincias, limitaes de atividades e restries participao, indicando os

    aspectos negativos da interao entre um indivduo (com uma determinada condio

    de sade) e seus fatores contextuais (fatores ambientais ou pessoais) (OMS CIF,

    2003).

    O modelo dinmico da CIF mostrado abaixo, na figura 1, incluindo os fatores contextuais.

    Figura 1: Interaes entre os componentes da CIF

    Extrado de: OMS CIF, 2003.

    Uma importante caracterstica da abordagem que foi adotada na CIF a

    universalizao do entendimento de deficincia ou incapacidade. Esta abordagem

    reconhece que a populao inteira de risco para as circunstncias concomitantes

    de doena crnica e incapacidade ou deficincia. O esquema da CIF no fornece

    limites para definir quem deficiente e quem no . Entretanto, reconhece aspectos e

    graus de deficincia ou incapacidade passveis de ocorrer em toda a populao.

    Muitos usos estatsticos de dados de deficincia ou incapacidade no requerem o

    estabelecimento de limites. Por exemplo, estatsticas que resumem a sade da

    populao podem incorporar elementos relacionados a deficincia ou incapacidade

  • 50

    num continuum de estado de sade. Neste tipo de abordagem, no existe a

    necessidade de uma definio de quem se conta como deficiente e quem no, de onde

    se depreende que a comparao internacional de estatsticas de deficincia no

    necessariamente requer pontos de limite para serem resolvidos (BRUNEL, 2002).

    Seus construtos de experincia relacionada sade substituem termos

    anteriormente usados - deficincia, incapacidade e desvantagem e estendem

    seus significados para incluir experincias positivas. Os novos termos so definidos e

    detalhados dentro da classificao. importante notar que estes termos so usados

    com significados especficos que podem diferir do seu uso corriqueiro (STUN,

    2002).

    Definindo as rubricas de domnios da sade e domnios relacionados sade

    (no da sade), a CIF pode ser til para desenhar a linha entre a sade e a no-

    sade para a descrio de desfechos de sade no fatais. Funcionaria assim como

    uma Pedra de Rosetta (como uma matriz de traduo) para vrios instrumentos de

    descrio de estados de sade porque quase todos estes instrumentos poderiam ser

    mapeados dentro da CIF como um modelo comum (STUN, 2002).

  • 51

    3.1.5 Natureza complementar e sobreposies das duas classificaes

    A OMS agora tem duas classificaes de referncia para a descrio dos

    estados de sade, a CID-10 e a CIF (WHO FDC Bethesda, 2001).

    Na famlia de classificaes internacionais da OMS, as condies ou estados

    de sade propriamente ditos (doenas, distrbios, leses, etc.) so classificados

    principalmente na CID-10, que fornece um modelo basicamente etiolgico, embora

    tenha uma estrutura com diferentes eixos ou grandes linhas de construo, entre estes

    o etiolgico, o antomo-funcional, antomo-patolgico, clnico e epidemiolgico. A

    funcionalidade e incapacidade associadas aos estados de sade so classificadas na

    CIF (OMS CIF, 2003; STUN, 2002).

    A CID-10 e a CIF so consideradas classificaes complementares, sendo os

    usurios estimulados a utiliz-las em conjunto. A CID-10 fornece um diagnstico

    de doenas, distrbios ou outras condies de sade e essas informaes so

    complementadas pelas informaes adicionais fornecidas pela CIF sobre

    funcionalidade. Em conjunto, as informaes sobre o diagnstico e sobre a

    funcionalidade, fornecem uma imagem mais ampla e mais significativa para

    descrever a sade das pessoas ou de populaes, que pode ser utilizada, entre outros,

    para propsitos de tomada de deciso (OMS CIF, 2003; STUN, 2002).

    Enquanto a CID-10 fornece os cdigos para mortalidade e morbidade, a CIF

    fornece os cdigos para descrever a variao completa de estados funcionais que

    capturam a experincia completa de sade (STUN e col, 2003).

    importante reconhecer a sobreposio entre a CID-10 e a CIF. As duas

    classificaes comeam com os sistemas do corpo. Deficincias, parte essencial da

    CIF, referem-se s estruturas e funes do corpo que so, em geral, parte do

  • 52

    processo de doena e, portanto tambm utilizadas na CID-10. No obstante, a CID-

    10 utiliza as deficincias (como sinais e sintomas) como partes de uma constelao

    que forma uma doena ou, algumas vezes, como as razes para o contato com

    servios de sade, enquanto que o sistema da CIF utiliza as deficincias como

    problemas das funes e estruturas do corpo associados aos estados de sade (OMS

    CIF, 2003).

    Podem ser identificadas coincidncias de partes, termos ou categorias na

    CID-10 e sobreposio com a CIF, e estas parecem estar principalmente em

    componentes da CIF de Estrutura Corporal e Funo Corporal com o captulo de

    sinais e sintomas da CID-10, com exemplos no quadro 1, apresentado abaixo.

