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34º Encontro Anual da ANPOCS
ST 03 - Cidades: dimensões, escalas e composições
Caxambu, MG – 25 a 29 de Outubro de 2010
“Cidades Carcerárias”: Migração e Presídios em Regiões de São Paulo*
Flávia Rodrigues Prates Cescon
Rosana Baeninger
Palavras-chave: Dinâmica Migratória; Nova Alta Paulista; Unidades Prisionais
* Versão ampliada de Cescon e Baeninger (2010). Bacharel em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Mestranda do Programa
de Pós-Graduação em Demografia IFCH/NEPO/UNICAMP. Professora do Departamento de Demografia IFCH e Pesquisadora NEPO/UNICAMP.
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“Cidades Carcerárias”: Migração e Presídios em Regiões de São Paulo*
Flávia Rodrigues Prates Cescon
Rosana Baeninger
Resumo
Este trabalho visa discutir a dinâmica demográfica, e em particular a migratória, e seus
desdobramentos sociais acerca do recente e específico fluxo populacional para uma
região, até então, de tradicional emigração no Estado de São Paulo. A especificidade
desse fluxo é delineada pela instalação de Unidades Prisionais no Oeste do estado.
Busca-se, desta forma, destacar os aspectos gerais do fenômeno migratório que marcam
uma nova dinâmica ligada à instalação de unidades prisionais espacialmente
concentradas entre os municípios da Nova Alta Paulista.
1. Introdução
Este trabalho é parte de um estudo mais amplo, denominado “Observatório das
Migrações em São Paulo: fases e faces do fenômeno migratório”, em desenvolvimento
no Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas, de 2009-
2013, e cujo eixo teórico está pautado nos novos arranjos migratórios no Estado,
marcados pela redefinição dos espaços da migração, tanto na metrópole como no interior
do Estado (BAENINGER, 1999). O presente artigo, por sua vez, tem por objetivo
apontar aspectos da dinâmica demográfica, e em particular, a migratória, e seus
desdobramentos sociais acerca do recente e específico fluxo populacional para uma
região, até então, de tradicional emigração no Estado de São Paulo. A especificidade
desse fluxo é delineada pela instalação de Unidades Prisionais no Oeste do estado.
De fato, essa região, e mais especificamente, a sub-região da Nova Alta Paulista,
foi bastante afetada pela política pública do governo do Estado de descentralização
prisional (GÓES; MAKINO, 2002). De 1997 a 2005 houve a construção de nove
presídios e uma unidade da FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor),
* Versão ampliada de Cescon e Baeninger (2010). Bacharel em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Mestranda do Programa
de Pós-Graduação em Demografia IFCH/NEPO/UNICAMP. Professora do Departamento de Demografia IFCH e Pesquisadora NEPO/UNICAMP.
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alojando mais de dez mil “novos moradores” em um raio de aproximadamente noventa
quilômetros nessa região (GIL, 2007).
Em consonância com o estudo de maior envergadura, que busca apreender e
analisar as novas faces da migração no Estado de São Paulo, centralizando suas reflexões
nos diferentes fluxos e modalidades migratórias, este artigo apresenta as primeiras
identificações e análises dos deslocamentos populacionais atuais relacionados ao
estabelecimento de unidades prisionais nos pequenos municípios que compõem a sub-
região da Nova Alta Paulista. Procura-se, também, identificar aspectos econômicos,
políticos e sociais ligados à concentração de presídios em associação com a composição
de fenômenos demográficos: imigração de detentos das mais diversas regiões do Estado
de São Paulo, fluxo permanente de visitantes, fluxo de trabalhadores dos presídios, e
todos esses elementos em dinâmica com os municípios e suas respectivas populações
locais.
2. Localização regional das unidades prisionais
O processo de interiorização das migrações em São Paulo teve seu início nos anos
70 (Baeninger, 1992), onde a desconcentração industrial (Cano, 1977) teve papel
delineador dos contornos dessas migrações. O crescimento urbano e econômico do
interior paulista, a partir de então, incentivou políticas de caráter regional, por parte do
Governo Estadual, como é o caso dos incentivos à instalação de unidades prisionais nos
anos 2000.
O caso do Oeste Paulista, em particular, da Nova Alta Paulista (Mapa 1) indica os
novos elementos da dinâmica local estreitamente vinculada à instalação de presídios.
Considerando, portanto, essa região de acordo com a Associação dos Municípios da
Nova Alta Paulista (AMNAP), essa área é formada por trinta municípios; desse total,
vinte e dois municípios pertencem a 10ª Região Administrativa, com sede em Presidente
Prudente: Adamantina, Dracena, Flora Rica, Flórida Paulista, Inúbia Paulista, Irapuru,
Junqueirópolis, Lucélia, Mariápolis, Monte Castelo, Nova Guataporanga, Osvaldo Cruz,
Ouro Verde, Pacaembu, Panorama, Pracinha, Paulicéia, Sagre, Salmourão, Santa
Mercedes, São João do Pau D’Alho e Tupi Paulista. Oito municípios, no entanto,
integram a 11ª Região Administrativa, com sede em Marília: Arco-Íris, Bastos,
4
Herculândia, Iacri, Parapuã, Queiroz, Rinópolis e Tupã. O município mais populoso é
Tupã, com 67.151 habitantes e o menor é Pracinha com 2.744 habitantes (FUNDAÇÃO
IBGE apud FUNDAÇÃO SEADE, 2010).
Mapa 1
Localização da Região da Nova Alta Paulista
Estado de São Paulo
Fonte: Simielli (2005) apud Gil (2007).
De acordo com Gil (2004), essa porção do território paulista é uma região pouco
dinâmica e reflete as condições sociais, econômicas e políticas que atestam a sua origem
mercantil e pouco comprometida com a socialização de infra-estruturas e oportunidades.
Os municípios, a maioria com menos de 20 mil habitantes debatem-se por melhores
oportunidades e incentivos governamentais. A formação econômica e social da Nova
Alta Paulista está intimamente relacionada à expansão da cafeicultura para o Oeste do
Estado de São Paulo e dos trilhos da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, entre os
finais das décadas de 1920 e de 1950 (CANO, 1988).
