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DESPOTISMO DE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL REAL EM PORTUGAL: DISTÂNCIA AO PODER, COMUNICAÇÃO POLÍTICA E FAMILISMO AMORAL Manuel Villaverde Cabral Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa É com profunda amizade e admiração que dedico este texto ao Hermínio Martins, meu interlocutor permanente das últimas três décadas neste campo minado que é “a questão portuguesa”. Intróito As reflexões que a seguir apresento partem de um resultado empírico concreto da investigação que tenho em curso, há mais de uma década, sobre as atitudes e comportamentos da população portuguesa perante o nosso actual sistema político- partidário e, muito em especial, perante a assunção e o exercício dos seus direitos de cidadania política (Cabral, 1997; 2000; 2003; 2004). Foi assim que me confrontei, no termo provisório dessa pesquisa, com uma medida quantitativa da ‘distância’ que a população portuguesa sente, hoje em dia, em relação ao poder político: não só essa ‘distância’ é elevada do ponto de vista comparativo, como sobretudo revelou atravessar, de forma indiferenciada, todas as categorias sócio-demográficas da população, não sendo portanto explicada, estatisticamente, pelos habituais correlatos da sociologia política. Vi-me assim remetido para o horizonte histórico-fenomenológico do Estado português. Como explicar – cerca de vinte cinco anos 1 depois do derrube do regime autoritário e da alegada consolidação do regime representativo português – um sentimento tão profundo de ‘distância ao poder’ que os testes estatísticos convencionais se revelam incapazes de elucidar? A hipótese mais plausível foi perguntar em que medida não subsistiria em Portugal, nas relações entre as “elites de 1 A informação empírica em que o estudo se baseia data de 1997, mas não há indicações de que os resultados do inquérito então realizado fossem hoje muito diferentes a este respeito.

CIDADANIA, ESTADO E SOCIEDADE CIVIL EM PORTUGAL · DESPOTISMO DE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL ... 3 Sobre as classes sociais em Portugal, cf. entre outros contributos, H. Martins, 1998

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DESPOTISMO DE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL REAL EM PORTUGAL: DISTÂNCIA AO PODER, COMUNICAÇÃO POLÍTICA E FAMILISMO AMORAL Manuel Villaverde Cabral Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

É com profunda amizade e admiração que dedico este texto ao Hermínio Martins,

meu interlocutor permanente das últimas três décadas neste campo minado que é “a questão portuguesa”.

Intróito

As reflexões que a seguir apresento partem de um resultado empírico concreto da

investigação que tenho em curso, há mais de uma década, sobre as atitudes e

comportamentos da população portuguesa perante o nosso actual sistema político-

partidário e, muito em especial, perante a assunção e o exercício dos seus direitos de

cidadania política (Cabral, 1997; 2000; 2003; 2004). Foi assim que me confrontei, no

termo provisório dessa pesquisa, com uma medida quantitativa da ‘distância’ que a

população portuguesa sente, hoje em dia, em relação ao poder político: não só essa

‘distância’ é elevada do ponto de vista comparativo, como sobretudo revelou

atravessar, de forma indiferenciada, todas as categorias sócio-demográficas da

população, não sendo portanto explicada, estatisticamente, pelos habituais correlatos

da sociologia política.

Vi-me assim remetido para o horizonte histórico-fenomenológico do Estado

português. Como explicar – cerca de vinte cinco anos1 depois do derrube do regime

autoritário e da alegada consolidação do regime representativo português – um

sentimento tão profundo de ‘distância ao poder’ que os testes estatísticos

convencionais se revelam incapazes de elucidar? A hipótese mais plausível foi

perguntar em que medida não subsistiria em Portugal, nas relações entre as “elites de

1 A informação empírica em que o estudo se baseia data de 1997, mas não há indicações de que os resultados do inquérito então realizado fossem hoje muito diferentes a este respeito.

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poder” e a generalidade da população, um distanciamento histórico que a passagem

do Estado autoritário ao Estado democrático não havia feito desaparecer.

Daqui, a formulação do título desta comunicação, ao apontar para uma espécie

de “autoritarismo de Estado” que não só teria subsistido à democratização formal da

representação e das instituições políticas, como precedera a institucionalização de

uma ditadura demasiado duradoura para não carecer de explicação meta-política e

para não deixar marcas profundas para além da sua vigência contingente. Vários

autores estrangeiros exploraram, no passado, a possibilidade de existirem fortes

indícios de adequação do regime salazarista não só ao nível de desenvolvimento

sócio-económico, mas também à cultura política da sociedade portuguesa da época

(Wiarda, 1977; Robinson, 1979; Schmitter, 1999). Habitualmente, porém, os autores

portugueses têm resistido a esta ideia.2

Seja como for, hoje dispomos de um quadro teórico parcialmente renovado

para lidar com a questão. Assim, a estratégia adoptada para desenvolver este

programa de pesquisa situa-se numa matriz teórica que vai dos estudos sobre a

cidadania até à recente revisão da noção de sociedade civil, tal como a empreenderam,

por exemplo, Jeffrey Alexander e os seus colaboradores, sob a designação de real

civil societies (Alexander, 1998). De acordo com esta última abordagem, as

sociedades civis reais deverão ser investigadas de forma a ultrapassarmos a visão

idealizada com que o pensamento neo-liberal pretendeu instituir a bürgerliche

gesellschaft em alternativa ao papel desempenhado pelo Estado durante o último

século, na teoria e na prática socialistas, na correcção das desigualdades atribuídas

não só à economia de mercado como às tendências oligárquicas espontâneas da

sociedade (Rawls, 1972: 300-301; Cabral, 1997: 13-14).

Entre as descrições mais realistas das articulações não virtuosas entre

sociedade, mercado e Estado, conta-se a velha noção de familismo amoral, cunhada

há mais de quarenta anos pelo cientista político norte-americano Edward Banfield

para caracterizar aquilo a que ele dava o nome, numa linguagem à qual também já não 2 Por exemplo, Manuel de Lucena em crítica a Wiarda (Lucena, 1978), mas também eu próprio em vários ensaios publicados e inéditos sobre o fascismo português em perspectiva comparada (Cabral, 1982).