    Quadro 1. Sobreposies CID-10 e CIF. CID-10 Cdigo CIF Cdigo

    Dor R52.9 e vrios cdigos

    Dor b280-b289

    Sintomas e sinais envolvendo estados emocionais

    R45 Funes emocionais b152

    Distrbios da Fala R47 Funes da voz e da fala b310-b399 Doenas do olho e anexos cegueira e viso subnormal

    H54 Viso e funes relacionadas

    b210-b229

    Doenas do Ouvido e Processo mastide Surdez / Perda auditiva

    H91 Audio e funes vestibulares

    b230-b249

    Incontinncia Urinria R32 Continncia Urinria b6202 Dorsopatias M40-M54 Estrutura da Coluna

    Vertebral s7600

    Anormalidades da Respirao R06 Funes da Respirao b440 Sintomas e sinais envolvendo cognio, percepo, estado emocional e comportamento sonolncia, estupor e coma

    R40 Alterao de funes mentais Estado de conscincia Funes mentais que quando alteradas produzem estados como obnubilao da conscincia, estupor ou coma

    b100

    Fonte: WHO Family Development Committee, Bethesda, 2001

    Algumas outras categorias dos componentes Funes e Estruturas do Corpo

    e categorias da CID-10 parecem se sobrepor, principalmente no que se refere aos

  • 53

    sintomas e sinais. No entanto, os propsitos das duas classificaes so diferentes. A

    CID-10 classifica sintomas em captulos especiais para documentar morbidade ou

    utilizao de servios, enquanto que a CIF os mostra como parte das funes do

    corpo, que podem ser utilizados para preveno ou identificao das necessidades

    dos pacientes (OMS CIF, 2003).

  • 54

    3.2- Definies de deficincia ou incapacidade

    Segundo Frank Mulcahy, secretrio da Disabled Peoples International

    (DPI), por muitos anos, esta organizao e muitas outras organizaes no-

    governamentais (ONG) internacionais no adotaram uma definio de deficincia ou

    incapacidade, devido a vrias razes. Muitas circunstncias levaram a esta opo,

    entre estas o fato de existirem muitas definies diferentes usadas na legislao em

    diferentes pases, alm de que a maioria das definies em uso eram definies

    mdica. Havia problemas com tradues de diferentes definies, bem como a

    aceitao em alguns pases de termos rejeitados em outros. O modelo experimental

    vigente da CIDID/ICIDH tambm foi apontado como uma razo para no adotar uma

    definio de deficincia ou incapacidade (MULCAHY, 2003).

    A apresentao da CIDID/ICIDH como um dos motivos para no adotar uma

    definio de deficincia ou incapacidade, defendida por Mulcahy, possivelmente se

    deve ao modelo mdico no qual se baseava, com a falta de mudana ao longo do

    tempo e o fluxo unidirecional da deficincia para incapacidade e para desvantagem, o

    que foi alvo de muitas crticas, segundo descrio do processo de reviso na prpria

    CIF (OMS CIF, 2003), com a sugesto de representaes grficas alternativas, que

    acabaram por resultar no modelo dinmico multidirecional e interativo da CIF,

    apresentado anteriormente nesta tese na figura 1.

    Todas as razes apresentadas acima e muitas outras, fizeram com que as

    ONG internacionais, incluindo a DPI, deixassem a deciso sobre o modo como

    abordariam a definio usada a cargo das Organizaes Membro Nacionais

    (MULCAHY, 2003).

  • 55

    Pode-se ter qualquer nmero de definies sendo usadas para diferentes

    legislaes, e isto cabe particularmente para definies de deficincia ou

    incapacidade usadas para Pagamentos de Benefcios em comparao com as

    definies Educacionais, de Treinamento e Emprego. A OMS iniciou a reviso da

    CIDID/ICIDH nos anos 90 e a DPI foi representada neste processo. O documento

    final, a CIF, adota uma abordagem que fortalece o modelo social de deficincia ou

    incapacidade em comparao com o modelo mdico previamente usado. A prpria

    DPI se viu requisitada em numerosas ocasies sobre qual definio de deficincia ou

    incapacidade gostaria de ver utilizada. Estas questes vieram de organizaes

    membro bem como de outras organizaes que apiam Direitos Humanos com base

    na abordagem da deficincia ou incapacidade. At a publicao da CIF, a DPI no

    tinha uma definio que pudesse ser passada para estas pessoas. Contudo, dentro da

    CIF, a definio de deficincia ou incapacidade que usada poderia ser utilizada

    para os propsitos da DPI. A CIF define incapacidade como o resultado da

    interao entre uma pessoa com uma deficincia e as barreiras ambientais e de

    atitudes que possa enfrentar. Assim, Mulcahy prope que poderia ser utilizada para

    o momento como definio preferida esperando que