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5/10/2018 CinciaePoltica-DuasVocaes-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/ciencia-e-politica-duas-vocacoes 1/63 CIENCIA E POLiTICA: DUAS VOCA96ES Max Weber A obra de Max Weber e, ao lado das de Marx, Comte r Durkheim, umdos [undamentos da metodologia da SocioloJl.lfJ contempordnea. Dat 0 especial interesse que este lioro te ra pard os leitores d es ejo so s de injormar-se a ce rc a d o pensamento sociolo- gico moderno. Pela leitura dos dais ensaios aqui reunidos, podr- riio de s iniciar-se no conhecimento da contribuifllo metodologic» uieberiana, ao mesmo tempo q ue a pr ec ia r b rilb an te s a na lis es s ub s- tantiuas daquilo que, no entender dos seus exegetas mats a uto - rizados, e 0 nucleo das preocupacoes de W eb er: a racionalidad«. Nesser dois ensaios, 0 grande so ci6 lo go alemao estuda a manelra pela qual a pratiea cientiiica contribui para 0 desenooloimento da racionalidade bumana e analisa com percuciencia as con- difoes de [uncionamento do E sta do m od e rn o, [ocalizando ass/Itt a oposidio bssica entre a ((etica de condicdo" do cientista e a ( (e ti ca de responsabilidade" do politico, dais [ulcros polarizadores da r opcoes bumanas. --- WEBER - duas vocacoes

Ciência e Política - Duas Vocações

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CIENCIA E POLiTICA: DUAS VOCA96ES

Max Weber

A obra de M a x Weber e , ao lado das de Marx, Com te r

D urkheim , um dos [undam entos da m etodo logia da SocioloJl.lfJ

contempordnea. Dat 0 especial interesse que este lioro te ra pard

os leitores d es ejo so s d e in jo rm ar -s e a ce rc a d o pensamento sociolo-

g ic o mo d er no . Pe la l ei tu r a dos dais e ns aio s a qu i r eu nid os , p od r-

riio de s iniciar-se n o c o nh ec im e nt o da contribuifllo metodo log ic»

u ie be ria na , a o m es mo te mp o q ue a pr ec ia r b rilb an te s a na lis es s ub s-

tantiuas daquilo que, no en tender dos seus exegetas m ats a uto -

rizados, e 0 nucleo d as pre ocupa coes de W eb er: a rac ion alid ad«.

Nesser dois ensaios, 0 gran de so ci6 lo go ale m ao estuda a m anelra

pela qual a pratiea cientiiica con tribui para 0 desenooloimento

da raciona lidade bumana e analisa com percuciencia as con-

difoes de [un cionam ento do E sta do m ode rn o, [oc alizan do a ss/Itt

a oposidio bssica entre a ((etica de condicdo" do cien tista e a

( (e ti ca d e r es po ns ab il id ad e" d o p oli tic o, d ai s [ ul cr os p ola ri za do re s

da r opcoes bumanas.

- - -

WEBER

-

d u a s v o c a c o e s

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MAX WEBER

" ,CIENCIA E POLITICA

Duas Vocacoes

Prefacio de

MANOEL T. BERLINCK

(Professor-Adjunto de Sociologia da Eseola de Administracaode Empresas de S. Paulo, da Fundaclo Getdllo Vargas)

TradufllO de

LEONIDAS HEGENBERG e OCTANY SILVEIRA DA MOTA

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Os doi s t extos inc lu idos neste volume int itul am-se , no origina l a lemao, Wussenschaft

Als Berufe Politik Als Beruf

Copyright © 1967 e 1968 Dunker & Hunblot , Berl im,

Todos os direitos rcservados. Nenhumu parte deste livre po d e ser reprcduzida ou

u sa da d e q ua lq ue r forma o u p or q ua lq ue r meio, e le tr tm ic o o u m e ca ni co , i nc lu si ve

fotocopias, gravacoes ou sistema de arrnazenamento em banco de dados, scm

perrn iss ao par esc ri to , exceto nos casos de t rechos cur tos c it ados em resenhas c ri ti cas

ou art igos de revistas,

o pr ime i ro runncro a e squ cr d u i n di ca a c d i9 i lO . o u r ee d ic so , d c st a obra, A p r im e ir a d e ze n a

a di r ei t a ind ic a 0 a no c m q ue e st a c di ca o, a u r ce di ca o f oi p ub li ca da ,

Ana

1 4 - 1 5 - 1 6 - 1 7 - 1 & - 1 9 - 2 0 0 7 - 0 & - 0 9 - 1 0 - 1 1 - 1 2 - 1 3

INDICE

NOTIcIA SOBRE MAX WEBER 7

A CIENCIA COMO VOCAC;AO 17

A POLiTICA COMO VOCAc;.XO 55

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NOTICIA SOBRE MAX WEBER

M ax W eber nasceu em Erjurt, Turingia , A lem anba , em 21de abril de 1864. Sea pai, M ax W eber Sr., era aduogado e po-U tica; sua mae, Helene Fallenste in W eber. era mulber cu ltae liberal que m anifestava pro fundos traces pietistas de I e pro-testante,

a ambiente erudite e intelectual do lar contribuiu declsi-uamente para a precocidade do iooem W eber. Basta d izer queao s 13 a no s d e id ad e ja e s cr eu ia e le e ns a io s h is t6 r ic os p e ne tr an te s .

W eber terminou os estudos pre-uniuersitarios na prlmaue-ra de 1882 e foi para H eidelberg, onde se m atricu lou no curs a de'D ire ito . E studou tam bem diuersas outras m aterias , com o H is-toria , E conom ia e F ilosojia, que , em H eidelberg} cram ensina-d as p or e min en te s p ro je ss or es .

D epois de tres semestres la , W cber m udou-se para B stras-burgo a lim d e seru ir 0 exercito par um ano. Quando deub aixa , re to mou seu s estud os u niver sitd rios em B erlim e G oettin-gen onde, em 1886, su bm ete u-se ao pr im eir o exa me de D ir etto .E sc re oe u e m 1889 sua tese de doutoram ento sobre a b istoria dascom panbias com ercia is da Ldade M edia,' para isso , teve de con-sultar centenas de d oc um e nto s e sp an h6 is e italianos, a qu e lhe

exigiu 0 a pre ndiza do d esse s idiom as. N o an a seg uinte, e stab ele-cea-se com o advogado em B erlim , escreueu, par essa epoca, umt ratado in ti tu l ado Hist6ria das Instituicoes Agrarias; 0 modestotitulo encobre, na oerdade, um a analise sociol6g ica e econom i-ca do Im perio R om ano.

Em 1893, W eber ca sou -se com M aria nne S cbn itg er, sua p a-ren te long inqua. Depois de casado , passou a levar uma vidade academ ico bem -suced ido em B erlim . N o outono de 1894 acei-

tou a cadeira de E conom ic da U niuersidade de F riburgo e , da is

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,!

a nos m ais tar de , p a s s a u « a sub st it u ir 0 em inen te Knies em H ei-delberg.

Em 1898, W ebe r a pres en tou sin tom as d e e sg ota me nto n er-ooso e de neurose; ate 0 {im d e sua vid a, ir ia s ofr er de pres siiesagudas intermitentes, entremeadas de perlodos de trabalbo in -telectual extraordinariamente intense, A doenca 0 ma nt eu e a la s-tado das atiuidades academicas durante mais de tres anos; resta-

belec ido , uo ltou para H eidelberg e reassum iu parc ial mente asatiu ida des do ce ntes. S ea e sta do d e sa tide nao. l be p er mitia , e n-tretanto que se dedicasse inteiramente ao magisterio. Em decor-renda disso, solicitou aiastamento das atioidades didaticas e pro-mor a o para 0 c ar go d e p ro fe ss or titu la r, 0 que the [o i con ced i-do pela Universidade .

A pe sa r d as c ris es n er oo sa s, Weber, ;untamente com Som -bart, assumiu em 190} a d ir ec d o do Archiv fur Sozialwissenschaftund Sozialpolitik, que se transiorm ou em um a das m ats impor-tan tes reoistas de 'cisnc ias socia is da A lem anha , ate seu [ecba-menta pelos nazistas.

No ano seguinte, a produtioidade intelectual de Weber re-cebeu novo impulse, ele publicou entao diuersos ensaios alem

-: prim eira parte de A Etica Protestante e 0 Esplrito do Capi-talismo,

Em meados de 1904, W eber via jou para os E sta do s U ni-~os, qu e causaram profunda impressao sobre sea espiriio anali-

t ico, 0 loco central do seu in teresse na America [o i 0 p ap el d aburocracia na democracia. De volta Ii Alemanha, retomou suas

a ti ui da de s d e e sc ri to r em He id el be rg , c on clu in do e nt ii o A EricaProtestante e 0 Espfrito do Capitalismo.

. N ,o perlodo que medeia en tre 1906 e 1910, Weber parti-ctpou tntensamente d a v id a in te le ctu al d e H eid elb er g, mantendo

longas discussiies co m eminentes academicos, como seu irmdo Al-fred , O tto Klebs, E berhard G otheim , W ilhelm W indelband ,G eorg Jellinek , E rnst Troeltscb, Karl Neum ann , Em il LaskF riedrich G undol], A rthur Salz . N as fb ias, m uitos amigos vi ~n ha m a H eid elb er g visita-lo)' en tre e les, R ob er t M ic hels, W er ne rSombart , 0 f i l6sofo Paul Hensel, Hugo Mi in s te r be rg , F e rd in a ndToennies, Karl Vossler e, sobretudo, Georg Simmel. Entre osj oo en s u ni ve rs it ar io s q ue p ro cu ra uam 0 estim ulo de W eber con-tauam-se Paul Honigsheim, K arl Low enstein e G eorg Lukacs.

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8

A p6s a Prim eira G uerra M undial, na qual p a rt ic ip o u a ti ua -mente, Weber mudou-se para Viena. Durante 0 oeraode 1918,

m in is tr ou s eu p rim eir o c ur so , depots de dezenooe anos de ajas-tam ento do ca tedra . N eue curso, apresen tou sua sociologia das

relig ioe s e d a politica so b 0 titulo de Uma Crltica Positiva daConcepcso Materialista da Hist6ria.

Em 1919, te nd o a ba nd on a do 0 m o na rq uis mo p elo r ep ub li-canism o, W eber substitu iu B ren tano no U nioersidade de M uni-que . Suas a ltim as aulas, [eitas a pedidos de a lunos, [oram pu -

blicadas so b ° titulo Hist6ria Economica Geral. Em meados de1920, adoeceu de pneum onia . M o"eu em [unbo de 1920, dei-x a nd o i na c ab a do um liv ro d e reuisdo e sin tese de toda a sua obra ,intitulado Wirtschaft und Gesellschaft, que e de importsncia

f un dam en ta l p ar a a compreensdo de seu pensamento.

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** *

Os numerosos trabalbos de Weber [oram, sem exagero, fun-damentais para 0 desenuoluimento da sociologia con tempordnea .P od e- se d iz er que sua obra , [un tamente com a de M arx, deCom te e de Durkbeim, e um do s [undamentos d a m eto do lo -gia da sociologia moderna.

N os do is ensa ios apresentados neste volume, 0 le itor sepodera [amiliarizar nao s6 com uma amostra da contribuifao me-todo l6g ica de W eber como tam bem com uma de suas m ats bri-l ba n te s a n dl is es s u bs ta n ti ua s .

Tanto a vida como a obra de Weber tem sido objeto dea mp la s a na lis es , r ea liz ad as p or sociologos [am osos com o Ray~mond A ron, H ans G erth ; C . W rig th M ills e R einhard B endix .

Este preiacio nao pretende, portanto, [ornecer subsidies originalspara a compreensdo d o p en sa me nto u ie be ria no . 0 le itor q ued e se ja r a p ro [ un d ar -s e n o a ss un to deuerd r ep or ta r-s e a os tr ab a-lbos interpretatioos escritos pelos soci6logos acima mencionados,alem, naturalmente, de com pulsar a s ob ra s do proprio Weber.

E certo, entretanto, que a compreensdo d o s e n sa io s a p re s en ta d osneste v olu me p od er a s er [ ac ilita da por m eio de a lgum as suges-toes interp retati vas, que 0 le iter tu idara de desenooluer na m e-dida em que se interesse p ela o bra d e Weber.

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Alvin Gouldner, em penetrante ensaio, sugere que tan toas oirtudes como as dejeitos do pensamento de W eber podemser esplicados a partir das relaciies estruturais qu e ele mante-oe durante sua vida . M ais especijicam ente, 0 pe nsa men to deWeber teria sido iniluenciado principalmente pelas relacoes qu emanteue com seus paren tes (especialm ente com a mae), peloc lim « u nio er sitd rio e xls te nte n a Alemanba, pe las v iag en s q ue rea .

lizou (especialmente aos Estados Unidos) e pelo clima politicoda Alemanba.

E sse con jun to de iniluencias acabou por produzir , em W e·ber, aqullo que m uitos consideram a p reocapacdo cen tral de suao br a: a rac ion alida de . A impressdo que se tem e a de que seuse stud os so br e relig iiie s, a an alise d o s urg im en to do ca pita lism o,os estudos sobre poder e burocracia , as escritos m etodo log icose su a sociologia do D ire ito sao ten tatiuas de resposta a pergun-ta s ta is c om o: q ua is a s co nd ico es n ece ssiirias p ar a 0 aparec imen-to da raciona lidade?; qua l a na tureza da raciona lidade?; qua isas conseq i iencias s o ci o- ec o nom ic a s d a r a ci on a li da d e? Se tal im -p ress ao fo r o erd ad eira , o s d ois en sa io s q ue sao a pr esen tad os em

seg uid a con stitue m ue rda de iros m arco s d o pe nsa me nto de W eb erp ois a mb os s e r efe re m e sp ec ijic am en te a racionalidade.

Para W eber, a racionalidade diz respeito a um a equacdo di -ndm ica entre m eios e fins. N esse particu lar, ele acred itaoa (ee ss a c re nc a p erm eo u 0 p en sa m en to d os s oc i6 lo go s [ un ci on al is ta scon tem pordneos, ta is com o Parsons, W illiam s, H om ans, etc.)que toda arao hum ana e r ea liz ad a v is an do a d ete rm in ad as m eta s- concepciies ajetioas do deseiioe l - ou ua lores. Ta is ualo-res sao [enom enos cu ltura is e possuem bases extracientiiicas .E m o utra s pa lao ras , as d e/ini(o es d o qu e e bom e do que 'e mau ,do que e bonito e do que e [e io, do que e agradavel e do que e

de sag raddoe l con st it u em proposicbes ex tra-em piricas. N ao sepode provar em piricam ente que um a coisa seia bela ou [eia, etc.Sem elbantes proposicoes constituem , nas palauras de H em pel," ju lg am en to s c ate go ric os d e v alo r".

P ara atin gir tais m eta s au ob ter tais o alo res, 0 bom em pre-elsa agir. A orao bum ana pode, en tretanto , ser mais ou menose ii ca z p ar a 0 consecucda d e oa lore s. A ejicd cia d o c om por tam en-to e r e la ti ua p o rq u e (a) ex istem sem pre dijerentes [orm as dea (a o, i st o e , a acdo hum ana nd o e d eterm in ad a o u lim it ad a po r

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apenas um curso, m as h fz sem pre a lternativas do curso de araoao dispor do bomem e (b) 0 bom em possu i um a serie de ua-la res qu e pr ecisa m se r selec ion ad os , b iera rq uiza do s e visados.Por ou tro lado , a cada momenta e espaco, 0 bom em nao con-segue [azer duas coisas ao mesmo tempo . Em linguagem so-[ is tic ad a, p od e-se d izer qu e 0 P ri nc ip ia d a C om pl em e nta ri da -d e d es co be rt o po r B oh r (s eg un do 0 qual 0 e le ctr on p od e se r

considerado com o onda e com o particu la, dependendo do eon-texto) aplica-se tambem ao eomportamento bumano. C om o afir-ma um fisico , Von Pauli: "Posso esco lber a obseruacdo de ume xp erim ento A e arr uina r B ou es colb er a o bse ru acd o d e B ea r·ruinar A. N ao posso , en tretan to, deixar de eseolher a ruina deum deles". Em vista dessa situartw , 0 h om em esta co nstan te-m ente en fr en ta nd o e sen do o brig ad o a rea lizar op ciies. 0 pro-blem a da opcao , como sugere R aym on d A ro n, c on /ere a o bra ~ eW eber um sentido exis tenc ialista. Que este problem a tem tn-t en s o s ig n if ic a do e co isa que se veri/ica pela oposictio en trel(etica de co nd ic iio" (im pe ratiu o ea teg 6rico p ara 0 cien tista) ea "etica de responsab ilidade" (mora l de M aquiavel - neces-

s ar ia p ar a a p ol it ic a) ,as criterios de opr;ao da ar;C iohum ana uariam . Segundo:

Weher, hfl quatro tipos de orien tacao para a acdo: (a) tradido-nal, ba sea da e m b abitos de lon ga pr atica ; (b) affektueel, basea-da nas afeit;oes enos estados sensories do agente; (c) wertra-

tional, baseada em crenca no va lor absolu to de um c~m porta -m en to e tic o, estetico, r elig io se , o u o utr a fo rm a, e xc lU SlV am en tepor seu va lor e independentem ente de qua lquer esperanca quan-to ao sucesso externo; e (d) zwecrational, b as ea da n a e xp ec ta -tioa de com portam ento e ob jetos da situaciio externa e de outros

d. ' « d' - II (t • J)

i nd io id u os u s an 0 tats expecta tiuas como con tcoes ou mewspara 0 consecucdo b em -s uc ed id a d os fin s r ac io na lm en te e sc olb l-

d os pe lo p r6p rio ag ente .

E log ico que W eber sab ia que eada um a dessas orientar;oese "rac ion al" q ua nd o se leva em co nta a eq ua r;a o m eio s-fins. M aso s eu in te re ss e e sta ua v olta do p ar a a s c on dic oe s n ec es ss ria s, p ar aa s m an ije sta co es e c an se qiie nc ia s d a o rie nta cd o zwecrational.

Em A Politics Como Vocacao, tal in teresse se volta para

a s c o nd ic ii es necessaria: ao [uncionam ento do Estado m oderno,p ara a bu ro cra cia co mo o rg an izar;a o so cia l ba sea da nu ma o rten -

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ta rao zwecrational d e tJ(o es e n as co ns eq iien cia s d a b uro cra tiz a-(aO do Estado m oderno para a sociedade em que se encontra in-s~fido. Para W eber, ~iferentes tipo s de so ciedades ap resenta md1erentes lo~mas de lideranca politica. Entretanto, a man ut en -fao dessas l ideraneas d ep en de d e o rg an iza co es a dm in istra tiu asque ~e~/izam _ a ({expro priaca o" politica. Sao tais organ izadiesque trao, a/m al de contas, determ inar a "racionalidade" do sis-

tema poli t ico; s a ~ .ela s q ue ira o exerc er, co m maier au m enorsucesso, 0 monopolzo do poder de uma sociedade. A "racionali-

dade" de ~e~el~antes o~fa~jzafoes depende, em prim eiro lugar,~ e. u ': !a dl~ttnfaO entre oioer para a politica": e "oioer da po-lt~lc~ ', A~nda qu e Weber nao 0 ajirme c ate go ric am en te , e ss adtsttnfao aiuda a com preender as m otioacoes da a fi io p o li ti co e,P?r sua oez, gera 0 p ro blem a d a co rr up ca o, n a o rg an iza ca o poU-ttca. Em segu~do lugar, a racionalidade do sistem a politico au-

men:~ n a m ed id a em . ~ue ocorrem um a diferenciafl;o de status-

-pap~ ls . e u.ma espeCla~tl.afaO [u ncio na l d en tro d as o rg an iza fo esadmtnzst~atlVas.. : 1 brilbante e erudita analise de W eher sugereque a .d~feretJ~la~ao o co rr e q ua nd o h a uma e sp ec ia liz ac ao e ntr e.z administracao, qu e deoe ser exercida sine ira et studio e 0 li-

d er at J( ~ p olitic o, c uja a (a o e , par n at ur ez a, [undamentada na ira

et. s~~dlUm. Essa especializacao, por sua vex, tende a mudar osc f l. t~n.os de .oloeofao d e sta tu s-p ap eis n a organizacda politico. O scruenos deixam de ser plutocrdticos e passam a basear-se no de-

sempenbo e no ~ onh~ ec ime nt o especial izado. Na o ha portanto,

n es sa ll no va o rg a nt za ca o , l ug a r. p a ra 0 dilettante, pois 0 seu "su-cesso depende, cada oez m ats, do afao especializada.

. Em_ A Cienci? Como Vocacao, 0 in teresse de Weber pelaorientacao ~wec:at1onal se manijesta no exame da propria p r a -

tl~~ d~ racto~a lt~ade . Segundo ele , a C ien cia ou a prdtic« daCisncia co.ntrtbuz para. a ~esenvolvimento d a te cn ol og ia , q ue eon-trola a vrda . Contribui, tambem, para a desenuo lo imen ta demetodos de pensamento, para a construcdo de instrumentos eadestramento do pensar. Finalm ente, a Cisncia contribu i pa ra a

"ganbo da c la re ~A a ". . ~ q~e Weber quer dizer eom ism ? Quer

dizer 1 u e a C iencia ind ica os m eio» necessdrios para atingir

d ete rm in ad as m eta s. E que tais m etas deuem , portanto, ser cla-ra mente fo r~ula das, a lim de se identijicarem os m eios de atingi--las . Por uta d esse processo, entretan to, os bo mens [icam saben-do 0 qu e q ueren s e 0 que decem [azer para obter 0 q ue q ue re m.

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E isso possib ilita a opfao niio so de meios mas de m etas de com -por/amenta. E els, seg un do W eb er, a grand e contribuifao daCiencia. Em ultim a analise, portanto, a contribuifao da pratica

eientiliea e , para 0 p en sa do r a le ma o, 0 desenvalvim ento da ra-

cionalidade.Tem-se a impressdo de que a problema d a ra cio na lid ad e a s-

sume, por oexes, em Weher, um carater [ormalista, que se Ira-

duz na adequafao entre meios e fins e nao no exame crltico dosfins. As experiencias de H iroxim a e Nagasaqui, a "guerra [ria"e o utra s m an ifesta fo es (( ra cio na lista s') d o p 6s -g uerra su ge rira m

aos cienetstas eontem poran eos os perigos existentes num a atitu-

de lormaUsta co m rela ca o a ( ( racionalidade)l.Weber, entretanto , era um homem de seu tempo e so um a

a na lis e d a esirutura em que estaoa inserido nos pode ajudar aco mpreen der sua p reocup afao com a racionalidade e a maneira

co mo a d efine.E le teue a grand e virtude de perceber que, na A lem anba de

W eim ar, as U nioersidades estavam sendo im pregnadas por ideo-

l og ia s e st ra n ha s a ed uca t;a o. M ais p recisa men te, q ue0

[ascismoda nas ce nt e politico nacional socialists estaua comecando a amea-

ca r 0 espirito critico e a liberdade de pensam ento. Os cargosacademicos eram , m uitas uezes, preenchidos par individuos queutiliza oa m a s dtedras para d isc urso s p olitic os d em ag og ic os dein sp ira fllO [ ascista . A e du ca {a o ra cio na lista e ;u rid ica d e W eb erc on trib ulu p ara q ue ele p ud esse p er ceb er 0 perig o que tal pratteatra zia n ao so para a e du ca cd o como para a proprio futuro daAlemanha. Dai a su a preocupa{Jo com a racionalidade e com a

objetividade.Ainda, entretanta, que se descubram as causas estruturais

do pensam ento aieberiano e suas lim itacoes epistemol6gicas, su a

contribui{ao a S oc io lo gia p er ma ne ce c en tr al ndo so ' pa r s ua s a na -lises ea mp arativa s, p or seu meto do d a c ompr ee ns ao (verstehen ) >

au pela descoberta das conexoes entre orientacoes v alo ra tiv a~ ec om p or ta m en to s e st ru tu ra is . 0 pensamento de W eber persistetambem porque muitas das caracteris t icas da estrutura social daRepublica de Weimar basicamente se repetem em outras socie-

da des, em outros tem pos.