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estamos muito habituados, as “bases morais de uma sociedade atrasada” (Banfield

1958; 1976). Eu próprio já me havia deparado, na década de Oitenta, com algo de

semelhante à estrutura e funções desse ‘familismo amoral’, no meu próprio trabalho

sobre as estratégias de resistência e adaptação, para usar a feliz expressão de Manuel

Carlos Silva (1998), do pequeno campesinato português ante a penetração de relações

mercantis nos campos secundada pelos diversos aparelhos de Estado (Cabral 1983a;

1983b; 1986; 1991).

Com efeito, essa noção poderia fornecer, até pelo seu carácter gráfico, uma

entrada para o obscuro objecto da ‘distância ao poder’. E não só uma entrada passiva,

totalmente negativa e exclusivamente associada à miséria económica – como sucede,

por exemplo, na reflexão de Elisa Pereira Reis sobre o Brasil, incluída também na

referida colectânea de Jeffrey Alexander sobre as real civil societies (Reis, 1998: 111-

134) – mas também uma entrada de algum modo reactiva, dotada de alguma espécie

de positividade, quanto mais não seja do ponto de vista dos seus protagonistas. Por

outras palavras, embora sem dúvida perverso em muitos dos seus efeitos, senão todos,

o chamado familismo amoral ganha, em todo o caso, em ser dissociado da exclusiva

esfera económica para ser transportado para a dimensão societal nas suas articulações

com o Estado e o poder político.

Dando provisoriamente por adquirida a existência de algo correspondente a

esse alegado familismo amoral entre determinadas camadas sociais das mais

desmunidas, historicamente, da sociedade portuguesa, muito em particular o

campesinato pobre do Norte e Centro do país, acerca do qual existe uma extensa

bibliografia3, convém ter presente o grande peso quantitativo dessas camadas

populacionais, bem como o seu prolongado impacto nas representações e práticas

sociais do conjunto da população, maxime as suas atitudes e comportamentos

políticos.

3 Sobre as classes sociais em Portugal, cf. entre outros contributos, H. Martins, 1998 (1967); Estanque & Mendes. 1998; Cabral, 1998; 1999; especificamente sobre o campesinato nortenho, cf. J. M. Pinto, 1985; J. F. Almeida, 1986; M. C. Silva, 1998; K. Wall, 1998. De todos os autores citados, o único que alude explicitamente ao trabalho de Banfield é Manuel Carlos Silva. A antropologia social dos espaços rurais portugueses, apesar de haver crescido bastante nas últimas décadas, nunca analisou nem discutiu, tanto quanto me pude dar conta, a noção de “familismo amoral”, ao contrário do que sucedeu em vários outros “terrenos mediterrânicos” (J. Cutileiro, 1977; B. J. O’Neill, 1984; J. P. Cabral, 1986; C. Bastos, 1993, J. M. Sobral, 1999, etc.).

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Sendo assim, restava identificar alguns elos políticos e culturais susceptíveis

de mediar entre a sociedade civil real e aquilo a que venho chamando o autoritarismo

do Estado português, para aquém e além das formas contingentes que este último tem

tomado ao longo de um período que remonta, no mínimo, aos primórdios da

modernidade no século XVII. É, pois, da mera identificação de alguns nexos

explicativos desse profundo sentimento de ‘distância ao poder’, manifestado por uma

larga maioria da população portuguesa contemporânea, que aqui se vai tratar.

A ‘distância ao poder’

Comecemos então pelo começo. Esta noção de ‘distância ao poder’ não é muito mais

do que um construto quantitativo fabricado, há perto de quarenta anos, pelo psicólogo

social holandês Geert Hofstede (1984), com vista a medir, grosseiramente que fosse, a

distância entre a forma como um determinado grupo de pessoas considerava que o

poder devia ser exercido numa dada organização e a forma como esse poder era,

segundo elas, efectivamente exercido. A fim de complementar estes dois indicadores,

Hofstede introduziu uma espécie de subtil tertium comparationis, a saber, um

indicador relativo ao receio que os membros do grupo em questão teriam ou não,

segundo os entrevistados, de mostrar publicamente discordância perante as decisões

dos detentores do poder na referida organização.

Foi este power distance index que calculámos, num inquérito realizado em

1997, para uma amostra representativa da população portuguesa adulta. Além de

atravessar indiferenciadamente a população, remetendo perto de 60% dos inquiridos

para as três posições inferiores de uma escala de 6 graus, com 4% apenas no topo da

dita escala, os valores encontrados revelaram uma elevada ‘distância ao poder’ em

comparação com os 50 países estudados por Hofstede em 1968 e, desde logo, muito

mais elevada do que se poderia esperar da evolução recente dos indicadores habituais

de desenvolvimento sócio-económico em Portugal (Cabral, 2000: 153-156).

Manifestamente, a evolução das formas de articulação entre a chamada

sociedade civil e o Estado não acompanhou de forma automática a evolução das

estruturas económicas e sociais. Não parece pois haver congruência entre a efectiva

modernização sócio-económica e a falta de actualização dos modos de funcionamento

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da sociedade civil na sua articulação com o poder político. Com efeito, aquilo que a

decomposição do índice mostra é que há uma enorme distância entre as “formas

democráticas” como a população considera que o poder político devia ser exercido e

as “formas autoritárias” como ela acha que o poder é exercido de facto. Para cerca de

dois-terços dos Portugueses, o poder é exercido exactamente ao contrário da maneira

como acham que devia ser, ou seja, é exercido de forma autocrática em vez de o ser

de forma participativa. Esta conclusão é, não obstante, relativamente trivial nos

estudos de opinião.

Bem mais intrigante – e até preocupante para a saúde de um regime

democrático que se crê consolidado – é, porém, o facto de os mesmos inquiridos

pensarem que “os Portugueses têm medo de mostrar que discordam das decisões dos

governantes” (27% pensam que isso ocorre “muito frequentemente” e 40% “algumas

vezes”). De acordo com entrevistas qualitativas já realizadas entre estudantes de pós-

graduação, este receio é reconhecido – e frequentemente partilhado – não só pelo

público em geral, como até por segmentos qualificados da população.

Após um quarto de século de funcionamento regular das instituições

representativas, com frequentes alternâncias partidárias no poder, é inegável que

estamos perante um indicador que remete para algo mais do que a simples inércia do

medo que a maioria dos Portugueses tinha, por razões compreensíveis, de exprimir a

sua opinião no tempo da ditadura. Tendo presente que mais de metade do actual

eleitorado português chegou à maioridade (18 anos) depois do 25 de Abril, quando

não nasceu já em democracia, é manifesto que a renovação demográfica das gerações

e o incremento dos níveis de instrução foram insuficientes para trazer com eles uma

renovação equivalente daquela atitude receosa.