Algumas cidades que surgiram em decorrência da expansão do empreendimento
ferroviário transformaram-se em sede de pólos regionais, atraindo, ao longo do tempo,
investimentos em infra-estruturas como hospitais, campus universitário, educação,
entretenimento, segurança e outros serviços em geral. Outras, no entanto, como é o caso
de muitas das cidades da Nova Alta Paulista, ficaram, de certa forma, aquém do processo
de determinação de uma vocação econômica consistente (Gil, 2004).
Os municípios da Nova Alta Paulista são de pequeno porte e construíram uma
economia assentada na agricultura, com baixa oferta de empregos e a estagnação das
economias locais. No contexto estadual recente, essa região compreende,
5
aproximadamente, 0,9% da população, 1,5% do total da arrecadação tributária e 0,83%
da soma do PIB Municipal em relação ao PIB paulista; a economia regional está
fundamentalmente assentada na policultura e pecuária leiteira praticadas, em sua maioria,
em pequenas e médias propriedades rurais; nas grandes propriedades rurais, em
substituição à cultura cafeeira, predominam as pastagens e as lavouras de cana-de-açúcar
(GIL, 2004).
Trata-se de uma região afastada do eixo econômico mais dinâmico do Estado de
São Paulo, mas que tem revertido sua posição migratória de área expulsora de população;
os indicadores divulgados por órgãos oficiais (IBGE, Fundação SEADE, Secretarias
Estaduais, Prefeituras Municipais) demonstram resultados que a situam entre as melhores
posições do país em índices de escolaridade, mortalidade infantil e longevidade; porém
distantes em termos de PIB municipal, renda per capita, taxas de desemprego e taxas de
crescimento demográfico em relação ao próprio Estado de São Paulo.
3. A Nova Alta Paulista em face à política de reestruturação do sistema
prisional paulista
Considerando a região da Nova Alta Paulista no Oeste Paulista, e as recentes
instalações das unidades prisionais, nota-se um evidente corredor prisional (Mapa 2)
entre nove municípios ao longo da SP-294 (Rodovia Comandante João Ribeiro de
Barros), principal rodovia que cruza essa região.
Em 1997, com a intenção de sanar o déficit do sistema prisional do país em meio
à crise da segurança pública e do colapso do aparelho penitenciário, o Governo Federal
anunciou a liberação de verbas destinadas à construção de novas penitenciárias. O Estado
de São Paulo, portador da maior população carcerária do país, apresentava naquele
momento uma grande carência de estabelecimentos penais; havia 35.847 presos para
24.222 vagas, o que representava, portanto, um déficit de 11.652 vagas (CENSO
PENITENCIÁRIO, 1997 apud GÓES; MAKINO, 2002).
Foi neste cenário que o Governo do Estado de São Paulo lançou o projeto de
reestruturação prisional que objetivava prioritariamente a desativação da Casa de
Detenção de São Paulo e o fim das superlotações dos Distritos Policiais (DPs)
paulistanos (GÓES; MAKINO, 2002). No primeiro momento da descentralização
carcerária foram construídas vinte e uma unidades prisionais fechadas e três semi-
6
abertas, todas no interior de São Paulo, sendo treze delas especificamente localizadas nas
cidades do Oeste paulista (GÓES; MAKINO, 2002).
De acordo com Góes e Makino (2002) a opção pelos municípios interioranos
deve-se, em grande medida, à crise fiscal e orçamentária do governo estadual, impelindo-
o a buscar uniões com os municípios, principalmente os mais pobres e pouco dinâmicos.
Entre 1997 e 2005, na Nova Alta Paulista, foram construídos nove presídios e
uma unidade da FEBEM, alojando mais de dez mil “novos moradores” em um raio de
aproximadamente noventa quilômetros (GIL, 2007). De acordo com a autora, no total,
essas dez unidades prisionais disponibilizavam, naquele período, aproximadamente,
7.408 vagas, porém em Janeiro de 2007 a população carcerária indicada pela Secretaria
da Administração Penitenciária (SAP) nas unidades da Nova Alta Paulista somava a
quantia de 10.446 detentos, sendo esta, portanto, uma população 41% superior a
capacidade de suporte.
Mapa 2
Unidades Prisionais no Estado de São Paulo
Região da Nova Alta Paulista
2006
Fonte: Secretaria Estadual de Economia, Gestão e Planejamento do Estado de São Paulo, 2006 apud Gil (2007).
Os dados acerca da capacidade de suporte e da população carcerária de Abril de
2010 (Tabela 1) apontam população carcerária total, entre os nove municípios com
unidades prisionais da Nova Alta Paulista, de 11.406 detentos; no entanto a capacidade
de suporte pouco aumentou em relação a 2007, representando em Abril de 2010 7.560
Legendas:
Sede Municipal
Unidade Prisional
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vagas, o que demonstra que a população de detentos nesses municípios é
aproximadamente 51% superior a capacidade de suporte disponível.
Tabela 1
Capacidade de Suporte e População Carcerária, Abril de 2010
Municípios Capacidade de Suporte População Carcerária
Dracena 768 1.185
Flórida Paulista 768 1.244
Irapuru 768 1.222
Junqueirópolis 792 1.198
Lucélia 792 1.216
Osvaldo Cruz 672 964
Pacaembu 1.464* 2.111**
Pracinha 768 1.214
Tupi Paulista 768 1.052
Total 7.560 11.406
Fonte: Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, 01 Abril de 2010. Disponível em:
<www.sap.sp.gov.br>. Acessado em: 04/04/2010. * Capacidade de Suporte da unidade Penitenciária de Pacaembu e Centro de Progressão Penitenciária. ** População Carcerária da unidade Penitenciária de Pacaembu e Centro de Progressão Penitenciária.
Nesse sentido, qual o impacto da instalação de unidades prisionais
geograficamente próximas entre si em cidades de pequeno e médio porte do interior
paulista?
Tomando o exemplo do município de Pacaembu, localizado na Região de
Governo de Adamantina, este abriga duas unidades prisionais, a Penitenciária de
Pacaembu e o Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Pacaembu. Pelos dados dos
movimentos médios mensais das populações carcerárias por estabelecimento prisional
(FUNDAÇÃO SEADE), a Penitenciária de Pacaembu, criada pelo Decreto nº 42.371 de
21/10/97, apresentou em Outubro de 1998 movimento médio mensal de 186 detentos, e
movimento médio de 650 detentos em Dezembro do mesmo ano1. No ano de 2000, no
mês de Maio, nessa mesma unidade, o número de detentos chegou a atingir média mensal
de 815 indivíduos presos2.