MANGEL T. BERLINCK, Ph. D.

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A CI:E :NC IA

COMO VOCAQAO

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I"

PEDIRAM-MEOSSENHORESque lhes falasse da ciencia comovocacao, Ora, nos economistas temos a habito pedante, a que

me agradaria perrnanecer fiel, de partir sempre do exarne das

condicoes externas do problema. No caso presente, parto daseguinte indagacao: quais sao, no sentido material do termo, ascondicoes de que se rodeia a ciencia como vocacao? Hoje emdia, essa pergunta equivale, praticamente e em essencia, a estaoutra: quais sao as perspectivas de alguem que, tendo conc1uidoseus estudos superiores, decida dedicar-se profissionalmente aciencia, no ambito da vida universitaria? Para compreender a

peculiaridade que, sob esse ponto de vista, apresenta a situacaoalerna, convern recorrer ao processo da comparacao e conheceras condicoes que vigem no estrangeiro. Quante a esse aspecto,sao os Estados Unidos da America que apresentam os contrastesrnais violentos com a Alemanha, razao pot que dirigiremos nos-

sa atencao para aquele pals.

Sabemos todos que, na Alemanha, a carreira do jovem quese consagra a ciencia tern, normalmente, como primeiro passo, aposicao de Priuatdozent. Apos longo trato com especialistas damateria escolhida, e apos haver-lhes obtido 0 consentimento, acandidate se habilita ao, ensino superior redigindo uma tese e

submetendo-se a urn exame que e , as mais das vezes, formal, pe-rante uma comissao integrada por docentes de sua Universidade.Ser-lhe-a, entao, permitido ministrar cursos a proposito de as-suntos por eIe proprio seIecionados dentro do quadro de suav en ia l eg en di , sern receber qualquer remuneracao, a nao ser as

taxas pagas pelos estudantes. Nos Estados Unidos da America,inicia-se a carreira academics de maneira inteiramente diversa:parte-se do desempenho da funcao de "assistente". Trata-se de

modo de proceder muito proximo, par exemplo, ao dos grandes

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Institutos alemaes das Faculdades de Ciencias e de Medicina

onde a habilitacao formal a . posicao de Priuatdozent s6 e tenta-

da por pequena fra~ao de assistentes e, com freqiiencia, em Iase

avancada das respectivas carreiras. A diferenca que nosso sis-

tema apresenta em relacao ao arnericano signifies que, na Ale-

manha, a carreira de urn hornem de ciencia se apoia em alicer-

ces plutocraticos. Para urn jovem cientista sern fortuna pessoal

e , com efeito, extremamente arriscado enfrentar os azares dacarreira universitaria, Deve de ter condicoes para subsistir com

seus proprios recursos, ao menos durante certo mimero de anos,

sem ter, de maneira alguma, a certeza de que urn dia Ihe sera

aberta a possibilidade de ocupar uma posicao que the dara meios

de viver decenternente. Nos Estados Vnidos da America reina,

em oposicao ao nosso, 0 sistema burocratico, Desde que inicia a

carreira, 0 jovem cientista recebe urn pagamento. Trata-se de

salario modesto que, freqiientemente, e apenas igual ao de urn

trabalhador semi-especializado. Nao obstante, 0 jovem parte de

uma situacao aparentemente estavel, pois reeebe orden ado fixo.

E de regra, entretanto, que se possa despedi-lo, tal como sao

afastados os assistentes alemaes, quando nao correspondem asexpectativas, E que expectativas sao essas? Pura e simples"

mente que ele consiga "sala cheia". Isso e algo que nao afeta

o Priuatdozent. Uma vez admitido, el e nao pode ser desalojado.

Nap the perrnirem, por certo, quaisquer reivindicacoes, mas ele

adquire 0 sentimento, humanamente compreensivel, de que, ap6s

anos de trabalhos, tern 0 direito moral de esperar alguma consi-

deracao, A situacao adquirida e levada em conta - e isso e ,com freqiiencia, de grande im portancia - no momento de even"

tual "habilitacao" de outros Priuatdozenten. Surge, a par-tir dai,

urn problema: deve-se conceder a "habilitacao" a to do jovem

cientista que haja dado provas de sua capacidade, ou deve-se ter

em conta as "necessidades do ensino", dando aos Dozenten jaqualificados 0 monop6lio do lecionar? Essa indagacao faz sur-

gir urn dilema penoso, que se liga ao duplo aspecto da vocacao

universitaria e que sera, dentro em pouco, objeto de considera-

~5es. Na generalidade dos casas, as opinioes se inclinam em fa "

vor da segunda solucao. Mas ela nao faz senao com que se seen-

tuem certos perigos. Em verdade, a despeito de sua probidade

pessoal, 0 professor titular da disciplina que se ache em causa

se vera, apesar de tudo, inclinado a dar preferencia a seus pro-

pries alunos. Se posso falar de minha atitude pessoal, adotei a

diretriz seguinte: pedia ao estudante que havia e1aborado sua

tese sob minha orientacao que se candidatasse e "habilitasse"

perante outro professor, em outra universidade. Desse procedi-

. menta resultou que urn de meus alunos, e dos mais capazes, nao

fo i aceito por colegas meus, porque nenhum destes acreditou no

motivo que 0 levava a procure-los.

Existe outra diferenca entre 0 sistema alernao e a ameri-

cana. Na Alemanha, a Priuatdozent da , em geraI, menos cursos

do que desejaria. Tern de, par cerro, 0 direito de oferecer to-

dos os cursos que estejam dentro de sua especialidade. Mas, agir

assim, seria considerado indelicadeza grande para com as Dozen tenmais antigos: em conseqiiencia, as "grandes" cursos Hearn reser-

vados para as professores e as Dozenten devern limitar-se aos

curs os d e im p or ta nc ia s ec un da ria . Em tal sistema encontram os

Dozenten a vantagem, talvez involuntaria, de, durante a ju ve n-

tude, dispor de lazeres que podern ser consagrados aos trabalhos

cientificos.

Nos Estados Unidos da America, a organizacao e funda-mentalmente diversa. E precisamente durante as anos de juven-

tude que 0 assistente se ve literalrnente sobrecarregado de tra-

balho, exatarnente porque e remunerado. Num departamento de

estudos germanicos, a professor titular da cerca de tres horas de

curso sobre Goethe e isso e tudo - enquanto que a jovem as"

sistente deve considerar-se feliz se, ao longo de suas doze horas

de trabalho semanal, a par dos exercicios praticos de alemao,

for autorizado a dar algumas lir;6es sobre escritores de mer ito

maior que, digarnos, Uhland. Instancias superiores elaboram 0

programs e a ele 0 assistente se deve curvar, tal como ocorre,

na Alemanha, com 0 assistente de urn Institute.

Nos ultirnos tempos, podemos observar claramente que,em numerosos dominies da ciencia, desenvolvimentos reeentes do

sistema universitario alernao orientam-se de acordo com padrdes

do sistema norte-americana. Os grandes institutes de ciencia e

de medi ci na s e t ra ns fo rr na ra rn em ernpresas de " ca pita lis mo e sta -tal", J6 njio e possivel geri-las sem dispor de recursos financei-

ros ccnsideraveis. E nota-se 0 surgimento, como alias em to-

dos os lugares em que se implants uma empress capitalista, do

fenorncno especifico do capitalismo, que e 0 de "privar 0 tra-

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balhador dos meios de producao", 0 trabalhador - 0 assisten-

te - nao dispoe de outros recursos que nao 05 instrumentos

de trabalho que 0 Estado coloca a seu alcance; conseqilente-mente, de depende do diretor do instituto tanto quanto 0 em-

pregado de uma fabrica depende de seu patrao - pois 0diretor

de urn instituto imagina, com inteira boa-fe, que aquele e se uinstituto: dirige-o a seu bel-prazer. Assim, a posicao do assis-tente e , com freqiiencia, nesses institutos, tao precaria quanta

a de qualquer outra existencia "proletaroide" au quanto ados

assistentes das universidades norte-americanas.

Tal como se da com outros setores de nossa vida, a univer-·

sidade alema se americaniza, sob importantes aspectos. Estou

convencido de que essa evolucao chegara mesmo a atingir as

disciplinas em que a trabalhador e proprietario pessoal de seusmeios de trabalho (essencialmente, de sua biblioteca ). No mo-

mento, 0 trabalhador de minha espedalidade continua a ser, em

larga medida, seu proprio patrao, a semelhanca do artesao deoutrora, no quadro de seu mister proprio. A evolucao se pro-

cessa, contudo, a grandes passos.

Nao se podem negar as incontestaveis vantagens tecnicas

d es sa e vo lu cs o, que se manifestarn ern quaisquer empresas que,

tenharn, ao mesmo tempo, caracterlsticas burocraticas e capita-

listas. Todavia, 0 novo "espfrito" e bern diferente da velhaatmosfera histories das universidades alemas, H:i urn abismo,

tanto visto de fora quanta visto de dentro, entre essa especie degrande empresa universitaria eapitalista e 0 professor titular Co -

mum, de velho estilo, Isto se traduz ate na maneira intima de

ser. Nao quero, entretanto, deseer a pormenores. A antiga or-

gani zacao un ive rs it ar ia tornou-se uma f iccao, tanto no que serefere ao espirito, como no que diz respeito a estrutura. Ha,

nao obstante, urn aspeeto proprio da carreira universitaria que semanteve e se vern manifestando de maneira ainda mais senslvel:o papel do acaso. E a ele que 0 Prioatdozent e, em particular,o assistente deverao atribuir 0 fato de, eventualmente, passa-

rem a ocupar uma posicao de professor titular ou de diretorde ur n instituto. Claro esta que 0 arbitrario nao reina sozinhoem tais dcminios, mas apesar disso, exerce influencia fora do

comum. Nao me consta existir, em todo 0 mundo, carreira em

relal;ao a qual 0 seu papel seja mais importante. Estou a vonta-

20

"

de para falar do assunto, pois, pessoalmente, devo a urn con-

curso de circunstancias particularmente felizes :J fato de haversido convocado, ainda muito jovem, para ocupar uma posi~ao deprofessor titular dentro de um campo de especialidade em que

colegas de minha idade h i haviam produzido multo mais do queeu mesmo. Com base em tal experiencia, creio possuir visaopenetrante para compreender 0 imerecido fado de numerosos

colegas para os quais a fortuna nao sorria, e ainda nao sorri, eque, devido aos processos de selecso, jamais puderam ocupar, adespeito do talento de que sao dotados, as posicoes que mere-

ceriam.

Se 0 acaso e nao apenas 0 valor desempenha papel tao re-

levante, culpa nao cabe exclusivamente, nem principalmente, asfraquezas human as que se manifestam, evidenternente, na sele-

~ao a que me refire e em qualquer outra. Seria injusto imputara deficiencias pessoais que sc manifestam no quadro de faculdades

ou de ministerios responsabil idade por uma situacao que levatao grande rnimero de mediocridades a desempenharem fun~6esimportantes nas carreiras universitarias. A razao deve ser bus-

cada, antes, nas leis que regem a cooperaeao humana, especial-mente a cooperacao entre organizacoes diversas, e, em nossocaso particular, a colaboracao entre as faculdades que propoern

os candidatos e 0 ministerio que os nomeia, Podemos recorrera urn paralelo com a eleicao dos papas que, ao longo de seculos

numerosos, nos vern fornecendo 0 mais importante exemploconcreto desse tipo de selecao, 0 cardeal que se indicava como"favorite" rararnente vinha a ser eleito. Regra geral, elegia-se

o candidate rnimero dois ou mimero tres. Ocorre fenomenoidentico nas eleicoes presidenciais dos Estados Unidos da Ame-rica. S6 excepcionalmente 0 candidato mimero urn e mais proe-

minente e "escolhido" pelas convencoes nacionais dos partidos:

na maioria das vezes, escolhe-se 0 candidato mimero dois e, comfreqiiencia, 0 mimero tres. as norte-arnericanos ja chegarammesmo a criar expressfies tecnicas e sociologicas para caracterizar

essas categorias de candidatos. Seria, e claro, interessante exa-

minar, a partir de tais exemplos, as leis de uma selecao que sefaz por ate de vontade coletiva, mas esse njio e 0 nosso prop6-sito de hoje. Essas mesmas leis se aplicam tambem as eleicoesnas assembleias universitarias. E devernos espantar-nos nao

com os erros que, nessas condicoes, sao freqiientemente come-

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tides, mas sim com 0 fato de que, guardadas todas as propor-

coes, constata-se, apesar de tudo, que h i rn im ero igualmente con-

sidenivel de nomeacdes justi/icadas. S6 em alguns pafses em

que a Parlamento tern influencia no caso ou em nacoes em que

as monarcas intervem por motivos politicos (0 resultado e 0

mesmo em ambas as situacdes }, tal como acontecia na Alemanha

ate epoca recente e, de novo, em nossos dias, com os detentores

do poder revolucionario, e que podemos estar certos de .que osmediocres e as arrivistas sao os iinicos a terem possibilidade deser nomeados. . .

Nenhum professor universitario-gosta de relembrar as dis-

cuss6es que se travaram quando de sua norneacao, porque e1as

raramente sao agradaveis. Posso, entretanto, declarar que, nos

numerosos casos que sao de meu conhecimento, constatei, sern

excecao, a existencia de uma boa oontade preocupada com evi-

tar que na decisao interviessem raz5es outras que na o as pura-

mente objetivas.

E precise, por outro lado, compreender claramente que as

deficiencies observadas na selecso que se opera por vontade co-letiva niio explicarn, por si mesmas, a £ato de que a decisao re-

lat iva aos destinos universitar ios e , em grande porcao, deixada

ao "acaso", Todo jovem que acredite possuir a vocacao de cien-

tista deve dar-se conta de que a tarefa que 0 espera reveste du-

plo aspecto. Deve ele passuir nilo apenas as qualificacoes do

cientista, mas tambern as do professor. Ora, essas duas carac-

terlst icas nao sao absolutamente coincidentes. E posslvel ser, ao

mesmo tempo, eminente cientista e pessirno professor. Penso

na atividade doeente de homens tais como Helmholtz ou Ran-

ke que, par certo, nao sao excecoes, Em verdade, as ~oisas se

p as sa rn c ia s eg uin te maneira: as universidades alemas, patti-

cularrnente as pequenas, entregarn-se, entre si, a mais ridfculaconcorrencia para atrair estudantes. Os locadores de quartos

para estudantes, primarios como camponeses, organizam festas

em honra do milesimo aluno e apreciariam organizar rnarchas aluz de tochas, para saudar a milesimo seguinte, A renda que

advern da contribuicao dos estudantes e , irnporta confessa-lo,

condicionada pelo fato de outros professores que "atraem grande

mimero de alunos" ministrarern cursos de disciplinas afins.

Ainda que se faca abstracao de ta l circunstancia, continuara a

22

ser verdade que 0 rnimero de estudantes matriculs.dos constJtw

urn. criterio tangfvel de valor, enquanto que 0merito do cientis-

ta pertence 11 0 domfuio do lmponderavel. Da-se freqiientemente

(e e natural) que se utilize exatamente esse argumento para res-

ponder aos inovadores audaciosos. Eis por que tudo quase sem-

pre se subordina a obsessao da sala chela e dos frutos que daf

decorrem. Quando de urn Dozent se di z que e mau professor.

isso equivale, na maioria das vezes, a pronundar uma sentencede morte universitaria, embora seja de 0 primeiro do s cientistas

do mundo. Avalla-se, portanto, 0 born e 0 mau professor .pelaassiduidade com que os Senhores Estudantes se disponham Ii hon-

ra-Io. Ora, e indiscutivel que os estudantes procuram urn deter-

min ado professor por motivos que sao em grande parte - parte

tao grande que e diflcil acreditarmos em sua extensao - alheios

it ciencia, motivos que dizem respeito, por exernplo, ao tempera-

mento au a inflexao da voz, Experiencia pessoal ja bastante am-

pla e reflexso isenta de qualquer fantasia conduziram-me a des-

confiar forternente dos cursos procurados por grande massa de

estudantes, embora 0 fata pareca inevitavel. A democracia deve

ser praticada onde convem. A educacao clentlfica, tal como, porrradicao, deve ser ministrada nas universidades alemas consti-

tui-se numa tarefa de aristocracia espiritual, ~ inutil querer

dissimula-lo. Ora, e tambem verdade, por outro lado, que den-

tre todas as tarefas pedag6gicas, a mais diffcil e a que consiste

em expor problemas cientificos de maneira tal que urn esplrito

nao preparado, mas bem-dotado, possa compreende-lo e formar

uma opiniao propria - 0 que, para n6s, corresponde ao iinico

exito decisive. Ninguem 0 contestara, mas nae e , de maneira al-

guma, 0 mimero de ouvintes que dara a solucso do problema.

Aqueja capacidade depende - para voltar a nosso tema - de

urn dom pessoal e de maneira alguma se confunde com os conhe-

cimentos cientlficos de que seja possuidorauma pessoa, Contra-riamente ao que se da na Franca, a Alemanha nao tern uma cor-

poracso de imortais da ciencia, mas sao as universidades que de-

vern, por tradicao, responder a s exigencies da pesquisa e do ensi-

no. S era m era coincidencia 0 fa to de essas duas aptidoes se en-

contrarem no mesmo hornem.

A vida universitaria esta, portanto, entregue a um acaso

cego. Quando um jovem cientista nos procura para pedir con-

selho, com vistas a sua habilitacao, e.-nos quase impossivel as-

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sumir a responsabilidade de lhe aprovar 0 designio. Se se tratade urn judeu, a de se diz com naturalidade: l as ci at e o g ni s pe ra n -za . Irnpoe-se, porem, que 'a todos os outros candidatos tambemse pergunte. "Voce se acredita capaz de ver, sem desesperonem amargor, ano apos ana, passar a sua frente mediocridade

apos mediocridade?" Claro esta que sempre se recebe a mesmaresposta: "For certo que sim! Vivo apenas para minha voca-

<;ao": Nao obstante, eu, pelo menos, 56 conheci muito poucoscandidates que tenham suportado aquela situacao sem grandeprejufzo para suas vidas interiores,

Eis af ° que era necessario dizer acerca das condicoes exte-

riores da ocupacao de cientista, ' ,

Creio que, em verdade, os senhores esperam que eu lhesf~le de outro assunto, ou seja, da vocaczo cientifica propriamentedita. Em nossos dias e referida it organizacao cientlfica essa vo-cacao e determinada, antes de tudo, pelo fato de que' a cienciaating iu u rn e sta gio de especializacao que ela outrora n ao c onh e-

cia e .no q~al, ao que n.os e dado julgar, se manterd para sempre,

A afirmacao tern sentido nao apenas em relacao as condicces

externas do trabalho cientifico, mas tambem em relacao as dis-posicoes interiores do proprio cientista, pais jamais urn indivi-duo po dera ter a certeza de alcancar qualquer coisa de verdadei-ramente valioso no domfnio da ciencia, sem possuir um a rigo ro -

sa especializacao, Todos as trabalhos que se estendem para 0

caml?o de especialidades vizinhas - e experiencia que n6s, eco-nornrstas, temos de tempos em tempos e que as sociologos tern

constant~ e ne ce ssa ria me nte - levam a marca de urn resignadoreconhecirnento: podemos propor aos especialistas de discipli-nas atins perguntas titeis, que eles nfio se teriam formulado taofacilmente, se partissern de seu proprio ponto de vista masem c on tr ap ar tid a, nosso trabalho pessoaI p er ma ne ce ra in ev ita -

velmente incomplete. S6 a especializacao estrita permitira quea tr~balha~or cientifico experimente par uma vez, e certamen-te nao mars que por uma vez, a satisfacao de dizer a si mesmo:desta vez, consegui algo que permanecerd. Em nosso tempo obra

v;t~adeiramente .?efinitiva e importante e sempre obra de' espe-cialista. ~onse~uentemente, todo aqueIe que se julgue incapazde, po~ assrm dizer, usar antolhos ou de se apegar a ideia de queo destine de sua alma depende de ele formular determinada con-

jetura e precisamente essa, a tal altura de tal manuscrito, fad

24

,, /, .'.II , .

. " .

melhor em permanecer alheio ao trabalho cientffico. Ele jamaissentira a que se pode chamar a "experiencia" viva da ciencia.Sem essa embriaguez singular, de que zombam todos as que se

mantem afastados da ciencia, sem essa paixao, sem essa certezade que "milhares de anos se escoaram antes de voce ter acessoa vida e milhares se escoarao em silencio" se voce nao for ca-paz de formular aquela conjetura; sem isso, voce nao possuira

iamais a vocacao de cientista e melhor sera que se dedique aoutra atividade. Com efeito, para 0 homem, enquanto homem,nada tern valor a menos que ele possa faze-lo c om p aix do .

Outra coisa, entretanto, e igualmente certa: por rnais inten-sa que seja essa paixao, par 'mais sincera e mais profunda, elanao bastard, absolutarnente, para assegurar que se alcance exito.Em verdade, essa paixao nao passa de requisito da "inspiracao",que e 0 tinico fator decisive. Hoje em dia, acha-se largamentedisserninada, nos meios da juventude, a ideia de que a ciencia seteria transform ado numa operacao de calculo, que se realizaria

em laboratories e escritorios de estatlstica, nao com toda a"alma", porem apenas com 0 auxilio do entendimento frio, asernelhanca do trabalho em uma fabrica. Ao que se deve desdelogo responder que os que assim se manifestam nao tern, fre-qiienternente, nenhuma ideia dara acerca do que se passa numaHbtica ou nurn Iaboratorio. Com efeito, tanto num caso como

no outro, e preciso que algo o co rra a o esp irito do trabalhador

- e precisamente a ideia exata - pois, de outra forma, ele nun-ca sera capaz de ptoduzir algo que encerre valor. Essa inspira-

r;ao na o pode ser forcada, Ela nada tern em comum com 0

calculo frio. Claro esta que, par si mesma, ela nao passa tam-bern de urn requisite. Nenhum sociologo pode, por exemplo,acreditar-se desobtigado de executar, mesmo em seus anos maisavancados e, talvez, durante meses a fio, operacdes triviais.

