311
Sônia Maria Rezende Camargo de Miranda CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL PARQUE Doutorado em Ciências Sociais PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo 2006

CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES NO ... · de Saúde), de 1987 a 2002, surgiu a idéia de um projeto de coleta seletiva de resíduos sólidos e organização um

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Sônia Maria Rezende Camargo de Miranda

CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO

SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL PARQUE

Doutorado em Ciências Sociais

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo 2006

II

Sônia Maria Rezende Camargo de Miranda

CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO

SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL PARQUE

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Doutora em Ciências Sociais, sob orientação da

Profa Dra Noemia Lazzareschi.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo 2006

III

FOLHA DE APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

IV

AUTORIZAÇÃO

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução tota l ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: ______________________________ São Paulo, 31 de Agosto de 2006.

V

DEDICATÓRIA

In memorian

À minha mãe,

Que recitava esta poesia quando eu era ainda uma criança, e hoje a trago na

lembrança...

Ao meu pai que viveu esta poesia:

Não chores, meu filho;

Não chores, que a vida

É luta renhida:

Viver é lutar.

A vida é combate,

Que os fracos abate,

Que os fortes, os bravos

Só pode exaltar.

Gonçalves Dias

A canção dos Tamoios

Confesso que foi necessário repeti - lá muitas vezes durante esta

caminhada...

Obrigada pelos princípios de vida que vocês me deixaram...

VI

AGRADECIMENTOS

À DEUS, Por me deixar existir... AO MEU ESPOSO FERNANDO,

Companheiro incondicional que cuidou de mim o tempo todo, para que eu pudesse

vencer mais esta batalha...

AS MINHAS FILHAS CHRISTIANE e FABIANA,

Razão da minha existência...

AO MEU QUERIDO PAULO CEZAR AUGUSTO,

Que não mediu esforços e dedicou horas de seu descanso com seu competente

suporte estatístico e também pela paciência e disponibilidade durante todo este

trabalho.

AO MEU QUERIDO PAULO GUERRA,

Pelo incentivo constante, pela força e pelo apoio.

A MINHA QUERIDA SOBRINHA ELAINE,

Pela ajuda nos mapas cartográficos

AOS MEUS DEMAIS FAMILIARES,

Nilce minha irmã, Adriane , e meus irmãos.

AOS MORADORES DA FAVELA REAL PARQUE,

Por terem acreditado e confiado em mim.

À TODOS OS FUNCIONÁRIOS DO CENTRO DE SAÚDE REAL PARQUE,

Em especial a enfermeira Tamie, uma verdadeira amiga.

VII

À TODOS OS APOIADORES DO PROJETO,

Foram tantos que diretamente ou indiretamente contribuíram que é possível nomeá-

los.

À QUERIDA LÍDIA

Que lutou comigo para a realização deste trabalho.

Á MINHA ORIENTADORA,

Profa Dra Noemia Lazzareschi que me acolheu, confiou em mim e não mediu

esforços para a realização deste trabalho. Esta vitória é nossa!

À BANCA DE QUALIFICAÇÂO.

Profa Dra. Marisa do Espírito Santo Borin e Dra. Tamara Cianciarullo pelas

recomendações, que foram fundamentais para o caminhar desta tese.

AOS PROFESORES COORDENADORES:

Dra. Denise Marroni e Dr. José Fiusa; Dra. Ariadne da Silva Fonseca e Dra. Juliane

Pozeti de Campos, pelo incentivo, pelo apoio, pela força, que foram fundamentais

para que eu pudesse chegar até aqui.

À UNIA

Profa Celina, pelo apoio constante através da bolsa auxilio/Tese, que muito me

ajudou, e também pelo carinho.

À TODAS AS MINHAS COLEGAS DE TRABALHO

Da Faculdade de Enfermagem que sempre me apoiaram e me compreenderam em

especial a Valéria, Álvaro e Clavdia.

AO MEU QUERIDO AMIGO DA PMSP

Rogério, que supriu todas as minhas dificuldades de informática me ajudando sem

medir esforços.

Enfim a todos aqueles que diretamente ou indiretamente contribuíram com este

trabalho e não foi possível nomear.

VIII

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição segundo o número de moradores do Distrito de Saúde Escola Butantã, Município de São Paulo, 2004 61

Gráfico 2 – Distribuição da população residente, segundo faixa etária, região do Morumbi, São Paulo, 2000 63

Gráfico 3 – Distribuição da população residente segundo espécie e tipo de domicílio, região do Morumbi, São Paulo, 2000 64

Gráfico 4 – Distribuição segundo população por sexo, residente por setor censitário, região do Morumbi, São Paulo, 2000 66

Gráfico 5 – Distribuição segundo o sexo, dos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 76

Gráfico 6 – Distribuição segundo o estado civil, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 77

Gráfico 7 – Distribuição segundo a idade média, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 78

Gráfico 8 – Distribuição segundo a escolaridade, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 79

Gráfico 9 – Distribuição segundo o tipo de necessidades especiais, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 80

Gráfico 10 – Distribuição segundo a situação no mercado de trabalho, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 81

Gráfico 11 – Distribuição segundo o abastecimento de água, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 82

Gráfico 12 – Distribuição segundo o escoamento sanitário, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 83

Gráfico 13 – Distribuição segundo a iluminação, nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 84

Gráfico 14 – Distribuição segundo o destino do lixo , nos Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 85

Gráfico 15 – Distribuição das cooperativas por ramo, Brasil, 2003 127 Gráfico 16 – Distribuição segundo o número de cooperados, Brasil, 2003 128 Gráfico 17 – Distribuição segundo o número de cooperativas por região,

Brasil, 2003 129 Gráfico 18 – Distribuição segundo a participação das cooperativas na

produção agrícola brasileira, Brasil, 2003 130 Gráfico 19 – Distribuição segundo a participação de mulheres no quadro de

empregados das cooperativas, Brasil, 2003 130

IX

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição quanto ao número de moradores do Distrito de Saúde Escola Butantã, Município de São Paulo, 2004 60

Tabela 2 – Distribuição da população residente, segundo faixa etária, região do Morumbi, São Paulo, 2000 66

X

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Dados indicativos da situação da favelização no Município de São Paulo, 2004 44

Quadro 2 – Distribuição segundo a variação da população total e condições de moradia, São Paulo, 1991-2000 48

Quadro 3 – Distribuição do número de moradores e média de moradores por domicílio, região do Morumbi, São Paulo, 2000 64

Quadro 4 – Distribuição segundo escolaridade da população residente, região do Morumbi, São Paulo, 2000 65

XI

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Rede da Coleta Seletiva Solidária 160

XII

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Distritos de Saúde do Município de São Paulo 59 Mapa 2 – Unidades Básicas de Saúde do Distrito de Saúde Escola

Butantã 60 Mapa 3 – Vista do Real Parque por satélite e as classes sociais

especificadas 89 Mapa 4 – Mapa da área que abrange a favela do Real Parque 89

XIII

LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Vista aérea da favela 89 Foto 2 – Vista aérea da favela – área demarcada 90 Foto 3 – Foto aérea da favela do Real Parque 247 Foto 4 – Apartamentos próximos à favela 248 Foto 5 – Favela Real Parque 249 Foto 6 – Favela Real Parque 249 Foto 7 – Local onde houve desmoronamento de barracos no córrego 250 Foto 8 – Festa das crianças do Real Parque 251 Foto 9 – Meninos catadores de lixo reciclável, da Favela Real Parque:

contraste social 252 Foto 10 – Meninos catadores de lixo reciclável, da Favela Real Parque:

contraste social. 252 Foto 11 – Local cedido para o funcionamento do ReciclaReal 253 Foto 12 – Coleta de lixo feita por carroças 254 Foto 13 – Primeiro carro de coleta de lixo do ReciclaReal 255 Foto 14 – Segundo carro de coleta de lixo do ReciclaReal 255 Foto 15 – Local usado como banheiro do ReciclaReal 256 Foto 16 – Recicladora do Real Parque 257 Foto 17 – Recicladora com avental do ReciclaReal 258

XIV

LISTA DE SIGLAS

ABC – Região da Grande São Paulo: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul ACI – Aliança Cooperativa Internacional AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores ANR – Associação Nacional de Recicladores ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão APA – Atenção Primária Ambiental BANESPA – Banco do Estado de São Paulo BNH – Banco Nacional da Habitação BPC – Benefício de Prestação Continuada CEMPRE-- Compromisso Empresarial com a Reciclagem ( associação) CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento ambiental CIT – Centro Integrado do Trabalhador CNC – Conselho Nacional de Cooperativismo CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento COOPMARE – Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel Aparas e Materiais Recicláveis COPASADHS – Conferência Pan-americana sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Humano Sustentável CPAs – Cooperativas de Produção Agropecuária CGC -- Cadastro Geral de Contribuinte CPSs – Cooperativas de Prestação de Serviços CPT – Comissão Pastoral da Terra CRAS – Centros de Referência da Assistência Social

XV

CSII – Centro de Saúde II DIEESE – Departamento Interestadual de Estatística e Estudos Sócio-econômicos DSE – Distrito de Saúde Escola Butantã FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE-SEHAB – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Secretaria Municipal da Habitação GUNM – Grande União Nacional Moral das Classes Produtoras HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana (sigla em inglês) IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICE – Instituto de Cidadania Empresarial IDH – Índice de Desenvolvimento Humano INAF – Indicador de Analfabetismo Funcional INOCOOPS – Instituto Nacional de Orientação às Cooperativas IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas IPTU – Imposto Predial e o Imposto Territorial Urbano LIMPURB – Departamento de Limpeza Pública MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC – Ministério de Educação e Cultura MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra OCB – Organizações das Cooperativas Brasileiras OCE – Organização das Cooperativas Estadual OIT – Organização Internacional do Trabalho ONGs – Organizações Não-Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas

XVI

OPAS – Organização Pan-americana de Saúde OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PAIF – Programa de Atenção Integral à Família PANTEC – Plano Territorial de Qualificação do Município de São Paulo PCOUC – Programa Capacitação Ocupacional e Utilidade Coletiva PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIA – População em Idade Ativa PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNDU – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos PR – Sigla do Estado do Paraná PSF – Programa da Saúde da Família sd – sem data SDTS – Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SENACOOP – Secretaria Nacional de Cooperativas SIG – Sistema de Informação Geográfica SMS – Secretaria Municipal de Saúde sp – sem página UBS – Unidade Básica de Saúde UNESP – Universidade Estadual Paulista UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância UNIEMP – Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa USD – Dólar americano

XVII

USP – Universidade de São Paulo

XVIII

RESUMO

A partir do envolvimento profissional da autora, com a favela Real

Parque no cargo diretora técnica do Centro de Saúde Real Parque (Unidade Básica

de Saúde), de 1987 a 2002, surgiu a idéia de um projeto de coleta seletiva de

resíduos sólidos e organização um sistema de cooperativa para a geração de renda

sustentável com o intuito de minimizar a pobreza da população favelada do Bairro

Real Parque, situado na zona sul de São Paulo, uma das regiões mais nobres da

cidade, pertencente ao distrito administrativo do Morumbi, palco da constatação de

contrastes gritantes entre uma população rica e privilegiada, moradora dos

condomínios altamente luxuosos e outra, tão socialmente desprotegida, moradora

da favela do Real Parque. Com o objetivo de verificar se é possível a construção da

cidadania em seus direitos políticos, civis e sociais com a formação de um núcleo

cooperativa no Real Parque ReciclaReal, a presente pesquisa de cunho social

empírico, denominada pesquisa-ação, revela dados demográficos, quantitativos e

qualitativos que compreendem a realidade local e sugere a economia solidária como

nova forma de organização social e alternativa de inclusão daqueles que se

encontram em inserção no mercado de trabalho extremamente desfavorável.

Fundamentada em autores que refletem questões sobre a construção da cidadania,

observa-se que o conjunto de transformações econômicas, tecnológicas e sociais, a

partir do século XX, tem produzido impactos positivos e negativos. Com relação a

estes, pode-se citar, o desemprego que, principalmente no Brasil, trouxe inúmeras

conseqüências para as classes mais desfavorecidas. Tais efeitos também

provocaram aumento no consumo, proliferando o lixo e agravando o problema

ambiental que, paradoxalmente, constitui o meio de subsistência de muitos. Neste

aspecto, esta pesquisa evidencia que as cooperativas de coleta seletiva de lixo,

além de beneficiarem uma parcela “excluída” socialmente, colaboram em sua

inserção e emancipação social em vários aspectos: no sentido ecológico (resgatar

as agruras do meio-ambiente), no sentido econômico (recuperação dos insumos

com economia da matéria primária e geração de renda), no sentido cultural (a nova

cultura de separação do lixo), no sentido educativo (sensibilização dos moradores

dos malefícios causados pelo lixo), no sentido social (interação entre os moradores

XIX

do bairro das classes sociais distintas), no sentido simbólico (o dispor de uma

identidade), no sentido psicológico (sentimento de dignidade e auto-estima) e no

sentido cidadão (a construção dos direito civis, políticos e sociais). Enfim, a aparição

de um novo personagem no cenário social: os higienistas ambientais,

transformadores da realidade. Destaca-se a revelação de uma nova cidadania a

partir da “capacidade de realizar funcionamentos”, como afirma Sen (2001) quando

permitem-se sair do encarniçamento social de pessoas “coisificadas” e se

transformam em homens cidadãos. Isto pode ser conseguido através do Trabalhador

Social, a partir do “método da roda”, um “espaço” de mediação entre os “diferentes”,

em ações que se mobilizam e proporcionam melhorias sociais em organizações

governamentais como uma Unidade Básica de Saúde, com propostas objetivas e de

alcance real. Cabe ressaltar que os moradores de favelas, neste caso, do Real

Parque, mesmo em condições precárias de saúde, são capazes de ser produtivos e

obter renda que garanta sua subsistência desde que sejam participativos de uma

organização econômica baseada na igualdade, solidariedade e interdependência.

Palavras chaves: cidadania, cooperativa, resíduos sólidos, favela, inclusão social.

XX

ABSTRACT

Resulting from the author’s personal involvement with the favela Real Parque,

holding a position of Technical Director at the Centro de Saúde Real Parque (Health

Center Base Unit) from 1987 to 2002, an idea arose to set up a project for selective

gathering of waste solids, which involved the organization of a cooperative system

that would generate sustainable income for the people, having in focus the

minimization of poverty of the “Real Parque favela” residents. The “favela” is located

in the south side of São Paulo, which is one of the most wealthy regions of the city,

attached to the Morumbi Administrative District, where the difference between the

rich and wealthy population, living in luxurious condominiums, contrasts clamorously

with the socially destitute residents of the “favela Real Parque”. With the objective of

verifying whether there is a possibility for building up citizenship, with political, civic

and social rights, by forming a cooperative nucleus called ReciclaReal at the “Real

Parque”, this survey is being conducted in a socially empiric manner called ‘action-

survey’, while revealing quantitative and qualitative demographic details, which

comprehensively includes the local reality and suggests ‘solidarity economics’ as a

new form of social organization, and an alternative for inclusion of those whose

insertion in the job market is extremely difficult. Based upon authors who have

pondered on matters regarding the build-up of citizenship, it is evident that the

combined economic, social and technological transformations that occurred since the

beginning of the 20th century have produced both positive and negative aspects.

Regarding the latter, we can mention unemployment as having brought about

innumerable consequences to the less-favored classes, particularly in Brazil. These

effects also brought about an increase in consumerism, thereby increasing discarded

waste and aggravating the environmental problems, which paradoxically constitutes

the means of subsistence for many people. In this aspect, this survey demonstrates

that the cooperatives for selective collection of garbage allows benefits for the

socially excluded strata and assists towards their insertion and social emancipation,

covering several aspects: in the ecologic sense (rescuing the afflictions of the

environment), in the economic sense (recovering inputs, saving raw materials and

generating incomes), in the cultural sense (introducing a new culture of waste

selection and separation), in the educational sense (making people aware of the

harmfulness brought by garbage), in the social sense (interaction between residents

XXI

of a neighborhood who have different social backgrounds), in the symbolic sense

(owning an identity), in the psychological sense (a feeling of dignity and self-esteem)

and in the sense of citizenship (building up civil, political and social rights). Thus, the

appearance of a new personage in the social scenario: the Environmental Hygienist,

a person who can transform reality. It is noteworthy that there is revelation of a new

citizenship, resulting from the “capabilities to perform faculties” as mentioned by Sen

(2001), when it is admissible to leave the social animosity of robotized people, and

they become full-fledged human citizens. This might be obtained through the Social

Laborer, as a result of the ‘wheel method’ – an intermediation gap between different

people – in actions that mobilize and grant social improvements at government

organizations, such as the “Unidade Básica de Saúde” health centers, with objective

proposals and within tangible reach. It should be pointed out that the residents of

“favelas”, in this case the Real Parque, even under precarious health circumstances,

are capable of being productive and to earn an income that can assure their

subsistence, provided they participate in an economic organization, based on

equality, solidarity and interdependence.

Key words: citizenship, cooperative, solid waste, “favela” (shanty town), social

inclusion.

XXII

SUMÁRIO

Introdução 01

Cap. I. O Caminhar metodológico 32 1.1 Tipo de estudo 32 1.2 Objetivo prático 34 1.3 Objetivos específicos 35 1.4 Objetivos de conhecimento 35 1.5 Momentos da investigação 37 1.6 Fases do desenvolvimento do projeto 38 1.7 Local de estudo: o cenário 39 1.8 O sujeito 39 1.9 Coleta de dados 39 1.10 Resultados e discussão dos dados 40

Cap. II. A História das favelas paulistanas 42 2.1 As Políticas Públicas 53

Cap. III. Local de estudo: o cenário 58 3.1 Localização da área de abrangência do Distrito de Saúde Escola

Butantã 60 3.2 Características sócio-econômicas e culturais do Distrito

Administrativo do Morumbi 62 3.3 O bairro Real Parque 67 3.4 A favela Real Parque 71

3.4.1 Indicadores dos Programas Sociais, na favela Real Parque 75

Cap. IV. O diagnóstico participativo das necessidades da população do Real Parque 91

4.1 O desmoronamento dos barracos do córrego: da cidadania negada ao nascimento da cidadania 95

4.1.1 A eleição do Conselho Gestor 103 4.1.1.a Conselhos Comunitários em São Paulo 106 4.1.2 O Orçamento Participativo 109 4.1.3 O sujeito desejante: um novo sujeito em constituição 110 4.2 O significado da festa das crianças 111

Cap. V. Economia solidária: uma alternativa de “inclusão social” 114 5.1 Filosofia do cooperativismo 114 5.2 A economia solidária no Brasil 119 5.2.1 Cooperativismo: conceito e definição 122 5.3 Economia solidária: possibilidades e limites 131

Cap. VI. Quando tudo começou: o núcleo do Real Parque 137 6.1 A questão ambiental 137 6.2 O problema do lixo no Brasil 140 6.3 O problema do lixo em São Paulo 145

XXIII

6.4 Marcos conceituais 147 6.5 As cooperativas de li xo 149 6.6 A formação do núcleo de cooperados do Real Parque: o

ReciclaReal 150

Cap. VII. Os coletores de lixo do ReciclaReal: uma cidadania em constituição 163 7.1 A cidadania na visão dos recicladores de lixo do ReciclaReal 163 7.2 Um breve perfil dos sujeitos 164 7.2.1 Cooperados que trabalham no núcleo ReciclaReal 165 7.2.2 Cooperados do ReciclaReal que trabalham na CooperAção 165 7.3 A tentativa de inclusão dos excluídos através do núcleo de

cooperativa do Real Parque: O ReciclaReal 166

Cap. VIII. Limites e possibilidades: desafios enfrentados pelos participantes do núcleo cooperativa de lixo ReciclaReal 179

8.1 Limites e dificuldades 180 8.1.1 Estruturais 180 8.1.2 Falta de Recursos Financeiros: Condições do local para o

funcionamento do ReciclaReal 181 8.1.3 Falta de Recursos Financeiros: dificuldades no transporte

do lixo 182 8.1.4 Falta de recursos financeiros: inexistência de um galpão

para funcionamento adequado 183 8.1.5 O conteúdo ergonômico do trabalho 185 8.1.6 A Falta de Equipamentos de Proteção individual (EPI) de

segurança do trabalho 188 8.1.7 O sofrimento Psíquico também aparece nas Cooperativas

de lixo 188 8.1.8 Alguns princípios Básicos do Cooperativismo devem ser

aprimorados 190 8.1.8.a Hierarquia de comando 191 8.1.8.b A transparência das transações comerciais 194 8.1.9 Dificuldades de Gestão de Pessoas 195 8.1.10 Dificuldades na gestão do próprio negócio: os

atravessadores do lixo 196 8.1.11 Debilidade das Políticas Públicas 198 8.2 Possibilidades 200 8.2.1 Possibilidades encontradas pelos participantes do núcleo-

cooperativa de lixo ReciclaReal 200 8.2.2 O Despertar da consciência coletiva dos recicladores do

Real Parque: solidariedade e interdependência 200 8.2.3 Uma nova cidadania em construção: “a capacidade de

realizar funcionamentos” 207 8.2.4 A cidadania em movimento: liberdade de expressão,

participação e o exercício político. 210 8.2.5 A interdependência e a solidariedade: Empresários,

profissionais liberais e favelados sentam na mesma roda 212 8.2.6 A saúde e as possibilidades em relação ao trabalho 215 8.2.6.a O binômio: saúde x doença x força de trabalho 216 8.2.7 O trabalho em transformação: Taylorismo X Criatividade na

reciclagem do lixo 219

XXIV

8.2.8 A globalização, o consumo e a nova cultura do lixo no bairro Real Parque 222

Considerações Finais 226

Referências Bibliográficas 233

Anexos 247

Apêndices 281

1

CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO

SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL PARQUE

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objeto a construção da cidadania a

partir de uma cooperativa de lixo como alternativa de trabalho e renda para pessoas

“excluídas socialmente”1 cuja inserção no mercado de trabalho é extremamente

desfavorável2, já que se encontram afastadas do mercado formal e informal por falta

de empregabilidade3: os moradores da favela do Real Parque, na cidade de São

Paulo.

1 O conceito exclusão entre aspas, “exclusão”, será usado na presente investigação, para designar pessoas cuja inserção no mercado de trabalho é extremamente desfavorável. Esta opção deve-se ao esgarçamento do conceito e as diversas polêmicas que o mesmo tem causado entre os intelectuais. O termo exclusão solicita um complemento. Excluído de que? A maioria dos excluídos não está fora do planeta nem de seus paises onde vivem. Possuem uma relação de interdependência com os seres que se relacionam. Da mesma maneira tem acesso aos meios de comunicação de massa, responsável pela socialização cultural. Possuem desejos de consumo mesmo que não tenham condições de satisfazê-los. A dificuldade ou a não satisfação dos mesmos para preencher as necessidades humanas básicas está relacionada à inserção extremamente desfavorável no mercado de trabalho. Uma das causas fundamentais de exclusão social da nossa época é o desemprego estrutural. (ASSMANN e SUNG, 2000).

Para Borin (2003), o termo “exclusão social”, não é um conceito e tampouco algo novo, expressa uma situação social, resultante de um processo dinâmico, estabelecido por inúmeras transformações, ocorridas no universo produtivo. Destacando ainda a fala de Martins (1997), a autora comenta que inexiste a exclusão, havendo certas contradições, ao se espelhar no modelo capitalista. O termo em pauta, sugere o “não pertencimento”, o “sobrante” da existência social, criando um imaginário social, de que são indivíduos sem direitos autênticos, convivendo contíguos ao mundo dos “integrados”.

Para aprofundar mais este conceito ver também, Gilberto Dupas, Economia global e exclusão social, Paz e Terra, 1999.

2 Expressão utilizada por Assmann, H. e Sung M.S., em seu livro Competência e Sensibilidade solidária: educar para a esperança, Petrópolis: Vozes, 2000, p.90.

3 Empregabilidade: este termo passou a fazer parte do vocabulário organizacional embora não conste ainda nos dicionários. O termo equivalente é employability nos Estados Unidos e significa a “condição de dar emprego ao que sabe, a habilidade de obter ou manter um emprego ou trabalho” (MINARELLI, 1995, p. 37 apud em MARIN RUEDA, MARTINS E CAMPOS, 2004, p.1). Empregabilidade pode ser compreendida por todas as ações realizadas por uma pessoa, com o objetivo de desenvolver conhecimentos, atitudes e habilidades favoráveis a conseguir um trabalho, seja ele formal ou informal.

2

A complexidade de que se reveste a relação trabalho e cidadania

nos remete, ainda de maneira sucinta, ao entendimento desses dois conceitos no

contexto atual da globalização para que se possa favorecer a compreensão do

objeto eleito desta investigação.

O trabalho é uma categoria sociológica chave, porque pelo trabalho

os homens produzem a história. Só os homens trabalham os animais não o fazem.

As formigas e as abelhas não possuem o processo mental do trabalho. É através do

trabalho que o homem age na natureza e a transforma para dela tirar as condições

materiais de sobrevivência e a produção da consciência. “O que distingue o pior

arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de

transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalhador, aparece um

resultado que já existia antes, idealmente na imaginação do trabalhador” (MARX,

1988, p.202). Foi a partir desta concepção filosófica de trabalho, que Marx construiu

toda a sua critica da sociedade capitalista.

Diversos autores têm discutido os significados do trabalho para

descobrir qual é a sua influência sobre os trabalhadores. Segundo Mills (1969), o

trabalho tem vários significados: ganha-pão, vida interior; expiação, expressão de si

mesmo, dever inelutável e desenvolvimento da natureza humana. “O trabalho não

tem nenhum significado intrínseco” (p.233). O trabalho não tem nenhum significado

próprio e o seu significado está ligado àquilo que ele representa para o indivíduo em

todo o seu viver, refletindo em satisfação ou frustração. Mesmo que o trabalhador

não tenha consciência, o trabalho é o “produto liquido de sua atividade” e o que as

pessoas pensam dele, conseqüentemente repercute na sua personalidade. (MILLS

1969).

O trabalho, como modo de produção da vida em suas diferentes

manifestações na história, ao longo do tempo, circulou os mais variados significados.

Para os gregos, sobretudo para Aristóteles, o trabalho foi considerado enobrecedor

do ser humano, era aquele que permitia o desenvolvimento de suas potencialidades:

inteligência, criatividade, espírito crítico e iniciativa, ou seja, o trabalho de

concepção, de elaboração mental, do projeto do processo e do resultado. O

trabalho manual era entendido então na Grécia antiga, como a execução de um

projeto mental de trabalho elaborado por outra pessoa. Ao ser executado por outra

3

pessoa tornava-se um trabalho mecânico realizado por escravos, seres inferiores,

”pois embrutecia o espírito, e tornava o homem incapaz para a prática da virtude”

(MILLS, 1969, p.233).

Para o cristianismo em seus primórdios, o trabalho era uma punição

e servia para a expiação dos pecados, mas em seus fins últimos, era visto como

caridade, saúde do corpo e da alma e afastar os maus pensamentos. Para Santo

Agostinho, este deveria ser obrigatório para os monges, mas alternado com orações.

Nos mosteiros, o trabalho intelectual (ler e copiar) efetuado pelos monges, era visto

como inferior à meditação sobre as questões divinas. (MILLS, 1969)

Foi Lutero quem estabeleceu o trabalho como ‘base e chave da

vida’, e uma ‘vocação’ e o ‘caminho religioso para salvação’. (Mills, 1969, p.234).

Max Weber (1973) em seu livro: “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”,

observa que os protestantes eram mais hábeis no comércio que os católicos. Esta

relação de fé e sucesso econômico relacionada à religião exerce uma profunda

influência sobre a vida econômica. Mais especificamente, a teologia e a ética do

calvinismo foram fatores essenciais ao desenvolvimento do capitalismo do norte da

Europa e dos Estados Unidos.

Durante o Renascimento, o trabalho era concebido como um

estímulo para o desenvolvimento do homem. Para Leonardo da Vinci era visto como

arte e criação, uma ação inteligente. É nas sociedades capitalistas que o trabalho

passou a representar para três quartos dos trabalhadores, apenas a execução das

ordens ou cumprimento de um projeto e desta maneira deixou de permitir a

realização do ser humano em suas potencialidades, tornando um trabalho alienante

e alienado. Não só alienante e alienado porque o produto do trabalho não lhes

pertence, mas alienante e alienado porque a partir da nova organização capitalista

do trabalho, passou a ser monopólio de uma gerência científica. Mills (1969)

enfatiza que a alienação do trabalho significa que as horas mais ativas de uma vida

estão sendo utilizadas para ganhar dinheiro. A alienação significa “tédio e frustração

do potencial criador, do aspecto produtivo da personalidade” (p.254). Se de um lado,

o trabalhador deve buscar desenvolver todos os valores fora do trabalho; neste,

deve ser sério, não pode rir e até falar enquanto trabalha, mas sim obedecer às

regras da empresa.

4

Para Mills (1969), o artesanato é um modelo idealizado de satisfação

de trabalho e se distingue nos seguintes aspectos: obedece a um processo de

criação; não separa o produto do seu criador; o trabalhador é livre para desenvolver

seu conhecimento e habilidades; enfim é livre para organizar seu trabalho; além

disso, não há separação entre o trabalho, divertimento e a cultura. Os mesmos se

tornam unos e determinam o seu modo de subsistência e de viver.

Desta maneira o prazer do trabalho artesanal está no próprio

trabalho, na realização do produto, na arte de fazê-lo, no processo de finalização do

mesmo que ultrapassa outras motivações secundárias como o dinheiro e a

reputação. Para o artesão o fundamental não é melhorar o seu prestígio na

comunidade, mas sim a satisfação proporcionada pelo trabalho que o leva a uma

espécie de paixão, que lhe é suficiente. O que é necessário no trabalho artesanal é

o vínculo psicológico que se estabelece entre o produtor e o produto. Mesmo que o

produtor não seja legalmente proprietário, deve conhecer psicologicamente o

produto e isto inclui matéria-prima, labor e habilidade. A vantagem material é uma

recompensa suplementar subordinada à arte que continuará a existir por si mesma.

O artesão imagina o produto acabado, antecipa o seu prazer na vitória final e isto lhe

compensa as fases de monotonia e trabalho mecânico. O trabalhador é livre e inicia

a sua atividade com liberdade e pode modificar sua forma técnica de criação. Ele é

dono de sua atividade e de si mesmo. Ao desenvolver sua habilidade também

desenvolve a si mesmo. É o auto-aperfeiçoamento que ocorre não como um objetivo

posterior, mas algo cumulativo, “o trabalho representa uma confissão e revelação do

mundo” porque ele vive no trabalho, do trabalho, passando a ser um divertimento e

cultura. Divertimento devido à satisfação, ao prazer, ou seja, algo agradável; livre,

porém sério como o brincar para as crianças. É livre como o trabalho de um

compositor. “Ele trabalha e brinca (...) o trabalho é um poema” (p.240). No modelo

artesanal, consumo e produção se reúnem no mesmo ato, são ao mesmo tempo

jogo e trabalho e instrumento da cultura. Desta maneira o trabalho é um lazer porque

traz em seus momentos de descanso as qualidades desenvolvidas nas horas de

trabalho reafirmando os seus valores. Para renovar a sua criatividade, ele necessita

relaxar-se, abrir-se às novas influências, ter períodos intermitentes de lazer

necessários a sua individualidade e desenvolvimento da sensibilidade. Segundo

Henry James citado por Mills (1969), o trabalho artesanal representa ‘aquela espécie

5

de atenção relaxada e meditativa necessária para produzir e apreciar a obras de

arte. ’

A passagem do mundo rural do pequeno empresário para a

sociedade urbana levou a separação do homem e seu processo de produção e sua

alienação. Em quase todas as ocupações os empregados vendem a sua

independência e a sua capacidade de tomar decisões. Dimensiona-se que 10 ou 12

milhões de pessoas trabalharam em tarefas inferiores às suas capacidades durante

os anos 30. Cada vez mais aumenta o número de trabalhadores que executam

tarefas inferiores à sua capacidade de trabalho. Esta alienação objetiva é

conseqüência do capitalismo moderno e da divisão de trabalho. No contrato ele

vende sua energia, a sua capacidade e seu tempo a outrem. Dentro desta divisão o

trabalhador não realiza do começo ao fim o processo de produção, o que significa

que seu trabalho fica separado perdendo a sua significação, embora “o processo é

invisível para ele”. Mesmo na categoria de colarinhos brancos, isto também ocorre

devido à impossibilidade de usar a razão individual, pela “centralização das decisões

e a racionalização formal da burocracia” (p.243). O homem deixa de ser livre para

criar, modificar e torna-se objeto de manipulação. O artesanato hoje, limita-se a um

mínimo de profissionais liberais e intelectuais privilegiados (MILLS, 1969).

Marx e Engels já falavam no Manifesto Comunista (1948) que:

O desenvolvimento da maquinaria e a divisão de trabalho levam o trabalho dos proletários a perder o caráter independente e com isso qualquer atrativo para o operário. Esse se torna um simples acessório da máquina, do qual só se requer a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Em decorrência as despesas causadas pelo operário reduzem-se quase exclusivamente aos meios de subsistência de que necessita para a manutenção e para reprodução de sua espécie. Mas o preço de uma mercadoria e, portanto, o do trabalho4, é igual ao seu custo de produção. Logo à medida que crescem a maquinaria e a divisão de trabalho, cresce também a massa de trabalho, quer através do aumento das horas de trabalho, quer através do aumento do trabalho exigido num certo tempo, quer através da aceleração da velocidade das máquinas, etc. (MARX e ENGELS; 2004, p.52)

Acreditamos que numa sociedade capitalista, o direito ao trabalho

apesar da perda de seu caráter independente e de atrativo para o operário, é um

4 Segundo notas de rodapé em O Manifesto Comunista, “valor de trabalho” e “preço do trabalho” foram substituídos posteriormente pelos autores por “valor da força de trabalho” e “preço da força de trabalho.”(MARX E ENGELS, 2004, p.52)

6

daqueles mais sagrados do cidadão porque, sem ele , o indivíduo não tem acesso à

alimentação, à habitação, à educação de bom nível, à assistência médica de

qualidade, ao lazer, enfim, aos direitos sociais. É fundamental ter trabalho para que

o indivíduo exerça seus plenos direitos à cidadania.

Para Chauí (1995), a origem da palavra cidadania ocorreu no

período socrático ou antropológico. Com o desenvolvimento das cidades, do

comércio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se centro da vida social

política e cultural da Grécia, vivendo o seu período de esplendor. Foi a época de

maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía duas

características importantes: igualdade de todos os homens adultos e livres perante a

lei e o direito de todos os cidadãos participarem diretamente do governo da cidade,

da pólis. Deve-se ressaltar que estavam excluídos da cidadania as mulheres,

escravos, crianças, e velhos que os gregos chamavam de dependentes. Os

estrangeiros também estavam excluídos. De outro modo, a democracia direta ou por

eleição de representantes, garantia a participação de todos os cidadãos no governo

e o que deles participavam tinham o direito de discutir, defender as suas opiniões

sobre as decisões da cidade. Desponta a figura política do cidadão. Surge, a partir

de então, a arte do saber falar e ser capaz de persuadir. Passar a existir os sofistas,

mestres de oratória ensinada aos jovens.

Mas democracia hoje significa distribuição mais eqüitativa de renda.

Não há democracia se o individuo não exerce os direitos sociais ou seja alimentação

moradia, lazer, educação, saúde. Trabalho e a sobreviver com dignidade.

Para Marshall (1965), o conceito de cidadania é ditado pela história

e não pela lógica e divide-se em três partes:

Estas três peças, ou elementos são; civil, político e social. O elemento civil é composto dos direitos necessários para a liberdade individual, a liberdade da pessoa, a liberdade do discurso, o pensamento e a fé, o direito a própria propriedade, concluir contratos válidos, e o direito à justiça. O último é de uma ordem diferente da outra, porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos que são únicos em termos da igualdade devido à lei. Isto mostra-nos que as instituições associadas o mais diretamente com os direitos civis são as cortes de justiça. Pelo elemento político eu significo o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um corpo investido com autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal corpo. As instituições correspondentes são parlamento e conselhos do governo local. Pelo

7

elemento social eu significo a um bem-estar econômico e a segurança de viver a vida civilizada de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições conectadas ou mais próximas com esses direitos são o sistema educacional e os serviços sociais. 5 (Marshall, 1965, p. 78-79).

Todos os direitos do cidadão brasileiro se acham assegurados pela

Constituição. No entanto, muitas vezes, não são concretizados por falta de políticas

públicas. Alguns têm acesso a quase todos os direitos, enquanto outros, a grande

maioria, não, em virtude da inexistência de uma renda ou, quiçá, do salário abaixo

do mínimo preconizado.

Para Covre (1995), ser cidadão significa não apenas ter direitos,

mas também deveres, oriundos da Carta da Organização das Nações Unidas

(ONU), 1948, das cartas de Direito dos Estados Unidos, 1776, e da Revolução

Francesa, 1789, que apresentam como proposta de cidadania o fato de "que todos

os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou

cor” (p.17). Cabe a todos “o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um

salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à

habitação, ao lazer” (p.17). E mais: “é direito de todos, poderem expressar-se

livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais,

lutar por seus valores. Enfim, ter uma vida digna de ser homem" (p.9). A autora

ainda acrescenta que esses são os direitos do cidadão, mas que seus deveres

também não devem ser esquecidos, ou seja, "de ter responsabilidade em conjunto

com a coletividade", "cumprir normas", "fazer parte do governo direta ou

indiretamente” (p.9) através do voto, de movimentos sociais. Ressalta que as

pessoas pensam que a cidadania envolve apenas direitos e ficam desatentas ao fato

de que elas próprias são agentes de mudança, pois podem apresentar propostas e

preconizar igualdade de condições para todos os membros da sociedade, desde que

empunhem como "arma" a Constituição.

Mas, exercer os direitos de cidadão e construir a cidadania tornam

necessária a democracia. Chauí (1995) destaca que a democracia é o único regime

político que permite a ocorrência de conflitos dentro de uma sociedade. Trabalha

suas necessidades e interesses mediante as disputas entre partidos políticos e

eleições, uma vez que os institui como direitos e os exigem respeitados. Os

5 Tradução e grifos nossos.

8

movimentos sociais e as associações permitem “um contrapoder social” que limita o

poder do Estado. A democracia, por estar sempre aberta a novas formas de

existência e transformações, objetiva a liberdade de trabalhar as diferentes

concepções e ideologias6.

Refere-se, ainda aos principais obstáculos da democracia atual, ao

fato de que a sociedade democrática se acha dividida em classes sociais, ou seja,

ricos e pobres, com interesses conflitantes, embora a ideologia insista em afirmar

que todos sejam iguais.

Nesta mesma direção, a autora mencionada enfatiza que nos países

onde o capitalismo avançou, a exploração dos trabalhadores diminuiu,

principalmente com o Estado do Bem-estar Social. A exploração recaiu nos países

emergentes. A situação da democracia se tornou muito frágil nos dias atuais,

conseqüente à produção capitalista, à economia flexível e à política neoliberal.

Abandonou-se a política de Bem-estar Social (política que garante os direitos

sociais), adotando a política de Estado mínimo, que afasta a interferência do Estado

no planejamento econômico. Com novas tecnologias, automação da produção,

velocidade da informação, comunicação e distribuição de produtos, houve grandes

mudanças nas forças produtivas, alterou-se o processo de trabalho, conduzindo ao

desemprego em massa, mesmo nos países de capitalismo avançado. Isto explica

os movimentos contra imigrantes e migrantes e a “exclusão” social, cultural e política

que está atingindo também os países emergentes, como é o caso do Brasil.

Desta maneira, a conquista obtida pelos trabalhadores de ter

trabalho e direitos outrora, quando o capital se ampliava e reproduzia com absorção

da mão de obra no mercado de trabalho, perdeu-se, e caminha-se para a sua

marginalização, já que o mercado não carece de “massas trabalhadoras” e, portanto,

não precisa manter os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores e não

necessita mais de seus serviços.

6 Chauí (1995) entende ideologia como manifestação das idéias e da consciência... A ideologia permite a unificação dos homens numa identidade social: mesma língua, religião, nação, raça e outros. Este fenômeno tem como total função não permitir o verdadeiro conhecimento das relações de produção e forças produtivas dissimulando a divisão de trabalho entre dominados e explorados. As desigualdades passam a ser vistas ilusoriamente como falta de capacidade, ou seja, diferença de talentos entre os homens.

9

As economias mundiais têm passado por processo de transformação

de paradigmas tecnológicos que se iniciam em economias avançadas para as

menos desenvolvidas. Para entender a dinâmica da sociedade contemporânea e

suas principais mutações no mundo do trabalho, faz-se necessário distinguir na

história, o final do século XVIII, com a Revolução Industrial, na Inglaterra, como

referência histórica da noção de trabalho criada na modernidade. É na virada do

século XIX para o século XX que acontece o nascimento do taylorismo e no século

XX o fordismo.

Uma análise retrospectiva faz-se necessária para melhor

entendimento do acirramento da crise do desemprego no mundo global e de

maneira mais acentuada nos países emergentes como o Brasil.

Os paradigmas do processo produtivo taylorista se firmaram em

1911, com a publicação de Taylor do seu livro: Princípios de Administração

Cientifica. O fordismo se iniciou em 1914 e após a segunda guerra mundial em

1945, ocorreu a sua universalização, sendo aceito no mundo inteiro. Tais princípios

implicavam em conhecimentos simples, de tarefas repetitivas, sem demandar

elevado grau de qualificação. Taylor reduziu o homem a gestos e movimentos, sem

capacidade de desenvolver atividades mentais, que após uma aprendizagem rápida,

funcionava como uma “máquina”, sem necessidade de pensar. Desta forma, quase

nenhuma qualidade intelectual do trabalhador era necessária. Isto causou resultados

dramáticos com conseqüências humanas e sociais. O taylorismo gerou muitos

empregos, mas degradou o trabalho.

Ford permitiu a produção em série, fabricar quantidades enormes de

determinado produto padronizado. Seu esquema caracterizava pelo trabalho

ritmado, coordenado e econômico, produção em massa, através de maquinário, mão

de obra e matéria prima padronizada, mas sem a preocupação das repentinas

mudanças de mercado com suas flutuações, tanto no mercado nacional como no

internacional. O fordismo teve seu ápice no período posterior à Segunda Guerra

Mundial, nas décadas de 1950 e 1960.

O fordismo em meados dos anos 60 conheceu o seu declínio,

emergindo nos anos 70 em contrapartida, à microeletrônica e à informática,

sugerindo o que alguns autores consideram uma sociedade de informação. Vários

10

foram os nomes dados a esta nova transformação: hipermodernidade; pós-

modernidade. De qualquer maneira, o que estava marcada para os autores, era a

passagem controlada da racionalidade instrumental, que sufocava singularidades

para, provavelmente num momento seguinte, “emergir sinais de subjetividade e

diferença” (NASCIMENTO, 1997, p.78).

Nas décadas de 70 e 80, as altas taxas de inflação e a crise do

petróleo em 1973, levam ao colapso o sistema econômico, obrigando uma nova

reestruturação para a sobrevivência das indústrias. São necessários novos tipos de

mercados, outras áreas geográficas e mão de obra barata. Desponta um sistema

inteiramente novo, distinto, confronto direto com o fordismo, denominado por Harvey

(1992) de acumulação flexível. Este se apóia em novas formas flexíveis de atuação

de processo de trabalho, de mercado de trabalho, de produtos e padrões de

consumo.

Com o uso de novas tecnologias produtivas como os robôs, cria-se o

gerenciamento de estoques em ‘just-in-time’, que diminui a redução física de

armazenagem e adequada quantidade de material necessária à produção. Este tipo

de gerenciamento surge no Japão na indústria automobilística, denominada de

toyotismo7. Isto gera uma série de transformações e desmembramentos no mundo

do trabalho: desconcentração em unidades menores de produção e flexibilidade de

contratos a favor de trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. Com a

comunicação via satélite e compressão de tempo e espaço, favorece-se a

diminuição dos custos com transportes, com transmissão imediata das decisões num

espaço cada vez mais amplo. Estas mudanças na produção exigem aceleração do

ritmo na inovação do produto e exploração de nichos de mercado altamente

especializados em pequena escala e estabelecem um aumento de empregos no

setor de serviços a partir dos anos 70. (HARVEY; 1992),

7 Não se trata aqui de uma revolução tecnológica, mas um aperfeiçoamento tecnológico ou uma revolução administrativa. São novos métodos de gerenciamento provenientes de empresas japonesas, nas fabricas Toyota, (daí deriva o seu nome), obtidos em companhias automobilísticas, cuja competitividade e produtividade impõem uma nova fórmula de sucesso. Contrário ao fordismo, produção em massa padronizada, o novo sistema ao contrário, flexível, tem como características capacidade rápida de produção por meio de máquinas e movimentação da mão de obra numa economia global.

11

Mas é necessário acelerar também o consumo, diminuindo a meia

vida do produto. No setor de vestuários, por exemplo, a vida média diminuiu pela

metade em relação ao tempo fordista, que era de cinco a sete anos. Outras

manobras são feitas para aumentar o consumo, condução de modas fugazes e uso

de artifícios que induzam a necessidade.

Todas estas características vieram refletir sem dúvida na

empregabilidade, destacando-se dois tipos de trabalhadores: um que se ocupa na

posição central, que são “empregados em tempo integral” e “condição permanente”.

“Possuem maior segurança”, boas “perspectivas de promoção e reciclagem”,

“pensão”, “seguro” e outros salários indiretos. São altamente especializados devido

a sua competência, capazes de compreender o processo de produção e a dinâmica

do mercado; Tomam decisões rápidas e inovadoras. São pessoas adaptáveis,

flexíveis e geograficamente móveis, ou seja, movimentam-se a qualquer lugar que

for necessário; dominam a linguagem técnica dos computadores e falam vários

idiomas. Estão aptos a trabalhar em várias partes do mundo. Compreendem todo o

processo de trabalho e são capazes de tomar decisões rápidas dentro do mercado

de consumo, o que exige conhecimento de economia e tendências de mercado.

Acompanham a moda e são capazes de formar verdadeiros times, liderando

trabalhadores (HARVEY, 1992).

O outro grupo, denominados periféricos, abrange dois subgrupos

distintos: o primeiro formado por trabalhadores de tempo integral, cujas habilidades

estão facilmente disponíveis no mercado de trabalho e podem ser substituídos por

máquinas ou outros trabalhadores. Trata-se de trabalho rotineiro executado por

“pessoal do setor financeiro”, “secretárias” e “aqueles que executam trabalho manual

menos especializado”. O segundo é formado por trabalhadores em tempo parcial,

com contrato parcial de trabalho, subcontratado e com menos segurança de

emprego. Numericamente são maiores, porém possuem menor segurança na sua

empregabilidade. (HARVEY, 1992).

A “atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o numero de

trabalhadores ‘centrais’ e empregar cada vez mais uma força de trabalho que

facilmente pode ser demitida sem custos quando as coisas ficam ruins“. (HARVEY;

1992; p.144)

12

Para Harvey (1992), estes arranjos flexíveis têm como mudança

mais radical, o aumento da subcontratação e do trabalho temporário. 70% das firmas

britânicas relataram este tipo de contrato entre 1982 e 1985. Tais mudanças

acarretam efeitos maléficos quando se pensa em termos dos direitos sociais ,tais

como: os direitos de pensão, níveis salariais, segurança no emprego, cobertura de

seguro, (no Brasil, seguro- desemprego). Enfim, “torna-se clara a precarização do

trabalho: os empregos estáveis dão lugar ao trabalho temporário, o tempo integral

cede ao tempo parcial, com perda significativa de salário e nível de vida.”

(Nascimento, 1997, 90), e pode-se acrescentar a perda dos direitos sociais do

cidadão.

De outro modo, a subcontratação abre oportunidades para abrir

pequenos negócios e o retorno a sistemas mais antigos, como trabalho doméstico

artesanal e familiar. Há, da mesma forma, o florescimento de outros tipos de

exploração de formas de trabalho e de produção, principalmente nas grandes

cidades: Nova Yorque, Los Angeles, dominadas por grupos imigrantes. É o que

assistimos em relação à subcontratação de mão de obra de bolivianos na indústria

têxtil do bairro do Brás em São Paulo. Outro modo de subcontratação foi a

exploração da força de trabalho das mulheres em tempo parcial, substituindo

trabalhadores homens com melhor remuneração. A subcontratação, sem dúvida,

permitiu atender a uma variedade maior de necessidades de mercado, produção de

pequenos lotes e a superação do sistema fordista.

Novas experiências, nestas mesmas décadas, no domínio industrial

começaram a tomar forma. A acumulação flexível leva a maciças fusões, alianças

estratégicas em que se mantêm as marcas apesar das fusões, (Harvey; 1992), como

as que ocorreram aqui no Brasil, Santander x Banespa, Sadia x Perdigão para citar

apenas algumas. Isto traz, como conseqüência, a diminuição de postos de trabalho

e diversificações corporativas com unidades produtivas em locais mais baratos e a

globalização da produção que desestrutura o mercado de trabalho.

Concomitantemente, algumas marcas, terceirizam a sua produção,

não possuem fábrica, tendo como vantagem a adaptação da mercadoria às

tendências da região, como é o caso da Nike e da Benetton. Em outras palavras,

são novos sistemas de coordenação implantados com arranjos de subcontratação

13

de pequenos negócios que agregam em torno de poderosas organizações

financeiras ou de marketing. Nada é produzido diretamente, mas estas poderosas

organizações transmitem ordens para um conjunto de produtores independentes.

(HARVEY; 1992).

Estas transformações ocorridas no século XX de caráter global, (não

só em uma determinada região ou nação) são comandadas por gigantescos blocos

de capital atuando em diferentes setores, com produção em escala global, regional e

em redes. Global porque “o capital, a matéria prima, o trabalho, a administração, a

informação, a tecnologia e os mercados” que compõem à atividade produtiva, o

consumo e a circulação estão organizados em escala global. Em rede, porque

existe uma conexão entre os agentes econômicos, a produtividade gerada e a

concorrência. Há uma rede global em interação entre redes empresariais.

(CASTELLS, 1999) Estas empresas “não possuem mais nacionalidade” na

afirmação de Corsi (1997, p.104). Seus interesses estão espalhados pelo mundo.

Estabelecem políticas de vendas, pesquisas e planejamento dos investimentos. O

capital tende a crescer num processo de desterritorialização com a formação de

mercado financeiro global.

Harvey (1992) aponta para dois novos movimentos utilizados nas

últimas décadas do século XX, de grande importância a respeito da globalização: as

informações precisas e atualizadas, uma nova “mercadoria muito valorizada” e a

reorganização do sistema financeiro global.

O primeiro, chamado de economia Informacional por Castells

(1999), caracteriza-se por um conjunto de tecnologias: telecomunicações /

radiodifusão, microeletrônica, computação, com um forte aliado à análise

instantânea de dados, tais como, as mudanças de modas, de gostos e tendências

do mercado. O segundo movimento, destacado por Harvey (1992), trata-se da

reorganização do sistema financeiro global. Isto significa que, além da capacidade

de respostas rápidas de variação de câmbio, exigem-se do trabalhador

conhecimentos técnicos, científicos, políticos e de mudanças de governo, bem como

estar “antenado” às iniciativas dos competidores, preocupação inexistente na época

do fordismo. “O próprio saber torna-se uma mercadoria-chave a ser produzida e

vendida.” (HARVEY; 1992; p.145). Reforça-se a máxima do filósofo inglês do século

14

XVI, Francis Bacon: “Saber é Poder”. Dentro deste novo contexto, “a produtividade

não é um objetivo em si”, comenta Castells (1999, p.119).

O uso de computadores e comunicações eletrônicas favorece a

coordenação do fluxo de informações e o fluxo financeiro em “rapidez de tempo,

espaço e moeda”. Harvey (1992) e Castells (1999) compartilham da mesma opinião:

o tempo futuro vive no tempo presente.

Tudo isso atrelado com o crescimento do “empreendimentismo com

papéis”, ou seja, obter lucros a partir da variação das moedas e taxas de juros,

lucros financeiros, sem dar importância à produção de bens e serviços. Empresas e

nações não buscam a tecnologia pela própria tecnologia, mas estão motivadas pelo

lucro e aumento do valor de suas ações. A “lucratividade e a competitividade são os

verdadeiros determinantes da inovação tecnológica e do crescimento da

produtividade.” (CASTELLS; 1999; p.136). Marx, hoje não reconheceria mais a

famosa fórmula D (dinheiro) ? M (mercadoria) ? D’ (dinheiro), (MARX, 1988,

p.170), pois esta se encontra obsoleta. O dinheiro permite fazer dinheiro sem

produção de mercadorias. A informação e o conhecimento sempre foram

valorizados no crescimento da economia, mas diante deste novo paradigma,

transformaram-se em um “gigante” que “possibilita que a própria informação se torne

o produto do processo produtivo” (p.119). É uma terceira Revolução Industrial

comparada a uma nova fonte de energia como a eletricidade e o motor a vapor.

Considera-se pela primeira vez na história, um elemento fundamental: a mente

humana como um elemento decisivo e uma força direta da produção.

De outro modo, Santos (2002) argumenta que, apesar de sua

grande importância, a globalização não resulta somente da economia

informacional, mas, de um conjunto de fatos e decisões políticas como o consenso

de Washington8. Os Estados centrais e os demais países que o adotaram, o fizeram

8 O “Consenso de Washington” diz respeito, à visão americana sobre a condução política e econômica dos paises periféricos do mundo inteiro, de forma mais direta os da América Latina, mais endividados, submetidos à hegemonia norte americana. Neste consenso há três planos: todas as agências econômicas dos paises periféricos devem aplicar um rigoroso equilíbrio e austeridade fiscal que passa por um programa de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais e corte nos gastos públicos. Estas agências devem buscar estabilidade monetária como prioridade primeira. Para estabilizar, é necessária uma política fiscal dura com cortes contribuições sociais, reforma previdenciária, corte nos salários dos funcionários públicos. A segunda ordem do consenso é “desonerar fiscalmente o capital”, para que possa aumentar a competitividade no mercado internacional e flexibilização dos mercados de trabalho. E o terceiro propunha, o modelo de

15

com certa autonomia, demonstrando uma decisão política. “A globalização

hegemônica é um produto de decisões de Estados nacionais. A

desregulamentação da economia, por exemplo, tem sido um ato eminentemente

político” (p.50), em que os Estados nacionais cedem às pressões do Consenso de

Washington, embora os muitos que o adotaram, o fizeram por falta de alternativas.

É fundamental lembrar que este ato não deixa de ser uma decisão política.

Concomitantemente, é neste processo de mundialização que a

produção internacionaliza-se e a regulação deixa de ser nacional. O Estado abdica

da sua função maior que é “controlar/limitar a desigualdade social“ (NASCIMENTO,

1997, p.84). E, consequentemente, a desigualdade aumenta. Além do mais, para

fazer cumprir o consenso de Washington é necessário economizar, reduzir os gastos

sociais, combater a inflação e o déficit público. Isto leva à diminuição de investimento

em saúde, educação, habitação e ao estreitamento dos direitos sociais do cidadão.

A privatização das empresas estatais, outra regra do jogo, como ocorreu no Brasil

com os serviços de telecomunicações e a Vale do Rio Doce, por exemplo, levou ao

enxugamento do número de funcionários e aumento do desemprego e diminuição de

postos de trabalhos nestas empresas, por terceirização de serviços. A

desregulamentação dos mercados oprime as empresas nacionais que não

conseguem competir com os preços das multinacionais. A globalização econômica,

portanto, tem como traços principais, segundo Santos:

Economia dominada pelo sistema financeiro; investimento em escala global; processo de produção flexível e multilocais; baixos custos de transportes; revolução na economia da informação e comunicação; desregularão das economias nacionais; preeminência das agencias financeiras multilaterais; emergência de três grandes capitalismos transnacionais: o americano, baseado no EUA e nas relações privilegiadas deste pais com o Canadá, o México e a América Latina; O japonês, baseado no Japão e nas sua relações privilegiadas com os quatro pequenos tigres e com o resto da Ásia; e o europeu, baseado na União Européia e nas relações privilegiadas desta com a Europa de leste e com Norte de África.(SANTOS, 2002, p.29).

Vários autores, no entanto concordam: Resende (1997), Dowbor

(1996,1997), Iannni (1997), Sposati (1997), Castells (1999), Santos (2002) que com

o espaço no capitalismo, se globaliza, com universalização e deslocamento de

substituição de importações, desregulação dos mercados, sobretudo o financeiro e do trabalho; privatização; abertura comercial; direito de propriedade de serviços e intelectual, sobretudo na zona

16

procedimentos administrativos racional-legais, antes de competência quase que

exclusiva do Estado nacional. A economia se globaliza enquanto os sistemas de

governo perdem a sua governabilidade, sua autonomia e deixam de exercer sua

função de modo soberano, com o papel regulador e coordenador do

desenvolvimento econômico e social. Há reversão de suas competências para a

gama de organizações internacionais e transacionais, portadoras de uma nova

legitimidade e uma nova ordem como a ONU, a FMI, BIRD, a bolsa de Nova York,

de Londres, de Tóquio ou as ONGs configurando-se na crise do Estado nacional. A

soberania dos Estados mais fracos está ameaçada não pelos Estados poderosos,

mas, sobretudo pelas agencias internacionais financeiras empresas multinacionais e

transnacionais. É o “encolhimento” do Estado nos dizeres de Santos (2002).

Precisamos com isso “construir uma alternativa ao individualismo e a concorrência

ao neoliberalismo. Precisamos articular uma sociedade solidária, capaz de também

construir formas de economia solidária.” (SPOSATI, 1997, P.46)

Resende (1997) afirma que a globalização é a perversa filha legítima

do capitalismo cuja árvore é de tronco europeu com suas ramificações periféricas

nas colônias. “É uma era planetária eurocêntrica que se afirma pela violência,

destruição, escravidão e pela extorção feroz das Américas, da África, da Ásia e da

Oceania. É uma mundialização de conflitos entre imperialismo concorrentes...” (p.31)

É Paulo Freire (1997, p.249-250) que clama em seu discurso quando fala da ética do mercado:

A liberdade do comércio sem limite é licenciosidade do lucro. Vira privilégio de uns poucos que, em condições favoráveis, robustece seu poder contra os direitos de muitos, inclusive o direito de sobreviver. (...) O desemprego no mundo não é, como disse e tenho repetido uma fatalidade. É antes o resultado de uma globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o dever ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da gulodice das minorias que comandam o mundo. (...) A um avanço tecnológico que ameaça a milhares de mulheres e de homens de perder seu trabalho deveria corresponder outro avanço tecnológico que estivesse a serviço do atendimento das vitimas do progresso anterior. (...) Não se trata, acrescentamos de inibir a pesquisa e frear os avanços, mas pó-los a serviço dos seres humanos.

De acordo com Rodríguez (2002), o impacto da globalização e os

seus efeitos deletérios e excludentes tendem cada vez mais a acentuar o ”fosso

crescente entre ricos e pobres”, em escala global, de Norte a Sul. Parece que a fronteira. Palestra proferida pelo Professor José Luis Fiori (da UFRJ) em setembro de 1996, no

17

mensagem do capitalismo é a de que “pode [se] viver sem estas pessoas” como

aponta o pensamento de Friedmann (1992). Sua participação na sociedade de

consumo se reduz meramente a ”ver vitrines” no dizer de Moody (1997), ambos os

autores, citados por Rodríguez acima.

Concorda-se com Rodriguez quando o mesmo menciona que a

globalização vem aprofundar este problema, mas não é e nem pode ser o bode

expiatório para todos os malefícios econômicos. Vários autores indicam que a

globalização tem o poder de desestruturar mercados de trabalho e deixar uma

população “a ver navios”, mas em compensação pode elevar o nível de vida de

outras populações favorecidas por ela. Não se pode, portanto, afirmar que a

globalização só oferece prejuízos sociais. Castells (1999) se refere a isto. “A nova

economia afeta tudo e a todos, mas é inclusiva e exclusiva ao mesmo tempo; os

limites da inclusão variam em todas as sociedades, dependendo das instituições,

das políticas e dos regulamentos.” (p.203). Devido à globalização, as empresas são

obrigadas a diminuir os seus custos, como vimos acima, e se vê obrigada a deslocar

fábricas de um local para outro que encontre estas condições dimensionadas.

Quando isto ocorre, deixa uma população “a ver navios” e, no entanto, permite que

outra seja favorecida. Sposati (1997) vem corroborar com esta idéia e expressa:

enquanto a China, por exemplo, dispõe de mão de obra barata, e acaba sendo

favorecida por este processo, os americanos, tem visto reduzido os seus postos de

trabalho.

Segundo alguns autores, o impacto tecnológico surgido com a

globalização levou à resultados positivos: progressos ocorreram na área da saúde,

na informação e outros e dessa maneira a globalização não pode ser de todo

censurada. É necessário abandonar o negativismo da evolução afirma Miranda

(2000), quando se tem o olhar retrospectivo e festejar alguns avanços alcançados:

no passado as guerras eram a lógica do dia a dia; a escravidão era generalizada; as

pessoas morriam de epidemias hoje totalmente controladas pela existência de

vacinas, antibióticos; a longevidade alcança médias em torno dos 70 anos. Em

contrapartida, Dowbor (1997), nos lembra não podemos nos esquecer dos seus

malefícios: o transporte moderno leva a uma rede de distribuição de drogas que

matam milhões de pessoas, as pesquisas de laboratório em genética avançam sem Centro Cultural do Banco do Brasil.

18

muito controle e regulamentação; armas letais são cada vez mais vendidas.

Acrescenta-se a isto, a fabricação de armas biológicas; a técnica da agricultura de

alimentos geneticamente modificados, os transgênicos, com efeitos na própria

biodiversidade podendo interferir na segurança alimentar e no equilíbrio ecológico,

sintetizando a falta de ética e solidariedade humana.

Santos (2002), e Castells (1999) tendem a reconhecer que a

globalização produz assimetrias, é seletiva, e tem uma geometria variável, mas

desestruturou a hierarquia econômica do mundo e pôs fim a idéia de divisão de

paises do hemisfério norte e sul, na medida em que a novíssima divisão

internacional de trabalho não ocorre entre paises, mas entre agentes econômicos e

posições distintas na economia global. Esta é a grande diferença da economia

global para a economia-mundo. Para Castells: ”uma economia global é algo

diferente: é uma economia com capacidade de funcionar com unidade em tempo

real, em escala planetária” (1999, p.142).

Estamos diante de uma nova estrutura internacional. Umas das

mais dramáticas transformações da globalização econômica neoliberal está em

concentrar a riqueza nas mãos das multinacionais. Das 100 maiores economias do

mundo, quase 50% (47) são multinacionais. O comércio possui 70% de empresas

multinacionais. Mais de um terço do produto industrial mundial é produzido por

estas empresas e uma porcentagem ainda maior transita entre elas. O impacto

dessas empresas em relação à desigualdade de classes em escala mundial tem sido

amplamente discutido. Cerca de 1 bilhão e meio de pessoas, ou seja, um quarto da

população mundial vive na pobreza absoluta 9, com rendimento inferior a um dólar

por dia. Segundo relatório do Banco Mundial de 1995, nos países pobres onde

vivem 85,2% da população mundial, detém-se 21,5% do rendimento mundial,

9 Pobreza absoluta: é entendida como a situação “em que se encontram membros de uma determinada sociedade de despossuídos de recursos suficientes para viver dignamente ou não que não têm as condições mínimas para suprir as suas necessidades básicas. Vida digna e necessidades básicas constituem sempre, definições sociais e históricas, variando, no entanto, no tempo e no espaço.” (NASCIMENTO, 2000, apud BORIN, 2003) No entanto Borin complementa: a pobreza com privação absoluta tem como referencial a renda necessária a manutenção biológica do individuo e está relacionada aos padrões mínimos de necessidades. No entanto a palavra “necessidade” contém uma cilada, e é “carregada de subjetividade”. Por estar relacionada a valores, cada cidadão tem uma necessidade.

A este respeito ver também Amartya Sen, Desigualdade reexaminada, 2001.

19

enquanto 14,8% da população dos paises mais ricos detêm 78,5% do rendimento

mundial. Há 25 anos, a concentração de riqueza conseqüente à globalização

naquele país líder deste modelo econômico, EUA, atingia proporções espantosas.

No final na década de 80, 1% das famílias norte-americanas detinha 40% da riqueza

do país e as 20% mais ricas detinham 80% da sua riqueza. (SANTOS, 2002)

O novo relatório do Banco assinala disparidades alarmantes entre a qualidade de vida nos países ricos e nos pobres. Enquanto sete de cada 1.000 crianças nos países ricos morrem antes dos cinco anos de idade, esse número eleva-se a 121 de cada 1.000 crianças nos países mais pobres. Enquanto 14 de cada 100.000 nascimentos vivos nos países ricos resultam em mortalidade materna, essa taxa pode atingir 1.000 mortes por 100.000 nascimentos vivos nos países pobres. E enquanto os países ricos atingiram a meta de educar todas as meninas no nível de primeiro grau, esse progresso fica muito atrás em lugares como o Sudeste asiático onde apenas 61% delas completam o ensino de primeiro grau. (BANCO MUNDIAL, 2003)

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006), há

no mundo aproximadamente 180 milhões de pessoas em situação de desemprego

denominado “aberto”, ou seja, aquelas que procuram emprego, mas acabam sem ter

o que fazer. Um terço destas pertence à população jovem com faixa etária entre 15

a 24 anos.

Daniel Martinez, diretor geral da OIT na América e no Caribe, na

Oficina Regional da OIT realizada em Lima em 2005, ao analisar as taxas de

desemprego dos países da América Latina, afirmou que estes estão decrescendo.

O desemprego vem afetando mais mulheres e jovens. (OIT, 2006). No entanto,

informações da Pesquisa de Empregos e Desempregos (PED, 2006) realizada pelo

SEADE e DIEESE, mostram que na região metropolitana de São Paulo, em março

de 2006, houve um aumento do desemprego em relação ao mês anterior (fevereiro),

de 16,3% para 16,9% quando se aborda o desemprego total10.

Em síntese, podemos perceber que as exigências atuais de

empregabilidade são bem diferentes de outrora, por ocasião das sociedades

industriais em que os trabalhadores do campo tiveram somente que aprender o

funcionamento das máquinas e adaptar-se ao estilo de vida das cidades. No mundo

10 Desemprego total: De acordo com os dados do DIEESE, significa desemprego aberto mais oculto pelo trabalho precário, mais oculto pelo desalento. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/ esp/real/estjun96.xml>. Acesso em: 28 jul. 2006

20

global, os trabalhadores devem dominar a linguagem da informática e das máquinas

de alta tecnologia, possuir raciocínio rápido e abstrato, ter iniciativa, ser criativos,

competitivos, comunicativos, dominar demais idiomas, estar muito bem informados,

além de ter que ser líderes para formarem verdadeiros times. Isto não se aprende

nas ruas e não se adquire em escolas de baixo nível. É necessária uma educação

transversal com abordagem transdisciplinar, desenvolvendo a criatividade do aluno,

problematizando a realidade que o cerca, para que se possa ter uma boa inserção

no mercado de trabalho.

O impacto da globalização tem demonstrado não só o crescimento

do desemprego, a alta competitividade, bem como a deteriorização das relações

sociais, perda da subjetividade de milhões de trabalhadores que foram substituídos

por máquinas, o que permitiu melhores resultados com menores custos.