1 Ver Anuário Estatístico do Estado de São Paulo – Justiça e Segurança: Movimento Prisional e População
Carcerária – Movimento Médio Mensal das Populações Carcerárias, segundo Estabelecimentos
Penitenciários, Estado de São Paulo, 1998. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/anuario>.
Acessado em: 07/02/2009. 2 Ver Anuário Estatístico do Estado de São Paulo – Justiça e Segurança: Movimento Prisional e População
Carcerária – Movimento Médio Mensal das Populações Carcerárias, segundo Estabelecimentos
Penitenciários, Estado de São Paulo, 2000. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/anuario>.
Acessado em: 07/02/2009.
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Em Dezembro de 2001 foi inaugurada mais uma unidade prisional no município,
o Centro de Progressão Penitenciária, criado pelo Decreto nº 46.227 de 19/11/2001,
inicialmente com 83 detentos3. Os dados do movimento médio mensal das populações
carcerárias do ano de 2003 apontam um número superior a 900 detentos por mês na
unidade Penitenciária de Pacaembu e, em média, 829 presos na unidade CPP 4. De
acordo com o prefeito do município, Chideto Toda5, no ano de 2009, entre a
Penitenciária de Pacaembu e o Centro de Progressão Penitenciária, havia no município
aproximadamente 2.000 indivíduos presos.
Em 1996, ano anterior ao início do processo de construção unidades prisionais no
município, a população de Pacaembu era de 12.535 habitantes (FUNDAÇÃO IBGE apud
FUNDAÇÃO SEADE). Com um pequeno decréscimo no ano de 2000, a população total
do município passou a ser de 12.517 habitantes (FUNDAÇÃO IBGE apud FUNDAÇÃO
SEADE).
Todavia, o impacto de mais de 800 “novos moradores” na estrutura etária desse
pequeno município pode ser verificado, na comparação entre as pirâmides etárias do ano
de 1996 (Gráfico 1) e do ano de 2000 (Gráfico 2), pelo aparente desequilíbrio na
proporção de homens e mulheres no ano de 2000.
3 Ver Anuário Estatístico do Estado de São Paulo – Justiça e Segurança: Movimento Prisional e População
Carcerária – Movimento Médio Mensal das Populações Carcerárias, segundo Estabelecimentos
Penitenciários, Estado de São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/anuario>.
Acessado em: 07/02/2009. 4 Ver Anuário Estatístico do Estado de São Paulo – Justiça e Segurança: Movimento Prisional e População
Carcerária – Movimento Médio Mensal das Populações Carcerárias, segundo Estabelecimentos
Penitenciários, Estado de São Paulo, 2003. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/anuario>.
Acessado em: 07/02/2009. 5 Entrevista realizada com Prefeito Chideto Toda no dia 30 de Janeiro de 2009.
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Gráfico 1
Estrutura por Idade e Sexo: Pacaembu, 1996
Fonte: Fundação IBGE (1996) apud Fundação SEADE.
Gráfico 2
Estrutura por Idade e Sexo: Pacaembu, 2000
Fonte: Fundação IBGE (2000) apud Fundação SEADE.
No Gráfico 1 é possível observar um considerável equilíbrio na proporção de
homens e mulheres na população do município de Pacaembu no ano de 1996. Nota-se no
Gráfico 2, no entanto, uma maior proporção no número de homens nas idades de 15 a 49
anos, mais especificamente, nos grupos etários de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos.
No ano de 2009, a população estimada para o Pacaembu foi de 13.690 habitantes,
sendo destes aproximadamente 2.000 detentos, o desequilíbrio na estrutura etária entre a
proporção de homens e de mulheres (Gráfico 3) se faz ainda mais evidente.
10
Gráfico 3
Estrutura por Idade e Sexo: Pacaembu, 2009
Fonte: Fundação IBGE (2009) apud Fundação SEADE.
A análise da Razão de Sexos pode ajudar a captar com maior clareza os
diferenciais no número de homens e mulheres na população de Pacaembu.
Tabela 2
Razão de Sexos para o Município de Pacaembu-SP, 1996, 2000 e 2009
Grupos Etários
Razão de Sexos
1996 2000 2009
0 a 4 anos 96,92 95,35 104,91
5 a 9 anos 104,65 101,11 102,86
10 a 14 anos 99,47 95,67 96,39
15 a 19 anos 112,54 116,24 100,00
20 a 24 anos 126,79 153,09 185,83
25 a 29 anos 124,94 154,68 193,11
30 a 34 anos 115,88 123,63 173,05
35 a 39 anos 103,28 113,48 146,04
40 a 44 anos 113,44 117,66 119,47
45 a 49 anos 101,86 110,42 111,59
50 a 54 anos 97,08 99,67 112,70
55 a 59 anos 95,86 91,96 103,41
60 a 64 anos 108,87 104,21 92,45
65 a 69 anos 111,98 97,51 87,35
70 a 74 anos 97,28 98,31 91,86
75 ou mais 95,53 103,54 79,04
Total 108,08 113,42 124,76
Fonte: Fundação IBGE (1996, 2000 e 2009) apud Fundação SEADE.
De acordo com a Tabela 2, que indica a Razão de Sexos para os anos de 1996,
2000 e 2009, pode-se constatar que o número de homens, principalmente de 20 a 49
anos, aumentou consideravelmente ao longo dos anos. Em 2009, por exemplo, no grupo
11
etário de 25 a 29 anos a razão de sexo é de 193,11, o que indica que o número de homens
é 93,11% superior ao número de mulheres, ou seja, para cada mulher há 1,93 homens.
Pode-se, inclusive, verificar que, no total da população, a razão de sexos aumenta ao
longo dos anos analisados, passando de 108,08 em 1996 para 113,42 em 2000 e
atingindo 124,76 em 2009. Estes fatos, conseqüentemente, demonstram a influência que
a população de “novos moradores” exerce sobre a configuração da estrutura etária do
município de Pacaembu.