Quando se quer atingir urn resuItado, nao se pode impunemente,fazer com que a trabalho seja executado par meios mecanicos- ainda que esse resultado seja, freqiientes vezes, de signifies-r;ao reduzida. Contudo, se nao nos acudir ao espfrito uma"ideia" precisa, que oriente a forrnulacao de hipoteses, e se, en-quanto nos entregamos a nossas conjeturas, nao nos ocorre uma"ideia" relativa ao alcance dos resultados parciais obtidos, naachegaremos nem mesmo a alcancar aquele rninimo. Normalmen-

te, a inspiracao 56 ocorre apos esforco profundo. Nao ha: dtivi-

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da de que nem sem pre e assim . N o cam po das ciencias. a intui-

~o do diletante pode ter significado tao grande quanto a do

especialista e, por vezes, maior. Devemos, alias, muitas das hi-poteses mais frutlferas e dos conhecimentos de maior alcance a

diletantes. Estes nao se distinguem dos especialistas - con-

forme 0 [ulzo de Helmholtz a respeito de Robert Mayer - se -

nao por ausencia de seguranca no metodo de trabalho e, amiuda-

damente, em conseqiiencia, pela ineapacidade de verificar, apre-dar e explorar 0 significado da pr6pria intuicao. Se a inspirat;ao

nao substitui 0 trabalho, este, par seu lado,'nao pode substituir,

nem forcar 0 surgimento da intuicao, 0 que a paixao tambem

nao pode fazer, Mas 0 trabalho e a paixiio faiem com que sur-ja a intuicao, especialmente quando ambos atuam ao mesmo tem-

po. Apesar disso, a intuicao nso se manifesta quando n6s 0

queremos, mas quando ela 0 quer. Certo e que as melhores

ideias nos ocorrem, segundo a observacao de Ihering, quando

nos eneontramos sentados em uma poltrona e fumando urn cha-ruto ou, ainda, segundo 0que Helmholtz observa ·a respeito de

si mesmo, com precisao quase den tifica , quando passeamos por

uma estrada que apresente ligeiro aclive ou quando ocorramcircunstancias sernelhantes. Seja como for, as ideias nos acodem

quando nao as esperamos e nao quando, sentados a nossa mesa

de trabalho, fat igarnos 0 cerebra a procura-las. E verdade en-

tretanto, que elas nao nos ocorreriam se, anteriormente, nao hou-

vessemos refletido longamente em nossa mesa de estudos e niio

houvessemos, com devocao apaixonada, buscado urna resposta.

De qualquer modo, 0 estudioso est~ compelido a contar com 0

acaso, sernpre presente em todo trabalho cientifico: ocorrera au

nao ocorrera a inspiracao? Pode dar-se que alguern seja traba-

lhador notavel, sem que jarnais the ocorra urna inspiracao. Co-meter-se-ia, alias, erro grave, se se imaginasse que tao-somente

no campo das ciencias e que as coisas se passarn de tal modoe que num escritorio cornercial elas se apresentarn de maneira

inteiramente diversa do modo como se apresentam em urn Iabo-

rat6rio. Urn comerciante au um grande industrial que nao te-

nham "imaginacao comercial", isto C, que nao tenham inspira-

~ao, que nao tenharn intuicoes geniais, nao passarao nunea de

homens que teriam feito melhor se houvessem perrnanecido

na condicao de funcionarios ou de tecnicos: jamais criardo for-

mas novas de organizacao. A intuicao, ao contrario do que jul-

26

. -,

gam os pedantes, nio desempenha, em ciencia, papel mats im-

portante do que 0papel que lhe toca no campo dos problemas

da vida pratica, que 0 empreendedor moderno se empenha em

resolver. De outra parte - e e ponto tambem freqiientemente

e sq ue cid o - 0 papel da intui<;ao nao ~ menos importante em

ciencia do que em arte. ~ puerU acreditar que urn matematico,preso a sua mesa de trabalho, pudesse atingir result ado cienti-

ficamente Util atraves do simples manejo de uma regua ou deurn instrumento mecanico, ta l como a maquina de calcular. Aimagina~ao matematica de urn Weierstrass e , quanto a seu sen-

tide e resultado, orientada de maneira inteiramente .diversa damaneira como se orienta a imaginacao de urn artista, da qual se

distingue tambem, e radicalmente, do ponto de vista cia quali-

dade; mas 0 processo psicoI6gico e identico em ambos os casas.

Ambos equivalem a embriaguez ("mania", no sentido de PIa·

tao) e "inspiracao".

As intuicdes cientfficas que nos podem ocorrer dependem,

partanto, de fatores e "dons" que sao por n6s ignorados, Essa

verdade incontestavel serve de pretexto, aos olhos de certa men-

talidade popular (disseminada, 0 que e cornpreensivel, especial-mente entre os [ovens), pata levar a devocao Idolos, cujo culto,

hoje em dia, se faz ostensivamente, em todas as esquinas e em

todos os jornais. Esses Idolos sao os da "personalidade" e da

"experiencia pessoal". Ha, entre esses Idolos, ligac;5es estreitas,

pais, ur n pouco po r toda a parte, predomina a ideia de que a

experiencia pessoal constituiria a personalidade e se incluiria

em sua essencia. Tortura-se ° esplr ito para fabricar "experien-

cias pessoais", na conviccao de que isso constitui atitude digna de

uma personalidade e, quando nao se alcanca resultado, pode-se,

ao menos, assumir 0 ar de possuir essa graca, Outrora, em lin-

gua alema, a "experiencia pessoal" era chamada "sensacfo", E

creio que, naquela epoca, tinha-se ideia mais clara do que sejaa personalidade e do que ela significa.

Senhoras e senhores! S6 aquele que se coloca pura e sim-

plesmente ao seruico de sua causa possui, no mundo da ciencia,

"personalidade". E nao e somente nessa esfera que assim aeon-

tece. Nao conheco grande artists que haja feito outra eoisa que

nao 0 colocar-se ao service da causa da arte e dela apenas. Mes-

mo uma personalidade da estatura de Goethe, na medida em que

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sua arte esta em pauta, teve de expiar a libetdade que tomou

de fazer de sua "vida" uma obra de arte. Os que ponham em

duvida essa afirmativa admitirao, nao obstante, que era neces-

sario set urn Goethe para poder permitir-se tentativa semelhan-

te e ninguem contestara que mesmo uma personalidade de seu

tipo, que s6 aparece uma vez cada mil anos, nao teve condicao

de assumir essa atitude impunemente. Coisa divers a nao aeon-

tece no dominic da politica, mas hoje, nfio abordaremos esse

tema, No mundo da ciencia, e absolutamente impossfvel consi-

derar como urna "personalidade" 0 individuo que nao passa

de ernpresario da causa a que deveria dedicar-se, que se Iancaa cena com a esperanca de se justificar por uma "experiencia

pessoal" e que 56 e capaz de indagar: "Como poderia eu pro-

var que sou coisa diversa de urn simples especialista? Como po -

de ria eu proceder para afirmar, na forma e no fundo, algo ja -

mais dito por pessoa alguma?" Trata-se de fen6meno que, em

nossos dias, assume proporcoes desmesuradas, embora 56 produ-

za resultados despreziveis, para nao mencionar que diminui quem

propoe aquele genero de pergunta, Em oposicao a isso, aquele

que poe todo 0 coracao em sua obra, e s6 nela, eleva-se

a al -tura e a dignidade da causa que deseja servir, E para 0 artis-

ta 0 problema se coloca de maneira perfeitamente identica,

A despeito dessas condicoes previas, que sao comuns it ci-

enda e it arte, ou t ras existem que fazem com que nosso trabalho

seja profundamente diverse do trabalho do artista. 0 trabalho

cientlfico esta ligado ao curso do progtesso. No domlnio da

arte, ao contrario, nao existe progresso no mesmo sentido. Nao

e verda de que uma obra de arte de epoca determinada, por em-

pregar recursos tecnicos novas ou novas leis, como a da pers-

pectiva, seja, par tais razoesvartisticamente superior a uma ou-

tra obra de arte elaborada com ignorftncia daqueles meios e leis,

com a condicao, evidenternente, de que sua materia e forma res-

peitem as leis mesmas da arte, 0 que vale dizer com a condicao

de que seu objeto haja sido escolhido e trabalhado segundo a

essencia mesma da arte, ainda que niio recorrendo aos meios que

vern de set evocados. Uma obra de arte verdadeiramente "aca-

bada" nao sera ultrapassada jamais, nem jamais envelhecera,

Cada urn dos que a contemplem apreciara, talvez diversamente,

a sua significacao, mas nunea podera alguem dizer de uma obra

28

verdadeiramente "acabada" que ela foi "ultrapassada" pot uma

outra igualmente "acabada", No dominio da ciencia, entretanto,todos sabem que a obra construlda tera envelhecido dentro de

dez, vinte ou cinqiienta anos. Qual e , em verdade, 0destino au,

melhor, a signiiicacao, em sentido muito especial, de que est arevest ida todo trabalho cientffico, tal como, alias, todos as ou-

tros elementos da civilizacao sujeitos a mesma lei? E 0 de que

toda obra cientifica "acabada" nao tern outro sentido senjio a

de fazer surgirern novas "indagacoes": ela pede, portanto, que

seja "ultrapassada" e envelheca. Quem pretenda servir a cien-

cia deve resignar-se a tal destine. E indubitavel que trabalhos

cientificos podem conservar im p or ta nc ia d ur ad ou ra , a titulo de

"Iruicao", em virtude de qualidade estetica au como insttumen-

to pedag6gico de iniciacao a pesquisa, Repito, entre tanto , que

na esfera da ciencia, nao 56 nosso destino, mas tambem nosso

objetivo e 0 de nos vermes, urn dia, ultrapassados. Nao nos epossivel coneluir urn trabalho sem esperar, ao mesmo tempo, que

outros avancem ainda mais. E, em principle, esse progresso se

prolongara ao infinite.

Podemos , agora, abordar 0 problema da signilicacdo da ci -encia. Com e fe ito , n ao e, de modo algum, evidente que urn fe-

.nomeno sujeito a lei do progresso albergue sentido e razao, Por

que motive, entfio, nos entregamos a uma tarefa que jamais en-

contra fim e nao pode encontra-lo? Assim se age, responde-se,

em fun<;ao de propositos purarnente praticos au, no sentido mais

amplo do termo, em funs:ao de objetivos tecnicos; em outras

palavras, para orientar a atividade pratica de conformidade com

as perspectivas que a experiencia cientffica nos ofereca. Muito

bern. Tudo iS50, entretanto, 56 se reveste de significado para

o "homem pratico". A pergunta a que devemos dar resposta

e a seguinte: qual a posicdo pessoal do homem de ciencia pe-

rante sua vocacao? - sob condicao, naturalmente, de que ele

a procure como tal. Ele nos diz que se dedica a ciencia "pela ci-

encia" e nao apenas para que da ciencia possam outros retirar

vantagens comerciais ou tecnicas ou para que os homens possam

melhor nutrir-se, vestir-se, iluminar-se ou dirigir-se. Que obras

significativas espera 0 horn em de ciencia realizer gracas a desco-

bertas invariavelmente destinadas ao envelhecimento, deixando-se

aprisionar por esse cometimento que se divide em especialida-

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des e se perde no infinito? Resposta a essa pergunta exige que

fa~amos previamente algumas consideracoes de ordem geral.

*o progresso cientifico e urn fragmento, a mais importante

indubitavelmente, do processo de intelectualizacao a que esta-

mas subrnetidos desde milenios e relativamente ao qual algumas

pessoas adotam, em nossos dias, posicao estranhamente negative.Tentemos, de inicio, perccber claramente a que significa,

n a p ra tic a, essa racionallzacao intelectualista que devemos a ci -

end a e a tecnica cientlfica, Significara, por aeaso, que todos os

que estac reunidos nesta sala possuem, a respeito das respecti-

vas condicoes de vida, conhecimento de nivel superior ao que

urn hindu ou um hotentote poderiam alcancar acerca de suas

proprias condicoes de vida? E pouco provavel, Aquele, den-

tre nos, que entra num trem nao tern noc;:ao alguma do mecanis-

mo que permite ao vefculo por-se em marcha - exceto se for

urn fisko de profissao, Alias, na o temos necessidade de conhe-

I . B d"" ter aque e meeamsmo. asta-nos po er contar com 0 rem e

orientar, conseqiientemente, nosso comportarnento; mas nao sa-

bemos como se constr6i aquela maquina que tern condicoes de

deslizar. 0 selvagem, ao contrario, conhece, de maneira incom-

p ar av elm e nte m elh or , os instrumentos de que se utiliza. Eu se-

ria capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas

econornistas, acaso presentes nesta sala, dariam respostas dife-

rentes a pergunta: como explicar que, utilizando a me sma soma

de dinheiro, ora se possa adquirir grande, soma de coisas e ora

uma quantidade minima? 0 selvagem, contudo, sabe perfeita-

mente como agir para obter 0 alimento quotidiano e canhece

os meios capazes de favorece-lo em seu prop6sito. A intelectua-

lizac;aa e a racionalizacao erescentes nao equivalem, partanto,

a' urn conhecimento geral erescente acerca das condicfies em que

vivemos, Significam, antes, que sabernos au acreditamos que,

a qualquer instante, p od er lam os , b a st an do que 0 quisessemos,provar que niio existe, em prindpio, nenhum poder misterioso

e imp rev is iv e l que interfira com a curso de nossa vida; em uma

palavra, que podemos domlnar tudo, pot meio da preuisdo.

Equivale 1SS0 a despoiar de magia 0 mundo. Para nos nao mais

se trata, como para 0 selvagern que acredita na existencia da-

30

queles poderes, de apelar a meios magic os p ar a dominar os es-

pfritos au exorcize-los, mas de recorrer it tecnica e a previsao,

Ta l e a s ig ni fi ca ca o e ss en ci al da intelectualizacao,

Surge dai um a pergunta nova: esse processa de desencanta-

rnento, realizado ao longo dos rnilenios da civilizacao ocidental

e, em termos mais gerais, esse "progresso" do qual participa a

ciencia, como elemento e motor, tern significacao que ultrapasse

essa pura pratica e essa pura tecnica? Esse problema mereceu

exposicao vigorosa na obra de Leon Tolst6i. Tolst6i a ele che-

gou por via que lhe e propria. 0 conjunto de suas meditacoescristal izou-se crescentemente ao redor do tema seguinte: a mor-

te e au nao e urn aeontecimento que encerra sentido? Sua res-

posta e a de que, para urn homem civilizado, aquele sentido naa

existe. E nao pode existir porque a vida individual do civiliza-

do esta imersa no "progresso" e no infinito e, segundo seu sen-

tide irnanente, esse vida nao deveria ter fim. Com efeito, 13

sempre possibilidade de novo progresso para aquele que vive

no progresso: nenhum dos que morrem chega jamais a atingir 0

pico, pols que 0 pico se poe no infinito. Abrso ou os campone-

ses de outrora morrerarn "velhos e plenos de vida", pois que

estavam instalados no cielo orgftnico da vida, porque esta lhes

havia ofertado, ao fim de seus dias, todo 0 sentido que podia

proporcionar-lhes e porque niio subsistia enigma que e1es ainda

teriam desejado resolver. Podiarn, portanto, considerar-se sa-

tisfeitos com a vida. 0 hornem civilizado, ao contrario, coloca-

do em meio ao carninhar de uma civilizacao que se enriquece

continuamente de pensarnentos, de experiencias e de problemas,

pode sentir-se "cansado" da vida, mas nao "plene" dela. Com

efeito, ele nao pode jamais apossar-se senao de uma parte infi-

ma do que a vida do espfrito incessantemente produz, ele nao

pode cap t ar senao 0 provisorio e nunca 0 definitivo. Por essemotivo, a marte e, a seus olhos, urn acontecimento que nao tern

sentido. E porque a morte nao tern sentido, a vida do civili-

zado tambem nao a tern, pais a "progressividade" despojada de

. s ign i ficacao £az da vida urn aeontecimento igualmente s em s ig ni-

ficacao. Nas ultimas ohras de Tolstoi, encontra-se, por toda a

d' ,parte, esse pensamento, que a tom a sua arte.

Qual a posicao posslvel de adotar a esse respeito? Tern 0

"progresso", como tal, urn sentido discemivel, que se estende

I

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para alem da tecnica, de maneira ta l que por-se a sen service

equivaleria a uma vocacso penetrada de sentido? E indispen-

savel levantar esse problema. A questao que se coloca nao emais a que se refere tao-somente a vocacao cientlfica, au seja ade saber 0 que signifies a ciencia, enquanto vocacao, para aque-

le que .a.ela se con~~gr~; a pergunta e inteiramente diversa: qualo signif icado da aencia no contexto da vida humana equal 0

seu valor?Ora, a esse respeito, enorme e 0 contraste entre 0 passado

e 0 presente, Lembremos a maravilhosa alegoria que se contem

ao. inicio d? livro selima da Republica de Platfio, ados prisio-neiros confinados it caverna. Os rostos desses prisioneiros estao

voltados para a parede roehosa que se levanta diante deles; a scos!as, 0 ~oco de luz que eles nao podem ver, condenados queestao a so se ocuparem das sombras que se projetam sabre aparede, sem outra possibilidade que a de examinar as relacoesque se estabelecem entre tais sombras. Ocorre, porem, que urn

dos prisioneiros consegue romper suas cadeias; volta-se e en-cara 0 sol. Deslumbrado, ele hesita, caminha em sentidos dife-

rentes e, diante do que v e s6 sabe balbuciar. Seus companhei-ros a tomam POt loueo. Aos poueos, ele se habitua a encarara luz. Fei ta essa experiencia, 0 dever que Ih e incumbe e 0 de

tornar ao meio dos prisioneiros da cavern a , a fim de conduzi-Ios

pam a luz. Ele e a filosofo, e 0 sol representa a verdade da ci -encia, cujo objetivo e 0 de conhecer nao apenas as aparencias eas sombras, mas tarnbem 0 ser verdadeiro.

Quem continua, entretanto, a adotar, em nossos dias, essamesma atitude diante da ciencia? A juventude, em particular,esta possuida do sentimento inverso: a seus olhos, as constru-

~6es intelectuais da ciencia constituem urn reino irreal de abs-

t racoes arti ficiais e ela se esforca, sem exito, por collier , em suas.maos insensfveis, 0 sangue e a seiva da vida real: Acredita-se,atualmente, que a realidade verdadeira palpita justamente nessa

vida que, aos olhos de PIa tao, nao passava de urn jogo de som-

bras projetadas contra a parede da caverna; entende-se que todo

o resto sao fantasmas inanimados, afastados da real idade e nada. '

mats. Como oeorreu essa transformacao> 0 apaixonado entu-

siasmo de Platao, em sua Republica, explica-se, em Ultima analise,

pelo fato de, naqueIa epoca, haver sido descoberto 0 sentido de

32

urn dOB maiores instrumentos de conhecimento cientifico: o con-ceito. a merito cabe a Socrates que compreende, de imedia-

to, a importdncia do conceito. Mas nao foi 0 tinico a percebe--la. Em escritos hindus, e possivel encontrar os elementos de

uma logica analoga a de Arist6teles. Contudo, em nenhum outro

lugar que nao a Grecia percebe-se a consciencia da importdncia

do conceito, Foram as gregos os primeiros a saberem utilizer

esse instrumento que permitia prender qualquer pessoa aos gri-Ih5es da logica, de maneira tal que ela nao se podia libertar se-

nao reconhecendo ou que nada sabia au que esta e nao aquela

afirrnacao correspondia a verdade, uma verdade eterna que nun-

ea se desvaneceria como se desvanecem a a~ao e agitacao cegas

dos homens, Foi uma experiencia extraordinaria, que encon-

trou expansao entre os disdpulos de Socrates. Acreditou-se pos-

sfvel coneluir que bastava descobrir 0 verdadeiro conceito do

Belo, do B ern o u, par exernplo, 0 da Coragem ou da Alma -

ou de qualquer outre objeto - para ter condicao de compte-

ender-lhe 0 ser verdadeiro. Conhecimento que, por sua vez, per-

mitiria saber e ensinar a forma de agir corretamente na vida e,

antes de tudo, como cidadao. Com efeito, entre os gregos, ques6 pensavam com referenda a categoria da polltica, tudo con-

duzia a essa questao. Tais as razdes que os Ievaram a ocupar-seda ciencia.

A essa descoberta do espirito helenico associou-se, depois, 0segundo grande instrumento do trabalho cientifico, engendrado

pelo Renascimento: a experimentacao racional. Tornou-se elameio seguro de controlar a experiencia, sern a qual a ciencia em-

pfrica moderna niio teria sido possivel. Par certo que nao sehaviam feito experimentos rnuito antes dessa epoca. Haviamtido lugar, por exemplo, experiencias fisiologicas, realizadas na

India, no interesse da tecnica ascet ics da Ioga, assim como expe-

riencias matematicas na antiguidade helenica, visando fins mili-tares e, ainda, experiencias na Idade Media, com vistas a explo-racao de minas. Foi, porem, 0 Renascimento que elevou a ex-perimentacao ao nivel de urn principio da pesquisa como tal. Os

precursores Ioram, incontestavelmente, os grandes inovadores no

domfnio da arte: Leonardo da Vinci e seu companheiros e, par-ticularmente e de maneira caracterfstica no dominio da rmisica,

os que se dedicaram it experirnentacao com 0 crave, no seculo

XVI. DaI, a experimentacao passou para 0 campo das ciencias,

3J

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devido, sobretudo, a Galileu e alcancou 0 dominic da teoria,

gra~as a Bacon; foi, a seguir, perfilhada pelas diferentes univer-sidades do continente europeu, de inicio e principalmente pelas

da Italia e da Rolanda, estendendo-se a esfera das ciencias exatas.

Qual foi para esses homens, na aurora dos tempos moder-nos, a significacao da ciencia? Aos olhos dos experimentadores

do tipo de Leonardo da Vinci e des inovadores no campo da

musica, a experimentacao era a caminho capaz de conduzir aarte oerdadeira, 0 que equivalia dizer 0 caminho capaz de con-

duzir a verdadeira natureza . A arte deveria ser e1evada ao nivel

de uma ciencia, 0 que significava, ao mesmo tempo e antes detude, que 0 artista deveria set elevado, socialmente e POt seus

proprios rneritos, ao nivel de urn doutor. Essa ambicao serve

de fundamento ao Tratado da Pintura, de Leonardo da Vinci.