É possível e mesmo provável que, se esta medida tivesse sido tomada durante

o período de grande mobilização popular que se seguiu ao golpe do 25 de Abril, os

resultados fossem diferentes. Nunca o saberemos, porém. Certo é que, com a

desmobilização popular requerida, segundo as teorias convencionais da democracia,

pela normalização do regime representativo; com a rotinização da participação

eleitoral e da alternância partidária na governação; e finalmente, com aquilo a que

tenho chamado a re-oligarquização da classe política, os factores de ‘distância ao

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poder’ de que o Estado salazarista já havia certamente beneficiado, ao mesmo tempo

que os reproduzira e consolidara, voltaram a produzir efeitos similares sobre as

representações e as práticas políticas da maioria da população perante o Estado

democrático.

É desses factores, que têm sustentado a reprodução de uma cultura cívica

marcada pela ‘distância ao poder’, bem como pelo sentimento de que a opinião das

pessoas comuns pouco ou nada conta para alterar as decisões do poder (56% dos

inquiridos consideram que a sua opinião pouco ou nada conta para decidir os

problemas do país) e ainda pelo sentimento de incompreensão perante o “mundo da

política” (60% declararam não compreender ou ter dificuldade em compreender o que

se passa no “mundo da política”), é desta cultura cívica, dizia eu, que se torna

necessário dar conta, sabendo que as categorias sócio-demográficas habituais

contribuem muito pouco para a sua explicação imediata. Eis-nos, pois, remetidos para

um universo de mediações históricas com o qual a ciência política, nomeadamente o

mainstream da politologia anglo-saxónica, está pouco habituada a lidar.4

A variável mais independente do sistema

Precisamos, contudo, de uma ponta para puxar este novelo, antes de chegar àquilo que

possa estar do “outro lado” da ‘distância ao poder’ – por hipótese, os ecos societais de

um alegado ‘familismo amoral’ – por forma a que essa ‘distância’ não surja como um

vago traço psicológico do carácter nacional, mas sim como uma manifestação

longamente consolidada das estratégias de sobrevivência de gerações sucessivas de

famílias desmunidas não só de recursos económicos como, sobretudo, de recursos

simbólicos perante o exercício do mais simbólico dos poderes, a saber, o poder

político.5

Deste ponto de vista, a variável mais independente do sistema social português

é, como tem sido repetidamente observado em todo o género de estudos, a posse desse

tipo específico de recursos cognitivos e informativos que o sistema escolar é suposto 4 As críticas feitas à tese da “cultura cívica” é conhecida, bem como às noções que têm ocupado o seu lugar nas explicações dos défices societais de participação política, tais como o “capital social” e a “confiança”, pelo que me dispenso de voltar ao tema neste momento (Cabral, 2004), se bem que esse debate seja da maior relevância para a presente discussão.

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fornecer desde a modernização do Estado, já a partir do século XVII e,

decididamente, a partir do século XIX. Aliás, também nos Estados Unidos, como

revela o último estudo do Professor Sidney Verba e a sua equipa sobre “as raízes

privadas da acção pública”, a educação continua a ser o único factor verdadeiramente

significativo para a explicação de todos estes tipos de atitudes e comportamentos

(Burns, Schlozman & Verba 2001).

Em Portugal, para além da evidência contemporânea, há inúmeros indícios

históricos, que aqui apenas começámos a coligir, de que a escolarização funcionou, ao

longo dos processos de formação do Estado moderno, não só como um factor de

apertado controle social, mas desde logo como a forma mais regulada de acesso

específico ao poder político. Entre tantos outros exemplos, é de mencionar a

elegibilidade atribuída, no sistema de franquia eleitoral liberal, aos detentores do 5.º

grau de escolaridade secundária sobre a grande maioria dos detentores de capital

económico quando estes não possuíssem aquele modicum de capital cultural,

equivalente á actual escolaridade obrigatória. Sendo tal disposição pouco comum nos

regimes eleitorais da época, é importante registar esta precedência política da literacia

sobre o censo económico desde os primórdios do Estado liberal em Portugal.

Naturalmente, com a institucionalização gradual do sistema de ensino formal,

os dois capitais – económico e cultural – tendem a convergir, sendo raros os capitais

económicos de alguma dimensão que não obtêm, pelo menos na segunda geração,

algum capital escolar (a inversa é menos verdadeira). Porém, enquanto se mantêm os

dispositivos da escolarização restrita (Goody 1986; 1987), como foi o caso em

Portugal até à segunda metade do século XX, tal convergência de capitais apenas

reforça o carácter oligárquico das elites e a sua falta de diferenciação funcional.

Porventura mais ainda do que a nível nacional, é isso que se verifica ao nível das

elites locais portuguesas com a implantação do sistema eleitoral liberal.6

5 Na linha da argumentação de Diego Gambetta a propósito da ‘desconfiança’ social e política alegadamente reinante na Sicília (Gambetta 2000). 6 Um estudioso das relações entre alfabetização e poder local assinala que, na década de 1880, a diferenciação feita no sistema eleitoral português entre eleitores e elegíveis, coincidindo estes últimos com os alfabetizados, era praticamente única nos países europeus da época (Gameiro 1997: 136); ver também P. T. Almeida 1991.

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A noção da alfabetização restrita remete para algo que está por fazer. Apetece

dizer que falta uma espécie de história natural da iliteracia e dos seus efeitos

comunicacionais e políticos em Portugal. Não se trata, contudo, apenas da difusão da

leitura e da escrita, mas também, a partir de certa altura, da difusão da imprensa. Terá

sido neste momento crucial da difusão da palavra escrita através da imprensa e do seu

impacto diferenciador nas “relações de comunicação”, para usar a expressão de Jack

Goody, que a Reforma e a Contra-Reforma introduziram na sociedade europeia não

só o cisma religioso, com o seu correlato ao nível das atitudes e comportamentos

económicos que estariam na base do “espírito do capitalismo”, mas também um cisma

equivalente no sistema de comunicação entre elites e massas. A este propósito, é

exemplar o estudo de David Zaret, igualmente integrado na citada colectânea

organizada por Jeffrey Alexander, sobre o papel reflexivo desempenhado pelas

petições escritas na Grande Revolução Inglesa (Zaret 1998).