De outra maneira os que se encontram empregados não são, tão

mais felizes. Henríquez argumenta as conseqüências que este tipo de economia

traz. “Jamais o indivíd uo esteve tão encerrado nas malhas das organizações (em

particular das empresas) e tão pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de

pensar, à sua psique” 11 (HENRÍQUEZ; 1997 P.19). De outra maneira, Mills (1969),

já previa na década de 60 que o desenvolvimento do homem em uma só faculdade a

custas de todas as outras causava o seu aprisionamento, o que fez A. Ferguson, o

mestre de Adam Smith, dizer que não temos cidadãos livres, somos uma nação de

ilhotas.

Hoje, exigem-se homens multiqualificados e multifuncionais, mas o

“indivíduo continua preso às malhas da organização”. O homem em certas

condições pode ‘ser criador de sua própria história e alcançar sua “autonomia”, a sua

construção social é crer na sua vocação de homem livre e criador, mas se

enganando, “preso a grades sutis” de outros homens que a isto reivindicam.

(HENRÍQUEZ; 1997). Berman, ao falar da modernidade afirma “a sociedade

moderna é um cárcere” em que “as pessoas que aí vivem foram moldadas por suas

[próprias] barras. Somos seres sem espírito, sem coração, sem identidade sexual e

pessoal - quase podíamos dizer: sem ser” apesar de parecer absurdo. São esses

“homens massa” ou “homens ocos” que têm o direito não só de governar a si

11 Grifos nossos.

21

mesmos, mas a massa majoritária, ou seja, governar-nos (BERMAN, 1996, p.27).

Mas, esta é uma outra discussão que delongaria muito tempo e que não é nosso

propósito no momento.

Afirma-se, pois, que a economia atual atingiu níveis acentuados de

crescimento, mas há disparidade entre países ricos e pobres. Dowbor (1997) aponta

com clareza que o fato do desemprego não é devido mais à falta de crescimento

econômico, mas do próprio crescimento econômico. O setor de ponta das empresas

nobres multinacionais, que aplicam o “just-in-time”, reengenharia e outras,

empregam 1,2 milhões no terceiro mundo contra 73 milhões de pessoas em todo o

mundo. A população ativa no terceiro mundo é da ordem de 2,2 bilhões de pessoas.

Abaixo do setor de ponta, cresce o desemprego precário, contando com a mão de

obra terceirizada no setor de transportes, alimentação, garagens e outros. A

empresa como a Nike contrata pessoas com salários ínfimos para que o setor de

ponta da empresa apenas gere o produto.

Diante desta crise em que cada vez mais aumenta o desemprego e

a desigualdade social, exigem-se novas formas de enfrentamento. A economia

solidária não é uma panacéia. Segundo Singer:

É um projeto de organização socioeconômica por princípios opostos ao do Laissez faire: em lugar da concorrência, a cooperação, em lugar da seleção darwiniana pelos mecanismos do mercado, a limitação – mas não a eliminação! – destes mecanismos pela estruturação de relações econômicas solidária entre produtores e entre consumidores. (SINGER; 2003, p.9)

Há experiências bem sucedidas na indústria, na agricultura, que

permitem sustentar uma nova alternativa para o capitalismo neste momento histórico

de maneira prática.

Diante deste panorama, como fica o morador da favela, em relação

à sua força de trabalho, já que é pertencente ao grupo mais periférico dos

trabalhadores? O favelado, em sua maioria, encontra-se sob as condições de todas

as iniqüidades: social, econômica, política. Social principalmente, por não ter acesso

ao exercício efetivo dos direitos sociais de cidadania: habitação, alimentação, lazer,

educação. E, ainda que tenha acesso a alguns benefícios de bem-estar social, tais

como: educação e saúde fornecidas pelo poder público, estes se acham muito longe

22

de ser algo de qualidade, ressaltando-se ínfimas exceções, pois não se investe

neste país em educação e saúde.

Embora existam alguns programas federais, estaduais e municipais

de políticas sociais que buscam criar um corpo de proteção social e prover

condições para que indivíduos e famílias possam sair da situação de pobreza,

muitas barreiras e desafios são enfrentados para a sua implementação e

funcionamento. O primeiro deles é a própria situação econômica que o país enfrenta

na atualidade. Estes programas, além de onerosos, requerem recursos que são

escassos, ficam à mercê da vontade política do governante, da capacidade de

enfrentar a politicagem dos adversários, bem como de inúmeros outros desafios.

Moretto e Pochmann (2002) relatam o esforço estratégico vivido recentemente na

Prefeitura de São Paulo, no governo da prefeita Marta Suplicy, referente à

implantação dos programas de inclusão social, pois seu grande entrave é sua

descontinuidade e falta de avaliação, o que produz pequeno impacto sobre a real

situação: a pobreza.

Draibe e Henrique (1988), analisando a crise do Welfare State feita

pela OCDE (1981), acreditam que as dificuldades enfrentadas são conseqüentes à

crise econômica devido ao aspecto financeiro e fazem o seguinte questionamento:

Estes programas sociais estariam promovendo maior equidade social? Faz-se

necessário, portanto, reexaminar estas políticas no sentido de distribuição mais

equilibrada frente à crise política e social e, de fato, orientar para a minimização da

pobreza e desigualdades sociais. Mas, trata -se de uma discussão complexa que

iremos aprofundar mais a frente. O que queremos ressaltar é que há uma parcela

de estudiosos da ala conservadora que acredita que o Bem-estar Social (Welfare

State) não passa de uma cilada, pois cria dependência e fomenta a ociosidade, a

violência e o desemprego dos seus beneficiados. A crise de desemprego é gerada

pela expansão dos gastos sociais excessivos que desestabiliza o Estado em vários

aspectos, gerando o desequilíbrio do orçamento e aumento da inflação mediante a

elevação de tributos, emissão de moedas ou encargos sociais. (DRAIBE e

HENRIQUE, 1988)

É o que assistimos em países ricos, como, por exemplo, a França,

cuja administração pública está entre as dez ou quinze melhores do mundo nos

23

últimos 30 anos e eliminou a pobreza (pelo menos na forma na qual se revela no

mundo, em 80%). O país investiu bilhões de dólares em programas sociais. Há

muito tempo inexistem favelas e cortiços e há sistema público de saúde, educação e

transporte eficientes. Ninguém sofre de falta de alimentação, abrigo ou vestimenta.

O salário mínimo é de 1.300 euros. Mas, isto não foi suficiente para impedir a

explosão de violência ocorrida em dezembro de 2005 nos bairros mais modestos da

Paris que deixou cerca de 9.000 carros incendiados e causou prejuízos em torno de

500 milhões de euros. O quebra-quebra envolveu trabalhadores imigrantes e seus

descendentes, camada mais pobre e desqualificada de jovens de origem

mulçumana, sem nível de instrução e qualificação profissional que ocupa 30% a 40%

contra 10% da média nacional em relação ao desemprego. É um país com liberdade

econômica à iniciativa individual, mas é o Estado quem decide o que é melhor para o

seu povo. Protege o emprego com leis que foram criadas há décadas e controla a

concorrência entre empregados e empregadores. Tem como atividade econômica

central as estatais e semi-estatais. Apesar de possuir políticas eficientes para

diminuir as desigualdades, criou armadilhas que prendem o país nos dias atuais e

entre a população estabelece-se uma profunda dependência do Estado. O modelo

originou uma cultura antitrabalho, muitas greves e férias duas vezes por ano. Isto

dificulta a expansão da riqueza e de empregos. ”O modelo francês, sem dúvida, deu

certo para eliminar as diferenças. Mas, este sucesso tem se revelado insuficiente: as

pessoas salvas da pobreza ficam congeladas numa situação da qual não podem

sair”. (GUZZO, 2005, p.50)

Recentemente, em março de 2006, assistimos à revolta dos jovens

franceses por ocasião do projeto de lei que impunha a não garantia dos benefícios

sociais do trabalhador ao término do contrato de trabalho. (primeiro emprego). O

governo francês não teve outra saída, a não ser, retirar o projeto de lei de votação.

O desenvolvimento da economia informal demonstra que há

crescimento do subemprego e queda da produtividade e remuneração, direcionando

fatalmente ao aumento da pobreza. Em média, um terço da mão de obra no mundo

está desempregada e/ou subempregada, ou “desocupada” e “sub-ocupada” na

terminologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000)

24

Desta forma, acreditamos que a iniciativa de geração de rendas

articula o social e o econômico, viabilizando de alguma maneira condições mais

dignas de vida, conforme descreve Dowbor (2004, p. 2):

Na realidade, a geração de empregos, como motor de arranque de uma economia estagnada, tem a virtude de criar o fluxo de demanda indispensável para pôr em marcha o círculo virtuoso, e de permitir simultaneamente a redução das tensões sociais que estão se tornando insuportáveis. É o espaço onde o econômico e o social podem se articular, um dinamizando o outro. De certa maneira, convergindo com ações complementares como a promoção das exportações, programas assistenciais aos mais pobres e outros, a geração de empregos torna-se o eixo estratégico de redinamização da economia. (...) Não falta o que fazer. Temos no país um conjunto de atividades que podem ser estimuladas no curto prazo, e que são intensivas em mão de obra. Trata-se de projetos que qualquer prefeitura sabe implementar, sendo possível a sua dinamização no curto prazo.

Marx (2004) no Manifesto Comunista (1948), afirma que não

podemos ficar inertes a estes acontecimentos. Alguma mudança deve ser proposta e

isto pode ser visto com a história da humanidade. Ela nos mostrou que é preciso

assegurar condições para dar continuidade à existência mesmo que esta seja servil;

mas que o servo, durante a servidão conseguiu ser membro da Comuna e o burguês

embrionário conseguiu dominar o absolutismo feudal e se tornar burguês. No

entanto, o operário moderno está caindo cada vez mais “abaixo das condições de

existência de sua própria classe. O operário torna-se pobre e o pauperismo cresce

ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza...”. (p.57)

Enfim, o que podemos concluir é que as transformações ocorridas

no mundo do trabalho, a partir do trabalho artesanal até o sistema capitalista e a

globalização têm produzido, nos paises periféricos, cada vez mais desigualdades do

que crescimento com a polarização entre ganhadores e perdedores. Enquanto

muitos acumulam o capital, outros vivem na pobreza marcados pelo desemprego em

uma sociedade cada vez mais injusta.

Nestes países, a “exclusão” econômica é a forma mais contundente

de “exclusão”, pois torna o indivíduo desvinculado das demais redes sociais. O

morador da favela transforma-se na expressão mais nítida desta condição. Ao

perder o emprego, usa o seu seguro-desemprego; esgotadas suas economias,

perde a capacidade de se alimentar, de alugar uma casa e migra para as favelas.

Em geral, tem baixo nível de escolaridade, não possuindo as condições já discutidas

25

anteriormente e exigidas pelo mercado de trabalho. Além disso, são pessoas cuja

aparência, revela a falta de saúde e o modo de vestir não coincide com os padrões

impostos pelo mercado de trabalho. É muito difícil que alguém cuja aparência física

não coincida com os padrões de saúde e beleza exigidos pela sociedade, consiga

emprego. Há uma representação social muito forte em não favorável aos moradores

de favela. Geralmente são vistos como pessoas perigosas, violentas, ligadas ao

tráfego de drogas e, muitas vezes, aparentam fisionomias adoentadas,

envelhecidas, desdentadas, usando roupas simples. Portanto, são vitimas de uma

“exclusão social” anterior à “exclusão” econômica e produtiva de bens. Isto é

percebido no nosso cotidiano quando nos deparamos com alguém na rua ou nas

esquinas dos semáforos. Não se pode afirmar que todos os moradores das favelas

são corretos e idôneos. Mas, o que estou se quer afirmar é que nem todos são

incorretos e inidôneos. Dessa maneira, agimos sempre com preconceito, pois

vivemos no mundo da violência e não sabemos quem é quem.

No Brasil, boa parcela da população se agrupa nas favelas. As

favelas aqui são resultantes da concentração de renda que tem existido desde

sempre.

Cabe aqui salientar que o Brasil é um país marcado historicamente

pelas desigualdades sociais como conseqüência a de seu desenvolvimento

econômico colonial pautado na importação e a exploração de mão de obra escrava e

a “enorme concentração de propriedade fundiária”. A desigualdade social desde a

sua formação foi sua marca não reconhecendo “a cidadania para todos onde a

cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, são distintos

os direitos, as oportunidades e os horizontes de vida.” (BORIN, 2003, p.61).

Borin (2003), analisando os trabalhos de Ferreira (2000), argumenta

que a concentração de renda em estratos superiores que caracteriza a pobreza e as

desigualdades nos dias atuais se alimenta em cinco princípios:

O primeiro refere-se às características de nascimento como: raça,

gênero, inteligência/ou riqueza inicial.

O segundo diz respeito às características adquiridas como: nível

educacional e experiência profissional.

26

O terceiro, tem origem nos mecanismos do mercado de trabalho que

agem sobre os dois grupos anteriores, com repercussões acentuadas, nas

diferenças de rendimento. Este grupo se subdivide em outros três, com

características distintas: discriminação, segmentação e projeção. Em relação à

discriminação, esta ocorre relacionada à remuneração dos trabalhadores.

Trabalhadores em postos de trabalho idênticos, com produtividade idêntica, e

salários diferentes relacionados, sobretudo à raça e ao gênero. Por segmentação,

entende-se quando há diferença de remuneração entre trabalhadores idênticos, com

produtividade idêntica em postos distintos. Por projeção, quando se projetam no

cargo, as características do trabalhador que são observáveis. Neste caso, anos de

escolaridade e experiência profissional repercutem no espaço renda.

O quarto princípio se vincula ao fator de produção e aos mercados

de capital. Estes se encontram relacionados às apólices de seguro, preço do

crédito, determinando a inserção de diferentes trabalhadores nas mais variadas

ocupações. A sua renda oscila a partir da oscilação do mercado.

E o quinto e o último grupo, expressa na distribuição de renda

relacionada aos fatores demográficos, formação de domicílios (escolha de parceiros:

por exemplo, homem rico tende a casar com a mulher mais rica ou casais formados

a partir de pessoas ricas e pobres), fertilidade (número de filhos) e coabitação

(moradia com pais, avós).

Estes cinco fatores são determinantes das polaridades entre

pessoas carentes de um lado e pessoa com maior renda de outro.

Diante desta população carente que não tem condições de se

candidatar a um emprego porque não dispõe muitas vezes de um endereço, não tem

escolaridade, não tem dente, porque dente também é saúde, -- o que fazer? Quais

são os caminhos que poderiam conduzir à geração de renda para esta população de

desempregados? Como resgatar um mínimo de dignidade, um mínimo de cidadania

para tais seres que são também humanos? Para uma sociedade mais igualitária,

torna-se necessária uma economia em que os seus membros tivessem mais

solidariedade e menos competitividade. É no alicerce dessas novas concepções

que surge o grande desafio de um novo tipo de produção: a empresa solidária cujos

27

“princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à

liberdade individual.” (SINGER: 2002a; p.10).

É o que ocorre no bairro Real Parque, situado na zona sul de São

Paulo (que se descreverá mais adiante), uma das regiões mais nobres da cidade,

pertencente ao distrito do Morumbi, em que contrastes gritantes entre a população

rica e os despossuídos deixam perplexo o olhar de qualquer visitante. É um

verdadeiro apartheid social em que um mesmo espaço geográfico demarca e separa

ricos e pobres.

Diante deste panorama ora exposto, esta tese embasada na

pesquisa-ação, teve como pretensão em seu objetivo prático, a reinserção social do

morador do Real Parque mediante a formação de uma cooperativa como alternativa

viável de inclusão que levaria ao resgate da democracia (o direito de ter uma renda)

capaz de assegurar-lhe a cidadania em alguns direitos sociais, tais como:

alimentação, moradia de melhor qualidade, em suma condições mínimas de

sobrevivência. A partir da conquista de alguns direitos sociais, a construção de

alguns direitos civis e políticos. Deve-se afirmar que não foi a coleta seletiva em si,

que levou a transformação de consciências dos desempregados: antes domésticas,

cozinheiros, faxineiros, jardineiro, lavador de caminhão. Quando anteriormente

trabalhadores periféricos, não colocaram em movimento a sua “cabeça”, apenas o

seu corpo. Embora Marx diga que qualquer trabalho coloca o trabalhador em

movimento, esta tese aponta que a transformação social só foi possível através da

mediação do Trabalhador Social ao abrir um espaço democrático entre os

“diferentes” trabalhadores centrais e periféricos para discussões dos problemas

locais a partir do “método da roda” no Centro de Saúde Real Parque. Esta iniciativa

permitiu que se colocasse em movimento o “corpo, braços e pernas, mãos e

cabeça”. Os mesmos apropriaram-se “dos recursos da natureza, imprimindo-lhes

forma útil à vida humana”, o lixo, modificando-o, e ao mesmo tempo modificando “a

sua própria natureza” (MARX, 1988, p.202), ou seja, suas consciências.

Na favela Real Parque há aproximadamente 1.373 residências com

4.314 moradores de barracos e prédios Cingapura. Junto à esta comunidade, existe

uma heterogeneidade de povos migrantes do Norte, Nordeste e Minas Gerais,

28

inclusive uma etnia indígena: os índios Pankararu, perfazendo uma média de 580

deles.

Estes migrantes sem qualificação profissional, e em sua maioria

analfabetos, vêm para São Paulo em busca de emprego e sustento. No entanto, ao

chegarem à metrópole, deparam-se com a crise da economia formal. Muitos deles,

após meses em busca de colocação, sem sucesso, lançam mão do trabalho “de

catador”, sem consciência nenhuma do problema que aflige o planeta e o meio

ambiente, apenas lutando para “ganhar alguns trocados” que garantam a sua

sobrevivência mesmo que de forma subumana. Entre os vários catadores,

mesclam-se crianças exploradas pelos catadores adultos e estes pelos donos de

depósito de lixo, tornando-se um comércio. Logo que adquirem certa familiaridade e

segurança com o negócio, compram ou constroem uma carroça que incrementa o

rendimento, chegando-se a perfazer um total mensal de R$ 400,00 (quatrocentos

reais), segundo depoimento de alguns “carroceiros catadores”. Para conseguirem

tal quantia é necessário um extenuante período de trabalho diário.

Neste panorama descrito, assistindo-se à vinda silenciosa da

dengue no ano de 2000, na cidade de São Paulo, é que a autora do presente estudo

se motivou a iniciar um trabalho de coleta seletiva de resíduos sólidos no bairro Real

Parque em conjunto com esta população carente. A motivação para tal deu-se

devido ao envolvimento com esta população como Diretora Técnica do Centro de

Saúde Real Parque (Unidade Básica de Saúde) desde 1987 até 2002 (quando se

aposentou) tendo como eixo do seu trabalho uma preocupação constante com o

modo de vida dessa gente. Durante todos estes anos, viveu-se intensamente a vida

da favela, fazendo nascer crianças nos barracos, (pois muitas vezes as gestantes

não tinham conhecimento dos sinais de parto), vendo morrer pessoas assassinadas

e jogadas no matagal próximo ao posto de saúde, assistindo pais, mães e famílias

trazerem (crianças e adultos) já mortas na unidade para serem ainda socorridas.

Assistiu-se a poucos sorrisos e muitas lágrimas: conflitos familiares, crianças

estupradas pelo padrasto, mulheres espancadas pelos maridos, violências com

armas de fogo e objetos pontiagudos, mães que espacavam seus filhos. Ao mesmo

tempo, assistiu-se desta gente sofrida muita força e coragem, uma força inexplicável

de luta, de garra, insistindo com teimosia a continuar vivendo. Foi uma favelada que

mobilizou os sentimentos da autora e a levou a uma reflexão profunda do viver

29

dessa gente. Nesta ocasião, ao interpelar uma mãe que saíra de seu trabalho para

apanhar o seu filho (no posto), intoxicado por álcool, considerando tudo isto um

verdadeiro absurdo, a favelada ensinou: “a fome é tão desesperadora, que para não

ver o meu filho chorando, muitas vezes, preciso dar um pouco de pinga para ele

dormir.” Não dá para ficar inerte diante dessa situação. O envolvimento com os

moradores da favela foi crescendo dia a dia. Como a autora é enfermeira sanitarista

com visão de que saúde não é apenas ausência de doenças e sim educação,

moradia, lazer, meio ambiente, lançou-se a este desafio que culminou nesta

investigação. À busca de uma alternativa que fizesse face a estes efeitos

excludentes, inspira-se também em teorias educativas e a participação da autora

desta pesquisa na rede social do bairro com várias instituições que conjeturavam

sobre as possibilidades e alternativas de transformação local. Iniciou-se este

percurso, muitas vezes sofrido e desanimador, encontrando muita força interior e

trazendo sempre presente as palavras de Paulo Freire:

O que parece indiscutível é que se pretendemos a libertação dos homens, não podemos começar por aliená-los. A libertação que é autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra amiga, oca, mitigante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-los (FREIRE, 2002, p. 67).

Sendo a reciclagem dos resíduos sólidos importantes para a

Ecologia, manutenção das condições sanitárias locais e regionais, micro-economia

(geração de renda para os “excluídos” e aproveitamento do material reciclado),

macro-economia, além de outros benefícios, pensou-se em adotar uma “gestão

profissional” deste negócio ao fazer-se uso de recursos tecnológicos, estruturais,

cognitivos, organizacionais e sociais, disponíveis no cenário local e regional. A idéia

do projeto de coleta seletiva solidária de resíduos sólidos surgiu para que se

pudesse agregar todos estes catadores em um sistema de cooperativa de gestão

solidária para a geração de renda sustentável, no sentido de minimizar a pobreza, a

“exclusão” econômica e social, ao lado da formação de consciência ambiental.

Não se pode esquecer de que em se tratando de “lixo”, “nem tudo

que é sólido e estável se volatiliza” (Marx; Engels 2004, p. 48), ou “nem tudo que é

sólido se desmancha no ar” nas palavras de Berman (1986, p.13). Os resíduos

sólidos, além de poluir o meio ambiente, alguns deles, levam anos para degradar e

outros nem chegam a degradar, como é o caso do plástico.

30

A idéia central que norteou esta pesquisa surgiu do seguinte

questionamento: é possível a construção da cidadania em seus direitos sociais na

luta pelo atendimento das necessidades básicas alimentação, moradia a partir da

construção de uma cooperativa? É possível envolver coletivamente os moradores

da favela Real Parque numa discussão mais ampla sobre suas condições de vida e

romper com o cotidiano da alienação, no sentido de pensar, sentir e agir, sendo

agentes de mudança, apresentando propostas que minimizem a desigualdade e

recuperem os seus direitos? É possível um outro tipo de organização

socioeconômica na qual haja cooperação em lugar da concorrência, valendo-se sim

da limitação, porém sem a eliminação? Que tipo de trabalho alternativo poderia ser

pensado para estes moradores da favela que não exija qualificação profissional e

permita a inclusão desse grupo denominado de “trabalhadores periféricos”?

Com o intuito de encontrar respostas a estas indagações iniciais e

de construir junto aos “excluídos” uma sociedade um pouco mais justa, buscou-se

trabalhar com este grupo oprimido. O objetivo inicial foi de travar um conhecimento

dessa realidade e, a partir daí, identificar meios para a superação da situação de

opressão para que se possa desenvolver uma ação local, tornando-se factível

reapropriar um pouco desta cidadania esgotada, desta autonomia perdida, na

conquista de novas maneiras de trabalho. Para dar conta destas questões, foram

desenvolvidos sete capítulos que serão discutidos logo a seguir.

A pesquisa foi desenvolvida em quatro momentos distintos que

serão abordados no capitulo seguinte.

O texto é composto de sete capítulos, além desta introdução, das

considerações finais, e das referências bibliográficas.

O capítulo I apresenta as questões metodológicas. Trata-se de uma

pesquisa social empírica, denominada pesquisa-ação, em que a pesquisadora e a

comunidade em estreita interligação encontraram-se envolvidos para a construção

da cidadania a partir da construção de um núcleo de cooperativa de lixo, na favela

Real Parque.

O capítulo II relata de maneira sucinta a história das favelas

paulistanas.

31

O capítulo III apresenta o local de estudo: o Real Parque. Revelam-

se dados epidemiológicos, demográficos (dados quantitativos) e qualitativos para

melhor compreender a realidade local e como é esta população.

No capítulo IV, enfocam-se o diagnóstico participativo e a

sistematização dos principais problemas apresentados pela população.

O capítulo V apresenta um aceno histórico sobre a economia

solidária, como uma nova forma de organização e alternativa de inclusão, daqueles

que se encontram “excluídos” ou em inserção extremamente desfavorável no

mercado formal e informal de trabalho.

O capítulo VI aborda o processo de formação do núcleo de

cooperativa de lixo no Real Parque e qual foi o seu alcance.

O capítulo VII focaliza os coletores de lixo do ReciclaReal: uma

cidadania em construção. Apresenta como é possível erigir elementos de uma nova

cidadania a partir do trabalho de coleta seletiva solidária.

No capítulo VIII, discorre-se sobre as vantagens e desvantagens do

trabalho cooperativado, abordando aspectos que envolvem sua prática.

32

I. O PERCORRER METODOLÓGICO

1.1 Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa-ação, que segundo Thiollent (2000, p. 9) :

... é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou partipativo.

Esta participação supõe uma forma de ação planejada de caráter

social, educacional e que tem como objetivo central oferecer ao pesquisador e

grupos participantes, meios de “responder com maior eficiência aos problemas da

situação em que vivem em particular sob forma de diretrizes de ação

transformadora” (p. 8). A pesquisa-ação tem o seu real alcance ao que é

denominado nível microssocial (indivíduos, pequenos grupos). Nela, os

pesquisadores desempenham papel ativo na realidade observada, no

acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas para a solução dos

problemas encontrados. Consiste, portanto, em uma ação planejada. Entretanto, a

participação do pesquisador não deve nunca substituir a autonomia do grupo

(Thiollent, 2000).

Este mesmo autor apresenta os três principais aspectos da

estratégia metodológica de uma pesquisa-ação, que foram seguidos pela autora,

cuja síntese é a seguinte :

1. Ampla interação entre pesquisador e pessoas implicadas na investigação;

2. Estabelecimento das prioridades dos problemas pesquisados e das soluções a

serem encaminhadas. O objeto da investigação na realidade não é constituído

apenas pelas pessoas, mas pela situação social em que diferentes problemas são

encontrados.

Para alcançar este aspecto, foi realizado inicialmente um diagnóstico

situacional a partir de dados demográficos (dados quantitativos) para a análise da

33

realidade local. O diagnóstico é uma leitura da realidade que permite a

compreensão (conhecimento ou identificação dos problemas) e a sistematização das

prioridades, inclusive as de saúde de uma população, bem como o conhecimento de

suas características sócio-econômicas e culturais. Em um segundo momento,

procurou-se elaborar um Planejamento Participativo com o qual a população

pudesse discutir seus problemas em busca de soluções para as dificuldades

encontradas. Houve momentos de reflexão da população com a pesquisadora

sobre a realidade concreta num processo dialógico bidirecional democrático, uma

vez que se acredita que só a partir do diálogo e da participação ocorre à

transformação.

3. O objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou esclarecer uma situação

observada.

Há em torno do processo todo um acompanhamento das decisões.

Para implantar o embrião da cooperativa denominado ReciclaReal houve um período

de discussão e amadurecimento da situação. Este processo ocorreu entre

06/05/2002 a 07/10/2002, num total de 27 reuniões, quase sempre realizadas

semanalmente. Às vezes, ocorriam duas reuniões na mesma semana. Estas

aconteciam no Centro de Saúde Real Parque, no período das 19h00min. às

22h00min, ocasião em que a autora era a diretora técnica de serviço. Todas as

reuniões foram registradas em atas. Este processo desencadeou a etapa seguinte: a

implantação do ReciclaReal.

A pesquisa-ação pretende que o cientista social coloque os seus

instrumentos a serviço da construção, junto aos excluídos, de uma sociedade mais

igualitária e justa. Permite trabalhar com grupos oprimidos, com o objetivo de

construírem juntos uma realidade vivida, e a partir daí, identificar meios de

superação. São nos movimentos sociais que os excluídos conseguem se

reapropriar de sua identidade e autonomia, com a invenção de novas maneiras de

trabalho, incluindo a produção de conhecimentos.

Segundo Brandão (1990), uma pesquisa problematizadora em

Ciências Sociais implica em recusar os mitos da objetividade e neutralidade para

assumir uma postura intencional política. Não se limita a captar ou constatar como

se vive e fala determinado grupo social, mas como acontece sua postura:

34

Prever o que seria necessário fazer com vistas a dissolver os conflitos e reforçar a coesão social. (...) O que nos interessa é mergulhar na espessura do real, captar a lógica dinâmica e contraditória do discurso de cada ator social e de seu relacionamento com outros atores, visando a despertar nos dominados o desejo da mudança e a elaborar, com eles, os meios de sua realização (BRANDÃO, 1990, p. 25).

O mesmo autor afirma que não devem ser esgotadas as alternativas

de novas buscas e caminhos para decifrar a realidade. Brechas que estão

escondidas podem ser descobertas. A realidade não é estática, é dinâmica e, por

isto, é importante interrogar-se sempre. É com este desejo que o cientista social

deve ter como proposta político-pedagógica a pesquisa-ação que busca o

envolvimento do pesquisador no processo de mudança. Desta maneira, ele adota

dupla postura: a de observador crítico e a de participante ativo. Em outras palavras:

A finalidade da pesquisa-ação é de favorecer a aquisição de um conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transformação pelo grupo que está vivendo este processo, para que ele possa assumir, de forma cada vez mais lúcida e autônoma seu papel de protagonista e ator social (BRANDÃO, 1990, p. 27).

O objetivo do pesquisador é clarificar para o grupo, a prática vivida e

preservar uma distância crítica da realidade. A sua verdadeira inserção reside no

limiar entre a identificação com os protagonistas do grupo e a do distanciamento

necessário que lhe permita uma reflexão crítica. Deve observar a rede de relações

sociais em que vive a comunidade com seus desafios e possibilidades de mudanças.

Este trabalho implica em dois momentos distintos: construção inicial de suas

hipóteses de base, a partir de uma problemática, e a verificação da consistência

destas hipóteses iniciais em entrevistas realizadas com os protagonistas da

experiência.

Segundo Thiollent (2000), há dois tipos de objetivos da pesquisação:

objetivo prático e o de conhecimento. Assim, a pesquisa ação no Real Parque visou:

1.2 Objetivo prático

Facilitar a reconstrução da cidadania dos moradores de baixa renda

da comunidade Real Parque, a partir da criação de uma estrutura de gestão capaz

35

de criar trabalho para os adultos (homens e mulheres) em sistema de cooperação e

gerar renda para as suas famílias por meio da organização das atividades relativas à

coleta seletiva de resíduos sólidos.

1.3 Objetivos específicos

Relacionados aos cooperativados:

- gerar renda;

- preparar as pessoas para as diferentes ocupações relacionadas ao processo

seletivo de resíduos sólidos, incluindo a gestão do negócio e o desenvolvimento de

uma consciência ambiental;

- resgatar a cidadania.

Relacionados aos moradores da comunidade:

- oferecer oportunidade de inclusão voluntária em atividades de cunho social;

- promover o desenvolvimento da consciência ambiental.

Relacionados à Coordenadoria de Saúde Escola do Butantã:

- incorporar iniciativa pioneira no cenário das políticas públicas com aplicação local e

possibilidades de expansão para outros cenários;

- inovar “boas“ práticas comunitárias;

- desenvolver a produção de novos conhecimentos.

1.4 Objetivos de conhecimento

Analisar as discussões e entrevistas feitas com os moradores da

favela Real Parque no decorrer do processo de planejamento, implantação e

36

funcionamento de um embrião de cooperativa do ReciclaReal que funcionou durante

três anos, até dezembro de 2005, no bairro Real Parque, na região do Morumbi,

zona sul de São Paulo.

Verificar se houve mudança na vida desses moradores favelados,

bem como se houve o resgate dos direitos civis, sociais e políticos de sua cidadania.

Para atingir o objetivo prático foram utilizados o conteúdo das

reuniões efetuadas, as técnicas de sensibilização por meio de filmes a respeito do

problema do lixo e suas conseqüências, palestras, discussão das questões que

permeavam o problema e sua possível resolução. Na fase de implantação do núcleo

de cooperativa, foram construídos folders para sua distribuição nos prédios do

bairro, informando a população sobre o projeto e condições de adesão, como

também, orientando-a sobre a coleta seletiva de lixo (Anexos B1 e B2). Para atingir

o objetivo de conhecimento, foram utilizadas entrevistas individuais e as anotações

das reuniões registradas.

Thiollent (2000, p. 26) observa que:

... no desenvolvimento da pesquisa-ação, os pesquisadores recorrem a métodos e técnicas de grupos para lidar com a dimensão coletiva e interativa da investigação e também técnicas de registro, de processamento e de exposição de resultados. Em certos casos os convencionais questionários e as entrevista são utilizados como meio de informação complementar. Também a documentação disponível é levantada. Em certos momentos da investigação recorre-se igualmente a outros tipos de técnicas: diagnósticos de situação, resolução de problemas, mapeamento de representações individual, etc. Na parte “informativa” da investigação, técnicas didáticas e técnicas de divulgação ou comunicação, inclusive audiovisual, também fazem parte dos recursos mobilizados para o desenvolvimento da pesquisa-ação.

Para Minayo (1994), a entrevista é o procedimento no qual o

pesquisador busca obter informações contidas na fala dos atores sociais. É uma

conversa a dois com propósitos de colher informações sobre determinado tema

científico. Com esse procedimento, colhem-se dados objetivos e subjetivos. Os

primeiros podem ser também obtidos através de fontes secundárias, tais como

censos, estatísticas e outras formas de registros; os segundos relacionam-se aos

valores, às atitudes e às opiniões dos sujeitos entrevistados.

37

Lakatos e Marconi (2001) afirmam que a receptividade e a

espontaneidade do entrevistador, durante a entrevista, resultam na obtenção de

informações valiosas. O entrevistador com essa postura pode favorecer um clima

descontraído, contribuindo para que se percam o medo e o constrangimento,

desinibindo a fala do entrevistado.

1.5 Momentos da investigação

Na primeira etapa, ocorreu a realização de um diagnóstico

situacional, que se deu a partir do levantamento de dados quantitativos e dados

demográficos que possibilitassem uma análise da realidade local. Tal diagnóstico

favoreceu a compreensão (conhecimento ou identificação dos problemas) e

conduziu à sistematização de problemas e necessidades de saúde de uma

população, revelando inclusive suas características sócio-econômicas e culturais.

O segundo momento consistiu em elaborar um Diagnóstico

Participativo com o qual a população discutisse seus problemas, visando a encontrar

soluções para as suas dificuldades, a fim de que houvesse uma reflexão entre a

população e a pesquisadora sobre a realidade concreta. Este processo

desencadeou a etapa seguinte.

O terceiro momento representa um estudo prático compreendendo a

formação da cooperativa no bairro, a ReciclaReal, mediante a realização de reuniões

(18 registradas em atas – análise documental) com os participantes do projeto, em

um total de 104 reuniões.

E, finalmente, o estudo constou ainda da análise de depoimentos

dos atores envolvidos, quatro deles realizados com recicladores do ReciclaReal, do

Real Parque e quatro com os recicladores que representam este núcleo (do Real

Parque) na CooperAção, cooperativa-mãe da região sul e posterior análise inspirada

na análise de discurso, apoiada na literatura sobre o assunto.

38

1.6 Fases do desenvolvimento do projeto

Inicialmente, há que se destacar o envolvimento de alguns membros

da comunidade que cederam, por dois anos, em regime de comodato, um terreno de

2.455m² para a implementação do Projeto ReciclaReal. (Anexo C)

Por outro lado, as atividades da primeira fase foram arcadas pelas

instituições envolvidas: Centro de Saúde Real Parque12, Distrito de Saúde Escola

Butantã e Prefeitura Municipal de São Paulo mais especificamente a Secretária

Municipal de Serviços e Obras.

As atividades das fases seguintes foram:

• Realização de um curso a respeito de coleta seletiva sobre resíduos sólidos,

com apoio da CIT, (Centro Integrado do Trabalhador) e do FAT (fundo do Amparo ao

Trabalhador), a pessoas interessadas da comunidade13 na sede do Centro de saúde

Real Parque. Participaram 30 interessados.

• Esta fase ficou extremamente prejudicada. Seriam realizadas a partir de

recursos adquiridos junto à agência de fomentos (para onde o projeto foi

encaminhado) a construção de infra-estrutura adequada para o funcionamento da

cooperativa no terreno cedido, como também compras de equipamentos que dariam

sustentação ao projeto, como: caminhão para transporte de material, prensas,

balanças e outros. O projeto foi enviado ao Banco Mundial, no entanto, não se

conseguiu o recurso, perdendo-o para uma cidade do interior de São Paulo.

• Articulação com as instituições de ensino do bairro (faculdade de

administração hospitalar) que em parceria entrariam no processo de capacitação de

operadores de lixo reciclável do bairro, criando possibilidades de ensino, pesquisa e

extensão. Esta fase também ficou prejudicada por fa lta de recursos.

12 O Centro de Saúde do Real Parque é o nome da Unidade Básica de Saúde do bairro do mesmo nome. 13 Quando falamos em comunidade estamos nos referindo as, cinco comunidades que existem no Bairro Real Parque: a dos moradores das favelas Real Parque, Panorama e Porto Seguro, a dos índios Pankararu e da classe alta.

39

• A partir da quarta fase o Projeto teve sustentação própria, incluindo a gestão

do lixo e a construção de uma nova cidadania.

Era pretensão inicial a disseminação da tecnologia leve produzida e

passível de ser replicada em outros cenários da cidade de São Paulo, caso

houvesse recurso para tal.

1.7 Local de estudo: o cenário

O cenário é o bairro do Real Parque, zona sul de São Paulo,

conforme já explicitado anteriormente, por se tratar de um local em que surgiu a

oportunidade de se conhecer mais de perto a comunidade, devido à atuação da

pesquisadora enquanto diretora técnica da UBS da região. (Foto 1, 2 e 3 no capítulo

3)

1.8 O sujeito

Os sujeitos deste estudo são os coletores de lixo do bairro que

tiveram o desejo de construção de um trabalho coletivo, organizado, voltado ao

interesse de obtenção de renda, a partir da formação de uma cooperativa. Os

sujeitos foram entrevistados, respeitando os princípios de anonimato, da participação

consentida e esclarecida. (Anexo D)

1.9 Coleta de dados

Foram utilizadas na coleta de dados, entrevistas não estruturadas.

A entrevista pode ser caracterizada como informal, não-estruturada quando se torna

uma conversação apenas, tendo como objetivo precípuo a coleta de dados.

Antes de mais nada (...) é preciso fazer perguntas abertas para um conjunto de indivíduos de alguma forma representativos desta coletividade

40

e deixar que estes indivíduos se expressem mais ou menos livremente, ou seja, que produzam discursos. Ou seja, para se saber o que uma pessoa ou um conjunto de pessoas pensam é preciso perguntar de modo a ensejar que as pessoas expressem um pensamento, ou seja, um discurso, o que só pode ser feito através de questões abertas. A questão fechada não enseja a expressão de um pensamento e sim a expressão de uma adesão (forçada) a um pensamento preexistente (LEFÈVRE; LEFÈVRE; TEIXEIRA, 2003, p. 7).

Iniciou-se a entrevista em clima de conversa, a partir da seguinte

questão: O que mudou na sua vida após a coleta seletiva de lixo solidária? Como

não existiram perguntas fechadas e nem uma ordem pré - fixada para as questões,

as entrevistas evoluíram como um diálogo em que o pesquisador foi introduzindo o

tema gradativamente. O registro foi obtido através de gravação dos depoimentos

dos sujeitos após o seu consentimento, resguardando o anonimato.

Na época destas entrevistas, havia oito pessoas trabalhando no

núcleo do Real Parque. Para captar a diversidade das significações, foram

entrevistadas quatro pessoas que trabalhavam no núcleo ReciclaReal e mais quatro

(pertencentes ao núcleo ReciclaReal), mas que prestavam serviço na Cooperativa

da Vila Leopoldina: CooperAção.

1.10 Resultados e discussão dos dados

O objetivo da autora desta pesquisa foi entender, dentro das

especificidades dos “excluídos sociais”, como são construídas as significações de

cidadania neste novo tipo de trabalho, em um núcleo de cooperativa. Buscou-se

apreender estas significações nas intersecções entre o biológico (problemas de

saúde presentes e relacionadas ao trabalho cooperativado), o psicológico (os

sentimentos e as emoções) e o social (as interações grupais), o cultural (no sentido

de uma nova cultura de trabalho, já que ele deixa de ser empregado para se tornar

dono de seu próprio negócio).

Para Thiollent (2000), o objetivo da análise ou descrição é oferecer

ao pesquisador condições de compreensão, decifração, interpretação, análise do

material qualitativo gerado, que pode ser por simples verbalizações, discursos ou

41

argumentações em que a significação ocorre na situação de comunicação

estabelecida.

Para que se chegasse a estas significações, partiu-se do

processamento construído por meio das verbalizações, argumentações e discursos

individuais. Teve-se como pressuposto que as verbalizações expressam como o

indivíduo constrói o mundo ao seu redor e como se orienta para a ação no seu meio

social. Neste sentido, ao solicitar a “verbalização de conteúdos da consciência”,

estamos num movimento de interação. Uma interação criativa tanto para o

pesquisador quanto para o pesquisando.

A partir deste enfoque foi feita a interpretação dos discursos, de

maneira a compreender o significado pessoal e social que têm os coletores de lixo

do ReciclaReal. A análise seguiu os seguintes passos:

1 - Transcrição da entrevista;

2 - Escuta e leitura flutuante do material com o objetivo de ajustar com rigor o conteúdo falado pela transcrição, observando: a retórica, o silêncio (o não dito), as hesitações, as falas emocionadas, importantes fios que permitem compreender a rede de ambigüidades e contradições;

3 - Definição dos principais temas que emergiram do discurso, guiados pelo objetivo do pesquisador;

4 - Síntese das idéias e formação de “unidades temáticas”;

5 - Síntese das idéias e formação de “unidades de significação”;

6 - Diálogo entre a literatura e as significações encontradas, reflexões finais.

42

II. A HISTÓRIA DAS FAVELAS PAULISTANAS

A questão da vulnerabilidade sócio-econômica, relacionada à

questão das favelas, tem sido foco de amplas discussões em que são analisadas as

desigualdades sociais entre ricos e pobres e refletida, principalmente, como

desigualdade de renda e educação. As aglomerações urbanas estão concentradas

nas grandes metrópoles e reúnem domicílios com pouca infra-estrutura de

saneamento básico, de serviços, de saúde, colocando em risco, muitas vezes, a vida

de seus moradores por estarem localizadas em encostas ou vales com rios, morros,

sujeitas a desmoronamentos e inundações. Apesar de alguns autores apontarem

para uma melhoria dos serviços públicos e de vários indicadores sociais, autores

como Kowarick (2001, apud Torres; Marques, 2006) afirmam que o aumento do

desemprego, emprego informal, e da violência em São Paulo são fatores

determinantes do agravamento de uma situação que tem se caracterizado como

dramática.

A precariedade das habitações populacionais em São Paulo data do

início do século XX. O problema atingia, sobretudo, a população mais pobre da

cidade. Mas, atualmente, este contexto vem se agravando cada vez mais

(SAMPAIO; PEREIRA, 2003).

Lemos (1998) afirma que relatórios produzidos por autoridades no

final do século XIX e começo do século XX indicavam uma situação precária em

cortiços insalubres que rodeavam os bairros centrais da cidade. Com a abertura dos

loteamentos no vale do Anhangabaú, aumentou este tipo de habitação e uma

grande preocupação pairava por toda a população, devido às grandes epidemias e

pestes.

Este período, denominado higienismo e sanitarismo, ficou conhecido

pela sugestão das autoridades de demolir os habitáculos e pela recomendação de

os domicílios serem construídos fora do perímetro urbano. Transcorrido o século

XX, houve um crescente aumento no número de habitantes, passando a envolver

não mais uma área central, mas a periferia da cidade: construções elaboradas pelo

próprio morador, em locais desprovidos de urbanização e em terrenos irregulares.

43

No município de São Paulo, estas construções foram comuns até meados do século

XIX (SAMPAIO e PEREIRA, 2003).

Com o processo de industrialização, a partir de 1930, grandes levas

de migrantes são atraídos para a capital. A periferização é uma conseqüência da

expansão da atividade industrial que principia nas décadas de 1930 e 1940, quando

o Brasil é atingido pela queda da bolsa de Nova York e a crise do café. Como a

maioria dos cafeicultores eram italianos, iniciou-se o investimento na

industrialização, criando novos locais de moradia. Para Lemos (1998, sp), durante

as primeiras décadas do século XX, “com o aumento da população urbana em

função do crescimento da atividade industrial, [que] surgem novas formas de

habitação que (...) concorrem para a transformação na estrutura urbana da cidade

de São Paulo”. Até então a pequena cidade de 19.000 habitantes, em 1870, atinge

perto de um milhão de habitantes em 1930.

A mesma autora acredita que a localização de habitações das

classes sócio-econômicas mais baixas na periferia da cidade se acha relacionada ao

processo de verticalização do centro, resultante de sua conseqüente expulsão.

Em meados do século XX, aparecem as favelas vertiginosamente.

Acredita-se que as primeiras, em São Paulo, surgiram em 1940, na Moóca, Lapa,

Ibirapuera, Barra Funda e Vila Prudente (PASTERNAK, 2002). Já em 1957, existiam

141 núcleos, com 8.488 barracos e, aproximadamente, 50 mil favelados

(FINEP/GAP, 1985, p. 66, apud PASTERNAK, 2002). Contudo, o fenômeno da

favelização só irá agudizar em 1970. Entre 1973/1974 esta população se

encontrava em torno de 72mil pessoas correspondendo a 1,1% da população da

cidade. Estimativas feitas para 1975 mostraram que as favelas cresceram,

abrigando 117.237 indivíduos. Pesquisas de campo desenvolvidas pelo Instituto de

Pesquisas Tecnológicas (IPT) mostram que, em 1980, já alcançavam 439.721

pessoas, representando 5,2% da população municipal (PASTERNAK, 2002).

Em 1973, a população favelada correspondia a 1% da população do

município de São Paulo e elevou-se para quase 8% em 1987, ou seja, enquanto a

população de São Paulo cresceu 60%, esta parcela cresceu em mais de 1.000%.

Atualmente, segundo dados do IBGE, a população do município de São Paulo é

44

estimada em 10.927.985 de habitantes, confinados em uma área territorial de

1.523Km2 (IBGE, 2006).

Segundo a Prefeitura do Município de São Paulo, em 2004, a

situação da favelização do município pode ser demonstrada conforme o Quadro 1, a

seguir:

QUADRO 1

DADOS INDICATIVOS DA SITUAÇÃO DA FAVELIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2004

NÚMERO DE FAVELAS 2.018

POPULAÇÃO RESIDENTE EM FAVELAS 1.160.590

PERCENTUAL DE MORADORES (%) 11.12

TAXA DE CRESCIMENTO POPULACIONAL/ANO (%) 2.97

Fonte: Secretaria de Habitação e Desenvolvimento e Urbanização da Prefeitura do Município de São Paulo e Companhia de Processamento de Dados de São Paulo (Prodam), 2004

Entretanto, Torres e Marques (2002) afirmam que a mensuração de

estimativa, inclusão de informações e censos relacionados às ocupações irregulares

permeiam sob uma subestimação de dados.

Uma das propostas de estimativa populacional em favelas no

município de São Paulo, feita por Torres e Marques (2002) e Marques, Torres e

Saraiva (2003), foi “comparar o Censo de Favelas (calculados entre 1987 e 1993),

aos dados dos Censos Demográficos de 1991, 1996 e 2000, relativos aos chamados

setores censitários subnormais” (p. 2). Para esta estimativa foi utilizado o ano de

1996 e o Sistema de Informação Geográfica (SIG). Foi também utilizada a

cartografia oficial da prefeitura paulistana, comparando-a ao desenho de setores

censitários do IBGE. Os mesmos autores sugerem a complexidade metodológica de

gerar estimativas de dados populacionais destes setores, denominados setores

censitários subnormais pelo Censo Demográfico (que substitui muitas vezes o termo

favela), com possíveis erros. Tal fato pode ocorrer devido às dificuldades

operacionais de se realizar entrevistas, a qualidade da cartografia, o tamanho das

45

favelas que, muitas vezes, é desconsiderado pelos setores censitários, e outras.

Devido a tal complexidade, muitas vezes os números passam a ser subestimados ou

sobreestimados. No caso do município de São Paulo, os números são gerados com

a definição de favela associada à propriedade de terra, ou seja, à ocupação de uma

terra pública ou particular.

Ainda de acordo com estes mesmos autores, a complexidade

aparece quando se analisam dados do IBGE e da Prefeitura Municipal de São

Paulo. Segundo o Censo Demográfico, a população total do município de São Paulo

era, em 1980, de 8.493.226 habitantes, havendo nesta época 375.023 habitantes

nos setores subnormais (favelas). Em 2000, a população geral cresceu para

10.434.252 habitantes e a população de subnormais pulou para 896.005, denotando

um crescimento de sua totalidade de 22,8%, e daquela favelada de 139%,

confirmando a grande favelização da metrópole. No entanto, quando se lança mão

dos dados obtidos pelos censos de favelas, (dados da Prefeitura de São Paulo), os

autores anteriormente citados mostram que, em 1993, já se apontava para um valor

superior, sobreestimados de 1.901.892 habitantes contra os 686.072 dos dados do

IBGE. Dada tal confusão, propuseram seus estudos, baseados em novo método,

adrede já descrito, concluíram que o número estimado de habitantes em favelas, em

1991 e em 2000, era de 890 mil e 1,160 milhões de pessoas, respectivamente, e o

número de domicílios era de 196 e 287 mil para as duas datas censitárias, o que

resultaria em uma densidade domiciliar de 4,5 e 4,0 habitantes por domicílio.

Os autores puderam concluir, pois, que a população favelada tem

crescido em taxas superiores aos dados do Município e dos setores subnormais do

IBGE (2000). Embora subestimados, no período de 1991 a 2000 houve um

crescimento importante da população favelada numa taxa de 3,7 ao ano,

perfazendo-se uma média 4 vezes maior que a da metrópole. Este crescimento é

devido à maior elevação da área total das favelas que subiu em sua ocupação de

360 para 380 hectares, demonstrando um acréscimo da favelização do município de

São Paulo.

A grande transformação na cidade global ocorreu de 1985 para o

ano de 2000. O pessoal que estava empregado na indústria, na região

metropolitana, decresceu de 29,8% para 17,8%, indicando uma mudança de

46

atividade econômica de industrial para serviços, caracterizada por uma mistura de

empregos: aqueles de alta qualificação e remuneração opondo-se aos empregos de

baixa qualificação e mal remunerados (PASTERNAK, 2002).

Ainda de acordo com a autora acima, na década de 90, com o

crescimento periférico da cidade, verificou-se uma mudança da tríade: “lote irregular,

casa própria, autoconstrução” por favelização. As favelas de São Paulo estão

situadas nas zonas sul e norte do município, em áreas de proteção ambiental, junto

à represas, na zona sul e nas encostas da Serra da Cantareira, ao norte. Nestas

áreas, somam-se 72,2% das moradias faveladas.

Em relação à infra-estrutura, os dados do Censo Demográfico de

1991 e da pesquisa FIPE-SEHAB de 1993, revelam o seguinte quadro para as casas

faveladas: 99,6% possuem energia elétrica; 89,6%, água encanada fornecida pelo

serviço público. Apenas 26% estão ligadas à rede de esgoto e, quanto ao lixo,

apesar da melhoria apresentada, 63,8% (88,4% pela FIPE) possuem coleta regular

de lixo. As tortuosidades das vielas são o maior entrave para a coleta do lixo. Para

maior facilidade, normalmente, é colocado em containers que ficam localizados em

pontos estratégicos da favela, permitindo sua retirada (PASTERNAK, 2002).

A densidade demográfica calculada em 1987 é de 446,2 habitantes

por hectare14, o que mostra um urbanismo de baixa qualidade devido à falta de infra-

estrutura. Em relação à forma de construção, de duas décadas para cá também

vem sofrendo transformações. Os barracos de madeira estão sendo substituídos

por alvenaria, com cobertura de laje e muitas vezes verticalizados. Segundo o

censo de 1991, 66,5% das casas tinha paredes externas de alvenaria (74,2% pela

FIPE) e 87,7%, cobertura de telhado ou laje (97,1% pela FIPE). Apenas 7,5%, em

1993, não possuíam sanitários ou utilizava sanitário coletivo (PASTERNAK, 2002).

Em relação à demografia dos favelados, percebem-se algumas

peculiaridades: 40% eram menores de 15 anos em 1991, quando em 1996, este

percentual no município eram de 37%. Em relação à cor, a proporção de negros e

pardos alcança 53%, quando no município era de 29,8% em 1991. Entre chefes de

família favelados, em 1991, mais de 80% são naturais de outros municípios e 73,7%,

14 Hectare: medida agrária equivalente à 100 ares ou 10.000 m².

47

proveniente principalmente do nordeste. Esta proporção foi de 69,4%, em 1996.

(PASTERNAK, 2002).

No que diz respeito à população favelada, 36,8% têm um rendimento

maior do que dois salários mínimos.

Referente à escolaridade, os dados indicam que a proporção de

analfabetos girava em torno de 26% em 1991, para o município como um todo. O

perfil ocupacional está entre os três universos: domésticos, ambulantes e biscateiros

e, surpreendentemente, 63,3% da população favelada possuem carteira assinada,

um percentual maior do que o do município como um todo que é de 62%.

Incorporaram o mundo econômico e são consumidores de bens industriais (usados e

novos) e de serviços. Dentre os objetos adquiridos, encontram-se o fogão, o

refrigerador, presentes em 76% dos domicílios e em 32%, a televisão colorida. Até

mesmo outros eletrodomésticos como máquina de lavar roupa, lavar pratos e

computador, já aparecem nas moradias dos favelados (PASTERNAK, 2002).

Sampaio e Pereira (2003, p. 5) afirmam que:

O direito à moradia digna é garantido pelo artigo 6 da Constituição da República. O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, tratando dos objetivos da política municipal de habitação, em seu artigo 79, parágrafo único, esclarece o seu significado: "moradia digna é aquela que dispõe de instalações sanitárias adequadas que garantam as condições de habitabilidade, e que seja atendida por serviços públicos essenciais, entre eles: água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, pavimentação e transporte coletivo, com acesso aos equipamentos sociais básicos".

Portanto, o direito à moradia digna é um direito que pertence ao

cidadão e deveria ser uma das prioridades fundamentais das políticas habitacionais

em São Paulo. A população favelada está na ordem de mais de um milhão de

habitantes, superando a população da maioria das capitais do Brasil. De acordo

com as informações de Sampaio e Pereira (2003), observa-se que nas últimas

décadas ela cresceu em praticamente todos os seus subtipos: favelados,

encortiçados, domicílios improvisados e moradores de rua. É o que podemos

conferir no quadro a seguir:

48

QUADRO 2

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO TOTAL E CONDIÇÕES DE MORADIA, SÃO PAULO, 1991-2000

1991 2000 CRESCIMENTO %

POPULAÇÃO TOTAL 9.646.185 10.434.252 8

FAVELADOS 644.907 909.628 41

ENCORTIÇADOS 73.169 909.628 60

DOMICÍLIOS IMPROVISADOS 20.843 41.942 101

MORADORES DE RUA 4.549 8.200 80

Fonte: Censos 1991 e 2000 do FIBGE, pesquisa da PMSP (para moradores de rua) e plano do governo da Sempla. Cf.: Folha de S. Paulo, 28 jul. 2003.

O grau de pauperização, na última década, deve-se à falta de ação

social efetiva por parte dos governantes locais, ao declínio da renda familiar e ao

desemprego industrial que, certamente, condicionam a família a procurar um

domicílio inferior e mais barato. Entretanto, está havendo uma transformação dessa

realidade. Hoje, a olhos vistos, observamos que na maior favela de São Paulo, a

favela Heliópolis15, ocorre a verticalização, por inexistência de espaço para abrigar

os filhos constituintes de famílias, bem como com o objetivo de criar espaços de uso

comercial dentro da economia informal, para locação ou uso próprio. É grave a

situação, apesar da taxa de desemprego estar decrescendo. De 2003 para 2005,

como indicam os dados do IPEA (2005), o número de desempregados saltou de

12,3%, em 2003 para 11,55%, em 2004 e 9,8%, em 2005. No entanto, há maior

seletividade assinalada no mercado de trabalho, beneficiando aqueles que têm nível

de escolaridade maior.

Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região

Metropolitana de São Paulo (PED), em março de 2006, em pesquisa realizada pela

Fundação SEADE e DIEESE, mostra-se que entre fevereiro a março de 2006, a taxa

15 A favela Heliópolis possui 80 mil moradores, ocupando cerca de 1 milhão de metros quadrados entre os bairros Ipiranga e São Caetano do Sul. Enfrenta hoje problemas estruturais: 40% das casas não têm esgoto; mais de 60% das ruas não são asfaltadas; mais de 250 famílias moram em barracos que podem desabar a qualquer momento com a chuva. Disponível em http://www.tvcultura.com.br/caminhos/07heliopolis/terra.heliopolis.htm; acesso em 18/06/06.

49

de desemprego aberto16, na região metropolitana de São Paulo, cresceu de 10,2%

para 10,9% e o desemprego oculto17 passou de 6,1% para 6,0%, resultando no

aumento da taxa de desemprego total de 16,3%, para 16,9%, estimando um

contingente de desempregados na ordem 1.695 000 pessoas, com acréscimo de 49

mil em relação ao mês anterior. Este aumento é decorrente da eliminação de 118 mil

“ocupações” 18, e a saída de 69 mil pessoas do “mercado de trabalho”. Neste

mesmo mês (março de 2006) foram estimadas 156 mil pessoas em desemprego

oculto pelo desalento e 5.917.000 inativos19 com 10 anos ou mais. Estas

informações são muito interessantes porque provavelmente é a faixa em que se

encontram os catadores de lixo. Além de estes dados traduzirem o crescimento de

desemprego, explicam o aumento do número de moradores das favelas. Se

considerarmos os dados do PED (2006), que demonstram que a população

economicamente ativa é de 15.948 mil, temos como resultado uma taxa de 9,8% de

pessoas em desemprego oculto pelo desalento.

Leite (2005) ressalta que as transformações ocorridas no mundo

econômico, político e tecnológico, em relação ao mercado de trabalho, não se

referem apenas ao aumento das taxas de desemprego. É preciso visualizar outra

16Segundo Gobato e Santos (sd), o PED faz a seguinte classificação É empregado o termo de desemprego aberto: pessoas de 10 anos ou mais que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos últimos 7 dias. Gobato e Santos (sd).

17 Segundo o PED, o termo desemprego oculto pelo trabalho precário: inclui as pessoas de 10 anos e mais que, simultaneamente à procura de trabalho nos últimos 30 dias ou em até 12 meses, realizaram trabalhos descontínuos e irregulares, com ganhos avulsos e variáveis, ou realizaram trabalho familiar não remunerado. Gobato e Santos (sd);

O termo desemprego oculto pelo desalento: inclui pessoas de 10 anos ou mais sem trabalho, porém com disposição e disponibilidade para trabalhar. Não procuraram emprego nos últimos 30 dias, devido a desestímulos do mercado de trabalho, como dificuldades para ingresso ou reingresso no mercado, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos 12 meses. Gobato e Santos (sd).

18 O PED emprega o termo a população ocupada pessoas que exercem qualquer trabalho remunerado, independentemente da procura, regularidade, intensidade e excepcional idade do trabalho. Inclui os empregados com ou sem carteira assinada; também os que trabalham em seu próprio negócio pelo menos 15 horas por semana, e aqueles que tinham trabalho, mas não trabalharam por um motivo específico (féria, licença, falta involuntária ao trabalho, greve, doença, más condições de tempo ou outro impedimento temporário independente de sua vontade, tal como quebra de máquina, limitação de produção, etc.). A partir daqui pode-se definir a taxa de desemprego aberto como o percentual da população desocupada em relação à população economicamente ativa (igual a pessoas ocupadas mais as desocupadas). Gobato e Santos (sd). 19 Os inativos ou a população economicamente não ativa é constituída por estudantes, donos de casa, aposentados, etc. Considera-se somente inativas, pessoas quando não estão inseridos em alguma atividade econômica. Gobato e Santos (sd).

50

questão importante: a qualidade do vínculo empregatício. Constata-se um aumento

do trabalho sem carteira assinada, impedindo o acesso do cidadão aos seus direitos

trabalhistas tais como: 13º salário, licença - maternidade, férias e aposentadoria,

dentre outros. Estas transformações estão ocorrendo especialmente no conjunto

das empresas com a nova estrutura da economia flexível. Há uma assimetria de

poder, concentrado na empresa líder de maior valor agregado e com tecnologia de

ponta que vai enfraquecendo as demais empresas com menor poder ao longo das

cadeias. Finaliza-se com os trabalhadores nos últimos níveis de fornecimento, cujos

trabalhos são repetitivos e destituídos de conteúdo.

Na década de 1990, a mesma população “rica” contribuía com 65%

na participação da renda contra 12% do contingente mais pobre, demonstrando uma

perda de 6% entre os 50% mais carentes (DEMO, 1996).

Isso mostra que houve empobrecimento da população nas últimas

décadas, porém a desigualdade elevada, de modo não ambíguo, fez com que o

bem-estar (renda absoluta e renda relativa – poder de compra) entre os mais pobres

caísse, apesar do crescimento na média de renda da população total.

Pasternak (2002) oferece outra explicação: se as favelas não estão

crescendo por migração, há indícios que denotam a ”mobilidade residencial”, ou

seja, há movimentação dentro do mesmo espaço geográfico. Trabalhadores pobres

que não têm condições de morar em local mais adequado encontram na favela a

solução para a sua moradia.

Enfatizamos que para a população carente, a possibilidade do subsídio habitacional deve ser considerada, uma vez que a moradia deve fazer parte da política social contra a pobreza. O empobrecimento é um processo que acaba por impedir que as pessoas tenham estruturas familiares com capacidade suficiente para desenvolver um projeto de vida digna na sociedade contemporânea. Ainda mais se assumirmos que a pobreza – que pode trazer consigo a marginalidade e criar obstáculos quase intransponíveis para o acesso às oportunidades – deveria ser responsabilidade do poder público, que por sua vez deveria criar condições para o desenvolvimento e a inserção social, estando aí compreendido acesso à moradia digna (SAMPAIO e PEREIRA, 2003, p. 12).

A moradia faz parte dos direitos sociais da cidadania, sim, mas as

ações das políticas sociais vêm sofrendo forte excrutínio que pode ocorrer por dois

motivos: o primeiro, ligado à crise econômica mundial da década de 70, que originou

um questionamento do papel do Estado; e o segundo, modelo burocrático de

51

administração publica que não daria conta de responder às mudanças sociais que

ocorreram na sociedade.

Há necessidades cruciais, no panorama ora descrito, de ações

focalizadas nos pobres para que se alcance mais justiça social. No entanto, elas

exigem altos custos do Estado e políticas sociais direcionadas a estes segmentos.

Para muitos autores, houve um período virtuoso entre o Welfare

State e a política econômica Keynesiana: aquela que regula e estimula o

crescimento econômico e permite o crescimento das políticas sociais. No entanto,

com a crise atual da maioria dos paises capitalistas, gerou-se um impacto em todos

os setores, ou seja, econômico, político e social. O crescimento inflacionário, as

altas taxas de desemprego, a desorganização do sistema financeiro, as alterações

tecnológicas levam à redefinição dos papéis das instituições sociais e políticas. A

tentativa de conjugar crescimento econômico e assegurar políticas contra as

desigualdades sociais, aumentando os gastos do governo, parece estar abalada.

Não querendo aprofundar na questão da crise do Welfare State, pois

não é esta a intenção da pesquisa, necessário é que se destaque, no entanto, de

forma sintética, que existem dois grupos divergentes a respeito: os progressistas

pensam que se deve caminhar cada vez mais para diminuir a desigualdade social e

a pobreza; o grupo conservador, assinala que a expansão de gastos sociais, por

parte do Estado, leva ao desequilíbrio, gerando déficit público, cujo desequilíbrio

orçamentário se reflete na atividade produtiva, provocando inflação e desemprego

(DRAIBE; HENRIQUE,1988).

No entanto, alguns autores defendem que a política do Bem-estar

Social não deve ser universalista ou massificada em suas formas de atendimento,

pois impede o estabelecimento de prioridades “no interior de políticas sociais”,

ocasionando o grande exagero na burocratização e centralização, por serem

executadas por instituições públicas. A opção pela focalização ocorreu em alguns

países como Canadá e Austrália com experiências positivas, porque conseguiram a

manutenção da igualdade social, com diminuição do desemprego (DRAIBE;

HENRIQUE, 1988).

52

A maioria dos analistas da OCDE acredita que a grande crise do

Welfare State esteja na estrutura atual dos programas sociais. Eles estão resolvendo

o problema do desemprego e da fome? E qual o reflexo que isto produziu na

economia? (DRAIBE; HENRIQUE, 1988).

Um exemplo dessa estratégia ocorreu recentemente no governo

municipal de São Paulo. Ao iniciar o governo, Marta Suplicy, em 2001, encontrou o

município de São Paulo numa situação social complicada, com baixo crescimento

econômico, número crescente de desempregados e significativa ““exclusão” social”.

Por meio da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, (SDTS),

implementaram-se quatro programas caracterizados por redistributivos: Bolsa

trabalho, Começar de novo, Garantia de Renda Mínima e o Programa Ação Coletiva

de Trabalho, também chamado de Operação Trabalho. O que havia de novidade

nestes programas é que eles rompiam com a lógica assistencialista de proteção

social: ? emprego ? renda ? contribuição ? benefícios sociais. Este novo modelo

de base não-contributivo de combate à pobreza, é focalizado naquele contingente de

pessoas que ficam fora da proteção social contributiva e permitem-lhe criar

condições para que recuperem sua dignidade humana, redirecionando o leme de

suas vidas. Apesar dos programas distribuírem benefícios monetários, acham-se

condicionados ao ingresso e manutenção das crianças na escola (Renda Mínima);

permanência na escola, capacitação e formação (Bolsa Trabalho); aquisição de

competências (Começar de novo); valorização das habilidades para ações de

utilidade pública (Operação Trabalho) (SOUZA et al, 2002).

O Programa Começar de novo, do Município de São Paulo, por

exemplo, para pessoas a partir do 40 anos de idade com dificuldade de inserção no

mercado de trabalho, contemplava uma capacitação dos envolvidos e discussão de

saídas como a formação de cooperativas, criação de mecanismos de independência

ou “buscar a porta de saída”.

Para outros observadores, não há na verdade uma crise, mas a

inexistência de mecanismos efetivos de solução dos problemas da pobreza

mediante a deficiência na distribuição de renda, tais como: prover inadequadamente

as famílias de baixa renda; incapacidade de estender atividades aos trabalhadores

em tempo parcial de serviço, discriminação das mulheres. O papel curativo de alívio

53

à pobreza é amplamente criticado pelos progressistas. Admite-se que em período

de crise econômica ocorre uma desestabilização dos programas sociais (DRAIBE;

HENRIQUE,1988).