E que se diz hoje em dia? "A ciencia vista como caminho capaz

de conduzir a natureza" - seria frase que haveria de soar aos

ouvidos da juventude como uma blasfemia. Nao, e exatamente

a oposto que aparece hoje como verdadeiro. Libertando-nos do

intelectualismo da ciencia e que poderemos apreender nossa pro-

pria natureza e, par essa via, a natureza em geral. Quanto a di-zer que a ciencia e tarnbem caminho que conduz a arte - eisopiniao que nfio rnerece que nela nos detenhamos, Todavia aepoca da formacao das ciencias exatas, esperava-se ainda maia da

ciencia, Lembremos 0 aforisrno de Swammerdam: "Apresento-

-lhes aqui, na anatomia de urn piolho, a prova da providenciadivina" e cornpreenderemos qual foi, naquela epoca, a tareta

propria do trabalho cientifico, sob influencia (indireta) do pro-

testantismo e do puritanismo: encontrar 0 caminho que conduz

a Deus. Toda a teologia pietista daquele tempo, sobretudo a

de Spener, estava ciente de que jamais se chegaria a Deus pela

via que tinha sido tomada por todos os pens adores da Idade

Media - e abandonou seus metodos filos6ficos, suas concep-~oes e deducoes, Deus esta oculto, seus caminhos njio sao os

nossos, nem seus pensamentos as nossos pensamentos, Esperava-

se contudo, descobrir traces de suas intencoes atraves do exarne da

natureza, por intermedio das ciencias exatas, que permitiriam

apreender fisicamente suas obras, E em nossos dias> Quem

continua ainda a acreditar - salvo algumas criancas grandes

que encontrarnos justamente entre as especialistas - que os

conhecimentos asrronomicos, biologicos, Hsicos ou quimicos po-

34

deriam ensinar-nos algo a proposito do sentido do mundo au

poderiam ajudar-nos a encontrar sinais de tal sentido, .se e que

ele existe? Se existern conhedmentos capazes de exnrpar, ate

a s rafzes, a crenca na existencia de seja I ii 0 que fo~ que se p_a-

reca a uma "significacao" do mundo, esses conheClmentos. sao

exatamente as que se traduzem peia ciencias. Como. poderia ,a

ciencia nos "conduzir a Deus"? Nao e ela a potenela especifi-

camente a-religiosa? Atualmente, homem algum, em seu forointima _ independentemente de adrniti-lo de forma explicira -

coloca em diivida esse carater da ciencia. O. pressuposto funda-

mental de qualquer vida em cornunhao com Deus i~pele 0 h~-mem a se emancipar do racionalismo e do in;electuah~n:o da ci-

encia: essa aspiraciio, ou outra do mesmo genero, erl?1U-Se em

uma palavra de ordem essencial, que faz vibrar a Juvent~Ade

alema inclinada D o emocao religiose au em busca de expenen-

cias religiosas. Alias, a juventude alema nao corte a cata de ex-

periencia religiosa, mas de experiencia da vida, ~m §eral. S? pa-

reee desconcertante, dentro desse genero de asptracoes, 0metodo

escolhido no sentido de que a dornfnio do irracional, iinico do-

minio err: que 0 intelectualismo a~~da.nao ~avi~ to~ado, tornou-seobjeto de uma tomada de consciencra e e ffilOuc1Osame?-te e~a-

minado. A i5S0 conduz, ria pratica, 0 moderno romantismo 10-

relectualista do irracional. Contudo, esse metoda, que se pro-

poe a [ivrar-nos do inte1ectualismo, se traduzira, indubitavel-

mente, pot urn resultado exatarnent~ oposto, ao que. espe.raro

atingir os que se ernpenham em seguir essa Via. ,~nf;m, al?da

que urn otimismo ingenue haja podido celebrar a ~!en:la - isto

e a t\~cnica do dominic da vida fundarnentada na c re nc ia - como

0' eaminho que levara a [elicidade, creio ser pO,sslvel d~i~ar in-

teiramente de parte esse problema, tendo em vista a crttica de-

vastadora que Nietzsche 'dirigiu contra "os iiltimos homens"

que "descobriram a felicidade". Quem continua a acreditar nis-so _ excetuadas certas criancas ztandes Que se encontram nas

d.tedras de faculdades au nas salas de redacao?Voltemos atnis. Qual e , afinal , nesses terrnos, 0 sentido

da ciencia enquanto vocacao, se estiio destruidas todas as ilu-

soes que neIa divisavam 0 caminho que conduz ao "ser verda-dei 'H "1"1' t " "verdeiro", a "verda eira arte", a veroaoeira na ureza ,ao v -

dadeiro Deus" a "verdadeira felicidade"? Tolstoi da a essa per-

gunta a mais simples das respostas, dizendo: ela nao tern senti-

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do, pois que nao possibilita responder a indaga\,ao que real-mente nos importa - "Que devemos fazer? Como devemosviver?" De fato, e Incontestsee] que resposta a essas questoesnao nos e tornada acessive] pela ciencia. Permanece apenas °problema de saber em que sentido a ciencia nao nos proporcionaresposta alguma e de saber se a ciencia poderia ser de algumautiIidade para quem suscite corretamente a indagacao,

*Instalou.se, em nossos dias, 0 habito de falar insistentemente

numa "ciencla sem pressupostos". Existe uma tal ciencia> Tudo

depende do que se entenda pelas palavras empregadas. Todotrabalho cientffico pressupfie sernpre a validade das regras da

logics e da metodologia, que constituem os fundamentos geraisde nossa otienta~ao no mundo. Quanta a questao que nos preo-cupa, esses pressupostos sao 0 que ha de menos problematico.A ciencia pressupoe, ainda, que 0 resultado a que a trabalho ci-entifico leva e importante em si, isto e , merece ser conheddo.Ora, e nesse ponto, manifestamente, que se retinem todos asnossos problemas, pois que esse pressuposto escapa a qualquer

demonstra~ao par meios cientfficos. Nao e passive! interpretara sentido ult imo desse pressuposto - impoe-se, simplesmente,aceita-lo au recusa-lo, confarme as tomadas de posicao pessoais,definitivas, face a vida.

A natureza da rela~ao entre 0 trabalho cientifico e os pres-supostos que a condicionam varia, ainda uma vez, de acordocom a estrutura das diversas ciencias, As ciencias da natureza,como a Fisica, a Qufmica au a Astronomia pressup5em, com natu-ralidade, que valha a pena conhecer as leis tiltirnas do devir cos-

mica, na medida em que a ciencia esteia ern condic;5es de esta-belece-las. E 1SS0 niio apenas porque esses conhedmentos nospermitem atingir certos resultados tecnicos, mas, sobretudo, per-que tais conhecimentos tern urn valor "em si", na medida, pre.cisamente, em que traduzem uma "vocacao". Pessoa aIgumapodera, entretanto, demonstrar esse pressuposto. E menos ain-

da se podera provar que a mundo que esses conhecimentos des.crevem merece existir, que ele encerra sentido au que nao eabsurdo habita-lo. Aquele genero de conhecimentos nao se pro-

poe esse tipo de indagacao, Tomemos, agora, urn outro exem-plo, 0 de uma tecnologia altamente desenvolvida do ponto de

36

vista cientffico, tal como e a medicina moder~~. Expresso demaneira trivial 0 "pressuposto" geral da Medicine assim se ~o-

Ioca: 0 dever do medico esta na obrigacao de..conservar. a VIdapura e simplesmente e de reduzir, quanto possivel, 0 ~ofrlmento.Tudo isso e , porem, problemdtico. ~nll;as aos metos de quedispoe 0 medico mantem VIVO 0 moribundo, mesmo que este

lhe implore pBr fim a seus dias e a~da que as parc:ntes dese-

jem e devam desejar a morte, conscrentemente o~ nao, porquejs nao tern mais valor aquela vida, porque os so£t1r,nen~os,~essa·riam ou porque os gastos para conservar aquela VIda mutll,-.

trata-se, talvez, de urn pobre de:n~nte - se ~azem pes~dIssl-mos. S6 os pressupostos da Me~hcma e do. codigo penal Imp:·dem 0 medico de se apartar _da linha que foi tracada. A Mc::d1-cina, contudo, nao se prop6e a questao de saber se a9~el~ VIdamerece ser vivida e em que condicoes, Todas as ciencias danatureza nos dao uma resposta a pergunta: que. deveremos fa-zer, se quisermos ser tecnicamente senhor~s da Vida. Quanto a

indagacoes como "isso tern, no fundo e afinal de contas, algumsentido", "devemos e queremos ser tecnicamente senhore~ da

vida?" aqueIas ciencias nos deixarn em suspenso ou aceitampressupostos, em funr;ao do fim que perseguem. ~ecorramos _auma outra disciplina, a ciencia da arte. A estetica yressupo.ea obra de arte. E, em consequencia, apenas se propoe p~squl-

sar ° que condiciona a genese da obra de arte. lv}as nao. sepergunta, absolutamente, se 0 reino da arte nao sera urn reinode esplendor diab6lico, reino que e deste mundo e que se l;van-

ta contra Deus e se levanta, igualmente, contra a frate~n1dad;humana, em razao de seu espirito fundamentalmente anstocr~-tico. A estetica, em conseqiiencia, niio se pergunta: d:~er:ahaver obras de arte? - Tomemos, ainda, 0~xe}t;plo da ctenciado Direito. Essa disciplina estabelece a que e valido segun?o as

regras da doutrina juridica, ordenada, em r:atte: por necessidadelogic a e, em parte, por esquemas convenclonal~ dados; estabe-

Ieee, por conseguinte, em que momen:o determl~ada: regra~ deDireito e determinados metodos de interpretacao sao havidoscomo obrigat6rios. Mas a ciencia juridica na? da resposta a per-

gunta: deveria haver urn Direito e dever·sNar:z ~onsagrar exata-mente estas regras? Aquela ciencia s6 'p~de indicar que, se de-sejamos certo resultado, tal tegr~ de DIretto e , segundo as nor-

mas da doutrina juridica, 0 meio adequado para atingi-lo, -

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Tomemos , pot fim, 0 exemplo das ciencias historicas, Elas nos

capacitam a compreender os fenomenos poli ticos, artfsticos, l ite-

rarios ou soda is da c iv il iz ac ao , a p ar ti r de suas co nd ic oe s d e for-

ma~ao. Mas nao dao, por si mesmas, resposta a pergunta: esses

fen6menos mereceriam au merecem existir? Bias pressupoem,

simplesmente, que ha interesse em tamar parte, pela pratica des-

ses conhecimentos, na comunidade dos "homens civilizados".

Nao podem, entretanto, provar "cientificamente" que haja van-

tagem nessa participacao: e a faro de pressuporem tal vantagem

na o prova, de forma alguma, que ela exista. Em verda de, nada

do que foi mencionado e , por si proprio, evidente.

Detenhamo-nos, agora, por urn instante, nas disciplinas que

me sao familiares, a saber, a Sociologia, a Historia, a Economia

Politic a , a Ciencia Politics e todas as especies de filosofia da cul-

tura que tern por objeto a interpretacao dos diversos tipos de

conhecimentos precedentes. Costuma-se dizer, e eu concordo,

que a polftica nao tem seu lugar nas salas de aulas das universi-

clades. Nao 0 tern, antes de tudo, no que concerne aos estudan-

tes. Deploro, po r exemplo, que, no anfiteatro de meu antigo

colega Dietrich Schafer, de Berlim, certo numero de estudantes

pacifistas se haja reunido em tor no de sua dtedra, para fazer

urna manifestacao, e deplore tambern a cornportamento de estu-

dantes antipacifistas que, ao que pareee, organizararn manifesta-

~ao contra 0 Professor Foerster, do qual, em razfio de minhas

concepcoes, me sinto, entretanto, multo afastado e por muitos

motivos. Mas a politica nao tern lugar tambern, no que coneerne

aos docentes. E, antes de tudo, quando eles tratarn cientifica-

mente de ternas politicos. Mais do que nunca, a politics esta,

entao deslocada. Com efeito, uma coisa e tornar uma posicao

polltica pratica, e outra eoisa e analisar cientif ieamente as estru-

turas poHticas e as doutrinas de partidos. Quando, numa reuniao

publica, se fala de democracia, nao se faz segredo da posicao pes-

soal adotada e a necessidade de tomar partido de maneira clara,

se imp5e, entao, como urn dever maldito. As palavras em pre-

aadas numa ocasiao como essa nao sao rnais instrumentos de ana-

lise cientffica, mas constituern apelo politico destinado a solicitar

que os outros tomern posicao. Nao sao mais relhas de arado

para revolver a planfcie imensa do pensamento contemplative,

porem gladios para acorneter os adversaries, ou numa palavra,

meios de combate. Seria vil empregar as palavras de tal maneira

38

em uma sala de aula. Quando, em um curso uni~~rsiH\rio, ~~-

nifesta-se a intencao de estudar, par exemplo, a der;noeracla,

procede-se ao exame de suas diversas formas, 0 fu~~!0n.amento

proprio de cada uma delas e indaga-se das, consequer:clas que

urna e outra acarretam; em seguida, opoe-se a democracia as for-

mas nao-democraticas da ordem politics e tenta-se levar essa

analise ate a medida em que 0 pro.prio ouvinte se ~che em cor:-

dio:;6es de encontrar 0 ponto a partir do qual poder~ tamar POSl-

~ao em funcao de seus ideais basicos. 0 verdadeiro professor

se lmpedira. de impor, do alto de sua :::hedra, uma _tomada ~e

posicao qualquer, seja ~ber.tamente, seja par suge~tao - , P 0 1 . ~a maneira mais desleal e eVldentemente a que constste em del

xar os fatos falarem". .. Par que razces, em essencia, devemo~ abster-nos? P~esu-

rna que certo mimero de meus respeitaveis colegas opmara no

sentido de que e , em geral , im~ossivel p o r em pratlca, e.sses es-

cnipulos pessoais e que, se posslve1, serra fora de proposito ado"

tar precaucoes semelhantes. Ora, nao se pode demonstrat ~

ninguern aquilo em que consiste a dever de urn professor. urn-

versitario Dele nunca se podera exigir mais do que probidadc

intelectua'l ou, em outras palavras, a obrigacao "de recdnhecerque eonstituem dois tipos de problema heterogeneos, e ~ma

parte, 0 estabeledmento de fato.s, a .d.eter_m1l1a~aodas reah~a-

des matematicas e 16gicas ou a Identlhcao:;ao das estruturas In-

trinsecas dos valores culturais e, de outra parte, a resPos~d a

questoes concernentes ao valor da c~ltura ~ de seus conteu ~s

particulares ou a quest6es re1ativas a manelt~ .como se devetla

agir na cidade e em meio a agrupamentos pohtlC?S.. Se ~~ Ios-se perguntado, neste momenta, par que esta ultima sene ~equestoes deve ser exc1uida de uma sala de aula, eu respo~derla

que 0 profeta e a demagogo estao deslocados em uma cat~dra

universitaria. Tanto ao profeta como ao dernagogo cabe dizer:

" V a a rua e fale em publico", 0 que vale dizer que de fale em

lugar onde possa set criticado. Numa ~ala de aula, enfrenta-se

o audit6rio de rnaneira inteiramente dlversa: 0 pr?~ess?r tem

a palavra mas os estudantes estao condenados ao silencio ". As

circunsta~cias pedem que os alunos sejam obrigados a .segUlr os

cursos de urn professor, tendo em vista a [utura =r= e que

nenhum dos ptesentes a uma 5a l a de aula possa crl~lcar _0 mes-

tre. A urn professor e Imperdoavel valer-se de ta l suuacao para

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,

bus~~r incutir, em seus discipulos, as suas proprias concepcdes

politicas, em vez de lhes ser iitil, como e de seu clever atraves

da transmissao de conhecimentos e de experiencla cientifica.

P~de, por certo! ocorrer que este ou aque1e professor s6 imper-

feiramente eonsrga fazer ca1ar sua preferencia. Em tal caso es-

tara ~~je~to a mais severa das criticas no foro de 'sua propria

consciencta. Uma falba dessas nao prova, entretanto, absolura-

mente nada, pois que ex.is~emoutros tipos de falha como, por

exem.plo,_as erros materrars, que tambem nada provam contraa obf1ga~ao de buscar a verdade. Alem disso, e exatamente em

nome do interesse da ciencia que eu condeno essa forma deproceder. .: Recorrendo as obras de nossos historiadores tenho

con~~ao. de lhes. fornecer prova de que, sempre que um homemde crencia permite que se manifestem seus proprios juizos devalor, ele perde a cornpreensao integral dos fatos. Tal demons-tra<;ao se estenderia, contudo, para alem dos limites do tema

que nos oe~pa esta noire e exigiria digressoes demasiado longas.Gostaria, apenas, de colocar esta simples pergunta: Como

e possivel, numa exposicao que tern por objeto 0 estudo das di-

versas formas dos Estados e das Igrejas ou a hist6ria das reli-gi6es levar urn crente cat6lico e um franco-ma~om a submeterem

esses fen6menos aos mesmos criterios de aoaliacdo? Isso e alga

de que nao se cogita. E, entre tanto , 0 professor deve ter a am-bi~ao e mesmo erigir em dever 0 tornar-se titi l tanto a urn quantea outro, em razao de seus conhecimentos e de seu metoda. Pode

ser-me objet.ado, a justo titulo, que 0 crente cat6lico jamais acei-

t~ra a manerra de compreender a histdria das origens do cristia-nrsmo tal como a expfie urn professor que nao admire os mes-mos pressupostos dogrnaticos. Isso e verdade! A razao das dis-

cordfincias brota. d? fato de que a ciencia "sern pressupostos",recusando submlssao a uma autoridade religiosa nao conhece

nem '.'milagre" nem revelacao". Se a fizesse, seria infiel a seusproprios pressupostos. 0 crente, entretanto conhece as duasposicoes. A ciencia "sem pressupostos" dele' exige nada menos

- mas, igualmente, nada mais - que a cautela de simplesmente~econheee! que, se 0 fluxo das coisas deve ser explicado sem

lnte~er:c;:ao de qualquer dos elementos sobrenaturais a que aexphcac;:~oempfrica recusa carater causal, aquele £luxo 5 6 pode

se~ explicado pelo metoda que a ciencia se esforca por aplicar.

E IS500 crente pode admitir sem nenhuma infidelidade a sua fe.

40

Uma nova questiio, contudo, se levanta: tern algum sentido

o trabalho realizado pela ciencia aos olhos de quem permaneceindiferente aos fates, como tais, e so da importancia a uma to-

mada de posicao pratica? Creio que, mesmo em tal caso, a ci-

eneia nao esta despida de significacao, Primeiro ponto a assi-

.nalar: a tare£a primordial de urn professor capaz e a de levar

seus discipulos a reconheeerem que ha fatos que produzem des-conforto, assim entendidos os que sao desagradaveis a opiniao

pessoal de urn indivfduo; com efeito, existem fatos extremamente

desagradaveis para cada opiniao, inclusive a minha. Entendo

que urn professor que obriga seus alunos a se habituarem a essegenero de coisas realiza uma obra mais que puramente intelec-tual e nao hesito em qualifica-la de "moral", embora esse adje-

tivo possa parecer demasiado patetico para designar uma eviden-

cia tao banal.Nao mencionei, ate agora, senao as razoes prdticas que jus-

tificam recusa a impor conviccoes pessoais, Ha razoes de outra

ordem. A impossibilidade de alguem se fazer campeao de con-

viccoes praticas "em nome da ciencia" - exceto 0 casa iinico

que se refere a discussao dos meios necessaries para atingir £impreviarnente estabelecido - prende-se a razces muito mais pro-fundas. Tal atitude e, em principio, absurda, porque as diversasordens de valores se defrontam no mundo, em luta incessante.Sem pretender tracar 0 elogio da filosofia do velho Mill, impoe--se, nao obstante, reconhecer que de tern razao, ao dizer que,quando se parte da experiencia pura, chega-se ao politefsmo.

A formula reveste-se de aspecto superficial e mesrno paradoxal,mas, apesar disso, encerra uma parcela de verdade. Se ha umacoisa que atualmente nao mais ignoramos e que uma coisa podeser santa nao apenas sem ser bela, mas porque e na medida emque njio e bela - e a isso h a referencias no capitulo LIlI do

Livro de Isafas e no salrno 21. Semelhantemente, uma coisapode ser bela nao apenas sem ser boa, mas precisamente poraquilo que nao a faz boa. Nietzsche relembrou esse ponto, masBaudelaire ja 0 havia dito por meio das Pleurs du Mal} titulo

que escolheu para sua obra poetics. A sabedoria popular nosensina, enfim, que uma coisa pode ser verdadeira, conquanto nao

seja bela nem santa nem boa. Esses, porem, niio passam dos ca-50S mais elementares da luta que op6e os deuses das diferen-

tes ordens e dos diferentes valores. Ignoro como se poderia

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encontrar base para decidir "cientificamente" 0 problema do

valor da cultura trancesa face a cultura alema; ai, t ambem, di-

f7 rentes deuses se combatem e, sem duvida, por todo 0 sempre,

1do ~e passa, portanto, exatarnente como se passava no mun-

d? antigo; que se encontrava sob 0 eneanto dos deuses e demo-

~l~S, mas ass~me sentido diverse. Os gregos ofereciam sacri-

ffcios a Afr?due, d~pois a .Apolo e, sobretudo, a cada qual des

deuses da cidade; nos continuamos a proceder de maneira seme-

Ihante, . embora, nosso comportarnento haja rompido 0 encanto

e se haja despojado do mito que ainda vive em n6s. E 0 desti-

no q~e. governa as deuses e nao uma ciencia, seja esta qual for.

C ! maximo que podemos compreender e 0 que 0 divino signi-

f~ca para de~erminada soci~d.ade, au a que esta au aquela so-

ciedade ~onsldera como divino. Eis ai 0 limite que urn pro-

f~ssor nao .rode ultrapassar enquanto ministra uma aula, 0 que

nao ~uer dizer que se tenha assrm resolvido a irnenso preble-

n : a vital.que se esconde par detras dessas questoes, Entram, en-

t~o: ,em jogo poderes outros que nao os de uma catedra univer-

srtaria. Que homern teria a pretensao de refutar "cientificarnen-

te" ~ ~tica do S e rm ~o ~d a .Mo n ta n h~ : au, par exemplo, a maxi-ma nao oponha resrstencia ao mal au a parabola do oferecer

a outra face? E, entretan to, claro que, do ponto de vista estri-

tarnente ~~mano> esses preceitos evangelicos fazem a apologia

de uma et!ca que se levanta contra a dignidade. A cada urn

cabe ?ec~d1r entre a dignidade religiosa conferida par essa etica

e a dignidade de urn set viril, que prega algo muito diferente

C?n;~, por exemplo, "resiste ao mal au seras responsavel pela

vitorra que ele alcance". Nos termos das conviccoes mais pro-

£~ndas de cada pessoa, uma dessas eticas assurnira as feicoes do

d~abo, a autra as Ieicoes divinas e cada indivlduo ted: de deci-

~1r, d e. s eu p rop rio po nte d e vista) 0que, para de, e deus e a que

e0

~labo: 0 mes~o acontece em todos os planos da vida.C ? racionalismo grandiose, subjacente a orientacao etica de nossa

~ld~ e que brota de, ~odas a~,t.:r~fecias rel igiosas, destronou 0 po-

Iiteismo, em beneficio do Unico de que ternos necessidadc"

mas, desde que se viu diante da realidade da vida interior e ex-

terior, foi cornpelido a consentir em compromissos e acomoda-

o;6es de que nos deu notfcia a historia do cristianismo. A reli-

giao t01:nou-se, em nossos tempos, "retina quotidians". Os deu-

ses anttgos abandonam suas rumbas e, sob a forma de poderes

42

impessoais , porque desencantados, esforcam-se par ganhar poder

sobre nossas vrdas, reiniciando suas lutas eternas. Dai os tor-

mentas do homem moderno, tormentos que atingem de maneira

particularmente penosa a nova geracao: como s e m o str ar a al -tura do quotidiano? Todas as buscas de "experiencia vivida". tern sua fonte nessa fraqueza, que e fraqueza D a O ser capaz de

encarar de frente 0 severo destino do tempo que se vive.

Tal e 0 fado de nossa civilizacao: impoe-se que, de novo,

tomemos claramente consciencia desses choques que a orien-tac;ao de nossa vida em funcao exclusiva do pathos grandiose da

etica do cristianismo conseguiu mascarar por mil anos.

Basta, porern, dessas questoes que ameacam levar-nos de-

masiado longe. 0 erro que uma parte de nossa juventude co-

mete, quando, ao que observamos, replica: "Seja! Mas se fre-

qiientamos os cursos que voces' rrnnistram e para ouvir coisa

diferente das analises e determinacces de fates", esse erro con-

siste em procurar no professor coisa diversa de urn mestre dt -ante de seus disdpulos: a juventude espera urn l ider e nao urn

professor, Ora, s6 como professor e que se ocupa uma catedra.