Para uma história da iliteracia em Portugal

Não vou fazer aqui a história da iliteracia em Portugal, mas nada ilustrará

melhor o cisma comunicacional aberto pela imprensa nos países católicos do que a

restrição deliberada e sistemática à formação de camadas sócio-culturais intermédias

– entre uma diminuta elite rapidamente alfabetizada e a grande massa iletrada dos

camponeses pobres – com acesso aos textos sagrados. Com efeito, a proibição

paradigmática que pendeu sobre a tradução e a impressão da Bíblia em vernáculo foi

mais prolongada em Portugal do que em qualquer outro país católico do Sul da

Europa, já que a primeira bíblia impressa no país em língua portuguesa data do fim do

século XVIII.7

Entre as consequência da alfabetização restrita, que manteve o fosso entre os

detentores do poder de regulação sobre a produção e circulação da palavra impressa,

por um lado, e as massas iletradas por outro, Goody salienta o esmagamento de

7 Salvo melhor informação, a primeira tradução completa da Bíblia impressa em Português foi obra de um convertido ao Protestantismo, João Ferreira de Almeida, e data de finais do séc. XVII (Novo Testamento, 1681) e meados do séc. XVIII (Antigo Testamento, 1738-1744); mas na realidade, a primeira Bíblia católica em Português deve-se ao Pe. António Pereira de Figueiredo e só foi impressa em finais do séc. XVIII (Novo Testamento, 1778-81; Antigo Testamento, 1783-90)!

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qualquer consolidação política do dissenso, impedindo por assim dizer que os

conteúdos implícitos de potenciais dissensos se tornassem explícitos:

Scepticism, criticism and disbelief are not, of course, absent from oral

societies but their expression tends to get rubbed out at each generation…

There is no accumulation of non-conforming ideas. Attacks against the

present political dispensation tend to take the form of rebellion aimed at re-

establishing the old order, rather than reform, let alone revolution. In literate

cultures the individual commentaries of philosophers and preachers are given

permanent form which the widespread circulation of the printed word may

more easily crystallize into conflicting ideologies… It is not until the printing

press provides a regular mode of communication and exhortation that dissent

comes into its own. Again, it is a case of the changes involved in the process

of making the implicit explicit.8

Não será necessário recordar a história da censura intelectual em Portugal e

dos seus efeitos compressores sobre o pensamento, para usar a expressão de um

clássico liberal, Silva Bastos (1926), nem o papel específico da Inquisição e das

próprias autoridades políticas no apertado controlo da alfabetização e da circulação da

palavra impressa, a começar, como dizia acima, pelos textos sagrados do catolicismo

em língua portuguesa.9 Igualmente significativo é o facto de a imprensa só ter

chegado ao Brasil com a ida da corte portuguesa no início do séc. XIX. Até então,

algumas tentativas conhecidas para fazer circular textos no Brasil – não propriamente

impressos, mas sim gravados – foram severamente punidas. Este último aspecto faz

parte do centralismo férreo exercido pelo Estado português sobre a Colónia e ilustra

não só a importância que as autoridades atribuíam ao controlo da circulação da

palavra impressa como também o papel da comunicação escrita nesse mesmo

centralismo.

8 J. Goody, 1986, p. 122. 9 Vale a pena ilustrar este aspecto do controlo sobre a circulação dos livros religiosos com o caso das Bíblias protestantes em castelhano, impressas em Inglaterra a fim de serem exportadas para a Península Ibérica e apreendidas em Lisboa pela Inquisição entre 1606 e 1611 (Marquilhas: pp. 177; 185). No que diz respeito à produção de livros, vale ainda recordar que, para além da censura regularmente exercida sobre editores e livreiros, as autoridades religiosas promoviam, ocasionalmente, o exame das bibliotecas particulares (idem: 184 passim), como sucedeu concretamente no bispado de Lamego em 1621 (ibid.: 192 passim). Estes pormenores são reveladores do carácter sistemático e metódico como o controlo sobre a produção e circulação da palavra impressa era feito em Portugal no Antigo Regime.

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Para começar a fazer a história natural da iliteracia em Portugal, já existem,

hoje em dia, alguns bons estudos históricos sobre a alfabetização e a respectiva

quantificação (F. R. Silva 1986; R. Ramos 1988; J. P. Magalhães 1994; R. Marquilhas

1996). Desde já, é importante notar que, a partir do séc. XVIII e, sobretudo, do séc.

XIX, a alfabetização se tornou, em Portugal também, dependente sobretudo de uma

escolarização formal a cargo do Estado ou por este regulada. Paradoxalmente, a

estatização do ensino contribuiu não só para fazer desaparecer as práticas informais de

alfabetização, nomeadamente em meios sociais como o dos artesãos, mas também

para desencadear um novo conflito larvar entre o Estado e “populações que, não

sentindo necessidade de se alfabetizarem, [encaram] a escola como uma violência

inútil” (Magalhães: 519; tema também tratado, a seu modo, por Ramos 1988).

Outro sintoma do cisma entre as elites alfabetizadas e as massas iletradas é

esse novo “factor de tensão entre estratos culturais devido ao preconceito dos

analfabetos em relação aos que tresliam” (Marquilhas: 192), o qual, além de traduzir

um mecanismo psico-social de redução da dissonância cognitiva, constitui um traço

típico de regimes comunicacionais como o dessa alfabetização restrita que prevaleceu

em Portugal até à segunda metade do séc. XX, ou seja, até ao momento em que a

maioria da população permanecia excluída do sistema de escolarização (Cabral 2001).

A própria fixação tardia da ortografia portuguesa (Marquilhas: 127) faz

também parte desse carácter restrito da alfabetização. Aliás, a arbitrariedade

ortográfica e mesmo gramatical tem analogias com a discriminação introduzida, nas

escritas ideográficas, pelo número de caracteres conhecidos por cada escrevente,

funcionando portanto não só como um marcador directo do lugar na hierarquia sócio-

cultural, mas também como um filtro suplementar no acesso à plena comunicação

escrita. Em suma, trata-se de mais uma manifestação da literacia como forma de

controlo social.

Para concluir este rapidíssimo bosquejo história da iliteracia em Portugal, há

que convocar o estudo decisivo de Jaime Reis sobre o analfabetismo no séc. XIX,

quando não havia no país, oficialmente, mais de 20% a 25% de pessoas alfabetizadas.

Aí procede o autor à metódica evacuação de todos os argumentos de índole

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económica habitualmente invocados, em especial a falta de recursos do Estado, para

explicar o enorme atraso da alfabetização de massas em Portugal, mesmo em

comparação com os outros países católicos do Sul da Europa (J. Reis 1993).