Os dados de Abril de 2010 acerca das populações carcerárias, disponibilizados
pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo e expostos
na Tabela 1, indicam que a Penitenciária de Pacaembu e o Centro de Progressão
Penitenciária abrigam no total 2.111 detentos. Considerando que a população estimada
para município de Pacaembu em 2010 é de 13.713 habitantes (FUNDAÇÃO IBGE apud
FUNDAÇÃO SEADE), nota-se, portanto, que a população de detentos representa 15,4%
da população total do município (Tabela 3). De acordo com a Tabela 3, que indica a
população carcerária instalada nos municípios que compõe a Nova Alta Paulista e as
respectivas porcentagens desta em relação ao total da população desses municípios no
ano de 2010, podemos observar o fundamental papel que a população de detentos exerce
no computo total da população desses pequenos municípios.
Tabela 3
População dos Municípios com Unidades Prisionais da Nova Alta Paulista-SP, 2010 e
População Carcerária, Abril de 2010
Municípios
População Total*
População
Carcerária**
(%)
População
Carcerária/População
Total
Dracena 43.159 1.185 2,7
Flórida Paulista 12.760 1.244 9,7
Irapuru 8.117 1.222 15,1
Junqueirópolis 19.549 1.198 6,1
Lucélia 19.381 1.216 6,3
Osvaldo Cruz 30.012 964 3,2
Pacaembu 13.713 2.111 15,4
Pracinha 2.744 1.214 44,2
Tupi Paulista 13.857 1.052 7,6
Fonte: *Fundação IBGE (2010) apud Fundação SEADE; **Secretaria da Administração Penitenciária (2010). Disponível em: <www.sap.sp.gov.br>. Acessado em:
04/04/2010
12
O exemplo de Pracinha é extremamente ilustrativo dessa situação. Com
população total estimada para 2010 de 2.744 habitantes (FUNDAÇÃO IBGE apud
FUNDAÇÃO SEADE, 2010) e população carcerária de 1.214 (SAP, 2010), constata-se,
portanto, que a população de detentos representa 44,2% do total da população desse
município.
Assim, as cidades da Nova Alta Paulista, mais especificamente das Regiões de
Governo de Adamantina e Dracena, que abrigam presídios assistem ao fenômeno do
“inchaço artificial da população”. No entanto, a influência dos presídios nessas pequenas
cidades interioranas não fica restrita a esse fenômeno.
Muitos dos presos são de regiões distantes, principalmente da Grande São Paulo,
não possuindo, desta forma, vínculos com a região, o que obriga seus familiares a
excursionarem pelo interior. Há, inclusive, caravanas em direção aos presídios do interior
paulista. Segundo as autoridades do município de Pacaembu6, dependendo do período do
mês, a cidade chega a receber de 2 a mais de 4 ônibus de visitantes.
Em função do grande fluxo de visitantes, especialmente nos finais de semana, as
cidades vão se transformando aos poucos. Nos últimos anos, essas cidades presenciaram
a ampliação, ainda que timidamente, de suas redes de serviços, as quais se mantiveram
incipientes durante as décadas anteriores, através de pensões, pequenos hotéis,
supermercados, padarias e de diversas lojas para atender a demanda dos novos visitantes.
Acerca do município de Pacaembu, entre as principais conseqüências da
instalação das unidades prisionais, destacam-se 7:
O número de taxistas praticamente triplicou. É vasto também o número de
pessoas que prestam serviços de transporte informal aos visitantes para obter
uma renda extra;
O hotel mais antigo da cidade encontra-se superlotado aos finais de semana,
em decorrência, aproveitando-se desta demanda, alguns moradores do
município oferecem serviços de hospedagem com alimentação ou abriram
pensões na informalidade;
Um dos dois supermercados do município permanece de portas abertas aos
Sábados até as 18 horas e aos domingos até as 12 horas (o horário normal do
comércio municipal é de Sábado até as 12 horas e aos Domingos os
estabelecimentos não abrem);
6 Entrevista realizada com Prefeito Chideto Toda e vereador Adaílton Aparecido de Souza no dia 30 de
Janeiro de 2009. 7 Dados informados pelo Prefeito Chideto Toda, vereador Adaílton Aparecido de Souza e Imobiliária
Pacaembu em 30 de Janeiro de 2009.
13
O valor do aluguel das casas está em alta, subindo consideravelmente nos
últimos anos, porém em decorrência da grande procura (familiares dos
detentos e de funcionários dos presídios) não se encontra mais casas de
aluguel no município;
Em conseqüência da falta de um Hospital Penitenciário, o hospital municipal
(Santa Casa de Pacaembu) passa freqüentemente por superlotação,
provocando indignação na população local pela preferência que os detentos
recebem no atendimento.
Assim, em meio à estagnação da economia local das últimas décadas, muitos dos
municípios dessa região do interior paulista receberam um novo estímulo através da
criação das unidades prisionais. De acordo com as informações adquiridas, a instalação
dos presídios no interior possibilitou que o governo do Estado resolvesse dois problemas
principais com uma única medida: afastou a massa carcerária dos grandes centros
urbanos, próximos de uma classe média mais organizada e de uma mídia mais influente,
e atendeu as reivindicações para a criação de necessários novos postos de trabalhos para
a população desses municípios. Os resultados não são restritos apenas aos municípios
que abrigam presídios, mas em diversos municípios vizinhos, uma vez que essas cidades
são muito pequenas e próximas entre si.
Conforme analisam Goés e Makino (2002) trata-se, portanto, da mais recente
resposta do governo estadual para os prefeitos que reivindicam geração de novos
empregos e de maiores receitas para as cidades, uma vez que “as pequenas e médias
cidades do interior paulista têm vivenciado cotidianamente o fechamento de empresas,
que não sobrevivem à crise. É neste contexto que as 18 mil vagas de trabalhos estimadas
para as unidades prisionais, a partir de investimentos de R$ 230 milhões, ganham
dimensão específica” (p.167).
De acordo com as autoras, por conseguinte, dois discursos convergentes
envolveram esse processo: alívio prometido à população da capital paulista em função do
afastamento da população carcerária para as novas penitenciários do interior do Estado e
a promessa da criação de centenas de novos empregos para as regiões interioranas, muito
afetadas pela crise econômica (GÓES; MAKINO, 2002).