E preciso que nao se Iaca confusao entre duas coisas tao diver-

sas e, facilmente podemos convencer-nos da necessidade dessa

distincao. Permitam-me que os conduza mais uma vez aos Es-

tados Unidos da America, po is que Iise pode observar certo

mimero de realidades em sua feic;ao original e mais contundente.

o jovem norte-americano aprende muito menos coisas que 0

jovem alernao. Entretanto, e apesar do mimero incrivel de exa-

mes a que e sujeitado, nao se tornou ainda, em razao do espi-

rita que domina a universidade norte-americana, a besta de

exames em que esta transformado 0 estudante alemao, Com

efeito, a burocracia, que £az do diploma urn requisite previo, uma

especie de bilhete de ingresso no reino da prebenda dos empre-

gos, esta apenas em seu periodo inicial, no alem-Arlantico. 0

jovern norte-americano nada respeita, nem a pessoa, nem a tra-

dicao, nem a situacao profissional, mas inclina-se diante da gran-

deza pessoal de qualquer individuo. A isso, ele chama "demo-

cracia". Por caricatural que possa parecer a realidade america-

na quando a colocamos diante da significacao verdadeira da pa-

lavra democracia, aquele e 0 sentido que the atribuern e, de mo-

mento, s o isso importa. 0 jovem norte-americano faz de seu

professor uma ideia simples: e quem the vende conhecimentos

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e metodo.s em troca de dinheiro pago pelo pai, exatamente como

o merceeiro vende repolh.os<a m~e. Nada alem disso. Se 0 pro-fessor for,. por exe~plo, campeao de futeboI, ninguem hesitaraem conferl_:-lhe posicao de Hder em tal setor. Mas, se nao eu:n campeao de futebol (ou coisa similar em outro esporte ),

~ao passa de urn l?rofessor e nada mais. jamais ocorreria a umjovem norte-amencano que seu professor pudesse vender-lhe"~once~6es do mundo" au regras validas para a conduta na

vida, Claro est~ que nos, alemaes, rejeitamos uma concepcaoform~lada em tars termos. Cabe, contudo, perguntar se nessamarietta de ver, ~ue exagerei ate certo ponto, nao se contemuma parcela de acerto.

Meus caros alunos! Voces acorrem a nossos cursosexigindode nos, que somos professores, qualidades de lider sem jamaislevar em consideracao que, de cern professores noventa e nove

niio tern e nao devem ter a pretensao de ser campefies do fute-b.?l da vida, nem "orientadores" no que diz respeito as ques-toes que concernem a conduta na vida. E preciso nao esquecerque 0 valor de urn ser humano nao se poe necessariamente na

dependencia das condicoes de Hder que el~ possa possuir. 'Dequalquer maneira, a que faz, 0 que transform a um homem emsabio eminente ou professor universitario nfio e por cerro 0

que poderia transforma-Io num lider no dominio da cond~ta

pratica da vida e, especialmente, no dominic pratico 0 fato

de urn homem pos.su~r es~a ultima qualidade e algo que brotado puro aeaso. Seria mquietante 0 fato de todo professor titularde uma catedra universitaria abrigar 0 sentimento de estar co-

locad~ d~ant~ da impudente exigencia de provar que e urn Hder.E mats mqUlet~nte ~inda .seria 0 fato de perrnitir-se que todoprofessor de universidade julgasse ter a possibil idade de desem-

pen~ar esse papel, na sala de aula. Com efeito, os individuos que

a 51, ~esmos se julgam Iideres sao, freqiientemente, os menosqualificados para tal funcao: de qualquer forma a sala de aula

nao se~aJamais a local em que 0 professor possa fazer prova de~aI aptidso. 0 professor que sente a VOCa!;aOe conselheiro dajuventude e que frui da confianca dos mocos deve desempenhar

ess~ papel no contacto pessoal de homem para homem. Se elese [ulga chamado a participar das lutas entre concepcoes de mun-do e entre opini6es de partidos, deve faze-lo fora da sala de

aula, deve faze-Io em lugar publico, ou seja, atraves da impren-

44

sa, em reunioes, em associa~6es, onde queira. E, com efeito, de-

masiado comodo exibir coragem num local em que os assistentes

e, talvez, os oponentes, estao eondenados ao silencio.

*Ap6s tais consideracoes, os senhores poderao dizer: se as-

sim e , qual, em essencia, a contribuicao posit iva da ciencia paraa vida prdtica e pessoal? Essa pergunta levanta, de novo, 0 pro-

blema do papel da ciencia.

Em primeiro Iugar, a ciencia coloea naturalmente a nossa

disposicao eerto mimero de conhecimentos que nos permitem do-minar tecnicamente a vida por meio da previsao, tanto no que

se refere a esfera das eoisas exteriores como ao campo da ad-vidade dos homens. Os senhores replicarao: afinal de eontas,

iS50 nao passa do comercio de legumes do jovem norte-ameri-

cano. De acordo.Em segundo lugar, a ciencia nos fornece algo que a comer-

cio de legumes niio nos pode, por certo, proporcionar: metodos

de pensamento, isto e, os instrumentos e uma disciplina. Os se-

nhores retrucarao, talvez, que nao se trata, agora, de legumes,porem de meios atraves dos quais obter legumes. Assim seja.Admitamo-lo por enquanto. Felizmente, nao chegamos ainda aofim da jornada. Ternos a possibilidade de apontar para uma

terceira vantagem: a ciencia contribui para clareza. Com a con-di~ao de que n6s, os cientistas, de anterniio a possuamos. Seassim for, poderemos dizer-lhes claramente que, diante de tal

problema de valor, e possivel adotar, na pnitica, esta ou aquelaposicao - e, para simplificar, pec;o que recorramos a exemploscomuns tornados de situacoes sociais a que temos de fazer face.Quando se adota esta ou aquela posicac, sera precise, de acordo

com 0 procedimento cientffico, aplicar tais ou quais meios para

conduzir 0 projeto a born terrno. Fodera ocorrer que, em certomomento, os metodos apresentem urn carater que nos obrigue arecuse-los. Nesse caso, sera predso escolher entre 0 fim e osmeios inevitaveis que esse fim exige. 0 fim justifies ou naojustifies os meios? 0 professor s6 pode mostrar a necessidadeda escolha, mas nao pode ir alem, caso se limite a seu papel deprofessor e nao queira transformar-se em demagogo. Alern disso,ele podeni demonstrar que, quando se deseja tal ou qual fim,

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torna-se necessaria consentir em tais au quais conseqiienciassubsidiarias que tambem se manifestarao, segundo mostram as

li- ;oes da experiencia, Na hipotese, podem apresentar-se as mes-

mas dificuldades que surgem a proposito da escolha de meios.

A este nivel, 5 6 defrontamos, entretanto, problemas que podem

igualmente apresentar-se a qualquer tecnico; este se ve compe-lido, em numerosas circunstancias, a deddir apelando para a

principio do mal menor au para a principia do que e relativa-

mente melhor, Com uma diferenca, entretanto: geralmente, atecnico dispoe, de antemao, de urn dado e de urn dado que ecapital, a objetioo. Ora, quando se trata de problemas funda-mentais, a objetivo nao nos e dado. Com base nessa observa-

~ao, podernos referir, agora, a ultima contribuicao que a ciencia

da ao service da clareza, contribuicao alem da qual nao ha ou-

tras. Os cientistas podem - e devem - mostrar que tal ouqual posicao adotada deriva, logicamente e com tada certeza,

quanto ao significado de tal au qual visao ultima e basica do

rnundo, Uma tomada de posicao pode derivar de uma visao

tinica do mundo ou de varias, diferentes entre si. Dessa forma,o cientista pode esclarecer que determinada posicao deriva de

uma e nao de outra concepcao. Retomernos a metafora de queha poueo nos valemos. A ciencia mostrara que, adotando talposicao, certa pessoa estara a sero ico de ta l D eus e o f end en do ta loutro e que) se se desejar manter fiel a si mesma, chegara, cer-

tamente, a determinadas conseqiiencias intimas) tiltimas e sig-

nificativas. Eis a que a ciencia pode proporcionar, ao menos emprincipia. Essa mesma obra e 0 que procuram realizar a disci-plina especial que se inti tula filosofia e as metodologias propriasdas outras disciplinas, Se estivermos, portanto, enquanto cien-

tistas, a altura da tarefa que nos incumbe (0 que, evidentemente,e preciso aqui pressupor) poderemos compelir uma pessoa a

d ar -s e c on ta d o s en tid o ultimo de seus proprios a tos au, quandomenos, ajuda-la em tal sentido, Pareee-me que esse resultadonao e desprezfvel, mesmo no que diz. respeito a vida pessoal. Seurn professor alcanca esse resultado, incline-me a dizer que ele

se poe a service de potencies "marais", au seja, a service do

dever de levar a brotarem, nas almas alheias, a clareza e a sen-

tido de responsahilidade. Creio que The sera tanto mais facilrealizar essa obra quanta mais ele evite, escrupulosamente, im-por au sugerir, a audiencia, uma conviccao,

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As opini6es que, neste momenta, Ihes exponho tem por

base, em verdade, a condicao fundamental seguinte: a vida, en-quanto encerra em si mesma urn sentido e enquanto se compre-ende par si mesma, 5 6 conhece 0 eombate eterno que as deusestravam entre si ou - evitando a metafora - s6 conhece a in-compatibilidade das atitudes tiltirnas possiveis, a impossibilida-de de dirimir seus conflitos e, conseqiientemente, a necessidadede se decidir em prol de urn au de outre. Quanta a saber se,

em condicoes tais, vale a pena que alguem faca da ciencia a sua"vocacao" au a indagar se a ciencia constitui, par S 1 mesma,uma vocacao objetivamente valiosa, imp5e-se reconhecer que essetipo de indagacao implica, par sua vez, urn jufzo de valor, a pro-p6sito do qual nao cabe manifestacao em uma sala de aula.

A resposta afirmativa a essas perguntas constitui, com efeito e

precisamente, 0 pressuposto do ensino. Pessoalmente, eu as res-pondo de maneira afirmativa, tal como atestado POt meus tra-balhos. Tudo isto se aplica igualmente e, mesmo, espedalmenteao ponto de vista fundamental mente hostil ao intelectualismoonde vejo, tal como a juventude moderna ve au na maior partedas vezes imagina ver, a mais perigoso de todos as dernonios.

E talvez este 0 momenta de relembrar a essa juventude a sen-tenca: "Nao esqueca que 0 diabo e velho e, assim, espere tornar--se velho para poder compreende-lo", 0 que nao quer dizer que

se faca necessaria provar-Ihe a idade apresentando uma cert idaode nascimento. 0 sentido daquelas palavras e diverso: se vocedeseja se defrontar com essa especie de diabo, nfio cabera optarpela fuga, tal como acontece muito freqiientemente em nossosdias, mas sera necessaria examinar a fundo as caminhos quetrilha, para conhecet-Ihe a poder e as limitacces.

A ciencia e , atualmente, uma "vocacao" alicercada na es -

pecializacao e posta ao service de uma tomada de consciencia

de n6s mesmos e do conhecimento das relacoes objetivas. A ci -

encia nao e produto de revelacoes, nero e graca que urn profetaau um visionario houvesse recebido para assegurar a salvacao

das almas; nao e tambem porcao intezrante da meditacao desabios e filrisofos que se dedicam a refletir sabre a sentido do

mundo. Tal e a dado inelutavel de nossa situacao histories, aque nao poderemos escapar, se desejarmos permanecer fieis a

nos mesmos. E agora, se a maneira de Tolstoi novamente se

colocar a indagacao: "Falhando a ciencia, onde poderemos obter

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uma resposta para a pergunta - que devemos fazer e como de-

vemos organizer nossa vida?" ou, colocando 0 problema em ter-mos empregados esta noite: "Que deus devemos servir dentreos rnuitos quese combatem? devemos, talvez, servir urn outrodeus, mas qual?", - a essa indagacao eu responderei: procurem

urn profeta ou urn salvador. E se esse salvador nao mais existeau se nao e mais ouvida sua mensagem, estejam certos de quenao conseguirao faze-lo descer a Terra apenas porque milhares

de professores, transformados em pequenos profetas privilegia-dos e pagos pelo Estado, procuram desempenhar esse papel emuma sala de aula. Por esse caminho s6 se conseguira uma coisae e impedir a geracao jovern de se dar conta de urn fato decisivo:

o profeta, que tantos integrantes da nova geracao chamam aplena voz, njio mais existe, AMm disso, s6 se conseguira impedir

que essa geracao apreenda 0 significado amplo de tal ausencia.Estou certo de que nao se presta nenhum service a uma pessoaque "vibra" com a religiao quando dela se esconde, como, alias,

dos rnais hornens, que seu destino e 0 de viver numa epoca indi-ferente a Deus e aos profetas; ou quando, aos olhos de tal pes-soa, se dissimula aquela situacao fundamental, por meio dos su-

cedaneos que sao as profecias feitas do alto de uma catedra uni-versitaria. Parece-me que a crente, na pureza de sua fe , deveriainsurgir-se contra semelhante engodo.

Talvez, entretanto, lhes ocorra, agora, nova pergunta: quala posicao a adotar diante de uma teologia que pretende 0 titulode "ciencia"? Nao vamos nos esquivar e contornar a questao,Por certo que nao se encontram, em toda parte, "teologia" e"dogmas", 0 que, entretanto, nao equivale a dizer que eles s6

se encontrern no cristianismo. Contemplando 0 curso da Risto-ria, encontramos teologias amplamente desenvolvidas no islarnis-mo, no rnaniqueismo, na gnose, no orfisrno, no parcismo, no

taoismo, no budismo, nas seitas hindus nos Upanishades e, na-turalmente, tambem no judaismo. Tais teologias tiveram, emcada caso, desenvolvimento sistematico muito diferente. Nao e ,porem, produto do acaso 0 fato de 0 cristianismo ocidental ternao somente elaborado ou procurado elaborar de maneira mais

sistematica sua teologia - contrariamente ao que se passou comos elementos de teologia que se encontram no judafsmo -, como

tambem procurado emprestar-lhe desenvolvimento cuja signifi-

ca<;aohistorica e , indiscutivelmente, a de maior relevancia. Isso

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se explica por influencia do espirito helenico, pois toda teologia

ocidental dimana .desse espirito, como toda teologia oriental pro-

cede, manifestamente, do pensamento hindu. A teologia e umaracionalizaflro intelectual da inspiracao religiosa. J Ii dissemos quenao existe ciencia inteiramente isenta de pressupostos e dissemos

tambem 'que ciencia alguma tern condicao de provar seu valor

"a quem the rejeite os pressupostos. A teologia, entretanto, acres-centa outros pressupostos que The sao proprios, especialmente

no que diz respeito a seu trabalho e a justificacao de. sua ~s·tencia, Naturalmente que isso ocorre em sentido e medida muttovariaveis. Nao ha diivida de que toda teologia, mesmo a teo-

logia hindu, aceita 0 pressuposto de que 0 mundo deve te~ urnsentido, mas 0 problema que se coloca e 0 de saber como l~t:r-pretar tal sentido, para poder pensa-lo, Trata-se de ponto iden-tieo ao enfrentado pela teoria do conhecimento elaborada parKant, que, partindo do pressuposto "a verdade cientffica existe

e e valida", indaga, em seguida, dos pressupostos que a. torn ampossivel, A questao nos lembra, ainda, 0ponto de vtsta dos

estetas modernos que partem (explicitamente, como faz, por

exemplo, G. V. Lukacs, ou de forma efetiva) do pressuposto de

que "existem obras de arte" e indagam, em seguida, como e issopossfvel, Certo e que, em gera1, as teologias niio se contentamcom esse pressuposto ultimo, que brota, essencialmente, da fi lo-

sofia da religiao, Partem elas, normalmente, de pressupostos su-

plementares: pattern, de urn lado, do pressuposto de que se im-poe crer em certas "revelacoes" que sao importantes para a sal-vacao da alma - isto e , £atos que sao as unicos a tornar passi-ve! que se impregne de senti do certa forma de conduta na vida;

e, de outro lado, pattern do pressuposto de que existem certos

estados e atividades que possuem 0 carater do santo - isto e ,que dao lugar a uma conduta compreensivel do ponto de vistada religiao au, pelo menos, de seus elementos essenciais, Con-

tudo, tambern a teologia se v~ diante da questao: como com-preender, em funcao de nossa representacao total do mundo,esses pressupostos que nao podemos senao aceitar? Respondea teologia que tais pressupostos pertencem a uma esfera que

se situa para alem dos Iimites da "ciencia". Nao correspondem,par conseguinte, a urn "saber", no sentido cornum da palavra,

mas a urn "ter", no sentido de que nenhuma teologia pode fazet

as vezes da fe.e de outros elementos de santidade em quem naa

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os "possui", Com mais forte razao, niio 0 podera tambem ne-nhuma outra ciencia. Em toda teologia "positive", 0crente chega,

necessariamente, num memento dado, a urn ponto em que 56 lhesera possivel recorrer a maxima de Santo Agostinho: Credo non

quod, sed quia absurdum est. 0 poder de realizar essa proeza,

que e 0 "sacrificio do intelecto" constitui 0 trace decisive e ca-

racterlstico do crente praticante. Se assim e , ve-se que, apesarda teologia (ou antes por causa dela) existe uma tensao inven-

civel (que precisamente a teologia revela ) entre 0 domlnio dacrenca na "ciencia" e 0 dominic da salvacao religiosa.

S6 0 disdpulo faz legitimamente a "sacrificio do intelecto"em favor do profeta, como s o 0 crente 0 faz em favor da Igreja,Nunca, porem, se viu nascer uma nova pro£ecia (repito delibera-

damente essa metafora que tera talvez chocado alguns) em razsode certos intelectuais modernos experimentarem a necessidade

de mobiliar a alma com objetos antigos e portadores, por assimdizer, de garantia de autenticidade, aos quais acrescentam a re-

ligiao, que alias nao praticam, simplesmente pelo £ato de recor-

darem que ela faz parte daquelas antiguidades. Dessa maneira,

substituem a religiao par urn sucedaneo com que enfeitam a almacomo se enfeita uma capela privada, ornamentando-a com idolostrazidos de todas as partes do mundo. Ou criam sucedaneos de

todas as possiveis formas de experiencia, aos quais atribuem adignidade de santidade mistica, para trafica-los no mercado de

livros. Ora, tudo isso nao passa de uma forma de charlatanis-rno, de maneira de se iludir a si mesmo. Ha, eontudo, urn outro

fenomeno que nada tern de charlatanismo e que consiste, ao con-trario, em alga muito serio e rnuito sincere, embora as vezes in-terpretado, taIvez falsamente, em sua significacao. Pretendoreferir-me a esses movimentos da juventude que se vern desen-

volvendo nos ultimos anos e que tern a objetivo de dar as reo

Iacces humanas, de carater pessoal, que se estabelecem no in-terior de uma comunidade, 0 sentido de uma relacao religiose,c6smica ou mistica. Se e certo que todo ate de verdadeira fra-ternidade pode acompanhar a consciencia de juntar algo de im-

perecivel ao mundo das relacoes suprapessoais, parece-me, ao

contrario, duvidoso que a dignidade das relacoes comunitariaspossa ser realcada por essas interpretacoes religiosas, Estas coo-

sideracoes, contudo, nos afastam do assunto.

50

\ I

o destino de nosso tempo, que se caracteriza pela raciona-

lizac;:aopela inrelectualleacao e, sobre~udo, pelo. "des~n~antamen-to do mundo" levou os homens a banirern da VIda publica os va-

lores supremos e mais sublimes. Tais valores encont~aram re-

fugio na transcendencia da vida m~sti~a,ou n~ fraterrudade da~relacoes diretas e reclprocas entre individuos isolados, Nada ha

de fortuito no fa to de que a arte mais eminente de nosso tempo

e intima e nao monumental, nem no fato de que, hoje em dia,

s6 nos pequenos drculos comunitdrios, no contacto d~ homema homem, em pianiss imo, se encontra algo que p.odena cor;es.ponder ao pneuma profetico que abrasava comunidades antigas

e as mantinha solidarias. Enquanto buscamos, a qualquer pre-co, "inventar" urn novo estilo de arte monumental, somos le-

vados a esses lamentaveis horrores que sao os monumentos dosultimos vinte anos. E enquanto tentarmos fabricar intelectual-mente novas religioes, chegaremos, em nosso intimo, na ausen-

cia de qualquer nova e autentica profecia, a algo semelhante e

que tera, para nossa alma" efeitos ai,nda .m,a~sde:astr~sos. Asprofecias que caem das catedras umyerSltarlaS t;~a tern. out~oresultado senao 0 de dar Iugar a sertas de Ianaticos e jamais

produzem comunidades verdadeiras. A quem D a O e capaz desuportar virilmente esse destine de nossa epoca, so cabe dar 0

conselho seguinte: volta em silencio, sem dar a teu gesto a pu-blicidade habitual dos renegados, com simplicidade e recolhi-mento, aos braces abertos e cheios de misericordia das velhas

Igrejas. Elas nao tornarao penoso 0 retorno. De uma ou. deoutra maneira, quem retorna sera inevitavelmente compelidoa fazer 0 "sacriffcio do intelecto". E nao serei eu quem 0 con-dene se ele tiver, verdadeiramente, forca para faze-lo. Realmen-

te, aquele sacriffcio, feito para dar-se incondidonalmente a uma

religiao, e moralmente superior a arte de fugir a u~ cla~o de-ver de probidade intelectual, que se poe quando nao existe a

coragem de enfrentar clararnente as escolhas iil timas, e se. n : ani.festa, em seu lugar, inclinacao por consentir em urn relativismoprecario. A meu ver, esse dom de si e mais louvavel que todasessas profecias de universitarios incapazes de perceber cIaramen-

te que, numa sala de aula, nenhuma virtude excede, em valor, :'-da probidade intelectual. Essa integridade nos compe1e a di-zer que todos - e sao numerosos - aqueles que, em nossos

dias, vivem a espera de novos profetas e de novos salvadores

.1

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se encontram na situacao que se descreve na bela can~ao de

exilic do guarda edomita, can,¥ao que fol incluida entre os ora-culos de Isaias:

"Perguntam-rne de Seir:

"Vigia, que e da noite?

"Vigia, que e da noite?"

ovigia responde:

"Vern a manha e depois a noite.Se quereis, interrogai,Convertei-vos, voltai!"

o povo a que essas palavras foram ditas nao cessou de fazera pergunta, de viver a espera h a dais mil anos, e n6s lhe conhe-cemos 0 destine perturbador. Aprendamos a li.;ao! Nada se

fez ate agora com base apenas no fervor e na espera, E preciso

agir de outre modo, entregar-se ao trabalho e responder as exi-gencias de cada dia - tanto no campo da vida comum, como no

campo da vocacao. Esse trabalho sera simples e f a c H , se cadaqual encontrat e obedecer ao demonic que teee as teias desu a vida.

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A POLfTICA

COMO VOCAQAO

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ESTA CONFERENCIA, que os senhores me pediram para fa-zer, decepcionara necessariamente e por rmiltiplas razoes, Numa

palestra que tern par titulo a vocacao pollt ica, os senhores haode esperar, instintivamente, que eu tome posicao quanta a pro-blemas da atualidade. Ora, a tais problemas eu s o me referireiao fim de minha exposicao e de maneira puramente formal,quando vier a abordar certas questoes que dizem respeito asignificacao da atividade politics no conjunto da conduta hu-mana. Excluamos, portanto, de nosso objetivo, quaisquer in-dagacoes como: que politics devemos adotar? ou que conteti-

dos devemos ernprestar a nossa atividade politica? Com efeito,indagacfies dessa ordem nada tern a vet com 0 problema geral

que me proponho examinar nesta oportunidade, ou seja: que ea vocacao politica equal 0 sentido que pode ela revestir? Pas-

semos ao assunto.