De outra maneira, o argumento do grupo conservador é de que a

crise está aí devido à expansão dos gastos sociais excessivos, identificando-se,

portanto, com um lado perverso dos programas sociais que desestabiliza o Estado e

o funcionamento da economia em vários aspectos, podendo ser levado em

consideração: o aumento do gasto público com programas sociais, que induz ao

desequilíbrio do orçamento e aumento da inflação quer pela elevação de tributos,

e/ou emissão de moedas e encargos sociais. Elevadas cargas de contribuição dos

empregadores faz com que o preço dos produtos perca a capacidade competitiva

externa. A extensão dos programas conduz ao aumento de empregos públicos que

não são produtivos. Os defensores dessa linha acreditam que à medida em que o

Estado assume o papel de “pai”, incentiva a responsabilidade do cidadão de sair da

situação em que se encontra e o deixa no imobilismo, gerando a resignação, o

aumento da violência e promiscuidade sexual (DRAIBE; HENRIQUE,1988).

A criação de empregos, tais como “as frentes de trabalho” criadas

pelo governo em situações de crise ou calamidade, como a seca do Nordeste, são

soluções temporárias, tornando o trabalho opcional, pois favorece uma dependência

do Estado e produz uma fonte de desemprego em seu final. As licenças por

invalidez conduzem inúmeras vezes, a atitudes fraudulentas que encorajam a

aposentadoria precoce (DRAIBE; HENRIQUE, 1988).

2.1 As Políticas Públicas

Mesmo com mecanismos anacrônicos de políticas de Bem-estar

Social, os governos federal, estadual e municipal vêm, de maneira desincronizada,

fornecendo, cada um a seu modo, programas que incentivam a diminuição do

desemprego. Segundo o Ministério do Programa Social e Combate à Fome (2006),

os Programas Federais são os seguintes:

54

O Bolsa Família: unificou todos os benefícios sociais (Bolsa Escola,

Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás) em um único Programa cuja

transferência de renda é destinada às famílias em situação de pobreza, com renda

per capita de até R$ 100,00 (cem reais) mensais. Foi criado para minimizar a miséria

e a “exclusão social”, e também promover a emancipação das famílias mais pobres.

O Programa de Atenção à Pessoa Idosa: dirigido a idosos com 60

anos ou mais, cujo objetivo é promover sua autonomia, integração e participação

efetiva na sociedade.

O Programa de Atenção Integral à Família (PAIF): trata-se de um

serviço continuado de proteção social básica desenvolvido para famílias que, em

decorrência da pobreza, são privadas de renda e do acesso a serviços públicos, com

vínculos afetivos frágeis, discriminadas por questões de gênero, etnia, deficiência,

idade, entre outras. Funcionam nos Centros de Referência da Assistência Social

(CRAS), mais conhecidos como "Casas da Família".

Beneficio de Prestação Continuada (BPC): é um benefício de um

salário mínimo mensal pago às pessoas idosas com 65 (sessenta e cinco) anos de

idade ou mais, portadoras de deficiência, incapacitadas para o trabalho e para a vida

independente.

Atenção às Pessoas Portadoras de Deficiência: voltado às pessoas

com deficiência, vulnerabilizadas pela situação de pobreza ou de risco pessoal e

social.

Atenção à Criança de 0 a 6 anos: apoio técnico e financeiro a

programas e projetos para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos de idade que, em

decorrência da pobreza, estão vulneráveis, privadas de renda e do acesso a

serviços públicos, com vínculos familiares e afetivos frágeis, discriminadas por

questões de gênero, etnia, deficiência, idade, entre outras, bem como suas famílias.

Deve ser priorizado o atendimento de crianças na faixa etária de 0 a 3 anos,

executados por Estados, Municípios, Distrito Federal e entidades sociais, destinados

ao atendimento de crianças vulnerabilizadas pela pobreza e suas famílias.

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI): é um

programa de transferência direta de renda do governo federal para famílias de

55

crianças na faixa etária dos 7 aos 15 anos e adolescentes, envolvidos no trabalho

precoce.

Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano: ação

de assistência social destinada a jovens entre 15 e 17 anos, visando ao

desenvolvimento pessoal, social e comunitário. Proporciona capacitação teórica e

prática, por meio de atividades, preparando-os para futuras inserções no mercado.

Concede, também, diretamente ao jovem, uma bolsa durante os 12 meses em que

ele estiver inserido no programa e atuando em sua comunidade.

Segundo a Secretária Estadual de Assistência e Desenvolvimento

Social de São Paulo (2006), são os seguintes Programas Sociais de Estado, de

transferência de renda:

O Programa Renda Cidadã: tem por objetivo atender famílias de

baixa renda com o apoio financeiro temporário de R$ 60,00 (sessenta reais).

Abrange todos os municípios do Estado de São Paulo, com foco em locais de

extrema vulnerabilidade social.

O Projeto Ação Jovem: promove o retorno à escola de jovens, de 15

a 24 anos, para completar a escolaridade básica. É um auxílio para criar estímulos

àqueles que não puderam freqüentar a escola na idade apropriada, a fim de que

completem agora seus estudos.

A Secretária Municipal do Trabalho (2006) possui os seguintes

Programas Sociais Municipais:

O Renda Mínima: é um recurso em dinheiro pago pela Prefeitura de

São Paulo às famílias de baixa renda para crianças de 7 a 15 anos que devem

freqüentar a escola. As famílias recebem uma bolsa de até R$ 220,00 (hoje, em

média, R$ 120,00). Atualmente, 186 mil famílias estão incluídas neste programa.

Têm direito ao benefício, as famílias com renda mensal por pessoa da família de até

meio salário, hoje R$ 100,00.

Inclusão Eficiente: O objetivo principal é fazer a intermediação de

vagas das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O cadastro também

56

serve como base para que as duas secretarias saibam quais e quantas vagas são

necessárias na promoção de cursos de capacitação profissional.

O Programa Capacitação Ocupacional e Utilidade Coletiva

(PCOUC): visa a dar atenção ao trabalhador desempregado ou em situação de risco

de desemprego, bem como o subempregado, proporcionando-lhe a oportunidade de

valorizar habilidades vocacionais e desenvolver novas habilidades ocupacionais.

Promove cursos voltados para a demanda do mercado.

O Capacita Sampa: é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, por

meio da Secretaria do Trabalho, que oferece cursos gratuitos de capacitação

profissional para jovens de baixa renda com o intuito de facilitar a sua entrada no

mercado de trabalho.

PLANTEQ: fornece cursos de qualificação profissional, orientados

para suprir a demanda de mercado, voltados para o modelo estratégico e o

fortalecimento da gestão de resultados, e o Plano Territorial de Qualificação do

Município de São Paulo, por meio de cursos.

INSTITUTO CRIAR: Para jovens entre 16 e 20 anos, estudante de

escola pública (ou ter bolsa em escola particular). Requisitos: estar no mínimo na

7.a série ou já ter terminado o ensino médio, ter o compromisso de freqüentar o

curso e o horário vespertino livre para as aulas. São 10 oficinas que vão encaminhar

os jovens a estágios nas principais empresas de audiovisual de São Paulo.

O Programa Operação Trabalho (POT): foi criado para oferecer

oportunidade de colocação profissional para desempregados com baixa

escolaridade, por meio de ações municipais integradas e articuladas, com diversas

parcerias do poder público municipal e com a sociedade civil.

A São Paulo Confia: é uma Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (Oscip), que oferece crédito a pessoas de baixa renda que não

conseguem acesso a financiamento no sistema bancário tradicional, por terem

restrições cadastrais.

Apesar de o governo investir em alguns Programas Sociais, como já

se comentou no início deste trabalho, eles não estão solucionando os problemas da

57

pobreza. Não se quer com isto dizer, que nada se deva fazer. No entanto, são

necessárias políticas sociais que levem os indivíduos à sua autonomia e

independência mínima, desenvolvimento humano, equidade, qualidade de vida a

serem buscados (Sposati, 1996), e não a cultura de antitrabalho como está

ocorrendo na França. É necessário diminuir as desigualdades, sem de outro lado

produzir uma profunda dependência em relação ao Estado. É o que podemos

verificar na reportagem da revista eletrônica: Com Ciência. O Fórum Permanente

das Relações Universidade-Empresa (UNIEMP) e a Secretaria de Segurança

Pública do Estado de São Paulo, em um estudo que analisa a totalidade dos boletins

de ocorrência registrados no período entre outubro de 2000 a setembro de 2003,

apontam para o alto índice de desemprego e a diminuição de renda, refletindo no

aumento do número de roubos e furtos na cidade de São Paulo. O crime passa a

ser uma alternativa possível para a sobrevivência pela falta de perspectivas de se

recolocar no mercado de trabalho ou conseguir um emprego informal, atrelados à

insuficiência dos mecanismos de proteção social.

58

III. LOCAL DE ESTUDO: O CENÁRIO

O cenário deste estudo foi o bairro do Real Parque, zona sul de São

Paulo, conforme já explicitado anteriormente, por ser o local em que a autora teve a

oportunidade de conhecer mais de perto esta comunidade devido à atuação como

enfermeira e diretora técnica da UBS.

A luta política por justiça social exige que se conheça a realidade

que se quer transformar. São Paulo é uma cidade desigual e ainda discrepante

quanto à oferta e qualidade de vida em seus diferentes distritos, estando distribuída

em 96 distritos sanitários (Fig. 1), através da Lei Municipal n.0 11.220, de 20 de maio

de 1992. (SPOSATI, 2001). Esta definição de distritos foi feita através de critério

puramente administrativo, no sentido de se manter e preservar o equilíbrio da

extensão territorial.

Segundo Sposati (2000), com as transformações no mundo do

trabalho, foi preciso pensar numa outra lógica de entender as novas exclusões

sociais em suas diferentes formas. As relações sociais estão cada vez mais

complexas, dada a heterogeneidade da realidade social que estimula a não - visão

do outro diferente, entretanto, é preciso pensar em paradigmas inovadores de

mudanças pautadas nas desigualdades. A ruptura do tecido social, com a

“exclusão” e a violência, deve pautar uma preocupação ética a ser desenvolvida no

patamar da dignidade humana. Por outro lado, não devem ser confundidas pobreza

e “exclusão”. Ainda conforme Sposati (2000):

Os pobres tornam-se mais pobres porque são excluídos dos meios através dos quais suas condições poderiam melhorar, e os ricos mais ricos, porque consolidam suas bases de poder (...) Neste sentido, “exclusão” é mais que pobreza, um estado de não ter (...) de apartação, de negação como decisão histórica, e culturalmente humana de criar interdições. Revela-se, com ela um sentido humano perverso (...) (p. 8-9).

A região de estudo deste trabalho foi o Real Parque que pertence ao

Distrito de Saúde Escola (DSE) Butantã, dividida em cinco outros distritos

administrativos. O Real Parque pertence ao distrito administrativo do Morumbi

59

(Figura 2) e dispõe da UBS Dr. Paulo Mangabeira Albernaz Filho, mais conhecido

como Centro de Saúde Real Parque 20, nosso loco profissional até 2003.

MAPA 1

DISTRITOS DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

Fonte: SMS – CE Info/Divulgação

20 Doravante denominar-se-á assim a UBS.

60

3.1 Localização da área de abrangência da Coordenadoria de Saúde do Butantã

MAPA 2

UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DO DISTRITO DE SAÚDE ESCOLA BUTANTÃ

Fonte: Distrito de Saúde Escola Butantã21.

TABELA 1

DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO NÚMERO DE MORADORES DO DISTRITO DE SAÚDE ESCOLA BUTANTÃ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2004

MESORREGIÕES, MICRORREGIÕES, MUNICÍPIOS, DISTRITOS, SUBDISTRITOS E BAIRROS

NÚMERO DE HABITANTES

SÃO PAULO 10.434.252

BUTANTÃ 52.649

RAPOSO TAVARES 91.204

RIO PEQUENO 111.756

MORUMBI 35.036

VILA SÔNIA 87.379

TOTAL SP/BT 377.576

Fonte: Distrito de Saúde Escola Butantã

21 Atualmente, o Distrito de Saúde Escola Butantã é denominado Supervisão Técnica de Saúde do Butantã, a partir de 2005.

61

GRÁFICO 1

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O NÚMERO DE MORADORES DO DISTRITO DE SAÚDE ESCOLA BUTANTÃ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2000

Fonte: Distrito de Saúde Escola Butantã

O Real Parque, local deste estudo, pertence ao Distrito

Administrativo do Morumbi que tem uma população estimada de 35.036 habitantes

(IBGE, 2000) e apresenta o maior índice de renda média familiar do Distrito do

Butantã, com um valor aproximado de R$ 4.566,06, não retratando o equívoco

presente no bairro em que vivem, os moradores das três favelas da região. A

população é assistida pelo CSll Real Parque. A Secretaria Municipal de Saúde não

mantém nenhum outro Serviço de Atenção Primária na região, apenas esta unidade,

municipalizada em 8 de junho de 2001.

Devido à precariedade de referências de atenção secundária e

hospitalar na região, o CSll Real Parque também absorve atividades desta natureza,

em caráter emergencial.

-

20 000

40 000

60 000

80 000

100 000

120 000

Morumbi Butantã Vila Sônia Raposo Tavares

Rio Pequeno

62

3.2 Características sócio-econômicas e culturais do Distrito Administrativo do

Morumbi

Como o bairro do Real Parque está situado no Distrito Administrativo

do Morumbi, quando a autora iniciou seu trabalho contava apenas com informações

existentes a partir deste distrito , por dificuldade de acesso aos dados específicos no

Censo do IBGE. Por este motivo, todo o planejamento situacional foi baseado

inicialmente em dados do Morumbi. Apenas mais tarde se obteve acesso àqueles

mais próximos do Real Parque, por meio de um programa pela internet, o que

possibilitou, via mapas cartográficos, a seleção desta região específica e o acesso

aos dados sócio-demográficos (extraídos do IBGE, Censo 2000). Este é o motivo

pelo qual são colocados os dados iniciais, para que se possa, então, conceber a

visão de um outro lado diferente, o do morador da favela, que ficam diluídos,

escondendo a ruptura do tecido social, pautada pela “exclusão” e a violência, como

se observar-se-á adiante.

Em relação ao abastecimento de água, dados do IBGE informam

que 99,93% da população (de um total de 16.388 domicílios) possuem

abastecimento de água da rede pública, 129 domicílios da região possuem-no

apenas no terreno e não na residência. Os demais se abastecem de poço ou

nascente.

Em relação ao esgotamento sanitário por tipo e existência em

domicílios particulares e permanentes no Real Parque, 96,1% utilizam rede geral e

fossa séptica. Do total de 9.578 domicílios, 421 detêm fossa séptica; 198, fossa

rudimentar; 118, valas; 20, em rios; oito, em outros escoadouros; 26, não utilizam

nem banheiro nem sanitário.

De acordo com o que é revelado nos dados do IBGE, o destino do

lixo da região do Morumbi não consta que este está sendo jogado no rio. O que se

sabe como verdadeiro é que 25 domicílios jogam-no em terrenos baldios; um enterra

na propriedade; dez queimam; 612 utilizam caçamba do serviço de limpeza e 8.930

utilizam o serviço de coleta da prefeitura. Contudo, tais informações são totalmente

contrárias à realidade vivenciada pela autora, pois existe muito lixo jogado nas

63

imediações da Marginal Pinheiros e pelos becos da favela , o que gera uma

população incontável de ratos na região.

GRÁFICO 2

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO FAIXA ETÁRIA, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000

0,67% 0,61%

3,23%3,34%

10,59%10,69%

19,67% 15,72%

13,54%

11,23%

5,95% 4,76%

Menor de 1ano

1 a 4 anos 5 a 19 anos 20 a 39 anos 40 a 60 anos 60 ou mais

Feminino Masculino

Fonte: IBGE, 2000

Observam-se pelos dados oficiais, de acordo com o Gráfico 2, que a

população do Morumbi é composta de jovens, em plena força de trabalho. Nota-se

também que há uma redução acentuada da população com faixa etária maior de

sessenta anos . Este dado leva a concluir que a população morre cedo ou, no caso

dos favelados, voltam ao seu Estado de origem. Acredita-se, portanto, que deva ser

priorizado o atendimento aos adultos e às mulheres.

64

GRÁFICO 3

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO ESPÉCIE E TIPO DE DOMICÍLIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000

57,11%

42,60%

0,29% 0,45% 0,77%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Morumbi

Casa

ApartamentoCômodo

ImprovisadoUnidade de habitação em domicilio coletivo

Fonte: IBGE, 2000

O Gráfico 3, revela que na região do Morumbi 57,11%, mais da

metade da população, optam por residir em casa, e 42,6% moram em apartamento.

No entanto, os dados oficiais de moradia improvisada não correspondem à

realidade, visto que no Morumbi há distorções nos dados apresentados pelo IBGE,

pois há três favelas: favela Real Parque, que se estima 4.500 habitantes; favela

Panorama, 3.000 habitantes; favela Porto Seguro, 2.000 habitantes.

QUADRO 3

DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE MORADORES E MÉDIA DE MORADORES POR DOMICÍLIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000

REGIÃO DOMICÍLIOS PARTICULARES

NÚMERO DE MORADORES

MÉDIA DE MORADORES POR DOMICÍLIO

MORUMBI 9.758 35.036 3,59

Fonte: IBGE, 2000

Pelo quadro 3, pode-se detectar que na região do Morumbi os dados

oficiais revelam que a média de moradores por domicílio é pequena, 3,59, retratando

65

índices de países desenvolvidos, o que leva a refletir que os dados ora

apresentados estão diluídos entre nível sócio-econômico alto e baixo. A observação

cotidiana, porém, indica que a média de moradores por domicílio na favela é de

cinco pessoas ou até mais.

QUADRO 4

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO RESIDENTE, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000

ESCOLARIDADE 5 E 6 7 A 14 15 A 17 18 A 29 30 A 39 40 A 60 + DE 60

POPULAÇÃO TOTAL

866 3.721 1.587 7.907 5.765 8.678 3.755

POPULAÇÃO ALFABETIZADA

33,14% 94,46% 98,80% 97,56% 96,25% 96,68% 96,25%

POPULAÇÃO NÃO ALFABETIZADA

66,86% 5,54% 1,20% 2,44% 3,75% 3,32% 3,75%

Fonte: IBGE, 2000

O Quadro 4 indica que há um índice de 14,46% de população não

alfabetizada na faixa etária de 15 anos à 60 anos e mais, na região do Morumbi.

Confrontando com os dados brasileiros do PNDU (2006), este índice está bastante

elevado, considerando que a taxa de analfabetismo no Brasil nesta mesma faixa

etária é de 11%. Comparando estes dados com os índices americanos, a

disparidade é ainda maior. Os dados encontrados no site SuaPesquisa.com/EUA

mostram um índice de apenas 5% em 2000. Verificamos que realmente temos muito

que caminhar em relação à alfabetização da nossa população. Interessante notar

que, tratando-se da região do Morumbi, em que os dados se encontram diluídos

devido à classe alta, a taxa de 14,46% está muito acima da média de países

desenvolvidos, bem como os dados apresentados no Brasil.

66

TABELA 2

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO FAIXA ETÁRIA, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000

MENOR

DE 1 ANO

1 A 4 ANOS

5 A 19 ANOS

20 A 39 ANOS

40 A 60 ANOS

ACIMA DE 60 ANOS

TOTAL %

FEMININO 233 1130 3710 6891 4743 2086 18793 53,64

MASCULINO 215 1169 3746 5509 3935 1669 16243 46,36

TOTAL 448 2299 7456 12400 8678 3755 35036 100

Fonte: IBGE, 2000

Verifica-se pela Tabela 2, que há um número discretamente maior

de população feminina em relação à população masculina, comprovando-se mais

uma vez que deve ser dada prioridade à população feminina. A população na faixa

etária de 20 a 39 anos, é a que possui maior quantidade de indivíduos residentes na

região do Morumbi, em plena força de trabalho.

GRÁFICO 4

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO POPULAÇÃO POR SEXO, RESIDENTE POR SETOR CENSITÁRIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

11 12 13 14 15 16 17 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 48 49 50 51 52

Setor

Feminino Masculino Fonte: IBGE, 2000

67

Este gráfico vem confirmar os dados da tabela 2, segundo os quais

existe uma concentração igualitária feminina e masculina, com número mais

acentuado de mulheres apenas no setor censitário 37.

Sintetizando, podemos observar que as características sócio-

econômicas e culturais do distrito administrativo do Morumbi é composta de jovens

de 20 a 39 anos, em plena força de trabalho, distribuídos quase que equitativamente

em população masculina e feminina. A população total de 99,71% vive em casa e

apartamento, tendo uma média de moradores por domicílio de 3,57 habitantes,

apresenta um índice de 14,46% de população não alfabetizada na faixa etária de 15

anos a 60 anos e mais, na região do Morumbi.

3.3 O bairro Real Parque

O bairro Real Parque, no distrito Morumbi, é uma amostra de um

pequeno Brasil, pois aí existe um pouco de tudo: nordestinos, mineiros, índios,

aristocracia (moradores empresários, cônsules, artistas), alta burguesia e todas as

demais classes sociais. Dados de mapeamento, via mapas cartográficos, baseados

nas informações do IBGE (2000), permitiram a projeção de alguns dados que serão

apresentados.

Entretanto, tornam-se necessárias algumas considerações sobre os

indicadores de pobreza. Não é propósito deste trabalho discutir as diversas

abordagens de classificação da pobreza22 por não se tratar do tema desta

investigação. No entanto, far-se-á breve comentário sobre o Relatório da Política

Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU, 2006). O PNDU é um grande pacto de

construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, pautado na ação

democrática, descentralizado e com participação popular, visando à coordenação e

à integração dos investimentos e ações do Ministério de Estado das Cidades. Este

relatório funciona como pano de fundo no sentido de não restringir a análise da

pobreza à mera carência material e à insuficiência de renda. Trata-se, no entanto, de

22 Para se aprofundar neste tema, recomenda-se consultar: Combate à pobreza, de Pedro Demo.

68

um fenômeno complexo, mensurável por diversas metodologias e que têm como

ponto de partida a insuficiência de renda que estabelece a chamada linha de

pobreza, parâmetro de atendimento às necessidades básicas do indivíduo, em

tempo e lugar determinados, e de indigência que leva em conta apenas o

atendimento das necessidades alimentares. A educação é ressaltada como

indicador de desenvolvimento humano, embora receba algumas críticas no sentido

de como é vista. Demo (1996) considera que o relatório aborda educação com a

restrita visão de “adquirir conhecimentos” (DEMO, 1996, p. 71-72), ficando na esfera

do treinamento. A tendência moderna das teorias educacionais defende a

importância “do saber pensar e do aprender a aprender” (DEMO, 1996, p. 72), e não

a do “adquirir conhecimentos” para que o indivíduo possa enfrentar o desafio do

poder econômico e político. A face qualitativa da pobreza no que se refere à

educação é “a dificuldade de uma população dotada de apenas 4 anos de

escolaridade intervir e inovar, pois a rigor ‘não sabe pensar’” (DEMO, 1996, p.75).

O relatório coloca também que o crescimento econômico é

importante para o crescimento humano, mas não é em si o objetivo último do

processo e que por si mesmo não garante a melhoria do nível de vida da população.

Também ressalta que a pobreza constitui fonte de degradação ambiental, o que

Demo discorda por observar que quem polui o meio ambiente não são os pobres e

sim os ricos. Para este autor é importante vislumbrar uma ótica da pobreza com

outras facetas qualitativas, como cidadania e participação popular associativa e não

restringir o problema da pobreza à questão de renda apenas.

Prates (1990) aponta que, embora ocorram algumas críticas em

relação a este tipo de abordagem, considerando que a renda é uma variável

subjetiva, e não se pode determinar precisamente quais as necessidades

individuais, uma vez que variam de individuo para individuo, existe uma vasta

aceitação como indicador da existência da pobreza. Assim sendo, considera-se

pobre a família que possui a renda abaixo do que se considera um mínimo

determinado - da linha de pobreza (aquela que não possui recursos para obter

alimentação, habitação, lazer, transporte) - usualmente aprovados pela sociedade à

qual pertencem, levando-se em conta certo nível nutricional, habitacional, vestuário,

transporte e afins. Feitas estas considerações iniciais, passa-se a considerar o fator

renda nesta análise, pois se trata de um dos mais gritantes fatores do bairro Real

69

Parque, embora se dê realce a dados qualitativos, como é o eixo orientador do

relatório do PNUD.

No bairro Real Parque, sem excluir os moradores da favela, ressalta -

se a classe mais rica que, com uma renda média mensal do responsável, por

domicílio, de 37 salários – mínimos 42% dos responsáveis possuem curso superior,

com média de 11 anos de estudo. A idade média do responsável pelo domicílio é de

45 anos sendo que 27% das mulheres são responsáveis pelo domicílio. A

densidade demográfica é de 7.622 habitantes por Km2. Há, em média, 4 residentes

por domicílio, 0,78 banheiros por habitante, sendo que do total de domicílios, 59%,

são próprios e quitados.

Quando se eliminam os excluídos (favelados) desta prospectiva, os

dados tornam-se mais elevados ainda, o que mostra com clareza o grande contraste

social. A renda média mensal de 37 salários mínimos sobe para 47. O percentual

de pessoas com nível superior salta de 42% para 52%, e os anos de estudo do

responsável pelo domicílio vão de 11 anos para 12 anos. A idade média do

responsável pelo domicilio se eleva de 45 para 47 anos. O percentual de mulheres

responsáveis por domicílio decresce de 27% para 26%. A densidade geográfica de

7.622 hab/Km2 cai para 6.072 hab/Km2. O número de residentes por domicílio vai de

4 para 3. O número de banheiros por habitante sobe de 0,78 para 0,94, e o

percentual de 59% de domicílios próprios quitados se eleva para 67%.

Mais adiante, serão discutidos os dados da favela Real Parque, mas

não é difícil perceber as diferenças gritantes que chamam a atenção de qualquer

observador logo no primeiro momento. De um lado, prédios magníficos e bem

elaborados, pertencentes à classe A1, de São Paulo e, de outro, as favelas do Real

Parque, também conhecidas como favela da Mandioca. Outras duas favelas fazem

parte da área do Real Parque: a favela Panorama e a Porto Seguro. Junto a essa

heterogeneidade local, há nas duas primeiras favelas uma etnia indígena: os índios

Pankararu, que se encontram dispersos entre barracos e num prédio do Cingapura.

Apresentam-se, em anexo, fotos diversas colhidas pela autora, que

ilustram o que se vem discutindo e para que se tenha uma idéia da realidade local:

70

A população Indígena perfaz um total de 580 índios Pankararu,23

moradores de barracos nas favelas Panorama, Real Parque e no prédio Cingapura.

Embora este não seja o foco da pesquisa, um estudo mais

aprofundado acerca dos índios Pankararu deve ser priorizado, pois trata-se de

índios que moram em favelas ou em prédio do Cingapura, na região do Morumbi,

São Paulo, ao lado de uma classe privilegiada e que, sem dúvida , ressalta a

diversidade . Por isso, torna-se relevante inserir um breve histórico desta etnia.

Os Pankararu são remanescentes de um grupo mais amplo de

índios do sertão ou Tapuia. Supõe-se que eram habitantes do litoral, quando foram

expulsos pela expansão dos Tupis. Como encontraram resistência do grupo Jê em

seu avanço para o Oeste, estabeleceram-se no vale do rio São Francisco, na altura

da cachoeira Paulo Afonso, no limite entre os Estados da Bahia e Pernambuco.

O dialeto falado pelos Pankararu apresenta elementos da língua Jê

e Tupi. Remonta ao século XVll o primeiro encontro dos Pankararu com os

missionários, que em processo de catequização, fundaram o aldeamento de Brejo

dos Padres, no interior de Pernambuco, onde hoje se encontram os municípios de

Petrolândia e Tacaratu.

No século passado, o Imperador Dom Pedro ll concedeu a posse de

terra de 14 mil hectares aos Pankararu, por terem participado da Guerra do

Paraguai. Durante o Governo Getúlio Vargas foi feita uma segunda demarcação e

esta área foi reduzida a 8.100 hectares. Em DOU24, 14 jul. 1987, é homologada a

demarcação da área indígena Pankararu, pelo presidente José Sarney.

A presença de posseiros na reserva Brejo dos Padres está

provavelmente associada ao avanço de pequenos agricultores durante o ciclo da

cana-de-açúcar no Nordeste quando se inicia, então, a partir da década de 40, o

conflito entre os índios e os posseiros. Em 1979, com o começo das obras da

Hidroelétrica de Itaparica, no rio São Francisco, centenas de famílias de posseiros

foram desalojadas do local e nova invasão das terras Pankararu ocorreu. A

diminuição da reserva pela presença de posseiros, favoreceu, desde a década de 23 Dado fornecido pelo Sr. Frederico, Presidente da Associação dos Índios Pankararu.

24 Diário Oficial da União.

71

50, a migração dos índios aos centros urbanos do Sul. As primeiras famílias que se

fixaram em São Paulo o fizeram no Real Parque, em pequenas casas ou chácaras,

na época da construção do Estádio Cícero Pompeu de Toledo.

Segundo alguns relatos, o número de índios habitantes na favela

Real Parque já chegou a mil. Há de se notar que sua maior concentração é no bairro

Real Parque, porém existem famílias nos bairros Paraisópolis, Grajaú, Capão

Redondo, Embu e Guarulhos.

Segundo depoimento dos representantes dos indígenas em São

Paulo, atualmente, 30% dos índios estão desempregados. Dentre as ocupações

mais comuns entre os homens, estão as de: vigia, porteiro, faxineiro e trabalhador da

construção civil. Entre as mulheres, as de empregada doméstica ou faxineira.

3.4 A favela Real Parque

Constitui-se num polígono e é delimitada ao norte pela Conde de

Itaguaí, ao sul pela marginal Pinheiros, a leste pela Duquesa de Goiás e a oeste

pela rua Cezar Valejo. (Fotos, 1, 2, no texto 3, 5, 6 em anexo)

Conforme já se mencionou anteriormente, as informações aqui

apresentadas foram extraídas via mapas cartográficos, (Mapa 3) baseados nas

informações do IBGE (2000). Tais informações revelam que existem 650 domicílios,

com 2.747 habitantes nesta área assinalada com a seguinte distribuição: 1% de

habitantes da classe25 A, 4% da classe B, 14% da classe C, 67% da classe D e 13%

da classe E. A classe dominante da favela é a classe D. A renda média mensal é de

três salários- mínimos, sendo que o responsável pelo domicilio tem em média cinco

anos de estudo e 35 anos de idade.

25 Foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil (2006), da ABEP (Associação Nacional de Empresas de Pesquisa) com base no levantamento Sócio-Econômico do IBOPE (2000) que estima o poder de compras das pessoas e famílias urbanas (apêndice 1) A classe A1 corresponde a classe A do Real Parque; A classe A2 corresponde a Classe AB do Real Parque; a Classe B1 corresponde a classe B do Real Parque; a Classe B2 corresponde a Classe BC do Real Parque e as demais D e E são idênticas. (Anexo E)

72

Em 2003, foi realizada uma pesquisa participante pelo Projeto

Casulo, vinculado ao Instituto de Cidadania Empresarial, que trouxe à lume outros

dados. Há um número maior de domicílios, ou seja, 821 domicílios na favela: 63 no

alojamento, 489 nos apartamentos do Cingapura, somando-se um total de 1.373

residências com 4.314 moradores. A média de moradores por domicílio é de 3,9

pessoas. Em relação à escolaridade do responsável, apontam-se os seguintes

dados: 39% estudou até a 4.a série do ensino fundamental; 33% até a 8.a série; 16%

, analfabetos e 1% , o nível universitário.

Deixando de lado estas divergências de cunho estatístico, o que se

quer priorizar é que coexiste lado a lado uma população cuja diversidade de renda e

de escolaridade é insofismável.

Segundo o relatório do PNUD, o índice de qualidade e de força de

trabalho aumenta com o número de anos completos de escolaridade do trabalhador.

Segundo estes dados, o índice do Brasil, diante dos países latino-americanos, é

anacrônico. Há apenas dois países com índices semelhantes: Bolívia e Honduras,

cuja população apresenta em média quatro anos de escolaridade. A média

brasileira é duas vezes menor àquela do Cone Sul. De outra maneira, é preciso

salientar que, na atualidade, diante da economia neoliberal e flexível, não basta ter

anos de escolaridade, mas sua atualização contínua, aliada à capacidade de

resolver problemas, a partir do conhecimento. É a questão da educação, já citada

anteriormente, “o aprender a aprender” e rejeitar o analfabetismo funcional26 que

leva a empresa a ter prejuízos enormes. Para que o analfabetismo funcional se

erradique só existe uma saída: educar e treinar para a qualidade. Segundo o

Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF, 2006), é questionável se quatro anos

26 Segundo o professor e Consultor de Empresas para Programas de Engenharia da Qualidade, Antropologia Empresarial e Gestão Ambiental, Paulo Augusto Botelho: Analfabetismo Funcional não se trata de pessoas que não sabem ler, escrever e contar; mas daquelas que não conseguem compreender a palavra escrita e nem pensar. Os manuais de procedimento são ignorados e os computadores provocam arrepios. Preferem ouvir explicações verbais de colegas e diante do chefe – isso quando ele é um chefe – fazem de conta que entendem tudo mas posteriormente saem perguntando como deve ser realizado o serviço. Agem por tentativa e erro. Calcula-se que existam no Brasil, aproximadamente 70% deles na população economicamente ativa e no mundo há em torno de 800 e 900 milhões deles. Geralmente, são pessoas que têm até o quarto ano de ensino fundamental, mas podem-se encontrar pessoas com nível de cargos-chaves em empresas públicas ou privadas. Elas não possuem habilidades de leitura compreensiva, escrita e cálculo para fazer frente às necessidades de profissionalização e tampouco da vida sócio-cultural. Disponível em: <www.paulobotelho.com.br>. Acesso em: 26 fev. 2006, às 22h00min.

73

de escolaridade garantem o alfabetismo funcional. O conceito é relativo, pois

depende das demandas de leitura e escrita colocadas pela sociedade. Na América

do Norte e na Europa, tomam-se oito ou nove anos como patamar mínimo para se

atingir o alfabetismo funcional.

Considerada a questão do analfabetismo funcional, que atinge a

população brasileira, fica clara a “exclusão social” a que estão submetidos estes

moradores. O que se costuma historicamente destacar são as carências materiais,

tais como: insuficiência de renda, fome, desemprego, todas proeminentes, mas não

as mais cruciais, pois dentre elas encontra-se a “exclusão” de caráter político. Neste

contexto, busca-se apoio novamente nas palavras de Demo:

Politicamente pobre é pessoa que sequer consegue saber que é pobre. Quer dizer, não há pobreza mais comprometedora do que a ignorância representando esta situação de mais grave indignidade social. A rigor trata-se do pobre que não tem ‘oportunidade’ de sair da pobreza, porque ainda é apenas ‘objeto’ dela. Pobreza é fazer a riqueza do outro, sem dela participar. É vangloriar da opulência do patrão sem perceber que ela foi, pelo menos em parte, injustamente apropriada. O pobre não tem como sair da pobreza, se não descobrir criticamente que é injustamente pobre. (...) Passar fome é problema social muito comprometedor, mas não saber que se passa fome injustamente é o que torna a fome fonte de privilégios históricos. Portanto a fome sinaliza menos uma situação de carência de alimentos, do que sua apropriação injusta. De fato, produzir alimentos não é mis problema tecnológico, importante. A humanidade teria facilmente o desconforto da obesidade, do que da magreza. Se maiorias passam fome, é porque, de um lado, a fome é politicamente mantida por razões de apropriação injusta da riqueza, e, de outro já não é possível produzir a necessária riqueza de maneira sustentável (2002, p. 97).

Portanto, é a educação com qualidade que pode construir um sujeito

emancipatório, isto é, que saia da alienação e da ignorância através da inclusão na

política, conquistando a cidadania pessoal sem descriminação.

O Censo do IBGE (2000) afere que aproximadamente 31% das

mulheres da favela Real Parque são chefe de família. Na pesquisa de mestrado,

desenvolvida pela autora deste trabalho, na favela Real Parque este dado já havia

se confirmado. Verificou-se que a maioria dos sujeitos (mulheres no climatério)

estava sem companheiro e atuava como chefe de família devido a mudanças no

relacionamento com o companheiro. Alguns meses após o casamento, estas, na

maioria das vezes, associam-se ao alcoolismo. O companheiro/marido ou o ex-

companheiro eram referidos com sentimentos de ódio, mágoa, insegurança, solidão,

74

decepção e rejeição. Desta maneira, “acabavam vivendo sozinhas”. Trata-se de

uma “significação cristalizada” ligada à situação de gênero e classe. (MIRANDA,

1996).

Os dados da favela Real Parque mostram uma densidade

populacional altíssima de 27.584 hab/Km2, diagnosticando que a maioria dos

barracos é de pequenas dimensões, apinhado, além do fato de que os moradores do

Cingapura vivem em prédios que possuem quatro andares, o que contribui para que

este dado seja tão elevado. Os domicílios concentram, em média, 4 pessoas

residentes, com uma distribuição de 0,22% de banheiros por habitante.

Os dados da pesquisa participante, realizada pelo Projeto Casulo

(2003), mostram que os responsáveis pela família são em quase a sua maioria

(63,7%) de nordestinos, advindos principalmente de Pernambuco, que chegam à

capital de São Paulo em busca de novas oportunidades de trabalho. No geral, são

assim distribuídos: 25,2% são de Pernambuco; 17,8%, da Bahia; 8,1%, da Paraíba;

6,5%, do Ceará; 3,4%, de Alagoas e 2,7%, do Maranhão. Apenas 15,5% são

oriundos da cidade de São Paulo; além de 12,7% procedentes de Minas Gerais e

8,1% provenientes de outros Estados ou de locais desconhecidos. Acredita-se que

tais dados refletem melhor a realidade por terem sido obtidos por jovens da

comunidade, através de pesquisa participante.

É interessante se observar que os moradores da favela são em sua

maioria do nordeste, região em que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é

de 0,6 em Pernambuco e Rio Grande do Norte, que ocupam a 116.ª a 117.ª

posições atrás da Guatemala, Bolívia, El Salvador e Honduras; Maranhão se

encontra entre a 124.ª e a 125.ª posições; e Ceará na 126.ª posição; Piauí e

Alagoas, nas 127.ª e 128.ª posições. O último lugar é ocupado pela Paraíba, com

um IDH abaixo de 0,5, correspondendo a uma posição inferior à 131.ª. Cabe

ressaltar que o Brasil, em 1995, ocupava a 63.ª posição, com um IDH de 0,804 que,

se comparado ao do Canadá, que ocupa a 1.ª posição com IDH 0,950, a distância é

considerável (DEMO, 1996).

Nesta mesma investigação (do Projeto Casulo), foram apontados os

principais problemas da favela pelos depoentes: a falta de emprego, 17%; a questão

das drogas, 15%; problemas com segurança, 11%; saúde, 10%; limpeza pública,

75

9%; habitação, 9%; alcoolismo, 8%; lazer, 8%; transporte, 6%; escola. 6%; e outros

1%. Ao indagar à comunidade quem pode resolver os problemas, 40% acreditam

que é o poder público, mas a maioria, 48%, crê que é a própria comunidade,

organizada através de movimentos sociais, que deve encontrar a solução para a

construção da cidadania. Mas, apesar da consciência política, não existe o

envolvimento das pessoas, pois 73% dos entrevistados não possuem ninguém da

família que tenha participação social-comunitária. (INSTITUTO DE CIDADANIA

EMPRESARIAL, 2003)

Demo (2001) refere-se à “constrangedora miséria política” em que o

país está submergido. De fato, quanto à filiação, nas regiões metropolitanas do

Brasil, apenas 14,5% são filiados aos sindicatos e 10% a órgãos comunitários, o que

demonstra que a cidadania organizada é extremamente frágil, contando com poucos

militantes que batalham pelos direitos à cidadania. Por isso, percebe-se que a

insuficiência de renda está associada à injustiça histórica, responsável pela

desigualdade que permeia a sociedade.

O principal lazer da favela é ouvir música, encontrar com os amigos,

ver TV e praticar esportes (INSTITUTO DE CIDADANIA EMPRESARIAL, 2003).

3.4.1 Indicadores dos Programas Sociais, na favela Real Parque

Para aprofundar os dados a respeito dessa população marginalizada

(1.318 pessoas) procurou-se analisar os indicadores dos programas sociais, “Renda

Mínima”, “Bolsa Trabalho” e “Começar de Novo” com base em um levantamento

realizado pela Prefeitura Municipal de São Paulo , em junho de 2003. Os dados

revelam o seguinte:

Há na favela Real Parque uma população de 4.314 habitantes

(Casulo, 2003), sendo que 1318 pertencem ao Programas Sociais acima citados,

perfazendo um porcentagem de 30,55% de adesão aos mesmos., destacando que a

idade desses indivíduos oscilou entre 17 e 48 anos.

76

GRÁFICO 5

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O SEXO, DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

O Gráfico 5 revela a distribuição, por gênero, dos moradores do Real

Parque, inseridos nos Programas Sociais, de acordo com o de Renda Mínima, Bolsa

Trabalho e Começar de Novo. Observa-se aqui que a ala feminina se destaca pela

presença, com um percentual bem mais elevado, nos três aspectos estudados. A

mulher, portanto, faz-se presente em 88,00% nos de Renda Mínima, enquanto que

os homens apenas em 11,40%.

Já no de Bolsa Trabalho, encontram-se 54,10% delas e deles há

uma queda em relação à porcentagem delas, em aproximadamente 10%,

detectando-se 49,90%, da presença destes últimos. Contabilizam-se também 15% a

mais da presença feminina (57,10%), no Começar de Novo, quando comparado ao

sexo oposto (41,90%).

11,40%

45,90%42,90%

88,60%

54,10%57,10%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Masculino Feminino

Sexo

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

77

GRÁFICO 6

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO, O ESTADO CIVIL DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

Aqui no Gráfico 6, quando se compara o estado civil, solteiros em

relação a casados, nota-se que a presença de casados é bem menor e até ínfima

2,80% no caso do Programa Social de Bolsa Trabalho, contra a presença quase que

maciça dos solteiros (97,20%) neste programa.

No Começar de Novo, também é menor a presença dos indivíduos

casados, perfazendo um total de 36,10% e dos solteiros é quase o dobro dos

anteriores, contando com 63,90% daqueles que não têm um companheiro (a) fixo.

Já naquele de Renda Mínima, que compareceram a este Programa Social, 76% são

solteiros, enquanto que apenas 1/3 daquela porcentagem são de casados (24%).

Casado Solteiro

Renda Mínima

Começar de Novo

Bolsa Trabalho2,80% 97,20%

36,10% 63,90%

24,00% 76,00%

Estado Civil

78

GRÁFICO 7

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO, A IDADE MÉDIA DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

A idade média dos indivíduos que compareceram aos Programas

Sociais de Renda Mínima, girou em torno de 34 anos, enquanto que no Bolsa

Trabalho permaneceu em 17 anos e aos 48 anos ficou por conta daqueles que

estiveram no Começar de Novo, num período em que alguns já começam a buscar a

aposentadoria, é o que revela o Gráfico 7.

34

17

48

0

10

20

30

40

50

Anos

Idade Média

Idade Média

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

79

GRÁFICO 8

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO, A ESCOLARIDADE DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

Visualizam-se no Gráfico 8 alguns dados interessantes nos extremos

de escolaridade, nos três programas: Renda Mínima (RM), Bolsa Trabalho (BT) e

Começar de Novo (CN): a porcentagem daqueles que tenham chegado ao cursos

Superiores, quer de modo completo/incompleto é mínima ou inexistente (RM, 0,50%;

BT, 0,90% e CN, 0,00%). De analfabetos a porcentagem também é inexpressiva

(RM, 4,40%; BT, 0,00% e CN, 12,70%). É de se destacar, no entanto, a quase

paridade havida entre o pessoal do BT – 1.a a 3.a série do Ensino Médio (65,10%) e

os indivíduos do CN – 1.a a 4.a séries do Ensino Fundamental (69,10%). Quanto

àqueles que tenham feito da 3.a à 8.a séries do Ensino Fundamental, nos três

programas, a porcentagem variou de forma decrescente de RM para CN, de 38,10%

para 15,50%. Nos demais, aconteceram oscilações bem marcantes.

4 , 4 0 %

4 7 , 5 0 %

38,10%

9 , 5 0 %

0 , 5 0 %

0 , 0 0 %

6 , 6 0 %

2 7 , 4 0 %

65,10%

0 , 9 0 %

12,70%

69,10%

15,50%

2 , 7 0 %

0 , 0 0 %

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

Escolaridade

Analfabeto 1ª a 4ª série Ensino Fundamental 5ª a 8ª série Ensino Fundamental 1ª a 3ª série Ensino MédioSuperior completo/incompleto

80

GRÁFICO 9

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO TIPO DE NECESSIDADES ESPECIAIS DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE,

SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

Quanto ao Tipo de Necessidades Especiais, apresentadas pelos

moradores do Real Parque, nos três Programas Sociais, ali desenvolvidos, descritos

aqui neste Gráfico 9, detecta-se que no CN, 40% apresentaram aquelas de caráter

físico, 20% do tipo visual e 40% de outras causas. No BT, no entanto, observa-se

que a maior porcentagem (98,20%) são daqueles sem declaração, contra 1,80% de

caráter visual. Já no RM percebe-se que a porcentagem é idêntica naqueles com

necessidades especiais do tipo físico; 34,40% de caráter visual, 9,40% do tipo

auditivo e 15,60% de outras.

40,60% 34,40% 9,40% 15,60%

1,80%

98,20%

40,00% 20,00% 40,00%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Renda Mínima

Bolsa Trabalho

Começar de Novo

Tipo de Necessidades Especiais

Física Visual Auditiva Outras Sem Declaração

81

GRÁFICO 10

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A SITUACÃO NO MERCADO DE TRABALHO, DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE,

SÃO PAULO, 2003 Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

Destacam-se os seguintes aspectos no Gráfico 10: o grupo do RM

inicia com 10,50% de assalariados, com carteira assinada, decrescendo nas demais

categorias, atingindo o pico máximo (31,00%) com desempregados; e

permanecendo ao redor desta faixa também os que fazem “bico” e os que são do lar,

indo para a média de 1,00% a 1,50%, com aqueles das duas últimas categorias. Os

de BT quase zeram em porcentagem nas primeiras quatro categorias, o mesmo

acontecendo com os do grupo CN. A partir daí eles se diversificam: este último

atinge o pico máximo com 56,30% daqueles que fazem “bico”, passando antes por

43,70% dos desempregados, voltando a zerar nas categorias restantes. Já o grupo

intermediário (BT), sobe um pouco com desempregados (22,00%), caindo nas duas

categorias seguintes, mas atinge o ápice com estudante (57,00%), voltando a cair

novamente (8,00%), com quem nunca trabalhou. Este aqui é o grupo que mais

oscilou quanto aos dados obtidos.

Situação no Mercado de Trabalho

10,50%

3,30%

31,00%26,30% 25,70%

22,00%

8,00%3,00%

57,00%

43,70%

56,30%

0,50%0,30%0,90% 1,50%

1,00%

1,00%

8,00%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Assala

riado c

/ carte

ira

Assal

ariado

s/ car

teira

Ambulan

te

Apose

ntado

/Pens

ionista

Desem

pregad

o

Faz "

bico"

Do La

r

Estud

ante

Nunca

traba

lhou

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

82

GRÁFICO 11

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO,

2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

Referente ao abastecimento de água, conforme relatado no Gráfico

11, percebe-se que todos os indivíduos presentes nos três programas Sociais,

aproximadamente 86,00% a 88,00% abastecem-se de água advinda da rede; 2,70%,

do grupo Bolsa Trabalho, é a porcentagem máxima que faz uso de poço. É,

contudo, ínfima a porcentagem que pega água de carro pipa e no máximo 11,90%,

do grupo Começar de Novo, que fazem uso de água cedida da vizinhança. Este é

um dos dados favoráveis atribuídos aos moradores do Real Parque.

Rede

Poço

Carro Pipa

Cedida

88,20%

0,80%

0,40%

10,60%

86,50%

2,70%

0,90%

9,90%

88,10%

0,00%

0,00%

11,90%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

83

GRÁFICO 12

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O ESCOAMENTO SANITÁRIO NOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO,

2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

Quanto ao escoamento sanitário para estes moradores do Real

Parque, participantes dos três grupos dos Programas Sociais (RM, BT e CN),

segundo o Gráfico 12, detecta-se que os níveis de porcentagem de variação situam-

se nos 5,00% entre eles. Assim, tem-se no Começar de Novo (6,70%) como

máximo dentre aqueles cuja fossa é depositada em céu aberto, e como mínimo de

porcentagem os de Bolsa Trabalho (1,80%). Nos de fossa séptica, a variação de

porcentagem foi mínima, não chegando a 1,00% entre os três grupos de

participantes de Programas Sociais. A maioria dos indivíduos faz uso de rede de

esgoto, com uma variação de porcentagem entre 84,00% para os do grupo Começar

de Novo e 88,30% para os do grupo Bolsa Trabalho. Aproxima-se a porcentagem

dos 100,00%, que é o ideal proposto pela OMS. O que se pretende mostrar com

estas informações é a real dimensão da lesão do tecido social, numa mesma área

geográfica, em que se contrasta a desigualdade econômica e social entre ricos e

Escoamento Sanitário

86,90%

4,50%

88,30%

1,80%

84,00%

9,30%

6,70%

8,60%

9,90%

Rede

FossaSéptica

Céu aberto

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

84

pobres. Enquanto a classe A, ganha em média 47 salários mínimos, perfazendo-se

atualmente em R$14.100,00, os excluídos percebem um total de 3 salários mínimos,

ou seja, R$ 900,00 (abr./2006)27, convivendo lado a lado com uma grande

desigualdade e a apatia dos mais abastados, que muito pouco fazem por estes

habitantes.

GRÁFICO 13

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A ILUMINACÃO, NOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

No Gráfico 13, a iluminação encontra-se distribuída entre os

usuários de rede elétrica e ligação elétrica de puxadores (“gato”), em 50,00% para

cada uma destas categorias, isto de praticamente toda a população dos três grupos

de pessoas situadas nos Programas Sociais (RM, BT, e CN). Há uma porcentagem

desprezível de quem use querosene/gás e de quem não se utilize da rede elétrica,

dada a facilidade proveniente desta.

27 Ao se fazer a projeção cartográfica da área, alguns prédios muito próximos da favela Real Parque foram inseridos, não sendo possível eliminá-los, distorcendo os dados, elevando a renda familiar dos

57,10%

42,90%

0,00% 0,00%

47,70%52,30%

0,00% 0,00%

52,80%

46,90%

0,20% 0,10%

Red

e el

étri

ca

Lig

ação

elét

rica

pu

xad

a/"g

ato

"

Qu

ero

sen

e/G

ás

Não

tem

Renda Mínima

Bolsa Trabalho

Começar de Novo

Iluminação

85

GRÁFICO 14

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O DESTINO DO LIXO NOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003

Fonte: PMSP/SDTS – Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003

No Gráfico 14, encontra-se relatado o destino do lixo, conforme os

moradores do Real Parque, presentes nos três Programas Sociais, quando se

observa que para os três grupos, as informações ficaram semelhantes para os

quatro diferentes meios de coleta. Visualiza-se aqui que a maioria dispõe de coleta

regular, variando em 10% de RM (76,00%), BT (69,40%) e CN (79,00%). Entre

20,00% e 30,00% variou a porcentagem daqueles que se utilizam da coleta eventual

(RM, 22,00%, BT, 27,90% e CN, 20,20%); quase ninguém mais costuma queimar o

lixo queimado, na atualidade, e um mínimo de porcentagem o joga a céu aberto, não

chegando nem a 2%.

Sintetizando estes dados, detecta-se que a presença feminina é

maciça em relação à masculina. Pode-se inferir que a mulher na favela Real Parque

está mais preocupada com sua subsistência do que o homem. Há uma

moradores da favela.

Destino do Lixo

0,00

%

2,70

%

0,00

%

0,80

%

76,0

0%

22,0

0%

1,80

%

0,20

%

69,4

0%

27,9

0%

79,0

0%

20,2

0%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Coleta Regular Coleta Eventual Queimado Jogado

Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo

86

predominância dos solteiros e de pessoas que possuem como escolaridade o ensino

fundamental e ensino médio. Dentre os portadores de necessidades especiais,

destacam-se aqueles com problemas físicos e visuais. No que diz respeito à

situação de inserção no mercado de trabalho, percebe-se um ápice de indivíduos

que “fazem bico” principalmente no Programa Começar de Novo e de estudantes no

de Bolsa Trabalho. Praticamente toda a favela é abastecida por água da rede

publica, no entanto, aproximadamente , 13,5% têm seu esgoto correndo a céu aberto

ou recolhido em fossa séptica. Em relação à luz, o abastecimento girou em torno de

50% da rede oficial e 50% clandestinos - “o famoso gato”. Vale lembrar neste

momento que o incêndio ocorrido em 2003 na favela, foi por conta destas ligações

que não conferem nenhuma segurança. A coleta pública de lixo acontece duas

vezes por semana, porém existem vários locais em que se visualizam lixões a céu

aberto.

Por outro lado, ressalta-se que o Projeto Casulo é uma Ong que

atua no bairro Real Parque, mantida pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE),

formada por empresários de grande potencial econômico no país. Tem como

missão: “contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população do Real

Parque e Jardim Panorama, por meio do desenvolvimento comunitário, que prioriza

o jovem como agente estratégico de transformação social” (Projeto Casulo, 2006).

Atua no desenvolvimento da cultura local; na educação, no que se refere ao

desenvolvimento de habilidades e competências de inclusão social; ação

comunitária desenvolvendo lideranças que favoreçam o desenvolvimento econômico

da região e empreendedorismo para capacitar o jovem à geração de renda. Possui

um Conselho gestor em que participam três empresários da região: quatro

representantes da favela, três representantes dos jovens, um representante do

poder público e três representantes do ICE.

Mas, apesar do esforço do Projeto Casulo, existe uma população

marginalizada que se encontra descolada de sua cidadania e, principalmente, de

seus direitos sociais. No entanto, esta tem causado grande incômodo à maioria dos

moradores da classe A, que não sabe o que fazer, pois de dentro dos seus

encastelados apartamentos visualizam uma paisagem desagradável, construída de

barracos, miséria e lixo.

87

Outro problema diz respeito à questão imobiliária. Apartamentos

próximos a uma favela são desvalorizados. (Foto 4 em anexo) Na atuação como

enfermeira e na convivência com os moradores do bairro durante 18 anos, a autora

pôde perceber algumas atitudes etnocêntricas. Rocha (1984) explica que o

etnocentrismo é uma visão segundo a qual um grupo é pensado e sentido como o

centro de tudo e de todos os outros. O grupo do “eu” que se acha melhor, superior,

pois possui o saber, o trabalho, o progresso e o outro é o grupo do anormal,

ininteligível, atrasado. Ao outro, nega-se a autonomia de falar de si mesmo.

Portanto, existem dois grupos: o “grupo dos favelados” visto pelo “grupo dos ricos”

como um bando de vagabundos, traficantes e ladrões, rotulados naturalmente como

preguiçosos. Paulo Freire (1987, p. 60) ao falar sobre “os oprimidos” afirma:, o que

pretende os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação

que os oprime”, isto é adaptando-os a situação melhor que os dominem e ainda

recebem o nome simpático de assistidos. “São casos individuais, meros

‘marginalizados’ que discrepam da fisionomia da sociedade”. Esta é organizada,

boa, e justa. “Os oprimidos como casos individuais, são patologia da sociedade sã,

que precisa, por isto mesmo, ajustá -los a ela, mudando-lhes a mentalidade de

homens ineptos e preguiçosos”.

Muitos movimentos ocorreram no bairro, por parte da classe A, para

que estes fossem afastados. O projeto Cingapura, por exemplo, foi uma tentativa de

isolamento, em que se construiria um bosque entre os prédios Cingapura e os

prédios de alto luxo (um cordão verde de isolamento) para separar as castas, projeto

que não conseguiu ser efetivado em seu objetivo final. Este cenário mostra um

espaço desorientado, compartilhado no cotidiano, que propicia reflexão às questões

da cidadania. Que cidadania é esta em que os espaços são hierarquizados pela

classe social? Para Dowbor (1996, p. 8-10), é essencial o "empowerment", ou

recuperação da cidadania, através do espaço local, do espaço de vida do cidadão.

(...) Transferir a cidadania para níveis cada vez mais amplos, e cada vez mais

distantes do cidadão, é transferir o poder significativo para mega-estruturas

multinacionais, enquanto se dilui a cidadania no anonimato”.

Ressalta-se que, em termos de construção da cidadania e

democracia, devem estas ser repensadas no contexto da globalização. Hoje, se

discutem as transformações do mundo globalizado para além do Estado – Nação, do

88

mundo do século XIX, não globalizado, que eram partes que permitiam conhecer

aspectos de um todo. Com o mundo globalizado, a complexidade da dinâmica social

se deslocou das relações domésticas para as das relações globais. ”Portanto a

complexidade situa-se num espaço transnacional comum a todas as nações.” (LEIS,

2002, p. 199). Transportando estas idéias para o Real Parque, pode-se afirmar que

se tem aí um “bairro globalizado”, palco de todas as diversidades: pretos, índios e

brancos; pobres, indigentes e ricos; universitários e analfabetos; empresários e

artistas; cônsul e empregadas domésticas, faxineiras, vigias, pedreiros; barracos e

apartamentos de alto luxo; lixo e piscinas; carros importados e carroças. Distintas

dimensões da sociedade coexistem nos âmbitos cultural, econômico, ambiental e

político, transformando o processo da construção da cidadania divergente, não

compatível com o interesse comum e, sim, com o de grupos. Em suma, uma

“cidadania caótica”, minguada. Para conquistar a sua cidadania, o grupo

discriminado reivindica direitos de ser igual como os demais. No entanto, é

necessário que a classe dominante aceite e aprove esta igualdade para que haja a

sua assimilação. Como isto não ocorre, ou ocorre parcialmente, o grupo da minoria

se volta para si mesmo e procura manter a sua especificidade e a sua liberdade.

Constrói os seus guetos, a sua religião e a sua própria linguagem, “a linguagem da

favela”. É neste ponto que cresce o conflito entre ambos e a inferioridade é

internalizada, tornando-se difícil a coexistência. A indiferença existe, mas ela é

velada e não revelada, de ambos os lados. De um lado, homens engravatados,

presos em suas redomas, com medo de seqüestros e assaltos; de outro, homens

com medo de passar fome. O sentimento é o mesmo: medo, mas sentido por

subjetividades diferentes.

89

MAPA 3

Vista do Real Parque, por satélite e as classes sociais especificadas

FOTO 1 MAPA 4

Vista aérea da favela

90

FOTO 2

Vista aérea da favela – área demarcada

Fonte: Google.

91

IV. O DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO DAS NECESSIDADES DA

POPULAÇÃO DO REAL PARQUE

Este capítulo relata como ocorreu o terceiro momento desta

investigação, em que se propôs fazer uma leitura da realidade que permitisse a

compreensão e a sistematização de problemas e necessidades da população do

Real Parque, analisando as dificuldades enfrentadas e suas possíveis mudanças.

Trata-se do diagnóstico participativo que, segundo Gutiérrez (2001),

é uma metodologia utilizada por grupos que, face à crise econômica, tem a

pretensão de desenvolver uma visão sócio - política global, que vise à transformação

da realidade por meio de estratégias metodológicas adequadas. O que se busca

colher neste tipo de diagnóstico são informações para identificar as necessidades

sentidas pela população que correspondem a problemas reais e não reais, e àqueles

não sentidos, mas reais. Traz em seus propósitos, a priorização das necessidades

mais importantes, a formulação de objetivos e a identificação de recursos. Torna,

portanto, um processo contínuo retro-alimentado na medida em que se vai

desvendando a realidade e esta se transforma.

Como trabalhadores da saúde, parte-se da premissa de que, para

trabalhar na saúde, tem-se que optar por uma concepção centrada na sua vigilância

e qualidade de vida, ancoradas na definição na Lei Orgânica – 8080/90 – art. 2.0,

parágrafo 3. (BRASIL, 1990).

A saúde tem como fator determinante e condicionante, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços essenciais. Os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país.

Para isto, foram feitas dezoito reuniões realizadas no período de

27/02/2002 a 29/07/2002, todas registradas em ata, ocasiões em que foi colocada a

visão de saúde desta pesquisadora. Optou-se, dentre os diversos paradigmas

existentes, pelo Método da Roda e o “paradigma da avaliação emancipatória”. O

Método da Roda nada mais é do que a:

92

Aposta na democracia institucional não somente como um meio para impulsionar mudanças sociais, mas como um fim em si mesmo, processos que objetivem a construção de espaços coletivos. Entendendo-se por Espaços Coletivos arranjos concretos de tempo e lugar, em que o poder esteja em jogo; e onde, de fato, se analisem problemas e se tomem deliberações (CAMPOS, 2000, p. 42).

O “paradigma da avaliação emancipatória”, segundo Saul (2001),

visa à análise e à crítica da realidade para transformá-la. É utilizada para avaliação

de programas educacionais e sociais. Tem dois objetivos principais: “iluminar o

caminho da transformação e beneficiar as audiências em termos de torná-las auto-

determinantes” (SAUL, 2001, p.105). O primeiro objetivo, declara o autor, é

necessário para conhecer o real e comprometer-se com o futuro, naquilo que se

quer ver transformado e modificado. O segundo visa permitir que os sujeitos de sua

própria história façam parte dela a partir de uma consciência critica, capaz de

direcionar suas ações de acordo com seus valores eleitos. Os conceitos básicos

desta proposta são: emancipação, decisão democrática, transformação e crítica

educativa. Transportando essas idéias para o cenário da saúde, foram utilizados

estes três primeiros elementos citados, porém adaptados ao foco de intervenção,

considerando-se que a emancipação prevê a consciência crítica.

Freire (1987, p. 84) também esclarece que: “Esta consiste em

desvelar a realidade e penetrar na essência do objeto para analisá-lo”. Portanto, a

conscientização não é existir fora da realidade. Ela só poderá existir na “práxis”, no

ato de ação-reflexão. Implica em uma unidade dialética em que os homens “fazem e

refazem o mundo”. A conscientização não se fundamenta na separação: de um lado

o mundo e do outro os homens. Pelo contrário, o que se pretende é a relação

“homem-mundo”. O processo dialógico deve ser entendido pelo “encontro entre os

homens, mediatizados pelo mundo (...) Uma educação que se emancipa não se faz

de ‘A’ para ‘B’ ou de ‘A’ sobre ‘B’, mas de ‘A’ com ‘B’, mediatizados pelo mundo”.

Os temas que apareceram nestas dezoito reuniões analisadas

foram: habitação, a festa das crianças, o problema local do lixo, formação do

conselho gestor do Centro de Saúde Real Parque, Prevenção da Dengue, a

Reforma do Centro de Saúde e a Implantação do Programa da Saúde da Família

(PSF), na Unidade.

93

Utilizando o Método da Roda, de Campos (2000), elegeu-se, pela

maior facilidade, a Unidade de Saúde como espaço coletivo por ser trabalhadora do

local. Acredita-se que o espaço público deva ser cedido à população como local

para que ocorram fóruns democráticos e o exercício da cidadania, em que arranjos

concretos se estabeleçam de fato e haja deliberações e decisões após a análise dos

problemas. As reuniões eram semanais e abertas à toda a comunidade, sempre

incentivando a participação das três favelas da região: Jardim Panorama; Real

Parque e Porto Seguro. A pauta das reuniões era feita no seu início,

democraticamente, com os componentes do grupo. Ao final da reunião, passavam-

se alguns informes necessários sobre campanhas de vacinação, dificuldades

estruturais enfrentadas pela unidade como, por exemplo: a falta de medicamentos,

escassez de funcionários e outros, além das negociações conseguidas com a

Coordenadoria de Saúde. Pelo fato de a autora atuar como facilitadora do processo,

sua participação nunca substituiu a autonomia do grupo. Visava sempre “despertar o

desejo de mudança” do grupo e “elaborar com eles os meios de realização”, nas

palavras de Brandão (1990, p.25). Conhecer o verdadeiro tal como se apresentava e

tentar captar esta dinâmica contraditória na fala de cada ator social. Desta maneira,

permitir que aqueles que fazem parte de sua história, construam a sua própria

história e direcionem ações a partir de uma reflexão crítica e valorativa (SAUL,

2001). É claro que se tinha consciência de que a presença e o olhar da

pesquisadora não conseguiriam captar o real com toda a sua neutralidade. Como o

próprio Oliveira (2000) afirma, a partir do momento que se parte para uma

investigação empírica, o olhar do observador já alterou previamente. Existe uma

espécie de refração da imagem apreendida pelo esquema conceitual formador. O

ouvir é outra faculdade que deve, junto com o olhar, servir de duas muletas no

exercício da investigação.

A caminhada da pesquisa é sempre difícil, sujeita a muitas quedas. É nesse ímpeto de conhecer que o ouvir, complementando o olhar, participa das mesmas precondições desse último, na medida em que está preparado para eliminar todos os ruídos que lhe pareçam insignificantes, isto é, que não façam nenhum sentido do corpus teórico de sua disciplina ou para o paradigma no interior do qual o pesquisador foi treinado (OLIVEIRA, 2000, p. 21).

Nesta etapa, foi utilizada a observação participante que tem

chamado a atenção como ferramenta de coleta de dados, pois permite que os atos

94

de olhar e ouvir, que encerram qualidades peculiares, em que “a cultura do outro ‘de

dentro’ em sua verdadeira interioridade” (OLIVEIRA, 2000, p. 34) aflora. Esta

abordagem guarda uma superioridade sobre os procedimentos tradicionais, tais

como a entrevista. Trata-se de um espaço semântico que se abre, através do

diálogo, entre iguais, sem o receio de estar contaminando os elementos do próprio

discurso. “O ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual estrada de mão

única, em uma de mão dupla, portanto uma verdadeira interação” (OLIVEIRA, 2000,

p. 24).

Por questões didáticas, apenas para facilitar o entendimento, as

reuniões e os temas que surgiram, encontram-se no ANEXO F.

As necessidades mais gritantes que foram apontadas pelos

moradores do Real Parque eram na época e o são até hoje: habitação e o desejo da

implantação da coleta seletiva do lixo. Optou-se por trabalhar com a coleta seletiva

de resíduo sólido, por vários motivos: 1) Pelo fato de a autora ser profissional da

área da saúde, podendo exercer uma ação mais efetiva, uma vez que se trabalharia

com variáveis dependentes da vontade própria e da população, e não com variáveis

independentes (instituições governamentais); 2) A coleta do resíduo sólido

contribuiria para o resgate da cidadania, para a geração de renda sustentável com o

intuito de minimizar a pobreza, a “exclusão social”, ao lado da formação de

consciência ambiental; e 3) O trabalho estaria diretamente atrelado à saúde em sua

determinação social e às ações preventivas contra a dengue, leptospirose e demais

moléstias causadas pelo lixo.

Dois fatos que surgiram nas discussões feitas foram bastante

impressionantes na época: o desmoronamento dos barracos do córrego, quando os

desabrigados saem da apatia e do conformismo, do esvaziamento da organização

popular para uma verdadeira construção de cidadania e a festa das crianças que

parecia ser algo muito importante para a população e que, naquele momento, a

pesquisadora não conseguia entender tal significado, ocorrendo isto somente mais

tarde.

Neste período também ocorreu a consciência do movimento que

emergia em relação à cidadania. A percepção daqueles atores sociais se

transformava como se fosse preciso uma tragédia para acordá-los de seus direitos.

95

Percebeu-se que eram diferentes os significados que apontavam, mas ao mesmo

tempo iguais em sua significação. Existiam ações e reivindicações dirigidas ao

aparelho estatal, com visões de mundo diferentes: enquanto a preocupação dos

despossuídos era pela moradia, a preocupação da classe mais abastada, que

também freqüentava as reuniões, era a canalização do córrego.

