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Cidade do Paraíso - Vagner de Alencar e Bruna Belazi (1º capítulo)

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Cidade do Paraíso – Há vida na maior favela de São Paulo nos mostra Paraisópolis pelo ângulo de quem participa e faz a história da comunidade. Os autores Vagner de Alencar e Bruna Belazi nos contam as di culdades, as alegrias e a cultura dos moradores da maior favela de São Paulo.

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Vagner de AlencarBruna Belazi

Cidade do ParaísoHá vida na maior favela de São Paulo

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Às nossas famílias, à grande mestre Denise Paieroe a todos os moradores de Paraisópolis: os protagonistas anônimos da vida na periferia.

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Barulho indescritívelMuito lixo entre barracosGente andando em vielasE ratos por buraco […].Paraisópolis não é só issoEsse é o lado que a sociedade vêAqui também tem gente cultaPoetas do bem, pode crer […].Por isso não me envergonhoQuando confesso que moro aquiSe foi para lutar pelos meus sonhosQue deixei em Jacaraci

Jussara Carvalho, a escritora de Paraisópolis

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Não era a primeira vez que pisávamos no Terminal Rodoviário Tietê. Ao contrário de alguns bons anos atrás, o destino não era mais a favela Jardim Edite. A comunidade, que ficava às mediações da Rede Globo, hoje extinta, foi o destino para onde minha família rumou em sua saga nordestina, deixando para trás o inóspito Povoado Cavada II, em Barra do Choça (BA), a caminho de São Paulo. A estada, porém, teve vida breve. Anos mais tarde, voltamos novamente à maior cidade brasileira à procura de melhores tratamentos médicos para o câncer de minha mãe. Desta vez, partimos da rodoviária do Tietê a outra favela, considerada atualmente a mais populosa do Estado. Chegamos a Paraisópolis de táxi. A conta registrada no velocímetro fora salgada: 70 reais. Retiramos nossas poucas malas do veículo e partimos em meio àqueles pequenos labi-rintos nos arredores da casa do meu tio, onde nos hospedamos até meu pai comprar o barraco de madeira, de um cômodo, para onde nos mudamos um mês mais tarde. Paraisópolis era nossa mais nova casa. Os becos e as vielas, nosso endereço. O esgoto a céu aberto, o Antonico, nosso mal-amado vizinho.O emaranhado de casas construídas de madeirite, assim como a nossa, mostrava uma realidade comum a todas aquelas pessoas que viviam ali. Nunca moramos na rua, digo, nossa residência nunca fora situada em outro espaço que não fosse uma viela. Ter casa na rua sempre se tornou sinônimo de melhor poder aquisitivo. O motivo: sempre tivera o preço mais inflacionado.Em Paraisópolis, meus irmãos gêmeos, a dupla caçula dos cinco, deram seus primeiros passos, disseram as primeiras palavras. Inúmeros tios e tias, primos e primas, mater-nos e paternos, desembarcaram à procura de novas oportunidades de trabalho que não se resumissem à já costumeira lavoura.

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prefácio

NÃONão era a primeira vez que pisávamos no Terminal Rodoviário Tietê. Ao contrário de NÃONão era a primeira vez que pisávamos no Terminal Rodoviário Tietê. Ao contrário de