Essa nova espacialização das políticas públicas no setor de segurança atingiu a
Nova Alta Paulista em uma fase de fragilidades e de indefinições econômicas que se
arrastava desde a década de 1970 (GIL, 2007). Com arrecadação precária, as prefeituras
municipais dependem, cada vez mais, do repasse de recursos estaduais e federais.
14
De acordo com Gil (2007) a concentração espacial das políticas públicas no setor
da segurança na Nova Alta Paulista está relacionada ao apelo do governo do Estado de
São Paulo para que os prefeitos demonstrassem interesse na instalação dos presídios,
como reforço para minimizar o problema do desemprego e para o ganho de maiores
arrecadações orçamentárias; especialmente na Nova Alta Paulista, a Secretaria da
Administração Penitenciária (SAP) só construiu unidades prisionais nos municípios em
que os prefeitos fizeram oferta de terrenos adequados e viáveis à construção. Assim, com
os presídios “a Nova Alta Paulista se inseriu definitivamente na fase globalizada não
pelas portas das vantagens competitivas mediadas pelas inovações tecnológicas, mas
pelas sutilezas da dialética que se esconde na assimetria das relações de poder” (GIL,
2007, p.237).
Os presídios são vistos, para muitas das autoridades locais, como geradores de
emprego e renda, que passa a circular no comércio local e das cidades vizinhas. No
entanto, nem todos os empregos gerados por uma unidade prisional são ocupados por
moradores locais, uma vez que as vagas são preenchidas por concurso público estadual
não limitado a um único município, fato este que possivelmente pode gerar um pequeno
fluxo de pessoas em direção a esses municípios em função das novas vagas de emprego
geradas pelos presídios. As prefeituras de muitos municípios do Oeste paulista chegaram
a oferecer cursos preparatórios aos candidatos locais para que o preenchimento das vagas
ficasse entre os habitantes da região (GÓES, 2004).
O ganho de “novos moradores” está também relacionado à alocação de detentos
em unidades prisionais, bem como de seus familiares que passam a “viver a cidade”.
Uma das “vantagens” desses presídios está no índice de arrecadação repassado pelo
Fundo de Participação Municipal (FPM), o qual é proporcional ao número de habitantes.
Desta forma, municípios que sofrem com o fenômeno da emigração, perdem no
índice de arrecadação, e os presidiários suprimem essa perda para o município. O caso de
Tupi Paulista é bem ilustrativo dessa situação. Assim, afirma Aristides Alonso Portela,
ex-prefeito do município ao se posicionar a favor da instalação do presídio: “Tupi
Paulista tinha uma população em torno de 13.000 habitantes. Como perdemos muita
gente nos últimos nos últimos anos, ficamos com menor índice de arrecadação: 0,8%. A
diferença para atingirmos 1% era apenas 200 pessoas e isso representaria um acréscimo
de 25% no total da receita. Recebíamos R$ 400.000,00/mês e passaríamos a receber R$
15
100.000,00 a mais” (GIL, 2007, p.240). Apesar de a Nova Alta Paulista ter sido uma
região de emigração (FUNDAÇÃO SEADE, 1987), nas últimas décadas muitos de seus
municípios vêm apresentando significantes aumentos nas taxas de crescimento da
população, em decorrência do acréscimo da população carcerária no computo total da
população.
4. Migração e Instalação de Unidades Prisionais: explorando um aporte teórico
Do ponto de vista, do tecido social, o “inchaço artificial da população” e as
populações flutuantes advindas dos presídios instalados nesses municípios, despertam
medos e preocupações, provocam “estranheza” na população local, e ajudam a construir
um imaginário social criado acerca dos presídios e dos visitantes dos detentos.
Conseqüentemente, mudam-se também os hábitos dos residentes e alimentam-se
inúmeros preconceitos e dinâmicas de estigmatização.
Visitas a campo8 permitiram identificar que geralmente a população local não
gosta dos visitantes dos presos que se instalam ou passam pela cidade; da mesma forma,
os visitantes, em grande parte as mulheres dos detentos, não se sentem na obrigação de
criar vínculos com a população local e de fixar raízes na cidade, uma vez que estão ali só
de passagem.
Destarte, um dos fenômenos específicos referentes à instalação de unidades
prisionais nesses pequenos municípios do interior paulista refere-se à relação entre o
corrente fluxo de visitantes dos detentos, como também de pessoas ligadas aos presídios,
e a população local.
Para a compreensão dessa nova relação social e demográfica que se estabelece e
se desenvolve a cada dia utilizam-se o estudo sociológico sobre o estigma de Erving
Goffman (1978) e o constructo relacional de establishment e outsiders9 presentes no
estudo, realizado por Norbert Elias e John L. Scotson entre 1950 e 1960, de uma pequena
comunidade, ao Sul da Inglaterra, de nome fictício Winston Parva. Somam-se a este
prisma teórico as contribuições de Zygmunt Bauman para a temática do estranho.
8 Foram realizadas visitas à cidade de Pacaembu de 29 de Janeiro a 01 de Fevereiro de 2009.
9 O termo outsider em língua inglesa significa: “non-member of some circle, party, profession, etc., uninitiated person,
layman; person without special knowledge, breeding, etc., or not fit to mix with good society (THE OXFORD
ILLUSTRATED DICTIONARY, 1981, p.599 apud FREY, L, R, 2003, p.720.
16
O termo estigma foi criado pelos gregos para se referirem aos sinais corporais que
poderiam evidenciar algo de extraordinário ou mau sobre o status moral dos indivíduos
que os apresentavam10
(GOFFMAN, 1978). No entanto, atualmente o termo passou a ser
amplamente utilizado, sendo “mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidencia
corporal” (GOFFMAN, 1978, p.11). Na formulação de Goffman (1978), o estigma pode
ser definido como uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a
identidade social real dos indivíduos. Para Goffman (1978), no contato social cotidiano,
quando um estranho nos é apresentado seus primeiros aspectos permitem prever a sua
categoria e seus atributos, ou seja, a sua identidade social. Freqüentemente, fazem-se
afirmativas sobre o que o indivíduo deveria ser. Estas afirmativas em relação àquilo que
o individuo deveria ser são demandas feitas efetivamente, e o caráter que imputamos ao
indivíduo é a sua identidade social virtual (GOFFMAN, 1978). Conseqüentemente, a
identidade social real é a categoria e os atributos que o indivíduo prova, na realidade,
possuir (GOFFMAN, 1978).