4.1 O desmoronamento dos barracos do córrego: da cidadania negada ao

nascimento da cidadania

Com as fortes chuvas de janeiro de 2002, o córrego (Foto 7 em

anexo) que cruza a Rua Duquesa de Goiás (atualmente canalizado, por onde passa

a avenida nova, ainda sem nome – 2006), no bairro Real Parque, possuía um

terreno em declive, com barracos pendurados em suas margens, e que vieram a

desmoronar, deixando 64 pessoas desabrigadas. Dezessete famílias moradoras do

córrego não abandonaram seus barracos, em risco iminente de desmoronamento.

Na primeira reunião registrada em ata, datada em 27/02/2002,

aparece o problema, com a fala da líder que emergiu quando da catástrofe. Sua fala

assumia um tom de segurança, e embora de estatura baixa e franzina, mostrou-se

forte e resoluta interiormente. Tomou conhecimento de que no dia do

desmoronamento as pessoas tinham ficado desesperadas, pois haviam perdido

quase todos os parcos pertences: geladeira, fogão, móveis, roupas. Na noite da

catástrofe, a população invadira o alojamento Cingapura, pela ausência de uma

solução viável por parte da Secretária Municipal de Habitação e da Regional do

Butantã. Este se encontrava interditado para oportuna demolição, pois corria risco

de desmoronamento desde sua desocupação, uma vez que foi moradia provisória

dos favelados, por ocasião da construção dos prédios do Cingapura, no governo

Paulo Maluf, na marginal Pinheiros.

No primeiro momento, houve a vontade daquela gente invadir a

Escola Municipal, mas após rápidas discussões entre os desabrigados, pois chovia

torrencialmente, e eles precisavam salvar o pouco que lhes restava, concluíram que

a Escola poderia prejudicar seus próprios filhos que lá freqüentavam. Não tiveram

96

dúvida: Invadiram o alojamento, enfrentando o vigia e aí se acomodaram da melhor

maneira que puderam, permanecendo até duas famílias no mesmo compartimento.

Foi neste momento, diante do risco de vida a que foram submetidos e com os

poucos valores materiais que haviam sido resgatados, no meio do sentimento de

desespero, que os desabrigados do Real Parque mostraram-se por inteiro. Como

relata Heller (1970), é no cotidiano que o homem se mostra por inteiro em todos os

aspectos de sua personalidade e individualidade, colocando para fora todas as suas

capacidades intelectuais, os seus sentimentos, paixões, e idéias. Apesar dessas

capacidades não poderem se realizar em sua plena potencialidade, têm seu grau de

significação e de importância. E foi exatamente o que se presenciou neste momento

de tensão, em que todos os desvalidos, “descamisados”, se uniam e reuniam as

forças que lhes restavam para resolver uma exigência da vida cotidiana. É o

momento em que ocorre a conscientização e o coletivo exerce sua força

transformadora.

Os alojamentos nada mais eram do que construções de tábuas, com

divisões quadradas, cuja separação era feita por madeira. A população de ratos e

baratas repartia com seus moradores os compartimentos do alojamento em busca

de alimentos. Os banheiros e áreas de lavanderia eram comuns. Isto causava

muitos desentendimentos em relação ao uso e ao direito de cada um, à escala feita

pela líder em relação ao horário do banho, higiene das instalações após o seu uso e

a lavagem de roupas entre os seus usuários.

Esta situação, com o decorrer do tempo, tornou-se em muitos

momentos, insustentável, em decorrência principalmente da falta de liberdade e

privacidade (pois o alojamento, apesar das condições precárias, era fisicamente

melhor do que muitos dos antigos barracos). Fortes atritos ocorriam entre os

ocupantes, surgindo brigas e discussões entre as mulheres principalmente, pela

proximidade compartilhada entre crianças, companheiros de família nuclear

diferente, dividindo o mesmo espaço físico.

A situação daqueles que vivem em barracos não está longe desta

triste realidade. Os barracos são muito próximos uns dos outros. A família

constituída de vários filhos (em média, quatro ou cinco, no Real Parque) vive, muitas

vezes, em pequenos cubículos sem nenhuma divisão, sem liberdade alguma. A

97

liberdade de diálogo privado é o outro lado da mesma moeda, já que tudo o que se

fala se escuta através do vazio das tábuas colocadas irregularmente na horizontal e

algumas sobrepostas, constituindo as “paredes” que deixam frestas por onde

passam luz, calor, frio, barulho e também a esperança de um dia poder mudar.

Trata-se de uma desfiguração da própria subjetividade, tornando suas relações

interpessoais caóticas. Esta liberdade entende-se ser como aquela a que se refere

Heller (1970), da satisfação do próprio Eu. O Eu que tem fome, sede, sente dores

físicas e psíquicas, de quem nascem afetos e paixões. Este Eu que dispõe de uma

dinâmica em torno das necessidades humanas que devem ser preenchidas,

relacionadas diretamente aos direitos universais do indivíduo e do processo do

direito à cidadania. Mas o que é cidadania? Deixe por um momento esta indagação

para posterior reflexão.

A liberdade é um direito político, conforme já mencionado. E o

direito à vida privada também. Mas, neste caso, assiste -se à total “exclusão” da

liberdade individual do favelado, agravada pelas condições de moradia provisória

que piora para aqueles que, morando em barracos, condições indignas para um ser

humano, não possuem sequer algum nível de privacidade.

Os favelados, em situação de abandono pelas autoridades, não

conquistaram a liberdade mais básica e fundamental do ser humano, que é a de se

alimentar, dormir, vestir e amar. Esta situação permaneceu durante anos e ainda

permanece até hoje, com 26 famílias que continuam morando no alojamento novo,

(que fora posteriormente construído), sem nenhuma solução definitiva, por total

descaso do governo municipal.

Embora a autora pudesse constatar que a cidadania vinha sendo

tecida fio a fio com reuniões de reivindicações, solicitações e visitas das autoridades,

percebia que havia, em alguns momentos, certa descrença por parte dos moradores

em relação aos representantes políticos, uma vez que existe aí a crença de que os

políticos são todos iguais e de que não adianta lutar.

Na época, duas propostas foram oferecidas pela prefeitura para

resolver o problema: passagem de ônibus de retorno à sua terra natal para toda a

família, (pois a maioria era do Nordeste) ou R$ 5.000,00 para comprar outro barraco

em outro bairro, como forma de indenização.

98

Numa das reuniões, a líder do córrego disse o seguinte:

Existem hoje vinte e três famílias no alojamento e segundo a... (referindo-se à representante municipal da habitação) não haverá liberação de verba para comprar os barracos... Mas... Mesmo assim.... Os moradores estão inebriados com a oferta de cinco mil reais.

Noutro momento seguinte, ela informou:

Os moradores só me respeitam porque moro lá com eles, mas eles não respeitam o (referindo-se ao presidente e vice-presidente da Associação dos Moradores do Real Parque, recentemente eleitos na época).

Conforme comentado anteriormente iniciaram-se as reuniões no

Centro de Saúde, local que serviu como espaço de discussão, com o objetivo de

perceber as necessidades sentidas pela população, através do Método da Roda.

Todos os moradores do bairro foram convidados.

A primeira reunião girou praticamente em torno dos desabrigados, e

após muita discussão, foi sugerido por um dos presentes que se fizesse uma

pesquisa junto aos moradores a respeito da real situação e se descrevesse num

relatório tudo o que estava acontecendo para que fosse entregue à Administração

Regional28 e à Secretária de Habitação. Este relatório foi elaborado pelos

moradores e entregue, três meses após, ao Secretário da Habitação (em abril),

relato registrado em ata do dia 10/04/2002. Abordava-se no relatório a situação dos

moradores desabrigados e solicitava-se urgência na solução dos problemas. O

número de famílias morando no alojamento naquele momento era de 23, além de

outras 16 que se encontravam vivendo junto ao córrego, em condições de risco.

Ocorreu, posteriormente, o aumento das famílias no alojamento devido às fortes

chuvas que continuaram e o possível risco de desmoronamento de mais barracos de

outros morros da favela Real Parque. Não havia mais condições de alojar ninguém,

mas a líder do córrego, compadecida, diante da lentidão das autoridades, sempre

dava um jeitinho. É claro que isto causava revolta e reclamações dos moradores

contra a líder e um outro líder do córrego, que tentava exercer a democracia,

colocando os assuntos discutidos em votação. Existia, no entanto, sempre um

discurso velado coercitivo do tipo “se vocês não colaborarem comigo, não poderei

continuar brigando por vocês na Prefeitura”.

28 Hoje, na atual estrutura administrativa, é denominada de subprefeitura.

99

Algum tempo depois, tornou-se evidente para a pesquisadora que a

idéia dos desabrigados era a de receber a indenização do barraco e, quando as

coisas se acalmassem, reconstruiriam os mesmos ali naquele lugar e, então, tudo

continuaria de forma idêntica. Portanto, o problema na verdade não se resolveria,

mas viraria um círculo vicioso, como um moto contínuo. Segundo Sawaia, esta

tendência de burlar as regras, mostra-se em forma de indiferença, uma característica

dos moradores de favelas (1990, p. 47):

...na situação de miserável é preciso socializar a desgraça, solidarizar-se na troca de favores entre os pares. Por ser uma luta de sobrevivência do capitalismo, carece, porém, pensar em si mesmo, é ‘preciso tirar vantagem em tudo’. Assim, a vítima é também algoz de seus pares, reavivando a competição entre vencedores e vencidos.

O que se tem na favela é a unidade na miséria, e não a solidariedade entre os iguais.

Por ocasião da visita que se fez ao alojamento, percebeu-se que

muitos deles passavam fome e outras necessidades humanas básicas.não

atendidas Uma mobilização foi realizada em todo o bairro e em supermercados

locais, visando a obter ajuda das mais diversas formas, principalmente alimentação,

através de uma carta aberta à população redigida pelo presidente da Associação

Amigos do Bairro e por esta autora. Uma grande cadeia de supermercados das

imediações levou um caminhão “lotado” de alimentos, que foi distribuído pela

liderança do córrego, em forma de cestas básicas. Tomou-se conhecimento, mais

tarde, de que não houve justiça na distribuição, mas tal fato não foi passível de

verificação. O discurso vigente era de igualdade e fraternidade. Será que mais uma

vez alguém tentou levar vantagem? Aconteceram também doações de madeira para

a construção de barracos, de roupas, de agasalhos, de utensílios e de outras coisas

mais.

O que se verificou durante as visitas ao alojamento é que as

pessoas se apresentavam como que vazias de perspectivas diante da situação em

que se encontravam. Sentiam, no entanto, que o mais importante naquele momento

era lutar pela sobrevivência. O comportamento era de apatia, com relatos de

embriaguez, o que ocasionava brigas entre os moradores, desrespeitando as

normas estipuladas por eles mesmos para manter a ordem coletiva, talvez como

forma de sanar a angústia e a solidão em que se encontravam...

100

Outro problema grave que ocorreu foi em relação ao esgoto que

passava a céu aberto, próximo ao alojamento apelidado pelos favelados de

“Piscinão”, que servia como risco de acidentes para os moradores, principalmente

para as crianças, além de albergar uma grande quantidade de ratos, baratas, que

poderiam desencadear doenças. Levou muito tempo para o governo local resolver

tal situação e, mais uma vez, ficou registrado o descaso dos representantes

governamentais.

Poucos desabrigados participaram das reuniões feitas no “Centro de

Saúde”, com exceção da “presidente da Associação do Córrego” 29, assim

denominada, e mais um morador desabrigado que fazia parte desta associação, e

que estavam sempre presentes. De outro modo, os desabrigados participaram de

maneira maciça nas reuniões feitas pelas lideranças do córrego. Percebeu-se aqui

que, mesmo antes de formalizar uma associação, ela se constrói nas idéias e passa

a representar um futuro desejo do sujeito. Ao invadirem o alojamento em risco de

desmoronamento, arriscando a sua própria segurança e vida, mostraram uma forma

de pressão popular na conquista de seus direitos sociais, visto que a única coisa que

teriam a perder seria a própria vida.

É na cidadania negada, na ausência, no sofrimento, que a favela é

acordada para o exercício da cidadania. Dentre as conquistas dos direitos sociais, a

habitação é apontada por Covre (1995) e Vieira (2004) como de segunda geração.

Estes direitos foram conquistados no século XX, a partir dos movimentos operário e

sindical. São os direitos que dizem respeito às necessidades humanas básicas

como: alimentação, saúde, educação, aposentadoria, seguro desemprego, ou seja,

aqueles que garantem acessibilidade aos meios de bem-estar social e

sobrevivência.

Em seus estudos, Maslow (sd), psicólogo americano, aponta para a

hierarquia das necessidades humanas básicas, tendo como primeiras, as

fisiológicas, seguidas das de segurança, de afetividade, de estima e de realização.

Considera como necessidades fisiológicas: alimento, água e sono,

que são as mais importantes de todas para este psicólogo. Um indivíduo com fome

29 A “Associação do Córrego” foi montada em caráter de emergência com os moradores que moravam próximo ao córrego devido ao desmoronamento dos barracos

101

sonha com a comida. A compra de um carro fica secundária nesta circunstância.

Como necessidades de segurança, menciona serem: a busca de segurança física,

estabilidade no mundo, na preferência das coisas familiares em detrimento das não

familiares. Ou do conhecido em troca do desconhecido. Para Maslow, ainda, a

tendência de quase todo mundo é a de abraçar uma religião ou uma filosofia de

vida, motivada pela procura de segurança, como também a compra de seguros e

vários tipos de imóveis. As necessidades afetivas são representadas, neste estágio,

quando a pessoa começa a sentir necessidade de amor, afeição, e enquadramento

social. Sente a ausência de amigos, de familiares e/ou de filhos. A necessidade de

pertencer a uma turma é altamente importante, como por exemplo, a fraternidade e

o matrimônio; a paternidade é o primus motor. As necessidades de auto-estima são

percebidas quando as necessidades afetivas estão mais ou menos satisfeitas, e,

então, a necessidade de auto-estima, auto-respeito, reputação, status, surge,

incluindo o desejo de força, independência e autoconfiança, além de

reconhecimento ou estima aos olhos dos outros. Nessa fase as pessoas trocam as

marcas de seus carros por marcas mais caras, e a propaganda deixa subentendido

isso. Pessoas que têm a sua auto-estima elevada têm carros e outras coisas mais

caras. Aqui “o que a gente pode ser tem que ser”, representam as necessidades de

realização: o artista tem que pintar, o professor tem que ensinar, todos têm que dar o

seu recado. Esta necessidade é o desejo de auto-satisfação, de realização do seu

potencial. É nesse ponto que as necessidades cognitivas parecem tornar-se mais

importantes, filosofar por amor ao conhecimento. Na hierarquia de Maslow somente

um dos estágios prepondera no momento, embora outros estejam influindo.

Para os moradores da favela Real Parque, de uma maneira geral, a

hierarquia de necessidades difere, e muito, das defendidas por Maslow. Para eles, a

saúde é a primeira necessidade apontada, vindo em seguida a habitação junto com

saneamento básico, com posto policial (segurança), lazer e, por último, morar fora

da área de risco. Segundo o depoimento de um morador do prédio Cingapura, na

favela Real Parque e membro da Associação Amigos do Bairro Real Parque:

Em primeira prioridade seria a liberação do posto para ter um atendimento mais eficaz, na área de saúde, este seria um ponto mais prioridade. Segundo, ter uma moradia digna, com mais higiene, como por exemplo, até o Cingapura, a gente tem um exemplo de ser. Se não tem como fazer o Cingapura, tê (ter) a liberdade de abrir um espaço para o próprio morador estar fazendo a sua própria casa, desde que respeite a ordem da

102

urbanização, que é uma coisa muito difícil nesta área mas..., isto num impede da gente tentar fazer um.... Elaborar um projeto, com a própria população para tá (estar), é... Procurando fazer a... moradia dele. Juntamente com a moradia, tá envolvendo também a parte de saneamento básico, que é o essencial, mas... o que mais precisa nesta área é o saneamento básico, pois aqui tem esgoto a céu aberto. Terceiro seria mais... como se diz... aqui tem muitas coisas, coisas simples de ser feita que, o posto policial, uma área de lazer, mais grande que a gente possa tá desfrutando um pouco com nossos filhos porque aqui a gente não tem área de lazer. O meu filho vive praticamente trancado e não é isso que a gente qué para os nossos filhos. Qué uma área que dê espaço... Para desenvolver melhor, pra não tá pensando em coisas que não deveria pensá. Tem várias coisa que a gente poderia tá colocando também né... A parte da área de risco, a gente tem bastante também. Temos orientação também... as pessoas vem para nos orientá, mas eu não sei o que acontece que.. .não consegue, fazê... Consegue o objetivo de trazê as pessoas prá... dá orientação, as pessoa prá.... tá orientando.... pessoas prá tá orientando com fazê, prá tê um espaço mais adequado. E... o problema de moradia... Mais o foco maior de dificuldade daqui é moradia. Então, tê pessoas que possa analisa situações, que possa vê, achá uma saída prá... a gente consiga revertê esta situação.

Na reunião do dia 8/05/2002, contou-se com a presença da

representante da Regional do Butantã, que se comprometeu com os presentes a

realizar uma visita junto com o engenheiro do município no dia 13/05 a fim de que

este fizesse nova vistoria dos barracos situados na área de risco (no córrego) e ao

pessoal do abrigo, para melhor diagnóstico da situação e posterior negociação com

o secretário da habitação.

Pela primeira vez apareceu á reunião, no dia 26/06/2002, um

empresário do bairro com a intenção de canalizar o córrego por meio de um trabalho

em mutirão, sob orientação da prefeitura. Esta seria uma solução pertinente e

definitiva para que não ocorressem mais os desmoronamentos dos barracos. Mas,

para isto seria preciso muita negociação dos moradores que lá permanecessem,

mesmo correndo risco de vida. As negociações eram difíceis e a liderança muito

pouco conseguia. Cabe aí mais uma reflexão: não representaria esta recusa uma

coragem individualizada e um desejo de lutar pelos seus direitos sociais de

cidadania?

No dia 5/07/2002, contou-se com a presença do subprefeito da

Regional do Butantã na reunião. Dentre todas as suas falas, comentou sobre a

viabilidade da canalização do córrego, que poderia se transformar, posteriormente,

em uma avenida. Acreditava, porém, ser difícil a desapropriação do terreno e a

103

disponibilidade de verba para tal. Sugeriu, então, a limpeza do mesmo, a

urbanização e a arborização da área para evitar que continuasse a ser um depósito

de lixo, como estava acontecendo. Colocou que a questão da habitação do Real

Parque, Panorama e Porto Seguro é complexa. Alegou problemas de verba para

resolver o impasse. Sugeriu também leiloar áreas para grandes empresas na base

de troca. As empresas ficariam com o terreno e construiriam prédios populares em

outras áreas (ressalta-se que o terreno neste bairro tem um valor imobiliário

altíssimo). Ficou acertada, então, a proposta de uma reunião ampliada e também de

se organizar uma comissão da habitação, marcada para o dia 15/07/2002. Telles

(1990) afirma que a ação tutelar do Estado, em relação aos direitos, não tem como

referência a noção de igualdade, mas uma lógica que fica por conta do critério

tutelar que define quem será credenciado aos serviços assistenciais ou não. Resiste

reconhecer aqueles que não possuem trabalho, confundem-nos com vadiagem e em

sua concepção de cidadania acredita que as reivindicações legítimas excluem a

liberdade política, confundida como transgressão e desrespeito à ordem.

Como comenta Demo (2001), a cidadania é a capacidade

estratégica de saber intervir de maneira alternativa. Não se consegue controlar os

governantes, mas é possível argumentar, discutir, enfrentar e sugerir a eles, por

meio de um coletivo organizado, a se tornarem sujeitos de sua própria história, e isto

os sujeitos do \Real Parque já vinham fazendo

4.1.1 A eleição do Conselho Gestor do Real Parque

A eleição do Conselho Gestor do Real Parque foi marcada para o

dia 20/07/2002. Observou-se que os moradores que freqüentavam as reuniões

estavam motivados pelo desejo de melhores condições de vida e conquista de seus

direitos, mas não demonstravam muito interesse em participar “oficialmente” do

Conselho Gestor da UBS.

Para melhor elucidação, explicaremos sucintamente o que vem a ser

o Conselho Gestor.

104

A Conferência Nacional de Saúde foi criada no ano 1937, através da

lei 378 que tinha como atribuição assessorar o então Ministério da Educação e

Saúde Pública, em parceria com o Conselho Nacional de Educação. No entanto, o

marco importante de transformações em participação popular e de formulação de

novas políticas publicas de saúde, com proposta de um novo modelo de assistência,

foi Sistema Único de Saúde (SUS) tem cujo catalisador a 8ª Conferencia Nacional de

Saúde realizada em 1986. Esta não se limitava apenas a reformas econômica e

administrativa, mas numa revisão geral da legislação, constituindo o que se chamou

de Reforma Sanitária. A participação popular surge no conceito de saúde como

podemos verificar:

Á saúde não devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. (...) Deste conceito amplo de saúde e desta noção de direito como conquista social emerge a idéia de que o pleno exercício do direito à saúde implica garantir: (...) a participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de saúde. (...)

A evolução histórica desta sociedade desigual ocorreu quase na presença de um Estado autoritário, culminando no regime militar, que desenvolveu uma política social voltada para o controle das classes dominadas, impedindo o estabelecimento de canais eficazes para as demandas sociais e a correção das distorções geradas pelo modelo econômico (...) debilidade da organização da sociedade civil, com escassa participação popular no processo de formulação e controle de políticas e dos serviços de saúde. (...) e excessiva centralização das decisões e dos recursos em nível federal.(...) Para assegurar uma Assembléia Nacional Constituinte livre, soberana, democrática, popular e exclusiva (...) estimular a participação da população organizada nos núcleos decisórios, no vários níveis, assegurando o controle social sobre as ações do Estado. (...) É necessário que se intensifique o movimento de mobilização popular para garantir que a constituinte inclua a saúde entre as questões que merecerão atenção prioritária.30 (BRASIL, 1986)

Mas, só a partir da Constituição de 1988, que efetivamente se tem a

garantia de participação da comunidade na gestão dos serviços de saúde. com os

objetivos: avaliar a situação da saúde, formular novas propostas e atuar no controle

da execução das políticas publicas de saúde. Foi a partir de 1988, quando

promulgada a nova Constituição Brasileira, que temos garantido por lei a

participação popular conforme os seguintes artigos:

Art 1º parágrafo Único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...)

30 Grifos nossos.

105

Art.198.

III. Participação da comunidade31. (BRASIL, 1988)

Salientamos que a participação da Comunidade, segundo

Nascimento, no custeio das despesas da seguridade social8 aparecem no artigo 195

da Constituição. Por outro lado, participa na gestão administrativa, como afirmado no

artigo 194 da mesma Carta Magna:

A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos a saúde, a previdência e assistência social .(....) VII caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade. (NASCIMENTO, 1991)

A participação da comunidade no SUS é assegurada pela lei federal

8080/90, votada em 19/09/1990, que regulamenta as ações de serviços de saúde de

em todo o território nacional e enfatiza a participação da comunidade através do

Conselho Nacional de Saúde, como podemos verificar:

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e a recuperação da saúde; a organização dos serviços correspondentes e dá outras providencias.

Art.7º - As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.198 da Constituição Federal, obedecendo ainda os seguintes princípios (...). VIII participação da comunidade. (São Paulo, 1991)

Com a promulgação da Constituição de 1988, a participação social

foi regulamentada, valorizada e percebida como um importante instrumento na

construção de um novo jeito de fazer saúde, cujos princípios eram a integralização

da assistência e a descentralização das ações de saúde.

Em 1990, a lei federal nº 8.142/90 institui os conselhos e as

conferências de saúde, como instrumento de controle social a partir da participação

de vários segmentos da sociedade, acompanhando o governo na implantação e

definição de políticas públicas de saúde. Esta lei vem regulamentar a participação

dos vários segmentos da população na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em seu artigo 1º cria as instâncias colegiadas, como as Conferências de Saúde e os

Conselhos de Saúde. (GOHN, 2001)

31 Grifos nossos.

106

4.1.1.a Conselhos Comunitários em São Paulo

Para Gohn (2000), aparecem três tipos de conselhos no século XX

no cenário nacional. Os conselhos comunitários, criados para participarem da

administração municipal, no final dos anos 1970; os populares, que surgem dos

movimentos populares e setores organizados da população; os institucionalizados,

que participam da gestão publica criados através do ato do legislativo que são os

conselhos gestores e o conselho de representantes previsto pela lei Orgânica

Municipal de São Paulo . (GOHN, 2001)

Os conselhos comunitários, em São Paulo, partiram de setores

organizados da sociedade, administradores e governos. Criados em 1960, foram

propostos por Adhemar de Barros no Governo do Estado de São Paulo. (GOHN,

2001)

Em 1979 foram criados pela Prefeitura do Município de São Paulo,

conseqüente às mobilizações sociais e políticas, os conselhos comunitários. O então

prefeito da época, Reynaldo de Barros, cria o Conselho Comunitário denominado na

época de “forças comunitárias”. (GOHN, 2001)

Em 1984, no governo Montoro, foram criados os Conselhos na

Secretária da Família e Bem Estar Social (FABES), com o objetivo de criar canais de

participação popular. Teve-se nesta época a preocupação de não institucionalizá-los

para que os grupos se pudessem expressar com naturalidade e espontaneidade.

(GOHN, 2001)

Os Conselhos Populares (CPs) surgiram em oposição ao regime

militar pelo partido de esquerda e tinham como núcleo central a participação popular.

Eles surgem como um espaço de organização dos movimentos sociais de massa,

não exclusivamente sindicais, nem político-partidários. Vale ressaltar dois exemplos

significativos: o Conselho Popular de Campinas, no início dos anos 1980 e o da

zona leste de São Paulo criado em 1976 pelos sanitaristas dos postos de saúde

articulados ao partido comunista da região e as CEB. (GOHN, 2001)

107

Os conselhos gestores têm como papel mediar a relação entre a

sociedade e o Estado e representa a participação da população, estabelecida de

maneira concreta pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica no 8080. Implica no

planejamento das ações de saúde com a participação dos usuários, movimentos

sociais, funcionários e poder público. Tem como papel elencar prioridades a partir

das dificuldades sentidas em seu meio ambiente, a construção de um planejamento

conjunto, com ênfase na discussão das prioridades, levando o gestor sempre a

repensar sua prática, fazendo os ajustes necessários para um atendimento com

qualidade. A sua importância é reconhecida de forma oficial, pois, como já vimos

anteriormente, o repasse financeiro de verbas federais só poderá ocorrer aos

estados e municípios a partir da existência dos conselhos, legislação em vigor desde

1996. Devemos estar atentos que estes são diferentes dos conselhos populares,

porque estes últimos são constituídos apenas por representantes da sociedade civil,

não tendo seu papel oficializado junto ao poder publico. Estes deveriam funcionar

como fontes de captação das reivindicações da população em geral, e depois

repassadas ao Conselho Gestor para as possíveis negociações. No entanto, na

prática isto não ocorre devido os diferentes interesses políticos, que acabam

cindindo o objetivo comum.

Para que haja implantação dos conselhos de saúde há necessidade

de sua regulamentação por leis estaduais e municipais. No município de São Paulo,

o decreto no 42.005 regulamenta a lei 13.325 de 8 de fevereiro de 2002, que dispõe

sobre a organização de conselhos gestores do Sistema Único de Saúde. Os

conselhos Gestores de unidades de saúde têm composição tripartide, com no

mínimo 4 (quatro) e no máximo 16 (dezesseis) membros e o mesmo número de

suplentes (SÃO PAULO, 2002) sendo 50% de representações de usuários, 25% de

representantes dos trabalhadores de saúde e 25% de representantes da direção da

unidade respectiva.

Competem aos Conselhos Gestores, observadas as diretrizes do

Sistema Único de Saúde: Não só propor como também acompanhar, avaliar e

fiscalizar os serviços e as ações de saúde prestada à população, bem como solicitar

informações de caráter técnico administrativo, econômico, financeiro e operacional,

relativas à respectiva unidade, acompanhar o orçamento participativo; participar da

elaboração e do controle da execução orçamentária; definir estratégias de ação

108

visando à integração do trabalho da unidade aos Planos locais, regionais, municipal

e estadual de saúde, assim como os planos, programas e projetos intersetoriais.

(SÃO PAULO, 2002)

Como podemos observar, os Conselhos Gestores, popularmente

ditos Conselhos de saúde, têm caráter deliberativo e atuam propondo medidas que

visam aperfeiçoar o planejamento de saúde, e acompanham a sua organização

fazendo uma constante avaliação e controle. Mas não é só isso, eles deverão

acompanhar o orçamento econômico financeiro e operacional e participar da

elaboração e controle da execução orçamentária; além disso, devem ter acesso a

todas as informações neste nível. A eles deverão ser encaminhadas todas as

reivindicações, queixas e denúncias que deverão ser averiguadas e respondidas.

Em relação às Conferências de Saúde estas têm caráter consultivo.

A transformação social ocorre quando o sujeito perde a sua atitude

solipsista para tornar sujeito coletivo, cuja ação se dá através da participação

popular. Isto garante o despertar da consciência que através das lutas lhes

asseguram o exercício da cidadania. A própria ação de discutir os problemas em

roda, refletir, é válida na construção da subjetividade, mesmo que isso não reverta

concretamente no resultado pretendido. A construção da auto-estima vai se dando a

partir de pequenas lutas, que se concretizam e se substanciam operando mudanças

subjetivas graduais e crescentes em que renasce o sentimento de esperança, “que

as coisas podem mudar...” apesar das dificuldades.

A institucionalização dos movimentos populares (Conselhos

Gestores) na gestão do SUS coloca em sua legalidade o planejamento,

acompanhamento e fiscalização da execução das políticas de saúde, que, sem

dúvida, é um avanço na adoção de medidas que possam interferir na gestão. No

entanto, há uma série de criticas a este respeito. Eles realmente cumprem este

papel consultivo e/ou deliberativo? O próprio papel dos conselheiros na prática não

está bem definido. Desta maneira, muitas vezes eles se perdem em sua atuação e

não sabem até que ponto podem operar e onde encontram os seus limites. No

Município de São Paulo, na gestão de 2000 a 2004, várias capacitações foram feitas

para sanar esta lacuna. De outra maneira observamos que muitos gestores de

Saúde, e até alguns na escala de gestão municipal de demais Municípios, não

109

encaram a participação popular como algo pertinente, tendo-a como perda de tempo

ou um sério obstáculo à sua governabilidade. São consciências dominadoras,

reflexos da ideologia burguesa e da política neoliberal, em que o Estado deixa de ser

um promotor de Bem Estar Social para cumprir as metas definidas pelo Fundo

Monetário Internacional e Banco Mundial.

Cabe ao gestor local atenção a todo este percurso histórico, bem

como à realidade contemporânea a fim de que se construa um fazer em saúde com

a comunidade, potencializando seus recursos, sua capacidade instalada (seja

individual, familiar ou coletiva), acrescendo aí a questão do “cuidar em saúde

responsável”, tanto por parte do individuo, dos grupos, da família e/ou da

comunidade. Mais do que garantir acesso e direitos já estabelecidos por lei, há

outras demandas as quais o serviço de saúde precisa estar atento, até por conta do

próprio alargamento do conceito de saúde. Questões como: emprego, renda, lazer,

habitação, transporte e outros, são agregados aos interesses da participação

popular em saúde. Falamos daí de desafios da contemporaneidade.

Embora o Conselho Gestor represente importante canal de

expressão das lutas populares, de caráter deliberativo, na viabilização das políticas

sociais e esteja amparado em forma de lei pela nossa Carta Magna, segundo as

palavras de Gohn (2001), alguns analistas desacreditam nos mesmos, como

participação ativa e real. A pesquisadora chegou a pensar que esta falta de

motivação e interesse, estivesse focalizada na descrença do seu real impacto

quanto à resolução dos problemas.

4.1.2 Orçamento Partipativo

Na reunião do dia 22/07/2002, houve intensos debates para definir

as propostas a serem levadas à reunião dia 31/07, referente ao Orçamento

Participativo. Constitui-se este num canal democrático em que a população elege as

prioridades do bairro, consideradas impreteríveis para levá-las até ao prefeito.

Foram escolhidas três delas: saúde, educação e habitação. As propostas colocadas

em votação em relação à saúde foram: criar um Núcleo de Atenção à Mulher;

110

aumentar o quadro de médicos especialistas no ambulatório de especialidades;

elevar os números de leitos no Hospital Sara; ampliar o Pronto Socorro

Bandeirantes; e implantar um Centro de Referência ao Idoso. Na saúde, foi eleita,

então, como prioridade a construção de um Centro de Referência à Saúde da

Mulher, com 19 votos, contra 11 votos sobre os ambulatórios de especialidades e

demais propostas, com um voto. Em relação à habitação, foi feita uma pesquisa

participante junto à população para saber que tipo de habitação a população

preferiria, casa ou apartamentos; referente à educação, foi solicitada a ampliação de

vagas para o ensino fundamental, pois existiam, segundo os moradores, muitas

crianças fora da escola.

4.1.3 O sujeito desejante: Um novo sujeito em constituição

O que torna fundamental, neste momento, é analisar como foram

sendo produzidas as mudanças no comportamento da comunidade e como a

motivação estava presente com nova ideologia dominante, a ideologia da luta, da

desalienação, a negociação com o poder local desempenhando papel inovador e de

conquista dos direitos políticos e sociais. Tais transformações sociais foram fruto de

se fazerem reconhecer, do afloramento do seu valor e de sua dignidade. Foi dentro

da diversidade que se manifestou o espírito de união, acompanhado pelo

aparecimento de um novo sujeito: um sujeito desejante. Todo o indivíduo sente

desejo – aquele que não o sente está morto na vida.

Para Manzini-Covre (1996), o refletir sobre o “ser desejante” leva a

pensar em Freud e entender o aparelho psíquico que sustenta os sentimentos, as

idéias, os desejos e o Desejo. E, assim, utilizando Fausto de Goethe, citado por

Berman (1986), explica-se com muita clareza a importância do “Desejo” diferente de

“desejo”. “Desejo”, não diz “respeito a coisas” e nem à “satisfação de

necessidades”, mas está no “âmbito do simbólico”. É a força propulsora, a luz que

reascende na alma para a vida, para o movimento e ação, ou seja, a pulsação de

vida é a “antecipação da própria alegria de desejar”, ou seja, “ter desejos é falar

111

deles”. Os seres desejantes são denominados de sujeitos em constituição, como se

pode verificar nas palavras desta autora:

Eu diria que os munícipes que se representam mais por seus grupos líderes, de participar e pugnar via pastoral, de se fazerem representar ou participar diretamente em conselhos, grupos que lutam por estabelecer melhorias em geral da população local constituem hoje exemplar de sujeitos em constituição (...) hoje o sujeito em constituição marca-se pelo ator do lugar (pensado como espaço físico, mas principalmente, como espaço de experiência (p. 113).

Para ela, “o indivíduo em constituição” é uma categoria que se dá na

intersubjetividade. É através da relação com o outro que é possível constituir o

próprio eu e foi isto que se assistiu a partir do momento em que estes indivíduos

saíram do sujeito individual, criaram um sujeito coletivo, conforme afirma Sader

(1988, p. 55)

Quando uso a noção de sujeito coletivo é no sentido de uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se nestas lutas.

Neste momento, pode-se responder a uma das indagações iniciais

formuladas: É possível envolver coletivamente os moradores da favela Real Parque

numa discussão mais ampla sobre suas condições de vida e romper com o cotidiano

da alienação, no sentido de pensar, sentir e agir, sendo agentes de mudança,

apresentando propostas que minimizem a desigualdade e recupere os seus direitos.

4.2 O significado da festa das crianças

Tal como a força propulsora de Fausto de Goethe, os moradores da

favela do Real Parque possuíram um “Desejo”, que não diz a “respeito a coisas” e

nem à “satisfação de necessidades”, mas se encontrava no “âmbito do simbólico”. É

a força propulsora que leva para o movimento da alma e para a ação, ou seja, a

pulsação de vida é a “antecipação da própria alegria de desejar”, ou seja, “ter

desejos é falar deles”, como se nota nas palavras de Bill, organizador da festa das

crianças e morador da favela Real Parque:

112

A idéia da festa das crianças foi exatamente, no foco da moradia, morava no alojamento, junto com rato, barata, cheio de água e esgoto, e não tinha um espaço para brincar e então fiquei analisando e decidi focalizar mais o dia das crianças e tá fazendo uma festa para duzentas e oitenta crianças em 1999. A partir daí a gente mudou prá cá em final de 2000 e decidimos fazer a nossa, festa aqui no Real Parque. Fizemos a estimativa de 1500 pessoas, tudo que a gente conseguiu deu o suficiente, a gente fez sossegado, com uma boa ajuda o pessoal do Anhembi até hoje eles nos ajuda. Hoje a gente tem a estimativa de cinco mil pessoas, e muito mais pessoas está nos ajudando. As pessoas mais do bairro mesmo que me ajuda, a própria rua mesmo nos ajuda. O nosso pedido é feito com material, porque é uma coisa que a gente não tem muita dor de cabeça. A gente prefere mais o material, a pessoa trais o material e a gente vai é recebendo e utilizando. Então a gente tem alguns comerciantes, pessoas dos condomínios próprios, da classe alta. Tem muitas pessoas que nos ajuda. Temos o Novo Hotel, tem a GAK que é nossa vizinha muito tempo, tem a Tom Brasil, que é do nosso coração do começo ao fim e até hoje. A Tom Brasil nos ajuda com material para trabalhar, fogão mesa, cadeira, material que a gente precisa mesmo. O contato foi conseguido através de um irmão meu que trabalha lá, ele é o humor e também responsável por esta festa: Jose Ramos. Ele é também organizador desta festa. A partir daí, acabei desenvolvendo com ele, e ajudando ele e hoje nós, não sentimos tanta dificuldade para realizar uma festa como esta. Este ano a gente estimou 1.200 crianças numa faixa etária de zero a seis anos. .Mas de zero a deis anos nós temos em torno de 2.000 crianças. A programação da festa a gente começa, este ano a gente começou, a abertura com o Recapa (um conjunto de musica: banda) com desfile na área da favela, convidando todas as pessoas para participar da festa, as deis horas da manhã, e após a missa do padre, celebra a missa em homenagem as crianças e a Nossa Senhora Aparecida. A partir daí a gente dá início aos comes e bebes das 11:30 ao meio dia, até as cinco da tarde. Temos várias barracas: duas de refrigerante, uma de doce, uma de pipoca, duas de cachorro quente e uma de refrigerante. Temos um grupo de voluntários e todos os anos eles ajudam e cada grupo, responsabiliza pela sua própria barraca. A gente deixa a vontade, só não quer que eles pega e joga fora, desperdício. Pode levar pra casa a gente deixa, não tira o direito de levá prá casa. A gente sabe que...muita gente não tem o que comê em casa.a partir daí a gente deixa libera o que tá levando, prá casa. A gente estima de 20 a 25 pessoa a 30 que ajudam nas barracas. Na realidade a gente tem aquele amor muito grande porque você acha que sente bem. Eu mesmo, no meu caso, sinto muito bem com Nossa Senhora Aparecida, a gente realiza esta festa com a graça de Deus, e dela também. Todo ano dá tudo certo até mais que a gente pensa, então, todo ano eu agradeço muito a Deus, e a Nossa Aparecida por ter conseguido... conseguir a.... conseguir colocar o que a gente pensava, de fazer... A gente pensa eu... é muita coisa, mas é tão pouco que gente nem imagina. (Bill)

Ao perguntar ao Bill: o que você sente no final do dia, além do

cansaço? Respondeu:

Na realidade não é nem cansaço, não chega a senti... (ele parou de falar e chorou silenciosamente). Eu mesmo na minha opinião sinto tão feliz... (não conseguiu continuar a falar).

113

Depois de alguns minutos ele retoma e diz:

No final da festa a gente sente realizado, porque a gente peitou fazê, e a gente fez há sete anos atrás e até hoje, e cada vez mais consegue o objetivo dessa festa. A satisfação da gente... consegui... e ter conseguido fazer esta festa... com apoio de muita gente, nos ajuda, nos ajudou e nos vai ajudá... cada ano que passa tem mais uma pessoa a mais, hoje a gente sente a satisfação do final da festa, é de muito feliz. É uma riqueza muito forte. A gente gasta muito pouco para fazer uma coisa muito grande... (Bill)

Acredita-se que esta festa (Foto 8 em anexo) é a única forma

coletiva de lazer de que gozam as crianças faveladas do Real Parque, sem esquecer

de que algumas trabalham como “catadores de lixo”. De outra forma é neste

momento que há um certo resgate da cidadania, lembrando que o lazer constituí

uma necessidade básica fundamental, inserida nos direitos sociais e prevista na lei

8.080 da Constituição Federal.

Além disto, podemos observar que esta população continua

existindo em dois tempos. Sawaia (1994a) já havia informado que as mulheres

faveladas possuem dois tempos: o Tempo de Viver e o Tempo de Morrer. Esta

autora pôde-confirmar estas significações, no seu estudo com mulheres climatéricas

do Real Parque. (Dissertação de Mestrado). Para as mulheres faveladas, o “Tempo

de Viver” é tempo do “despertar para emoções”, do “agir com coragem”, e da “luta

contra a angústia”. É o tempo em que “o pensamento se cola na ação”. É quando se

sentem mais potentes para agir. O “Tempo de Morrer” corresponde àquele tempo

em que há “falta de controle absoluto do que ocorre”, em que elas se sentem

“aprisionadas” e se entregam ao “auto-abandono”, ao “estado de letargia”. “O

mundo é uma realidade afetivamente neutra”, onde há a “cristalização da angústia” e

o “adormecimento intelectual” (SAWAIA, 1994a).

Pode-se verificar que os moradores da favela Real Parque circulam

entre estes dois momentos, como pôde-se observar nos relatos: desmoronamento

dos barracos e festa das crianças. Ambos demonstram que o “tempo de viver” pode

ser aquele em que tudo se perdeu, mas que se estimula “o agir com coragem”, a

“luta contra a angústia”, em que o “pensamento se transforma em ação”.

114

V. ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ALTERNATIVA DE INCLUSÃO

SOCIAL

5.1 Filosofia do cooperativismo

Este capítulo pretende mostrar de maneira sumária como surgiu a

filosofia do cooperativismo como alternativa ao capitalismo e como saída para

solucionar a “exclusão social” no mundo do trabalho.

O conjunto de transformações econômicas, sociais e tecnológicas

ocorridas com a primeira revolução industrial, na segunda metade do século XVIII,

teve seu berço na Inglaterra, por uma série de razões: a grande riqueza do subsolo

em minerais, como carvão, ferro, estanho, cobre e sal; uma vasta rede fluvial

navegável; localização geográfica que permitiu que a Inglaterra ficasse fora das

guerras continentais; bem como outros fatores, tais como: a substituição do cultivo

pela criação de ovelhas e conseqüente migração dos camponeses para as cidades

que ficaram à disposição dos empresários, sujeitando-se a baixos salários.

A.exploração do trabalho nas fábricas não tinha limites: eram longas as jornadas de

trabalho e as crianças eram colocadas no trabalho logo que conseguiam se

sustentar. Isto levava à debilitação dos trabalhadores fisicamente, tendo com

conseqüência altos índices de morbidade e mortalidade (SINGER, 2002a).

Após o longo ciclo de guerras na Europa, provocada pela Revolução

Francesa que se encerrou apenas em 1815, com a vitória britânica sobre Napoleão,

em Warterloo, a Inglaterra enfrentou um período de grande depressão. Conta a

história que foi Robert Owen quem diagnosticou que a crise se devia à dissipação da

demanda de armamentos, navios e demais produtos consumidos na guerra, o que

conduziu ao desemprego, ou seja, trabalhadores até então ocupados com a

produção bélica, eram obrigados a reverter esta situação (SINGER, 2002a).

Assim, Owen, britânico, então proprietário de um complexo têxtil em

New Lanark, decidiu na primeira década do século XIX restringir a jornada de

trabalho e proibir o emprego infantil. Isto resultou no aumento da produtividade e ele

115

passou a ser motivo de grande admiração em todo o mundo. Em 1817, Owen

apresentou ao governo britânico um plano, em que o fundo do sustento aos pobres

fosse revertido na compra de terras para a construção de “aldeias cooperativas”.

Viveriam aí cerca de 1.200 pessoas que produziriam o seu próprio sustento e os

excedentes da produção poderiam ser trocados em outras aldeias (SINGER, 2002a).

Owen tentou mostrar que haveria imensa economia ao reinserir os pobres na

produção ao invés de ajudá-los. O governo britânico, no entanto, negou-se a

implementar este novo plano. Com a perda da admiração da classe rica e

desgostoso com a rejeição de suas idéias, mudou-se para o Estados Unidos com a

intenção de implantar uma Aldeia Cooperativa, num meio social menos

“contaminado”. Tratava-se não apenas de nova forma de economia, mas de uma

mudança nas relações sociais, criada em 1825, em New Harmony, no Estado de

Indiana, na qual Owen ficou na liderança até 1829, quando desiludido pelas

constantes cisões, voltou para a Inglaterra. Mas enquanto permaneceu distante da

terra natal, seus discípulos colocaram em prática as idéias por ele suscitadas,

criando sociedades cooperativas por todos os lugares, vindo a coincidir com a perda

gradativa do poder dos sindicatos (SINGER, 2002a).

A primeira cooperativa owenista foi composta por um grupo de

jornalistas e gráficos em Londres, criada por George Mudie em 1821, que publicou o

jornal The Economist e durou até 1822. Em 1823, foi criada a London Cooperative

Society, com o jornal The Political Economists and Universal Philanthropist. Em

1826, criou-se a Comunidade de Orbiston, liderada por Abram Combe, que se

preocupava com a educação e o sistema de pagamento funcionava por hora. Durou

apenas um ano, devido a sua morte.

Outra importante iniciativa liderada pelo Dr. William King (conhecido

como médico dos pobres), em 1827, foi a Brighton Co-operative Trading Association

(Associação Cooperativa de Troca de Brighton), composta por operários, que

desenvolveu o cultivo de legumes para venda. Em 1828, foi publicado um jornal:

The Co-operator, no qual foram expostos os princípios do cooperativismo. Este

aponta, em meados de 1929, cerca de 70 cooperativas, posteriormente, perfizeram-

se num total de 130. E, no final do ano, foram registradas pelo jornal cerca de 300

delas, seu último número (COLE 1944; apud SINGER, 2002a).

116

O cooperativismo e o owenismo se tornaram tão fortes que foram

assumidos pelos movimentos sindicais. Um dos lideres destacados foi John Doherty

que organizou os fiandeiros de algodão em um sindicato nacional, em 1929. Entre

1833-34 foi fundada a primeira central sindical internacional: O Grand Nacional

Consolidated Trades Unions. A criação de cooperativas patrocinadas pelos

sindicatos ou a união de grupos de trabalhadores do mesmo oficio levou inúmeras

vezes a novas iniciativas de como atuarem por conta própria e, desta maneira, a

greve passou a ter outro sentido. Ao invés de instrumento de reivindicações e

melhorias de trabalho, começou a ser vista como a substituição de seus

empregadores no mercado de trabalho pela autogestão (SINGER, 2002a).

Ao lado dessas cooperativas operárias surgiram também as

“cooperativas integrais” que se vincularam à produção e consumo. Foram elas que

deram origem aos armazéns cooperativos, com troca de produto por produto, sem

uso do dinheiro. Empregavam seus membros e consumiam seus próprios produtos.

Posteriormente passaram atuar como “bazares de troca” ou “clube de toca”, com

moeda própria. Assim que Owen retornou à Inglaterra, investiu nesta idéia e criou a

Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo cuja finalidade era a troca dos produtos entre

os cooperados. Em muitas cidades como Liverpool, Glasgow, Birmingham floresceu

esta idéia. Algum tempo depois, Owen transferiu a gerência da Bolsa Nacional a um

Comitê Sindical de Londres. (SINGER, 2002a)

As trocas nestas bolsas, conforme já se mencionou, foram

intermediadas por moedas próprias. Singer (2002a) relata que os bens oferecidos

eram avaliados pelo tempo médio ou horas de trabalho. Cada bem passou a ser

avaliado por um comitê formado por profissionais do ramo. Adotou-se como padrão

um operário que ganhasse seis dinheiros por hora. A hora de trabalho, acima desse

valor, era aumentada na mesma proporção. Isto fez que o trabalho de valor menor

fosse pago com o mesmo valor da hora trabalho e não avaliado pelo valor do

mercado. “As bolsas de trabalho eqüitativo excluíam o lucro industrial na formação

de seus preços”, é o que informa o autor (p.32).

Esta Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo funcionou até 1834,

quando foram encerradas suas atividades por derrota dos operários. Owen, no

entanto, continuou sua luta contra os capitalistas, tentando unificar todos os

117

operários da construção e suplantar os empreiteiros privados, na luta pela criação de

um sistema alternativo ao capitalismo. Propôs, em 1833, a formação da Grande

Guilda Nacional dos Construtores da Grã-Bretanha para assumir todo este tipo de

indústria. Propôs também, em Londres, a criação da Grande União Nacional Moral

das Classes Produtivas do Reino Unido que, segundo Cole (1944, apud SINGER,

1996), era constituída por delegados de todos os ramos de atividades e que tinha o

objetivo de unificá-los na indústria do país (SINGER, 2002a). Ainda no mesmo ano,

1833, é aprovada a legislação Factory Act que estabelece algumas condições

protetoras ao trabalhador, mas que por outro lado, recusa a limitação da jornada de

trabalho de dez para oito horas, o que resultou numa reação dos sindicalistas

liderados por Owen. Finalmente, houve reação por parte dos empregadores que

resolveram fazer um lock-out e demitir todos os trabalhadores pertencentes aos

Sindicatos dos Trabalhadores da Construção. Isto determinou a derrota dos

trabalhadores que tiveram que deixar o sindicato, caso quisessem voltar ao trabalho

(SINGER, 2002a).

Além disso, meses mais tarde, todos os sindicalizados das

industriais têxteis também foram demitidos. Como resposta, os operários criaram

novas cooperativas e tentaram vender os seus produtos em todo o país. A Grande

União Nacional Moral das Classes Produtoras (GUNM) tentou manter os operários

desempregados através de fundos recolhidos de seus associados. Com a

multiplicação destes, em todas as partes do país, a GUNM não conseguiu manter

estes. Com a condenação dos trabalhadores em Dorchester, em março 1834, as

associações de ofício foram deixando o sindicato, extinguindo-se no final de1834. A

GUNM e seus associados aboliram seus juramentos, que faziam parte da cerimônia

de iniciação sindical, pois fornecia base para as condenações de Dorchester.

Mas em face da crescente militância dos empregadores e da declarada hostilidade do governo, os sindicalistas em muitas áreas começaram a perder o ânimo. Owen e seus discípulos puseram-se à frente da demanda pela libertação dos trabalhadores de Dorchester e entraram na GUNM em bloco, na esperança de salvar a situação. Mas a greve sem sucesso dos alfaiates de Londres-que em seu decorrer cobriram Londres de cartazes anunciando que estavam partindo em bloco para a Produção Cooperativa – piorou seriamente a situação e os empregadores de Yorkshire, retomando à ofensiva do ano anterior, conseguiram em maio e junho quebrar o poder do Sindicato de Leeds. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção também estava ruindo face a repetidos ataques (...). E uma após a outra, as associações de ofício foram deixando o sindicato, que no

118

fim de 1834 se extinguiu. As oficinas de cooperativas de Derby tiveram de fechar, e os homens foram obrigados a voltar ao trabalho nas condições impostas pelos empregadores. O Sindicato dos Oleiros, que montou uma olaria em junho de 1834, teve que abandoná-la seis meses depois. A grande aventura sindical estava chegando a um fim sem glória. (COLE 1944, p.29, apud SINGER, 2002a, p. 34-35).

De qualquer maneira, o cooperativismo, como modo de produção

alternativo ao capitalismo, tornou-se um movimento forte que passou a ser chamado

mais tarde de República Cooperativa e, sem dúvida alguma, deixou um rastro

marcante neste momento histórico da Grã-Bretanha. A figura principal que sintetizou

este pensamento foi Owen, o grande protagonista da economia solidária do século

XIX.

Para completar estas considerações, não se pode deixar de buscar,

sucintamente, a experiência francesa, na figura de Charles Fourier, cujo sonho era

de que algum capitalista se interessasse pelo seu projeto. Este socialista utópico

acreditava que cada pessoa poderia encontrar o trabalho que viesse ao encontro de

suas paixões e trabalhar pelo prazer e não pela remuneração. Surge, então, a idéia

de falanstério, comunidade de 1.800 pessoas que oferece a liberdade de escolha de

trabalho. Difere da Aldeia Cooperativa de Owen porque não é coletivista. O

resultado do trabalho seria repartido em proporções fixas sendo 5/12 pelo trabalho;

4/12 pelo capital investido e 3/12 pelo talento. Para que não houvesse a polaridade

entre ricos e pobres, alguns mecanismos seriam criados, ou seja, os acionistas

pequenos teriam um rendimento maior, proporcionalmente, em relação aos grandes.

Todos, independentemente de trabalharem ou não, teriam uma renda mínima

decente, pois trabalhariam por paixão. O sistema de Fourier é uma variedade do

socialismo centrado na liberdade individual. Defendia ele que, para viver

dignamente, é necessária uma renda mínima cidadã. Fourier teve importantes

discípulos tais como: Muiron, Considerant, Godin, Mme. Vigoureux que

estabeleceram a chamada Escola Associativa. Essas idéias floresceram após sua

morte em 1837, abrangendo 3.700 membros. (SINGER, 2002a).

A importância do “movimento cooperativo” foi enaltecida em 28 de

setembro de 1864, em Londres, no manifesto de lançamento da Associação

Internacional dos Trabalhadores (AIT) redigido por Marx. Ressalta ele a vitória da

economia política da classe operária. Para Marx, ficou comprovado que a produção,

em larga escala, poderia ocorrer sem a existência de patrões e que os meios de

119

trabalho não precisavam ser monopolizados. Também reconheceu que o trabalho

escravo e servil é uma forma transitória, com tendências a desaparecer, diante do

trabalho associado, feito com alegria e satisfação. O trabalho cooperativo:

Se mantido dentro do estreito círculo dos esforços casuais de operários, isolados, jamais conseguirá, deter o crescimento da progressão geométrica do monopólio, libertar as massas, ou sequer aliviar de maneira perceptível, o peso de sua miséria (...) Para salvar as massas laboriosas, o trabalho cooperativo deveria ser desenvolvido em dimensões nacionais (...) (MARX, sd, p. 319-320).

Enfatizava Marx a importância da união entre os operários, já que

existem em grande número. E pontua que o número por si só nada representa. Há

de existir o laço de fraternidade entre si, dirigido pelo conhecimento, pois quando

este é negligenciado, está fadado ao fracasso comum (MARX, sd).

5.2 A economia solidária no Brasil

A época que surge a economia solidária no Brasil é bastante

controvertida entre os autores. Segundo as Organizações das Cooperativas

Brasileiras (OCB, 2005), no entanto, a sociedade solidária já existia no tempo dos

jesuítas, em 1610, firmada no trabalho coletivo e de auxílio mútuo (mutirão), movidos

pelo amor cristão, uma prática encontrada entre os indígenas em que o interesse

econômico era secundário ao bem-estar do indivíduo e da família. Este modelo

durou mais de 150 anos. No entanto, esta idéia é questionada por outros autores.

Magera (2003), ao citar Darci Ribeiro, (1997), comenta que os índios “deveriam

trabalhar para o seu sustento” e eram convocados para o trabalho obrigatório de

construção de igrejas e de interesse público. Em síntese, viviam em verdadeiros

cativeiros jesuítas.

Parece que o grande marco do nascimento do cooperativismo no

Brasil data de 1847. O médico francês Jean Maurice Faivre, influenciado pelas idéias

de Charles Fourier, fundou um grupo europeu, a colônia Tereza Rosa, no sertão do

Paraná, organizada em bases cooperativas (OCB, 2005).

120

De maneira oposta, Silva et al (2003) comentam que as primeiras

experiências de cooperativismo brasileiro remontam ao século XIX, com a criação da

Associação Cooperativa dos Empregados, em 1891, em Limeira, SP e em 1894,

com a Cooperativa de Consumo de Camaragibe, no Estado de Pernambuco. Em

1902, no Rio Grande do Sul, surgiram experiências com caixas rurais e em 1907, as

primeiras cooperativas ligadas à agropecuária.

Apontam os autores acima ainda que há um desenvolvimento desta

prática a partir de 1932, estimulado pelo Poder Púb lico, através da reestruturarão

das atividades agrícolas e da lei básica do cooperativismo brasileiro, de 1932. Esta

especifica melhor suas bases de funcionamento, diferindo-se de outras associações.

Na primeira metade do século XX, as cooperativas agrícolas mostraram-se

importantes como uma das responsáveis pelo conjunto teórico doutrinário do

movimento.

Para Singer (2002b), a economia solidária surgiu como resposta à

grande crise de 1981/1983 quando muitas indústrias pediram concordata. Nesta

época, surge a formação de três cooperativas: a que assume a indústria de fogões

em Porto Alegre, a Cooperminas, que explora uma mina de carvão em Santa

Catarina, e as cooperativas que operam as malhas Parahyba de cobertores em São

José dos Campos, SP e em Recife. Decorrente do declínio econômico nas décadas

de 80 e 90, o sindicato criou formas de associação dos trabalhadores de empresas

que, em vias de desaparecer, deu posteriormente lugar à formação de cooperativas.

Em 1991, devido à abertura do mercado à importação, entra em

crise a grande fábrica de sapatos de Franca (Makerly), conduzindo-se à falência.

Ela empregava 482 trabalhadores. Para evitar que houvesse um grande número de

desempregados, o Sindicato dos Sapateiros pede ajuda ao Sindicato dos Químicos

de São Paulo. Apoiados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Sócio-econômicos (DIEESE), os trabalhadores propuseram comprar o maquinário

por 600 mil dólares. Após acirrada luta, os trabalhadores conseguem um

empréstimo no BANESPA, permanecendo 49% das ações nas mãos do banco.

Com este acordo, a Makerly se tornou uma sociedade anônima e não uma

cooperativa, controlada pelos trabalhadores, funcionou com êxito até 1995, quando

121

houve a intervenção do BANESPA, pelo governo federal, que encerrou a linha de

crédito colocando um fim definitivo em suas atividades (SINGER, 2002b).

Em 1994, foi realizado em São Paulo o 1.0 Encontro dos

Trabalhadores em Empresas de Autogestão, com representantes de seis empresas.

Neste evento decidiu-se criar a Associação Nacional dos Trabalhadores em

Empresas de Autogestão (ANTEAG). De origem sindical, acaba se transformando

posteriormente numa organização independente do sindicalismo com o objetivo de

ajudar os trabalhadores na luta pelos seus postos de trabalho e colocar um fim na

subordinação ao capital (SINGER, 2002b).

Como se pode observar é complexo determinar um marco inicial

para este movimento no Brasil. Talvez seja necessário aprofundar-se em cada tipo

ou ramo de cooperativa, pois cada uma delas apresenta sua história, suas

dificuldades ou facilidades, geradas pelo próprio governo, na maioria das vezes.

Os princípios cooperativos, segundo a OCB (2003), são as linhas

orientadoras através das quais as cooperativas levam os seus valores à prática. Ei-

las:

1 - Adesão voluntária e livre – As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e a assumir as responsabilidades como membros, sem discriminações de sexo, sociais, raciais, políticas e religiosas.

2 - Gestão democrática e livre – As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau, os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto). As cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira democrática.

3 - Participação econômica dos membros – Os membros contribuem eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver, uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das seguintes finalidades:

1 - Desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos será, indivisível.

2 - Benefícios aos membros na proporção das suas transações com a cooperativa.

122

3 - Apoio a outras atividades aprovadas pelos membros.

4 - Autonomia e independência – As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa.

5 - Educação, formação e informação – As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam ao público em geral, particularmente, aos jovens e aos líderes de opinião sobre a natureza e as vantagens da cooperação.

6 - Intercooperação – As cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.

7 - Interesse pela comunidade – As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades, através de políticas aprovadas pelos membros.

Sintetizando, os princípios do cooperativismo, constituem um modo

de produção que ao lado de outro modo de produção - o capitalismo, é voltado para

os interesse e valores de um grupo cuja filosofia esta pautada em organizações que

possuem autonomia e independência, controladas pelos seus membros, e trabalho

em conjunto. A adesão é voluntária; gestão democrática e livre; e participação

econômica em todos os sentidos, desde a sua contribuição inicial, (o capital) para a

adesão, como a criação de fundos de reservas aprovadas pelos seus membros. A

informação e a formação são outro ponto a ressaltar. Todos os seus membros

devem ser capacitados a respeito do que é uma cooperativa, mantidos atualizados e

informados, bem como seus representantes eleitos e outros trabalhadores que

possam contribuir para a sua eficácia.

5.2.1 Cooperativismo: conceito e definição

O cooperativismo foi implantado, oficialmente, no bairro Rochdale,

na cidade de Manchester, na Inglaterra, com 27 tecelões, em 21 de dezembro de

1844. Naquele momento, o objetivo era buscar uma nova alternativa econômica

123

frente ao capitalismo, à exploração da jornada de trabalho dos trabalhadores que

eram subjugados (trabalhavam até 16 horas/dia), à exploração de crianças e ao

crescente desemprego advindo da revolução industrial. A partir daí, a pequena

cooperativa chamada de “Beco de Sapo”, dava origem ao movimento cooperativista.

O impulso para a criação dessa cooperativa provavelmente foi devido ao insucesso

de uma greve dos tecelões.

Trata-se da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), entidade

independente, não-governamental, que coordena as cooperativas do mundo todo.

Com sede em Genebra, Suíça, fundada em 1895, com 222 membros de 88 países

ativos em todos os setores da economia, a ACI e a OCB definem cooperativa como

sendo:

Uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida. As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição dos seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação pelo seu semelhante (ACI, 2005; OCB, 2003).

Para Rodríguez (2002), o associativismo assenta -se sobre dois

postulados: uma economia baseada em princípios não capitalistas de “cooperação e

mutualidade” e uma crítica ao poder centralizado do Estado, às várias correntes

políticas e ao federalismo (que constitui a ocorrência de leis distintas para a mesma

situação nas unidades federadas, de um mesmo país) que, no caso do Brasil, não é

tão acentuado.

Inspira-se em valores de autonomia, igualdade, democracia,

eqüidade, solidariedade e democracia participativa. Desta maneira, os

trabalhadores se tornam proprietários de sua própria empresa, donos de seu próprio

negócio com condições de decisão de maneira igualitária, independentemente da

soma (capital) com que contribuíram. Acabam as cooperativas com a dicotomia

entre capital e trabalho e a propriedade individual, características das empresas

convencionais. Embora o movimento cooperativista tenha crescido muito desde o

seu surgimento, não amadureceu o suficiente para se tornar uma ideologia coerente.

124

Vem demonstrando, no entanto, em todo o território nacional e internacional, uma

alternativa contra a hegemonia econômica da globalização (RODRIGUÉZ, 2002).

Atualmente o cooperativismo é amparado, no Brasil, pela Lei n.0

5.764/71, de 16 de dezembro de 1971. Estrutura-se esta Lei em 117 artigos e exige

um número mínimo de 20 sócios para a sua formação. A OCB é o órgão de

instância nacional. E a Organização das Cooperativas Estadual (OCE) é o órgão em

nível estadual.

A Lei n.0 5.764/71 define as cooperativas como “sociedades de

pessoas, com forma e natureza jurídica próprias de natureza civil, não sujeitas à

falência, constituídas para prestar serviços aos seus associados, distinguindo das

demais sociedades...” (LEI n.0 5.764, 1971, p. 1). Esta nova forma de inclusão

social, inserida numa economia solidária, segundo Magera (2003, p.39), se dá por

“associações de pessoas que se unem, voluntariamente, para alcançar objetivos na

área econômica, social e cultural”. (BRASIL, 2003)

No Brasil, foi no governo de João Figueiredo, quando se inicia a

abertura política pós-64, através do Decreto n.0 90.393 de 30 de outubro de 1984,

que é criada, no Ministério da Agricultura, diretamente subordinada ao Ministro de

Estado, a Secretaria Nacional de Cooperativismo (SENACOOP), que em seu artigo

2.º tem como objetivo:

1 - Fomentar, prestar assistência técnica, coordenar e fiscalizar as atividades relativas à expressão do sistema cooperativista e do associativismo rural, de conformidade com as diretrizes do Conselho Nacional de Cooperativismo (CNC) (SENACOOP, 2005, sp).

Em 10 de novembro de 1999, Fernando Henrique Cardoso, então

presidente da República do Brasil, sancionou a Lei n.0 9.867, estabelecendo normas

para a criação de Cooperativas Sociais, dedicadas a pessoas em “desvantagem”

para que tivessem a oportunidade de inserção no mercado de trabalho. São

consideradas pessoas em desvantagem: os deficientes físicos e sensoriais; os

deficientes psíquicos e mentais; e os dependentes químicos, com ocupações

definidas. (BRASIL, 1999)

Para Silva et al (2003), diferenças regionais no cooperativismo

brasileiro se devem à forte influência de imigrantes japoneses, alemães, italianos

125

que já vieram de seus países trazendo experiências neste campo. Estes mesmos

autores citam ainda cinco fatores que parecem estar fortalecendo o caráter de

inclusão social no cooperativismo no Brasil: 1) revitalização dos conceitos e da

prática cooperativa; 2) o crescimento do desemprego dentro da economia formal; 3)

a globalização que impõe um novo caráter competitivo; 4) estímulo das práticas

auto-geridas; e 5) mais discussões em torno do desenvolvimento local e idéia de

economia social e terceiro setor.

Observa-se que o apoio do governo a estas iniciativas populares

acontece de maneira pálida no decorrer da história, não impedindo, porém, sua

ascensão.

As cooperativas recebem classificações de acordo com sua forma e

ramo/tipo. Quanto à forma, podem ser: abertas: quando qualquer pessoa pode se

associar sem qualquer critério ou impedimento; fechadas: quando as pessoas são

ligadas pelo mesmo objetivo, ou seja, a mesma empresa, profissão, sindicato.

Quanto ao ramo/tipo, podem ser: Cooperativas de Produção e/ou

Serviço: os associados negociam produtos/serviços e não a força de trabalho,

assumem o risco empresarial pertinente ao ramo e o resultado é dividido de acordo

com a contribuição dada (trabalho). É o caso particular desta investigação:

cooperativa de trabalhadores de materiais recicláveis; Cooperativas de mão de obra:

os cooperados vendem sua força de trabalho e não o produto do trabalho.

Geralmente é oferecida a empresas em forma de trabalho temporário; Organizações

comunitárias de produção: são formadas por pessoas que vivem num mesmo local e

têm interesses comuns coletivos. Ex.: Cooperativa de Produção Agropecuária do

Brasil, cujos cooperados são os trabalhadores rurais (MAGERA, 2003).