Assim, evacuados definitivamente esses argumentos, fica como explicação

para os elevadíssimos índices de analfabetismo e de iliteracia funcional – verificados

em Portugal não só no séc. XIX mas ainda no final do séc. XX (Benavente et al.

1996) – a manifesta falta de vontade das elites políticas em alfabetizarem as massas,

em parte justificada pelo facto de que não haveria, entre nós, necessidade de

promover a uniformização linguística.10 Contudo, as explicações fornecidas por Jaime

Reis, atribuindo a falta de empenhamento das elites na alfabetização de massas à

ausência de “maiores tensões” étnicas, sociais, políticas ou militares no país (Reis

1993: 31-35, maxime parágrafo final), iludem o papel crucial que o analfabetismo

generalizado seguramente desempenhou, ao longo do século XIX e mesmo mais

tarde, na relativa apatia política das classes populares (Cabral 2001).

Acoplada àquela falta de vontade política e legitimando-a de algum modo, terá

funcionado uma simétrica falta de motivação das massas camponesas para a

aprendizagem escolar, a qual remete, por seu turno, para a virtual irrelevância da

comunicação escrita no quadro das estratégias económicas e sociais – nomeadamente

dos grupos domésticos do campesinato pobre – que se encontram na base do

familismo amoral. Dito isto, não obstante os efeitos discriminantes que os níveis de

instrução exercem sobre a maior parte das representações, atitudes e comportamentos

da actual população portuguesa, isso não se verifica para a ‘distância ao poder’, a qual

atravessa de forma indiferenciada, como dissemos, a nossa sociedade. Daqui só se

pode concluir que a chamada massificação do ensino verificada nas últimas décadas

não exerceu – ainda? – sobre o sentimento de ‘distância ao poder’ os efeitos que dela

se poderiam esperar.

10 Ver por ex., J. P. Magalhães sobre a ausência de dialectos em Portugal (1994: 520): “A ausência de dialectos fortemente arreigados e o seu não reconhecimento (sublinhado meu), favoreceram a inércia por parte das autoridades, que se traduz no não fomento de uma instrução efectiva e de uma escolarização por parte das populações, sobretudo rurais”.

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Ideologia e prática do despotismo administrativo

Outra importante mediação a explorar entre o sentimento de ‘distância ao poder’ e os

quadros sócio-cognitivos correspondentes a configurações como a do familismo

amoral é o carácter administrativo da dominação política exercida, ao longo da

história, pelo Estado em Portugal. Mais do que qualquer outro instrumento ao seu

dispor, inclusivé a violência física11, o autoritarismo recorrente do Estado português

dá-se a conhecer pela administração pública. É através desta que as massas são,

simultaneamente, integradas e discriminadas. Por outras palavras, seria erróneo ver as

massas camponesas do passado remoto e recente como camadas excluídas do Estado-

Nação. O que ocorreu é que o seu processo de inclusão na nação – basicamente

através da submissão aos procedimentos administrativos estatais – foi também o

instrumento da sua discriminação.12

Vale a pena, por isso, equacionar a noção de despotismo administrativo – uma

forma de dominação preventivamente esvaziada de política e de contratualização,

como aquela que Tocqueville atribuiu ao Estado francês, antes e depois da Revolução

(1856/1964) – enquanto modalidade de subordinação popular à parafernália das

normas e registos administrativos, ao mesmo tempo que a esmagadora maioria da

população era excluída do acesso ao próprio instrumento da sua subordinação, a

escrita. Este tipo de dominação ter-se-á tornado ainda mais evidente com a

liberalização formal das instituições políticas, notadamente nas sociedades da Europa

meridional sob a influência da Revolução Francesa e do Império napoleónico.

Pensando na Itália de finais do séc. XVIII-inícios do séc. XIX, Adrian

Lyttelton sublinha o facto de “a destruição da ‘sociedade de ordens’ não ter sido,

inicialmente, realizada por fortes movimentos autóctones, mas ter-se apoiado quase

exclusivamente na força da administração estatal”, concluindo na esteira de

Tocqueville, que “isto favoreceu a persistência de um modelo absolutista nas relações

entre o cidadão e a administração” (Lyttelton, 2000: 66). Não é impossível que o

11 Diego Palacios Cerezales iniciou, após as conclusões do seu O poder está na rua (Palacios 200?), o estudo sistemático do uso da violência física pelo Estado português e a sua pesquisa aponta, desde logo através do carácter tardio da organização policial, para níveis comparativamente baixos de repressão na Metrópole (e parece que também na colónia do Brasil), que só podem corresponder a níveis igualmente baixos de insubordinação e protesto. 12 Raymundo Faoro caracterizou magistralmente o carácter administrativo da dominação política portuguesa no Brasil n’Os donos do poder (1957; 1973).

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13

Estado liberal português, e o brasileiro também (Faoro, 2001), se tenham encontrado

perante o dilema do “comando impossível”, como lhe chama o historiador Raffaele

Romanelli, em que se encontrou o Estado italiano, ou seja, “uma nova versão do

dilema de forçar os homens a serem livres: o Estado liberal tinha de intervir para criar

condições para o exercício da liberdade; porém, ao fazer isso, restringia a esfera de

autonomia da sociedade civil, que a classe governante, sendo liberal, deveria

proteger” (Lyttelton, 2000: 67).

A articulação entre despotismo administrativo e iliteracia é, pois, evidente. Já

Rita Marquilhas alude aos “efeitos mágico-simbólicos do escrito”, maxime o

impresso, mobilizados pelas autoridades políticas, desde o século XVII pelo menos,

na sua comunicação com as classes subordinadas (Marquilhas: 192). Porém, talvez

nenhum estudo ilustre melhor o uso da literacia como forma de controlo e

discriminação social do que o ensaio de Elisa Reis sobre a ‘opressão burocrática’ no

Brasil contemporâneo (E. P. Reis 1999: 239-269). Aí cita a autora numerosos

cidadãos anónimos como tendo solicitado expressamente – na correspondência

enviada ao ministro Hélio Beltrão, por incitação pública deste, aquando do

lançamento de um programa de desburocratização pela ditadura brasileira em 1979 –

que a administração usasse “o português escrito da maneira que se fala” a fim de

simplificar os procedimentos burocráticos.