No contato com um indivíduo estranho podem surgir evidencias de que ele possui
um atributo que o distingue negativamente dos demais. “Assim, deixamos de considerá-
lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída (GOFFMAN,
1978, p.12). Tal característica é um estigma, principalmente quando há um grande efeito
de descrédito. Goffman (1978) ressalta que nem todos os atributos indesejáveis estão em
questão, mas apenas os que se tornam incongruentes com o estereótipo criado para um
determinado tipo de indivíduo.
Segundo Goffman (1978), em todos os exemplos de estigma encontram-se as
mesmas características sociológicas: “um indivíduo que poderia ter sido facilmente
recebido na relação social cotidiana possui um traço que se pode impor atenção e afastar
aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos
seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente do que havia previsto”
(GOFFMAN, 1978, p.14)”. O estigma é, portanto, uma característica observável
interpretada como falha oculta ou torpeza moral (GOFFMAN, 1978). Nestes moldes, a
pessoa portadora desse traço é identificável como menos desejável, inferior, ruim e
perigosa (SCHILLING; MIYASHIRO, 2008).
10 “Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, um criminoso ou
traidor – uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser evitada, especialmente em lugares públicos”
(GOFFMAN, 1978, p.11).
17
Pressupondo, assim, que há um estigma que cerca os presidiários, este se estende
para além do indivíduo encarcerado e transmite-se para as pessoas que se relacionam
diretamente com eles, como seus familiares e amigos, o que faz com que, muitas vezes, a
sociedade passe a considerá-los como uma só pessoa (SCHILLING; MIYASHIRO,
2008).
Ao aplicar o conceito de estigma para o estudo do recente processo social e
demográfico que envolve os municípios da região da Nova Alta Paulista é necessário
atentar para o contexto e para a linguagem que permeia a relação dos indivíduos nos
diferentes grupos (SCHILLING; MIYASHIRO, 2008). O que designa a condição de
estigmatizado ou não dos visitantes dos detentos (em grande parte esposas e pais) não é a
priori o encarceramento maridos e filhos, mas o contexto sociocultural de relações em
que essa informação exposta (SCHILLING; MIYASHIRO, 2008). Schilling e Miyashiro
(2008) acreditam que é fundamental analisar em quais circunstâncias esse aspecto da
trajetória pessoal constitui um fator estigmatizante ou de distinção.
Incluindo neste prisma o desenvolvimento teórico de Nobert Elias e John L.
Scotson presente em “Os Estabelecidos e os Outsiders”, obra referente ao estudo
sociológico de Winston Parva, percebe-se que neste pequeno município inglês existia
uma clara divisão entre um grupo residente desde longa data em um bairro relativamente
antigo e um grupo mais novo de habitantes residentes em um loteamento recente, cujos
moradores eram vistos e tratados pelo primeiro grupo como forasteiros e estranhos,
portanto, outsiders. Partimos, por conseguinte, da hipótese de que a relação que se
estabelece entre a população local dos municípios com unidades prisionais e o fluxo
populacional e decorrência das unidades prisionais (seja de visitantes, seja de novos
moradores familiares de presidiários) é uma dinâmica de caráter estabelecidos-outsiders
fundamentada em um estigma: um grupo de antigos residentes, estabelecidos na região, e
um grupo de recém-chegados, em sua maioria, familiares e visitantes de indivíduos sob
regime de detenção.
A relação estabelecidos-outsiders é “um tema humano universal” (ELIAS;
SCOTSON, 2000, p.19): independentemente da multiplicidade de contextos, a figuração
estabelecidos-outsiders mostra características comuns e constantes. A principal constante
estrutural presente nessa relação refere-se à sóciodinâmica da estigmatização.
18
Como já exposto, a sociedade freqüentemente vê de maneira fundida o presidiário
e as pessoas com quem eles se relacionam mais proximamente (mulheres, filhos e pais).
Com base neste pressuposto, o olhar estigmatizante que é direcionado à família dos
presidiários é uma extensão do estigma que os cerca (SCHILLING; MIYASHIRO,
2008). Segundo Goffman (1978), “os problemas enfrentados por uma pessoa
estigmatizada espalham-se em ondas de intensidade decrescente” (GOFFMAN, 1978,
p.39). A tendência para a difusão de um estigma de um indivíduo para as suas relações
mais próximas é o que, em grande medida, explica por que tais relações tendem a ser
evitadas ou a terminar (GOFFMAN, 1978).
A estigmatização pode estar freqüentemente associada a um tipo específico de
fantasia coletiva criada pelo grupo de estabelecidos; ela reflete e justifica a aversão
(ELIAS; SCOTSON, 2000). É importante destacar que, freqüentemente os membros de
um grupo estigmatizavam os de outros não por suas qualidades individuais como
pessoas, mas por eles serem compreendidos pelos estabelecidos como pertencentes a um
grupo coletivamente considerado como diferente e inferior. A dinâmica da figuração
estabelecidos-outsiders constitui um dado social sui generis, não sendo, portanto,
racional nem irracional (ELIAS; SCOTSON, 2000).
Para Elias e Scotson (2000), os contornos dessa relação, portanto, não podem ser
meramente analisados em categorias com a de “preconceito social” buscada
exclusivamente na estrutura de personalidade dos indivíduos; esta relação é mais bem
compreendida quando se considera a figuração formada por todos os grupos implicados
na relação. É, também, fundamentalmente importante mencionar que a estigmatização
grupal só é eficaz quando o grupo que estigmatiza está bem instalado em posições de
poder das quais o grupo estigmatizado é excluído (ELIAS; SCOTSON, 2000).
Os estabelecidos tendem a realizar um discurso de distorções em direções
opostas, atribuindo ao conjunto do grupo de outsiders as piores características da minoria
anômica deste, enquanto fortalecem a auto-imagem do grupo estabelecido pela sua
minoria mais exemplar. A tendência de um grupo de estigmatizar outro desempenha um
papel muito importante nas relações entre os diferentes grupos em todo o mundo. A
possibilidade de um grupo determinar e fazer persistir um rótulo de inferioridade humana
a outro grupo depende da configuração específica que os dois grupos formam entre si
(ELIAS; SCOTSON, 2000).