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Em Paraisópolis, percorri os becos e as vielas em direção à escola, à casa dos amigos, aos postos de saúde, à feira que termina no fim da tarde de sábado.Ao longo das quase duas últimas décadas, vimos Paraisópolis crescer. Vimos suas ruas ganharem asfalto. Vimos casas de madeira ganharem blocos e conjuntos habitacionais arranharem o céu. Vimos escolas de lata ficarem no passado e o Centro Educacional Unificado (CEU) levar a comunidade para dentro da escola. Vimos ONGs oferecerem projetos sociais e uma Escola Técnica Estadual (ETEC) profis-sionalizar jovens. Vimos o comércio ascender e empreendedores se tornarem patrões. Vimos bancos saí-rem das encruzilhadas entre o bairro rico do Morumbi e a comunidade para, literalmen-te, adentrarem a favela. Vimos casas lotéricas, casas de shows, de materiais de construção e até Casas Bahia fincarem suas lojas por lá. Vimos artistas plásticos e escritores exporem seus dons nos saraus, na rádio comuni-tária ou até mesmo nas ruas. Vimos crianças superdotadas aparecerem na televisão. Vimos festas estremecerem o alto das lajes e muitas lajes serem compradas e até alugadas. Vimos um projeto de urbanização dar status de bairro ao lugar que a grande maioria dos moradores jamais deixará de chamar de favela. Vimos muitas crianças serem geradas e paridas entre os becos e as vielas. Vimos mora-dores bradarem que Paraisópolis é sua terra mais do que aquela deixada no Nordeste. Agora, já podemos mudar o tempo verbal para “vemos”. Minha família, parentes e amigos são apenas algumas unidades entre as milhares de famílias que hoje vivem em Paraisópolis. Segundo a União de Moradores, a comunidade registra mais de 100 mil habitantes, enquanto a Secretaria de Habitação Municipal consta a existência de 80 mil moradores – quase o dobro do que aponta o Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatís-tica (IBGE). Com 13 mil casas e 42.826 habitantes, de acordo com dados do IBGE, Paraisópolis está à frente de Heliópolis, também na Zona Sul da capital, com 41.118 moradores.Divergência de dados à parte, este livro, que é somente um fragmento da grandiosidade da maior favela de São Paulo, convida a mostrar uma Paraisópolis por detrás dos números

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e das estatísticas veiculados pela grande mídia, para muito além do tráfi co e da violência. Traz à luz os moradores anônimos, que são a alma da vida cotidiana, os responsáveis por tecer suas histórias entre os becos e as vielas. O cenário comum a donas de casa e mi-croempresários, ao arquiteto de garrafa PET e ao homem que transforma sucata em arte, à locutora de rádio comunitária e aos artistas divididos entre a arte e o telemarketing, além de tantos outros personagens que encontraram em Paraisópolis não apenas um endereço em comum, mas, sobretudo, o paraíso de cada uma deles.

Boa leitura!

Vagner de Alencar

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Entre os becos e as vielas de ParaisópolisEntre os muros do Morumbi Viela AmadeuViela do CampoO arquiteto de garrafa PETJair, um homem de gásViela da AlegriaViela não existe para os CorreiosO presidente da associaçãoViela Mário CovasAntonico, o ingratoSaudade do churrascoOs geniozinhos de ParaisópolisA valorização imobiliáriaAlugam-se lajesO Rai do salãoA multiplicação dos salões de belezaA rotatividade no comércioJussara, a escritoraJoseane – entre a arte e o telemarketingLindalva, a locutoraViela da MinaForró, o luxo do pobreA festa na lajeManoel raizeiro, o médico popularO homem que transforma sucata em arteUm sonho em construçãoA dois passos do Paraíso... Sobre os autores

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Por dentro do Paraíso

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Pequenos labirintos formam o cenário corriqueiro de quem mora na periferia. Eles têm formatos variados. São íngremes e planos. Alguns são largos e curtos. Outros são sujos e escuros, limpos ou iluminados. Para alguns moradores, esses labirintos se resumem a apenas um caminho de atalho, quando não uma passagem obrigatória. Em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, eles são os becos e as vielas, responsáveis por interligar ruas umas nas outras, conectar histórias, unir toda uma comunidade.Muita gente vive literalmente em um beco sem saída. Mas há quem não se im-porte em nunca ter vivido em uma rua com nome e sobrenome, ter vivenciado o prazer – ou o desprazer, para alguns – de receber uma correspondência debaixo da porta, de cumprimentar o carteiro. Centenas de becos e vielas tornam Paraisópolis a maior favela da maior cidade brasileira, de seus quase 100 mil moradores, muitas das 25 mil famílias parecem se esconder por entre esses pequenos túneis que costuram a favela que vem ganhando status de bairro. Embora essas vielas não sejam formalmente reconhecidas pelos Correios, quem vive em uma delas se vira como pode para receber em casa o sofá novo, o boleto do banco ou, mesmo em tempos de internet, uma carta de um parente distante. Atualmente, a maioria das casas é levantada por tijolos, ainda visível e tradicionalmen-te sem reboco do lado de fora. A área em que hoje todas essas residências foram ergui-das, na década de 1920 não passava de uma grande fazenda chamada Morumbi – palavra de origem tupi que significa “mosca verde”. Em 1950, a região foi dividida em lotes pelos imigrantes japoneses, transformando as terras em pequenas chácaras. Enquanto hoje são os carros que lotam as ruas na comunidade entupida principal-mente de nordestinos, nos anos 1960, o mesmo local não passava de uma grande área rural, onde o maior tráfego era o de gado.Naquela época, começaram a ser erguidas as primeiras residências em Paraisópolis. E, claro, alguns pontos de comércio. Com o decorrer dos anos, o Morumbi passou a receber status de bairro luxuoso por concentrar um dos distritos com maior concentração de renda da cidade.