Segundo a autora, “quatro aspectos emergem claramente como noções

bastante genéricas entre os correspondentes: a) o mito da ‘boa’ autoridade; b) a

burocracia como ‘mal’ absoluto; c) o carisma da autoridade versus regras

burocráticas; d) os ‘direitos’ como ‘favores’” (E.P. Reis: 250). Estes traços

identificam exemplarmente as representações negativas que as massas iletradas

tendem a ter da burocracia, acopladas a uma forte tentação carismática que acaba por

legitimar, na realidade, o reverso do despotismo administrativo, ou seja, a dominação

exercida através do carisma popular.

Aplicados a Portugal, tais traços de negatividade e positividade simultâneas

ajudam a entender, em boa parte, o processo de consolidação da ideologia

administrativa que domina todo o pensamento político português desde finais do séc.

XVIII, atravessando virtualmente o reformismo iluminista, o liberalismo e o

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republicanismo. Esta ideologia viria a ter o seu apogeu, como é sabido, na década de

Trinta com a ditadura do Estado Novo. Com efeito, o regime salazarista não fez mais,

deste ponto de vista, do que codificar rigidamente as tendências latentes do Estado

liberal no sentido daquilo a que um autor da época deu o nome de ‘ditadura

administrativa’, em contraste directo com a breve ditadura carismática de Sidónio Pais

(1917-18), que precedera de pouco o advento de Salazar ao poder. Muito antes, aliás,

também Oliveira Martins já usara a mesma expressão, no Portugal Contemporâneo

(1880), para caracterizar a governação de Costa Cabral, em finais da primeira metade

do séc. XIX, por contraste com a agitação política – inorgânica, na visão dele – dos

primeiros tempos do Estado liberal.

Efectivamente, o exame do pensamento político português moderno revela que

raramente as elites políticas se interrogaram acerca dos objectivos do poder (para

quê?) ou em nome de quem exerciam ou se candidatavam a exercer esse poder (para

quem?). Todo o seu esforço doutrinário está, na realidade, dirigido a uma única

questão: como exercer um poder do qual essas elites parecem ser, de algum modo,

“donas”? Subjacentes à ideologia administrativa das elites oligárquicas estão pois,

simultaneamente, o temor à irrupção das massas na cena política e à emergência de

eventuais lideranças carismáticas, maxime a convergência dos dois fenómenos.

A forma estatal do despotismo administrativo ajuda, por seu turno, a perceber

o fechamento da elite burocrática, no seio da qual se dilui a própria elite política e na

qual são absorvidas, igualmente, as elites clerical e militar13, bem como a

consolidação daquilo a que Joaquín Costa chamou, a pensar na Espanha de há cem

anos, de “oligarquia e caciquismo”. Com efeito, a ausência de relações políticas

horizontais que caracteriza o chamado familismo amoral aponta para a busca e o

reforço, por parte de famílias como as do campesinato pobre, de relações verticais de

intermediação e protecção para todos os aspectos que ultrapassam o domínio

exclusivo do grupo doméstico e da economia familiar – desde o imposto, o voto e o

serviço militar, até à obtenção de empregos assalariados, passando por todas as

ocasiões da vida em que não é possível evitar o contacto com a administração.

13 A prosopografia destas elites foi feita exaustivamente para o momento mais ‘puro’ do nosso liberalismo, na segunda metade do séc. XIX, por Pedro Tavares de Almeida (1995).

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Por seu turno, essas relações verticais configuram, necessariamente, o

clientelismo como recurso assimétrico procurado por estas famílias junto dos “donos

do poder” local e/ou nacional, trocando nomeadamente voto por protecção pessoal, o

que contribui para explicar, aliás, a volatilidade de certos eleitorados subordinados em

muitas democracias aparentemente consolidadas, como de resto Banfield observou no

sul da Itália no final da década de Cinquenta (Banfield 1976: 48-56), sempre que há

alternância no poder entre segmentos da oligarquia. Em Portugal, há tantos exemplos

quantos se quiser para documentar este tipo de pseudo-volatilidade eleitoral desde a

implantação do liberalismo até hoje.

Tudo isto nos leva a revisitar rapidamente esse ‘familismo’ e a sua pretensa

‘amoralidade’. De resto, no entendimento que aqui faço, esta última não é mais do

que a expressão prática e estratégica da necessidade em que se encontram os grupos

domésticos mais desmunidos de recursos materiais e, sobretudo, de recursos

cognitivos e sociais, de apelar a todos os meios ao seu alcance – lícitos ou menos

lícitos perante a moralidade demo-liberal contemporânea – a fim de resistir e de se

adaptar, enquanto unidades de produção e reprodução que se vêem a si mesmas como

livres e autónomas, a um meio hostil cuja face mais repressiva é, precisamente, o

despotismo administrativo.

A própria ‘desconfiança’ que alegadamente caracteriza estas camadas sociais

– e que, de facto, todos os inquéritos de opinião captam regularmente no Portugal de

hoje – tem de algum modo origem no próprio Estado, que é o primeiro a “desconfiar”

delas, como ocorre no exemplo caricatural, comum a Portugal e ao Brasil, da “prova

de vida” que os cidadãos são, frequentemente, obrigados a fazer a fim de

beneficiarem de direitos que lhes são fornecidos como ‘favores’ (E.P. Reis: 247)!

A ideia que sustento é que o formalismo, a rigidez e a própria morosidade dos

procedimentos administrativos não são, como os discursos oficiais querem fazer crer,

meras ineficiências susceptíveis de desejáveis correcções. Pelo contrário, do ponto de

vista político, são instrumentos deliberados de poder, do poder – e não só do poder do

pequeno burocrata atrás de cada guichet, mas também dos ‘grandes burocratas’

sentados nas cadeiras dos andares superiores dos ministérios. O círculo do despotismo

burocrático e do familismo amoral fecha-se sobre si próprio, numa prática inexorável,

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quando as oligarquias partidárias preenchem os quadros da administração pública com

os seus clientes, muitas vezes filhos ou netos de camponeses pobres, entretanto

alfabetizados, em busca de emprego seguro.

Nada é mais fácil de documentar ao longo da história da construção do Estado

contemporâneo em Portugal, desde as dúzias de panfletos individuais solicitando

empregos ou reparação de danos por perda de emprego após a conquista do poder

pelos Liberais em 1834 até às sucessivas camadas de funcionários públicos recrutados

pelos governos da nossa jovem democracia após o 25 de Abril, passando pela

sempiterna controvérsia acerca da isenção dos chamados concursos públicos.14 O

clientelismo une, pois, o despotismo estatal e o familismo societal numa só relação

reproduzida pelos partidos políticos modernos.