19
Logo, para a análise e entendimento da relação entre o fluxo populacional de
detentos e de seus familiares e visitantes e a população residente nos pequenos
municípios da Nova Alta Paulista, o problema a ser explorado deve buscar compreender
as características estruturais que ligam esses dois grupos de maneira que os membros de
um deles podem se sentir, muitas vezes, impelidos a tratar os de outro, coletivamente,
como pessoas de valor humano inferior. As tensões presentes na relação estabelecidos-
outsiders podem ser consideradas uma concomitante normal de um processo durante o
qual dois grupos anteriormente independentes passaram a ser interdependentes.
Os diferenciais de coesão entre os grupos provavelmente compõem uma das
facetas dos diferenciais de poder entre os grupos (ELIAS; SCOTSON, 2000). Em
localidades que o conjunto de moradores é fortemente integrado e partilham um estilo de
vida comum, os recém-chegados passa a ser visto como uma ameaça ao estilo de vida já
estabelecido. O grupo considerado como outsiders são vistos, coletiva e individualmente,
como anômicos e os estabelecidos acreditam que eles põem em risco as defesas
profundamente consolidadas contra o desrespeito às normas e tabus coletivos.
A evitação ao contato social mais estreito com os membros do grupo de outsiders
tem as características emocionais do “medo da poluição” e da ameaça de uma “infecção
anômica” (ELIAS; SCOTSON, 2000). O estigma evidencia algo que extrapola a atitude
de prejulgamento e ocupa terreno do desonroso e indigno, “pressupõe a contaminação, o
contágio, a transmissão, tornando urgente e necessário o isolamento do agente
contaminador. Esta idéia de contágio parte em alguma medida da crença de que algo foi
herdado ou adquirido no convívio social” (SCHILLING; MIYASHIRO, 2008, p.248).
Por conseguinte, o contato mais íntimo de um membro do grupo estabelecido com
os outsiders leva-o a ficar sob suspeita de estar rompendo com as normas e tabus do seu
grupo (ELIAS; SCOTSON, 2000). Esta consideração é especialmente interessante para
se pensar e analisar a relação que se estabelece entre os moradores estabelecidos dos
municípios da Nova Alta Paulista com aqueles residentes que estão freqüentemente mais
próximos dos visitantes dos detentos e cujo contato ultrapassa a relação estritamente
profissional.
As opiniões que os estabelecidos têm sobre os outsiders, nos mais diversos
contextos, não são expressões de idéias individualmente formadas, “formam-se no
âmbito de uma troca de idéias contínua dentro da comunidade, no decorrer da qual os
20
indivíduos exerciam considerável pressão uns sobre os outros, para que todos se
conformassem à imagem coletiva da comunidade na fala e no comportamento” (ELIAS;
SCOTSON, 2000, p.55).
A ideologia de status superior do grupo estabelecido é, em muitos casos,
disseminada e mantida por fluxos de fofocas que reproduz todo e qualquer acontecimento
que pode elevar a imagem do grupo de estabelecidos e de situações capazes de reforçar a
imagem negativa do grupo de outsiders. Geralmente, os acontecimentos que combinam
com a imagem ordinária dos outsiders são acolhidos e disseminados, enquanto aqueles
que fogem do padrão creditado são contidos (ELIAS; SCOTSON, 2000). A fofoca não é
um fenômeno, independente; depende de normas, crenças coletivas e de relações
comunitárias (ELIAS; SCOTSON, 2000). Pode-se, no entanto, discernir dois tipos
diferentes de fofocas: depreciativa (blame gossip) e elogiosa (pride gossip) (ELIAS;
SCOTSON, 2000). Estruturalmente esses dois tipos de fofocas são inseparáveis, estão
ligadas à crença no carisma do próprio grupo e na desonra do grupo alheio (ELIAS;
SCOTSON, 2000). As fofocas depreciativas visam, sobretudo, consolidar a má fama do
grupo de outsiders. As fofocas elogiosas, por sua vez, buscam trazer boa fama para o
próprio individuo e grupo de estabelecidos. É importante ressaltar que o elevado nível de
coesão social é elemento substancialmente facilitador da disseminação das fofocas. Em
grupos coesos, a fofoca, os intercâmbios de noticias e pontos de vistas têm efeito muito
peculiar sobre as opiniões e crenças coletivas (ELIAS; SCOTSON, 2000). De forma
semelhante, nesses municípios com unidades prisionais a sóciodinâmica da fofoca é
edificadora de um grande imaginário popular criado em torno dos presídios e de seus
visitantes.
Elias e Scotson (2000) enfatizam que há em todo o mundo configurações da
relação estabelecidos-outsiders, uma vez que as próprias condições de desenvolvimento
das sociedades contemporâneas parecem direcionar para situações desse tipo. Desta
forma, nos mais diversos lugares “podemos descobrir variações dessa mesma
configuração básica, encontros entre grupos recém-chegados, imigrantes, estrangeiros e
grupos de residentes antigos” (ELIAS; SCOTSON, 2000, p.173). É ainda importante
lembrar que, possivelmente, os membros do grupo estabelecido e até mesmo os recém-
chegados não foram preparados para os, muitas vezes, súbitos problemas sociais de um
21
mundo com uma mobilidade social cada vez mais acentuada, no qual há sempre o
encontro de recém-chegados com velhos moradores.
Partindo dessas considerações, o referencial teórico de Goffman (1978) e Norbert
Elias e John L. Scotson em “Os Estabelecidos e os Outsiders” (2000) indica
possibilidades de investigação para o caso dos municípios com unidades prisionais:
sendo os indivíduos que se encontram sob o regime de detenção um grupo, em si,
socialmente estigmatizado, e sendo o fluxo de visitantes e de novos moradores em
direção aos municípios com unidades prisionais do extremo Oeste paulista formado, em
sua maioria, por familiares dos mesmos, a condição de visitante acaba sendo também
estigmatizada, pois eles estão, aos olhos da população residente nesses municípios,
indissociáveis do estigma relacionado à criminalidade.