Que entendemos pot poHtica? 0 conceito e extraordina-riamente ample e abrange todas as especies de atividade direti-

va autonoma. Fala-se da polttica de divisas de urn banco, dapolit ica de descontos do Reicbsbank, da polftica adotada por urn

sindicato durante uma greve; e e tambem cabivel falar da polit i-ea escolar de uma eomunidade urbana ou rural, da politics da

diretoria que esta a testa de uma associacao e, ate, da politicade uma esposa h a b H , que procura governar seu marido. Nao

darei, evidentemente, significacao tao larga ao conceito que set-vita de base as reflexoes a que nos entregaremos esta noite.

Entenderemos por polftica apenas a direcao do agrupamentopolitico hoje denominado "Estado" ou a influencia que se exer-ce em tal sentido.

Mas, que e urn agrupamento "politico", do ponto de vista

de urn soci6logo? 0 que e urn Estado? Sociologicamente, 0

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Estado nao se deixa definir por seus fins. Em verdade, quase

que nao existe uma tarefa de que urn agrupamento politico qual-

quer nao se haja ocupado alguma vez; de outro lado, niio epossivel referir tarefas das quais se possa dizer que tenham sem-pre sido atribuidas, com exclus iu idade, aos agrupamentos poli-

ticos hoje chamados Estados ou que se constituiram, historica-mente, nos precursores do Eatado moderno. Sociologicamente,

o Estado njio se deixa definir a nao ser pelo especlfico meio que

lhe e peculiar, tal como e peculiar a todo outro agrupamentopolitico, ou seja, 0 usa da coacao fiska.

"~odo Estado se funda na forca", disse urn dia Trotsky aBrest-Litovsk, E isso e verdade. Se 56 existissem estruturas so-ciais de que a violencia estivesse ausente, 0 conceito de Estado

t~ria tamb.em desaparecido e apenas subsistiria o que, no sen-tido proprio cia palavra, se denomina "anarquia", A violencia

nae e , evidenternente, 0 tinico instrumento de que se vale 0

Estado - nao haja a respeito qualquer duvida - mas e seu. 'tnstrumento espedfico. Em nossos dias, a relacao entre 0 Es-tado e a violencia e particularrnente intima. Em todos os tem-

pos, os agrupamentos politicos mais diversos - a comecar pelafamilia - recorreram a violencia ffsica, tendo-a como instru-mento normal do poder. Em nossa epoca, entretanto, devemosconceber 0 Estado contemporaneo como uma comunidade hu-

mana que, dentro dos lirnites de determinado territorio - a no--;ao de territorio corresponde a urn dos elementos essenciais doEstado - reivindica 0 monopolio do uso legitimo da uiolenciafisica. E, com efeito, proprio de nossa epoca 0 nao reconhecer,em relacao a qualquer outro grupo au aos individuos, oireito

de fazer uso da violencia, a nao ser nos casas em que 0 Estadoo tolere: 0 Estado se transforma, portanto, na tinica fonte do"direito" it violencia, Por polftica entenderemos, conseqiiente-

mente, 0 conjunto de esforcos feitos com vistas a participar dopoder au a influenciar a divisao do poder, seja entre Estados,

seja no interior de urn iinico Estado.

Em termos gerais, essa definicao corresponde ao usc cor-rente do vodbulo. Quando de uma questao se diz que e "po-litica", quando se diz de urn ministro ou funcionario que sao "po-

liticos", quando se diz de uma decisao que foi determinada pel a"politica", e preciso entender, no primeiro caso, que os interes-

56

ses de divisfio, conservacao ou transferencia do poder sao fa-

tares essenciais para que se possa esclarecer aquela questdo; no

segundo caso, impoe-se entender que aqueles mesmos fatores

condicionam a esfera de atividade do funcionario em causa, as-sim como, no ultimo caso, determinam a decisao. Todo homem,

que se entrega a polftica, aspira ao poder - seja porque 0 con-

sidere como instrumento a service da consecucao de outros fins,ideais au egoistas, seja porque deseje a poder "pelo poder",

para gozar do sentimento de prestigio que ele contere.Tal como todos os agrupamentos politicos que historica-

mente 0 precederam, 0 Estado consiste em uma relacao de do -mina~ao do homem sabre 0homem, fundada no instrurnentoda violencia legitima .(isto e , da violencia considerada como Ie-

gitima ). 0 Estado 56 pode existir, portanto, sob condicao deque os homens dominados se submetam it autoridade continua-mente reivindicada pelos dominadores. Colocarn-se, em conse-

qiiencia, as indagacfies seguintes: Em que condicoes se subme-tern eles e por que? Em que justificacoes internas e em que

meios externos se apoia essa dominacao?

Existem em princfpio - e comecaremos por aqui - tresrazoes internas que justificam a dominacao, existindo, conse-qiienternente, tres fundamentos da legitimidade. Antes de tudo,a autoridade do "passado eterno", isto e , dos costumes santifi-

cados pela validez imemorial e pelo habito, enraizado nos ho-mens, de rcspeita-los, Tal e 0 "poder rradicional", que 0 patri-

area ou 0 senhor de terras, outrora, exercia. Existe, em segun-

do lugar, a autoridade que se funda em dons pessoais e extraor-

dinarios de urn indivfduo (carisma ) - devocao e confianca es-

tritamente pessoais depositadas em alguem que se singularizapar qualidades prodigiosas, por heroisrno au por outras quali-dades exemplares que dele fazem 0 chefe. Tal e 0 poder "earls-

matico", exercido pelo profeta au - no dominic politico -pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano escolhido atravesde plebiscito, pelo grande demagogo ou pelo dirigente de urnpartido polftico, Existe, por fim, a autoridade que se impfie

em razao da "legalidade", em razao da crenca na validez de urnestatuto legal e de uma "competencia" positiva, fund ada emregras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, a auto-

ridade fundada na obediencia, que reconhece obrigacoes confer-

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mes ao estatuto estabelecido, Tal e 0 poder, como 0 exerce

o "servidor do Estado" em nossos dias e como 0 exercem todos

os detentores do poder que dele se aproxirnam sob esse aspecto.

E dispensavel dizer que, na realidade eonereta, a obedien-

cia dos siiditos e eondicionada por motivos exrremamente pode-

rosos, ditados pelo medo au pela esperanca - seja pelo medo

de uma vinganca das potencias magicas ou dos detentores do

poder, seja a esperanca de uma reeompensa nesta terra ou em

outro mundo. A obediencia pode, igualmente, set eondidonada

por outros interesses e muito variados. A tal assunto voltare-

mos dentro em poueo. Seja como for, cada vez que se propoe

interrogacao aeerca dos fundamentos que "legitimam" a obe-diencia, encontrarn-se, sernpre e sem qualquer contestacao, essas

tres formas "puras" que acabamos de indicar.

Essas representacoes, bern como sua justificacao interna,

revestem-se de grande importancia para compreender a estru-

tura da dominacao. Certo e que, na realidade, so muito rara-

mente se encontram esses tipos puros. Hoje, contudo, nfio nos

seta possivel expor, em pormenor, as variedades, transicoes e

combinacoes extremamente complexas que esses tipos assumem;estudo dessa ordern entra no quadro de uma "teoria geral do

Estado".

No momenta, voltaremos a atencao, particularrnente, para

o segundo tipo de legitimidade, ou seja, 0 poder brotado da sub-

missao ao "carisma" puramente pessoal do "chefe". Esse tipo

nos conduz, corn efeito, a fonte de vocacao, onde encontrarnos

seus traces mais caracteristicos. Se algumas pessoas se abando-

nam ao carisrna do profeta, do chefe de tempo de guerra, do

grande demagogo que opera no seio da ecclesia au do Parlamento,

quer isso dizer que estes passam por estar interiormente "cha-

mados" para 0 papel de condutores de homens e que a ele se

da obediencia nsn por costume au devido a uma lei, mas pot-

que neles se deposita fe . E, se esses hornens totem mais que

presuncosos aproveitadores do mornento, viverao para seu tra-

balho e procurarao realizar uma obra. A devocao de seus disci-

pulos, dos seguidores, dos militantes orienta-se exclusivarnente

para a pessoa e para as qualidades do chefe. A Hist6ria mostra

que chefes carismaticos surgem em todos os dornfnios e em todas

as epocas. Revestiram, entretanto, 0 aspecto de duas figuras

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essenciars: de uma parte, a do magico e do profeta e, de outra

parte, a do chefe eseolhido para dirigir a guerra, do chefe de

grupo, do condottiere. Proprio do Ocidente e entretanto - e

isso nos interessa mais especialmente - a figura do livre "de-

magogo", Este s6 triunfou no Ocidente, em meio as cidades in-

dependentes e, em especial, nas regioes de civilizacao mediter-

ranea. Em flOSSOS dias, esse tipo se apresenta sob 0 aspecto do

"chefe de urn partido parlamentar": continua a 5 0 - ser encontra-

do no Ocidente, que e 0 ambito dos Estados consti tucionais.

Esse tipo de hornem polit ico "por vocacao", no sentido

proprio do terrno, nao constitui de rnaneira algurna, em pais

algum, a unica figura determinante do empreendimento politico

e da luta pelo poder. 0 fator decisivo reside, antes, na natureza

dos meios de que dispoern os hornens pollticos, De que modo

conseguem as forcas politicas dorninantes afirmar sua autoridade?

Essa indagacao diz respeito a todos os tipos de dom inacao e

vale, conseqiientemente, para todas as form as de dorninacao po-

lit ica, seja tradicionalista, legalista ou carismatica.

T od a e rn pre sa de dominacao que reclame continuidade ad-

rninistrativa exige, de urn lado, que a atividade dos sudidos seoriente em fun\80 da obediencia devida aos senhores que pre-

tend em ser as detentores da f or ca le gi tim a e exige, de outro

Iado e em virtude daquela obediencia, controle dos bens mate-

riais que, em dado caso, se t or ne rn n ec es sa ri es para aplicacao

da f or ca f fs ic a, Dito em outras palavras a d om i na ca o organiza-

da, necessita, por urn lado, de urn estado-maior administrativo e,

par outro lade, necessita dos meios materiais de gestao.

o estado-rnaior administrative, que representa externamen-

te a organizacao de dominacao politica, tal como alias qualquer

outra organizacao, nao se inclina a obedecer ao detentor do poder

em raziio apenas das concepcoes de legitimidade acima discuti-

das. A obediencia funda-se, antes, em duas especieis de motivo

que se relacionam a interesses pessoais: retribuicao material e

prestfgio social. De uma parte, a homenagem dos vassalos, a

prebenda dos dignitaries, os vencimentos dos atuais servidores

piiblicos e, de outra parte, a honra do cavaleiro, os privilegios

das ordens e a dignidade do servidor constituem a recompensa

esperada; e 0 temor de perder 0 conjunto dessas vantagens e a

razao decisiva da solidariedade que liga 0 estado-maior admi-

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nistrativo aos detentores do poder. E 0 mesmo ocorre nos ca-

sos de dominacao carismatica: esta proporciona, aos soldados

fieis, a gloria guerreira e as riquezas conquistadas e proporciona,aos seguidores do demagogo, as "despojos", isto e , a exploracao

dos administrados gracas ao monopolio dos tributes, as peque-

nas vantagens da atividade polit ica e as recompensas da vaidade.

Para assegurar estabilidade a uma dominacao que se ba-

seia na violencia fazem-se necessaries, tal como em uma empresade carater economico, certos bens materiais. Desse ponto de

vista, e possfvel classifiear as administracoes em duas categorias.

A primeira obedeee ao seguinte principia: 0 estado-maior, as fun-cionarios ou outros magistrados, de cuja obediencia depende a

detentor do poder, sao, des proprios, as proprietaries dos ins-

trumentos de gestae, instrumentas esses que podem ser recursosfinanceiros, edificios, material de guerra, parque de velculos,cavalos etc. A segunda categoria obedece a principio oposta: 0

estado-maior e "privado" dos meios de gestae, no mesmo sen-tido em que, na epoca atual, 0 empregado e 0 proletario sao"privados" dos meios materiais de producao numa empresa ca-

pitalista. H, pais, sempre import ante indagar se 0 detentor dopoder dirige e organiza a administracao, delegando poder exe-

cutivo a servidores ligados a sua pessoa, a empregados que ad-mitiu ou a favoritos e familiares que nao sao proprietarios, isto

e , que nao sao possuidores de plene direito dos meios de gestdoou se, peIo contrario, a administracao esta nas maos de pessoaseconomicamente independentes do poder. Essa diferenca e ilus-

trada por qualquer das administracdes conhecidas.

Daremos 0 nome de agrupamento organizado "segundo 0

principio das ordens" ao agrupamento politico no qual os meiosmateriais de gestao sao, total ou parcialmente, propriedade doestado-maior administrat ivo. Na sociedade feudal, por exemplo,o vassalo pagava, com seus proprios recursos, as despesas deadministracao e de aplicacao da justica no territ6rio que lhehavia sido confiado e tinha a obrigacso de equipar-se e apro-

visionar-se, em caso de guerra. E da mesma forma procediamos vassalos que a ele estavam subordinados. Essa situacao tinha

alguns efeitos no que se refere ao exerdcio do poder pelo suze-rano, de vez que 0 poder deste fundava-se apenas no juramenta

pessoal de fidelidade e na circunstancia de que a "legitimida-

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de" da posse de urn feudo e honra social do vassa10 derivavam

do suzerano.

Contudo, encontra-se tambem disseminado, mesmo entreas formacoes pollticas mais antigas, 0 dominic pessoal do chefe.

Busea este transformar-se no dominador da administracao entre-gando-a a suditos que a ele se ligam de maneira pessoal, a es-cravos, a servos, a protegidos, a favoritos ou a pessoas a quemele assegura vantagens em dinheiro ou em especie. 0 chefe en"frenta as despesas administrativas lancando mao de seus pr6priosbens ou distribuindo as rendas que seu patrimonio proporcionee cria um exercito que depende exclusivamente de sua autori-dade pessoal, pois que e equipado e suprido por suas colheitas,armazens e arsenais. No primeiro caso, no caso de um agru-pamento estruturado em "Estados", 0 soberano s6 consegue go-vernar com 0 auxilio de uma aristocracla independente e, em

razfio disso, com ela partilha do poder. No segundo easo, a,

governante busca apoio em pessoas dele diretamente dependen-tes au em plebeus, isto e , em camadas sociais desprovidas defortuna e de honra social propria. Conseqiientemente, estes lil-

timos, do ponto de vista material, dependem inteiramente dochefe e, principalrnente, nao encontram apoio em nenhuma ou-

tra especie de poder capaz de contrapor-se ao do soberano. ' To-dos os tipos de poder patriarcal e patrimonial, bern como 0 des-

potismo de um sultao e os Estados de estrutura burocrdtlca fi-Iiam-se a essa ultima especie - e insisto muito particularmenteno Estado burocratico por set ele 0 que melhor caracteriza 0 de-senvolvimento racional do Estado moderno.

De modo geral, 0 desenvolvimento do Estado moderno ternpar ponto de partida 0 desejo de 0 prlncipe expropriar os pode-

res "privados" independentes que, a par do seu, detem forc;aadministrativa, isto e , todos os proprietarios de meios de ges-

tao, de recursos financeiros, de in strumentos militares e dequaisquer especies de bens suscetiveis de utilizacao para fins

de carater politico. Esse processa se desenvolve em paraleloperfeito com 0 desenvolvimento da empresa capitalista que do-

mina, a poueo e pouco, os produtores independentes. E nota-seenfim que, no Estado moderno, 0 poder que disp5e da to tali-

dade dos meios politicos de gestao tende a reunir-se sob maoiinica. Funcionario algum permanece como proprletario pes-

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soa1 do dinheiro que de manipula ou dos ediffcios, reservas e

maquinas de guerra que ele controIa. 0 Estado moderno -

e isto e de importa~ci~ no' plano dos conceitos - conseguiu,

portanto, e de maneira integral, "privar" a direcao administrati-

va, os funcionarios e trabalhadores burocraticos de quaisquer

meios de gestae. Nota-se, a essa altura, 0 surgimento de urn

processo inedito, que se desenrola a nossos olhos e que ameaca

expropriar do expropriador os meios politicos de que de dis-

poe e 0 seu poder politico. Tal e , ao menos aparentemente, a

conseqiiencia da revolucao (alema de 1918), na medida em que

novos chefes substituiram as autoridades estabelecidas, em que

se apossaram, pot usurpacao ou elei~ao, do poder que controla

o conjunto administrative e de bens materials e na medida em

que fazem derivar - pouco importa com que direito - a legi-

timidade de seu poder da vontade dos governados. Cabe, en-

tretanto, indagar se esse primeiro exita - ao menos aparente

- permitira que a revolucao alcance 0 dominic do aparelho

economico do capitalismo, cuja atividade se orienta, essencial-

mente, de conformidade com leis inteiramente diversas das que

~eg~m a ad~inistr~\ao politica. Tendo em vista meu objetivo,

Iimitar-me-ei a registrar esta constatacao de ordem puramente

conceitual: 0 Estado moderno e urn agrupamento de dominacao

que apresenta carater institucional e que procurou (com exito)

rnonopolizar, nos Iimites de urn territorio, la violencia Hsica

Iegftima como instrumento de dominic e que, tendo esse obje-

tivo, reuniu nas maos dos dirigentes os meios materiais de ges-

tao. Equivale isso a dizer que 0 Estado moderno exproprioutodos os funcionarios que, segundo 0prindpio dos "Estados"

dispunham outrora, por direito proprio, de meios de gestae,

substituindo-se a tais funcionarios, inclusive no topo da hierarquia.

Sem embargo, ao longo desse processo de expropriacfo que

se desenvolveu, com exito maior ou menor, em todos os paisesdo globo, nota-se 0 aparecimento de uma nova especie de "po-

Hticos profissionais". Trata-se, no caso, de uma categoria nova,

que perrnite definir 0 segundo sentido des sa expressao. Verno-

-Ios, de infdo, colocarem-se a service dos principes. Nfo tinham

a arnbicao dos chefes carismaticos e na~ buscavam transformar-

-se em senhores, mas empenhavam-se na luta polftica para se

colocarem a disposicao de urn principe, na gestae de cujos in-

teresses politicos encontravam ganha-pao e contetido moral para

62

suas vidas. Uma vez mais, e 5 6 no Ocidente que eucontramos

essa categoria nova de politicos profissionais a service de pode-

res outros que nao 0 dos principes. Nao obstante, foram eles,

em tempos passados, 0 instrumento mais importante do poder

dos prfncipes e da expropriacao polltica que, em beneficio des-

tes, se processava.

Antes de entrar em pormenores, tentemos compreender

claramente, sem equivocos e sob todos os aspectos, a significa-

c;ao do aparedmento dessa nova especie de "homens politicosprofissionais", Sao possiveis rmiltiplas formas de dedicacao apoHtica - e e 0 mesrno dizer que e posslvel, de muitas manei-

ras, exercer influencia sabre a divisao do poder entre formacoes

pollticas diversas ou no interior de cada qual delas. Pode-se

exercitar a politic a de maneira "ocasional", mas e igualmente

possivel transformar a polltica em profissao secundaria ou em

profissao principal, exatamente como ocorre na es£era da ativi-

dade e~onomic~. Todos exercitamos "ocasionalmente" a pollti-

ca ao introduzirmos nosso voto em uma urna au ao exprimir-

mos nossa vontade de maneira semelhante, como, por exemplo,

manifestando desaprovacao ou acordo no curso de uma reuniao

"politica", pronundando urn discurso "politico" etc. Alias, paranumerosas pessoas, 0 contacto com a politic a se reduz a esse

genero de manifestacoes. Outros fazem da atividade politica a

profissao "secundaria", Tal e 0 caso de todos aque1es que de-

sempenham 0 papel de hom ens de confianca au de membros dos

partidos politicos e que, via de regra, so agern assim em caso de

necessidade, .sem disso fazerem "vida", nem no sentido material,

nem no sentido moral. Tal e tambem 0 caso dos integrantes de

conselhos de Estado ou de outros orgaos consultivos, que so

exercern atividades quando provocados. Tal e , ainda, 0 caso de

numerosissimos parlamentares que so exercem atividade politics

durante 0 perfodo de sessoes, Esse tipo de homem politico era

comum outrora, na estruturacao por "ordens", propria do anti-

go re~in:-e. Par rneio da palavra "ordens", indicamos as que,

par direito pessoal, eram proprietaries dos meios materials de

gestae, fossem de carater administrativo ou militar ou os be-

neficiarios de privilegios pessoais. Ora, grandepart~ dos mem-

bros dessas "ordens" estava lange de consagrar totalmente ou

mesmo pre~ipuamente, a vida a politica; it polftica s6 se dedi-

cavam ocasionalmente. Nso encaravam suas prerrogativas senao

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como forma de assegurar rendas ou vantagem pessoal. No in -tenor de seus prdprios agrupamentos, s o desenvolviam ativida-

de politica nas ocasioes em que seus suzeranos ou seus pares lhes

dirlgiam solicita~ao e:xpressa. E 0mesmo se dava com re1a~aoa uma importante fra~ao das Iorcas auxiliares que 0 principecolocava a seu service, para transforma-la em instrumento na luta

que e1e travava com 0 ti ro de constiruir uma organiza~ao poll-tica a el.e pessoalmente devotada. Os "conselheiros privados"

integravam-se a essa categoria, bern como a ela tambem se in-tegrava, remontando no tempo. grande parte dos conselheirosque se assentavam nas curies ou em outros 6rgaos consultivosa service do principe. Evidentemente, entretanro, esses auxi-

liares que so ocasionalmente se dedicavam a politica au que nela

viam tao-somente uma atividade secundaria estavam longe debastar ao prineipe. Nao The restava, par tanto. outra alterna-

tiva senao a de buscar rodear-se de um corpo de colaboradoresinteira e exclusivamente dedicados a sua pessoa e que fizessem

da atividade pol1tica sua principal ocupacao. Naturalmente quea estrutura da crganizacao politica da dinastia nascente, assimcomo a fisionomia da civilizacao examinada, dependera muito,

em todos os casas, d a camada social onde 0 principe v a recrutarseus agentes. E 0 mesmo cabe dizer, co m mais forte razao, dosagrupamentos polit icos que, apes a abolicdo completa au a li-mita~ao consideravel de poder senhorial se constituam politi-

camente em co munas "Iivres" - livres nio no sentido de fugaao dominio atraves de recursos a violencia, mas DO sentido deausencia de urn poder senhorialligitimado pela tradi~ao e, muitofreqiientemente, consagrado pela religiao e considerado comofonte tinica de qualquer autoridade, Historicamente, essas co-munas 5 6 se desenvolveram no mundo ocidental, sob a formaprimitiva d i s . cidade erigida em agrupamento politico, tal comoa vemos surgir, pela primeira vez, no ambito da civiliza~ao me-diterrdnea,

*Ha duas maneiras de fazer polftica. Ou se vive "para" a

politica ou se vive "ds" polftlca, Nessa oposicao n a o hi nadade exclusive. Muito ao contrario, em geral se fazem uma eoutra coisa ao mesmo tempo, tanto idealmente quanta na Pta-ties. Quem vive "para" a polltica a transforms, DO sentido

64

mais p ro fu nd o do termo, em "fim de su a vida", ' se ja por qu eencontra forma de gozo na simples posse do poder, seja porque

o exercicio dessa atividade the permite aehar equilibrio interno

e exprimir valor pessoal, colocando-se a service de uma "causa"que da significacao a sua vida. Neste sentido pro£undo todohomem serio, que vive para uma causa, v iv e t ambem dela. 'Nossadistin~ao assenta-se, portanto, num aspecto extremamente impor-

ta?te da condicao do homem politico, ou seja, 0 aspecto econo-

mico. Daquele que ve na politica uma permanenre' fonte derendas, diremos que "vive da polltica" e diremos, no caso con-trario que "vive para a politica", Sob regime que se £undena propriedade privada, e necessario que se reiinam certas can-

di.;6es, .que as s~nhores poderao considerar triviais, para. que,~o sentido mencionado, urn hornem possa viver "para" a poliotica. 0 homem politico deve, em condicoes normals ser econo-micamente independente das vantagens que a atividade politicalhe p~ssa proporcronar, Quer isso dizer que the e indispensavel

poss~lr £ortu~a pessoal au ter, no ambito da vida privada, si-tuacao suscetivel de the assegurar ganhos suficientes. Assimdeve ser, pelo menos em condicoes normais, pois que as segui-

dores do che£e guerreiro dao tao pouea importancia as condi-~6es de uma economia normal quanto os companheiros do agita-dor revolucionario. Em ambos as casas, vive-se apenas da pre-sa, dos roubos, dos con£iscos, do curso forcado de bonus de pa-gamento despidos de qualquer valor - pois que tudo isso e , no£undo, a mesma coisa. Tais situacoes sao, entretanto necessa-,rramente excepdonais; na vida economics de todos os dias, 86a fortuna pessoal assegura independencia economica, 0 homem

politico deve,. a l e n : _ disso,. ser "economicamente disponfvel", equi-valendo a afirmacao a dizer que ele nao deve estar obrigado aconsagrar toda a sua capacidade de trabalho e de pensamento,constante e pessoalmente, it consecucso da propria subsistencia.