O familismo como estratégia de resistência e adaptação

A concluir, é necessário portanto sumariar em quatro pontos aquilo que convém

entender por ‘familismo amoral’, a fim de evitar as conotações pejorativas que a

expressão pode hoje revestir, ao ser isolada do debate provocado, nomeadamente em

Itália, aquando do aparecimento do livro de Banfield há mais de quarenta anos.15 Em

primeiro lugar, o ‘familismo amoral’ é aqui recuperado como forma de identificar, no

contexto de grupos domésticos rurais com escassos recursos sócio-culturais e

14 Abundantemente documentada na tese citada de P.T. Almeida sobre as elites liberais na 2.ª metade do séc. XIX. Para as formas recentes do clientelismo político-partidário, ver F. Farelo Lopes (1997). 15 O debate não teve lugar apenas em Itália e prosseguiu durante bastante tempo depois da publicação do livro de Banfield, o que mostra a sua relevância para além do circunstancialismo epocal e conceptual. Ver por exemplo vários dos ensaios publicados na colectânea de P. Birnbaum & J. Leca (1986), maxime F. Chazel, “Individualisme, mobilisation et action collective”. Ver também R. Putnam (1993?), cujo conceito de «capital social» é o exacto contrário do «familismo amoral», ou seja, a associação horizontal para efeitos colectivos versus a associação vertical para efeitos pessoais.

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economia quasi-autárcica orientada à maximização do rendimento familiar indiviso16,

esse conjunto de representações e práticas que favorece, no seu relacionamento

externo, nomeadamente com o Estado e o mercado do trabalho, o estabelecimento de

relações verticais assimétricas (dependência clientelar) em detrimento de relações

horizontais organizadas e estáveis, nomeadamente a participação cívica, o

associativismo e a mobilização colectiva, em suma, os dispositivos convencionais do

exercício dos direitos de cidadania.

Para dar apenas um exemplo, se é certo que, como escreve Elisa Reis (1998:

258) no seu estudo sobre as cartas enviadas pelos cidadãos brasileiros ao Programa de

Desburocratização, “a correspondência é em si mesma uma actividade política”,

projectando o correspondente num universo de relações públicas formalizadas, então

é lícito tomar a baixíssima propensão dos Portugueses para escrever este tipo de

cartas, não só como um sintoma do seu insuficiente manejo da palavra escrita, como

também da posição de ‘distância ao poder’ em que se encontra, perante o despotismo

administrativo, grande parte de uma população socializada no quadro familista.17

Em segundo lugar, o ‘familismo amoral’ não designa aqui nem um ‘arcaísmo’

nem, muito menos, uma ‘patologia psico-social’. De resto, o próprio Banfield teve o

cuidado de se demarcar dessas ideias então muito propagadas – estávamos na Itália

meridional dos anos Cinquenta – até entre grandes meridionalistas italianos como

Carlo Levi, o autor do célebre Cristo si è fermato ad Eboli (1947). É assim que

Banfield adopta, numa linguagem muito diversa da que utilizaríamos hoje, uma

abordagem na realidade vizinha da “escolha racional”, antecipando nomeadamente a 16 Basicamente, na linha da organização económica da família camponesa, segundo a proposta clássica e inultrapassada do neo-populista russo A. V. Chayanov (1925). No desenvolvimento sociológico da teoria económica de Chayanov, Jerzy Tepicht (1973), caracterizou a organização social camponesa como a unidade estratégica entre o ‘colectivismo interno’ e o ‘individualismo externo’ do grupo doméstico, constituindo o primeiro a base material do ‘patriarcalismo’ que caracteriza, por seu turno, a família camponesa e do qual o filme Padre Padrone, dos irmãos Taviani, forneceu uma admirável representação na Europa meridional. Todos estes elementos conferem ao ‘familismo amoral’ de Banfield um sentido – e um conteúdo – que ultrapassam a mera representação espontânea. 17 Apenas 3% revelaram, no nosso inquérito de 1997, ter alguma vez escrito uma carta a um jornal denunciando qualquer situação da qual a pessoa discordaria! Este exemplo flagrante pode ser replicado, em Portugal, com tantos casos como o da baixa percentagem de queixas apresentadas à Provedoria de Justiça (ombudsman) criada após o 25 de Abril, quando esta tem uma taxa de sucesso normal, em termos internacionais, na defesa dos cidadãos que a ela recorrem, ou como o fraco número de reclamações apresentadas às principais empresas de serviços públicos (electricidade, telefones e correios), segundo um inquérito realizado há alguns anos atrás pelo Instituto do Consumidor.

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teoria da acção colectiva de Mancur Olson, como assinala François Chazel no artigo

citado:

A teoria segundo a qual um fatalismo desconsolado impediria o meridional

de agir não explica, obviamente, as escolhas que ele faz quando de facto age.

Nem explica, tão pouco, porque razão, quando uma acção individual se

apresenta como necessária, nem o desespero nem o fatalismo o impedem de a

realizar… Parece-nos possível afirmar que o pessimismo do meridional

emerge quando se trata de iniciativas de base colectiva mas não de acções

individuais: pode dizer-se, portanto, que o seu comportamento é realista, mas

não necessariamente fatalista.18

No que diz respeito a Portugal, a apatia política do campesinato do Norte e

Centro – desde a revolta da Maria da Fonte (1846) até ao Verão Quente de 1975,

quando se revoltou contra o novo poder instituído em Lisboa – é reconhecida por

todos os autores, sem prejuízo de fortes protestos ocasionais como os registados,

durante a 2.ª Guerra Mundial, contra a falta de subsistências e a carestia da vida (ver

resumo em Cabral 1999). No que respeita à Itália, no decurso do aceso e prolongado

debate que o seu livro desencadeou, Banfield recebeu inúmeras críticas e comentários,

entre os quais ressaltam os de Alessandro Pizzorno.