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Enquanto em 1970 os moradores de Paraisópolis passeavam entre os corredores das plantações de milho, batata-doce, mandioca e feijão, hoje o cenário é o avesso: a maioria das ruas tem nome britânico, muitas, inclusive, são entrecruzadas às centenas de becos com referência a políticos. Também há vielas com nome de santos religiosos, de moradores antigos ou até mesmo nomeadas com um simples adjetivo. Na maior favela de São Paulo estão a Rua Melchior Giola e a Viela da Alegria, a Rua Herbert Spencer e a Viela Mário Covas, a Rua Pasquale Guallupi e a Viela Santa Bárba-ra, a Rua Laerte Setúbal e a Viela Amadeu... Por lá, se os becos e as vielas são tipicamente estreitos, como deve ser adentrá-los com uma geladeira, um fogão, uma máquina de lavar? A bem verdade, é que o improvi-so de quem precisa conviver com limitações – não apenas econômicas, mas físicas –, é a solução dessa barreira. As telhas são arrancadas das casas para a passagem do sofá novo ou do estofado comprado do vizinho. A geladeira perpassa pelo alto da janela do sobrado. O fogão é amarrado por cordas que o transportam para o topo da laje. É o “jeitinho” um dos melhores substantivos que melhor pode ser empregado para quem vive na favela. Deslocar-se entre os pequenos labirintos é questão de habilidade. Não é qualquer um que consegue se locomover facilmente pelos obstáculos escondidos em cada ruela. Há subidas em degraus íngremes e descidas superescorregadias. Apenas quem conhece cada desnível consegue se contorcer entre elas, como se as conhecessem como a palma da mão. Entre meados das décadas de 1970 e 1980, foram especialmente os pés nordestinos que pisaram em Paraisópolis, deixando suas terras natais para encontrar o paraíso que para a maioria era conhecido como São Paulo. Período esse que, por conta da facilida-de de emprego e do aumento da necessidade de mão de obra para a construção civil, o processo migratório se intensificou. O reflexo está no número de nordestinos morado-res da comunidade: cerca 70% da população. Hoje, por meio de um processo de urbanização que acontece desde 2005, Paraisópolis vem crescendo de forma expressiva.Parte desse desenvolvimento também é reflexo da ascensão da classe C. O comércio se expandiu. Muitos moradores se tornaram microempreendedores e empresários. Há centenas de estabelecimentos a perder de vista. Há Casa Lotérica, agências do Banco do Brasil e do Bradesco, e o Santander já está a caminho. Não é mais necessário procurar uma loja das Casas Bahia em outro bairro. A con-corrência não deixou barato, por isso o Magazine Luiza quer se assentar nas terras

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da favela superpopulosa. Há casas de materiais para construção, pet shops, clínica médica particular, escritórios de contabilidade e imobiliárias. Há também pizzarias aos montes e salões de cabeleireiro encravados por toda parte. São 15 escolas públicas, uma Escola Técnica Estadual (Etec) e um Centro Educacional Unificado (CEU). Entre os becos e as vielas de Paraisópolis, os moradores vão tecendo suas histórias, ora em busca de comprovar sua residência, ora dizendo que é possível, sim, sair e entrar nesses pequenos labirintos sem uma Ariadne que os conduza1. Acima do tráfico de drogas e da violência, Paraisópolis tem vida. Se alguns becos e vielas são esconderijos para o tráfico, a maioria deles une as pessoas que, com suas vozes e histórias, usam essas ruelas e esquinas para costurar o dia a dia na imensa favela localizada no coração do bairro chique.

1 Deusa da mitologia grega que ajudou o amado Teseu a achar o caminho de volta para casa.

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