O cooperativismo brasileiro, segundo a OCB (2003), está atualmente

estruturado em treze ramos, a saber: agropecuário, crédito, habitação, consumo,

educação, mineral, especiais, produção, saúde, lazer, turismo, transporte de cargas

e passageiros e infra-estrutura. A cooperativa de consumo é dedicada às compras

de artigos de consumo para os cooperados; as de crédito, destinadas a promover a

poupança e financiar os empreendimentos ou as necessidades dos seus

associados. Realizam operações de tipo bancárias e funcionam com a fiscalização

do Banco Central do Brasil. Fazem parte do Sistema Financeiro Nacional,

126

regulamentado pela constituição. Educacional, são aquelas formadas por alunos e

professores e pais de alunos de escola agrícola e agem diretamente no primeiro e

segundo ciclo. Possuem poucas vagas e práticas pedagógicas limitadas, além do

alto custo; as tuteladas, amparadas pela Lei n.0 9.867, dedicam-se às pessoas em

desvantagem, conforme já citado. Habitacional, voltada à construção de conjuntos

habitacionais como o antigo BNH, e Instituto Nacional de Orientação às

Cooperativas (INOCOOPS). Com a extinção do primeiro, partiu-se para o auto-

financiamento. Infra-estrutura, destinada a atender serviços essenciais, como

energia e telefonia. Mineração, ligada à extração, industrialização importação e

exportação de minerais. Produção, dedicada à produção de bens e produtos, antigo

ramo agropecuário. Saúde, preocupada com a promoção e preservação da saúde.

Trabalho, inerente à atividade profissional de pessoas em comum para a realização

de tarefas coletivas. Turismo e lazer prestam serviços turísticos, entretenimento,

esportes, artísticos e hotelaria. Transporte, atua na prestação de serviços de

transportes de cargas e passageiros (JUVÊNCIO; ANDRADE; PANZUTTI, 2000).

O ano de fundação da mais antiga cooperativa, ainda em

funcionamento no país, foi o de 1902 (OCB, 2003). Há um total de 5.762

cooperados, com 7.355 cooperativas regulares e 81 cooperativas centrais, em 27

unidades federadas do Brasil, contribuindo com 182 mil empregos, e USD$ 1,09 com

uma participação de 6% do PIB brasileiro. 11 milhões de brasileiros são usuários

das cooperativas médicas. Três milhões de brasileiros são usuários das

cooperativas odontológicas. Cinco mil é a frota própria de veículos das cooperativas

de Transporte. 11.000 é o número de alunos que freqüentam escolas -

cooperativadas. (OCB, 2003)

Dez mil unidades residenciais estão sendo construídas pelas

cooperativas habitacionais. 2.137 é o número de pontos de atendimento das

Cooperativas de Crédito. 115.000 quilômetros é a extensão da rede elétrica das

Cooperativas de Infra-estrutura. (OCB, 2003)

O principal representante do cooperativismo brasileiro é o ramo do

trabalho com 2.024 cooperativas, seguido pelas cooperativas agropecuárias com

1.519 delas. No entanto, quem possui mais cooperados é o ramo do consumo

seguido do de crédito . (OCB, 2003)

127

Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003

706

172158

12

2.024

878

11334

314

7

303

1.115

1.519

AGROPE

CUÁRIO

CONSUMO

CRÉDITO

EDUCAC

IONAL

ESPE

CIAL

HABITA

CIONAL

INFRAE

STRUTU

RA

MINERAL

PRODUÇÃO

SAÚDE

TRAB

ALHO

TURISM

O E LA

ZER

TRANSPORTE

Alguns gráficos são apresentados a seguir a fim de favorecer melhor

visibilidade da situação das cooperativas no Brasil e revelar os dados mais recentes

da OCB.

GRÁFICO 15

DISTRIBUIÇÃO DAS COOPERATIVAS POR RAMO, BRASIL, 2003

Fonte: OCB, 2003

Conforme o Gráfico 15, existe maior número de cooperativas de

trabalho, seguido do ramo agropecuário.

128

GRÁFICO 16

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O NÚMERO DE COOPERADOS POR RAMO NO BRASIL, 2003

Fonte: OCB, 2003

O Gráfico 16 mostra que o número de cooperados é maior no ramo

de consumo, seguido o de crédito e de agropecuário.

Elaboração : GETEC Fonte: N úcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 11

COOPERADOS POR RAMO

48.552

396

311.856

261.871

9.559

48.830

575.256

104.908

2.083

98.970

1.439.644

1.920.311

940.482

0 200.000 400.000 600.000 800.000 1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.0002.000.000

AGROPECUÁRIO

CONSUMO

CRÉDITO

EDUCACIONAL

ESPECIAL

HABITACIONAL

INFRAESTRUTURA

MINERAL

PRODUÇÃO

SAÚDE

TRABALHO

TURISMO E LAZER

TRANSPORTE

129

GRÁFICO 17

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O NÚMERO DE COOPERATIVAS POR REGIÃO, BRASIL, 2003

Fonte: OCB, 2003

A região que mais possui cooperativas é a região do sudeste,

seguida pelo nordeste, segundo as demonstrações do Gráfico 17.

Dos Estados, o que possui maior número de cooperativas é o Rio de

Janeiro com 1.201, seguido de São Paulo, o segundo maior com 1.000 e Minas

Gerais, com 805.

Na região do nordeste, o maior número pertence ao estado da

Bahia, com 396, seguido do Ceará, com 302 cooperativas.

Elaboração : GETEC Fonte: N úcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 13

COOPERATIVAS POR REGIÃO

708

1.634

582

3.161

1.270

-

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

130

GRÁFICO 18

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A PARTICIPAÇÃO DAS COOPERATIVAS NA PRODUÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA, BRASIL, 2003

Fonte: OCB, 2003

A maior cadeia de produção é a do ramo agropecuário, representado

pelo trigo, cevada, leite, aveia, soja, algodão, segundo verificado no Gráfico 18.

Trata-se de um dos mais fortes ramos com relação a empregos gerados e negócios.

GRÁFICO 19

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO QUADRO DE EMPREGADOS DAS COOPERATIVAS, BRASIL, 2003

Fonte: OCB, 2003

Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 25

Participação das Mulheres no Quadro de Empregados

das Cooperativas

M a s c u l i n o6 0 %

F e m i n i n o40%

68 .558

1 0 2 . 8 3 7

Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 18

PARTICIPAÇÃO DAS COOPERATIVAS NA PRODUÇÃO

AGRÍCOLA BRASILEIRATRIGO 62,19% CEVADA 44,19%

AVEIA 39,21% LEITE 39,70%

ALGODÃO 38,91% SUÍNOS 31,52% SOJA 29,40%

CAFÉ 27,97% ALHO 22,47%

UVA 19,17% MILHO 16,68%

ARROZ 11,36% FEIJÃO 11,18%

131

O quadro de mulheres empregadas em cooperativas é

significativamente grande, conforme se verifica no Gráfico 19, demonstrando uma

inclusão das mesmas no mercado de trabalho cooperativado.

De acordo com informações da OCB (2003), nos anos de 1997 e

1998, houve uma involução do número de cooperativas agrícolas, mas a partir de

1999 está ocorrendo aumento gradativo das mesmas.

5.3 Economia solidária: possibilidades e limites

A implantação da economia solidária em empresa falida ou a falir

enfrenta uma série de etapas decisivas, pois os trabalhadores precisam: 1) aceitar

trocar os seus créditos trabalhistas por cotas de capital; 2) acreditar que são

capazes de assumir coletivamente a empresa; e 3) ser capazes de administrá-la. A

questão determinante do processo de economia solidária, conforme afirma Singer

(2002b), encontra-se na união e na solidariedade dos trabalhadores, tendo em vista

que:

A questão crucial do processo está em levar aos trabalhadores os princípios da economia solidária, convencendo-os a se unirem numa empresa em que todos são donos por igual, cada um com direito a voto, empenhados solidariamente em transformar um patrimônio sucateado num novo empreendimento solvável (SINGER, 2002 b, p. 87).

Os fatores que levam os trabalhadores a assumirem riscos e a se

apossarem da empresa reside, geralmente, na relação entre a possibilidade de

arrumarem outro emprego ou não e o grau de união e confiança entre si. Outra

etapa decisiva é conseguir passar a empresa para as mãos dos trabalhadores,

necessitando até de apoio externo. Muitas vezes, para assumir uma empresa falida,

requer-se crédito volumoso que só pode ser conseguido em bancos oficiais. Como

grande desafio, no entanto, é necessário resgatar a confiabilidade dos clientes e

fornecedores. Isto sem esquecer o sacrifício que deve ser feito, no início, pelos

trabalhadores para obterem uma retirada mínima, ou seja, apenas o suficiente de

acordo com suas necessidades básicas. Obviamente isto ocorre, às vezes, em troca

de cestas básicas, com o intuito de reerguer a empresa. Passado este período mais

132

crítico, instala-se um momento de normalidade em que os trabalhadores escolhidos

para administrar buscam a realização de um curso gerencial que visa a contribuir

com seus conhecimentos e favorece a adquirir novas habilidades (SINGER, 2002 b).

Segundo Silva et al (2003), ancorados em Pires (1999), um dos

principais desafios da cooperativa brasileira encontra-se na adaptação ao novo

modelo econômico do mundo contemporâneo, concernente à globalização, e isto

traz um duplo apelo: o da emancipação econômica e o da emancipação política. Há

também grandes desafios a serem enfrentados pelo desenvolvimento sustentável: o

fato de que a maioria das cooperativas está baseada em recursos não renováveis, o

que se constitui numa ameaça às futuras gerações; a globalização da solidariedade;

e a existência de uma cooperação qualificada, contando com políticas públicas

nacionais que favoreçam estes projetos (SILVA et al, 2003).

Alguns governos municipais, a partir de 2000, começaram a priorizar

a economia solidária, tais como o governo do Rio Grande do Sul, de Olívio Dutra.

Em 2001, como as iniciativas se multiplicaram, a ANTEAG prestava assessoria a

160 empresas solidárias em todo o Brasil, a maior delas, a Usina Catende com

3.200 famílias (SINGER, 2002b).

Outra iniciativa surgida, com o mesmo objetivo da ANTEAG, na

região do grande ABC, foi a Unisol. Criada em 1999, constitui-se numa associação

de cooperativas que, embora no momento esteja atuando em sua região, pretende

estender-se por todo o Estado de São Paulo e o Brasil. Conta com uma incubadora

de Cooperativas populares, ligadas à Fundação de Santo André (Instituição

Municipal de Ensino Superior) (SINGER, 2002 b).

A Unisol nasceu no grande ABC, oriunda da força de dois sindicatos

importantes: o dos metalúrgicos e o dos químicos, o primeiro mais poderoso.

Concentram-se nesta região as montadoras de carro, cuja maioria estabelece-se em

São Bernardo do Campo, com fábricas instaladas nos municípios vizinhos. Em

1978, o Sindicato dos Metalúrgicos fez uma greve, com ocupação de uma das

fábricas pelos trabalhadores e levantou uma grande bandeira de luta em todo o país,

a de ir contra a eliminação de postos de trabalho pela indústria. É um sindicalismo

que sugere novas políticas públicas no setor da indústria e, a partir de seu 2.º

Congresso, realizado em 1996, propôs aos trabalhadores a formação de

133

cooperativas. Depois, em 1998, estabeleceu um protocolo de intenções para troca

de informações de experiências ocorridas na região da Emília Romagna, na Itália

(Oda, 2000 apud Singer, 2002b, p. 93), o que resultou em visitas de delegações

brasileiras à Itália e vice-versa (SINGER, 2002b).

Informa ainda este mesmo autor que, enquanto ocorriam

concomitantemente estes avanços de cunho internacional, no meio interno ocorria

crise na Conforja, localizada em Diadema, que iniciou a operação de resgate por

postos de trabalho, a partir de 1996, em sintonia com o sindicato. A Conforja era

uma empresa metalúrgica que se estabeleceu em Diadema nos anos de 1968, com

vistas à produção de conexões de aço forjado e tubulações. Era a única fornecedora

da Petrobrás que se empenhava na exploração de petróleo na costa brasileira.

Tinha alto faturamento com 1.170 empregados. Em 1980, passou a diversificar suas

atividades, tornando-se uma multi-empresa que fabricava máquinas, rolamentos,

plásticos, além de negociar frutas, minérios e madeira. Liderava o mercado de 70%

dos produtos forjados. Com a abertura do mercado interno às importações, em

1990, pelo presidente Fernando Collor, a coisa mudou de figura. Subitamente, a

empresa foi invadida por competidores estrangeiros e passou a ter prejuízos. Entrou

em crise de forma lenta e gradual até que, em 1994, o principal acionista do Conforja

propôs transformá-la em co-gestão. Isto gerou intenso debate entre os

trabalhadores. Em 1995, foi assinada a carta de intenções de co-gestão entre os

trabalhadores e a empresa. Apesar do sacrifício destes em diminuir sua jornada de

trabalho de 44 para 40 horas, os salários continuaram a atrasar e a crise prosseguiu.

Em julho de 1997, após um plebiscito realizado entre os trabalhadores, optou-se

pelo rompimento da co-gestão. Diante deste quadro, o filho do dono da empresa

resolveu entregar a gestão à uma cooperativa. Da empresa foram formadas quatro

cooperativas: a Coopertratt, que assumiu a gestão dos negócios; a Cooperlafe,

voltada para a laminação de anéis e forjados especiais; a Coopercon, que se

dedicou a conexões tubulares e a Cooperfor, (Forja). As sobras das quatro

cooperativas foram de 300 mil reais, em 1998 e 209 mil reais em 1999. A prática da

auto-gestão tornou-se habitual nas quatro cooperativas. Em cada uma delas

também existia o Conselho Administrativo Estatutário e um coordenador geral para

exercer a função de chefia, exercida por um dos ex-chefes da Conforja. Apesar do

134

grande poder de que dispunham os seus coordenadores, as decisões eram

submetidas a assembléias gerais (SINGER, 2002 b).

Embora se saiba que a auto-gestão não deixa de ser uma realidade,

Oda (2001), apud Singer (2002 b, p. 102), revela que o coordenador da Cooperlafe é

categórico em afirmar que:

Não conseguimos mudar a mentalidade dos trabalhadores [pois] eles ainda são muitos dependentes de um patrão. A mudança de filosofia [...] só ocorrerá mediante a participação deles em curso sobre cooperativismo (ODA, 2001, apud SINGER, 2002b, p. 102).

Estes cursos, acrescenta o coordenador, proporcionariam “uma

maior autonomia para a tomada de decisões sobre produção, além de possibilidade

aos sócios pensarem no negócio estrategicamente e não em curto prazo” (ODA,

2001, apud SINGER, 2002 b, p. 102).

O cooperativismo também foi gradualmente aceito pelo Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST), após uma resistência inicial

devido aos modelos anteriores, como das grandes empresas agro-industriais que

tinham uma política de exploração aos trabalhadores.

O MST é uma forma de movimento pela reforma agrária no Brasil.

Começou na época de João Goulart – Jango – quando este assumiu a Presidência

da República, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em 1961. Com o

golpe militar de 1964, as lutas populares sofreram violenta repressão. Nesse

mesmo ano, o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de

Reforma Agrária no Brasil: o Estatuto da Terra. Durante os anos da ditadura, apesar

de os trabalhadores rurais serem perseguidos, aconteceram as primeiras ocupações

de terra, não como um movimento organizado, mas influenciados pela ala

progressista da Igreja Católica, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Em

janeiro de 1984, ocorre em Cascavel, Paraná, o primeiro encontro do MST em que

se reafirmou a necessidade da ocupação como uma ferramenta legítima das massas

trabalhadoras e trabalhadores rurais. Iniciava-se, desta maneira, um movimento

com objetivos e linha política definidos (MST, 2005).

O programa do MST tem como objetivos: buscar a unidade entre as

organizações do campo e da cidade; fazer lutas massivas; intensificar a organização

135

dos pobres; ajudar na construção do Projeto Popular para o Brasil; desenvolver a

solidariedade e os novos valores; e impulsionar a revolução cultural (MST, 2005).

Foi organizado, em 1988, o Manual de Cooperação Agrícola do

MST. Em 1989, o MST tenta organizar a produção nos assentamentos a partir da

experiência das Ligas Camponesas que dispõem a formação de cooperativas de

produção auto - gestionárias. As primeiras Cooperativas de Produção Agropecuária

(CPAs) surgiram no Rio Grande do Sul: a Coopanor e a Cooptil (SINGER, 2002 b).

As CPAs apresentam um plano de produção coletiva em que cada

cooperado participa de trabalho socializado. Há um planejamento na divisão de

trabalho, pois deixa de ser um modelo individualista no qual o agricultor se expõe a

riscos sozinho. As CPAs foram inspiradas no modelo de Cuba, onde existe pouca

autonomia. Revelaram-se várias deficiências técnicas e administrativas, entre elas:

“avaliar a contribuição de cada um ao produto e portanto definir regras de divisão

entre eles, do rendimento obtido” (SINGER, 2002 b, p. 105). Para compensar as

falhas, foi criado o Curso Técnico em Administração de Cooperativas, no Rio Grande

do Sul, mas, mesmo assim, as CPAs passam por grande crise, talvez porque a

maioria dos assentados prefere a pequena produção, com menor padrão de vida e

maior risco, sujeitando-se à oscilação de preços agrícolas no mercado (SINGER,

2002b).

Como as CPAs não são muito aceitas pelos camponeses, o MST

tem desenvolvido outras formas de cooperação, como a da comercialização, que

permite maior vantagem em termos de preços e organização de compras e vendas

em comum. São as chamadas Cooperativas de Prestação de Serviços (CPSs) que

preservam a individualidade do camponês. O MST evita a divisão entre os CPAs e

CPSs e estimula continuamente a solidariedade como um modelo de movimento

popular que deve se desenvolvido continuamente (SINGER, 2002 b).

Ao finalizar este capítulo, informa-se que o aumento do

cooperativismo no Brasil reflete a falta de acesso dos “excluídos” ao emprego formal,

com conseqüente eliminação social. Muitos vivem ainda presos na “engrenagem da

pobreza” e o associativismo é apenas uma alternativa para sair da fome.

Reconhece-se, no entanto, que esta nova práxis social exercita o sentimento de

solidariedade e catalisa o exercício da cidadania como mecanismo para se eliminar

136

a “exclusão”. O “ser cooperativista” traduz uma prática que representa também a

busca de autonomia e desenvolvimento local por meio da ajuda mútua. No caso dos

coletores de lixo do Real Parque, a cooperativa de resíduos sólidos ou de lixo, como

é chamada, seria uma forma de inclusão social e uma alternativa de eliminar a fome.

Apesar da prática cooperativista ser uma plataforma do atual

governo federal, como forma de geração de renda e trabalho, necessita de alguns

ajustes. É necessário “redefinir o perfil dos cooperados e reconquistar a

credibilidade” junto à sociedade. (SILVA et al, 2003)

137

VI. QUANDO TUDO COMEÇOU: O NÚCLEO DO REAL PARQUE

Este capítulo pretende explanar como se deu a formação do núcleo

da cooperativa de lixo do Real Parque. Antes, porém, far-se-á uma breve

explanação do que tem sido proposta como política ambiental no mundo, o que diz a

nossa Carta Magna e o problema do lixo no Brasil, no estado e no município de São

Paulo.

6.1 A questão ambiental

A dinâmica do descarte começou ficar evidente na sociedade a partir

dos anos 60, período de transição do sistema fordista para a acumulação flexível,

período em que ficou acentuada a efemeridade dos produtos, como mecanismo de

aceleração do giro dos bens no consumo. Nasce a cultura da descartabilidade,

conseqüente à produção de mercadorias: pratos, copos, talheres, embalagens

guardanapos, roupas etc. Isto expressa jogar fora bens produzidos, criando um

grande problema ambiental sobre o que fazer com o lixo. (HARVEY, 1992)

Os problemas sócio-ambientais têm se tornado foco de amplas

discussões a partir da década de 70, com a Conferência de Estocolmo (1972) e a

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(CNUMAD) em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida por Eco 92, em que foi

desenvolvido um documento, com 179 países participantes – a Agenda 21, que se

constitui numa tentativa de realizar, em escala planetária, um método de proteção

ambiental, justiça social e eficiência econômica (OPAS (a), 2006). Em conferências

realizadas em anos anteriores e a partir da Eco 92, ficou evidenciada que a proteção

do meio ambiente e da saúde é o centro de um novo modelo de desenvolvimento a

ser criado, denominado de “desenvolvimento humano sustentável”, centrado na

dimensão humana. Organismos internacionais como OMS, OPAS, UNICEF e

governos assumiram compromissos de atuar nos problemas de saúde ambiental em

suas respectivas áreas. Um dos aspectos mais relevantes destes esforços é a

138

participação da população nas possíveis soluções no que tange às suas

necessidades. Tais compromissos já tinham sido expressos na Conferência

Internacional sobre Atenção à Saúde, em Alma-Ata, na Rússia, em 1978, que

destacou principalmente o trabalho inter-setorial para alcançar a saúde. Com o

surgimento das novas tecnologias e com o advento do desenvolvimento industrial, o

crescimento do desemprego e a fome no mundo passaram a ser vistos como

problema, não só na área da saúde, mas também do meio ambiente. A Eco 92

advertiu o mundo de que se deve estabelecer um vínculo positivo entre o

crescimento econômico e o ambiente sustentável e em seu princípio de n.0 10

proclamou a participação e a informação de todos os cidadãos, revelando a melhor

maneira de se tratar as questões ambientais. (VIEIRA, BREDARIOL, 1998)

A Carta Pan-americana, acordada na Conferência Pan-americana

sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Humano Sustentável (COPASADHS),

realizada em Washington (1995), estabelece que:

A participação dos indivíduos e das comunidades para manter e melhorar seus ambientes de vida deve ser promovida e apoiada. A participação comunitária deve basear-se em estratégias para o desenvolvimento sustentável incluindo a atenção primária do ambiente, a atenção primária à saúde e a educação das crianças e adultos. Em cada nível da organização social e política devem-se estimular e apoiar redes de interesses e pessoas que atuem em colaboração, a fim de fomentar a integração de preocupações e recursos setoriais nos processos de desenvolvimento (OPAS (a), 1999, p. 16).

Segundo a OPAS (a) (1999), a conceituação de Atenção Primária

Ambiental (APA), foi pela primeira vez utilizada na Itália, em 1991. Este conceito

sofreu várias transformações e hoje se constitui numa síntese de várias conferências

realizadas entre 1995 e 1998, em atenção ambiental:

A atenção primária ambiental (APA) é uma estratégia de ação ambiental, basicamente preventiva e participativa em nível local, que reconhece o direito do ser humano de viver em um ambiente saudável e adequado, e a ser informado sobre os riscos do ambiente em relação à saúde, bem-estar e sobrevivência, ao mesmo tempo em que define suas responsabilidades e deveres em relação à proteção, conservação e recuperação do ambiente e da saúde. Constitui-se, assim, em uma proposta de associação organizada e voluntária (OPAS (a), 1999, p. 28).

Tem como princípios básicos: participação da comunidade,

organização, prevenção e proteção ambiental, solidariedade e eqüidade,

integralidade, diversidade que visa a assegurar e a viabilizar transformações

139

importantes a partir da conscientização e da participação comunitária através de

políticas ambientais do Estado. A política ambiental deve ser organizada a partir de

ações que garantam sua organização na defesa dos direitos ambientais, buscando

iniciativas que minimizem o dano ambiental através da educação, pesquisa,

participação cidadã, o que implica no compromisso dos cidadãos e do Estado em

assegurar um meio-ambiente saudável, de co-responsabilidades, respeitando a

diversidade do ecossistema.

Os seis princípios básicos da APA são complementados pelas

seguintes características: descentralização, implica em transferir capacidades reais

tanto políticas, técnicas, financeiras e administrativas a instâncias regionais e locais.

A mais importante é a municipal, pois a população pode “desenvolver sua

capacidade de decisão sobre assuntos comuns e cotidianos”; intersetorialidade e

interdisciplinaridade, vistas sob várias óticas, ou seja, organizações de base,

municípios, comissões de vizinhança e ONGs; co-gestão pública - privada e

autogestão, propiciar espaços de discussão e solução conjunta dos problemas e

desenvolver sua própria capacidade de gestão na elaboração, execução e manejo

financeiro dos projetos. Isto se constitui num importante desafio para o Estado e

especialmente para as ONGs em que momento, entregar estas ferramentas à

população; coordenação, desenvolver instâncias de coordenação entre instituições

e grupos. Trabalho pró-ativos que administrem os problemas locais, de acordo com

sua capacidade tecnológica, normativa e com a disponibilidade de recursos;

eficiência, permite utilizar os recursos disponíveis da maneira mais apropriada para a

proteção ambiental, abrindo espaço à inovação, à diversidade de atividades,

metodologias e práticas locais; autonomia política e funcional, os atores locais não

devem perder sua autonomia. Suas ações e declarações sempre têm que refletir o

sentimento de quem representam.

A Constituição Federal, promulgada em 6 de outubro de 1988,

garante em seu capitulo VI, artigo 225, referente ao meio ambiente, que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) Para assegurar a efetividade desse direito, incube ao Poder Público (...) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. (BRASIL, 1988, p. 140-141).

140

Embora faça parte da Lei Magna e esta garanta a participação

social, o que se assiste é um escasso comprometimento do Poder Público e baixa

participação referente a assuntos relacionados aos resíduos sólidos.

6.2 O problema do lixo no Brasil

O Brasil produz cerca de 125.000 toneladas diárias de lixo urbano.

Somente 15% têm seu destino em aterro sanitário; 67% vão para lugares a céu

aberto; 13% para aterro controlado e apenas uma pequena parte, 5% a 10%,

reciclados. (MAGERA, 2003).

De acordo com Froes (2005), consultor da área ambiental, é

preocupante a situação dos resíduos sólidos no Brasil por falta de uma política

adequada. A maioria dos municípios brasileiros, em torno de 80% (mais de 5,5 mil),

não recebe nenhum tipo de tratamento e tem seus resíduos sólidos domiciliares e

industriais destinados a lixões. Na grande maioria das cidades brasileiras, a coleta

regular não ultrapassa os 60% de seus respectivos territórios. Provavelmente, mais

de 500 mil pessoas sobrevivam da “catação” de materiais recicláveis no país,

mercado que gera mais de um milhão de empregos.

Em outras palavras: nem sempre os lixos são coletados pelo poder

público. Dados da Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral

da Presidência da República (2005) mostram que a coleta de lixo cresceu 2,7%

entre 2003 e 2004. Em 1999, havia 20,0% das residências sem atendimento por

serviço de coleta de lixo e em cinco anos, esta parcela caiu para 14,2%. Apesar

destes dados mostrarem uma melhora, a Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílio (PNAD) do IBGE, (2000) revela que o Brasil destina cerca de 64% dos

seus resíduos, sem tratamento, ora degradando o solo (em lixões), ora em cursos

d’água e ora no ar. Esta disposição inadequada é um grave problema de Saúde

Pública, comprometendo muitas vezes o abastecimento doméstico de água, de

forma permanente. Constitui-se, portanto, num dos agravantes importantes para o

recrudescimento de epidemias, como a dengue e a febre amarela.

141

Dados da UNICEF mostram que os catadores estão presentes em

3.800 municípios brasileiros. Estima-se que 10 a 20% dos resíduos urbanos

acabam alimentando 90% das indústrias de reciclagem de plástico, vidro, papel,

alumínio e ferro, fazendo do país um dos campeões mundiais de reciclagem de

alumínio. Se, por um lado, isto é um dado bastante positivo, contribuindo para a

limpeza do planeta, por outro, é um meio de subsistência de muitos, apresentando

um quadro de como as pessoas vivem em condições subumanas. Detecta-se, desta

maneira, a discrepância da distribuição de renda que se concentra em apenas 10%

da população, gerando enorme quantidade de lixo, enquanto quase um terço dos

habitantes do país passa fome. Em alguns países como o Japão, a reciclagem de

materiais está associada à modernidade, enquanto que no Brasil, liga-se às

condições de subsistência, devido à miséria de parte da população (PROGRAMA

NACIONAL LIXO & CIDADANIA, 2005).

O lixo do Brasil é considerado um dos mais ricos do mundo,

contendo uma quantidade enorme de materiais que poderiam ser reciclados. É

constituído de objetos de todos os tipos como papel, papelão, vidros, plásticos,

algumas vezes, objetos de valor e alimentos vencidos que, muitas vezes, são o

único meio de sobrevivência de milhares de pessoas que vivem à margem da

sociedade.

O Brasil tornou-se atualmente o campeão em reciclagem de latas de

alumínio, ultrapassando o índice de reciclagem32 dos EUA e Japão. Em 1989, o

índice de reciclagem de latas no Brasil era em torno de 40,40%, em 1996, este

índice atingiu 70%, (CALDERONI, 1999). O alumínio dos materiais recicláveis é o

que mais tem valor, pois apresenta como vantagem não degradar e pode ser

reciclado inúmeras vezes, sem perder suas características no processo de

aproveitamento, diferente de outros materiais, como as garrafas plásticas que,

quando recicladas, não podem ser utilizadas para guardar alimentos. Por isso, o seu

valor residual é muito alto. 75 latinhas de alumínio correspondem a 1 kg de alumínio

e são utilizados apenas 5% da energia que seria utilizada na produção, a partir do

alumínio primário. Reciclar alumínio tem o gasto de 1/10 dos custos da mineração e

32 Por índice de reciclagem entende-se o percentual representado entre o total de latas usadas na reciclagem e o total de latas fabricadas, no mesmo período. (CALDERONI, 1999)

142

refino do minério a partir da bauxita 33. Segundo a Alcoa do Brasil (2006), reciclar

uma lata de alumínio economiza a luz elétrica que daria para o funcionamento de

uma televisão durante três horas. Uma lata reciclada volta às prateleiras do

supermercado em 90 dias, mas Calderoni é ainda mais otimista afirmando que 42

dias é o ciclo completo entre consumo/reciclagem/consumo. Em 2004, segundo

dados da Compromisso Empresarial com a Reciclagem, associação sem fins

lucrativos dedicado à promoção de reciclagem, o Brasil reciclou 9 bilhões de latas de

alumínio, representando 121 toneladas (CEMPRE, 2006). Este dado representa que

95,7 % de produção de latas foram recicladas em 2004, números que superam

paises industrializados, como o Japão e Estados Unidos. Em 2004, os USA

recuperaram apenas 51% de suas latinhas. Uma lata de alumínio demora 100 anos

para degradar na natureza. (CEMPRE, 2006). Em termos de controle ambiental,

afirma Calderoni (1999), quem ganha com a reciclagem é a natureza, pois consegue

reduzir 97% de poluição da água, 95% da poluição do ar, quando comparada à

poluição que a matéria prima virgem produziria. Além do mais, a bauxita tem os seus

dias contados, com duração estimada em cerca de 50 a 100 anos no mundo. O que

se pode inferir com estes dados é que bilhões que estavam perdidos no lixo, podem

ser recuperados conseqüentes à economia obtida pela bauxita, como também pela

energia. Esta economia é feita sem nenhum esforço das prefeituras, pois os

catadores de latas de alumínio se, de um lado, estão limpando o planeta, o fazem

sem nenhuma consciência, por outro lado, o fazem, para tirar a sua subsistência,

com uma remuneração mensal de 300,00/mês segundo Calderoni (1999).

O vidro, semelhante ao alumínio, pode ser reciclado inúmeras vezes

sem sofrer degradação e perda de qualidade. 46% das embalagens de vidro são

recicladas no Brasil. Destes, 40% são oriundos das indústrias de envaze, 40% do

mercado difuso, 10% de bares, restaurantes e hotéis e 10% refugo da indústria.

Além de voltar a produção de embalagens, pode ser usado na composição de

asfalto para a pavimentação, construção de sistema de drenagem para enchentes,

produção de fibras de vidro, bijuterias e tintas reflexivas. Os vidros para reciclagem

não podem conter espelhos, lâmpadas, cristais, vidro usado em automóveis, por

terem composição química diferente e, se misturados, perdem a qualidade, podendo

33 Bauxita: é o minério de alumino responsável pela quase totalidade de produção de alumínio primário. (CALDERONI, 1999)

143

causar trincas nas embalagens. Os cacos não podem estar misturados com terra,

louças, pedras e cerâmicas, da mesma maneira, poderá haver a formação

microparticulas. Eles devem ser separados pela cor, para que não haja alterações

do padrão e de valor agregado ao produto. Os frascos de medicamentos podem ser

reciclados se medidas cautelosas forem tomadas, como serem coletados

separadamente, se não estiverem contaminados. (CEMPRE, 2006)

A reciclagem de papel é diferente da lata de alumínio e vidro. O

papel perde muito em suas propriedades ao ser reciclado. No Brasil, ainda não

existe a cultura do papel reciclado como nos paises adiantados, tais como os Estado

Unidos, onde mais da metade dos papéis de escritório é reciclada. No entanto , o

que há a ressaltar é que em muitos casos, o custo da fabricação de papel a partir do

papel reciclado é maior que a partir da celulose virgem. (CEMPRE, 2006).

A maior demanda (86%) de papel reciclado se origina das indústrias

e comércio. Em 2004, 33% do papel que circularam no Brasil foi advieram do papel

reciclável, em torno de duas mil toneladas. No Brasil, existem 22 tipos de aparas,

nome genérico dado ao resíduo de papel industrial ou doméstico. As aparas mais

nobres são aquelas que não têm impressão ou qualquer revestimento, as

denominadas "brancas de primeira". São consideradas aparas mistas aquelas

formadas pela mistura de vários tipos de papéis. (CEMPRE, 2006).

O lixo que advém do papel de escritório é formado por diversos tipos

de papéis, assim a coleta deve ser separada em categorias. O papel branco (de

computador) é o mais valioso. Com menor valor, são os papéis que contem

diferentes fibras e cores, os denominados mesclados, também coletados para

reciclagem. Os papéis vegetais, parafinados, carbono, plastificados e metalizados,

não são encaminhados para reciclagem, bem como papéis usados para fins

sanitários. (CEMPRE, 2006).

Nos Estados Unidos, em 2003, o papel de escritório constituía 3,3%

do lixo. O papel demora a degradar em aterros quando não há contato com ar e

água, mas, em local seco pode permanecer durante anos. Nos Estados Unidos,

foram encontrados em aterros, jornais da década de 50, ainda em condições de

serem lidos. (CEMPRE, 2006).

144

O papel ondulado, popularmente chamado de papelão, embora o

termo não seja tecnicamente correto, é usado basicamente em caixas para

transporte de produtos para fábricas, depósitos, escritórios e residências. Este

material tem uma camada intermediária de papel entre suas partes exteriores,

disposta em ondulações, na forma de uma sanfona. É classificado conforme sua

resistência e teor de mistura com outros tipos de papel em três categorias. No Brasil,

foram reciclados, em 2004 79% do volume total de papel ondulado. Nos EUA, a

recuperação de embalagens de Papelão Ondulado atingiu em 2003, 74%. O valor do

papel ondulado varia muito conforme a região e o preparo do material após a

separação do lixo. Em São Paulo, o papel e o papelão - incluindo o papel ondulado -

correspondem a 18.8% do lixo. Em São Paulo, o papel e papelão corresponderam a

11% do peso do lixo urbano em 2003. (CEMPRE, 2006).

O Plástico filme é uma película plástica normalmente usada como

sacos de lixo, sacolas de supermercados, embalagens de leite (exceto tetrapak),

lonas agrícolas (impermeáveis para proteção de grãos já colhidos, preservação de

umidade do solo, e estufas para culturas sensíveis) e proteção de alimentos que vão

ao microondas e geladeira. Os principais consumidores de plástico filme separado

do lixo são as empresas que fabricam artefatos plásticos com matéria prima

reciclável, como eletrodutos e sacos de lixo. No Brasil, o maior mercado é o da

reciclagem primária, em que não existe uma separação por tipo de resina.

Economizam-se até 50% de energia com o uso de plástico reciclado. (CEMPRE,

2006).

No Brasil, em media 16,5% dos plásticos rígidos e filme são

reciclados, o que equivale a cerca de 200 mil toneladas por ano. Na Europa, há anos

a taxa de reciclagem é de 22%, sendo que em alguns países, a prática é regulada

por legislações rigorosas diferentemente do Brasil, onde a reciclagem acontece de

forma espontânea. Ele é de difícil degradação nos aterros sanitários. Atualmente

esta sendo estudada sua substituição por plásticos biodegradáveis e

fotodegradáveis (que se degradam pela ação da luz). (CEMPRE, 2006).

O plástico rígido é a matéria-prima básica de diversos

produtos.Cerca de 77% das embalagens no Brasil são plásticas, tais como

recipientes para produtos de garrafas de refrigerantes, limpeza e higiene, potes de

145

alimentos, baldes, utensílios domésticos, fibras têxteis, tubos e conexões, calçados,

eletrodomésticos, além de outros produtos. O consumo brasileiro é em torno de 3,9

milhões de toneladas de plástico por ano. O plástico pode ser reprocessado,

gerando novos artefatos plásticos na produção de baldes, cabides, garrafas de água

sanitária, conduítes e acessórios para automóveis, além de gerar energia.

(CEMPRE, 2006).

De um total de plásticos rígidos e filme, 16,5% dos consumidos no

Brasil retornam à produção como matéria-prima, sendo que, destes, 60% advêm dos

resíduos industriais e 60% do lixo urbano. (CEMPRE, 2006).

Segundo dados recentes do Ministério do Desenvolvimento Social,

com base em 76 municípios, no Brasil, existem cerca de 1,8 milhões de pessoas que

vivem nas ruas do lixo. Cerca de 45.000 crianças, em todo o Brasil, trabalham na

catação de lixo, sendo que 30% delas se acham marginalizadas da escola

(PROGRAMA NACIONAL LIXO & CIDADANIA, 2005).

6.3 O problema do lixo em São Paulo

Dados da CESTEB (2005), em relação ao Estado de São Paulo, em

um estudo realizado entre 1997 e 2004, revela que, este é responsável pela geração

de 18.232 toneladas de lixo domiciliares por dia. Em 1997, 37,7%, eram dispostos

em aterros com condições inadequadas. Em 2004, apenas 8,3% se encontravam

nestas condições, o que demonstra uma melhora de 29,4%. Estes dados revelam

um investimento do governo estadual no que tange às questões do meio ambiente.

Mas, somente a cidade de São Paulo é responsável, em média, por 54,8% de

produção de resíduos sólidos (COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO

AMBIENTAL, 2005).

Segundo dados da LIMPURB (Departamento de Limpeza Pública),

na gestão da prefeita Marta Suplicy, o município de São Paulo produzia cerca de 13

a 15 mil toneladas de resíduos por dia, dez mil gerados nos domicílios que quase em

sua totalidade destinavam-se aos aterros sanitários de Bandeirantes e São João,

146

com previsão de vida útil limitada a 4 anos, grande parte jogada a céu aberto,

caracterizando uma ameaça à saúde pública, muitas vezes de forma irreversível

(PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, sd).

Segundo Dowbor (2001), os efeitos da infiltração de chorume, que

causam poluição do solo e dos lençóis freáticos subterrâneos e que terminam por

afetar a água, são incalculáveis. O lixão de Santo Amaro tem hoje mais de 35

milhões de toneladas acumuladas de lixo. Deste total, cerca de 4 a 5 mil poderiam

ser recicladas se a sociedade e os órgãos públicos estivessem organizados em

torno deste objetivo. Esta reciclagem de resíduos sólidos poderia representar para

as prefeituras uma economia da ordem de 5 a 12% do seu orçamento anual,

possibilitando o financiamento de iniciativas sociais importantes para a inclusão das

comunidades de baixa renda (MAGERA, 2003).

Somente 14% dos resíduos domésticos são destinados à usina de

compostagem de São Mateus e Vila Leopoldina. Os dados apontam 2.660

toneladas diárias passíveis de reciclagem. Não obstante, além da coleta regular

realizada pelo Poder Público, parte dos resíduos sólidos, é depositada em terrenos

baldios, córregos e nos rios Pinheiros e Tamanduateí, causando impactos no meio

ambiente e na saúde humana (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, sd).

Segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

(FIPE) (1998, apud PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, sd), existem

cerca de 8 mil pessoas morando nas ruas de São Paulo que sobrevivem

provavelmente de materiais recicláveis. Este trabalho é realizado em condições

indignas e é comum viverem sob os viadutos, pontes e terrenos baldios, catadores

misturados com o lixo. Geralmente, utilizam carrinhos de mão e carroças, chegando

a transportar de 150 a 200 quilos e, em algumas situações, até 400 quilos. Os

mesmos não pertencem a nenhuma cooperativa. Outros, mais organizados, utilizam

caminhões. Ao lado destes catadores, outro grupo se alia aos moradores de rua, os

sucateiros que constituem a forma intermediária do comércio do lixo e exploram os

catadores, pagando-lhes preços irrisórios, referentes aos materiais recolhidos.

Agravando ainda mais a situação, um número significativo de crianças integra este

quadro.

147

Uma prática de gestão ambiental consciente, além de contribuir com

a preservação do meio ambiente, gera importante contingente de empregos com

renda mensal/média em torno de R$ 350,00, oportunizando um processo

ocupacional às populações de baixa renda e ainda, quando organizada, retira deste

cenário as crianças dos chamados “lixões”.

6.4 Marcos conceituais

Os marcos conceituais, a seguir apresentados, são importantes para

a fundamentação das ações, intervenções e pesquisas que serão desenvolvidas no

contexto deste projeto/investigação visando à geração de novos conhecimentos.

Resíduos sólidos – A denominação de resíduos sólidos para o lixo

reciclável constitui a atual denominação do lixo não orgânico, considerado como

material inútil aquilo que se joga fora, posto em lugar público. São considerados

resíduos não orgânicos, em sua maior parte, aqueles constituídos de: embalagens

plásticas, metal (alumínio, ferro e cobre), vidro, papel, papelão, garrafas, e móveis

inutilizados, produzidos pelas unidades domésticas (casas ou apartamentos) e

comerciais. Nesta pesquisa, serão caracterizados por resíduos não orgânicos

aqueles originados no cotidiano do bairro Real Parque. São materiais que, após

sofrerem um processo de separação e categorização, podem ser comercializados ou

submetidos a processos artesanais, adquirindo uma reconfiguração, como por

exemplo, na reutilização de móveis descartados.

Reciclagem – É um processo por meio do qual qualquer material ou

produto que tenha sido utilizado em seu propósito inicial é descartado, jogado fora, e

passa a ser reintroduzido no mercado, transformado em um novo produto, seja igual

ou semelhante ao anterior, ou assumindo novas características distintas das iniciais,

criando um novo valor de troca (DUSTON, 1993, apud MAGERA, 2003) e gerando

empregos e renda.

Catadores e catadoras – são considerados aqueles que fazem

catação nas ruas, atuando de forma isolada, desprezados pela sociedade e

148

considerados como pessoas mendigas. Dentro do Programa de Coleta Seletiva

Solidária de Lixo são entendidos “como parte de um coletivo cuja atuação tem sido

fundamental na limpeza pública urbana, e na viabilização do processo de reciclagem

como alternativa de minimização do desemprego” (PREFEITURA DO MUNICÍPIO

DE SÃO PAULO, sd, p.10).

Educação ambiental – uma prática pedagógica não de transmissão

de conhecimentos, mas para a utilização dos recursos naturais de forma racional em

que há a participação dos cidadãos nas discussões e decisões do meio ambiente.

A consciência ambiental se dá através da educação ambiental (REIGOTA, 1998).

Qualidade de vida – desde 1940, quando o desempenho da

economia passou a ser avaliado de forma sistematizada, objetivava-se o

crescimento econômico, buscando o desenvolvimento do fluxo de bens e serviços

comercializados. No decorrer destes últimos sessenta anos, relatórios e estudos de

campo realizados por sociólogos, economistas, psicólogos e outros profissionais,

analisaram, pesquisaram e discutiram diferentes aspectos do bem-estar e da

qualidade de vida nos cenários local, regional e mundial (SEN, 2001).

Chegou-se à conclusão de que os indicadores de qualidade de vida

devem contemplar tanto as medidas de aspectos objetivos como subjetivos, ambas

representando dimensões complementares acerca da satisfação das necessidades

no contexto sócio-econômico e no contexto cultural em que as pessoas se inserem.

O desenvolvimento econômico tem de estar relacionado principalmente com a

melhoria da vida que as pessoas percebem e das liberdades que desfrutam, afirma

Sen (2001). A qualidade de vida, neste projeto, refere-se à percepção sobre os

benefícios da inserção das pessoas desempregadas no mercado produtivo e à

geração de renda, capaz de proporcionar satisfação das necessidades consideradas

básicas pelos cooperativados.

6.5 As cooperativas de lixo

149

Conforme já descrito, a alternativa das cooperativas baseadas na

filosofia de Owen, não é uma experiência recente. As cooperativas de lixo aparecem

também como uma opção para as pessoas que se encontram fora do mercado de

trabalho, e sem escolaridade, principalmente nas grandes cidades, face aos efeitos

perversos da globalização neoliberal e do capitalismo. É comum gravar na memória

a imagem de pessoas vasculhando os sacos de lixo em busca de material reciclável

para vender. Tem sido uma das alternativas utilizadas face às condições de

desemprego, que imperam principalmente no hemisfério sul. Pode-se visualizar

experiências concretas dessa alternativa com habitantes de favelas no Brasil,

coletores das cidades indianas e recicladores da Colômbia. De uma maneira geral,

especialmente na América Latina esta experiência vem se centrando em âmbito

local.

Segundo Crúzio (2001), a cooperativa de reciclagem de lixo é uma

sociedade coletiva e democrática informal de catadores que se organizam para

obterem maior força no poder de negociação. É uma implantação de cunho

socialista que tem características próprias: adesão voluntária, com número limitado

de associados; deliberação por assembléias; neutralidade de discriminação racial,

religiosa, gênero e cor; independência e autonomia de seus associados que

obedecem a diretrizes gerais de seus estatutos; objetivo comum; autogestão;

liberdade de associação e não associação; variabilidade do capital social

representado por quotas-parte. Pelas suas características, exige posturas

individuais e em grupo, organização do trabalho e encaminhamento de conflitos no

ambiente de trabalho.

Em 1990, em Bogotá, existiam 94 cooperativas das quais 88 faziam

parte da Associação Nacional de Recicladores (ANR). Algumas cooperativas

fizeram avanços econômicos e prosperaram, não só executaram serviço de limpeza

como também de reciclagem do lixo domiciliário, industrial, transformação do

material reciclável, além de comercializarem-no nas cooperativas de vendas.

(RODRIGUÉZ, 2002).

Mas, a organização de catadores de lixo em cooperativas ainda é

incipiente no Brasil. O que mais preocupa é que esta fatia da população não se

encontra regularizada, na forma de associações ou cooperativas, o que a torna

150

vulnerável às ondas das políticas de resíduos sólidos. O grande avanço é a Política

Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que vem realizando discussões e trabalhos e

deveria ter apresentado até o final de 2005, na câmara dos deputados, uma lei que a

regulamentasse. Todas as prefeituras, cuja população for superior a 100 mil

habitantes, deverão, num prazo máximo de dois anos, implantar um sistema próprio

de coleta seletiva (FROES, 2005).

Para vários estudiosos, a grande preocupação é a privatização deste

serviço para empresas que viabilizem, com certa tecnologia, a coleta “verticalizada”,

a fim de baratear seus produtos. Isto afetará todos os coletores de lixo que

provavelmente não serão aproveitados neste trabalho, como ocorreu na experiência

da Colômbia /Bogotá. Ao invés da inclusão total ,serão re-excluídos.

Sendo a reciclagem dos resíduos sólidos importante para a ecologia,

para a manutenção das condições sanitárias locais e regionais, para a micro-

economia (geração de renda para os excluídos e aproveitamento do material

reciclado), para a macroeconomia, além de outros benefícios, pensou-se em adotar

uma “gestão profissional” deste negócio, utilizando recursos tecnológicos,

estruturais, cognitivos, organizacionais e sociais disponíveis no cenário local e

regional.

6.6 A formação do núcleo de cooperados do Real Parque

Tal qual descreve Henríquez a respeito do catador da Colômbia, o

catador do bairro do Real Parque não difere muito em seu perfil. Encontra-se na

faixa etária de 20 a 50 anos, geralmente são homens, mas também há mulheres,

velhos e inclusive crianças. (Fotos 9 e 10 em anexo). A maioria não completou o

ensino fundamental. Exercem três tipos de atividades diferentes: primeiramente, os

catadores de ruas que, com carrinhos de mão, recolhem o material reciclável dos

sacos de lixo e dos contêineres, com uma jornada de oito horas de trabalho; na

segunda modalidade, estão aqueles que perambulam pelos arredores do bairro,

como na Rua Carlos Berrini, e nas dos bairros próximos, como o do Brooklin, nas

feiras livres, escritórios ou em residências; em terceiro, aqueles que terceirizam os

151

serviços, pagando quantias irrisórias para crianças e mulheres que coletam o lixo em

carroças. Este grupo geralmente possui caminhões ou peruas e trabalham também

com ferro velho.

A imagem que se tem do catador é de alguém perigoso, indigente,

alguém também “descartável”. Apesar do baixo rendimento e condições de trabalho,

não se trata de uma ocupação temporária. A permanência no trabalho se deve às

poucas oportunidades no emprego formal, à independência e à liberdade de

trabalhar por conta própria. Isto, sem dúvida, contribui para um comportamento

individualista e concorrencial que dificulta a organização dos catadores em

cooperativas, exigindo-lhes mudanças de valores e sentimentos de solidariedade e

colaboração.

A partir de setembro de 2001, foi apresentada pelos Serviços e

Obras da Prefeitura de São Paulo, a proposta do programa de Coleta Seletiva

Solidária, comprometida com o problema de resíduos sólidos da cidade, que veio a

coincidir com o desejo da população do Real Parque, fruto das discussões que

ocorriam já há alguns meses. A população do Real Parque se encontrava em

consonância com a proposta da OPAS que defendia a atenção primária ambiental

(APA), basicamente preventiva e participativa, em nível local, com a colaboração dos

indivíduos e das comunidades.

A proposta da Coleta Seletiva Solidária da prefeitura de São Paulo

tinha como pressuposto básico a inclusão social de pessoas desempregadas e a

minimização dos problemas sociais, fruto de várias discussões da problemática com

a sociedade civil em fóruns, seminários, reuniões e outros eventos. 180 instituições

participaram do conjunto de fóruns, entre elas, associações e cooperativas de

catadores e demais entidades comunitárias. Os catadores atuam na cidade de São

Paulo há mais de 50 anos, época que fundaram a Cooperativa dos Catadores

Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Recicláveis (COOPMARE), a primeira

cooperativa de catadores de lixo do Brasil. Organizada para atuar com os catadores

de materiais recicláveis, contou com o apoio da gestão de Luiza Erundina, durante o

período de 1989 a 1992. Vem obtendo resultados relevantes, contando,

recentemente, com o apoio do presidente Lula e do ministro do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias, em 23 de dezembro de 2005, que

152

assinou um novo convênio, após apresentar os resultados obtidos do convênio

anterior. O convênio anterior possibilitou a inauguração de 36 centros de

treinamento e referência, a realização de 16 congressos, 12 encontros de lideranças

e a habilitação de 1.350 catadores.

Com o acirramento da crise econômica e o aumento do

desemprego, o número de catadores cresceu na cidade de São Paulo, o que

coincidiu com uma série de debates em âmbito mundial sobre os problemas

ecológicos causados pelo lixo, desencadeando uma série de discussões a respeito

da economia sustentável.

Em março de 2000, foi instituído o Fórum Recicla São Paulo,

formado pela união de várias experiências de coletas seletivas de lixo comunitárias,

cooperativas associativas e de pessoas autônomas da Grande São Paulo, visando à

troca de experiências entre as pessoas que trabalham nestes projetos e à busca de

novas formas de trabalho conjunto que possibilitassem uma melhoria na qualidade

de vida e na qualidade do trabalho da população de baixa renda envolvida nesta

atividade. Reuniu mais de 1.200 pessoas e 70 grupos de todas as regiões da cidade

(zonas leste, sul, oeste, norte e centro), com o objetivo de trocar experiências e

construir uma rede articulada de coletores. A partir deste fórum, foi produzida a

“Carta de Princípios” (apêndice I), que norteava a organização daqueles grupos.

Estes fóruns realizavam assembléias mensais, com a participação de todas as

regiões. Em junho de 2000, foi criado um Comitê Metropolitano de Catadores, cuja

meta era a mobilização e organização local para o 1.º Congresso Nacional de

Catadores de Materiais Reaproveitáveis em junho de 2001, em Brasília e durou três

dias, contando com a participação de 1.600 trabalhadores de dezessete estados do

país, que elaboraram propostas para a criação do catador como categoria

profissional e da sua inclusão na Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Outras propostas foram discutidas, tais como a integração de todos

os municípios e Estados no sistema de coleta seletiva e a formação de empresas

sociais de reciclagem (ver apêndice II), Carta de Brasília, sobre o Encontro Nacional

de Catadores. Cabe salientar que foi a região leste, no ano 2000, com a realização

do seminário – “Coleta Seletiva: Zona Leste Faz” que impulsionou a realização

posterior deste trabalho.

153

A idéia de coleta seletiva solidária, no Real Parque, surgiu ancorada

no Fórum do Recicla São Paulo e a partir de discussões, já relatadas, nas quais se

utilizaram o Método da Roda e o diagnóstico participativo. O início das discussões

sobre o lixo das favelas Real Parque e Panorama surgiu principalmente devido à

insatisfação da comunidade com o seu acúmulo em terrenos baldios; a

irregularidade da coleta feita pela prefeitura; a insuficiência de números de

caçambas e sua má distribuição nas imediações dos prédios do Cingapura que

culminou numa população grande de ratos e baratas, colocando em risco a saúde

da comunidade, expondo-a a várias doenças como leptospirose e outras,

principalmente, a epidemia da dengue que chegava à cidade de São Paulo, em

2000. A chegada da dengue em São Paulo assustou a população que, até então,

vivia de uma certa maneira acomodada com o problema. Como é de conhecimento

geral, latas, garrafas, pneus e outros permitem o acúmulo de água são

extraordinários criadouros do mosquito Aedes aegypi, transmissor da dengue e da

febre amarela. A existência de vielas estreitas e íngremes dificulta os serviços de

limpeza e coleta nas favelas, sendo excelente criadouro para vários outros vetores.

A partir de reuniões iniciadas em fevereiro de 2002, foi traçado um

diagnóstico participativo que culminou na necessidade e desejo da população do

Real Parque quanto à formação de uma cooperativa de lixo a partir da coleta

seletiva de resíduos sólidos, o que veio coincidir com o propósito da autora no

sentido de fazer algo por aquela gente, não somente em prol de sua saúde, mas

também pela sua inclusão.

A idéia era de que, além dos resultados quantitativos relacionados

ao aproveitamento dos materiais coletados, se destacasse a articulação das

pessoas em nível local, gerando um movimento de construção de um novo tecido

social, constituído por sujeitos que, além de articular segmentos diversos em torno

de um trabalho coletivo organizado, voltado para a preservação ambiental dos

espaços do viver saudável, estaria exercitando os seus direitos e deveres de

cidadão, o que permitiria ao sujeito, a partir dessa prática social, nas palavras de

Manzini-Covre (1996, p.113) “sair de um sujeito provisório para vir a compor um

sujeito – em – constituição”.

154

Por outro lado, pensou-se na importância dos processos de

formação e capacitação dos operadores do lixo reciclável e na sua influência sobre

as condições ambientais locais, acrescentando-lhes oportunidades surgidas de

experiências inovadoras dos processos de ensino, pesquisa e extensão e que

poderiam ser incorporadas por instituições de ensino envolvidas com o bairro. No

entanto, esta segunda idéia não germinou, devido ao projeto ter sido encaminhado

ao Banco Mundial, mas não foi contemplado, ocasionando a sua inviabilidade por

falta de condições econômicas.

Diante desta limitação inicial, foi realizada uma articulação com a

Coordenadoria de Saúde do Butantã/Prefeitura Municipal de São Paulo e as

Associações de Moradores da área, além de outros parceiros que, incorporados

nesta trajetória, demonstraram a viabilidade do Projeto em termos operacionais e as

possibilidades de gerar um importante impacto social.

Para começar um projeto desta envergadura, percebe-se que à

medida que os acontecimentos se sucedem as cortinas do cenário vão se abrindo,

as idéias clareando, tanto para os envolvidos como para aquele que os assiste,

neste caso, o pesquisador. Houve a necessidade do grupo envolvido ensaiar a peça,

para depois entrar em cena. Desta maneira, várias reuniões ocorreram antes da

implantação do projeto para maior compreensão do assunto.

Inicialmente, há de se destacar o envolvimento de alguns membros

da comunidade, inclusive de alguns empresários que perceberam a oportunidade de

minimizar o aumento da violência no bairro, principalmente em relação a assaltos e

seqüestros - relâmpago. Estes, então, interessaram-se pela implementação do

projeto e o iniciaram através de sua participação nas reuniões. De uma maneira

geral, os moradores ficaram entusiasmados com a idéia e o primeiro passo foi

procurar um terreno para a instalação do projeto e colocá-lo no papel.

A primeira iniciativa a tomar foi convidar um técnico da Secretária de

Serviços de Obras da Prefeitura Municipal de São Paulo, envolvido com o Programa

da Coleta Seletiva, para falar às pessoas interessadas como funcionaria este

programa. Na reunião do dia 7/08/2002, contou-se com a presença de uma técnica

que explanou o Programa de Coleta Seletiva Solidária e a responsabilidade cidadã,

os tipos de lixo existentes: o doméstico, das vias públicas, feiras livres, industrial,

155

construção e dos serviços de saúde; os perigos de se queimarem móveis e

colchões; os prejuízos que causam os lixos depositados nas margens dos rios e

suas conseqüências na proliferação de vetores; diferenças entre aterro e lixão;

esclarecendo:

Cada pessoa produz cerca de 1.200Kg de lixo por dia. O custo que a prefeitura de São Paulo tem com o lixo é cerca de R$ 1.300 milhões de reais por dia, verba suficiente para a construção de uma escola. Para ajudar o meio ambiente devemos utilizar o cinco “Rs”: Reduzir: evitar a geração do lixo; Reutilizar: reaproveitar: tudo o que puder; Reciclar: coleta seletiva; Responsabilidade: com o meio ambiente; Respeitar: o coletivo. (Técnica da Secretaria de Serviços de Obras da Prefeitura Municipal de São Paulo, 2002).

Participaram da reunião 16 pessoas. Todas bastante atentas à

explicação, fizeram perguntas e esclareceram dúvidas. No seu final, foi sugerido,

por um dos presentes, convidar o grupo da incubadora da USP para talvez assumir

este projeto embrionário e, assim, fazer possível visita ao Projeto Vira-Lata, o que

ocorreu no sábado seguinte, com oito dos participantes.

Na reunião seguinte, dois universitários da incubadora da USP,

Robson e Marilia34 compareceram à reunião. O papel da incubadora é de “orientar

sobre todas as etapas e passos a serem seguidos”, comentou um deles. Assim,

demonstrou-se a importância da união, da iniciativa, da decisão de todos e

recomendou-se:

Começar o mais rápido possível, e paulatinamente, não precisa começar com muitas pessoas e muitos prédios. Primeiro fechar com o prédio próximo do terreno e procurar saber qual o material a ser visado. Pesquisar o material para que possa vender, venda casada, juntar com outro projeto e vender o material em conjunto que pode ser mais rentável. (Roberto, 2002).

Tanto Robson quanto Marilia colocaram-se à disposição para

possíveis esclarecimentos, mas enfatizaram que, sem o convênio com a prefeitura,

ficaria difícil assumirem o projeto como um compromisso formal. Também foi

salientada a importância de um trabalho com os moradores dos prédios.

Na reunião do dia 14/10/2002, outros dois universitários, Silmara e

Flávio, do grupo de Ensino e Pesquisa e Extensão Multidisciplinar, que trabalhavam

com o Projeto das incubadoras da USP, compareceram à reunião, colocando-se à

34 Os nomes foram trocados para manter o anonimato.

156

disposição. Esclareceram mais uma vez o papel da incubadora, “que é de orientar e

ajudar na formação das cooperativas”. Convidaram os presentes para a participação

no Fórum Lixo e Cidadania, promovido pelo Instituto Polis, e destacaram a sua

importância. Incentivaram o grupo para a formação da cooperativa, ressaltando a

“qualidade” do lixo do bairro como um lixo caro, rico. Comprometeram-se a fazer um

relatório e levá-lo para outros membros do grupo a fim de que discutissem a

viabilidade de serem incluídos, ou não, no projeto das incubadoras.

Enquanto transcorriam as reuniões para esclarecimento do assunto,

todos estavam em busca de um terreno que oferecesse condições para a

implantação do programa. Cabe salientar que as reuniões contavam com a

participação de alguns empresários e outros moradores do bairro, da classe alta

sensibilizados com a situação de “exclusão”.

Após diversas buscas, algumas possibilidades de local foram

levantadas. Um empresário, dono de um desses terrenos, foi contatado. Foi cedido

por dois anos em comodato um terreno de 2.455m² para a implementação do Projeto

batizado de ReciclaReal. O contrato do terreno foi assinado em 7/10/2002. Nas

cláusulas do contrato constava a obrigatoriedade do pagamento do IPTU do terreno

que era alta, em torno de R$ 350,00 reais mensais. Isto assustou bastante o grupo,

tendo em vista a possibilidade de o projeto não conseguir arcar com esta quantia.

Assinou-se o contrato com a esperança de conseguir a isenção deste imposto, já

que se tratava de um projeto social de ação solidária, coordenado pela própria

prefeitura de São Paulo. Foi marcada reunião com o subprefeito da época e com o

engenheiro da Secretaria de Serviços e Obras que ficou responsável de contactuar

diretamente a prefeita Marta Suplicy e efetuar esta negociação. O terreno estava

bastante sujo e com muito mato (Foto 11 em anexo) e tinha outro agravante: o

esgoto que corria a céu aberto, procedente dos barracos acima e do comércio da

Rua Conde de Itaguaí.

Na reunião do dia 16/10/2002, o grupo achou que deveria chamar o

subprefeito da Regional do Butantã para conhecer o terreno da reciclagem e solicitar

ajuda quanto à sua limpeza e reforçar a solicitação da isenção de pagamento do

IPTU, marcada para o dia 18/10 às 11h. Uma comissão composta de dez pessoas

do projeto deveria acompanhar a visita. Também nesta reunião foi sugerida a idéia

157

de se fazer uma feijoada para arrecadar dinheiro para a compra de um carro para a

coleta seletiva.

Por ocasião da visita, acresceram outras demandas de solicitação

ao subprefeito: a canalização do esgoto do terreno e uma máquina para limpeza do

terreno. No entanto, embora houvesse inúmeras reivindicações, foi alegado a não

possibilidade da intervenção do Poder Público de canalizar o esgoto, por se tratar de

um terreno particular e a situação continuou na mesma. A limpeza foi feita por um

participante do ReciclaReal (Foto 11) e, quanto ao esgoto, conversou-se

individualmente com cada morador e donos do comércio, para o seu desvio em

direção ao esgoto central. Os comerciantes atenderam ao pedido e os moradores

dos barracos, alguns deles até tomaram providências. Outros, infelizmente, nada

fizeram.

Ocorreu a visita de representantes de vários projetos de reciclagem,

dentre eles o do “Reciclázaro” e do projeto “Vira Lata”, quando foram enfatizados os

benefícios da reutilização do lixo que, além da educação ambiental, acresciam-se a

geração de renda. Foi também ressaltado pelos representantes desses projetos o

conceito primordial para que qualquer projeto fosse viabilizado: a união e as cinco

palavras-chaves da educação ambiental: recusar; repensar; reduzir; reutilizar e

reciclar.

Foi realizado um curso de 40 horas a respeito da coleta seletiva

sobre resíduos sólidos com o apoio da CIT, (Centro Integrado do Trabalhador) e do

FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) que teve início no dia 18/11/2002, das 14h

às 17h, na sede do Centro de Saúde Real Parque. Este curso foi ministrado pelo

presidente do projeto Vira Lata e os participantes, receberam uma ajuda de custo

diária, de R$ 3,80 reais para alimentação. Toda a comunidade do bairro Real

Parque foi convidada e participaram cerca de 30 interessados. Foi solicitado a todos

os inscritos que recolhessem por uma semana papéis de todos os tipos (jornais,

revistas), plástico, alumínio e vidro para servir de apoio no primeiro dia de aula.

Ajudaria a “explicar os valores e destinos dados a estes materiais e a agressão

causada à natureza, cada vez que não reciclamos”, disse Wilson. Também foi feita

pelos interessados uma visita à Central da Vila Leopoldina, no dia 20/11/2002, para

que conhecessem o seu funcionamento. Todos os interessados no início do projeto

158

foram capacitados; no entanto, percebeu-se que existia a necessidade de que esta

capacitação fosse repetida de tempos em tempos, devido à rotatividade dos

membros. Nesta questão, percebe-se que são necessárias não somente ações

educativas quanto à coleta seletiva, (separação do lixo seco e úmido), os princípios

da cooperativa, mas também o despertar do trabalho em grupo. É preciso capacitar

os coletores sobre a importância de ter uma equipe forte e coesa. As pessoas

entram e saem do projeto devido a atritos de relacionamento e por terem a ilusão de

que trabalhando sozinhos irão ganhar mais.

Em 9/12/2002, foi escolhido um dos catadores que participavam do

projeto para participar do Fórum Latino-americano, que seria realizado em

Florianópolis no dia 22/01/2003 e São Paulo tinha direito a 92 vagas. A região

oeste, à qual pertencia o ReciclaReal, dispunha de seis vagas, uma vaga do

ReciclaReal. Haveria um pacote com passagem, hospedagem e alimentação, mais

uma ajuda de custo de 100,00 reais. Foi feita uma coleta entre os participantes e

arrecadou-se mais uma quantia de R$ 124,50 para as despesas.

A partir destes contatos, o embrião do núcleo de coleta seletiva já

estava formado, batizado com o nome de ReciclaReal. Já se iniciava de maneira

rudimentar a coleta seletiva com carroças. Os catadores do bairro foram convidados

a participar das discussões e do grupo. O grupo do ReciclaReal, que contava com

vinte pessoas, entre catadores, interessados e apoiadores, foi convidado para

participar do programa de Coleta Seletiva Solidária de São Paulo, aderindo a uma

das quatorze centrais de triagem que seriam criadas pela prefeitura. O bairro Real

Parque geograficamente estaria ligado à central da Vila Leopoldina, juntamente com

os demais grupos de catadores de coleta seletiva da zona oeste da cidade de São

Paulo. Para a operacionalização na central da Vila Leopoldina, foi constituída a

“cooperativa-mãe” em que participariam todos os grupos que já atuavam de forma

organizada na coleta seletiva desta área da cidade. O Real Parque contribuiu

inicialmente com três pessoas para a constituição da cooperativa, denominada

CooperAção, junto à Central da Vila Leopoldina, responsável pela

operacionalização: recebimento do material, armazenamento, compactação,

pesagem e comercialização da produção advinda dos núcleos do município de São

Paulo. Para tal, foi celebrado um convênio, instrumento que deu legalidade junto a

Secretaria de Serviços e Obras (LIMPURB). O objetivo era obter grandes volumes

159

de resíduo sólidos, o que permitiria a negociação direta com os recicladores

(indústria) evitando-se, desta forma, intermediários e exploração dos catadores,

obtendo, conseqüentemente, melhores preços. A figura, a seguir, ilustra a rede de

coleta.