Recusando, tal como eu, a tentação de Banfield para colocar o ethos familista

como a variável independente daquele sistema social, o contributo de Pizzorno tem a

vantagem não só de reconhecer a realidade do fenómeno da escassa ou nula

propensão daqueles camponeses pobres para acção colectiva, como sobretudo a de o

articular com o papel do despotismo administrativo enquanto forma de dominação

política inerentemente dissuasória das modalidades demo-liberais de mobilização

cívica e política. Por isso é que, nas palavras de Pizzorno: “Non c’è niente da fare a

Montegrano”!19

Nesta mesma linha de raciocínio, também Elisa Reis alude à falta de resposta

da administração brasileira às reclamações dos utentes como uma forma de dissuasão

18 E. Banfield 1976: 57 passim, maxime 63. 19 In Banfield 1976, pp. 240-241, onde A. Pizzorno alude explicitamente ao carácter “autoritário” de uma administração de tipo “pré-napoleónico”.

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que muitos reclamantes potenciais interiorizam antecipadamente. Voltando a

Portugal, no meu recente inquérito sobre as atitudes e comportamentos da população

portuguesa perante o Sistema Nacional de Saúde, cerca de 20% dos inquiridos

declararam nunca ter apresentado qualquer reclamação “por ser inútil” e dos escassos

5% que apresentaram reclamações, dois terços declararam que o resultado da

reclamação foi insatisfatório (Cabral 2002: 238-241)

Em terceiro lugar, o familismo amoral está longe de ser, no entendimento que

aqui é feito dessa noção, uma pura negatividade. Conforme o próprio Banfield

reconhece, bem como Pizzorno, o alegado amoralismo do grupo doméstico acaba por

funcionar como um recurso estratégico – de que o clientelismo faz parte integrante –

não só no plano da protecção pessoal e familiar, como também no plano das relações

com o sistema político. É excelente, aliás, a análise que Banfield faz das negociações

entre os membros dos grupos domésticos, enquanto eleitores, e a oferta partidária

tanto a nível local como nacional. Não deixa de ser significativo, também, que alguém

tão insuspeito como Pizzorno inclua o clientelismo – e a própria Mafia! – entre as

formas de “solidariedade intermédia” ao dispor do grupo doméstico perante “a ordem

imposta pelo Estado e a Igreja” (Pizzorno: 248).

A mesma positividade, que a estratégia familista adquire na manipulação

personalizada da protecção clientelar e do próprio sistema político-partidário, por

mais distorcidos que sejam os seus efeitos agregados, é porventura mais decisiva

ainda no plano económico, quando se trata de economias agrícolas familiares cuja

orientação autárcica se explica pelo facto de a própria economia regional e/ou

nacional estar muito pouco inserida nos mercados mundiais. Ainda assim, como

Banfield notou, o controlo da natalidade e o investimento na escolarização dos filhos

surgiam já, tipicamente, como a principal estratégia económica – racional mas

individual, no sentido não-liberal da família qua indivíduo – com vista ao “avanço na

sociedade” (Banfield 1976: 63). Todos estes traços estão abundantemente presentes

nos numerosos estudos sócio-económicos sobre o campesinato pobre do Norte e

Centro de Portugal, desde o clássico de Basílio Teles, A carestia da vida nos campos,

no início do séc. XX.

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Finalmente, em quarto lugar, o familismo amoral não deve ser concebido,

como tende a acontecer tanto com Banfield quanto na recuperação que dele fez Elisa

Reis, como pertencendo exclusivamente à ordem da escassez absoluta de recursos

económicos, mas igualmente à da privação relativa de recursos simbólicos, em

especial os códigos de leitura e escrita, que dão acesso aos arcanos do poder perante

as sucessivas formas do despotismo administrativo do Estado. Com efeito, o

familismo não é incompatível com estratégias bem sucedidas de melhoria individual

das condições económicas dos grupos domésticos rurais (ou de origem rural, sendo

aliás a emigração um dos recursos mais utilizados nessas estratégias). Desde o meu

primeiro inquérito sobre as atitudes da população portuguesa perante o crescimento

económico, em 1991, aquilo que saltou à vista não foi tanto a privação económica

nem o sentimento de falta de recompensas materiais para os esforços individuais de

melhoria, como sobretudo a profunda estratificação dos recursos simbólicos, desde a

instrução à acção colectiva e à influência política (Cabral 1997: 43-78).

Como escrevi na altura, os recursos mais desigualmente distribuídos na

sociedade portuguesa contemporânea não são tanto os bens económicos como,

sobretudo, o poder social e político. Assim, pode-se concluir que o incremento da

equidade das oportunidades e recompensas económicas não se traduz,

automaticamente, num acesso mais equitativo ao poder simbólico, continuando

muitos dos efeitos políticos da socialização familista a fazer sentir-se para além das

condições de escassez material que estiveram, porventura, na sua origem.

Inversamente, o sistema político-partidário pode conhecer, como aconteceu em

Portugal a partir de 1974, uma liberalização genuína, sem que todavia as elites sociais

percam o monopólio virtual da representação, o que era previsível, mas nem sequer

percam o controlo da participação e da acção colectiva, preservando assim a sua

forma histórica de dominação autoritária e excludente, o que já era menos de esperar.

Conclusão

Sem ter a pretensão de esgotar a problemática da ‘distância ao poder’ sentida pela

maioria da população portuguesa, parece lícito ver nela o resultado de uma cadeia de

efeitos compostos, cuja matriz pode ser reconduzida a esse complexo de

representações, atitudes e comportamentos perante o mundo da política configurado

pela antiga noção, aqui reconstruída, do familismo amoral enquanto forma de

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articulação entre sociedade e Estado, em tudo contrária a qualquer visão idealizada da

sociedade civil real.

Seja como for, mais importante do que o valor intrínseco de qualquer das

expressões é a identificação de dois grandes nexos históricos de longa duração, que se

terão constituído como elos mediadores entre o ‘familismo amoral’ e a ‘distância ao

poder’. Com efeito, parece lícito apontar, entre outros factores por identificar, para a

literacia enquanto forma de controlo social e para o despotismo administrativo do

Estado português moderno como dois nexos estruturantes das relações entre as elites

de poder e as classes subordinadas que têm contribuído para reproduzir a falta de

confiança e de participação da maioria da população nas instituições representativas.

Articuladas entre si, estas duas formas de relacionamento comunicacional e político

entre elites e massas terão assim gerado uma forma duradoura de dominação

autoritária, que nem a liberalização do sistema político-partidário, nem a massificação

do ensino, nem tão pouco o crescimento económico e a mobilidade social, terão sido

suficientes, no último quarto de século, para erradicar das representações e práticas da

maioria da população portuguesa um sentimento generalizado de ‘distância ao poder’.

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