Ora, em tal sentido, 0 mais "disponivel" e 0 capitalist a, pessoaque recebe rendas sem nenhum trabalho, seja porque, a serne-

l~a!H;ados grandes senhores de outrora ou dos grandes proprie-

t~r~?s.e da alta no~t~~a de hoje, ele as aufere da exploracao imo-biliaria - na Antigiiidade e na Idade Media, tambem os escra-vos e servos representavam fontes da renda -, seja porque asau£ere , e T ? razao de .tftulos ou de outras fontes analogas. Neroo operarro, nem muno menos - e isso deve ser particularmen-

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,;1" "

te sublinhado - 0 moderno homem de negocios e, sobretudo,o grande homem de negocios sao disponlveis no sentido men-

cionado. 0 homem de negocios esta ligado a sua empresa eJ

portanto, nao se encontra disponivel e muito menos disponivelesta 0 que se dedica a atividades industrials do que 0 dedicado

a atividades agricolas, pois que este e beneficiado pelo caratersazonal da agricultura. Na maioria das vezes, 0 homem de ne-gocios tern dificuldade para deixar-se substituir , ainda que .tem-

porariamente. 0 mesmo ocorre com relacao ao medico, tantomenos disponfvel quanta mais eminente e mais consultado. Pormotivos de pura tecnica profissional, as dificuldades jli se mos-tram menores no caso do advogado, 0 que explica a circunstan-cia de ele ter desempenhado, como homem politico profissio-nal, papel incomparavelmente maior e, com freqiiencia, prepon-derante. Nao se faz necessaria, entretanto, estender ainda maisesta casuistica; mais conveniente e deixar claras algumas conse-qiiencias do que se acabou de expor.

o faro de urn Estado au de urn partido serem dirigidos pothomens que, no sentido economico da palavra, vivam exclusiva-mente para a poll tica e nao da polit ica significa, necessariamente,

que as camadas dirigentes sao reerutadas segundo criterio "plu-tocratico". Fazendo essa assercao, nao pretendemos, de manei-ra alguma, dizer que a direcso plutocratica nao busque tirar van-

tagem de sua situacao dominante, com 0 objetivo de tambemviver "da" politica, explorando essa posicao em beneficio deseus intereses economicos. Claro que isso ocorre, Nao ha ca-madas dirigentes que nao tenham sido levadas a essa explora-

~ao, de uma ou de outra maneira. Nossa assercso significa sim-plesmente que os homens politicos profissionais nem sempre seveem eompelidos a reclamar pagamento pelos services que emtal condicao prestam, ao passo que 0indivlduo desprovido defortuna esta sempre obrigado a tomar esse aspecto em considera-

1;30. De outra parte, nao e de nossa intencao insinuar que os ho-mens politicos desprovidos de fortuna tenham como iinica preo-cupacao, durante 0 curso da atividade polit ica, obter, exclusiva-mente ou mesmo principalmente, vantagens economicas e queeles nao se preocupem ou nao considerem, em primeiro Iugar,

a causa a que se dedicaram. Nenhuma afirmacao sed a maisfalsa que a feita em tal sentido. Sabe-se, par experiencia, que a

preocupacao com a "seguranca" economics e , com efeito - de

6 6

maneira consciente ou nao - 0 ponto cardial na orientacao davida de urn hornern que ja possui fortuna. 0 idealismo politico,

que nao se detem diante de nenhuma consideracao e de nenhum

princfpio, e praticado, se nao exclusivamente, ao menos princi-palmente, par individuos que, em razao da pobreza, estao amargem das camadas sociais interessadas na rnanutencao de cer-

ta ordem economica em sociedade determinada. E 0 que senota especialmente em periodos excepcionais, revolucionarios.

Tudo que nos interessa realcar e entretanto 0 seguinte: 0 recru-tamento nao plutocrdtico do pessoal politico, sejam che£es ou

seguidores, envolve, neeessariamente, a condicao de a organiza-c;aopoli tica assegurar-lbe ganhos regulates e garantidos. Nunca

existem, portanto, mais de duas possibilidades. Ou a ativida-de politica se exerce "honorificarnente" e, nessa hipotese, 50-

mente pode ser exercida por pessoas que sejam, como se cos-tuma dizer, "independentes", isto e , par pessoas que gozam de

fortuna pessoal, traduzida, especialmente, em termos de rendi-mentes; ou as avenidas do poder sao abertas a pessoas semfortuna, caso em que a atividade politica exige rernuneracao,

o homem politico profissional, que vive "da" politica, pode

set urn puro "beneficiario" ou urn "Iuncionario" remunerado.Em outras palavras, ele recebera rendas, que sao honorarios ouemolumentos por services determinados - niio passando a gor-jeta de uma forma desnaturada, irregular e formalmente ilegal

dessa especie de renda - ou que assumem a forma de remune-rac;ao fixada em dinheiro ou especie au em ambos ao mesmo

tempo. 0 politico pode revestir, portanto, a figura de urn "em-

preendedor", a maneira do condottiere, do meeiro ou do com-prador de carga ou revestir 0 aspecto de boss norte-americanoque encara suas despesas como investimentos de capital, queele transforms em fonte de lucros, merce da exploracao de sua

influencia politics: au pode ocorrer que ele simplesmente rece-

ba uma remuneracao fixa, tal como se da com 0 redator ou se-cretario de urn partido, com 0 ministro ou funcionario politico

modernos. A compensacao tfpica outrora outorgada pelos prin-cipes, pelos conquistadores vitoriosos ou pelos chefes q~ par-

tido, quando triunfantes, consistia em feudos, doacao de terras,prebendas de to do tipo e, com 0 desenvolvimento da economia

financeira, traduziu-se, mais particularmente, em gratificacoes.

Em nossos dias, sao empregos de toda especie, em partidos, em

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jornais, em cooperativas, em organizacces de seguro social, em

municipalidades au na administracao do Estado - distribufdos

pelos chefes de partido a seus partidarios, pelos bans e leais ser-

vicos prestados. As lutas partidarias niio sao, portanto, apenaslutas para consecucao de metas objetivas, mas sao, a par disso,

e sobretudo, rivalidades para controlar a distribuicao de empregos.

Na Alemanha, todas as lutas entre as tendencias particula-ristas e as tendencies centralistas giram, tarnbern e principalmen-

te, em torno desse ponto. Que poderes irao controlar a dis-tribuicao de empregos - os de Bedim ou, ao contrario, os de

Munich, de Karlsruhe ou de Dresde? Os partidos se irritam

muito mais com arranhoes ao direito de distribuicao de empre-

gos do que com desvios de programas. Na Franca, urn movi-

mento municipal, fundado nas forcas respectivas dos partidospoliticos, sempre foi considerado perturbacao mais import antedo que uma alteracao no programa governamental e, com efeito,

suscitava agitacao maior no pais, dado que, geralmente, 0 pro-grama de governo tinha significacao apenas verbal. Numerosospartidos poli ticos, notadamente nos Estados Unidos da Americado Norte, transforrnaram-se, depois do desaparecimento das ve-

lhas divergencies a prop6sito de interpretacao da Constituicao,em organizacoes que s o se dedicam a caca aos empregos e quemodificam seu programa concreto em funcao dos votes que haja

par captar. Na Espanha, pelo menos ate os iiltimos anos, asdais partidos se sucediam no poder, segundo urn principio dealternancia consentida, sob a cobertura de eleicoes "pre-fabrica-das" pelas altas direcoes, com 0 fim de permitir que os partida-rios dessas duas organizacoes se beneficiassem, alternadamente,das vantagens propiciadas pelos postos administrativos. Nos ter-ritorios das antigas colonies espanholas, as ditas "eleicoes' e asditas "revolucoes" nao tiveram outro objetivo se nao 0 de dis-por da vasilha de manteiga de que as vencedores esperavam

servir-se. Na Suica, os partidas pacificamente repartem entreS 1 as empregos, segundo 0 princfpio da distribuicao proporcio-nal, Alias, mesrno na Alemanha, certas projetos de constitui-

c;aoditas "revolucionarios" como, par exemplo, 0 primeiro pro-jeto elaborado em Baden, propoem estender 0 sistema sUIC;oadistribuicao dos cargos ministeriais e, conseqiientemente, consi-deram 0 Estado e os postos administrativos como instituicfies

destinadas a sirnplesmente proporcionar prebendas. Foi espe-

6 8

cialmente 0 partido do Centro que se entusiasmou com proje-

tos desse tipo e, em Baden, chegou a inscrever em seu progra

rna a aplicacao do principio de distribuicao proporcional de car-

gas segundo as confiss6es religio~a~, sem se prec:cuI;>ar.c?m. acapacidade politica dos futuros dirigentes. Tendencia identica

se manifestou em todos os demais partidos, com 0 aumento

crescente do mimero de cargos administrativos que se deu emconseqiiencia da generalizada burocratizacao, mas tambem se

deu par causa da ambicao crescente de cidadaos atrafdos por

uma sinecura administrativa que, hoje em dia, se tornou espe-

de de seguro especffico para 0 futuro. Dessa forma, a.os olhos

de seus aderentes, as partidos aparecem, cada vez mars, comouma especie de trampolim que lhes permitira atingir este obje-

tivo essencial: garantir a futuro.

A essa tendencia opoe-se, entretanto, a desenvolvimento

moderno da funcao publica que, em nossa epoca, exige urn cor-po de trabalhadores intelectuais especializados, altamente quali-

ficados e que se prepararn, ao longo de anos, para 0 desempe-

nho de sua tarefa profissional, estando animados por urn sen-timento muito desenvolvido de honra corporativa, onde se acen-

tua 0 capitulo da integridade. Se tal sentimento de honra naeexistisse entre os funcionarios, estariamos ameacados por umacorrupcao assustadora e nao escapariamos ao dominic do~ fills-teus. Estaria em grande perigo, ao mesmo tempo, 0 simples

rendimento tecnico do aparelhamento estatal, cuja importanciaeconomics se acentua crescentemente e nso deixara de crescer,sobretudo se eonsideradas as tendencies atuais no sentido de so-

cializacao. Mesmo nos Estados Unidos da America do Norte,onde, em epocas passadas, se desconhecia a figura do funciona-rio de carreira e onde 0diletantismo administrativo das politicosdeformados permitia que, em funO;30do acaso de uma eleicaopresidencial, fossern substi tuidas varias centenas de milhares de

funcionarios mesmo nos Estados Unidos da America do Norte,repitamos, ~ antiga forma de recrutamento foi, de ha: muito,

superada pela C iv il S er vic e R efo rm .

Na origem dessa evolucao, encontram-se exigencias imperio-

sas, de ordem tecnica exc1usiva. Na Europa, a funcao publica,organizada segundo 0principia da divisao do trabalho, desen-volveu-se progressivamente, ao longo de processo que se esten-

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de por meio milhar de anos. As cidades e condados italianos

foram os prirneiros a tomarem por essa via; e, no caso das mo-narquias, esse primeiro lugar foi tornado pelos Estados conquis-tadores normandos. 0passo decisivo foi dado relativamentea gestae das [inancas do principe. Os obstsculos surgidos quan-

do das reform as administrativas levadas a efeito pelo ImperadorMax p ermitem -n os c om pr ee nd er quanto foi diticil para as fun-cionarios, mesmo sob pressao de necessidade extrema e sob

ameaca turca, privar a soberano da gestae financeira, emboraesse campo seja, sem duvida, 0 menos compativel com 0 dile-

tantismo de urn prfncipe que, par aquela epoca, aparecia, ainda

e antes de tudo, como urn cavaleiro. Razao identica fazia comque 0 desenvolvimento da tecnica militar impusesse a presenca

d.e,?m oficial de carr~ira. e 0 aperfeicoamento do processo judi-CIano reclamasse urn jurista competente. Nesses tres dominies

- 0 financeiro, 0 do exercito e 0 da justic a - os funcionarios decarreira triunfaram definitivamente, nos Estados evoluidos, du-

rante 0 seculo XVI. Dessa maneira, paralelamente ao fortale-cimento do absolutismo do prfncipe em relacao as "ordens"ocorreu sua progressiva abdicacao em favor dos f un cio na rio s q ue

haviam, precisamente, auxiliado 0 prfncipe a alcancar vit6ria sa-bre as "ordens",

A par dessa ascensao de funcionarios qualificados, era pos-

sfvel constatar - embora com transicoes m enos claras - umaoutra evolucso envolvendo as "dirigentes poltticos". Desde sem-

pre e em todos as paises do mundo, houve, evidentemente con-selheiros reais que gozaram de grande autoridade. No Oriente,a necessidade de reduzir tanto quanta possivel a responsabilida-

de pessoal do sultao, com 0 fito de assegurar a exito de seu rei-nado, conduziu a criacao da figura tfpica do "grao-vizir", NoOcidente, ao tempo de Carlos V - que foi tambern 0 tempo

de M aquiavel - a influencia que, sobre as drculos especializa-

dos da diplomacia, exerceu a leitura apaixonada dos relat6riosde embaixadores transformou a atividade diplomatic a numa arte

de Connoisseurs. Os aficcionados dessa nova arte, farmados,

em sua rnaiorra, dentro dos quadros do humanismo, conside-

ravam-se como um a categoria de especialistas, a semelhanca dosletrados da China do baixo perfodo, 0periodo da divisso dopals em Estados m tiltiplo s, F oi, entretanto, a evolucso dos re-

gimes poli ticos no sentido do constitucionalismo 0 que permi-

70

tiu sentir, de maneira definitiva e urgente, uma orientacao for-malmente unificada do conjunto da pollt ica, inclusive a polit icsinterna, sob a egide de urn s6 homem de Estado. Sempre hou-ve, por certo, fortes personalidades que ocuparam a posi~ao deconselheiros au - em verdade - a de guia do prfncipe, Naoobstante,. a organizacao dos poderes priblicos havia, primitiva-mente, seguido via diversa daquela que acabamos de assinalar,tendo ocorrido esse fato mesmo nos Estados mais evoluidos,

Nota-se, com efeito e desde logo, a constituicao de tim corpoadministrativo supremo, de carater colegiado. Em teoria, embo-

ra com freqiiencia cada vez menor na pratica, esses organismosreuniam-se sob presidencia pessoal do principe, tinico a tomardecis5es. Atraves de tal sistema, que deu origem as propostas,

c<;mtrapropostas e votos segundo 0 principia da maioria e, a patdisso, devido ao fato de qJ.le 0 soberano, alem de recorrer a ssupremas instancias oficiais, apelava a homens de confianca, aele pessoalmente ligados - 0 "gabinete" -, par cujo inter-

medic tomava decisoes em resposta a s resolucoes dos Conselhosde Estado ou de outros orgaos da mesma especie (sem importar° nome que recebessem) - 0 prlncipe, que se colocava cadavez mais na posicao de urn diletante, julgou poder escapar

aimportancia inexoravelmente crescente dos funcionarios especia-lizados e qualificados, retendo em suas maos a d ire ca o m ais alta.Percebe-se, par toda parte, essa luta latente entre os funciona-

rios especializados e a autocrada do principe.Esse estado de coisas s6 se alterou com 0 surgir dos parla-

mentos e das aspiracoes polfticas dos chefes dos partidos par-lamentares. Embora as condicces desse novo desenvolvimentofossern diferentes nos diferentes paises, conduziram, nao obstan-te, a urn resultado aparentemente identico, Com algumas nuan-~as, e certo. Assim, em todos os lugares onde as dinastias con-

seguiram conservar urn poder verdadeiro - na Alemanha, no-

tadamente -, os interesses do prfncipe se aliaram aos dos fun-cionarios, contra as pretensfies do Parlamento e suas aspiracoes

ao poder. Os Iuncionarios tinham, com efeito, interesse na pas-sibilidade, aberta a alguns, de ascender a postos do executivo,inclusive as de ministro, que se transformavam, desse modo,

em posicao superior da carreira. De sua parte, 0 monarca tinhainteresse em poder nomear os ministros a seu bel-prazer e de es-

colhe-los entre os funcionarios a de devotados, E havia, enflm,

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urn interesse comum dessas partes no assegurar unidade de di-

re~ao polit ic a, vendo surgirern condicoes de enfrentar 0 Parla-

mento sem ~isa? int~rna: tinham essas partes interesse, portan-

to. em substi tuir 0 sistema eolegiado par urn chefe de gabinete

que exprimisse a unidade de vistas do ministerio, Acrescente-

-se que, para manter-se ao abrigo das rivalidades entre partidose dos eventuais ataques desses partidos, a monarea tinha neces-

sidade de contar com urn responsavel iinico, em condicoes de

the dar cobertura, isto e, com urn hornem que pudesse dar ex-plicacoes aos parlamentares, opor-se aos projetos que estes apre-

sentassem au negociar com os partidos. Todos esses diversos

interesses agiram eonjuntamente e num mesmo sentido con-

duzindo 11autoridade uniHcada de um ministro-funcionario. 0

proceso de desenvolvimento do poder parlamentar teve contu-

do, conseqiiencias ainda maiores no sentido de unificacao quan-

do, como na Inglaterra, 0 Parlamento conseguiu sobrepor-se ao

rnonarca. Em tal caso, 0 "gabinete", tendo a frente urn dirigen-

te parlamentar unico, 0 "llder", assumiu a forma de uma comis-

sao que se apoiava exclusivamente em seu proprio poder, de-

tendo, no pais, uma forca real, embora ignorada nas leis, a sa-

ber, a forca do partido politico que, na ocasiao eontava comma!oria no. ~a~Iamento. Deixararn, portanto, os ~rganismos co-

Iegiados oficiais de ser orgao do poder politico dominante __

que havia passado aos partidos - e, conseqiientemente, nao po-

diam. permanecer como reais detentores do governo. Para ter

Co-?dl~oes ~e afirmar s.ua au.t~ridade interna e de orientar a po-

lftica extenor, 0 partido dirigente necessitava, antes de tudo

d~ . um 6rgao dir:tor cO.mposto unicamente pelos verdadeiro~

d1tl~entes. do partido, a fun de estar em condicoes de manipular

confidencialmente os neg6cios. Esse orgao era precisamente 0

gabinete. ~o~tudo, aos olhos do publico e, 'em especial, ~os

olhos do piiblico parlamentar, havia urn chefe iinico responsa-

vel por todas as decisoes: 0 chefe do gabinete. Somente nos

~stados Unidos da America e nas democradas par eles lnfluen-

ciadas e que se adotou sistema totalmente diverso, consistente

em colo~ar 0~hefe do partido vitorioso, eleito por sufragio uni-

versal direto, a frente do conjunto de funcionarios por ele no-

mea~~s, dependendo da autorizacao do Parlamento apenas em

materia de orcamento e de legisla~o.

72

A cvolucso. ao mesmo tempo em que transformava a po -litica em uma "empress", ia exigindo formacao especial daque-

les que participavam da luta pelo poder e que aplicavam os m e ·todos politicos, tendo em vista as principios do partido moderno.

A evolucao conduz, assim, a uma divisao dos funcionarios em

duas categories: de urn Iado, os funcionarios de carreira e, de

outro, os funcionarios "politicos". Nao se trata, por certo, de

uma distincao que faca estanques as duas categorias, mas ela e ,nao obstante, suficientemente nitida. Os funcionarios "polit icos",

no sentido proprio do termo, sao, regra geral, reconheciveis ex-

ternarnente pela circunstancia de que e possivel desloca-los avontade ou, pelo menos "coloca-los em disponibilidade", tal

como ocorre com os prejets na Franca ou com funcionarios

do mesmo tipo em outros paises. Tal situacao e radicalmente

diversa da que tern as funcionarios de carreira de rnagistratura,

estes "inamoviveis". Na Inglaterra, e possivel incluir na cate-

goria de funcionarios politicos todos os que, par Iorca de con-

vencso estabelecida, abandon am seus pastas, quando tern lugar

uma alteracao da maioria parlarnentar e, par conseqiiencia, uma

reforma do gabinete. Assim ocorre, habitual e especialrnente,em relacao aos funcionarios euja incumbencia e a de velar pela

"adrninistracao internal', que e. essencialrnente, "polftica", im-

portando, antes de tudo, em manter a "ordern" no pals e, por-

tanto, em manter 0 existente equilibrio de Iorcas, Na Prussia.

apes 0 ordenamento de Puttkamer, as funcionarios, sob pena de

serem chamados a ordern, eram obrigados a "tornar a defesa dapolitica do governo" e, 11sernelhanca dos prefe!s na Franca

cram utilizados como instrumento oficial para influenciar as elei-

r;6es. No sistema alemao, contudo - contrariamente ao que

se da em outros paises - a maioria dos funcionarios "politicos"

ficava submetida a uma regra que se aplicava ao conjunto de

funcionarios, ou seja a de que 0 acesso a s funcoes administrati-vas esta sempre ligado a diplomas universitarios, a exames pro-

fissionais e a estagio preparatorio. Essa caracteristica especffica

dos [uncionarios modernos nfio tern vigencia, na Alemanha, no

que se refere aos chefes da organizaciio politica, isto e , aos m i-

nistros. Sob 0 regime antigo, ja era possivel, na Prussia, que

alguern se tornasse ministro dos cultos ou da instrucao, sem ter

[arnais freqUentado urn estabelecimento de ensino superior. ao

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passo que, em principio, a posicao de conselheiro especial * 5 6

estava aberta a quem houvesse obtido aprovacao nos exames

prescritos. Urn chefe de divisao administrative ministerial ou

conselheiro especial estavam, portanto e naturalmente - ao

tempo em que Althoff ocupava a pasta da Educacao na Prussia

- m uito m ais bern inform ados do que os chefes de Departamen-

to ace rca dos problemas tecnicos concretos, afetos a esse depar-

tamento. E niio era diferente 0 estado de coisas na Inglaterra,

Tal a razao par que 0 funcionario especializado e a mais pode-rosa personagem no que diz respeito aos trabalhos em curso.