160

FIGURA 1 – REDE DA COLETA SELETIVA SOLIDÁRIA

Fonte: Secretaria Municipal de Serviços e Obras (modelo adaptado pela autora)

INSTRUMENTO LEGAL: CONVÊNIO COOPERATIVA X SECRETÁRIA DE SERVIÇOS E

OBRAS – LIMPURB

SECRETARIA DE SERVIÇOS E OBRAS • INFRA-ESTRUTURA • EQUIPAMENTOS • TRANSPORTE • APOIO LOGÍSTICO PARA COLETA

FORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E INCUBAÇÃO SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E SOLIDARIEDADE * INSTITUIÇÃO CONTRATADA PELA SECRETARIA * PARTICIPAÇÃO DOS JOVENS BOLSISTAS DO PROGRAMA BOLSA TRABALHO-EDUCAÇÃO AMBIENTAL

COOPERATIVA: TODOS PARTICIPAM DA

COOPERATIVA; TODOS PARTICIPAM DA

FORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E INCUBAÇÃO

FORTALECIMENTO DE NÚCLEOS DE COLETA COM EQUIPAMENTOS:

PRENSA E BALANÇA EM ÁREA PÚBLICA

NÚCLEO GRUPOS

GRUPOS

NÚCLEO REAL PARQUE

CENTRAL DE TRIAGEM: COOPERAÇÃO

ARMAZENAMENTO, BENEFICIAMENTO E COMERCIALIZAÇÃO

COMERCIALIZAÇÃO

PARCERIA COM AS EMPRESAS RECICLADORAS

161

O ReciclaReal iniciou com três participantes, depois sete e em

alguns momentos o número chegou a ser de dezesseis participantes, dez mulheres

e seis homens, sendo que um deles era o motorista.

A idéia inicial foi sensibilizar os zeladores dos prédios de alto padrão

e os do Cingapura para o problema ambiental e a separação domiciliária, porque era

claro que a integração de todos os atores sociais no projeto seria fundamental,

seguida da dos técnicos e dos representantes do sistema municipal da região para

assegurar a sustentabilidade do projeto. Também era a intenção do projeto o

envolvimento de todos os atores sociais da indústria, do comércio, pequenas

empresas e escolas da região.

Foi feito um folder e distribuído aos prédios (Anexos B1, B2 e B3),

mas como não se contava com recursos econômicos, foi feito em pequena

quantidade. Em alguns prédios foram realizadas reuniões com os síndicos. Cada

prédio deveria ter dois tipos de tambores de plásticos de 60 litros: um para os

recicláveis e outro para o lixo molhado. Seriam recolhidos duas vezes por semana.

Os prédios não foram escolhidos, mas eles próprios foram definindo sua

participação. Com a adesão de 18 deles, chegou-se, em alguns momentos, a ter

uma quantidade de resíduos capaz de contemplar a cada um dos oito participantes

com o valor de R$550, 00 reais. Foi feito um convite por escrito aos zeladores dos

prédios de alto padrão e prédios Cingapura para discussão da coleta seletiva. Nesta

reunião, compareceram três zeladores dos prédios de alto padrão e oito dos prédios

do Cingapura. Foi passado um filme sobre o lixo, sobre a dengue e discutidas as

suas conseqüências deletérias à saúde da comunidade. Contou-se como facilitador

do processo, o responsável pelo “Setor de Zoonoses”, da Prefeitura Municipal de

São Paulo.

O projeto chegou a sustentar dezesseis famílias que estavam

desempregadas e sessenta crianças. Também foi pago o IPTU do terreno pelos

participantes do núcleo até o início de 2005 quando, com a mudança do prefeito do

município, o projeto perdeu sua continuidade devido a inúmeras dificuldades (não se

conseguiu a isenção do IPTU, embora se tenha tentado junto à prefeita de São

Paulo. De acordo com advogados da região, esta não tinha constitucionalmente

condições de isentar este imposto).

162

O projeto esteve em funcionamento por cerca de três anos, de 2002

até o final de 2005, em condições precárias de instalações. Muitas dificuldades

foram encontradas e serão alvo de um próximo capítulo. Apesar de se tentar a

obtenção de recursos à agência de fomento e empresas particulares para a

construção do galpão no terreno (cedido em comodato por dois anos) e compra dos

equipamentos necessários para o projeto, como: prensas; balança; caminhão para o

transporte do lixo, isto não foi conseguido devido ao terreno não ser público. Existia

uma fila de espera de mais ou menos vinte pessoas para entrar no projeto,

aguardando a adesão de maior número de prédios.

A coleta era feita duas vezes por semana, no início com carroças

(Foto 12 em anexo) e posteriormente com uma Caravan velha, com mais de 20 anos

de uso, adaptada como caminhonete, através de cortes em sua lataria (Fotos 13 e

14 em anexo ). Após um ano e meio de funcionamento, foi adquirida uma

caminhonete C10, ano 1974, com a ajuda da população e da Associação Amigos do

Real Parque, o que demonstra que uma boa parcela da população estava envolvida

com o projeto.

O núcleo foi liderado todo este tempo por uma mulher (Maria) que

possui até a 7.a série do ensino fundamental e voltou a estudar em 2004. Os demais

não possuem o ensino fundamental.

Quase todo o material era levado à Vila Leopoldina pelo caminhão

da prefeitura, uma vez por semana, onde era prensado, fardado e vendido. Havia

algumas dificuldades em vencer os atravessadores e vender para as grandes

empresas. O Tetrapack, o vidro e as sacolas de plástico eram enviadas à Vila

Leopoldina para que houvesse melhor negociação.

163

VII. OS COLETORES DE LIXO DO RECICLAREAL: UMA CIDADANIA

EM CONSTITUIÇÃO

Neste capitulo, são apresentadas as entrevistas feitas com os

sujeitos, após quase dois anos de funcionamento do projeto, para captar o social e o

subjetivo através das suas falas em situação social concretamente vivenciada em

uma cooperativa. A literatura aponta para a economia solidária como uma

alternativa de economia, capaz de recuperar a dignidade e os direitos humanos e

intervir na correlação de forças na economia globalizada e flexibilizada, já discutidos

na introdução. Permite, portanto, equilibrar as forças nos dois sentidos: de um lado,

a economia capitalista; e de outro, os excluídos do mercado de trabalho, não no

sentido de lhes igualar, mas de conduzi-los à uma condição de vida mais digna e

intervir na conquista de cidadania.

Volta-se agora à pergunta inicial:

É possível a construção da cidadania para o exercício dos direitos

sociais básicas de alimentação, moradia a partir da construção de uma cooperativa?

É possível um outro tipo de organização socioeconômica onde haja cooperação em

lugar da concorrência, valendo-se sim da limitação, porém sem a eliminação? Que

tipo de trabalho alternativo poderia ser pensado para estes moradores da favela que

não exija qualificação profissional e permita a inclusão desse grupo que se encontra

em desemprego oculto pelo desalento?

7.1 A cidadania na visão dos recicladores de lixo do ReciclaReal

Neste momento, a pesquisa-ação se volta para “os sentidos de

cidadania” sob a ótica dos recicladores de lixo do ReciclaReal, a partir da análise

das entrevistas realizadas.

164

Mediante os depoimentos dos entrevistados, tentar-se-á mostrar

como se dão as relações sociais para a conquista dos direitos de cidadania. Antes,

porém, uma apresentação dos sujeitos da presente pesquisa.

Na verdade, esta pesquisa foi realizada com oito cooperativados,

cinco do sexo feminino e três do sexo masculino, moradores do bairro Real Parque

que trabalhavam no grupo do ReciclaReal (quatro deles) e na CooperAção, na Vila

Leopoldina (quatro deles). Como já foi explanado anteriormente, o ReciclaReal foi

apenas um “Núcleo de Cooperativa”, que funcionou no bairro Real Parque ligado à

Cooperativa da Vila Leopoldina, uma espécie de “Cooperativa Mãe” onde era

alojado o apoio logístico e maior infra-estrutura.

Por ocasião das entrevistas, havia oito pessoas trabalhando no

núcleo do Real Parque. Para captar a diversidade das significações, foram

entrevistados quatro que trabalhavam no núcleo ReciclaReal, e mais quatro,

pertencentes ao núcleo ReciclaReal mas que trabalhavam na Cooperativa da Vila

Leopoldina: CooperAção. Em assembléia da CooperAção, havia sido decidido que

cada núcleo deveria participar com cinco de seus membros na CooperAção. O Real

Parque contribuiria com quatro, devido à distância e dificuldades de condução para o

local. 35

7.2 Um breve perfil dos sujeitos

Os sujeitos desta pesquisa foram os coletores de lixo do bairro Real

Parque que tiveram o desejo de construção de um trabalho coletivo organizado para

a economia solidária e a preservação ambiental, sob a forma de cooperativa. Foram

eles os entrevistados, respeitando os princípios de anonimato, da participação

consentida e esclarecida. Eram alguns recém-chegados à capital e outros que já

moravam em São Paulo há alguns anos.

35 O trajeto do Real Parque até a Vila Leopoldina demorava em média duas horas. 30 minutos do Real Parque, caminhando até a estação de trem Morumbi. Neste local, tomava-se o trem e descia na estação Presidente Altino. Fazia-se a baldeação com destino à estação da Vila Leopoldina. Caminhava-se cerca de 40 minutos a pé até ao local de destino.

165

Os oito cooperados foram escolhidos aleatoriamente, ou seja, a

aqueles que se encontravam presentes no terreno do ReciclaReal ou na

CooperAção no momento da entrevista.

7.2.1 Cooperados que trabalhavam no núcleo ReciclaReal:

• Maria: natural de Pernambuco, 35 anos, amasiada, estudou até a 7.a série do

ensino fundamental, branca, desempregada há três anos. Antes, era

cozinheira. Tem uma filha.

• Tiago: natural de Pernambuco, 22 anos, amasiado, analfabeto, negro,

desempregado há três anos. Trabalhava antes como jardineiro. Tem um filho

dependente de drogas consideradas ilícitas.

• José: natural de Pernambuco, casado, 34 anos, amasiado, analfabeto, negro,

desempregado há dois anos. Antes, lavador de caminhão. Não informou o

número de filhos.

• Madalena: natural da Bahia, 38 anos, amasiada, analfabeta, negra, sete anos

desempregada. Seis filhos. Faxineira. Moradora do alojamento do Real

Parque. Perdeu tudo no incêndio da favela.

7.2.2 Cooperados que trabalhavam na CooperAção:

• Fátima: natural do Paraná, 32 anos, separada, estudou até a 6.a série do

ensino fundamental, branca, desempregada. Antes, faxineira. Tinha uma filha

que faleceu de HIV.

• Paulo: natural de Pernambuco, 30 anos, solteiro, analfabeto, branco,

desempregado há dois anos. Antes, ajudante de cozinha. Mora em São

Paulo há seis anos.

• Rosa: natural do Paraná, 33 anos, amasiada, 3ª série do ensino fundamental,

branco, desempregada há um ano. Antes, auxiliar de limpeza. Tem cinco

filhos.

• Imaculada: natural do Paraná, 32 anos, amasiada, analfabeta, negra, dois

anos desempregada. Antes, auxiliar de limpeza. Tem cinco filhos.

166

A faixa etária dos cooperados variou de 22 a 38 anos. Quatro deles

eram de Pernambuco, um da Bahia (Nordeste) 3 dos Paraná (Sudeste). Cinco deles

eram analfabetos, três deles tinham o ensino fundamental incompleto. Em relação à

situação de emprego, todos eram trabalhadores de serviços gerais: quatro deles

trabalhavam com serviço de limpeza, dois na cozinha, um como jardineiro e um

como lavador de caminhão.

7.3 A tentativa de inclusão dos excluídos através do núcleo de cooperativa do

Real Parque: o ReciclaReal

Todos os sujeitos pesquisados encontravam-se desempregados

no momento em que aderiram ao ReciclaReal.

Antes de trabalhar no ReciclaReal, eu trabalhava como cozinheira, e nos finais de semana eu fazia bico de segurança no salão de festas. Fazia bolo de aniversário, salgadinho e ainda continuo entregando meus salgadinhos, só que agora eu só entrego salgadinhos num bar só, mas eu ainda continuo fazendo meus salgadinhos. (Maria do ReciclaReal)

Eu trabalhei de segurança, trabalhei de auxiliar de limpeza, trabalhei em restaurante. Na cozinha lavando panela. É... mas depois eu saí, fiquei desempregado e vim prá cá. Dois anos.... quando eu vim prá cá, a cooperativa já estava funcionando. (Paulo da CooperAção)

Eu resolvi trabalhar aqui porque eu já estava dois anos parada. Estava desempregada, dois anos desempregada. (Imaculada da CooperAção)

Bom, eu fiquei parada muito tempo, estava até passando necessidade, aí foi quando eu fiquei sabendo da coleta seletiva, aí eu conversei com um padre que tem lá perto de casa, que ele também é envolvido com coleta... Padre Tião, aí ele foi conversou com o Sr. Wilson, com a menina lá, e conseguiram uma vaga para mim, e ajudou bastante, né? Pelo menos eu pago alguma coisa para minha filha, pelo menos a comida deles não está faltando, que nem tava faltando a uns tempos aqui. E eu dou graças a Deus de ter arrumado pelo menos aqui... (Fátima da CooperAção)

Trabalho aqui há dois meses. Antes eu trabalhava lavando caminhão em Pernambuco. Comecei a trabalhar com meu irmão. Lavar caminhão é bom, dá prá sair mais dinheiro, mas o problema é o desemprego, sabe? Tem a profissão, mas não tem o emprego... já recebi R$ 214,00. (...) Eu vim prá São Paulo prá trabalhar, e depois com o tempo voltá, prá conseguir alguma coisa na vida, com a mulher que eu tenho. (...) A gente tá [referindo-se a situação de desemprego], uma pessoa fraca uma pessoa fraca mas se tiver fé em Deus a gente consegue. Pode demorar um tempo, passar um tempo (...) Eu deixei a mulher lá no norte.

167

Sinto... Aí o jeito é trabalhar aqui não está muito bom, mas aqui é melhor do que lá... Toda noite eu rezo, eu tenho uma oração tá bom demais, ela conversa comigo, telefona prá mim... É... vai completar um mês... (José do ReciclaReal)

Eu perdi tudo no incêndio há dois anos e estou há 8 meses no Recicla sinto bem porque não estou desempregada e o dinheiro tem ajudado. Não é muito, mas ajuda. Prá mim mudou muita coisa, que eu tava... [desempregada]. Esse pouco que eu ganho já dá prá mim comprar um ... Eu compro comida pros meus filhos, pra ele (referindo ao companheiro) comprei uma televisãozinha a cores, que a gente ia ver na casa dos outros... Essas coisas que sobram, dá mandar pra ele. (Madalena do ReciclaReal)

Hoje me considero uma pessoa feliz... Antes não... Agora sim. Eu não sentia feliz. Estava parada. É. Sei que chega aquele dia e posso comprar minhas coisas, num falta nada... Aí eu fico mais feliz. (Rosa da CooperAção)

É que eu sinto mais a vontade, o pessoal aqui é conhecido... Aí e a gente sente mais a vontade e trabalha. Antes tava desempregado... Três anos. Nada consegui emprego, estava ruim de emprego. (Tiago do ReciclaReal)

Os sujeitos entrevistados se encontravam no momento da pesquisa,

em uma faixa etária de plena força de trabalho. Referem-se a estar “parados” ou

sem emprego há dois ou três anos. É comum esta expressão estar “parados”, como

se percebe nos depoimentos da Rosa e Fátima. Segundo Singer (2003, p. 31) “os

pobres raramente podem se dar ao luxo de ficar ‘desempregados’. Os pobres ficam

"parados quando a procura por seus serviços cessa, mas eles não podem

permanecer nesta situação muito tempo”... Se isto ocorrer estão sujeitos a passar

fome, como é o caso da Fátima. Quatro dos entrevistados fazem referência à

palavra desemprego. É o caso de Paulo, Marcelo, Madalena e Tiago. Parece estar

havendo mudança no vocabulário de “parado” para “desempregado, pelo menos no

que diz respeito a estes sujeitos. “Tem a profissão”, diz Tiago, mas “não tem

emprego”.

Todos trabalhavam antes e faziam parte do “grupo periférico de

tempo integral”, cujas habilidades são facilmente disponíveis no mercado de trabalho

e também substituídos facilmente por máquinas ou outros trabalhadores.

Numericamente, apresentam maior flexibilidade e menor segurança no emprego,

como já enfatizado por Harvey (1992). A vulnerabilidade desses trabalhadores em

relação ao emprego é muito grande e a qualquer momento são expurgados e

168

substituídos. Pertencem a profissões como: cozinheira, ajudante de cozinha,

faxineira, jardineiro, lavador de caminhão, auxiliar de limpeza.

Quando desempregados ficam muito tempo perambulando em

busca de emprego ou qualquer ocupação que lhes dê renda. Como não foram

capazes de melhorar profissionalmente e nem em termos de educação formal,

deparam-se com a concorrência que é muito grande, não conseguem alterar o seu

destino. Desta maneira, ficam expostos à própria sorte, incapazes de se organizar e

produzir uma outra história. Como se pode verificar, cinco dos entrevistados eram

analfabetos e os outros três, possuíam o ensino fundamental incompleto.

Demo (2001, p. 87) afirma que “além do capital expropriar o

trabalhador, também o imbeciliza, reduzindo-o a objeto de manipulação”.

Ao lado da pobreza material existe a pobreza política que “ressalta no pobre para além da condição de expropriado materialmente, o fato de que o expropriado é ignorante ou mantido ignorante com respeito a esta condição. (...) Gramsci talvez tenha sido a voz mais forte nesta direção: para retirar o pobre da pobreza, condição fundamental é superar sua ignorância....” 36 (DEMO, 2001, p. 88).

Schwartzman (2004) menciona que, estudos realizados por diversos

economistas, ressaltam que existe uma forte relação entre educação e competência

tecnológica. Investir em educação traz retornos privados e sociais expressivos. O

Banco Mundial vem divulgando pesquisas nos últimos anos em que a política

educacional e o desenvolvimento cientifico são condições chaves para o

crescimento econômico. O mesmo autor, endossando as palavras de Durkheim e

Sarmiento, afirma que: “... o conhecimento tornou-se o fator mais importante no

desenvolvimento econômico” (p. 150).

36 Schwartzman (2004) afirma que em relação à questão da educação, existe uma grande polêmica entre os autores. Os sociólogos levantam duas questões a respeito da educação institucionalizada. A primeira que ao desenvolver competências no estudante, transfere-se o filtro às pessoas que terão posições de poder, renda e prestigio. Independente da habilidade técnica e profissional, a educação formal passa a ser um critério de seleção. Em segundo lugar, o acesso a cargos mais valorizados estaria sempre atrelado à qualificação formal e diplomas. Em tal tendência há o perigo de “substituir o conteúdo pela forma”.

Na América Latina a expansão da educação não vem sendo acompanhada por aumento de habilidades da população, visto o ensino formal ser alienante e não problematizador. Para maior aprofundamento sobre o assunto ver: Simon Schwartzman: Pobreza, exclusão e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo, 2004; e Pedro Demo: Cidadania pequena , 2001.

169

Todos os entrevistados eram provenientes de outras regiões do

Brasil: Nordeste e, mais especificamente, Pernambuco. Deslocaram-se de regiões

do Brasil onde a pobreza é maior do que a de grandes cidades, como São Paulo.

Cidade que está presente no imaginário de todos aqueles que não têm

empregabilidade em sua terra natal.

Como já vimos anteriormente, a taxa de desemprego diminuiu nos

últimos tempos (2003, 2004, 2005) na metrópole de São Paulo. Segundo dados

apontados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2005): de 12,3%

em 2003 para 11,5% em 2004 e 9,8% em 2005 – mas, em 2006. Os dados do PED

em pesquisa realizada pelo SEADE e DIEESE, apontam um aumento de 16,3% para

16,9% no que se refere ao desemprego total (aberto e oculto). Na verdade, não há

emprego para todos. A não-inserção no mercado de trabalho leva à não-inserção

social e familiar. Para que sejam satisfeitas as necessidades humanas básicas é

necessário ter renda. E se estas necessidades não são satisfeitas, perde-se a

dignidade. É o que foi retratado nos depoimentos seguintes.

Para os cooperados do ReciclaReal, trabalhar na cooperativa tem

um significado que vem antes do significado de cidadania. Resgata o sentido moral,

que vincula o individuo à vida e à vontade de ter um futuro e direito a ter esperança:

dignidade humana, o respeito a si mesmo, capacidade de valorizar mais a vida.

Também significa aprendizagem, amadurecimento, bem como abrir uma

perspectiva de aumentar o seu rendimento se trabalhar mais. A renda depende do

esforço pessoal e da dedicação em coletar e vender cada vez mais, como se verifica

no seguinte depoimento:

As coisas boas que mudaram na minha vida, é que hoje em dia eu tenho mais dignidade; hoje em dia eu aprendi mais. (...) aprendi a dar mais valor às coisas; hoje em dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada mês que se passa um dinheiro a mais; aprendi o que é reciclagem, porque eu não sabia nada disso. (Maria do ReciclaReal)

É um trabalho em que as pessoas se sentem mais à vontade,

valorizadas e com mais força de enfrentar a vida, com “potência de agir” 37, como

37“... um indivíduo é antes de mais uma essência singular, um grau de potência. (...) esse grau de potência corresponde um certo poder de ser afectado.(...) esse poder de ser afectado é necessariamente preenchido pelas afecções.(...) Há duas espécies de afecções: as acções, que se explicam pela natureza do indivíduo afectado e derivam de sua essência; e as paixões que se explicam ‘por outra coisa’ e provêm do exterior. O poder de afectado apresenta-se então como

170

relata Deleuze (sd) ao comentar sobre Spinoza, recuperando os fracassos

enfrentados na vida. Eles querem provar que são capazes. É o que se nota no

depoimento de Tiago e Madalena.

É que eu me sinto mais à vontade, o pessoal aqui é conhecido... Aí a gente se sente mais à vontade e trabalha. (Tiago do ReciclaReal)

Eu me sinto bem, mais valorizado porque sou jardineiro e estou desempregado há três anos e tive esta oportunidade de emprego. Nesses três anos eu procurei emprego eu não consegui, estava ruim de emprego. Tinha preocupação em ganhar dinheiro. (Tiago do ReciclaReal)

Meu irmão também gostou, saiu porque precisou, mas ele também gostou, ele modificou o seu comportamento, valorizou mais a sua capacidade e amadureceu bastante. Meu irmão falava que aqui era legal, que não queria sair daqui... Meu irmão também gostou do serviço, saiu daqui chorando. Com saudades e chorando... (Tiago do ReciclaReal)

É bom trabalhar aqui... Depois tá todo mundo rindo, nada de chorar, quando tem alguém de cara fechada,... não tem nada a ver o meu problema com a cara feia... Dar risada, falar besteira... Nada de briga, de cara feia... Dando risada e não chorando... Poder enfrentar a vida como ela é... a realidade ...eu não vou abaixar a cabeça e começar a chorar... (Madalena do ReciclaReal)

Apesar de os sujeitos afirmarem que trabalham mais à vontade,

preferem ter um emprego formal, acreditam que trabalhar registrado é melhor.

Sem dúvida, trabalhar com carteira assinada garante os direitos sociais de um

salário fixo que não oscila em decorrência das vendas e do preço do mercado dos

resíduos sólidos. Além disso, garante outros direitos trabalhistas, repouso semanal

remunerado, ticket refeição, vale transporte, férias remuneradas, 13º salário, auxilio

doença, aposentadoria, fundo de garantia e outros mais. Isto tem um peso muito

grande para o trabalhador, que no caso do trabalho cooperativado, inexiste. potência de agir, quando se supõe preenchido por afecções activas, e apresenta-se como potência de padecer, quando é ocupado pelas paixões.(...) o próprio da paixão, em qualquer caso, consiste em preencher o nosso poder de sermos afectados separando-nos da nossa potência de agir, mantendo-nos separados dessa potência. Porém, quando encontramos um corpo exterior que não concorda com o nosso (isto é, cuja relação não se compõe com a nossa), tudo ocorre como se a potência desse corpo se opusesse à nossa potência, operando uma subtracção, uma fixação: dizemos nesse caso que a nossa potência de agir é diminuída ou impedida, é que as paixões correspondentes são de tristeza. Pelo contrário, quando encontramos um corpo que convém com a nossa natureza, é cuja relação se compõe com a nossa, dizemos que a sua potência se adiciona à nossa: as paixões que nos afectam são então de alegria (aumenta ou é favorecida a nossa potência de agir). Essa alegria é ainda uma paixão, dado que tem uma causa exterior: permanecemos ainda separados da nossa potência de agir, não a possuímos formalmente. Esta potência de agir, contudo, não deixa por isso de aumentar proporcionalmente; ‘aproximamo-nos’ do ponto de conversão, do ponto de transmutação que nos tornará senhores dela, e por isso dignos de acção, de alegrias activas.” (Deleuze; 1975-1976:39-40)

171

Acrescenta-se a isto, o fato de que, quando se está empregado com carteira

assinada e perde-se o emprego tem garantido a sobrevivência por seis meses, com

o auxílio desemprego e ainda condução livre durante três meses, que permite a

busca de uma nova colocação. De outra maneira, a oscilação da renda no trabalho

cooperativado traz instabilidades aos sujeitos, que não conseguem programar seus

gastos e pagamentos, gerando certa insegurança. Muitas vezes, o dinheiro [que

ganham] não dá para suprir as necessidades básicas, como por exemplo, o

relatado neste depoimento:

Se deu trezentos reais eu não sei.... coisa lá desse dinheiro aí, tá no banco, porque é prá esse mês aí... Não sei. Aqui, nós tiramos cinqüenta reais, cinqüenta e um reais. Isso já passou o mês, um mês ruim. Em média aqui a gente tira, é que a gente tem despesa, dá prá tirar uns quatrocentos “contos” , mas nós tiramos a despesa, aí ficamos com duzentos “conto” , cento e oitenta. Duzentos e cinqüenta eu conto... No máximo, ou prá trás. (Paulo da CooperAção)

Trabalhar aqui prá mim ia ser a mesma coisa, apesar de que ser registrada tem vários benefícios, que trabalhar numa empresa carteira registrada que aqui não tem. Salário fixo mesmo, não tem esse negócio de diminuir nem abaixar. Aumentar de vez em quando é, uma vez por ano. Eu tiro em média de duzentos, duzentos e setenta reais. (Imaculada da CooperAção)

Também resgata o respeito pelo outro, e permite maior

responsabilidade e interesse pelo seu grupo social, como é o caso de recuperação

de usuários de droga e álcool. Estes são vistos pela família, pelo grupo e pela

sociedade como “fracassados”. A partir da união de pessoas com interesse comum,

como na formação de uma cooperativa, é possível que alguém do grupo se sinta na

obrigação de apoiar outros, que são duplamente excluídos. Nasce um sentimento de

solidariedade humana, mesmo num país como o nosso com inúmeros problemas

sociais, econômicos e políticos.

Tirar dois meninos que eram bandidos perigosos daqui do Real Parque, eles não temiam nem a polícia, e hoje em dia são duas pessoas dignas, capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também um alcoólatra, que hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo serviço direitinho, mas eu até internei ele, por causa do excesso de bebida, uma dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias internado, então eu consegui tudo isso , graças à ajuda da... Quando nós temos algum problema, eu corro e ligo prá ela, encho o saco dela de sábado, domingo, feriado e tudo. Isso prá mim foram às coisas boas, ela está pronta a nos ajudar a qualquer momento. (Maria do ReciclaReal)

172

Meu filho também trabalhou aqui e foi bom porque ele se ocupou ficou mais sério, [referindo-se ao filho que era usuário de droga] ele gostou deste trabalho. Deveria ter mais apoio de empresários esta é a minha sugestão, se tiver mais apoio vai empregar muita gente... Melhorou muito o comportamento dele vida de moleque... amadureceu mais um pouquinho. (Tiago do ReciclaReal)

O meu desejo é que trinta ou cinqüenta famílias estejam trabalhando. Tive problemas de drogas e álcool na minha família com meu marido, ele jogava e bebia e eu não controlava porque trabalhava em casa de família e não podia sair para ver o que estava acontecendo. Depois da reciclagem, eu tenho mais tempo para ir a casa e hoje o meu marido não bebe, só joga um pouco porque ele sabe que eu estou perto dele. (Maria do ReciclaReal)

Permite também a inclusão dos índios Pankararu, que convivem

com dupla “exclusão”: vivem fora de suas terras, por invasão dos posseiros na

região dos Brejos dos Padres, em Pernambuco, além de serem marginalizados do

direito de emprego ou renda por não terem bom nível de escolaridade e serem

considerados preguiçosos.

A História do Brasil mostra que os índios sempre foram explorados.

Os franceses e portugueses não tiveram nenhum constrangimento em explorar a

mão de obra do índio. O relacionamento econômico, em princípio, acontecia através

de trocas de bens: facas, machados espelhos e chapéus por toras de pau brasil.

Posteriormente, com o Brasil colônia e o ciclo da cana de açúcar, a mão de obra

indígena foi obtida com o trabalho escravo e alienado. A História também relata que,

apesar do índio ser reconhecido por ter direitos específicos, sofreu tantos

preconceitos quanto os africanos. Hoje, a principal luta em relação aos seus direitos

de cidadania diz respeito à reconquista de suas terras, ao fortalecimento da sua

economia e à participação política, como foi o caso de Juruna, índio xavante, no

cenário nacional eleito à Câmara dos Deputados, em 1982 (GOMES, 2003).

...vai começar só dia primeiro. Só que assim, como o povo lá quer o índio, (referindo-se ao índio Pankararu) esqueci agora o nome dele, porque eu fiquei falando de primeiro dia, que a gente vinha pra cá ajudar, então como ele foi prá Leopoldina comigo ontem me ajudar no material, o pessoal, gostou e quer [que ele] ir trabalhar lá... tudo certinho, então não posso agora dispensar o coitado aqui até o dia primeiro (...) lá. Aí a partir do dia primeiro se estiver legalizado mesmo, aí ele vai prá lá, porque vai ter uma reunião quarta-feira, prá poder resolver se vai ser dia primeiro mesmo ou não... (Maria do ReciclaReal)

É um trabalho que não há “exclusão” de pessoas mais velhas que,

normalmente, são excluídas do mercado formal de trabalho.

173

Eu sempre gostei de mexer com a comunidade, fazer comida, mexer com desabrigado. Já fui desabrigada e dividia tudo com os outros. Quando a gente passa dos trinta e vai procurar emprego já está velha. Com este projeto voltei a estudar. (Maria do ReciclaReal)

[Referindo-se ao projeto] Porque a batalha ainda está por vir, mas a gente não baixa a cabeça, a gente sempre pensa que nós vamos conseguir, porque nós podemos. E as coisas ruins que tem é que... (Maria do ReciclaReal)

Muitas vezes, este sentimento de solidariedade é formado por

vínculo de interesse mútuo, na base da troca: se você me ajuda e eu lhe ajudo

também.

...tem uma senhorinha, ela que junta garrafa para nós, ela atravessa a ponte para ir pegar garrafa para nós, ela traz garrafa para nós, e chega aqui eu dou um cigarro prá ela, se eu consigo roupa, se alguém me der roupa, eu dou uma roupinha prá ela, então ela vai do outro lado da ponte buscar material de reciclagem para nós, e ela quer trabalhar conosco todo dia, então... (Maria do ReciclaReal)

Desenvolve-se a necessidade de trabalhar em equipe, respeitar o

outro em suas diferenças:

... ter calma e paciência prendi a lidar mais com o povo; aprendi a ter mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os outros, nós somos uma equipe grande. (Maria do ReciclaReal)

Sentimentos de mobilização do coletivo, e trabalho com a

comunidade:

...O que me mobilizou foi quando eu fui na primeira convocação da reunião lá no posto, que você falou que ia nos ajudar, que você explicou tudo direitinho do que era o projeto de reciclagem, de qual era a finalidade de poder ajudar a comunidade, então eu me interessei, porque eu sempre quis esse negócio de ajudar as pessoas; eu sempre fui uma pessoa que gosta de ajudar, antigamente aqui no Real Parque eu tinha a fama de enterrar velho, eu era a mulher que enterrava os velhos. Porque os velhinhos que não podiam, sabiam marcar uma consulta médica, não sabiam ir no INSS, não sabiam como pegar remédio; eu pegava remédio para esses velhinhos, eu os ajudava com o negócio de médico para resolver no INSS, então quando os velhinhos morriam e não tinham família, as vezes tinham família, mas a família não procurava, aí eu corria pro IML prá fazer o enterro, tudo direitinho para ninguém pagar nada, arrumava carro... (Maria do ReciclaReal)

Também significa maior liberdade para resolver os seus problemas,

demonstrando que há uma outra condição de trabalhador, diferente do emprego

formal, pois ele é dono de seu próprio negócio.

174

Aqui é bom... Porque quando a gente precisa sair para resolver coisas a gente pode e é aceito ninguém fala nada. (Maria do ReciclaReal)

Trabalhar na reciclagem significa ter um trabalho o mesmo que ter

uma renda: resgata alguns dos direitos sociais. Permite-lhes não necessitar de viver

da assistência social do bairro em que distribui cestas básicas aos mais

necessitados, com as quais nem sempre conseguem suprir suas demandas. As

pessoas que vivem numa condição de precariedade econômica e social revelam “o

peso” da “exclusão”, precisando [muitas vezes] alimentar-se do lixo. A

possibilidade de reinserção, através da cooperativa, recupera alguns dos direitos

sociais. “Ter uma renda, mesmo que seja uma quantia de dois mil francos por mês,

permite-lhe, ao menos temporariamente, subir um degrau na escala da hierarquia

social" como afirma Paugam (2003). Algumas vezes, permite adquirir bens

necessários ao bem-estar humano, respeitar normas de higiene do corpo, como uma

cama para dormir e uma televisão.

O fato de ter condições de comprar algumas coisas leva à sensação

de não faltar nada. Constata-se que algumas delas não internalizaram as normas

de consumo da modernidade e não possuem expectativas de um nível mais elevado

de vida.

Hoje a nossa renda é de R$ 278,00, tirando imposto do terreno levando em conta que estávamos sem carro, com o carro queremos passar dos 300,00. Este dinheiro ajuda a comprar comida. Quando não temos dinheiro, pegamos do lixo até carne já encontramos e lavamos e fritamos e comemos nós aproveitamos as sobras. Quando temos dinheiro vamos no mercado e compramos comida e dividimos com todos ou quando recebemos doações, outro dia nos deram arroz.. Os armários da cozinha vieram do lixo e deu prá organizar as comidas dentro dele. (Sebastiana)

Hoje, eu almoço aqui, né? Arroz, feijão, que é a comida... Um ovo e... (Madalena do ReciclaReal)

Sei que chega aquele dia e posso comprar minhas coisas, num falta nada... aí eu fico mais feliz. (Fátima da CooperAção)

O que mudou no meu coração é que eu estou mais a vontade, conheço todos me sinto bem e mais valorizado, estou desempregado há três anos eu era jardineiro e com esta oportunidade de trabalho eu conheci mais coisas e tenho meu dinheiro pra comprar o que eu quero. (Tiago do ReciclaReal)

O pouco que eu ganho eu compro comida, comprei beliche e tv, eu me sinto feliz por dentro. (Fátima da CooperAção)

175

Outros, pelo contrário, têm consciência maior de sua condição de

miséria. Constroem um sonho: sair do barraco e construir ou comprar uma casa.

Simbolicamente, barraco está atrelado à condição de marginalidade e de status das

populações que se inserem no último grau de situação de pobreza. É necessário

subir na escala social e comprar ou construir uma casa. Mas, para isto, é necessária

uma divisão de renda com o companheiro: aquele que compra o alimento , outras

coisas ligadas às necessidades humanas básicas e o material para construção da

casa.

O dinheiro que ganho é gasto com as compras. [existe uma divisão entre ela e o companheiro] é divisão, porque a gente mora em barraco, e a gente está querendo construir, e o salário dele é para comprar o material e o meu é para as compras. (Imaculada da CooperAção)

...Meu grande sonho mesmo é comprar minha casa. (Fátima da CooperAção)

Em relação à cidadania, já descrita no capítulo anterior, percebe-se

que a alimentação e moradia, pertencentes aos direitos sociais, são apontadas

como prioridade pelos cooperativados, coincidindo em parte com o depoimento do

membro da Associação Amigos do Bairro Real Parque, que considerava a saúde e

moradia como primordiais.

Em primeira prioridade seria a liberação do posto para ter um atendimento mais eficaz, na área de saúde, este seria um ponto mais prioridade. Segundo, ter uma moradia digna, com mais higiene, como por exemplo. (Membro da Associação Amigos do Bairro Real Parque).

No entanto, nem sempre o sonho está ligado só às coisas

materiais , e, sim, crescer no trabalho, ao êthos que Boff aponta como morada

humana, em que o indivíduo constrói a seu modo. Não é algo pronto, mas sempre a

ser construído. “O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu

para si” (BOFF, 1997, p. 90). E para um dos cooperados o seu “sonho é crescer no

serviço e crescer por dentro”.

Eu sinto mais feliz. Mais feliz... está registrada num lugar... Eu nunca vou sair... Com certeza, com o galpão (referindo ao galpão que não existia) eu saio pra trabalhar. Ajudaria muitas mulheres que está passando fome como eu, agora pelo menos eu tenho o que comer... Já me ajuda bastante. (Madalena do ReciclaReal)

O meu maior sonho é... Olha, é, eu crescer no meu serviço, e crescer por dentro também, porque tem hora que a gente desanima, dá até vontade de chorar... (Fátima da CooperAção)

176

Ter direito à educação é um direito social ao qual nem sempre as

pessoas têm acesso, impedindo a inserção ao mercado de trabalho, como

observado no capitulo anterior. Muitas vezes, o sonho não acabou e está ligado à

educação de si próprio ou dos filhos para que estes não venham ter a mesma sorte.

Uma coisa também que eu quero conseguir, vou conseguir é por minha filha na faculdade. (Fátima da CooperAção)

Por outro lado, ter um trabalho não significa apenas suprir as

necessidades humanas básicas, mas voltar a estudar, crescer, evoluir, conforme

este depoimento :

A minha vida mudou. Eu posso reaproveitar os alimentos, valorizo o trabalho, voltei a estudar, obtive maior conhecimento com pessoas e empresários. Quando estava em casa de família era o contrário. (Maria do ReciclaReal)

Mas, muitas vezes, o sonho de estudar pode ficar parado e

estagnado. Não se pode crescer mais.

Estudei até a sexta série Ah, acho que eu não tenho mais paciência de estudar não. (Fátima da CooperAção)

A primeira vez que eu estudei, eu saí e não entrei mais na escola. Não estudei o técnico nem nada. Só assino o nome... E ler leio só um pouquinho. (Paulo da CooperAção)

Mas, em relação ao trabalho de reciclagem, todos devem ter a

mesma chance de aprender e crescer:

Eu acho que todos devem ter a mesma chance. Porque se... Eu sei ler, eu não sei escrever direito, mas se você não me der oportunidade de ler escrever como eu vou aprender. Tem muita coisa lá que... Por exemplo, a senhora não sabe o que é um material, se ele não der chance para a senhora aprender, como a senhora vai aprender? Não é verdade, então é isso. (Fátima da CooperAção)

Eu estou com uma colega minha morando em casa, porque ela não tem onde ficar e a mãe dela mora longe, ela tá morando lá, só que ela também está desempregada, e eu ia até tentar falar, ver se eu conseguia colocar ela também pra trabalhar aqui... eu mostrava o serviço prá ela, só que não pega gente que não sabe o serviço. (Fátima da CooperAção)

É um trabalho que ajuda na inserção social, na conquista de alguns

dos direitos sociais e leva à uma consciência ambiental:

Este trabalho compensa porque a gente ganha mas também limpa a cidade. Não é um trabalho pesado, mas é muito corrido. (Sebastiana)

177

Por enquanto porque aqui a gente trabalha à vontade, fica à vontade prá fazer o serviço direito. Tem esperança, trabalha à vontade, não fica mais esperando serviço. É bom, né, dos dois lados. De repente quem lucra mais é a cidade. (Tiago do ReciclaReal)

Para trabalhar na reciclagem, é necessário que alguém assuma o

serviço doméstico. Ao contrário da experiência de Bogotá, em que as mulheres

carregam juntos os seus filhos, na carroça de lixo, os recicladores do Real Parque

deixam os seus filhos em casa.

Minha filha de treze anos me ajuda bastante, né? Ela já faz comidinha. Ela que cuida do nenê então eu chego em casa, tomo meu banho e vou dormir... se me der vontade eu vou, se não der... (Madalena do ReciclaReal)

Aí ela falou, como que eu faço pra ajudar nas despesas? Eu acho que o melhor jeito que tem é você cuidar bem dos meus filhos, cuidando dos meus filhos responsabilidade, porque não adianta eu colocar uma pessoa para pagar, para ajudar a pagar o aluguel e depois a pessoa for embora, como eu vou ficar? Então eu já sei que tenho a responsabilidade de fazer minhas coisas. Entendeu? Sempre foi assim... A minha tristeza vem desde os dezesseis anos. (Fátima da CooperAção)

A liberdade de falar, um dos direitos civis, aparece extremamente

pálido por ser uma prática que não foi se construindo ao longo do tempo. O

exercício da democracia causa uma sensação de estranheza já que na favela o que

vale é a lei do mais forte. Normalmente, existem os pés de patos, isto é os

justiceiros que colocam a “ordem no pedaço”. Não matam trabalhadores, mas fazem

justiça com as suas próprias mãos, eliminando os que estão conturbando a ordem

por eles estabelecida. “O poder falar” deixa perdido, é perda de tempo.

Não funciona, porque quanto mais a gente fala fica perdido, é perda de tempo essas reuniões. A gente faz essas reuniões porque a gente quer de fazer, mas é perda de tempo. (Paulo da CooperAção)

Prá mim (falar) não funciona nenhuma... Na assembléia pode funcionar... Não funciona, prá mim não funciona. (Paulo da CooperAção)

Só eu e o seu Francisco, e o tesoureiro Nazareno... (referindo-se a uma decisão de assembléia) Não é o nosso tema. Como aqui quem ganha é a maioria, aí nós perdemos. Se o seu Francisco chegasse na hora certa; estava eu e o Nazareno, nós podíamos ganhar, mas o “homem” chegou atrasado, o pessoal já tinha combinado, eu e o cara só... Não tinha mais ninguém..., quem ganha é a maioria. (Paulo da CooperAção)

Pode-se sintetizar, a partir das falas dos excluídos, que a

cooperativa de lixo melhora a qualidade de vida e resgata parte dos direitos sociais

(alimentação, trabalho, educação) e políticos (liberdade de participação em reuniões

178

e assembléias com direito a voto), e civis (liberdade de falar, ir e vir) como também

expressa valores de construção coletiva de certa cordialidade, a “aceitação de si

mesmo e a alteridade: aceitação do outro”. Há um sentimento de responsabilidade e

solidariedade com aqueles que se encontram marginalizados pelas drogas e com os

indígenas. Resgata um sentimento diferente dos direitos garantidos pela legislação,

e, mais ainda, algo mais profundo que não pode ser expresso por leis como a

“dignidade de si mesmo e a dignidade para com o outro”, lutar por seus valores.

Enfim, há um “consentir” de ter uma vida digna a partir de apenas algumas

necessidades básicas satisfeitas. Permite também que o indivíduo tenha um sonho,

um desejo. Mesmo que seja apenas um sonho, já que lhe é permitido sonhar... Ter

uma casa e não um barraco, ter uma cama, ter uma televisão, continuar a estudar ou

colocar o filho na faculdade.

179

VIII. LIMITES E POSSIBILIDADES: DESAFIOS ENFRENTADOS

PELOS PARTICIPANTES DO NÚCLEO-COOPERATIVA DE LIXO

RECICLAREAL

Neste capítulo, temos a pretensão de debruçar o nosso olhar na

especificidade da vivência do trabalhador cooperativado, desejando chamar a

atenção para os limites, dificuldades e possibilidades enfrentadas pelos cooperados

do núcleo ReciclaReal.38 A análise será feita especificando-se o local de atuação do

trabalhador devido às experiências diferenciadas que emergem dos discursos.

Buscou-se captar aquilo que escapa à observação objetiva: o subjetivo. São

sentimentos múltiplos relacionados às possibilidades e dificuldades ou limitações

enfrentadas pelo grupo. No entanto aqui o pesquisador não deixou de utilizar a sua

observação objetiva.

Em relação às limitações ou dificuldades pode-se observar:

• Falta de recursos financeiros: condições do local para o funcionamento do

ReciclaReal;

• Falta de recursos financeiros: dificuldades no transporte do lixo;

• Falta de recursos financeiros: inexistência de um galpão para funcionamento

adequado;

• O conteúdo ergonômico do trabalho;

• Falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI);

• O sofrimento psíquico também aparece nas cooperativas de lixo;

• Alguns princípios básicos do cooperativismo devem ser aprimorados;

38 Queremos lembrar o leitor que o núcleo ReciclaReal que funcionava no bairro Real Parque, não chegou a ser uma cooperativa independente, como era a pretensão inicial. Todos os cooperados dos núcleos e inclusive do ReciclaReal eram cooperados da CooperAção, a cooperativa mãe. Por existir uma norma, segundo a qual, cada núcleo colaboraria com cinco de seus trabalhadores, o ReciclaReal colaborava com quatro deles, no momento da entrevista. Quando nos referirmos “à CooperAção” estamos nos referindo aos “trabalhadores do núcleo ReciclaReal que prestavam serviço na CooperAção”, devido a este acordo.

180

• Dificuldades de gestão de pessoas;

• Dificuldades de gestão do próprio negócio;

• A debilidade das políticas públicas.

Em relação às possibilidades, pode-se observar:

• O despertar da consciência coletiva dos recicladores do Real Parque;

• Uma nova cidadania em construção: a capacidade de realizar

funcionamentos;

• A cidadania em movimento: liberdade de expressão, participação e o

exercício político;

• O conteúdo ergonômico do trabalho;

• A interdependência e a solidariedade: empresários, profissionais liberais e

favelados sentam na mesma roda;

• A saúde e possibilidades em relação ao trabalho;

• O trabalho em transformação: do taylorismo x a criatividade na reciclagem de

lixo;

• A globalização e o consumo na construção de uma nova cultura do lixo no

bairro Real Parque.

8.1 Limites e dificuldades

8.1.1 Estruturais

Mas é preciso ter garra... É preciso ter força... É preciso ter gana... (Milton

Nascimento)

181

Realmente nem tudo são flores... É preciso força, coragem para

enfrentar os diversos desafios que surgiram desde o início da sua implantação,

durante seu funcionamento , que acabou declinando três anos depois. Como já dito,

o ReciclaReal funcionou em um terreno cedido em regime de comodato por dois

anos através de um empresário da região e, após este prazo, se estendeu por mais

um ano.

8.1.2 Falta de recursos financeiros: Condições do local para o funcionamento

do ReciclaReal

A primeira dificuldade encontrada no núcleo de cooperação

ReciclaReal foi em relação ao terreno (Foto 11 em anexo), que se encontrava sujo,

com muito mato e esgoto que corria a céu aberto dos barracos vizinhos e do

comércio que fazia divisa com o local. Os três primeiros participantes que deram

início ao projeto capinaram com enxada e limparam o terreno. O Projeto Casulo

emprestou um trator para fazer a rampa que daria acesso ao caminhão da prefeitura

nos dias de retirada do lixo para levar à Central da Leopoldina , onde funcionava a

CooperAção, a “Cooperativa mãe”. O esgoto que corria a céu aberto foi minimizado

paulatinamente após conversas com cada morador e comerciantes.

Quando vimos o terreno e o homem aceitou ceder o terreno, era cheio de entulho e não podia tocar fogo pra queimar. O lixo não cabia nas caçambas porque senão os outros moradores não podiam armazenar... O problema é queimar o lixo... Outro dia jogaram um sofá e não temos pra quem reclamar. Tem que liberar pra queimar. (Maria do ReciclaReal)

O projeto contava com o apoio de várias instituições do bairro tais

como: a Creche Visconde, a Escola Municipal, a igreja católica na pessoa do pároco,

o Projeto Casulo, a Associação de Moradores do Real Parque, (associação dos

moradores da favela, cujo presidente trabalhou um período no Projeto), a Sociedade

Amigos do Bairro (SAB), que representava o movimento dos moradores da classe

alta do bairro, alguns empresários residentes do bairro, (em número de quatro), um

advogado, e os funcionários do Centro de Saúde local. A idéia de reciclagem de lixo

surgiu de uma empresária que freqüentava as reuniões e participava das discussões

que culminaram neste projeto, dando apoio o tempo todo, o que foi fundamental.

182

Apesar do apoio encontrado, houve dificuldades com “alguns moleques” da favela,

no início, como aponta o depoimento de Maria:

No início tinha... Uma privada que foi trazida para fazer um banheiro e os moleques fizeram “cocô” e esfregaram a sujeira nas paredes. Estragaram o portão com um pau de sebo e não pagaram o prejuízo. (Maria do ReciclaReal)

No decorrer do Projeto, estes mesmos “moleques” entravam no

terreno para soltar pipa, embora tivessem o espaço do Casulo para outras atividades

esportivas e culturais, como o futebol, o teatro, a dança, o que vem confirmar a

importância de espaço livre para o lazer:

Os moleques continuam entrando dez ou quinze fica soltando pipa, eu reclamo, mas não adianta. Eles ficam soltando pipa nos fios de alta tensão, eles se machucaram. Um menino levou oito pontos no pé, e eu ajudei, cuidei dele... Arrumei comida pra ele... Mas a mãe dele ficou brava porque não aceita... Ela quer o caminho do bem... Ela já teve dois filhos na FEBEM. Mas ele se recuperou... Veja bem, nós temos o Casulo, tem quadras de futebol, tem computação e teatro, mas eles não querem isto, eles querem e soltar pipa.. (Maria do ReciclaReal)

8.1.3 Falta de recursos financeiros: dificuldades no transporte do lixo

A dificuldade seguinte foi a etapa de coleta de lixo, propriamente

dita, feita no início com carroça (Foto 12 em anexo). Isto exigia muita força física,

considerando que o bairro é acidentado, com muitas subidas e descidas. Eram

coletados em média 100 quilos por dia, num total de 2 toneladas/mês. Basicamente,

o material coletado era papelão, vidro e garrafas de plástico (pet) e plástico,

materiais que, apesar de leves, formam um grande volume, precisando de várias

viagens diárias. Jornal e latas de alumínio raramente chegavam nestas coletas,

pois, por serem considerados “materiais nobres”, eram coletados pelos demais

catadores que saqueavam os lixos deixados para a retirada do ReciclaReal ou

mesmo nem iam para a coleta seletiva, pois os próprios funcionários dos

condomínios os retinham para comercialização própria. Funcionou desta maneira

mais ou menos três meses até que conseguiram comprar um carro velho, marca

Caravan, de cor branca e, em seguida, um outro carro Caravan adaptado como

caminhonete, que passou a fazer a coleta. Isto quando este não quebrava e,

183

conseqüentemente , retornava a coleta de maneira precária com a carroça. Muitas

vezes, era necessário “empurrar” ou “fazer ligações diretas” em seu motor para

funcionar: (Fotos 13 e 14 em anexo)

A gente tem um carrinho velho, que já está muito ruim. Precisava de um carro melhor, né? (Tiago do ReciclaReal)

Acho que precisa o que todo mundo acha, fazer um galpão... e um carro melhor, um galpão.... mas tem que ter um carro melhor. Se tivesse numa condição boa, tava bom. Mas o problema é que ele está quebrando, de manhã pra pegar tem que empurrar muito. (José do ReciclaReal)

O que está faltando aqui é carrinho, né? Esse daqui não dá, ta sempre quebrando né?...(Madalena do ReciclaReal)

Nessa equipe agora nós estamos em oito, e está chegando mais de oito agora a partir de segunda-feira para trabalhar. Porque foi muito difícil, nós não tínhamos carro, nós não tínhamos nada, nós puxávamos carroça, depois conseguimos um carrinho, com muito sacrifício, há pouco tempo o carrinho quebrou, a mãe do projeto, essa é que é a grande poderosa de tudo, nos ajudou a conseguir um carro melhor, (...), e agora nós vamos batalhar mais ainda; consegui também com o apoio da Sônia, com a ajuda dela... (Maria do ReciclaReal)

8.1.4 Falta de recursos financeiros: inexistência de um galpão para

funcionamento adequado

O Núcleo do ReciclaReal não possuía a infra-estrutura da Vila

Leopoldina. Esta possui um galpão de reciclagem que constitui o “coração”, o “chão

da fábrica”, nos dizeres de Nicolau (2003). É neste local que se processa o trabalho

de separação em que são dispostos sob uma esteira rolante todos os tipos de

resíduos sólidos (plásticos, vidros, papelão, papel e metal e outros) e, numa prática

cadenciada, tal como uma linha de produção atrelada à concepção taylorizada, os

materiais eram separados e colocados em containeres dispostos em área próxima.

Estes eram levados às prensas para serem compactados, e depois de alinhados em

fardos e levados aos caminhões que adentravam o pátio, destinavam o material ao

local que seria vendido.

Em contrapartida, no Real Parque existia apenas o terreno em chão

batido onde se construíra um pequeno abrigo, “tipo barraco” com madeiras

encontradas no lixo e que pouco “abrigava” as pessoas que ali trabalhavam sob sol

184

ou chuva (Foto 15 em anexo). Havia outra precária construção com instalação

sanitária, uma pequena cozinha com fogão, armários e uma cama (todos os objetos

encontrados no lixo), que serviam de apoio a algumas necessidades humanas

básicas. Quando o material chegava, era amontoado no terreno a céu aberto (o que

muitas vezes, devido a intempéries se deterioravam, como por exemplo, o papel e o

papelão que, com a chuva, molhavam, dificultando a sua venda). O material, depois

de separado em containeres, era recolhido pelo caminhão da prefeitura uma ou duas

vezes por semana, dependendo da necessidade a ser atendida. Na realidade, o

ReciclaReal tinha a pretensão de tornar-se uma cooperativa independente no futuro,

o que não foi possível devido a inúmeros obstáculos que serão discutidos

posteriormente, portanto, permaneceu funcionando em condições precárias em toda

a sua existência.

Não foi possível a aquisição de recursos para a construção do

galpão, embora um arquiteto gentilmente tivesse executado a planta. Era necessário

material (tijolos, areia, cimento) para sua construção. Os próprios cooperados

ficariam responsáveis pela construção e havia também muitos empresários com

intenção de ajudar o projeto realizando doações. Por exemplo, uma empresa de

Minas Gerais, especialista em estruturas metálicas, doou à empresária da região,

apoiadora do Projeto, todo o material para a construção do galpão. Mas, devido à

distância, não foi possível o transporte gratuito. A falta de CGC (Cadastro Geral de

Contribuinte) do ReciclaReal também dificultou a doação de prensas e balanças por

parte de entidades tanto públicas quanto privadas.

O que tou sentido falta aqui por enquanto dar uma arrumada aqui, fazer um galpão, né? Dar uma arrumada... pra caber mais coisas. Arrumar aqueles materiais... (Tiago do RecilaReal)

Acho que precisa o que todo mundo acha, fazer um galpão... e um carro melhor, um galpão.... mas tem que ter um carro melhor. Se ela estivesse numa condição boa, tava bom. Mas o problema é que ela está quebrando, de manhã pra pegar tem que empurrar muito. (José do ReciclaReal)

Os cooperados tinham a esperança que algum empresário

comprasse a “idéia do Projeto”.

Precisa de um empresário sério... Isto pra valorizar mais os materiais. É, ter o dinheirinho pra gente comprar as coisas de casa. Todo mundo aqui precisava de ajuda de um empresário, pra fazer esse galpão... pra caber mais material. Ia ser melhor pra todo mundo. (Tiago do ReciclaReal)

185

Olha, o que eu falaria pra esse projeto, é ter empresário que pudesse de boa vontade doar alguma coisa pra gente... do coração de cada um, quem sabe não aparece ? (Madalena do ReciclaReal)

Quando chovia, o barracão pouco abrigava os coletores e isto

dificultava o seu trabalho e, às vezes, os deixava doentes.

Aí tem que ter um carro aqui, e fazer um galpão porque na chuva ninguém trabalha, fica parado. Quando as coisas melhorarem vai trabalhar mais gente, aqui... Umas 20 pessoas. (José do ReciclaReal)

Precisa de um galpão porque se chove... aí o que acontece, não fica mais a vontade pra trabalhar mais. Outro dia, fiquei aqui com chuva e fiquei com uma febre tão forte, que eu tive que parar e ir pra casa tomar remédio... (Madalena do ReciclaReal)

Além disso, o ReciclaReal não possuía prensa. O material era

prensado na Central da Vila Leopoldina na CooperAção. Com isto, o material

acumulado ocupava um volume de espaço muito grande. Enquanto contava com o

apoio do caminhão da prefeitura alocado para CooperAção, que apanhava o

material sempre que necessário, o projeto fluiu sem problemas. Mas, com a

mudança da administração municipal, ocorrida em 2005, este serviço foi

gradativamente descontinuado. Apesar de o material estar acondicionado nos

containeres, embalado em sacos plásticos e em caçambas, o visual do local não era

muito agradável, dando muitas vezes a impressão de “bagunça.” Os vizinhos dos

prédios de classe alta em torno do terreno começaram a reclamar.

Coincidentemente, iniciaram-se as multas da prefeitura sob alegação: “Não manter

terreno não edificado, limpo e capinado”, que foi sucessivamente repetindo-se ao

longo de quatro meses, a partir de março de 2005. Tal fato aliado ao compromisso

de pagamento do IPTU e à maior dificuldade de comercialização do material

juntamente com o da Central, fez com que o retorno financeiro declinasse, levando à

inviabilidade do projeto.

8.1.5 O conteúdo ergonômico do trabalho

O conteúdo ergonômico do trabalho de reciclagem é também uma

das limitações apresentadas. Dejours (1992), no que refere à satisfação do individuo

no trabalho, cita o conteúdo ergonômico do trabalho, negligenciado muitas vezes. A

186

inadaptação do conteúdo ergonômico é responsável por sofrimentos somáticos que

determinam as doenças do aparelho psíquico. As intervenções devem ser feitas a

partir da vivência coletiva sem deixar de valorizar a vivência subjetiva a curto e longo

prazo. Muitas vezes, uma intervenção ergonômica de correção, levando em conta as

questões subjetivas, tem uma posição privilegiada porque traduz as aspirações do

aparelho psíquico que levam à satisfação concreta e simbólica. As satisfações

concretas estão relacionadas ao corpo biológico e ao bem estar físico, ou seja,

subtrair do corpo a nocividade do trabalho. A satisfação simbólica diz respeito às

significações: o significado e o sentido que o trabalho tem para o indivíduo,

relacionados ao desejo.

As satisfações concretas relacionadas ao corpo biológico, como

subtrair do corpo a nocividade do trabalho com intervenções, tais como melhoria de

postura e alívio da carga de trabalho, refletem na diminuição das lombalgias do

trabalhador, cervicalgias que vão ajudar em sua satisfação e maior produtividade.

No entanto, o autor comenta que, muitas vezes, o trabalho com

forte carga pesada é a única defesa funcional que o trabalhador tem para aliviar os

efeitos do trabalho e manter o equilíbrio. É o caso relatado, em seu livro, de um

trabalhador de armazém de uma fábrica que controlava as atividades de sua equipe

e também “punha a mão na massa”. Por insistência da esposa, trocou este serviço

pesado por um mais leve numa companhia de seguros. O resultado foi a não

adaptação ao trabalho sedentário que lhe precipitou uma descompensação

psiquiátrica. Muitos trabalhadores necessitam de trabalhos pesados para o seu

equilíbrio psíquico. É o que se pode verificar no seguinte depoimento:

O serviço mais cansativo aqui dona Sônia, é para “carregar” o caminhão com aqueles grandão. Tem a empilhadeira, só que em cima do caminhão a gente tem de arrumar, aí a gente “se mata” mesmo, porque é muito pesado. Aí é no “muque” mesmo que tem que arrumar né? É na força se eu trabalhar muito no caminhão, “no carrega e descarrega”, aí fica cansativo. Amanhã eu vou ficar cansado, vai chegar material de todas as centrais, eu acho que a carreta já está encostada ali pra carregar amanhã, entendeu? Aí, carregar amanhã... Fica um pouco cansativo, né? Vai vir material de todas as centrais para carregar uma carreta, fica muito cansativo. (Paulo da CooperAção)

É neste sentido que alguns cooperados consideram até leve o

trabalho:

187

Não precisa de muita força para prensar Porque nenhum trabalho me cansa, porque se cansasse realmente, não estaria com essas unhas que eu tenho. Porque isso já foi até falado aqui dentro também. (Fátima da CooperAção)

A monotonia e a rotina traduzem sofrimento e insatisfação. Certos

sujeitos apresentam aptidão no campo intelectual com predisposição para atividades

mentais de contabilidade, cálculo matemático ou em profissões de caráter social.

Estas pessoas são mental e psicossomaticamente fracas. Se lhe interditarem o

trabalho, são fortes candidatas a uma doença coronariana, após dias ou semanas.

(DEJOURS, 1992).

Em suma, a insatisfação com o trabalho não se refere somente ao

conteúdo relacionado ao bem estar físico, ao soma: corpo, mas ao seu conteúdo

simbólico. Esta insatisfação pode causar um impacto mental, resultante de uma

frustração que pode levar à doenças somáticas (do corpo).

A insatisfação em relação com o conteúdo significativo da tarefa engendra um sofrimento cujo ponto de impacto é, antes de tudo, mental em oposição ao sofrimento resultante do conteúdo ergonômico da tarefa. Todavia, o sofrimento mental resultante de uma frustração em nível do conteúdo significativo da tarefa pode, igualmente, levar a doenças somáticas. (DEJOURS, 1992, p.61)

Em relação aos cooperados do lixo, a ergonomia é fundamental,

pois trabalhar na mesma posição é muito cansativo. Desta forma, é necessária a

mudança de posição durante o trabalho.

Eu sinto cansaço só nas minhas pernas. Eu trabalho sentada depois fico de pé, depois eu pego e sento de novo, porque onde eu estou trabalhando é assim, que é lá no galpão. Então tem vezes que o material está alto, aí tem que ficar em pé, depois senta, quando vai abaixando. (Imaculada da CooperAção)

Trabalhar não muito tempo sentado, mas se mexendo, porque você fica parada assim, num lugar, só virando pode até dar um mal jeito no corpo, e nas pernas de ficar sentada. .(Fátima da CooperAção)

Muitas vezes, o trabalhador chegava cansado para o trabalho

porque o ponto de ônibus ficava muito longe da cooperativa.

O trabalho aqui eu acho tranqüilo... O que cansa mais é a caminhada que eu faço para pegar o ônibus... Ando muito. Depois quando eu desço do ônibus eu ando mais uns quinze minutos... ando uma meia hora... de manhã e à tarde... e cansaço... só nas minhas pernas. (Rosa da CooperAção)

188

8.1.6 Falta de Equipamentos de Proteção individual (EPI) de segurança do

trabalho

O material na CooperAção, após separado, era prensado no caso do

papel, papelão e latas de alumínio (cerveja e refrigerantes). O plástico era também

prensado. Todos estes materiais ofereciam riscos ao serem prensados, pois a

prensa poderia ir ao encontro de uma parte do membro superior (dedos, mãos). O

vidro era separado por cores e, na maioria das vezes, para diminuir o volume. Esta

operação era de grande risco, pois poderia respingar algum estilhaço e atingir

qualquer parte do corpo, inclusive os olhos, o que ocorreu com uma de nossas

cooperadas, mostrando a importância do uso de Equipamentos de Proteção

Individual (EPI): óculos protetores, botas, aventais e luvas. Isto não acontecia.

Quando eu vim pra cá, eu comecei a trabalhar num vidro, comecei a trabalhar junto com o Pinguinha... Trabalhar no vidro é assim... a gente separa as cores, tira os alumínios, a gente tira os alumínios dos vidros, descasca, separa tudo direitinho. O marrom é marrom, o verde é verde, e o branco é branco. Quando estiver em cima da caçamba, na caçamba, é que quebra. Mas aqui, pode quebrar aqui também, é melhor quebrar dentro da caçamba mesmo né?(...) tem que quebrar o vidro, pra ficar menor o volume É... Mas, tem que derreter a mesma coisa lá! E aí quando o vidro está bom eu ponho o vidro dentro do tambor, se eu quiser quebrar eu quebro, se não quiser eu deixo e tiro que é mais leve pra botar em cima do caminhão e nós levamos já pra fabrica. (Paulo da CooperAção)

Além disto, era fundamental a lavagem das mãos após contato com

resíduos sólidos, que, porventura, encontravam-se sujos e úmidos. Devia evitar o

uso de anéis, pulseiras que dificultam o trabalho da separação de materiais e assim,

sua possível contaminação com microrganismos presentes no lixo.

8.1.7 O sofrimento psíquico também aparece nas cooperativas de lixo

Mas, outros distúrbios aparecem nos coletores decorrentes do

sofrimento psíquico causado pelas intercorrências da vida, como é o caso de Fátima:

189

e exige uma atuação diferenciada do Trabalhador Social, denominado de

maternagem por Winnicott.

Eu tinha uma filha, e há uns cinco anos, ela teve meningite, e depois eu descobri depois que ela faleceu que ela não era minha filha. Ela foi trocada no hospital. Foi quando fizeram autópsia nela, e descobriram que ela tinha uma doença... e eu não tinha... ( respiração profunda). Só que ela morreu eu peguei muito amor nela sabe, aí ela teve meningite, depois da meningite teve tuberculose, depois da tuberculose teve pneumonia, veio a meningite depois a pneumonia, aí depois curaram a meningite, porque a meningite era perigosa, depois veio a pneumonia e depois ela teve tuberculose, que ela pegou da família do meu ex-marido, mas ninguém fala que foi, ninguém nunca admite que fez isso. Ela nasceu com HIV. Eu não sabia. Não, porque assim que eu fiquei sabendo que ela tinha meningite, aí fizeram exame de sangue, fizeram exame de sangue em mim, lá no Emílio Ribas, fizeram vários exames e todos deram negativo, tanto na parte do meu marido, quanto na minha parte, aí deu negativo, aí chegando lá eles resolveram fazer o exame de DNA, porque a gente não sabe se ela é realmente sua filha... Porque a gente já fez mais de dez exames e não constou nada. Deu sempre negativo, então alguma coisa tem errado, aí deram pra ela, vir embora, pra ela vir embora que ela melhorou um pouco, mas vai fazer tratamento. Todo mês eu a levava, aí quando chegou ela em casa, passou o domingo super bem, chegou na segunda-feira ela ficou ruim, e ela morreu nos meus braços... (Fátima CooperAção)

Separei do meu marido porque ele não gostava de trabalhar. Ele não bebia. Tinha vezes que ele não comprava as coisas, ele mandava pra mãe dele... comprar as coisas dentro de casa... Porque quando eu fiquei sabendo que era o mercado, que era um açougue, uma feira, eu fiquei sabendo depois que eu me separei. Faz uns cinco anos eu acho. Eu já tinha separado dele, porque ele não queria saber nem de ir no hospital para olhar a menina, fiquei seis meses no hospital trancada junto com ela porque ninguém... eu ia sozinha, porque ninguém queria ir.(...) eu caí em depressão. (...) Olha, eu faço mais força para ficar sem, sem os remédios, porque tem... porque eu não posso..., porque eu tenho que cuidar dela e não posso ficar preocupada vinte e quatro horas.(Fátima da CooperAção )

Winnicott (1970) 39, ao falar do papel de enfermeiras em relação à

cura, nos diz que: “a identidade pessoal que é essencial a todo ser humano só pode

se realizar de fato em cada indivíduo em função de uma maternagem satisfatória, e

de um suprimento ambiental do tipo do ‘segurar’ durante os estágios de imaturidade.

O processo de maturação por si só não pode conduzir o indivíduo através de seu

processo de se tornar indivíduo”. E quando se fala no sentido de “cuidar – curar”, a

tendência é de que médicos e enfermeiras entendam no sentido de “tratamento”. O

processo “cuidar – curar” pode ser mais importante que o “curar tratamento”.