Todavia, além aportes teóricos de Goffman (1978) e de Elias e Scotscon (2000),
as contribuições de Bauman (1999) sobre a temática do estranho são aqui consideradas
como importantes para incrementar o quadro de análise do processo que cerca os
municípios com unidades prisionais dessa região. Acredita-se que a incorporação das
observações sobre o estranho realizadas por Bauman (1999) complementam e
enriquecem a utilização do constructo teórico de estabelecidos e outsiders, como também
da discussão sobre o estigma.
Bauman (1999) define o estranho como o sujeito que ocupa uma posição
fronteiriça e possui uma identidade ambígua. Não é amigo e nem inimigo, mas pode ser
ambos (BAUMAN, 1999). A ameaça que o estranho carrega é mais terrível que a ameaça
que se pode temer de um inimigo, uma vez que ele
ameaça a própria sociação, a própria possibilidade de sociação. Ele
desmascara a oposição entre amigos e inimigos como o compleat mappa
mundi, como diferença que consome todas as diferenças e portanto não
deixa nada de fora dela. Como essa oposição é o fundamento no qual se
assenta toda a vida social e todas as diferenças que a constroem e
sustentam, o estranho solapa a própria vida social (BAUMAN, 1999,
p.64).
Assim, o problema do estranho está em grande parte relacionado à formação de
sua identidade. A ambigüidade de suas identidades os coloca em uma posição de
“indefinível” (BAUMAN, 1999). No caso do estudo dos municípios com unidades
prisionais, os familiares e visitantes dos detentos são encarados como sujeitos que não
estão nem do “lado de lá” (detenção) nem do “lado de cá” (“boa sociedade”),
22
desfrutando, portanto, de uma condição que causa estranheza, mal-estar e curiosidade.
Desta forma, a ambigüidade de suas identidades traduz-se em algo aterrador aos olhos
daqueles que vivenciam cotidianamente o medo e a insegurança diante da criminalidade
(SCHILLING; MIYASHIRO, 2008).
Além de identidade ambígua, os familiares e visitantes dos detentos estão também
em outra posição ambivalente: uma vez que eles não compartilham a história do grupo
desses pequenos municípios do Oeste paulista, mas fazem-se presentes nesses lugares,
compartilhando o presente e, possivelmente o futuro (FREY, 2003).
Para Bauman a sensação que melhor se adequaria à contemporaneidade é a
sensação de incerteza, que é acompanhada por um frenético movimento que visa colocar
tudo em ordem para que se possa estabelecer um mundo no qual tudo tenha o seu lugar,
instalando-se uma ordem segura (FREY, 2003). Uma forma de reduzir a insegurança é
combater todas as possibilidades de incerteza. Como já citado, o estranho é o ambíguo,
portanto a personalização mais acessível do incerto (FREY, 2003); ele é a ameaça à
clareza do mundo (SCHILLING; MIYASHIRO, 2008). O conhecimento da presença de
familiares de presidiários no convívio cotidiano da cidade sinaliza uma transformação: o
que antes era considerado terreno seguro, torna-se um território inseguro e tenso
(SCHILLING; MIYASHIRO, 2008). Assim, o estigma parece ser uma arma oportuna na
defesa contra a importuna ambigüidade do estranho (BAUMAN, 1999). Nas palavras do
autor: “a instituição do estigma serve eminentemente à tarefa de imobilizar o estranho na
sua identidade de Outro excluído” (BAUMAN, 1999, p.78).
Porém, é interessante apontar que a condição desse fluxo populacional também se
altera com o espaço contextual: como familiares e visitantes de presidiários, nesses
municípios eles passam a estar demarcados em um grupo concreto, conseqüentemente,
passivo de estigma grupal por parte dos residentes estabelecidos; separados, ou seja,
dissociados do elemento grupo, este estigma possivelmente passa a ser abrandado (o que
não significa que seja eliminado). Aparentemente, o grupo de familiares e de visitantes
de presidiário está em uma condição que permite a vivência de dois papéis distintos de
acordo com o contexto social que se está inserido, visto que as diferentes esferas sociais
que estes indivíduos transitam delimitam a posição que ocupam na estrutura social
(SCHILLING; MIYASHIRO, 2008).
23
Desse modo, esses enfoques teóricos aliados à preocupação dos “espaços da
migração” no Estado de São Paulo permitirão contribuir para o entendimento da
dinâmica migratória e social e dos pequenos municípios com unidades prisionais do
interior paulista.
Considerações Finais
Esse artigo busca apresentar novos fenômenos presentes no interior de São Paulo
que indicam processos recentes na configuração das migrações em distintos espaços.
Os municípios aqui indicados tem se deparado com uma realidade diferente
daquela vivenciada por seus processos históricos de formação econômica, sendo alvos de
políticas explicitadas do Governo Estadual: instalação de unidades prisionais distantes
das áreas metropolitanas e dos pólos mais dinâmicos do Estado.
Partindo de uma primeira exploração da dinâmica da população, com o aumento
da população carcerária, de entrevistas qualitativas, o estudo pretende dialogar com o
referencial teórico de Erving Goffman (1978), Norbert Elias e John L. Scotson em “Os
Estabelecidos e os Outsiders” (2000) e Zygmun Bauman (1999). Esses aportes indicam
possibilidades de investigação para o caso dos municípios com unidades prisionais:
sendo os indivíduos que se encontram sob o regime de detenção um grupo, em si,
socialmente estigmatizado, e sendo o fluxo de visitantes em direção aos municípios com
unidades prisionais do extremo Oeste paulista formando, em sua maioria, por familiares
dos mesmos, a condição de visitante acaba sendo também estigmatizada, pois eles estão,
aos olhos da população residente nesses municípios, indissociáveis da questão da
criminalidade.
É interessante apontar que a condição desse fluxo de visitantes também se altera
com o espaço contextual: como um grupo de visitantes de detentos, nesses municípios
eles passam a estar demarcados em um grupo concreto, conseqüentemente, passivo de
estigma grupal por parte dos residentes estabelecidos; separados, ou seja, dissociados do
elemento grupo, este estigma possivelmente passa a ser abrandado.
Desse modo, esse enfoque teórico aliado à preocupação dos “espaços da
migração” no Estado de São Paulo permitirá contribuir para o entendimento da dinâmica
24
migratória e social e dos pequenos municípios com unidades prisionais do interior
paulista.
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