39 “A cura”, palestra proferida por Winnicott para médicos e enfermeiros na igreja de São Lucas, Hatfield, em outubro de 1970.

190

E quando estamos no processo de "cuidar curar", estamos sendo

mediadores de uma situação de saúde. E como mediadores, diz Manzini Covre (sd),

estamos de alguma forma sendo cuidados "e é nesse processo que está o possível

encaminhamento de soluções conjuntas para as reivindicações, para os problemas”.

Uma construção solidária da cidadania. Não podemos pensar em solidariedade

dentro de uma cooperativa se o mediador do trabalho, não tem solidariedade com o

sofrimento alheio.

Tem hora que eu entro naquele banheiro que dá uma vontade de chorar, por causa do nervoso que eu passo aqui. Mas do resto... A gente tem que batalhar para ser alguém na vida. Tem vezes que eu me sinto mais fortalecida um pouco, mas tem tempo que não, que era muita pressão, um quer saber mais do que os outros, aí fica naquela empurra-empurra, um fala que não, isso aqui está errado, está vendo que está certo, e a pessoa está falando que está errado. Então vai todo mundo errar. (Fátima da CooperAção)

O grupo tem um papel importante no “cuidar curar” de acordo com

as idéias defendidas por Winnicott, chamada de “maternagem”. A idéia de

“maternagem” foi elaborado pelo pensador inglês que faz uma releitura das teorias

de Freud. Mello Filho (1995), expondo o pensamento de Winnicott, esclarece-nos

que o grupo tem uma função terapêutica, ou seja, de “holding”, que significa

“segurar”. Desse modo, “o grupo recebe e absorve o novo, o recém ‘nascido’, bem

como o paciente em sofrimento ou em regressão, que igualmente precisa sentir-se

‘aninhado’, ‘contido’, componente deste todo que, ao mesmo tempo, o protege”.

Quando perguntado a Fátima o que ela gostava de fazer além de

trabalhar, respondeu que gostava de ficar em casa, em seu cantinho, denotando que

não possuía nenhum tipo de lazer, tão importante para a saúde mental do

trabalhador:

Eu saio, eu saio de final de semana com a minha filha mais velha, quando a outra não está na casa do pai dela, eu saio com ela. Eu gosto de ficar dentro da minha casa, é no meu cantinho. Aí eu já faço a comida no fim de semana. É que sair assim eu não gosto muito não. (Fátima da CooperAção)

8.1.8 Alguns princípios básicos do cooperativismo devem ser aprimorados

191

Magera (2002) observou em sua pesquisa que, de todas as

cooperativas por ele estudadas, a Cooperativa de Salto tinha algumas

características que infligiam os “Princípios Básicos do Cooperativismo”, tais como:

subcontratação de mão-de-obra barata; desrespeito aos princípios básicos do

cooperativismo com existência de hierarquia de comando; desconhecimento por

parte dos cooperativados sobre o sistema de cooperativa e a respeito da venda dos

produtos; desconhecimento do material selecionado; horário de entrada e saída

controlado por uma coordenadora.

8.1.8.a Hierarquia de comando

Contrariamente, os cooperados da CooperAção relatam a não

existência de uma hierarquia de comando, mas intromissões de pessoas que não

lhe fazem parte , causando uma grande insatisfação em um dos cooperados:

É tem sempre um mandando exclusivamente, porque é o seguinte, aqui quando as pessoas trabalham certinho, vem uma pessoa lá de fora, vem uma pessoa lá de Brasília, vem uma pessoa não sei de onde, chega aqui dá uma sugestão todo mundo abaixa a cabeça para o “cara” entendeu? Quem inventou esses três turnos foi um cara que veio lá de fora. O cara veio lá de fora e inventou esses três turnos. Por quê? O gari não ganha quatrocentos reais, mas nós podíamos ganhar quatrocentos reais aqui também, como o guarda, se trabalharmos, entendeu? Enquanto dois trabalham, ficam três parados, aí como é que vai ganhar quatrocentos reais? Não pode!...(Paulo da Cooperação)

Na assembléia que houve sobre os três turnos, observada pela

autora, decidiu-se que o trabalhador do terceiro turno seria alguém do turno da

manhã ou da tarde que, voluntariamente, optaria por esta extensão da jornada de

trabalho com produção individualizada.

Isto foi questionado por um cooperado sob a argumentação de que,

durante o dia, “a pessoa encostaria o corpo porque o seu estava garantido

(rendimento igual para todos no final do mês) e a noite não parava nem para fumar”,

pois sua quantia em dinheiro por este “serviço extra” seria conseqüente da

produtividade individual.

192

Trabalhar como coletor de lixo nesse projeto de coleta seletiva solidária, pra mim não mudou nada. Não, pra mim não mudou nada, continua a mesma coisa. Isso não é nenhuma mudança. Na verdade verdadeira não mudou, é só o nome que mudou. Que é cooperação?...É porque tem gente que manda em cima? Um manda outro manda, eu não entendo!... (Paulo da Cooperação)

Aqui inclusive virou uma empresa, virou uma firma, aqui tem patrão, porque todo dia você chega e vai bater cartão, você vai assinar.Tem que assinar, marcar o horário, quem entra, entendeu? Porque isso aqui virou uma empresa. Não virou uma empresa aqui? Porque isso aqui esse negócio aqui quem tinha que resolver éramos nós mesmos, tem quarenta e duas pessoas aqui, eu nem sei se tem quarenta e duas pessoas aqui, é difícil ter quarenta e duas pessoas aqui, o pessoal fala, entende?, mais fácil juntar essas quarenta e duas pessoas e falar: vamos fazer assim, assim, assim, nós resolvemos o problema nós mesmos. Mas eles não querem, só querem que venha gente lá de fora para atrapalhar. (Paulo da Cooperação)

Outra grande insatisfação verbalizada é a respeito das mudanças

em relação ao horário

Eu estou satisfeito só que quando a gente está trabalhando sossegado, e aparece uma coisa que muda o sistema, muda o serviço, muda o horário, aí eu fico querendo sair... (Paulo da CooperAção)

O negócio do horário a gente não está sabendo, falaram que teve a reunião falando que ia ter mesmo a mudança de horário, só que ninguém fala pra gente, nós ficamos sabendo, eu mesma, no meu caso eu fiquei sabendo da boca de terceiros, e ainda íamos fazer um sorteio para saber quem ia pegar das seis as duas, porque ninguém fala nada. (Fátima da CooperAção)

A substituição da autocracia típica da produção capitalista para a

democracia participativa e econômica, a transição da relação operário/patrão, o

entendimento de que não há mais autoridade vertical, e sim igualdade de

oportunidades, participação significativa e tomada de decisões de proprietário,

exigem aprendizagem do novo papel. É um processo extremante difícil

principalmente quando se trata de pessoas que sofreram “exclusão social” a vida

toda, nunca exercitaram o direito de falar, discutir, defender suas idéias, ser cidadão,

conceito tão antigo como no tempo de Sócrates na Grécia antiga. Geralmente

ganham as questões “no grito ou na força”.

No sistema cooperativista não há patrão. Todos devem dar opinião e

resolver as questões conflitantes em assembléia. Todos têm igualdade de voto, mas

isto não significa a inexistência de pessoas que assumam a administração dos

negócios: comercialização, vendas de materiais, execução da contabilidade e

193

tesouraria, que sempre são de responsabilidade de um cooperado com maiores

aptidões para estas atividades. É fundamental que existam pessoas que gerenciem

o negócio, mas participem também da produção em determinadas horas do dia para

que a igualdade se mantenha. Isto acontecia na CooperAção. Mas, muitas vezes,

estes cooperados que exercem o trabalho mais “fino” são confundidos com patrões,

gerentes de empresa.

A estrutura básica de uma cooperativa é composta pela Assembléia

Geral dos Sócios, Conselho Fiscal e Conselho de Administração – este último

constituído pelo cargo de presidente, diretor e secretário (organograma apêndice III)

que tem seus cargos obrigatoriamente ocupados por cooperados. Subordinados a

esses, podem existir pessoas contratadas junto ao mercado externo, não

necessariamente cooperados, para exercerem funções exclusivamente executivas,

submetendo suas sugestões às decisões da Assembléia Geral dos Sócios.

(CRÚZIO, 2001)

Como exemplo, podemos citar a maior cooperativa brasileira em

laticínios, a Cooperativa Central de Produtores Rurais de Minas Gerais, mais

conhecida pela marca Itambé. Além de manter o seu mercado interno, já inicia suas

exportações. Possui administração profissional por pessoas preparadas para a

função, porém cooperados, como é o caso de seu presidente que há 38 anos está

na cooperativa. As seis fábricas alcançam a marca de um bilhão de litros de leite

processados por ano. O bom desempenho nas vendas permite que a cooperativa

mantenha o posto de segundo lugar no “ranking” de lacticínios, perdendo somente

para a Nestlé e é considerada a melhor cooperativa do país. Faturou 1,3 bilhões de

reais em 2005. (VIEGAS, 2006).

Em outro momento, Paulo se contradiz, dizendo que é necessário

um supervisor do trabalho para que não haja abuso dos colegas trabalhadores, ou

seja, reitera a idéia de hierarquia. Se não há supervisão, o “pessoal pode passear”

ou “pisar na bola”

Então, mas eu acho que tem que ter uma pessoa para olhar esse pessoal, os que passeiam e os que não passeiam. Os que pisam na bola? É isso que tem que ver, mas aqui ninguém vê. Eu estou satisfeito, só que quando a gente está trabalhando sossegado, e aparece uma coisa que muda o sistema, muda o serviço, muda o horário, aí eu fico querendo sair. (Paulo da CooperAção)

194

Ao analisar o tipo de organização vivenciada pela CooperAção e o

ReciclaReal observa-se que se trata de uma organização, que lembra a ”burocrática”

estudada por Max Weber. Para Morgan (1996), a organização burocrática é aquela

que se caracteriza pela precisão. Neste caso, a precisão das embalagens

padronizadas dos resíduos sólidos; rapidez, clareza na regularidade, seleção e

classificação de materiais; confiabilidade (material de qualidade: papelão e papel

sem umidade, latas de cerveja e refrigerantes sem pedras que aumentam o seu

peso). Há divisão de tarefas fixas (separação, classificação, prensagem,

embalagem, pesagem e armazenamento do material), supervisão hierárquica (não

se trata de uma unidade de comando que toma as decisões, mas de representantes

dos demais membros na contabilidade, comercialização dos materiais que detêm

certa autonomia), regras detalhadas com regulamentos (os princípios básicos do

cooperativismo). (MORGAN, 1996)

8.1.8.b A transparência das transações comerciais

Em relação à transparência a respeito das vendas dos materiais,

temos os seguintes depoimentos:

Como as vendas que a gente precisava saber e eles não passam, entendeu? A gente fica por fora de tudo. Queria só que eles declarassem o tanto de vendas que teve por mês, os gastos tudo. Para nós ficarmos ciente do que está acontecendo. Porque se a gente faz uma boa venda, aí você não sabe com o que foi gasto, e vem um pagamento pequeno pra você, aí você já fica pensando coisas, que estão te enrolando. Gostaria que eles fizessem as coisas mais às claras... (Imaculada da CooperAção)

Como é que é essa história de sistema de conta aqui, quando eles vêm, eles passam pra você tudo que foi vendido, fazem uma prestação de conta em assembléia? Eu nunca vi. Igual a gente fazia lá no Real Parque, lá a Maria levava as notinhas, a gente fazia as contas... Aqui eu nunca vi... Aqui eu nunca vi, só pela boca dos outros. Se deu trezentos reais eu não sei... coisa lá desse dinheiro aí, tá no banco, porque é pra esse mês aí nós tiramos cinqüenta reais, cinqüenta e um reais. Isso já passou o mês, um mês ruim. (Paulo da CooperAção)

Quero saber sobre o que vende o que não vende. Porque a gente mesmo que trabalha, não sabe o que a gente está vendendo, a gente vê caminhão saindo, mas não sabe o quanto que vendeu e... E as pessoas não falam isso... E aí as pessoas não falam. (Fátima da CooperAção)

195

Pode-se observar que na CooperAção existia, próximo à sala da

administração, um quadro negro em que ficava anotada a produção diária dos

materiais vendidos. Não era realmente especificado o valor, “os preços” de cada

venda efetuada e nem enviado ao ReciclaReal um balanço mensal. Era apenas

comunicado através de reuniões. Na verdade, existia sempre uma desconfiança

entre os sócios que executavam o trabalho de coleta, separação, classificação,

prensagem, empacotamento e aqueles sócios que executavam o trabalho

administrativo. No ReciclaReal havia reuniões com todos os cooperados e faziam-se

as contas eram feitas na presença de todos, por um voluntário que ajudava na

Contabilidade.

8.1.9 Dificuldades de Gestão de Pessoas

No trabalho de campo pode-se observar que muitos conflitos

ocorrem entre os sócios, durante as reuniões deliberativas e, mesmo durante o

trabalho, existem desavenças e burburinhos freqüentes. As freqüentes reuniões

causam descontentamento. Segundo Rodriguéz (2002), estes atritos parecem ser

uma das características comuns dos processos deliberativos, mas no caso do

coletor de lixo da Colômbia há uma dificuldade adicional que é o baixo nível de

escolaridade. Tanto no ReciclaReal quanto na CooperAção isto ocorria.

E se eu não consigo falar alto, se eu não consigo gritar, me dá um nó na garganta e eu tenho que chorar e nisso eu fico com o corpo todo roxo e passo mal. Mas aí... eu não consigo falar, se tiver uma pessoa pra eu falar, eu não consigo chegar e falar. Sabe, os diretores... Os presidentes... Eu não consigo falar. (Imaculada da CooperAção)

Ou, às vezes, ocorre a omissão para que se consiga ficar em um

cargo mais elevado, por exemplo, o de coordenador. Segundo Sen (2001) a

liberdade é sempre vantajosa. Mas, há um conflito entre a liberdade que por um lado

é uma vantagem e o aumento de liberdade como algo que pode ser desvantajoso,

por outro um aumento de liberdade na “condição de agente” poderá levar a uma

redução da qualidade de bem estar. Nem tudo que a pessoa faz visa seu bem estar.

Para tornar mais clara esta idéia, Sen cita um exemplo: se eu me encontrar em uma

cena de um crime que eu gostaria de evitar, a minha liberdade de agente aumenta,

196

pois posso fazer algo para parar o crime, mas isto resulta na diminuição de meu bem

estar, pois não é agradável ver um crime, posso me ferir ao tentar evitá -lo.

É o que sente Paulo que para não diminuir o seu bem estar, não

lança mão de sua liberdade como coordenador. Foi o que aconteceu com a

Imaculada, (uma cooperada do ReciclaReal) referida pelo Paulo . Esta, ao expor sua

opinião como coordenadora (aumento de liberdade), perdeu o cargo de

coordenadora do ReciclaReal (na CooperAção) e reduziu o seu bem estar. Segundo

o mesmo autor, tem que valer muito a pena para que na condição de agente opte

por sofrer um mal estar.

É, pra mim estar criticando as pessoas eu acho muito chato, pra mim isso ai é ruim. Porque, cada “cabra” tem que fazer pra si. É, por causa que eu fazia minhas coisas certas que eu passei pra trabalhar a noite... e inclusive eu passei pra Imaculada também, pensando que a Imaculada era..., num sei ai, parece que, Maria falou que ela começou a pisar na bola, entendeu? Ai fizeram essa reunião aqui pra tirar ela da coordenação e estou eu aqui. (Paulo da CooperAção)

Olha D. Sônia, aqui é o seguinte coordenador de grupo te “zua” porque manda nas pessoas, inclusive eu não faço isso porque eu não sou patrão de ninguém, certo? Porque aqui cada “cabra” faz pra si. Sou coordenador daqui das pessoas, daqui das pessoas que tem no Real Parque, eu só faço, eu num mando neles... eu só faço pegar o vale deles, devolver pra eles, que é minha obrigação, pegar o pagamento, se a Maria quiser que eu levo pra lá, eu levo, é minha obrigação, e só! (Paulo da CooperAção)

Quando o grupo não se integra, os sintomas são facilmente

detectáveis nas freqüentes ausências e saídas de seus participantes. Ao contrário,

quando o grupo está coeso e se identifica, os participantes cada vez “mais se

entendem” e passam cada vez mais a ajudar um ao outro. Entretanto, quando ocorre

a saída de um membro importante do grupo, porque ficou doente, ou outro motivo, o

medo da dissolução do grupo ocorre.

8.1.10 Dificuldades na gestão do próprio negócio: os atravessadores do lixo

Em São Paulo, o mercado de lixo esta dividido em três partes: o

catador de lixo, o intermediário formal e informal e, finalmente, as indústrias. Uma

das soluções para evitar o intermediário é a concentração de materiais em local

197

apropriado onde se possa acumular uma quantidade considerável de materiais que

permita uma melhor negociação direta no mercado com a eliminação da ação de

atravessadores. O programa de Coleta Seletiva Solidária apresentada pela

Prefeitura de São Paulo teve como solução a formação de Central de Triagem na

Vila Leopoldina com armazenamento, beneficiamento e comercialização e, com este

objetivo, conseguir um preço melhor. Tornou-se fundamental existir infra-estrutura

municipal de apoio, como ocorreu no governo municipal de São Paulo passado.

Eu não sei Dona Sônia. Mas isso aqui não é um projeto, isso aqui é uma central. Tá, mas é um projeto de reciclagem, né? Não. Projeto é o Real Parque lá é projeto, aqui é central. Eu não tenho sugestão nenhuma, por mim fica assim mesmo. Não tem ninguém para resolver, então fica assim mesmo. (Paulo da Cooperação)

O lixo coletado no ReciclaReal era encaminhado a esta Central para

ser comercializado. Pelo depoimento a seguir, verificamos que o papelão não ia

direto para a fábrica, provavelmente devido à quantidade que não era grande o

suficiente para o fornecimento direto a indústria.

Aqui não tem intermediário, vai direto pra fabrica. Vende direto. O papelão não... O papelão vai para o depósito. [Intermediário] A gente vende esse papelão aqui, lá, próximo a Ponte da Casa Verde, é uma firma lá, aí eu acho que de lá vai pra fábrica. (Paulo da Cooperação)

Esta problemática também é encontrada nos estudos feitos em

Bogotá sobre os recicladores. Como diz Rodrigues (2002, p.346), ”sem uma

estratégia econômica viável, os recicladores estão condenados à pobreza ou, na

melhor das hipóteses, a dependerem indefinidamente da caridade das organizações

não governamentais, benfeitores individuais, ou entidades governamentais isoladas”.

Para Rodriguéz (2002), o mercado da reciclagem na Colômbia está

dividido entre: a) recicladores de lixo que recuperam o material reciclável. Existem

300 mil deles nas cidades colombianas e 50 mil só em Bogotá; b) os intermediários

formais e informais que compram os materiais dos catadores e, finalmente, c) as

indústrias que adquirem o material recuperado. Estas, em número reduzido, impõem

os seus preços. Como os intermediários se apropriam dos benefícios da reciclagem,

os catadores acabam ganhando menos que um salário mínimo nacional, ou seja,

120 dólares. Segundo o mesmo autor, este mercado de exploração permanece

devido ao estigma de “exclusão” em que são colocados os catadores, explorados

pelos intermediários e donos de indústrias. Como são marginalizados, considerados

198

o lixo da sociedade, vitimas até mesmo de operações de ‘limpeza social’, é o que

lhes resta fazer para manter em sobrevivência.

8.1.11 Debilidade das Políticas Públicas

Outro desafio encontrado é a falta de apoio do governo das cidades,

pela falta de interesse por uma política de “exclusão social”, adotando políticas

voltadas à privatização dos serviços de coleta de lixo, como ocorreu na cidade de

Bogotá. É importante que os governos locais cumpram o que a Carta Magna

preconiza e o sistema de Atenção Primária Ambiental faça parte da agenda das

políticas municipais atrelando o serviço de controle ambiental. Muitas vezes, quando

existem, estas políticas se encontram desestruturadas para responder com eficiência

às demandas da comunidade. Estão centralizadas, com excesso de tecnicismo,

dificultando o caminho do desenvolvimento sustentável.

Muitas vezes, este serviço é entregue às empresas que detêm

tecnologia, competindo com os recicladores, que ficam à sua margem. Estas

empresas não só cuidam da coleta, como também da recuperação do material

reciclável. (RODRIGUÉZ, 2002)

Geralmente, estas atividades econômicas são locais, pois aqueles

que a elas se dedicam não conseguem competir com o capital nacional. Constitui um

modo de produção que não desperta interesse para as empresas transnacionais,

semelhante à venda de artigos de baixa qualidade por ambulantes. Este tipo de

economia proliferou “nas partes do mundo que o capitalismo rejeitou”, nas palavras

de BURBACH, (1997, APUD RODRIGUÉZ, 2002).

Vários autores apontam a importância destas organizações

econômicas se inserirem no mercado nacional e global, terem articulações com o

Estado e entidades nacionais e internacionais para adquirirem a condição

emancipadora e a melhoria das condições de vida, senão estas pessoas estão

fadadas a continuarem à margem da sociedade e este tipo de economia sendo

199

apenas um meio de sobrevivência de seus membros. (SANTOS, 2002;

RODRIGUÉZ, 2002; SANTOS e RODRIGUÉZ 2002; HARVEY, 1992).

200

8.2 Possibilidades

8.2.1 Possibilidades encontradas pelos participantes do núcleo-cooperativa de

lixo ReciclaReal

Muitas foram as possibilidades que pudemos observar na

construção da cidadania a partir da cooperativa de lixo ReciclaReal:

• O despertar da consciência coletiva dos recicladores do Real Parque;

• Uma nova cidadania: a capacidade de realizar funcionamentos; a cidadania

em movimento: liberdade de expressão, participação e o exercício político;

• O conteúdo ergonômico do trabalho;

• A interdependência e a solidariedade: empresários, profissionais liberais e

favelados sentam na mesma roda;

• A saúde e possibilidades em relação ao trabalho;

• O trabalho em transformação: do taylorismo x a criatividade na reciclagem de

lixo;

• A globalização e o consumo na construção de uma nova cultura do lixo no

bairro Real Parque.

8.2.2 O despertar da consciência coletiva dos recicladores do Real Parque:

solidariedade e interdependência

O maior desafio da montagem da cooperativa é despertar a

consciência coletiva e a participação efetiva dos cooperados para que haja sucesso.

Este é o ingrediente mais importante. Sem ele, nada sobrevive. Exige persistência,

coragem, garra, trabalhar com afinco e, muitas vezes, uma jornada adicional de

201

trabalho, visto os cooperados serem donos de seu próprio negócio. Além disso,

tratando-se de uma cooperativa de lixo é necessário o apoio geral de toda a

comunidade40 do bairro no que refere à separação do lixo reciclável do não

reciclável (popularmente chamado de lixo seco e úmido), além do apoio dos órgãos

governamentais.

Um dos aspectos mais significativos que corrobora com a [esta] análise, remete à compreensão do conceito histórico e dos níveis de consciência social no que tange ao acesso a direitos básicos dos cidadãos. Da vivência de um cotidiano de carências e provações, em meio a uma sociedade que tradicionalmente vem marginalizando alguns de seus setores componentes, são gerados conformismos e renitências que permeiam o imaginário social, prejudicando a construção de uma cidadania verdadeiramente coletiva. (ABRASCO apud PAIVA e GUNTHER, s/d)

Em termos de meio ambiente, é necessário que todos percebam que

se trata de um bem comum e que se necessita de uma ação conjunta de soluções

coletivas em detrimento de interesses particulares. Na fala quase unânime dos

cooperados, há a importância da consciência coletiva. Eles possuem a consciência

de que se não estiverem unidos e solidários uns com os outros, a economia solidária

não produz frutos. É o que se pode verificar nos seguintes depoimentos:

Eu acho que tem que ter mais união, pra gente trabalhar aqui em equipe, porque uma firma que cresce, cresce sendo uma equipe. Porque a gente nunca começa do alto, a gente sempre começa do baixo, a gente tem que começar do baixo pra crescer, e pra isso, a maioria das pessoas está querendo montar a casa em cima, e aí vai desmoronar tudo... E aí acabou o Real Parque, e aí? Muita gente vai ficar sem ajuda. (Imaculada da CooperAção)

De lá do Real Parque, veio as garrafas com água, eu tive de ir lá tirar porque a menina não prensava assim... Então, fica chato porque elas falam, vamos separar cada um lá, e nós aqui. Lá é o Real Parque, e aqui a gente... É o que a gente é do Real Parque sim, mas... Tem que juntar tudo, dinheiro... Tudo! Mas a gente não está vendo nada disso. No centro eu vi... Mas depois que a gente veio pra cá eu não vi mais. E fica chato também, porque aí não cresce nem o Real Parque nem a gente aqui que faz parte do Real Parque. (Fátima da CooperAção)

40 O debate do termo comunidade apresenta uma diversidade de significados e é discutido pelos mais diversos autores. Sawaia (1996) comenta que Nisbet (1974) tem uma idéia balizada a respeito: Para este autor, comunidade “abrange todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral (...) e continuado no tempo. Ela encontra o seu fundamento no homem visto em sua totalidade e não neste ou naquele papel. Realiza na fusão de vontades individuais, o que seria impossível numa união que se fundasse por mera conveniência (...) A comunidade é a fusão do sentimento, e do pensamento, da tradição e da ligação intencional, da participação e da volição. O elemento que lhe dá vida e movimento é a dialética da individualidade e da coletividade”.

202

O que eu tenho pra falar, a única coisa assim... Aqui eu estou contente, de trabalhar aqui, como também no Real Parque, só que é muita confusão, tem hora que a gente não entende... Eu mesma, no meu caso não entendo nada, porque uma que eu também não conheço lá como que é, e acho que a maioria das pessoas de lá não conhecem como é aqui, então não adianta, uma pessoa aqui, eu julgo lá... e as pessoas de lá, julgam aqui. A gente não se conhece muito bem, e eu estava falando uma vez para a Maria que os materiais que a gente não ajuda ela aqui... mas um dia eu ajudei um rapaz a separar bastante material só que eu não vi reconhecimento, nem um obrigado sequer.(Rosa da CooperAção)

O que trabalha mais do que o outro, paga pelo que trabalha menos. E não tem jeito de resolver, pra todo mundo trabalhar igual. Se o cara quiser encostar ele encosta mesmo. Encosta e acabou. Não tem como resolver isso. A Coordenadora Geral ela não passa olhando. Aqui tem cara que vai pra rua fazer coleta e chega três horas da tarde com um pouquinho de material, almoça descarrega três horas e fica passeando. Isso não pode. (Paulo da Cooperação)

Pra você ver, esses três turnos não vão vingar. Sabe por que não vão vingar? Pra você ver, o cara não tem estrutura para trabalhar a noite inteira mexendo com o lixo. Vai cochilar, ele não vai trabalhar, vai escorar. Eu não acabei de falar que as 10h40min, a esteira estava parada, porque a turma estava reclamando que o lixo estava vazio. A turma do dia vai trabalhar pra turma da noite com certeza, eu já falei isso para o (....) eu não quero nem saber... (Paulo da Cooperação)

Pelo discurso acima, notamos que a consciência do espírito coletivo

encontra-se bastante forte nos coletores de lixo da cooperativa do ReciclaReal,

envolvendo espírito de solidariedade e interdependência.

Observou-se que, no núcleo ReciclaReal, as pessoas que aderiam

ao projeto não permaneciam muito tempo. Aprendiam o serviço, depois compravam

uma carroça ou um carro velho e iam trabalhar sozinhos. Existe a cultura de que

trabalhar sozinho significa ganhar mais e isto impede a integração de mais

recicladores informais. Ao vender para o atravessador, apesar de receber valores

menores, recebe-se a contra entrega de material praticamente todos os dias.

Ás vezes a gente fica triste porque as vezes uma pessoa quer o trabalho, a gente dá o serviço pra pessoa tudo direitinho, a pessoa aprende todo o trabalho, aprende tudo e depois quer montar o seu próprio negócio, sozinho. Então isso que as vezes eu fico chateada, porque eles vem aprende tudo e vão embora.(Maria do ReciclaReal)

É ilusão! É ilusão porque eles não levam direto para grandes empresas, nós conseguimos levar direto para grandes empresas, e eles não conseguem, eles levam para o “atravessador”....Aí fica aquela história, quando eles vêem que está errado, eles querem voltar novamente para o projeto, querem voltar novamente para cá porque isso nós temos

203

casos com várias pessoas, que saíram, fizeram isso e querem voltar. Só que fica aquele negócio não é “casa da mãe Joana” para ir e voltar a hora que quiser, quando eles saem nós temos que repor as pessoas. O Caipirinha já quis voltar. É, comprou e não deu certo, ele comprou o carro porque ele tinha recebido a indenização de uma empresa, aí comprou a perua e falou: “Agora eu vou ganhar o mesmo dinheiro”, aí não agüentou a manutenção da perua, o combustível da perua, o motorista, pois eles não sabiam dirigir e aí faliu. Vendeu a perua para pagar para os outros e agora queria voltar para cá. Só que aí a gente recua e não dá mais chance, dá a chance para aquele outro que quer realmente. (Maria da ReciclaReal)

Ele estava aqui com a gente, que é o meu cunhado, mas aí veio aquelas... lá da Leopoldina, que ele tinha de fazer o curso e tudo e não aceitou, então agora ele está no curso. Depois ele volta, que é o caso também do Natal, não sei como é que vai fazer para aceitar o Natal de volta. Porque ele liga direto “- Moniquinha minha vaga, eu vou trabalhar aí...” Só que esses dois são exceção, porque eles não saíram porque aprenderam mais, eles saíram porque foram resolver outras coisas. Então essas são pessoas que a gente pensa em pegar de volta, o que a gente não aceita de volta são aqueles que vem fazem as coisas e que não dão certo. Como nós tivemos o caso do Amilton, o primeiro casamento não deu certo, outra chance, não deu certo, outra chance, não deu certo, depois eu fui até a casa da Lídia, ele falou que não queria mais a reciclagem, que queria só o apoio. Então o apoio não aconteceu nada, então agora ele quer voltar, é onde a gente não aceita mais essa pessoa, a gente prefere tentar com outros, já tem dois que querem vir... a mãe do Rodnei, que está começando a partir de segunda-feira, está vindo pra cá...(Maria do ReciclaReal)

Neste momento, é necessário deter-se rapidamente nos conceitos

de solidariedade e interdependência para entender com maior profundidade as

questões do coletivo que perpassam o aqui e o antes e se opõem às de

individualidade e egoísmo. Será que estamos predispostos a um convívio solidário?

A palavra solidariedade nos remete a uma teia de campos semânticos, como

afirmam Assman e Sung (2000), ao fazer uma ampla discussão da terminologia.

Indicam os principais pensadores dos últimos tempos: Habermas, em seu estudo

“Justiça e Solidariedade”; o filósofo e contemporâneo Lawrence Kohlberg, um dos

maiores filósofos norte-americanos, conhecido por sua tese, “que pouca gente

alcança a maturidade ética por uma consciência solidária universal”, teoria

pessimista da natureza anti-solidária dos seres humanos; Richard Rorty que

sustenta a tese neo-pragmática, na qual se afirma que, para falar significantemente

de solidariedade é melhor partir da sensibilidade comprovada empiricamente,

acreditando-se que, aos poucos é possível expandir a responsabilidade moral das

pessoas; Durkheim em sua discussão de solidariedade mecânica e a orgânica; e,

recentemente, nos discursos do FMI e Banco Mundial, embora o FMI continue

204

acreditando que a solidariedade só é possível através dos mecanismos de livre-

mercado, sobre o quê não cabe neste momento tecer comentários críticos a

respeito. Inclui-se neste rol a Igreja Católica, com as campanhas da fraternidade, as

ONG(s), as Igrejas Evangélicas da Alemanha, além de textos de educação do MEC,

entre outros tantos41. É vasto o leque de referências a respeito de solidariedade.

Na campanha da fraternidade de 1999: “A fraternidade e os

desempregados: sem trabalho... por quê?” na parte II – julgar encontra-se o que a

Igreja Católica entende sobre a solidariedade e trabalho.

É urgente enfrentar esta cultura de egoísmo e consumismo com uma outra cultura. Estamos falando da cultura da solidariedade, da sobriedade e da subsidiaridade. Ela é a favor da vida e da dignidade humana, de uma sociedade justa e solidária, e a favor do meio ambiente preservado. Torna possível um projeto político democrático e solidário. Coloca em primeiro lugar a pessoa humana em suas relações fraternas, e coloca a economia e o mercado a serviço da superação da pobreza. (A FRATERNIDADE, 2005)

Vive-se em um mundo complexo com desafios cada vez mais

amplos. Quando se pensava que, com os avanços da tecnologia da modernidade, a

vida seria mais confortável, mais tranqüila e feliz, depara-se com um turbilhão de

problemas que estonteiam a vida do homem. Vive-se em um vazio, em uma rede

cada vez mais diversificada de valores morais, éticos, familiares, já que muitos

outros perderam os seus paradigmas, vistos os últimos acontecimentos no Brasil em

relação aos nossos representantes no Congresso Nacional como a CPI dos bingos;

o “mensalão”; a máfia das ambulâncias, alvo da CPI dos “Sanguessugas”; o

assassinato dos pais pela filha Suzane Vanrishthofen e os irmãos Cravinhos; a

absolvição dos deputados “mensaleiros”; a quebra do sigilo bancário do humilde

caseiro Nildo (por ordem de autoridades da República) e outros acontecimentos

mais, sobre os quais não se irá estender, pois a lista é enorme de exemplos que

afrontam a cidadania. Os valores deixaram de ser valores, perderam a sua força

como paradigma e “em tudo tem que tirar vantagem” na famosa lei do Gerson. Até

os estados de felicidade não são vivenciados como estados da alma, mas

produzidos pelas aventuras e artificialidades.

41 Para maior aprofundamento sobre o assunto consultar Hugo Assmann e Jung Mo Sung, Competência e sensibilidade solidária: Educar para a esperança. 2000.

205

Parafraseando frases de Morin (2000), a partir de meados do século

XX, a felicidade tem variado em seus significados. Ao mesmo tempo em que é

“idéia-força vivida por milhões de adeptos é também “um mito de projeção imaginária

de arquétipos da felicidade”. Enquanto alguns são felizes arriscando-se a aventuras

e à ação para que a vida fique menos morna, outros preferem a segurança e a

proteção. Desta maneira, a felicidade se torna bipolar e antagônica a todos os riscos.

A tônica tem se colocado sobre a realização individual gerando conflitos entre o

amor e o dever, o interesse pessoal e o coletivo. (MORIN, 2000, p.126).

A mitologia da felicidade hoje não é uma mitologia dos deuses

gregos, mas uma mitologia euforizante com emprego de álcool e de pílulas

tranqüilizantes. O indivíduo se encontra cada vez mais afastado daquilo que é

transcendental e esta mitologia euforizante torna-se o antídoto para a angústia

difusa. Desta maneira, a ”felicidade é efetivamente a religião do individuo moderno,

tão ilusória quanto todas as religiões. Esta religião não tem padres, funciona

industrialmente, é a religião da terra na era da técnica, donde sua aparente

profanidade, mas todos os mitos recaídos do céu são virulentos.” (MORIN, 2000,

p.130).

Realmente não somos animais solidários para além de um circuito bastante limitado de relacionamentos, no qual conseguimos perceber a relevância da sociabilidade para as nossas próprias vidas. Para perceber a conveniência, até para a nossa própria felicidade, da solidariedade como elemento da sociedade ampla e do planeta terra, precisamos de um salto que não costuma suceder espontaneamente. (...) Para tornar-nos solidários num sentido mais abrangente precisamos ascender a um estágio de consciência e opção, que implica numa conversão a valores, que não são óbvios em nossa experiência cotidiana. (ASSMANN E SUNG, 2000, p.31).

Assmann e Sung (2000), inspirados pelas de idéias de Rorty,

esclarecem que a solidariedade é algo que se constrói e não é algo que se encontra

pronto, como predisposição do ser humano.

Quanto à interdependência, os autores acima esclarecem que esta

está relacionada às questões da vida diária, as quais levam a pensar que os homens

são seres sociais independentes e dotados de autonomia. Pensa-se que o que se

faz nada tem a ver com as outras pessoas. Há uma cegueira que impossibilita

enxergar que tudo e todos, seres vivos e não vivos, ”ligam-se”, possuem

interdependência. Esta dificuldade está no fato de se não ter sido preparado para

206

isto, e, além disso, estas interdependências não são vistas a olho nu. As escolas

ministram disciplinas independentes, não conectadas com a realidade, amplamente

impostas pelo saber do professor, enfim, não problematizadas. O imemorável Paulo

Freire fornece esta ampla discussão. É neste sentido que Morin esclarece:

...as mentes formadas pelas disciplinas perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes, do mesmo modo que para integrá-los em seus conjuntos naturais. O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada) assim como ao enfraquecimento da solidariedade (cada qual não sente os vínculos com seus concidadãos) (MORIN. 2004 p. 40-41).

Além disso, afirma Morin (2004), temos a cultura que coloca à

disposição dos indivíduos um conhecimento acumulado com seus paradigmas, que

se reproduz a cada individuo de geração em geração e mantém a complexidade

social e psicológica. Segundo Morin (1997), a cultura constitui-se de normas,

símbolos, mitos e imagens que penetram na intimidade do indivíduo e estas

orientam as suas emoções. Uma cultura fornece pontos imaginários de apoio à vida

prática e vice-versa, que cada um introjeta dentro de si, em sua alma. Este ser semi-

imaginário que se exterioriza é denominado personalidade. Hoje, a cultura de massa

é desenvolvida a partir de uma fabricação maciça de técnicas de difusão de massa,

a “mass media”, que atinge não só a sociedade, mas as estruturas internas da

sociedade, como as famílias e as classes sociais.

Além disso, outras causas determinam o não reconhecimento da

interdependência. Os efeitos benéficos e maléficos das ações levam muito tempo

para voltarem à sua origem. Dependendo da extensão e complexidade, os efeitos

captados demoram mais, sendo menos perceptíveis. É como uma onda feita por

uma pedra que se joga na água, que vai dissipando e perdendo sua força de origem.

A impressão que se tem desse processo em relação à interdependência é que não

se está no mesmo sistema. Tem-se a impressão que não se é interdependente e

que as ações não irão repercutir nas outras pessoas. (ASSMANN E SUNG, 2000,

p.31).

É por isto que não se preocupa com o meio ambiente, a

desigualdade social, com a pobreza, a miséria, o sofrimento porque se tem a ilusão

de que nada tem a ver conosco.

207

Pode-se perceber pela opinião dos autores que a solidariedade e a

interdependência são valores que podem ser aprendidos. Para tornar-nos solidários

num sentido mais abrangente, é preciso ascender à conversão de valores a um

estágio de consciência e opção que não encontramos atualmente em nossos

representantes políticos e tampouco na família.

Durante estes quatro anos de pesquisa no Real Parque, os

moradores da favela tornaram-se mais solidários do que se pensa, pois

conseguiram, sem nenhuma infra-estrutura, nem recurso financeiro e apoio privado

ou governamental (após mudança do governo municipal) manter o projeto durante

três anos.

8.2.3 Uma nova cidadania em construção: “a capacidade de realizar

funcionamentos”

Neste momento, reflete-se sobre a nova cidadania que ocupa um

novo paradigma em relação à cidadania clássica, discutida por Marshall: direitos

civis, políticos e sociais, a partir da cooperativa de lixo com formas de estruturas

operacionais e cognitivas que não deram o resultado que se esperava, mas que,

sem dúvida, levaram a um resultado positivo de desenvolvimento ambiental.

Ao se pensar na montagem de um grupo de reciclagem de lixo,

imediatamente pensou-se que a partir do “setting grupal”, este espaço geraria não

só uma experiência ambiental com geração de renda, mas um espaço potencial com

trocas de experiências e conteúdos emocionais entre toda a comunidade, criando

condições para a realização de “certos funcionamentos”.

O “setting grupal” 42 foi criado no Centro de Saúde Real Parque,

local em que ocorriam as discussões e reflexões acerca dos problemas da

42 Setting Grupal, segundo Winnicott, refere-se ao espaço e lugar onde iremos viver uma terapia compartilhada. Espaço onde possa estar contida a necessidade do paciente de jogar, criar e desenvolver uma experiência terapêutica ou, ao mesmo tempo, os limites contidos nas bordas de uma folha de papel. (MELLO FILHO, J.,1975)

208

comunidade43 que culminou na formação do ReciclaReal. Foi um espaço real que

favoreceu o despontar de potenciais ou, nas palavras de Sen, “realizar

funcionamentos” que levariam a uma nova forma ativa de cidadania a partir do

desenvolvimento da criatividade, de novas iniciativas, de diferentes formas de viver e

de se relacionar. Criou-se a consciência44 de solidariedade e interdependência.

Para Sen (2001), a pobreza deve ser vista em termos de uma

“deficiência de capacidade” 45 ao invés de falha em satisfazer as “necessidades

básicas” relacionadas às privações de bens e serviços essenciais à vida humana. O

importante é dar às pessoas condições de realizar certos funcionamentos46 básicos.

A motivação subjacente talvez possa ser abordada mais diretamente em termos da realização de certos funcionamentos básicos e da aquisição das capacidades correspondentes. Na medida em que o raciocínio subjacente à abordagem das necessidades básicas se relaciona com dar às pessoas os meios para realizar certos funcionamentos básicos o problema das variações interpessoais de transformação de mercadorias em funcionamentos (...) também pode ser evitado, considerando-se diretamente o espaço de funcionamentos em vez de espaço de mercadorias. (SEN, 2001, P.172).

A capacidade de realizar funcionamentos difere de funcionamentos

realizados, afirma o autor ao citar o seguinte exemplo: uma pessoa que jejua porque

escolhe é oposto daquele que tem que passar fome devido à falta de meios. Estes

funcionamentos descritos por Sen, na verdade, “lembram” os direitos sociais e

políticos descritos por Marshall. No entanto, entende-se que são mais dinâmicos e

possuem maior abrangência. Trata-se do desenvolvimento do potencial humano

como um todo e não em partes.

43 Queremos ressaltar que se reconhece a princípio no bairro Real Parque de acordo com a definição de comunidade de Nisbet apud Sawaia, cinco comunidades: a dos moradores das favelas Real Parque, Panorama e Porto Seguro, a dos índios Pankararu e da classe alta.

44 Consciência vem de o verbo conscientizar que, para Rouanet (1991, apud Sawaia 1996) significa extirpar a cegueira psíquica, mediação interna pela qual o poder inverte o olhar, reforça e viabiliza a cegueira e a impotência social, para recuperar a potência de ação.

45 “Capacidade”, no sentido aqui empregado é de oportunidade, condições externas para realizar funcionamentos “capacidades” refletem “liberdades substantivas”: P é capaz de fazer x, se dada à oportunidade de fazer x, mas poderia escolher deixar de fazer x.

46 Como funcionamentos, o autor descreve desde os físicos elementares, como estar nutrido, possuir vestimenta adequada, moradia, evitar as doenças preveníveis, até as mais complexas como fazer parte da comunidade, falar em público e outra. Estas realizações variam de sociedade para sociedade.

209

Para Sawaia (1998), a comunidade é um espaço privilegiado, capaz

de dar conta entre o particular e o universal e das três dimensões da vida humana:

intersubjetiva, intrasubjetiva e a social. Devido aos efeitos da globalização que

penetram em todos os espaços geográficos, a individualidade e as velhas formas de

sociabilidade de grupos e classes parece que tendem a desaparecer e dar espaço

para uma nova modalidade de relacionamento humano superficial e indiscriminado.

“Todos dialogam com todos, sem se relacionarem como cidadãos de uma sociedade

mundial. Conquistam-se direitos humanos universais em uma linguagem

mundializada, mas vive-se a incivilidade cotidiana.” (p.2). Apesar de utópico, a

comunidade parece ser a única forma de catalisar e superar o individualismo, a

prática de solidariedade47 e o entendimento da interdependência48. Este espaço cria

uma relação de trocas de experiências entre os membros do grupo, troca de

culturas, processos identificatórios e experiências emocionais. A existência desse

espaço real e a possibilidade de um grupo funcionar em clima de liberdade

favorecem o desenvolvimento de múltiplos fenômenos de criatividade e cria a

possibilidade de pessoas (favelados) se libertarem de sua rigidez, inibições e

resgatarem esta nova forma de cidadania.

Por questões didáticas e encadeamento das idéias, sentiu-se a

necessidade de analisar a fala de uma das cooperadas seqüencialmente, embora já

se tenha analisado em separado, apontando para outras significações anteriores.

Entretanto, neste enfoque, analisar-se-á “a capacidade de realizar funcionamentos”,

uma nova construção de cidadania na fala de Maria do ReciclaReal.

As interações pessoais ocorreram o tempo todo. Houve múltiplas e

diversificadas trocas de experiências: conseguir o terreno, aprender o que é

reciclagem, ter consciência ambiental, despertar a consciência ambiental nos

moradores dos prédios, ter consciência de equipe, lidar com o povo, ter mais

tolerância com o seu semelhante e dar mais valor à vida e às coisas.

• Maria, preocupada com a poluição ambiental e o respeito ao direto do outro:

Quando vimos o terreno e o homem aceitou ceder o terreno, era cheio de entulho e não podia tocar fogo pra queimar. O lixo não cabia nas

47 Solidariedade será tratada de maneira mais aprofundada no capítulo 8.2.5.

48 Interdependência será tratada de maneira mais aprofundada no capítulo 8.2.5.

210

caçambas porque senão os outros moradores não podiam armazenar... O problema é queimar o lixo...

• Maria aprende a lidar com o outro com mais paciência e entender a

importância da equipe:

... ter calma e paciência aprendi a lidar mais com o povo; aprendi a ter mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os outros, nós somos uma equipe grande.

• Maria resgata a sua dignidade, dá mais valor às coisas e aprende o que é

reciclagem:

As coisas boas que mudaram na minha vida, é que hoje em dia eu tenho mais dignidade; hoje em dia eu aprendi mais. (...) aprendi a dar mais valor às coisas; hoje em dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada mês que se passa um dinheiro a mais; aprendi o que é reciclagem, porque eu não sabia nada disso.

• Maria aprende a ser solidária com o outro a partir da consciência de si:

Tirar dois meninos que eram bandidos perigosos daqui do Real Parque, eles não temiam nem a polícia, e hoje em dia são duas pessoas dignas, capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também um alcoólatra, que hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo serviço direitinho, mas eu até internei ele, por causa do excesso de bebida, uma dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias internado, então eu consegui tudo isso, graças à ajuda da... Quando nós temos algum problema, eu corro e ligo prá ela, encho o saco dela de sábado, domingo, feriado e tudo. Isso prá mim foram as coisas boas, ela está pronta a nos ajudar a qualquer momento.

O meu desejo é que trinta ou cinqüenta famílias estejam trabalhando. Tive problemas de drogas e álcool na minha família com meu marido, ele jogava e bebia e eu não controlava porque trabalhava em casa de família e não podia sair para ver o que estava acontecendo. Depois da reciclagem, eu tenho mais tempo para ir a casa e hoje o meu marido não bebe, só joga um pouco porque ele sabe que eu estou perto dele.

8.2.4 A cidadania em movimento: liberdade de expressão, participação e o

exercício político.

Retoma-se, neste momento a questão da comunicação como

instrumento da democracia pela importância que se atribuí ao assunto. Vale salientar

que a pesquisadora como diretora técnica, enfermeira e trabalhadora social estava

211

não só preocupada com o resgate social, mas também em facilitar a construção da

cidadania dos cooperados, mais especificamente, com a sua inclusão no mundo

democrático e no terreno da comunicação, estimulando a falarem, colocarem-se sem

medo, pontuando que não há pensamento certo ou errado, mas apenas idéias

diferentes. Como facilitadora desse processo, teve-se a pretensão de colocar em

movimento a cidadania política engessada, paralisada ou cristalizada.

Fica claro que a cidadania toca mais o social, mas para a conquista

do social é necessário o exercício político em um espaço intersubjetivo. Mesmo que

este espaço não seja compreendido e valorizado no momento, por não ser uma

prática comum na favela, o próprio falar, comunicar, propicia conquistas sociais e o

acesso aos outros direitos da cidadania pode ocorrer em um contexto de “setting

grupal” (reuniões, assembléias).

Essas reuniões... Eu estou entendendo bem mais... no começo eu não entendia nada mesmo. Só que eu acho que essas reuniões, a maioria das reuniões que eles fazem não resolve nada. Fica só na conversa e não resolve nada. Seria importante se eles divulgassem tudo que seria para ser divulgado. (Fátima da CooperAção)

Quem lembra os tenebrosos tempos dos anos 60 e 70, em que a

ditadura militar se instalou no país e o ato institucional numero 5 fechou o congresso

Nacional, sabe a importância da liberdade de expressão: falar, dar opiniões,

discordar como exercício político de cidadania. Até falar que uma “reunião não

funciona” é uma liberdade de expressão.

É o seguinte, essas reuniões pra mim não valem nada... Não funciona, porque quanto mais a gente fala fica perdido, é perda de tempo essas reuniões. .A gente faz essas reuniões porque a gente quer fazer, mas é perda de tempo. (Paulo da CooperAção)

E eu também acho que esse negócio de pegar as pessoas que já conhecem o serviço está errado, porque ninguém nasceu sabendo. Como no meu caso, quando eu entrei aqui eu não sabia o que era “pet”, eu não sabia o que era isso, eu sabia que era uma garrafinha descartável, mas não sabia o que era que... a tampinha já é um... E isso é uma pet, pra mim era tudo igual. (Fátima da CooperAção)

Eu acho que esse projeto, vamos supor, a Marta ganhando... deve aumentar esse tipo de projeto na cidade de São Paulo... pode ser que melhore... essa idéia de coleta seletiva de lixo... de uma maneira mais organizada, mas se o Maluf ganhar... Eu acho que vai fechar... acho que o Maluf não apóia isso aqui (Paulo da CooperAção)

212

8.2.5 A interdependência e a solidariedade: Empresários, profissionais liberais

e favelados sentam na mesma roda

Foi inspirada no método da roda, após ter lido o livro “um método

para análise e co-gestão de coletivos de Campos (2000), que a pesquisadora sentiu-

se impulsionada a trabalhar com a comunidade (moradores da favela Real Parque)

movida pela teoria de “co-gestão de coletivos” por perceber a possibilidade de

promoção à saúde, bem como possibilitar a fluência de possibilidades e

potencialidades (que não eram poucas no bairro, pela diversidade de culturas, idéias

e ideais). Enfim, sentir como este novo paradigma teórico funcionava na prática.

Como já foi dito, este trabalho se iniciou com um diagnóstico

partipativo das necessidades da população do bairro. Todos do bairro foram

convidados a participar. O convite se dava na própria unidade em que se

aproveitava o contato com a clientela. Aproveitaram-se também todos os contatos

feitos com as instituições, por ocasião das reuniões que ocorriam no seio do bairro.

Observou-se que existia algo em comum entre aqueles das classes privilegiadas e

aqueles moradores da favela. A luta cotidiana não era fácil nem para um nem para

outro. Existia um grande sofrimento psíquico em ambos. E um mesmo sentimento os

permeava: o medo. Enquanto os primeiros era possuídos pelo medo de assalto à

mão armada, “seqüestros relâmpagos”, os segundos tinham medo da fome e da

miséria, agravada pela dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho. Sabe-

se que o sofrimento é um sentimento imensurável que paralisa os movimentos,

obnubila o pensamento e obscurece a visão. Realmente não dá para saber qual é o

pior medo: o de não ter segurança de sua própria vida, ser morto com um tiro ou o

medo da fome a ponto de dar pinga para os filhos na hora de dormir para que não

incomodem pedindo comida, como é o caso da moradora da favela Real Parque, já

citada anteriormente neste trabalho. Que mundo é este em que vivemos? Não dá

para saber o que é pior. Mas ambos foram tocados pelo mesmo sentimento: o medo.

Acreditou-se que este momento fosse perfeito para iniciar-se uma discussão.

Realmente não se sabia quais os caminhos a seguir. Mas era necessário começar.

Começaram-se as discussões e pela primeira se viu representantes de todas as

instituições do bairro, empresários, profissionais liberais e favelados sentados no

213

mesmo banco e na mesma roda. (uma verdadeira rede em funcionamento). Eram

interesses e necessidades polissêmicas e formas desiguais de existir. Uma total

diversidade e é nesta diversidade que surge o núcleo do ReciclaReal. As reflexões

que foram surgindo sobre o cotidiano e os problemas locais tocam as mentes e tudo

“se liga”. Todos estão interligados dentro de um mesmo planeta. Toma-se a ciência

da interdependência. A questão humana permeia as discussões. O desamparo e a

impotência convivem lado a lado. É preciso enfrentar e produzir mudanças, é preciso

começar. Como contradição, a semente da solidariedade nasce do medo em virtude

do bem estar de todos. Nasce a preocupação de organizar o que já é velho, mas

que antes passava despercebido. O novo surge a partir de construções coletivas,

interesses pluralizados e diferentes, porém não divergentes. Está na hora de

construir uma sociedade mais digna e justa para todos, para ambos os lados. Isto

pressupõe como principal tarefa levantar os agravantes locais, eleger prioridades,

estabelecer estratégias e mobilizar ações. Dentre os agravantes eleitos, o mais

premente naquele momento foi de possibilitar aos favelados “a capacidade de

realizar funcionamentos”. É necessário que “os excluídos construam a sua própria

inclusão num mundo no qual muito do democrático está no terreno do comunicativo”,

nos dizeres de (MEJÍA, 1996, p. 62-63).

Colocar pessoas com experiências diferentes, trabalhadores

diversificados, (empresários, profissionais liberais, que eram chamados de

apoiadores), numa mesma roda foi uma vivência muito rica e inesquecível. Mas

antes de passar para este relato, necessário se faz lembrar os dois tipos de

trabalhadores existentes hoje no mundo globalizado: os trabalhadores centrais que

são os executivos, aqueles que planejam, tomam decisões, fazem planos em sua

empresa e cultivam o poder. Do outro lado, os trabalhadores periféricos,

acostumados a receber ordens, que cultuam o silêncio, o bom comportamento,

sobre os quais recaem as decisões. Em geral, em seu cotidiano, são reduzidos pela

dominação. Sua subjetividade e criatividade estão estagnadas, reflexo da

administração científica de Taylor. Mesmo hoje, apesar da reorganização do

processo de trabalho, os trabalhadores continuam presos a tarefas repetitivas e

desconectadas. Mesmo que o modo de administrar de Taylor tenha sido superado, a

disciplina e o controle continuam existindo, eixo central do método de gestão.

(CAMPOS, 2000)

214

A organização moderna ou pós-moderna continua sendo autoritária

mesmo com as palavras doces tais como: parceria, integração, desenvolvimento de

recursos humanos e flexibilização. Tudo isto não favorece a democracia ou a

convivência solidária. Os trabalhadores foram infantilizados e apresentados como

seres que não sabem decidir. Esta diferença entre executores e dirigentes cria

subjetividades diferentes. De um, espera-se iniciativa, criatividade, arte de

comandar; de outro, ordem, habilidade e obediência. Em nome da produção

procurou-se criar diferentes expectativas enquanto realização pessoal, felicidade e

acesso de poder. Resumindo:

A racionalidade hegemonia, fundada pelo taylorismo, ainda que modificada pelas escolas que o sucederam (recursos humanos, estruturalista, qualidade total etc.) realizou uma habilidosa combinação de técnicas de gestão que logrou, ao longo deste século, produzir ‘servidão voluntária’ ou a instauração de vínculos ‘libidinais’ poderosos entre a Organização e os grupos que a compõe. (CAMPOS, 2000, p.32)

Tal alienação dificulta que sujeitos coloquem a sua “potência de agir”

nos processos de trabalho. Os espaços coletivos são os locais para que ocorram a

desalienação, o compromisso de solidariedade, o desenvolvimento da capacidade

reflexiva e da autonomia.

Voltando ao raciocínio anterior, foi uma experiência muito gratificante

colocar na mesma roda trabalhadores periféricos (todos os favelados já estiveram

algum dia empregados, embora hoje muitos deles se encontrem no desemprego

oculto por desalento), trabalhadores centrais (a partir de agora serão chamados de

intelectuais) para a discussão da cooperativa de lixo. Era difícil, muitas vezes, os

favelados assimilarem a linguagem destes últimos. Havia um fosso cognoscível. No

entanto, havia exceções como o caso de Maria, quem se referiu, e não se pode

esquecer de Deodato que, além de consertar o carro com peças adaptadas de outro

carro (uma coisa incrível de se ver), inventou uma prensa de latas com sucata do

ferro velho.

Nas reuniões traziam os problemas para debater. Muitas vezes, os

intelectuais tentavam ensinar os princípios de gerenciamento , fazendo-os pensar

que agora eles não eram empregados, mas donos do próprio negócio. Esta frase foi

muitas vezes repetida pelos empresários: “agora vocês são donos do próprio

negócio e é preciso pensar se isto vai compensar ou não”. Isto ocorreu em múltiplas

215

situações, como, por exemplo, quando foi preciso decidir se assumiam ou não o

IPTU do terreno (que era caro), cedido em regime de comodato por um empresário.

Às vezes, percebiam-se perdidos e sentiam a necessidade de ter um

aval dos apoiadores para enfrentarem uma nova situação, resquício da cultura de

trabalho a que estavam acostumados anteriormente: trabalho sem iniciativa,

criatividade, de obediência e de ordem.

Uma das empresárias, totalmente envolvida com o projeto e que não

faltava a nenhuma reunião, foi a apoiadora mais importante porque tomou várias

iniciativas importantes para a sustentação do projeto: providenciou a manufatura dos

uniformes, conseguiu a planta do galpão, as estruturas metálicas para a sua

construção e outras coisas mais. Ao lhe perguntar o que a mobilizou participar

dessas reuniões que ocorriam no Real Parque no projeto da coleta seletiva de lixo,

respondeu:

Foram dois motivos que me levaram a participar desse projeto:

- a questão sócio-ambiental, porque precisamos cuidar do ambiente que vivemos, aprendendo a selecionar o lixo orgânico das embalagens com possível reaproveitamento, e que causam profundos problemas na natureza.

- a possibilidade de criar uma fonte de renda para os menos favorecidos da favela, desde que o nosso lixo representa uma fonte de riqueza.

Fica, então claro o papel do Trabalhador Social neste processo:

proporcionar um “setting grupal” em momento de ação-reflexão-ação. Isto significa

quebrar a estabilidade que se estabelece na força que está para a mudança e

possibilitar a mudança, a transformação de pessoas “coisificadas” em homens

cidadãos.

8.2.6 A saúde e as possibilidades em relação ao trabalho

Os moradores da favela Real Parque possuem a saúde precária,

mas mesmo assim a cooperativa de lixo possibilita o aproveitamento do potencial de

trabalho que, na economia capitalista, seria um empecilho. Não é porque a pessoa

216

tem um problema de saúde que significa poder ser descartada do mercado de

trabalho.

8.2.6.a O binômio: saúde x doença x força de trabalho

O perfeito equilíbrio em saúde não existe e isto já é tema de amplas

discussões dos mais variados estudiosos e filósofos da área de saúde. Dejours

(1992) afirma que o subproletariado, ou seja, a população que ocupa favelas ou

cortiços na periferia da cidade tem algo que o une: o desemprego, o não-trabalho e

a falta de saúde.

A miséria, doença epidêmica, possui uma defesa à qual o autor dá o

nome de “ideologia defensiva”. Vários autores têm apontado que esta população

possui uma taxa de morbidez acima da população em geral. Os tratamentos são

incompletos por questões de ordem econômica e falta de acesso à assistência

médica, à convalescença e tratamentos de fisioterapia. O alcoolismo é freqüente,

pois é a principal saída para enfrentar a ansiedade da morte, a falta de dinheiro que

não permite assegurar-lhe uma alimentação satisfatória. Muitas das doenças ficam

escondidas e a promiscuidade favorece as doenças infecciosas. A falta de esgoto,

banheiros, depósitos de lixo favorecem as contaminações coletivas. A comida é

pobre e a carne é rara. A subnutrição é observada. Além disso, existe maior

dificuldade de acesso à assistência médica. A doença tem o significado de algo

vergonhoso, um sentimento cole tivo. A pessoa doente é encarada como alguém que

cede à passividade, vagabundagem. A cura significa ter ânimo e não sofrer, mesmo

que a enfermidade não desapareça. A hospitalização significa fracasso, ruína. Para

a mulher, a doença não pode paralisar o trabalho porque ela tem que ficar com os

filhos. “O corpo só pode ser aceito no silêncio ’dos órgãos’. Somente o corpo que

trabalha, o corpo produtivo do homem, o corpo trabalhador da mulher são aceitos;

tanto aceitos menos se tiver necessidade de falar deles.” (1992, p.32). O binômio

doença e trabalho criam um conteúdo: a ideologia da vergonha. É a vergonha

instituída. A angústia sentida não é pela destruição do corpo pela doença, mas a

destruição do corpo como força de trabalho.

217

Outro dado encontrado em pesquisa realizado no Real Parque

relacionado ao gênero, referia-se ao corpo. Este é visto praticamente como força de

trabalho. Além do corpo na dimensão biológica, o corpo da mulher favelada tem

uma dimensão ideológica. A mulher favelada apresenta o corpo como “força de

trabalho” ou “gerador de bens”, tal como Boltanski (1979), Mello (1988), Belinguer

(1988), Minayo (1994) estabelecem. Seu corpo significa coragem e força de

trabalho, por isso há poucas queixas de desânimo e cansaço. Talvez, então, seja

este o motivo pelo qual existe pouco questionamento quanto ao valor estético do

corpo: o corpo é bom. Corpo ruim não o é pela falta de beleza ou por representar

um local de queixas. A estética do corpo para a mulher favelada passa pela

capacidade de trabalho, e não pelo envelhecimento. A perda dessa força pode

significar não ter as necessidades básicas. (MIRANDA, 1996). Também Mello, em

sua pesquisa com mulheres de origem mineira, mostra a relação entre a força física

e a terra mãe, nutriente das necessidades básicas.

A terra. A relação com a terra não inclui só as lembranças do trabalho, pois a terra era a provedora de quase tudo: alimentação e roupa, abrigo e remédios, iluminação, trens da cozinha e mobiliário. Tudo (...) Mas é uma terra que já não dá o sustento sem o trabalho das mãos humanas. E o esforço para obter o sustento depende de todas as mãos disponíveis (MELLO, 1988: 33).

Boltanski diz que a percepção do corpo é tanto menos consciente

quanto mais é levado a agir fisicamente. “... o esforço físico torna difícil a seleção e a

indicação de sensações doentias ou, se quisermos, introduz ruído na comunicação

entre o sujeito e o seu corpo” (1979: 167-168). Belinguer (1988) também compartilha

com as idéias de Boltanski.

É por isso que a saúde é tão valorizada, como se viu na fala do

representante do membro da Associação Amigos do bairro Real Parque,

constituindo a primeira prioridade na hierarquia defendida por Maslow.

Na pesquisa feita pela autora na sua dissertação de mestrado

intitulada “Tempo de Viver”, os significados do Climatério da mulher favelada, o

corpo, a primeira grande unidade temática, aparece sob três dimensões: a

dimensão biológica, ideológica e estética. O corpo, na dimensão biológica, é sentido

como o local onde se manifestam as sensações doentias, aparecem de maneira

pouco significativa. Na dimensão ideológica do corpo, o grande sentido é o trabalho.

218

É o corpo que gera bens. Em relação a ele, aparecem dois grandes qualificativos:

coragem e cansaço. Em relação à dimensão estética, há pouca referência à perda

da beleza ou aos sinais de envelhecimento. Ela quase inexiste. Portanto, a

dimensão estética aparece pela sua “quase” negação, pois o que prevalece é uma

ênfase no corpo, como corpo bom, mostrando assim um distanciamento dos

valores estéticos. O critério de avaliação de corpo como corpo bom é o trabalho

(MIRANDA, 1996).

Mesmo não sentindo que o corpo está bom, eles teimam em lutar

pela sua subsistência. É o que se pode verificar nestes depoimentos:

É, eu cheguei aqui eu meio doente, e quando eu melhorei aí eu vim trabalhar. Eu estava com fraqueza, estava muito doente, estava com a pressão alta, estava com problema de... Estou tratando Eu fui no médico, a Maria me levou no médico, aí ele viu os exames lá... Não, eu vou ter de fazer novos exames porque estava em greve. Tomei só aquele negócio de... Eu tenho problema de fígado e pressão alta. Tomei remédio e fiquei tomando injeção lá no Posto, e agora fiquei bom, agora daqui um mês, daqui uns dias eu vou dar um tempinho e fazer novos exames, mas não estou sentindo nada não. (José do ReciclaReal )

Não, num é medo! Sei l..., eu sempre fui assim, meio fechadona... Só quando é assim, alguma coisa que eu preciso falar, eu falo. Aí eu solto! Mas se não é muito nervoso aí... É que as vezes eu fico nervosa.Ah, eu tenho. Tenho gastrite! (Rosa da CooperAção )

Maria não falou a respeito do galpão e do carro, mas trabalhava

incessantemente no projeto, com sol ou chuva e, muitas vezes, ficou doente com

febre. Sua saúde também não era boa, tinha Diabetes Mellitus e não controlava a

sua glicemia. No segundo ano do projeto, chegou a ficar internada com angina (dor

no peito). Disse-me que tinha tido um infarto.

As condições de saúde daqueles que trabalhavam na CooperAção

não eram diferentes:

... Aí eu peguei e falei está bom, e quando foi na quarta-feira de manhã levantei, porque eu levantei para colocar a menina na escola. Levantei, ela foi para a escola, e a pequena ia pra casa do... Ficar com a minha colega em casa. Aí a menina foi para a escola e eu me senti mal, começou a formigar o rosto, a mão começou a adormecer e estremecer, aí deixei a menina na casa do pai dela... Fui pará no Pronto Socorro com a pressão alta, porque antes de ontem eu saí mais cedo, saí depois do almoço. Porque estava me dando um mal estar, e formigando a mão, era a pressão. Aí eu passei no postinho e a pressão estava alta, aí ela [referindo a funcionária do posto] disse para eu colocar um remédio debaixo da língua e ia melhorar; eu disse está bem. Tive um trauma com

219

dezesseis anos... é muito forte que eu não gosto nem de lembrar... Mas por incrível que pareça eu estou me sentindo melhor... Falar... é... Deixa mais leve. (Fátima da CooperAção)

No momento da entrevista, Fátima não estava tomando nenhum

remédio para hipertensão.

8.2.7 O trabalho em transformação: Taylorismo X Criatividade na reciclagem do

lixo

Dejours (1992) considera o trabalho Taylorizado o trabalho

repetitivo, seja na linha de produção, de escritório, de informática, bancos, cuja

organização é tão rígida que domina tanto as horas de trabalho como o tempo fora

dele.

Para a pesquisadora, o processo (separação e classificação) de

materiais recicláveis, além de repetitivo, é monótono e não exige nenhuma

criatividade. Em relação à classificação de materiais, Imaculada dá um exemplo:

A separação vem da esteira pra gente separar lá dentro. Eu separo pet, pet colorida, pet branca, pvc, bandejinha, pav, pav branco, colorido. O que vem da esteira vai pro galpão, e do galpão já vai pra prensa. (Imaculada da CooperAção)

Aprendi aí depois eu fui me mandaram lá para o fundo, separar material, eu fui lá separei, um rapaz que trabalhava lá me elogiou, falou que eu aprendo rápido; fui trabalhar na frente também, aprendi a mexer na frente... (Rosa da CooeraAção)

Dejours ainda esclarece que os momentos de repouso que

intercalam o trabalho são necessários e agem no binômio homem-trabalho que

serve de proteção à vida mental do trabalhador. Taylor condena esta pausa,

considerando uma vadiagem operária. Desapropria a liberdade de invenção que, de

fato, é o que torna original cada tarefa.

No filme “Tempos Modernos”, Charles Chaplin interpreta de maneira

fantástica e comediante, como a repetição, a monotonia, a não criatividade e a

uniformização da ação levam à violência no funcionamento mental do trabalhador,

tendo como resposta defensiva a desestruturação da psique. Muitas vezes, o

220

trabalhador interrompe sua tarefa por alguns momentos, necessários para afastar o

tédio, frente a esta atividade. Mas, o controle ligado à linha de produção, com

vigilância constante sobre os trabalhadores, leva ao risco de interpretação

sociológica de vadiagem.

É o que se pode constatar na fala de um morador da favela do Real

Parque que prestava serviço na CooperAção, que ficou muito irritada quando foi

chamada pela diretoria:

O que mais me irrita é que chamem minha atenção sem eu merecer. Eu trabalhando e os outros falando que eu não estou trabalhando, é com o que eu mais me irrito. Aconteceu o mês passado, com uma menina, eu trabalhava aqui na esteira aí me mandaram para o monte, depois eu sai, passaram alguns minutinhos me chamaram para reunião, a gente estava separando, porque as meninas estavam todas paradas, e não tinha material para prensa e eu mais uma funcionária começamos a separar os materiais que nós já sabíamos. E era rápido, aí foram lá, a coordenadora foi falar diretamente com a diretoria e eles foram todos lá ver o que estávamos fazendo, a gente estava separando e ele levou todos nós para diretoria. Aí lá eu falei que a gente estava trabalhando, que a gente não estava parada, a gente estava trabalhando. ( Rosa da CooperAção)

Dejours (1992) argumenta que Taylor cometeu um grande engano

ao comparar o homem-operário ao chipanzé, treinando-o, condicionando-o, com

objetivo de evitar movimentos desnecessários e maior produção, transformando-os

em corpos dóceis, isolados e desprovidos de iniciativa. O que se pode afirmar sob o

ponto de vista do rendimento geral é que seu melhor rendimento ocorre quando se

respeita o “equilíbrio fisiológico e, desta forma, leva em conta não somente o

presente, mas também o futuro”. (p.42). Ciampa também se manifesta com a mesma

propriedade:

O ser humano também se transforma, inevitavelmente. Alguns, à custa de muito trabalho, de muito labor, protelam certas transformações, evitam a evidência de determinadas mudanças, tentam de alguma forma continuar sendo o que chegaram a ser num momento de sua vida, sem perceber, talvez, que estão se transformando numa... réplica, numa cópia daquilo que não estão sendo, do que foram. De qualquer forma, é o trabalho da re-posição que sustenta a mesmice. Outros são levados a essa situação, involuntariamente, quando seu desenvolvimento é de alguma forma prejudicado, barrado ou impedido; na nossa sociedade, encontramos milhões de exemplos de pessoas submetidas a condições econômicas favoráveis, milhares, talvez milhões, de pessoas são impedidas de se transformar, são forçadas a se reproduzir como réplicas de si, involuntariamente, a fim de preservar interesses estabelecidos, situações convenientes, interesses e conveniências que são, se radicalmente analisados, interesses e conveniências (...) e não do ser humano, que

221

assim permanece um ator preso à mesmice imposta. Se lembrarmos de Severino, o que era intolerável era a mesmice do lavrador. (‘pois fui sempre lavrador/lavrador de terra má’ pág.121) (CIAMPA; 1986. pág.165).

É o que se pode verificar nos depoimentos dos trabalhadores da

favela Real Parque que prestavam serviço na Central:

Tem muita coisa... Que nem a esteira a primeira vez que funcionou, a esteira... estava trabalhando muito bem e rápido, agora, colocaram para separar papel branco na esteira aí o serviço está caindo, eu estou sentindo que está caindo... mas muita gente fala que não, que a produção está ótima, mas eu acho que não. (Rosa da CooperAção)

Eu já falei, mas eles não escutam. Já falei, já cansei de falar para os coordenadores, mas não adianta... Da esteira, mas não adianta... Eu produziria mais na esteira... No papel eu sei que eu sou fraca, que eu não consigo mesmo separar direito. Lá atrás, quando me mandam lá para trás, eu vou separo os materiais... Então se tem que ficar aqui, a gente fica aqui e tudo bem... ( Rosa da CooperAção)

A esteira rolante só existe na Central da Vila Leopoldina, na

CooperAção, em que as pessoas faziam a separação de material que era colocado

em containeres.

No entanto, outros cooperativados sentem o trabalho dinâmico e

podem se movimentar, ao contrario do Taylorismo:

Aí depende da pessoa também, porque tem outras pessoas que gostam de trabalhar sentadas, tem muita gente que gosta de trabalhar em pé, tem muita gente que já gosta de trabalhar cantando, andando, entendeu? (Fátima da CooperAção)

Eu deixaria as pessoas fazerem o que ela quisessem primeiro, falava Ó, você quer trabalhar, onde? Você acha que você vai dar produção ali? Mas eu quero ver a sua produção. Eu colocaria a pessoa na produção dela...Porque a gente tem que trabalhar naquilo que gosta. Porque se eu não estivesse aqui eu seria cozinheira. (Fátima da CooperAção)

Eu fico bem à vontade, o trabalho não é pesado. É meio corrido porque o pessoal tem que pegar material. Não, não é pesado é corrido. Cansado a gente fica porque a gente se movimenta muito. Se movimenta muito, não tem como ficar parado Mas não é um serviço pesado, é movimentado, né? A gente se movimenta muito...(José do ReciclaReal)

Depois que eu comecei a trabalhar no vidro... quando eu não tinha coisa pra mim fazer lá, eu ia para a esteira, ia lá para o galpão, empilhar material, “carregar” caminhão, fazendo do mesmo jeitinho. (Paulo da CooperAção)

222

8.2.8 A globalização, o consumo e a nova cultura do lixo no bairro Real Parque

Vários estudos apontam que a participação comunitária no Brasil no

que se refere à questão de resíduos sólidos ainda é bastante lívida, exigindo

maiores discussões no que concerne à problemática que contempla a questão do

meio ambiente.

Segundo a OPAS (1999 a), um dos maiores desafios enfrentados na

América Latina e na região do Caribe em relação ao saneamento do meio ambiente,

é aquele relacionado às praticas de mudança de comportamento em relação ao

consumo, que resulta na menor poluição do meio ambiente e na construção de uma

nova cultura: a reciclagem de lixo. Isto envolve ações intersetoriais em interação

com o setor saúde e uma ampla participação da comunidade. Desta maneira, a APA

terá mais sucesso em locais em que o setor público esteja voltado para estas

questões e conte com organizações sociais, ambientais e apoio técnico que facilite a

mobilização da comunidade.

A organização do ReciclaReal como forma de inserção dos coletores

de lixo do bairro foi de extrema importância em vários sentidos:

• No sentido ecológico, no que se refere à diminuição do lixo no bairro, após a

limpeza de varias regiões da favela Panorama, favela Porto Seguro e favela

Real Parque (feita pela população). Isto levou à diminuição de roedores

responsáveis por doenças como leptospirose e insetos (baratas), por

exemplo. A limpeza das favelas permitiu que casos autóctones de Dengue

não ocorressem no Real Parque, lembrando que esta epidemia estava

chegando em São Paulo.

Os sentidos resgatados com este trabalho foram múltiplos e todos

são interdependentes, não podendo ser separados. A separação a seguir foi feita

apenas por questões didáticas.

• No sentido econômico: o aparecimento de um novo personagem: os agentes

ambientais que podemos mais apropriadamente denominar de higienistas

ambientais, transformadores da realidade. Além de realizar a coleta seletiva

223

do lixo no bairro, o material fornecido à indústria gerava economia de matéria

prima primária, para a fabricação de novos produtos, com preservação do

meio ambiente tanto na obtenção de insumos quanto na não poluição. E

geração de renda do que não possui valia para a sociedade.

• No sentido cultural: a construção de uma nova cultura do lixo. Antes, o lixo era

coletado e todo misturado em sacos plásticos. A coleta seletiva determina a

priori a separação do lixo para ser entregue à reciclagem. Isto despertou um

novo tipo de comportamento da população diferente da habitual. Uma nova

cultura se instalava no bairro, entre todos os moradores: o lixo residencial

antes descartado e desprezado agora era separado e recolhido e se

transformava em renda para os moradores com maior dificuldade de inserção

no mercado formal de trabalho.

• No sentido educativo: o morador antes não tinha a consciência dos malefícios

e dos problemas causados pelo lixo. Ao fazer contatos com os prédios,

residências, comércios e instituições e explicar sobre a coleta seletiva houve

uma gradual sensibilização dos moradores sobre a sua importância e dos

riscos da poluição ambiental. Criou-se uma nova cultura sobre a separação

do lixo no bairro. A separação e acondicionamento do lixo domiciliar orgânico

(material reciclável: vidro papel, papelão, latas de alumínio, metais, vidros), do

lixo inorgânico (restos de alimentos, cascas de frutas e legumes) em

recipientes grandes de plásticos em cores diferentes colocados na lixeira de

cada prédio. Esta fase contou com o apoio de três empresários (dois do

gênero masculino e uma do gênero feminino), apoiadores do projeto, além de

uma moradora pertencente à classe alta do Real Parque. Cada um deles

conversou com os conhecidos dos prédios vizinhos, outros moradores do

bairro e, gradativamente, foram sendo incorporados novos prédios.

• No sentido social: a comunicação e interação com os moradores do bairro

diminuíram o medo e o preconceito dos moradores da classe alta em relação

aos moradores da favela. A elevação da auto-estima, pois sabia ser não mais

um “desempregado”, mas alguém que trabalhava como os demais e, além de

tudo, limpava a cidade, como podemos recordar nos seguintes depoimentos:

224

“Este trabalho compensa, a gente ganha, mas também limpa a cidade” ou “è

bom dos dois lados. De repente quem lucra mais é a cidade.”.

• No sentido cidadão: o resgate dos direitos civis, políticos e sociais; de uma

nova cidadania, “a capacidade de realizar funcionamentos” e catalisar

sentimentos de solidariedade e interdependência.

• No sentido psicológico: aumento do sentimento de “dignidade humana”, da

auto-estima com maior valorização da vida, levando á mudanças de

comportamentos, contribuindo algumas vezes na minimização da

dependência do álcool e outras drogas.

• No sentido simbólico: as inscrições na ordem simbólica podem levar os

indivíduos a adoecer e até a morrer. Dito de outra maneira, “o real é

desenhado pela rede de sentidos inscritas na ordem simbólica” (BIRMAM,

1991, p.8). O homem, como ser simbólico, poderá desenhar em sua mente

significados e sentidos de acordo com os códigos culturais e as relações

sociais, alterando todo o funcionamento biológico, psicológico, emocional e

afetivo. Não é fácil assumir na ordem simbólica a identidade de favelado, de

um não “pertencimento” diante da sociedade. Desta maneira o núcleo de

reciclagem de lixo no bairro do Real Parque: o ReciclaReal funcionou na

recuperação da auto-estima, da dignidade humana em vários momentos.

Ficou evidente por ocasião da identificação com o uso de um uniforme. Para

facilitar a retirada dos materiais nos prédios, foi confeccionado um avental

com o nome ReciclaReal na cor verde (Foto 17 em anexo) que os

recicladores usavam. Para eles além de ser uma forma de identificação, tinha

um valor altamente simbólico. Era como se tivessem encontrando a

identidade perdida, (ou ta lvez nunca encontrada), ao mesmo tempo em que

despontava a criação de uma nova identidade. Agora, não eram vistos mais

como “alguém qualquer” (para os moradores dos prédios), mas como

recicladores. Cabe ressaltar que era grande o medo dos moradores em

relação aos coletores (antes), sendo muitas vezes confundidos com qualquer

outro morador da favela. A sensibilidade dos zeladores e dos porteiros dos

prédios, neste sentido, foi de extrema importância nesta fase, pois sempre

esclareciam os moradores, que adentravam e saiam de seus prédios,

225

“ressabiados” que se tratava de pessoas “direitas que estavam fazendo a

reciclagem de lixo”. Em relação aos cooperados do ReciclaReal, que

trabalhavam na CooperAção, esta nova cultura foi menos percebida. Lá

existia toda uma estrutura de cooperativa, ou como era apelidada de

“cooperativa mãe” que recebia os materiais de todos os núcleos da região

oeste, bem como fazia a sua própria coleta com caminhões colocados à

disposição pelo Programa de Coleta Seletiva Municipal de São Paulo. Dava-

se apoio a outros núcleos, mesmo em regiões geográficas distintas,

fornecendo o excedente de seu material para ser processado (separação e

classificação) para seus núcleos. O Real Parque era um desses núcleos

atendidos pela Central.

226

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fazer as considerações finais é necessário remeter-se aos

objetivos “prático” e de “conhecimento” desta pesquisa, respondendo às seguintes

questões: É possível facilitar a construção da cidadania dos moradores de baixa

renda da comunidade Real Parque, a partir da criação de uma estrutura capaz de

criar trabalho para adultos (homens e mulheres) em sistema de cooperação e gerar

renda para famílias por meio de atividades relativas à coleta seletiva de resíduos

sólidos? Há possibilidades de mudanças na vida dos favelados e o resgate dos

direitos civis, sociais e políticos de sua cidadania?

A literatura aponta que o conjunto de transformações econômicas,

tecnológicas e sociais ocorridas a partir do século XX, de caráter global, tem

impactos mencionados como positivos e negativos. Os seus efeitos deletérios têm

sido ressaltados com muita ênfase, tais como: o agravamento do problema do

desemprego no mundo e consequentemente, no Brasil; o fosso cada vez maior entre

ricos e pobres; a produção desenfreada de mercadorias com diminuição de sua vida

média (durabilidade); as modas fugazes; o aumento de artifícios para o consumo

que induzem ao estado de necessidade jamais preenchida, criando sempre novos

estados de necessidades, ou seja, o consumo como o ópio da felicidade. Como

conseqüência, houve o aumento dos resíduos sólidos, o lixo, que se, de um lado,

está causando um problema ambiental grave, por outro, paradoxalmente, constitui o

meio de subsistência de muitos. Para Santos (2002), a grande tarefa deste século e

se torna urgente, é pensar e lutar por novas alternativas econômicas e sociais.

Vive numa época em que parece não haver alternativas ao

capitalismo, por ele ter atingido um nível de aceitação sem precedentes na história

da humanidade. É necessário reinventar e se organizar. Mas será que é possível um

outro tipo de organização socioeconômica onde haja cooperação em lugar da

concorrência, valendo-se sim da limitação, porém sem a eliminação?

227

As cooperativas de lixo podem um ser uma alternativa para pessoas excluídas

do mercado formal de trabalho

As cooperativas são alternativas econômicas menos grandiosas e

ambiciosas, mas concretas, e ao mesmo tempo, emancipatórias, que permitem a

possibilidade de renda aos trabalhadores “excluídos” do mercado formal de trabalho.

Esta investigação aponta que a cooperativa de coletores de lixo, do

núcleo Real Parque, o ReciclaReal, foi uma alternativa capaz de melhorar as

condições de vida daqueles cuja inserção no mercado de trabalho é extremamente

desfavorável, contribuindo na construção da cidadania tanto no aspecto subjetivo

(aumento da dignidade, auto estima, respeito a si mesmo) como objetivo (renda e

limpeza ambiental) de seus sujeitos, por meio de uma organização econômica

baseada na igualdade e na solidariedade. Além disso, permitiu a proteção do meio

ambiente e, ao mesmo tempo, resgatar os direitos sociais, mais prementes dos

moradores da favela, como alimentação mais decente, e moradia com um pouco

menos de desconforto.

Neste sentido, foi uma possibilidade de inserção de pessoas que

não possuíam escolaridade, não possuíam saúde, nem tampouco qualificação

técnica e que se encontravam no “desemprego oculto pelo desalento”, com poucas

chances de participarem no mercado formal de trabalho. Como afirma Sen, é

preciso capacitar “as pessoas a realizar funcionamentos”, ou seja, dar oportunidades

externas para que as capacidades internas despontem, reafirmando o poder dos

cidadãos interessados e garantindo-lhes de maneira continua uma renda.

É necessário garantir espaços públicos para discussão, para desenvolver a

cidadania

Foi possível envolver coletivamente os moradores da favela Real

Parque numa discussão mais ampla sobre suas condições de vida e romper com o

cotidiano da alienação, no sentido de pensar, sentir e agir como agentes de

228

mudança, apresentando propostas que minimizem a desigualdade e recuperem os

seus direitos? Os depoimentos apresentados mostraram claramente que os

moradores da favela Real Parque se envolveram com o trabalho, partindo para um

diagnóstico local, levantamento dos problemas e propondo soluções.

Ou seja: os cooperados foram capazes de desenvolver uma

cidadania ativa ao perceberem a liberdade que desfrutavam, bem como seus

benefícios.

Para isto foi necessário garantir o Centro de Saúde como um espaço

público aberto para a discussão dos problemas da comunidade, cumprindo uma

função social mais abrangente, além de sua especifica de assistência a saúde (no

sentido estrito), uma nova forma de incorporar práticas pioneiras no cenário pub lico

e inovar as “boas” práticas comunitárias.

Não se deve subestimar o peso dos espaços públicos. São

importantes para que se possa estabelecer estratégias de participação popular,

incluindo não só à atenção primária a saúde, mas o desenvolvimento sustentável e o

conceito amplo de saúde, que não é simplesmente ausência de doenças mas

determinado socialmente. Saúde é educação, alimentação, moradia, saneamento,

meio ambiente, trabalho, renda, transporte, lazer e o acesso a bens e serviços

essenciais. Os encontros são decisivos para a mobilização das vontades coletivas e

elevação da auto-estima da comunidade. Torna-se fundamental a organização social

em redes, estimulando todas as instituições locais: escolas, igrejas, empresas,

comércio para que atuem em uma ação coordenada de interdependência e

solidariedade no processo de desenvolvimento humano. É possível sentar na

mesma roda, moradores da favela e intelectuais. Utilizando a imagem de Freud dos

porcos-espinhos que temiam se congelarem, juntaram-se e criaram um espaço

adequado em que pudessem se aquecer do inverno, sem se “espetarem” um no

outro.

Para Dowbor (1996, p. 8-10), é essencial o "empowerment", ou

recuperação da cidadania, através do espaço local, do espaço de vida do cidadão.

(...) Transferir a cidadania para níveis cada vez mais amplos, e cada vez mais

distantes do cidadão, é transferir o poder significativo para mega-estruturas

multinacionais, enquanto se dilui a cidadania no anonimato”.

229

O governo municipal: uma nova agenda local

Foi importante que as ações do governo municipal, durante o

desenvolver desta pesquisa, também estivessem em busca de novos caminhos para

os problemas sociais, engajados aos interesses e às iniciativas da comunidade. Esta

ação de forma inovadora, de políticas voltadas para desenvolver ações coletivas,

ainda que de forma limitada, catalisou o desenvolvimento de autonomia dos

indivíduos e não sua independência do Estado. O trabalho tornou-se fonte de um

novo aprendizado de todos: governo local, empresas, instituições públicas e/ou

privadas, e “excluídos” imbuídos do mesmo objetivo. Para Daniel (1994), o conteúdo

de uma nova agenda local deve ser para além das prioridades, se faz à luz de

agregar temas de desenvolvimento econômico local, não só na esfera de

distribuição, como também na esfera da produção; o modo de desenvolvimento local

deve ser capaz de envolver a dinâmica da economia local, através da cooperação

entre os tomadores de decisão, publico e privado. É a dinâmica própria, endógena,

que confere a maior sustentabilidade econômica local, dotando-a de autonomia

relativa. É definindo combinações e dosagens adequadas das políticas, na interação

entre os moradores, que se descobrem os melhores caminhos de uma consolidação

efetiva: a auto-organização da comunidade. Não existe receita de bolo! É tecer cada

fio num movimento de ação, reflexão e ação. As sinergias positivas podem ser

produzidas quando se implementa uma dada política fortalecendo outras, permitindo

a economia de recursos.”

A Importância da Coleta Seletiva

Recordando os dados do Real Parque em relação os programas:

Bolsa Trabalho, Renda Mínima e Começar de Novo, (2003) alguns dados são muito

importantes para a nossa reflexão. A faixa etária das pessoas que são contempladas

por estes programas é de 17 a 48 anos, pessoas que estão em plena força de

230

trabalho. Em termos de escolaridade a grande maioria possui apenas o ensino

fundamental. Mais de 50 % “fazem bico”, ou seja, encontra-se em “desemprego

oculto pelo trabalho precário” ou provavelmente em “desemprego oculto por

desalento”.

Se o governo investisse em coleta seletiva de lixo, organizando

cooperativas como ocorreu no governo municipal passado, que mesmo em

condições estruturais precárias de funcionamento: (galpão, prensas, balanças,

caminhão) alcançou resultados positivos, ao invés de gastar recursos econômicos

em programas sociais, estaria beneficiando uma parcela enorme da população, em

um investimento “quase que único”, em pouco tempo estaria “resgatando” todos os

recursos econômicos investidos, aplicando-os em outras prioridades como educação

e saúde. As cooperativas de lixo contribuem com o problema ambiental e de renda

de muitas pessoas.

Entende-se que a descontinuidade desses programas, por

mudanças de gestão e falta de acompanhamento dos mesmos, o que produz pouco

impacto diante da real situação: a pobreza pode criar a dependência do individuo a“

cristalização da angústia e o pensamento que não cola na ação” (SAWAIA, 1994a,

p. 158)

Esta investigação mostrou que, mesmo moradores da favela em

condições às vezes precárias de saúde, são capazes de ser produtivos e obter

renda que lhes garanta (como garantiu durante três anos) a sua subsistência. Aliás,

não se pode pensar em saúde, quando se trata de morador da favela. O favelado

basicamente não tem saúde, pois suas condições de moradia são precárias, mora

em barraco com vielas cujo esgoto corre a céu aberto, e possui uma alimentação

precária. Se um dos pré-requisitos para adentrar o sistema produtivo capitalista é ter

saúde, fica mais claro que este é um outro fator inibidor que dificulta o acesso das

pessoas ao mercado de trabalho. Além disso, ser morador da favela já carrega a

representação social de que é um doente social.

231

A importância do Trabalhador Social

Não se trata neste momento de avaliar o volume dos resultados

encontrados do ReciclaReal, mas é importante ressaltar a importância do

trabalhador social imbuído de espírito de luta e mudança que busca romper com a

inércia e estabilidade encarnada de uma realidade local. É necessário primeiro

conhecer a realidade na qual se pretende atuar, bem com interagir com a população.

Outro ponto a ressaltar é a mudança cultural que ocorreu na

cidadania do morador da favela. Ele conseguiu enxergar possibilidades, como

também participou e articulou novos interesses, não só através da cooperativa de

lixo, mas também através do “diagnóstico partipativo das necessidades da

população do Real Parque”, do Orçamento Participativo e do Conselho Gestor.

Visto pela ótica da cidadania, houve a construção de uma cultura política nova,

diferente, que é um dos principais eixos da democracia, com o nascimento de um

novo personagem: o higienista ambiental.

Este trabalho do higienista ambiental não presume apenas a limpeza

do meio ambiente e a obtenção de renda, mas um trabalho educativo e de interação

entre ricos e pobres. Este poderá ser mais abrangente com a articulação com as

instituições de ensino locais (que era a pretensão desta pesquisa-ação inicial),

conversando com as crianças em escolas, creches, em um diálogo de iguais,

levando à uma consciência ambiental de base, refletindo sobre os novos valores a

respeito do meio ambiente. É importante desde cedo a criança entender que o meio

ambiente é um bem comum e que é necessário preservá-lo. Fica aqui a sugestão

para que novos pesquisadores invistam nesta ampliação.

É importante ressaltar que se deve pensar na valorização e na

regularização desta atividade que pode se tornar uma profissão digna e não apenas

um “bico”, como é para muitos. Ser um higienista ambiental e não um simples coletor

de lixo, atividade estigmatizada pela sociedade, da qual ele se livra tão logo arrume

uma outra ocupação mais valorizada socialmente.

Finalizando quero deixar o que representou esta pesquisa-ação,

para o pesquisador:

232

Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais

que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de

ocupação, preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro.

(LEONARDO BOFF; 1999)

233

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ANEXO A

FOTO 03

Foto aérea da favela do Real Parque

Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo

248

FOTO 04

Apartamentos próximos à favela

Fonte: cedido pelo projeto Casulo

249

FOTOS 05 e 06

Favela Real Parque

Fonte: Autora.

250

FOTO 07

Local onde houve desmoronamento de barracos no córrego.

Fonte: cedido pelo Projeto Casulo

251

FOTO 08

Festa das crianças.

Fonte: cedido pelo organizador da festa das crianças

252

FOTOS 09 e 10

Meninos catadores de lixo reciclável da favela Real Parque: contraste social.

Fonte: Autora

253

FOTO 11

Local cedido e sendo capinado por um cooperado do Núcleo ReciclaReal

Fonte: Autora

254

FOTO 12

Coleta de lixo feita por carroças.

Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo

255

FOTO 13

Primeiro carro de coleta de lixo reciclável do ReciclaReal

Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo.

FOTO 14

Segundo carro de coleta de lixo reciclável do ReciclaReal. Fonte: Autora

256

FOTO 15

Local usado como banheiro do Núcleo do ReciclaReal Fonte: Autora

257

FOTO 16

Reciclador do Real Parque. Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo

258

FOTO 17

Recicladora com avental do ReciclaReal Fonte: Autora

259

ANEXO B1

Coleta seletiva Recicla Real

Estamos implantando a partir de 28 de abril a Coleta Seletiva

ReciclaReal. Este trabalho está sendo montado no bairro Real Parque tendo algumas parcerias, tais como o

Centro de Saúde Real Parque, alguns empresários, as Faculdades do Instituto de Pesquisa Hospitalar (IPH)

e os moradores da favela Real Parque. Este trabalho vem sendo discutido com os interessados há algum

tempo com o objetivo de formação de uma Cooperativa formada pelos moradores da Favela Real Parque. A

coleta será feita uma vez por semana. Desta maneira ao mesmo tempo em que cuidaremos da melhoria do

meio ambiente, colaboraremos com a melhoria do nosso bairro. Não podemos esquecer também que o

material reciclado não conta na taxa de lixo.Veja alguns benefícios:

1- Redução de problemas ambientais como enchentes.

2- Redução do lixo das favelas e de problemas de saúde relacionadas ao lixo como a dengue.

3- Melhoria das condições socioeconômicas do morador da favela; emprego àqueles que se encontram

excluídos do mercado de trabalho.

4- Formação de agentes ambientais.

5- Desenvolvimento da consciência ecológica de todos os moradores e o exercício de cidadania.

6- Redução do uso da energia e combustíveis pelas industrias, no processo produtivo.

7- Diminuição da extração de elementos naturais como petróleo, bauxita, madeira e água.

Veja abaixo a relação dos materiais que você pode separar:

• Papeis: caixas de papelão, jornais revistas, impressos, rascunho, envelopes, papel timbrado.

Exceto celofane e isopor, encerados, papel carbono, fotografias, papeis sanitários, fraldas descartáveis,

fitas e etiquetas adesivas.

• Vidros: garrafas de cerveja, garrafões de vidro.

Exceto lâmpadas fluorescentes e ampolas de medicamentos.

• Metais: latinhas de cerveja, refrigerantes, panela velha, cobre, alumínio, janela de alumínio, bronze,

chumbo, ferro, geladeira, fogão, ventilador, eletrodomésticos velhos, eletrônicos, radiografias,

computadores.

Exceto: pilhas, baterias.

Entre em contacto conosco que teremos o maior prazer em atendê-lo pelos telefones: Bill tel: 37581850 ou

Mônica tel: 37584322

260

ANEXO B2

Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante esta idéia:

PAPEL/PAPELÃO - Economiza recursos naturais, como matéria-prima (madeira), energia e água. Uma tonelada de papel reciclado evita o corte de 10 a 12 árvores; - A fabricação de 1 tonelada de papel reciclado usa apenas 60% da energia necessária à fabricação da mesma quantidade de papel virgem; - Com a utilização de aparas na fabricação de papel, reduz-se de 10 a 50 vezes a quantidade de água.

Recicláveis Não-Recicláveis

Papelão e caixas Papel sanitário, guardanapo engordurado Jornais e revistas Copos descartáveis engordurados Impressos em geral, lista telefônica, fotocópias “xerox”, folhas de caderno, rascunhos, aparas de papel, papel timbrado

Papel carbono, papel metalizado, papel parafinado, papel plastificado

Papel toalha, envelopes, embalagens longa vida, cartões

Fotografias, etiquetas adesivas, papel de fax, papel vegetal

Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante:

PLÁSTICO - Economiza energia e extração de recursos naturais

(petróleo); - A ausência do plástico permite no aterro sanitário a aceleração da decomposição da matéria orgânica, contribuindo com a permeabilização das camadas de materiais biologicamente degradáveis, favorecendo a circulação de gases e líquidos; - Reduz o volume de lixo depositados em aterros, aumentando sua vida útil; - Uma tonelada de plástico reciclado evita a extração de 1000 litros de petróleo (segundo alguns estudos, estima-se que se continuarmos a usar petróleo no

ritmo atual, as reservas existentes durarão até aproximadamente o ano de 2020).

Recicláveis Não-Recicláveis Embalagens de detergentes, shampoo condicionadores, sacos plásticos, etc.

Embalagens de pasta de dente

Tampas, potes Fraldas descartáveis Copos descartáveis Embalagens metalizadas Garrafas de bebidas (refrigerante) Cabos de panela Cano, peças plásticas de brinquedos Espuma

261

Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante esta idéia:

VIDRO - O vidro é 100% reciclável, não ocorrendo perda de material durante o processo de fusão, ou seja, com 1 Kg de vidro velho, se faz 1 Kg de vidro novo; - Para cada tonelada reciclada poupamos mais de 1 tonelada de recursos minerais; - A reciclagem do vidro poupa de 25 a 32% da energia usada na produção; - Diminui o do volume de lixo depositado em aterros; - É o resíduo que mais demora para degradar (aprox. 500 anos).

Recicláveis Não-Recicláveis

Garrafas de bebidas alcoólicas e não alcoólicas (refrigerantes, cerveja, suco, água, vinho, etc.)

Espelhos, vidros de janela e box de banheiro, lâmpadas, cristal

Frascos em geral (molhos, condimentos, remédios, perfumes e produtos de limpeza)

Ampolas de remédio, formas, travessas e utensílios de mesa de vidro temperado, louças, cerâmicas, óculos.

Copos, potes de produtos alimentícios, Tubos de televisão e válvulas Cacos de embalagens Vidros de automóveis/janela

Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante esta idéia:

METAL

- LATAS DE ALUMÍNIO: - Economiza 95 % da energia gasta pelo processo primário na fase de transformação do minério para metal; - Uma tonelada de alumínio reciclado evita a extração de 5 toneladas de minério (o alumínio provém do beneficiamento da bauxita); - O material pode ser reciclado infinitas vezes sem perder suas propriedades; - Reduz o volume de materiais nos aterros, prolongando sua vida útil.

Recicláveis Não-Recicláveis

Latas de alumínio e aço, perfis, canos, panelas sem cabo

Latas de tinta, vernizes, de solventes químicos, de inseticidas,de aerossóis

Tampas, embalagens metálicas de alimentos Pilhas, esponjas de aço, clips

262

263

ANEXO B3

264

ANEXO C

CONTRATO DE CESSÃO DE IMÓVEL A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO Os Signatários deste instrumento, de um lado o Sr. , e do outro o Projeto de Reciclagem de Lixo denominada -`RECICLAREAL`-, representada pelos Srs. Mônica Maria Leite, RG 36.760.237-4, Maria da Penha Cardoso, 23.419.810-2, Jailton Ribeiro da Silva, RG 36.336.256-3 e Luis Prudêncio da Silva, RG 20.771.261-5. O primeiro nomeado aqui designado Cedente Voluntário, sendo proprietário do imóvel (terreno desocupado de construção oficial), medindo m2, sito a Rua César Vellejo s/nº, no Real Parque – São Paulo, cede , a titulo de empréstimo ao segundo aqui denominado Entidade Ocupante Autorizada pelo Cedente Voluntário, mediante as cláusulas e condições:

1. O prazo do presente contrato e de 36 (trinta e seis) meses a iniciar em de setembro de 2.002 e terminar em de outubro de 2.005, para instalação de um Projeto de reciclagem e comercialização comunitária de lixo, podendo ser renovado de acordo com ambas as partes. Em não havendo tal acordo, a parte ocupante se obriga a restituir o imóvel completamente desocupado, nas condições previstas neste contrato, sob pena de incorrer e sujeitar-se ao disposto no artigo 1196 do código civil brasileiro.

2. O consumo de água, luz, gás, telefone e outros, assim como os encargos e tributos que

incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, conservação, seguro e outros decorrentes de lei, assim como suas respectivas majorações, ficam a cargo da Entidade Ocupante Autorizada e, o seu não pagamento na época determinada acarretará a rescisão deste.

3. A Entidade Ocupante Autorizada, salvo as obras que importem na segurança do

imóvel, obriga-se por todas as outras, devendo trazer o imóvel cedido a título de empréstimo em boas condições de higiene e limpeza, para assim restitui- lo quando findo ou rescindido este contrato, sem direito a retenção ou indenização por qualquer benfeitoria, ainda que sejam necessárias, as quais ficarão desde logo incorporada ao imóvel.

4. Obriga-se a Entidade Ocupante Autorizada, a satisfazer todas as exigências dos

poderes públicos a que der a causa, não motivando elas a rescisão deste contrato.

5. Não é permitidas a transferência deste contrato, nem a sublocação, cessão ou empréstimo total ou parcial do imóvel, sem o prévio consentimento por escrito do Cedente Voluntário, devendo no caso deste ser dado, agir oportunamente junto com os representantes da Entidade Ocupante Autorizada, afim de que o imóvel esteja desimpedido nos termos do presente contrato. Igualmente não é permitido fazer modificações ou transformações no imóvel, sem autorização prévia por escrito do Cedente Voluntário.

6. No caso de desapropriação do imóvel cedido a titulo de empréstimo, fica o Cedente

Voluntário desobrigado por todas as cláusulas deste contrato, ressalvadas a Entidade

265

Ocupante Autorizada, tão somente a faculdade de haver dos Poderes desapropriantes, a indenização a que, por ventura tiver direito.

7. Nenhumas intimações, da Vigilância Sanitárias serão motivas para a Entidade

Ocupante Autorizada e seus representantes abandonarem o imóvel ou pedir rescisão deste contrato, salvo procedendo vistoria judicial, que apure estar o terreno ameaçando ruir colocando em risco os ocupantes do imóvel.

8. Não será permitida, a construção neste terreno de moradia que sirva residência para

nenhum dos representantes da Entidade Ocupante Autorizada ou outros, podendo o Cedente Voluntário rescindir este contrato, imediatamente a informação desta ocorrência, sem nenhum prejuízo ou indenização aos representantes e a Entidade Ocupante Autorizada.

9. Para todas as questões oriundas deste contrato, será competentes o FORO da situação

do imóvel, com renúncia de qualquer outro, por mais especial que se apresente.

10. Tudo quanto for devido em razão deste contrato e, que não comportem o processo executivo, será cobrado em ação competente, ficando a cargo do devedor, em qualquer caso, honorários do advogado que o credor constituir para ressalva dos seus direitos.

11. Quaisquer estragos ocasionados ao imóvel e suas instalações, bem como as despesas

que o proprietário for obrigado por eventuais modificações feitas no imóvel, pela Entidade Ocupante Autorizada, serão pagas pela Entidade Ocupante Autorizada.

12. O imóvel, objeto deste contrato, destina-se exclusivamente para fim comercial, não

sendo permitido a comercialização de bebidas alcoólicas ou sua transformação em bar ou sinônimos, não podendo também a sua destinação ser mudada sem o consentimento expresso e por escrito do Cedente Voluntário Proprietário.

13. Assim por estarem justos e contratados, assinam o presente em 02 (duas) vias de igual

teor, em presença de testemunhas abaixo.

14. São Paulo, de setembro de 2.002.

266

ANEXO D

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu...................................................................................................................................

....., portador(a) do RG n.0 ................................., com ........... anos de idade,

concordo em participar deste estudo, sobre os coletores de lixo do Real Parque

após ter sido adequadamente esclarecido(a), e informado(a) de que minha

participação é voluntária e sigilosa.

Fui informado (a) terei a possibilidade de desistência a qualquer momento, desde

que consenti em participar do mesmo, e que não poderei retirá-los depois.

____________________________________ ____________

Assinatura do(a) voluntário(a) Data

____________________________________ ____________

Assinatura do(a) investigador(a) Data

267

ANEXO E

CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO ECONÔMICA BRASIL

A adoção do mercado a um Critério de Classificação Econômica comum, restabelece a unicidade dos mecanismos de avaliação do potencial de compra dos consumidores, após alguns anos de existência de dois critérios. O novo sistema, batizado de Critério de Classificação Econômica Brasil, enfatiza sua função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, abandonando a pretensão de classificar a população em termos de “classes sociais”. A divisão de mercado definida pelas entidades é, exclusivamente de classes econômicas.

SISTEMA DE PONTOS

Posse de itens T E M Não

tem 1 2 3 4 ou +

Televisão em cores 0 2 3 4 5 Rádio 0 1 2 3 4 Banheiro 0 2 3 4 4 Automóvel 0 2 4 5 5 Empregada mensalista 0 2 4 4 4 Aspirador de pó 0 1 1 1 1 Máquina de lavar 0 1 1 1 1 Videocassete e/ou DVD 0 2 2 2 2 Geladeira 0 2 2 2 2 Freezer (aparelho independente ou parte da geladeira duplex)

0 1 1 1 1

Grau de Instrução do chefe de família Analfabeto / Primário incompleto 0 Primário completo / Ginasial incompleto 1 Ginasial completo / Colegial incompleto 2 Colegial completo / Superior incompleto 3 Superior completo 5

CORTES DO CRITÉRIO BRASIL

Classe PONTOS TOTAL BRASIL (%) A1 30-34 1 A2 25-29 5 B1 21-24 9 B2 17-20 14 C 11-16 36 D 6-10 31 E 0-5 4

PROCEDIMENTO NA COLETA DOS ITENS

É importante e necessário que o critério seja aplicado de forma uniforme e precisa. Para tanto, é fundamental atender integralmente as definições e procedimentos citados a seguir.

Para aparelhos domésticos em geral devemos:

Considerar os seguintes casos

Bem alugado em caráter permanente Bem emprestado de outro domicílio há mais de 6 meses Bem quebrado há menos de 6 meses

Não considerar os seguintes casos

268

Bem emprestado para outro domicílio há mais de 6 meses Bem quebrado há mais de 6 meses Bem alugado em caráter eventual Bem de propriedade de empregados ou pensionistas

Televisores

Considerar apenas os televisores em cores. Televisores de uso de empregados domésticos (declaração espontânea) só devem ser considerados caso tenha(m) sido adquirido(s) pela família empregadora.

Rádio

Considerar qualquer tipo de rádio no domicílio, mesmo que esteja incorporado a outro equipamento de som ou televisor. Rádios tipo walkman, conjunto 3 em 1 ou microsystems devem ser considerados, desde que possam sintonizar as emissoras de rádio convencionais. Não pode ser considerado o rádio de automóvel.

Banheiro

O que define o banheiro é a existência de vaso sanitário. Considerar todos os banheiros e lavabos com vaso sanitário, incluindo os de empregada, os localizados fora de casa e os da(s) suite(s). Para ser considerado, o banheiro tem que ser privativo do domicílio. Banheiros coletivos (que servem a mais de uma habitação) não devem ser considerados.

Automóvel

Não considerar táxis, vans ou pick-ups usados para fretes, ou qualquer veículo usado para atividades profissionais. Veículos de uso misto (lazer e profissional) não devem ser considerados.

Empregada doméstica

Considerar apenas os empregados mensalistas, isto é, aqueles que trabalham pelo menos 5 dias por semana, durmam ou não no emprego. Não esquecer de incluir babás, motoristas, cozinheiras, copeiras, arrumadeiras, considerando sempre os mensalistas.

Aspirador de Pó

Considerar mesmo que seja portátil e também máquina de limpar a vapor (Vaporetto).

Máquina de Lavar

Perguntar sobre máquina de lavar roupa, mas quando mencionado espontaneamente o tanquinho deve ser considerado.

Videocassete e/ou DVD

Verificar presença de qualquer tipo de vídeo cassete ou aparelho de DVD.

Geladeira e Freezer

No quadro de pontuação há duas linhas independentes para assinalar a posse de geladeira e freezer respectivamente. A pontuação entretanto, não é totalmente independente, pois uma geladeira duplex (de duas portas), vale tantos pontos quanto uma geladeira simples (uma porta) mais um freezer.

As possibilidades são:

Não possui geladeira nem freezer 0 ponto

Possui geladeira simples (não duplex) e não possui freezer 2 pontos

Possui geladeira de duas portas e não possui freezer 3 pontos

Possui geladeira de duas portas e freezer 3 pontos

269

Possui freezer mas não geladeira (caso raro mas aceitável) 1 ponto

Observações Importantes

Este critério foi construído para definir grandes classes que atendam às necessidades de segmentação (por poder aquisitivo) da grande maioria das empresas. Não pode, entretanto, como qualquer outro critério, satisfazer todos os usuários em todas as circunstâncias.

Certamente há muitos casos em que o universo a ser pesquisado é de pessoas, digamos, com renda pessoal mensal acima de US$ 50.000. Em casos como esse, o pesquisador deve procurar outros critérios de seleção que não o CCEB.

A outra observação é que o CCEB, como os seus antecessores, foi construído com a utilização de técnicas estatísticas que, como se sabe, sempre se baseiam em coletivos. Em uma determinada amostra, de determinado tamanho, temos uma determinada probabilidade de classificação correta, (que, esperamos, seja alta) e uma probabilidade de erro de classificação (que, esperamos, seja baixa). O que esperamos é que os casos incorretamente classificados sejam pouco numerosos, de modo a não distorcer significativamente os resultados de nossa investigação.

Nenhum critério, entretanto, tem validade sob uma análise individual. Afirmações freqüentes do tipo “... conheço um sujeito que é obviamente classe D, mas pelo critério é classe B...” não invalidam o critério que é feito para funcionar estatisticamente. Servem porém, para nos alertar, quando trabalhamos na análise individual, ou quase individual, de comportamentos e atitudes (entrevistas em profundidade e discussões em grupo respectivamente). Numa discussão em grupo um único caso de má classificação pode pôr a perder todo o grupo. No caso de entrevista em profundidade os prejuízos são ainda mais óbvios. Além disso, numa pesquisa qualitativa, raramente uma definição de classe exclusivamente econômica será satisfatória.

Portanto, é de fundamental importância que todo o mercado tenha ciência de que o CCEB, ou qualquer outro critério econômico, não é suficiente para uma boa classificação em pesquisas qualitativas. Nesses casos deve-se obter além do CCEB, o máximo de informações (possível, viável, razoável) sobre os respondentes, incluindo então seus comportamentos de compra, preferências e interesses, lazer e hobbies e até características de personalidade.

Uma comprovação adicional da conveniência do Critério de Classificação Econômica Brasil é sua discriminação efetiva do poder de compra entre as diversas regiões brasileiras, revelando importantes diferenças entre elas.

Distribuição da população por região metropolitanas

CLASSE TOTAL GDE FORT

GDE REC

GDE SALV

GDE BH

GDE RJ

GDE SP

GDE CUR

GDE POA

DF

A1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 A2 5 4 4 4 5 4 6 5 5 9 B1 9 5 5 6 8 9 10 10 7 9 B2 14 7 8 11 13 14 16 16 17 12 C 36 21 27 29 38 39 38 36 38 34 D 31 45 42 38 32 31 26 28 28 28 E 4 17 14 10 4 3 2 5 5 4

Renda familiar por classes

Classe Pontos Renda média familiar (R$) A1 30 a 34 7.793 A2 25 a 29 4.648 B1 21 a 24 2.804 B2 17 a 20 1.669 C 11 a 16 927 D 6 a 10 424 E 0 a 5 207

270

ANEXO F

Temas discutidos nas reuniões

Data Temas discutidos

Número de pessoas

presentes

27/02/02 • Situação atual do CS Real Parque

• Formação do Conselho de Saúde

• Implantação do PSF

• Situação dos favelados no alojamento e do córrego

12 pessoas

06/03/02 • Prova de seleção para Implantação do PSF

• Demanda reprimida no atendimento dos usuários do Real Parque

• Visita da Sr.a Maria Lucia Alkimin, no Real Parque

• Canalização do esgoto da favela Jd. Panorama

• Esclarecimentos sobre a formação do Conselho de Saúde Local

• Prevenção da dengue

12 pessoas

13/03/02 • Formação do Conselho de Saúde Local

• Prevenção da dengue

• O problema do lixo na favela

• Situação dos favelados no alojamento e do córrego

7 pessoas

27/03/02 • Situação dos favelados no alojamento e do córrego

• O problema do lixo na favela • Informes sobre a Campanha de Prevenção de

Câncer Cervical

9 pessoas

Representantes dos blocos do Cingapura

03/04/02 • O problema do lixo da favela Real Parque

• Mutirão de limpeza

• Situação dos favelados no alojamento e do córrego

11 pessoas

10/04/02 • Exposição de representantes do Instituto de Cidadania Empresarial

• Situação dos favelados no alojamento e do córrego

• Problema do lixo da favela Real Parque

6 pessoas

271

• Projeto de creche

• Informe da Campanha de Vacinação contra Gripe, dia 13/04/2002

• Falta de funcionários da limpeza na unidade

17/04/02 • Participação da comunidade na limpeza da Unidade de Saúde por falta de funcionários

• Falta de motorista para ambulância da Unidade

• Necessidade de reforma do Centro de Saúde

• A Implantação do PSF

• Situação dos favelados no alojamento e do córrego

• Problema do lixo da favela Real Parque

• Coleta de lixo da favela Porto Seguro

• Proposta da reciclagem de lixo

• Informe sobre o aumento dos casos de dengue no município de São Paulo

• Informes da Campanha de Vacinação contra Gripe

13 pessoas

24/04/02 • Reforma do Centro de Saúde e compra da sede própria

• Movimento para aquisição de uma ambulância nova

• Reciclagem do lixo (convite de representante da Regional Butantã para expor sobre o Programa Municipal de lixo reciclável)

• Proposta: reunião com zeladores do prédio para coleta seletiva do lixo

• Programa de Acolhimento da Prefeitura.

• Ouvidoria com participação da comunidade

• Problema do lixo da favela Panorama

• Site do bairro Real Parque

14 pessoas

08/05/02 • Presença da representante da habitação da regional do Butantã

• Problema das crianças do Real Parque fora da sscola

18 pessoas

272

Aula sobre lixo com o Coordenador de Zoonoses

15/05/02 • Informe sobre Campanha da Vacinação contra Gripe nos Índios Pankararu

• Confecção do folder (convite) para os zeladores do bairro

4 pessoas

22/05/02 • Discussão sobre o filme sobre o lixo pelo Coordenador de Zoonoses

• Discussão do filme sobre a dengue

• Informe sobre seminário para o Orçamento Participativo

21 pessoas

19/06/02 • Reciclagem do lixo: presença dos representantes do Reciclázaro que explica a experiência do Projeto

• Formação da equipe para levantamento de terreno na região para implantação da coleta seletiva e programa de reciclagem

• Importância da educação ambiental

• Informe sobre recicla São Paulo com as cinco regiões incluindo o Real Parque

• Programa Bolsa Alimentação com Ana Fonseca

• Projeto Acolher

• Colocação do site Real Parque e suas finalidades: <www.realparque.com.br>

16 pessoas

26/06/02 • Reciclagem do lixo: possível terreno encontrado para o projeto

• Orçamento participativo

• Canalização do córrego

• Movimento de moradia • Discussão da chapa do Conselho de Saúde

• Ouvidoria com participação da comunidade

15 pessoas

03/07/02 • Presença do Subprefeito da Regional do Butantã

• Canalização do córrego

• Problemas em relação à habitação

• Eleição do Conselho Gestor

• Agendamento das atividades do Projeto Helen Keller de Saúde Ocular, no bairro Real Parque

14 pessoas

273

10/07/02 • Presença de uma convidada que trabalha com economia solidária

• Implantação da coleta de lixo solidária; convidar responsável das incubadoras USP, para visita ao Real Parque

• Marcar visita ao Projeto Vira Lata

• Retirada a comissão para trabalhar no projeto de implantação da coleta seletiva do lixo

• Eleição do Conselho Gestor, dia 20/07

• Bolsa Alimentação: aumento do número, no bairro

• Orçamento Participativo, dia 31/07

23 pessoas

15/07/02 • Treinamento de voluntários para campanha Helen Keller, no dia 20/07

• Orçamento Participativo

• Festa das crianças

• Formação da equipe e confecção do pré-projeto da coleta seletiva de lixo.

23 pessoas

22/07/02 • Orçamento participativo: definir propostas a serem levadas no dia 31/07

• Festa das crianças

• Eleição do Conselho Gestor

25 pessoas

29/07/02 • Orçamento Participativo

• Discussão do problema da habitação

13 pessoas

274

ANEXO G

Fonte: Jornal Circular Real Parque – Morumbi (DEZ, 2002, p.08)

275

ANEXO H

276

ANEXO I

ENTREVISTA - MARIA

S- Mônica você me autoriza a gravar esta entrevista?

M- Autorizo.

S- Eu quero que você conte um pouquinho de como começou o projeto do Recicla

Real e como que ele está hoje?

M- O Projeto Recicla Real começou a partir de uma campanha sobre a dengue no

Posto de Saúde, no qual a Sônia era diretora, e de lá surgiu a história de uma

reciclagem, e foi aí que começou tudo, né? E a Sônia nos convidou para uma

reunião, nós fomos para reunião e nessa reunião surgiu um grupo para fazer a

coleta seletiva, um grupo de reciclagem.

S- Faz quanto tempo que o grupo dirige esse projeto?

M- Esse projeto já, que estamos trabalhando vai fazer dois anos agora em outubro, e

que tem a idéia vai fazer três anos.

S- E o que você acha que mudou na sua vida depois que você começou a participar

desse projeto?

M- As coisas boas que mudaram na minha vida , é que hoje em dia eu tenho mais

dignidade; hoje em dia eu aprendi mais; aprendi a dar mais valor as coisas; hoje em

dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada mês que se passa um dinheiro a mais;

aprendi o que é reciclagem, porque eu não sabia nada disso; aprendi a lidar mais

com o povo; aprendi a ter mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os

outros, nós somos uma equipe grande.

S- Quantos vocês são?

M- Nessa equipe agora nós estamos em oito, e está chegando mais de oito agora a

partir de segunda-feira para trabalhar. Porque foi muito difícil, nós não tínhamos

carro, nós não tínhamos nada, nós puxávamos carroça, depois conseguimos um

carrinho, com muito sacrifício, há pouco tempo o carrinho quebrou, a mãe do projeto

277

(...), essa é que é a grande poderosa de tudo, nos ajudou a conseguir um carro

melhor, comprou um carro para nós, e agora nós vamos batalhar mais ainda;

consegui também com o apoio dela, com a ajuda dela, tirar dois meninos que eram

bandidos perigosos daqui do Real Parque, eles não temiam nem a polícia, e hoje em

dia são duas pessoas dignas, capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também

um alcoólatra, que hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo

serviço direitinho, mas eu até o internei por causa do excesso de bebida, uma

dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias internado, então

eu consegui tudo isso , graças a ajuda da Sônia, quando nós temos algum

problema, eu corro e ligo pra ela, encho o saco dela de sábado, domingo, feriado e

tudo. Isso pra mim foram as coisas boas, ela está pronta a nos ajudar a qualquer

momento, porque a batalha ainda está por vir, mas a gente não baixa a cabeça, a

gente sempre pensa que nós vamos conseguir, porque nós podemos. E as coisas

ruins que tem é que ... Ás vezes a gente fica triste porque as vezes uma pessoa quer

o trabalho, a gente dá o serviço pra pessoa tudo direitinho, a pessoa aprende todo o

trabalho, aprende tudo e depois quer montar o seu próprio negócio, sozinho. Então

isso que as vezes eu fico chateada, porque eles vem aprende tudo e vão embora.

S- Por que eles querem montar o próprio negócio?

M- Porque eles acham que montando o próprio negócio, eles vão ganhar mais. É

ilusão! É ilusão porque eles não levam direto para grandes empresas, nós

conseguimos levar direto para grandes empresas, e eles não conseguem, eles

levam para o “atravessador”. Aí fica aquela história, quando eles vêem que está

errado, eles querem voltar novamente para o projeto, querem voltar novamente para

cá porque isso nós temos casos com várias pessoas, que saíram, fizeram isso e

querem voltar. Só que fica aquele negócio não é “casa da mãe Joana” para ir e

voltar a hora que quiser, quando eles saem nós temos que repor as pessoas.

S- Quem quis voltar já?

M- O Claudimar já quis voltar.

S- O Claudimar foi o que comprou a Kombi?

M- É, comprou e não deu certo, ele comprou o carro porque ele tinha recebido a

indenização de uma empresa, aí comprou a perua e falou : “ -Agora eu vou ganhar

278

o mesmo dinheiro.”, aí não agüentou a manutenção da perua, o combustível da

perua, o motorista, pois eles não sabiam dirigir e aí faliu.Vendeu a perua para pagar

para os outros e agora queria voltar para cá. Só que aí a gente recua e não dá mais

chance, dá a chance para aquele outro que quer realmente.

S- Essa pessoa que você falou que se recuperou do álcool, ele parou de beber?

M- Parou.

S- Ele trabalha hoje aqui?

M- Ele estava aqui com a gente, que é o meu cunhado, mas aí veio aquelas (...) lá

da Leopoldina, que ele tinha de fazer o curso e tudo e não aceitou, então agora ele

está no curso.

S- Mas depois ele volta?

M- Depois ele volta, que é o caso também do Natal, não sei como é que vai fazer

para aceitar o Natal de volta.

S- Mas o Natal depois vocês pegam de volta?

M- Porque ele liga direto “- Mariazinha minha vaga, eu vou trabalhar aí!”

S- Então, pega de volta.

M- Só que esses dois são exceção, porque eles não saíram porque aprenderam

mais, eles saíram porque foram resolver outras coisas. Então essas são pessoas

que a gente pensa em pegar de volta, o que a gente não aceita de volta são aqueles

que vem fazem as coisas e que não dão certo. Como nós tivemos o caso do Amilton,

o primeiro casamento não deu certo, outra chance, não deu certo, outra chance, não

deu certo, depois eu fui até a casa da Egidia, ele falou que não queria mais a

reciclagem, que ter queria só o apoio. Então o apoio não aconteceu nada , então

agora ele quer voltar, é onde a gente não aceita mais essa pessoa, a gente prefere

tentar com outros, já tem dois que querem vir. A mãe do Rodnei, que está

começando a partir de segunda-feira, está vindo pra cá...

S- Quem que vai pra lá, na Vila Leopoldina, você já decidiu?

M- Já, já levei o moço ontem...

279

S- Então são quatro?

M- É, já levei o moço lá ontem, e além dele tem uma senhorinha, ela que junta

garrafa para nós, ela atravessa a ponte para ir pegar garrafa para nós, ela traz

garrafa para nós, e chega aqui eu dou um cigarro pra ela, se eu consigo roupa, se

alguém me der roupa, eu dou uma roupinha pra ela, então ela vai do outro lado da

ponte buscar material de reciclagem para nós, e ela quer trabalhar conosco todo dia,

então...

S- Mas você conseguiu os outros três ?

M- Conseguimos, só que quando eu cheguei na Leopoldina ontem, não vai começar

mais segunda- feira agora.

S- Então dá tempo de você treinar o pessoal aqui?

M- É, vai começar só dia primeiro. Só que assim, como o Índio, esqueci agora o

nome dele, porque eu fiquei falando de primeiro dia, que a gente vinha pra cá ajudar,

então como ele foi pra Leopoldina comigo ontem me ajudar a separar o material, ele

gostou e quer ir trabalhar lá tudo certinho, então não posso agora dispensar o

coitado até o dia primeiro. Aí a partir do dia primeiro se estiver legalizado mesmo aí

ele vai pra lá, porque vai ter uma reunião quarta-feira, pra poder resolver se vai ser

dia primeiro mesmo.

S- Maria, antes de você estar na coleta seletiva solidária, no ReciclaReal, você

estava trabalhando?

M- Estava.

S- Você estava trabalhando com o quê?

M- Eu trabalhava como cozinheira, e nos finais de semana eu fazia bico de

segurança no salão de festas.

S- Você fazia o que mais?

M- Fazia bolo de aniversário, salgadinho e ainda continuo entregando meus

salgadinhos, só que agora eu só entrego salgadinhos num bar só, mas eu ainda

continuo fazendo meus salgadinhos .

280

S- E você optou a trabalhar nesse projeto por quê? O que te mobilizou?

M- O que me mobilizou foi quando eu fui na primeira convocação da reunião lá no

posto, que você falou que ia nos ajudar, que você explicou tudo direitinho do que era

o projeto de reciclagem, de qual era a finalidade de poder ajudar a comunidade,

então eu me interessei, porque eu sempre quis esse negócio de ajudar as pessoas;

eu sempre fui uma pessoa que gosta de ajudar, antigamente aqui no Real Parque eu

tinha a fama de enterrar velho. Eu era a mulher que enterrava os velhos. Porque os

velhinhos que não podiam, sabiam marcar uma consulta médica, não sabiam ir no

INSS, não sabiam como pegar remédio; eu pegava remédio para esses velhinhos,

eu os ajudava com o negócio de médico para resolver no INSS, então quando os

velhinhos morriam e não tinham família, as vezes tinham família, mas a família não

procurava, aí eu corria pro IML pra fazer o enterro, tudo direitinho para ninguém

pagar nada, arrumava carro.

281

APÊNDICES

APÊNDICE I

Carta de Princípios do FÓRUM RECICLA SÃO PAULO – Outubro de 2001

O FÓRUM RECICLA SÃO PAULO é formado pela união de várias experiências de

coletas seletivas: comunitárias; cooperativas; associativas e de pessoas autônimas

da Grande São Paulo. Nasceu há um ano e meio da necessidade de trocas de

experiências entre estes projetos e pessoas e da busca de forma de trabalho

conjunto, que possibilitem um melhoria na qualidade de vida da população envolvida

nesta atividade.

Fazem parte deste Fórum hoje, mais de 45 projetos comunitários de diversas

associações e cooperativas de catadores da Grande São Paulo, organizados

regionalmente na metrópole: zona leste; zona sul; zona oeste; zona norte e centro

da cidade de São Paulo. É um movimento que faz articulação local, regional e ao

mesmo tempo, trabalha a articulação destes grupos, num movimento maio na região

metropolitana. Este trabalho não só apresenta resultados quantitativos de

aproveitamento da matéria prima coletada, mas da construção de um novo tecido

social, articulando diversos segmentos, num trabalho coletivo e organizado, em que

se responsabilizam com a qualidade sócio ambiental dos espaços onde vivem.

Nossos Objetivos:

1. Manter a troca de experiências e saberes entre os projetos e com outros

segmentos da sociedade civil: empresas, universidades e poder público;

2. Realizar estudos em grupos para melhorar a administração dos projetos de

coletas seletivas;

3. Possibilitar a utilização de recursos e equipamentos de forma coletiva;

4. Organizar apoio e criar uma central de vendas dos materiais;

5. Ser apoio e referência para novos grupos de coleta;

282

6. Contribuir para a formação de agentes ambientais locais;

7. Contribuir para a criação de laços comunitários mais fortes;

8. Ser conhecidos pela administração pública como prestadores deste serviço;

9. Participar da elaboração de políticas de resíduos sólidos.

Nossos Princípios:

1. Organizar o trabalho no sentido do cooperativismo e ou associativismo, que

prevê:

• Participação sem discriminação;

• Independência e autonomia dos grupos;

• Auto Gestão e controle democrático;

• Inter cooperação entre pessoas e grupos;

• Comprometimento com a comunidade;

• Crescimento do Aprendizado dos participantes.

2. Erradicação do trabalho infantil;

3. Defender a implantação da política de resíduos sólidos com inclusão social

e gestão compartilhada;

4. Atuar no sentido de uma sociedade sustentável nas várias dimensões:

ecológica, econômica, social, cultural e política;

5. Ter comprometimento com a qualidade sócio ambiental local.

283

APÊNDICE II

Carta de Brasília: 1o Congresso Nacional de Catadores de Materiais

Recicláveis

Os participantes do 1o Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis,

realizado em Brasília nos dias 4, 5 e 6 de junho de 2001, que contou com a

participação de 1.600 congressistas, entre catadores, técnicos e agentes sociais de

17 estados brasileiros e os 3.000 participantes da 1a Marcha Nacional da População

de Rua, no dia 7 de junho do mesmo ano, apresentam a toda a sociedade e às

autoridades responsáveis pela implantação e efetivação das políticas públicas, as

reivindicações e propostas que seguem. E o fazem contando com a força nascida de

um longo processo de articulação, apoiado pelo Fórum Nacional de Estudos sobre a

População de Rua, que teve se ponto alto no 1o Encontro Nacional de Catadores de

Papel, realizado em Belo Horizonte, MG, em novembro de 1999, onde decidiu-se

pela organização do presente Congresso.

Consciente de nossa cidadania e da importância do trabalho que desenvolvemos e

das tecnologias por nós elaboradas, já qualificadas em mais de cinco décadas de

atuação cotidiana, tomamos a iniciativa de apresentar ao Congresso Nacional um

ante-projeto de lei que regulamenta a profissão catador de materiais recicláveis e

determina que o processo de industrialização (reciclagem) seja desenvolvido, em

todo o país, prioritariamente, por empresas sociais de catadores de materiais

recicláveis.

1 - Em relação ao Poder Executivo, propomos:

1.1 - Garantia de que, através de convênios e outras formas de repasse, haja

destinação de recursos da assistência social para o fomento e subsídios

dos empreendimentos de catadores de materiais recicláveis que visem sua

inclusão social por meio do trabalho.

1.2 - Inclusão dos catadores de materiais recicláveis no Plano Nacional de

Qualificação Profissional, priorizando sua preparação técnica nas áreas de

gestão de empreendimentos sociais, educação ambiental, coleta seletiva e

recursos tecnológicos de destinação final.

284

1.3 - Adoção de políticas de subsídios que permitam aos catadores de

materiais recicláveis avançar no processo de reciclagem de resíduos

sólidos, possibilitando o aperfeiçoamento tecnológico dos empreendimentos

com a compra de máquinas e equipamentos, como balança, prensas, etc.

1.4 - Definição e implantação, em nível nacional, de uma política de coleta

seletiva que priorize o modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos

urbanos, colocando os mesmos sob a gestão dos empreendimentos dos

catadores de materiais recicláveis.

1.5 - Garantia de que a política de saneamento tenha, em todo o país, o caráter

de política pública, assegurando sua dimensão de bem público. Para isso,

sua gestão dever ser responsabilidade do Estado, em seus diversos níveis

de governo, em parceira com a sociedade civil.

1.6 - Priorização da erradicação dos lixões em todo o país, assegurando

recursos públicos para a transferência das famílias que vivem neles e

financiamento para que possam ser implantados projetos de geração de

renda a partir da coleta seletiva recursos públicos para a transferência das

famílias que vivem neles e financiamento para que possam ser implantados

projetos de geração de renda a partir da coleta seletiva. E que haja

destinação de recursos do programa de combate à pobreza para as ações

emergenciais.

2 - Em relação à cadeia produtiva:

2.1 – Garantir nas políticas de financiamentos e subsídios, que os recursos

públicos sejam aplicados, prioritariamente na implantação de uma política

de industrialização dos materiais recicláveis que priorizem os projetos

apresentados por empresas sociais de catadores de materiais recicláveis,

garatindo-lhes acesso e domínio sobre a cadeia de reciclagem, como

estratégia de inclusão social e geração de trabalho e renda.

3 - Em vista da cidadania dos moradores de rua:

285

3.1 – Reconhecimento, por parte dos governos, em todos os níveis e

instancias, da existência da população de rua, incluindo-a no Censo do

IBGE e garantindo em lei a criação de políticas específicas de atendimento

às pessoas que vivem e trabalham nas ruas, rompendo com todos os tipos

de discriminação.

3.2 – Integração plena da população de rua na política habitacional que garanta

e subsidie a construção de casas em áreas urbanizadas e que parta da

recuperação e desapropriação dos espaços ociosos nos centros das

cidades, garantido-lhes o direito à cidade.

3.3 – Priorização da geração de oportunidades de trabalho, com garantia de

acesso a todos os direitos trabalhistas, aos moradores de rua, superando

especialmente as discriminações originadas na falta de domicílio e/ou na

indicação de albergues.

3.4 – Promoção de políticas públicas de incentivo às associações e

cooperativas de produção e serviços para e com os moradores de rua.

3.5 – Garantia de acesso à educação de todos os moradores de rua,

especialmente crianças, em creches e escolas, independente de

comprovante de residência, possibilitando, também, a inclusão das famílias

que moram nas ruas no programa Bolsa-Escola.

3.6 – Inclusão dos moradores de rua no Nacional de Qualificação Profissional,

como um segmento em situação de vulnerabilidade social, garantido seu

encaminhamento a formas de trabalho que geram renda.

3.7 – Garantia de atendimento no Sistema Único de Saúde – SUS aos

moradores de rua, abrindo também sua inclusão nos programas especiais,

como “saúde da família” e similares “saúde mental”, DST/AIDS/HIV e

outros, instituindo “casas-abrigo” para apoio dos que estão em tratamento.

286

Frente à significativa representação destes eventos, não temos mais dúvidas quanto

à força e importância de nosso movimento e acreditamos que a transformação da

realidade atual, será progressiva e crescente.

Acreditamos que a partir deste momento o Estado e a sociedade brasileira não terão

condições de negar o valor do nosso trabalho. Lutaremos para alcançar maior

autonomia e condições adequadas para exercer nossa profissão, comprometendo

Estado e sociedade na construção de parcerias com nossas associações e/ou

cooperativas de trabalho.

Trabalharemos cotidianamente pela erradicação do trabalho infantil e do trabalho

nos lixões, colocando nossa força e nossa tecnologias à serviço da preservação

ambiental e da cons trução de uma sociedade mais justa.

Pelo fim dos lixões!

Reciclagem feita pelos catadores, já!

287

APÊNDICE III

Estrutura básica de uma Cooperativa

Autoridade suprema da Assembléia Geral dos Sócios. Autoridade fiscal do Conselho Fiscal (sócios eleitos). Autoridade deliberativa do presidente eleito no Conselho de Administração. Autoridade da direção e da secretária eleitas no Conselho de Administração. Autoridade funcional executora (profissionais contratados). Fonte: Crúzio, Helnon de Oliveira, Como organizar e administrar uma cooperativa: uma alternativa para o desemprego. Ro de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 51.

CONSELHO

FISCAL

(associado) (poderes fiscal e consultivo)

DIRETOR

(associado) (poder deliberativo)

ASSEMBLÉIA GERAL

DOS SÓCIOS

PRESIDENTE

(associado) (poder deliberativo)

FUNÇÃO

(contratada) (poder executor)

FUNÇÃO

(contratada) (poder executor) FUNÇÃO

(contratada) (poder executor)

FUNÇÃO

(contratada) (poder executor)

SECRETÁRIO

(associado) (poder deliberativo)