Em verdade, uma situacao dessas nada tern, par si mesma, de

absurda. 0 ministro e , acima de tudo, 0 representante da cons-

telacao politics instalada no poder; cabe-lhe, portanto, por em

pratica 0 program a da constelacao de que faz parte, julgando,

em funcao de tal programa, as propostas que lhe sao oferecidas

pelos funcionarios especializados ou dando a seus subordinados

as diretrizes polft icas conformes it linha de seu partido.

Numa empresa privada, tudo se passa de rnaneira semelhan-

teo 0 verdadeiro soherano, ou seja, a assernbleia de acionistas

esta, nurna empresa privada, tao desprovida de influencias sa-

bre a gestae dos negocios quanto urn "povo" dirigido por fun-

cionarios especializados. As pessoas que tem poder de decisao

no que se refere a politica da empresa, isto e , as membros do

"conselho de adrninistracao", dorninadas pelos bancos, nao fa-

zem mais que tracar as diretivas econornicas e designar quem

seja eompetente para dirigir a ernpresa, pois que elas proprias

na o tern aptidao para geri-la tecnicamente. Desse ponto de

vista, e evidente que nao constitui novidade alguma a estrutura

atua! do Estado revolucionario, que entrega a direcao adminis-

trativa a verdadeiros diletantes, apenas porque estes dispoem

de metralhadoras, e que niio ve nos Iuncionarios especializados

mais que simples agentes executivos. Nao e , portanto, por esse

Iado, mas por outro que se imp6e busear as causas das dificulda-

des enfrentadas pelo sistema atual. Nao temos intencao, entre-

tanto, de abordar esse problema em nos sa palestra de hoje.

** No original V or tr ag en d e r R a t, alto funciondrlo minis terial encar-

regado da apresentacao periodica de relatorios acerca das atividades do6rgao em que servia.

7 4

Convem, agora, dirigir nossa atencao para os traces par-

ticulares dos politicos profissionais, tanto as que detem posi~ao

de chefia, quanto seus seguidores. Aqueles traces se tern al-

terado com 0 decurso do tempo e, ainda hoje, apresentam ma-tizes ' variados.

Como ja fizemos notar, os "politicos profissionais" surgi-

ram, outrora, da luta que opunha 0 prfncipe as "ordens" e logo

se colocaram a service do primeiro. Exarninemos, brevemente,

os principals tipos.

Para lutar contra as ordens, 0 principe buscou apoio nas

camadas sociais politicamente disponiveis e nao comprometidas

com' as rnesmas ordens. A essa categoria pertenciam, em primei-

ro lugar, os clerigos, tanto nas Indias orientais como nas oci-

dentais, na China e japao, na Mongolia dos Lamas e nos parses

cristaos da Idade Media. Havia, para isso, uma razao tecnica:

tratava-se de pessoas que sabiam escrever. Recorreu-se aos bra-

manes, aos sacerdotes budistas, aos Lamas ou aos bispos e sa-

cerdotes, porque neles se encontrava urn pessoal administrativo

potencial capaz de expressar-se par escrito e suscetivel de ser

utilizado pelo irnperador, pelos principes au pelo khan na luta

que travavam contra a aristocracia. 0 sacerdote, e muito par-

ticularrnente a sacerdote celibatario, colocava-se a margem da

agitacao provocada pelo choque de interesses politicos e economi-

cos proprios da epoca e, sobretudo, nao estava tentado, como

o vassalo, a conquistar, em detrimento de seu senhor e no in-

teresse de seus descendentes, poder politico proprio. Par sua

condicao social, 0 sacerdote estava "privado" dos meios de ges-

tao, dentro do sistema administrative do prfncipe.

A segunda categoria veio a ser constituida pelos letrados

com formacao humanistica. Foi ,urn tempo em que, para aspi-

rar a posicao de conselheiro do principe e, em especial, de histo-

ri6grafo do principe, aprendia-se a fazer discursos em latim epoesias em grego. 'Foi a epoca de f loracao inicial das escolas

humanfsticas e da fundacao, pelos reis, das catedras de "poeti-ca": epoca rapidarnente ultrapassada entre nos. Teve, sem du-

vida influencia duradouta sabre nosso sistema escolar, mas, em

verdade, nao den Iugar a conseqiiencias significativas no campo

da politica, Coisa diversa, entretanto, ocorreu no Extreme-

Oriente. 0 mandarim chines e , au rnelhor, foi, em sua origem,

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muito semelhante ao humanista da Renascenca, isto e , urn le-

trado com educacao humanista recebida ao contacto com monu-

mentos lingiilsticos do passado remoto. Quem ler 0 diario de

Li Houng-Tchang verificara que ele tinha como orgulho maior

o ser autor de poesias e excelente caligrafo. Essa camada social

dos mandarins, nutrida pelas convencoes estabelecidas segundo

o modelo da antigiiidade chinesa, foi a determinante de todo

o destino da China. Nosso destino teria podido ser 0 mesmo,

se nossos humanistas tivessem tido, em sua epoca, a possibili-dade de se imporem com a mesmo exito.

A terceira categoria era constituida pela nobreza da corte.

Apos ter conseguido retirar da nobreza 0 poder politico que

ela detinha enquanto ordem, os soberanos a atrairam para a

corte e Ihe atribuiram funcoes politicas e diplornaticas. A trans-

formacao sofrida par nosso sistema educacional, durante 0 se-

culo XVII, foi, em parte, determinada pela circunstancia de que

os letrados humanistas cederarn a politicos profissionais recruta-

dos na corte a posicao que ocupavam junto aos principes,

A quart a categoria e composta par uma figura tipicamente

inglesa: 0 patriciado, que compreendia a pequena nobreza e osrendeiros das aldeias, a que se designa pelo termo tccnico ide

gentry. De inicio, 0 soberano, para Iutar contra as baroes,

havia atraido esse patriciado e Ihe havia confiado posicoes de

self-government, mas, com 0 cotter do tempo, viu-se ele pro-

prio 11a d ependencia des sa camada social ascendente. 0 patti-

dado conservou todos os postos da adrninistracao local, assu-

mindo, gratuitamente, todos as encargos, tendo em vista 0 in-

teresse de seu poder social. E, assirn preservou a Inglaterra da

burocratizacao, que foi 0 destino de todos as paises da Europa

continental.

A quinta categoria, ados juristas form ados em universida-

des, constitui urn tip a ocidental peculiar, e peculiar, antes detudo, ao continente europeu, de' que determinou, de maneira do-

minante, toda a estrutura politics. A forrnidavel influencia pas-

tuma do direito romano, sob a forma que havia assumido no

Estado romano burocratizado da decadencia, nao transparece, em

nenhuma outra parte, mais claramente do que no fato seguinte:

a revolucao da coisa publica, entendida essa expressao em ter-

mas de progressao no sentido de uma forma estataI racional foi,

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em todos os lugares, obra de juristas esclarecidos. Pode-se co~-

tata-lo ate rnesmo na Inglaterra, embora as grandes corporacoes

nacionais de juristas hajam, ali, combatido a difusao do direito

romano. Em nenhuma outra parte do mundo se encontra qual-

quer analogi a com esse fen6~eno. Os ensaio.s de pens~mento

juridico racional levados a e£:l to :t:ela escola hindu de Mimansa

e as esforcos dos pensadores islamitas para prom~ver o. progres-

so do pensamento juridico an!ig? .nao pU.deram impedir a con-

taminacao desse pensamento jurldico racional por form~s teo-logicas de pensamento. Nenhuma dessas duas ~orrentes £01 capaz

de racionallzar de maneira completa 0 procedimento legal. Pa-

ra levar a born termo esse proposito, f0 1 necessaria estabelecer

contacto com a antiga jurisprudencia dos romanos que, tal co~o

e sabido resultou de uma estrutura politica absolutamente sin-

gular, pois que se elevou de ddade-Estado a categ~ria de imI?e-

rio mundial. A obra foi primeiramente empreendida pelos JU -

ristas iralianos, importando citar, a seguir, 0 ?~us modern~s dos

pandectistas, os canonistas da alta Idade Media e, par . f 1 r I ? ' . asteorias do direito natural e1aboradas pelo pensamento juridico

cristae que depois se secularizaram. Os grandes representan-

", d . li 1tes desse racionalismo juridico foram a po esta Ita lana, os e-gistas franceses (que encontraram melos legals pa.ra solapar 0

poder dos senhores em beneficia do poder. dos re:s)! os cano-

nistas e as teologos que professaram as teo~las. d~ ~lte1to natu:-al

nos concilios, os juristas de corte e os habels juizes dos pnn-

cipes do continente, as teoricos do direito natural na Rolanda

e os monarcemacos as [uristas ingleses da Coroa e do Parla-

mento a noblesse de robe do Parlarnento de Paris e, enfim, os

advog~dos da Revolucao Francesa. Sem ~sse racionalismo [u -ridico, niio se poderia compreender 0 surgrmento do abs~lutls-

rna real, nem a grande Revolucao. Quem percorra ?s registros

do Parlamento de Paris ou as anais dos Estados Gerais franceses,

desde 0 seculo XVI ate 1789, a1 encontrara presente 0 espirito

dos juristas. E quem passar em revista as pro£issoe~ dos ~e.m-

bros da Convencao, quando da Revolucao, encontrara .um ~11lCO

proletario - ernbora escolhido segundo a mes:n~ ~el eleitoral

aplidvel a seus cole gas - e urn mimero reduzidlssimo de em-

preendedores burgueses. Em oposicao a isso, enc~ntrar~ nume-

rosos juristas de todas as orientacoes, sem ?s quats ~erla abso-

Iutamente impossfvel compreender a mentalidade radical desses

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intelectuais ou os projetos por eles apresentados. Desde essa

epoca, 0 advogado rnoderno e a democracia estao ligados. Po routro lado, so no Ocidente e que se encontra a figura do advo-

gado no sentido especifico de urna camada social independente

e isso desde a Idade Media, quando eles se multiplicaram a

partir do "intercessor" (Fursprech) do processo germanico, sob

influencia de uma racionalizacao de procedirnentos.

N ada tern de fortuito a importancia dos advogados na po-Iitica ocidental, apos a aparicao dos partidos politicos. A em-

pres a politica dirigida por partidos nao passa, em verdade, de

uma empresa de interesses - e logo veremos 0 que essa asser-

~ao pretende significar. Ora, a Iuncao do advogado especializa-

do consiste exatarnente em defesa dos interesses daqueles que

o procuram. Em tal dominio - e tal e a conclusao que se

pode retirar da superioridade da propaganda inirniga °advogado sobrepuja qualquer "funcionario". Sem diivida algu-

rna, ele pode fazer triunfar, isto e , pode "ganhar" tecnicamente

uma causa cujos argumentos tern fraca base logica e que e , em

conseqiiencia, logicamente "rna", POtem e tarnbem 0 tinico a

tel.' condicoes de fazer triunfar, isto e , de "ganhar" uma causaque se funda em argumentos solidos e que e , portanto, "boa",

em tal sentido. Acontece infelizmente e com frequencia dema-

siada que 0 funcionario, enquanto homem politico, faca de urna

"boa" causa, do ponte de vista dos argumentos, uma causa "rna",

em razfio de erros tecnicos. Temos experiencia disso, Em rne-

dida cada vez maior, a politics se faz, hoje, em publico e se Iaz,

portanto, com a utilizaciio desses instrumentos que sao a palavra

falada e escrita. Pais bern, pesar 0 efeito das palavras e alga

que se poe como parte relevante da atividade do advogado, mas

na o como parte da atividade de urn Iuncionario especializado

que nao e dernagogo e que, por definicao, nao 0 pode ser. Se

ele, por infelicidade, ten tar desempenhar esse papel, s6 poderafaze-Io de maneira canhestra.

o verdadeiro funcionario - e essa observacao e decisiva

para julgarnento de nosso antigo regime - ndo deve fazer po-

litica exatamente devido a sua vocacao: deve administrar, antes

de tudo, de forma nao partidaria, Esse imperative aplica-se

igualmente aos ditos funcionarios "politicos", ao menos oficial-

mente e na medida em que a "razao de Estado", isto e , os in-

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teresses vitats de ordem estabelecida nao estso em jogo. Ele

deve desempenhar sua missao sine ira et stud io, "sem ressenti-

mentes e sem preconceitos", Nao deve, em conseqiiencia, faze!

o que 0 hom em politico, seja 0 che±e, ~ejam seg~idores, estd

compelido a fazer incessante e necessat1aroen~e, isto e, c o r ; z -bater. Com efeito, tomar part ido, lutar, apalx,O~at-se - ira

et studio - sao as caracteristicas do homem politico. E, antesde tudo, do chefe politico. A atividade deste ult imo esta subor-

dinada a urn princlpio de responsabilidade totalmente estranho,e mesmo oposto, ao que norteia 0 funcionario. A h~nra. do fun-

donatio reside ern sua capacidade de executar conscrenciosamen-

te uma ordem, sob responsabilidade de uma autoridade superior,

ainda que - desprezando a advertencia - ela se obstine aseguir uma £aIsa via. 0 funcionario deve executar essa ordem

como se ela correspondesse a suas proprias conviccoes. Sem

essa disciplina moral, no mais elevado sentido do termo, e sem

essa abnegacao, toda a organizacao ruiria. A honra do. ~he£e

politico, ao contrario, consiste [ustamente na re.~ponsabtlzdadepessoal exclusiva par tudo quanta faz, respons~brl!~ade que ~le

nao pode rejeitar, nem delegar. Ora, ~s fu~nClOnat10S 9 .ue tem

visao moralmente elevada de suas iuncoes sao, necessariamente,maus politicos: nao se disp6em com efeito, a assumir res~on-

sabilidades no sentido politico do termo e, desse ponto de vista,

sao, conseqlientemente, politicos moralmente inferiores. Infeliz-

mente, esse tipo de funcionario ocupa, na"Ale:nanha, posto.s d,e

direcao. E a i5S0 que damos 0 nome de regime dos £unclOn~·

rios". Nao e Ierir a hour a da Iuncao publica alerna por em evi-

dencia a que hi de politicamente falso no sistema.' visto d~ a _ n -gulo da eficacia politica, Voltemos, porem, aos trpos de figura

polftica.

*Desde que existem os Estados constitucionais e mesmo des-

de que existem as democracias, 0 "demagogo" tern sido 0 che£e

politico tipico do Ocidente. 0 gosto desagradavel que em n6~

provoca essa palavra nao nos deve levar a esquecer ~ que f01

Pericles e nao Cleon 0 primeiro que a mereceu. Nao tendo

funciio alguma, ou rnelhor: ocupando a iinica fun~ao eletiva

existente, a de estratega superior - enquanto que todos as

outros postos na democracia antiga eram atribuidos por sor-

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teio -, ele dirigia a eclesia soberana do demos ateniense. Cer-

to e que a demagogia moderna faz uso do discurso - e numa

proporcao perturb adora, se pensarmos nos discursos eleitorais

que 0 candidate modern a esta obrigado a pronunciar -, mas

£az use ainda maier da palavra impressa. Por tal motive e que

o publicists politico e, muito particularmente, 0 [ornalista sao,

em nossa epoca, as mais notaveis representantes da demagogia.

No quadro desta conferencia, nao nos e possivel tracar

nero mesmo urn simples esboco da sociologia do moderno jor-

nalismo. Esse problema constitui, de todos os pontos de vista

urn capitulo a parte. Contentar-nos-emos com algumas observa-

<;6es, que sao importantes para 0 assunto de que nos ocupamos.

o jornalista participa da condicao de todos os demagogos, assim

como - ao menos no que se refere a Europa continental e em

oposicao ao que se passa na Inglaterra e, outrora, ocorria na

~russia - 0 advogado (e 0 artista): escapa a qualquer classi-

ficacao social precisa. Pertence a uma especie de c1asse de parias

que a "sociedade" sernpre julga em funcao de seus representan-

tes mais indignos sob 0 ponto de vista da moralidade. Dai a ra-

zfio por que se veiculam as ideias mais estranhas a respeito dos

jornaIistas e do trabalho que executarn. Nao obstante, a maior

parte das pessoas ignora que urn "trabalho" jornalistico real-

mente born exige pelo menos tanta "inteligencia" quanto qual-

quer outro trabalho intelectual e, com freqiiencia, se esquece

tratar-se de tarefa a executar de imediato e sob comando tarefa

it qual impoe-se ernprestar imediata eficacia, em condicces de

criacao inteiramente diversas das enfrentadas por outros inte-

Iectuais. Muito raramente se considera que a responsabilidade

d.o jornalista e bern maior que a do cientista, nao sendo 0 sen-

timento de responsabilidade de urn jornalista honrado em nada

inferior ao de qualquer outro inteleetual - e cabe mesmo di-

zer que seja superior, quando se tern em conta as constatacdesque foi possivel fazer durante a ultima guerra. 0 descredito

em que tombou 0 [omalismo explica-se pelo fato de havermos

guardado na memoria os abusos de jornalistas despidos de sen-

sa ?e responsabilidade e que exerceram, freqiientemente, in flu-

enCIa deploravel. Ninguern se inclina, entretanto, a admitir que

a discricao do jornalista seja, em geral, superior a de outras

pessoas. 0 ponto e inegavel. As tentacoes incomparavelmente

mais fortes, que se ligam ao exerc.ido dessa profissao, bern como

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outras condicoes que rodeiam a atividade jornalfstica implicam

em certas conseqiiencias que habituaram 0 publico aver 0 jor-

nal com um misto de desdem e de piedosa covardia, Nao nos

e dado examinar, esta noite, 0 que seria de conveniencia fazer

em tal circunstancia. 0 que nos interesse, no memento, e 0

problema do destine politico reservado aos jornalistas: quais ~s

possibilidades que a eles se abrem de ascender a postos de di-rec;ao poll tiea? A te agora, as oportunidades so lhes foram fa-

voraveis no partido social-democrara e, mesmo dentro dessa or-ganizacio, os postos de redator davam, em geral, a simt:les con-

dicao de funcionario, nao se constituindo em trampolim para

acesso a uma posicao de dirigente.

Nos partidos burgueses, as possibilidades de chegar ao po-

der politico atraves do jornalismo diminuiram, de m.odo geral,

se as comparamos com as que vigiam n~ gerac;}io .ant~rlor. Nat~-

ralmente que todo politico de alguma importancia tinha necess~-

dade de contar com a imprensa e, conseqiientemente, necessi-

tava cultivar relacoes no meio jornallstico. Era, entretanto, in-

teiramente excepcional - contrariava qualquer expectativa

vet chefes politicos aflorarem a partir do jornalismo. A razao

desse fa to deve set procurada na "nao-disponihilidade" que se

faz notar fortemente no campo do jornalismo, sobretudo quan-

do 0 jornalista nao dispoe de fortuna pessoal e, por tal circuns-

tancia tern os recursos limitados que a profissao the assegura.

Essa depencienda e conseqiiencia do desenvolvimento enorme

que em vulto e poder, teve a ernpresa jornalistica. A necessi-

dad~ de ganhar a vida redigindo urn artigo diario ou, pelo me-

nos semanal constitui especie de cadeia presa ao pe do jorna-

lista e conheco alguns deles que, embora possuissem 0 tempe-

ramento de urn chefe, viram-se continuamente paralisados, ma-

terial e moralmente, em sua ascensao para 0 poder. Certo eque, sob 0 antigo regime, as relacoes da imprensa com os. p~-

deres dominantes no Estado e com os partidos foram prejudi-

ciais, ao maximo, para 0 nivel do jornalismo, mas isso consti-

tui capitulo a parte. Essas relacoes haviam tornado £eic;ao in-

teiramente diversa nos paises inimigos da Alernanha (Aliados ).

Contudo, mesmo ali e, em geral, em todos os Estados moder-

005, pode-se constatar, ao que parece, a vigencia da seguinte re-

gra: 0 trabalhador da imprensa perde, cada vez mais, influencia

politica, enquanto que 0 magnata capitalist a - do tipo de Lorde

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Northcliffe, por exemplo - v~, continuamente, aumentada essa

influencia,

Os grandes consorcios capitalistas de imprensa que, na Ale.rnanha, se haviam apossadc dos jornais que publicam "amincios

populates" foram, ate 0 momenta e via de regra, os tfpicos pro-pagadores da indiferenca poHtica. Havia-se tornado consciencia

de que, obstinando-se no seguir esse caminho, nao se tiraria

qualquer vantagem de uma politica independente, nao haven-

do esperanca alguma de poder contar com a b en ev olen cia, c o-mercialmente util, das forcas que se encontravarn no poder,o sistema dos comunicados foi a1go a que 0 governo recorreulargamente, durante a ultima guerra, para tentar exereer influ-

encia politica sobre a imprensa e parece que ha, no momento,tendencia de perseverar ness a trilha, Se e de esperar que agrande imprensa possa subtrair-se a esse tipo de informacao, 0

mesmo nao se data com os pequenos jornais, cuja situecao ge~ral e muito rnais delicada. Seja como for, a carreira jornalisticanao e na ocasiao presente, entre nos, via normal para alcancar

a posicao de chefe politico (0 futuro nos dira se nao a e mais

au se nao 0 e ainda), a despeito dos atrativos de que ela se

possa revestir e do campo de influencia, de a~ao e de respon-

sabilidade que possa abrir para as que desejem a e1a dedicar-se,E dificil dizer se a abandono do principio do anonimato, pre-

conizado par muitos jornalistas - nao por todos, e certo -sera suscedvel de alterar a situacao, A experiencia que foi pas"slvel fazer na imprensa alerna, durante a guerra, com relaciio

a jornais que haviam confiado os postos de redator-chefe a in-

telectuais de grande personalidade, que utilizavarn explicitamen-te 0 proprio nome, mostrou, infelizrnente, que, em alguns casos

notorios, 0metoda nao e tao born quanta se poderia crer, parainculcar elevado sentido de responsabilidade. Foram - sem dis-

tincao de partidos - as chamadas folhas de informacao, semduvida as m ais co mpro metidas, ,que s e e sf or ca ram para, afas-

tando 0 anonimato, aumentar a tiragem, no que se vitam muitobem-sucedidas, As pessoas envolvidas, tanto as diretores des-sas publicacoes como as jornalistas do sensacionalismo, ganha-ram com isso uma fortuna, mas nada se ganhou no capitulo dahonra jotnalistica. Nao quer isso dizer que se deva rejeitar 0

principia da assinatura dos art igos: 0 problema e , em verdade,assaz complexo e a Ienomeno que meneionamos nao tern qual-

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que! significacao de carater geral. Constato simplesmente que

essa pratica nao se revelou, ate 0 presente, meio adequado para

formar ehefes verdadeiros e politicos que tenham senso de res-

ponsabilidade. 0 futuro nos dira do evoluir de tal situacao,

De qualquer modo, a carreira jornalistica permanecera como umadas vias mais importantes de atividade politica profissional. Nsose con stitui , entretanto, em caminho aberto a todos. Nso est aaberto, sobretudo, para os caracteres fracos e, menos ainda, para

as que so se podem realizar em situacao social isenta de ten-soes, Se a vida do jovem intelectual esta exposta ao aeaso,permanece, contudo, rodeada de certas convencoes sociais soli-das, que a protegem contra as passos em falso. A vida do jor-nalista, entretanto, esta entregue, sob todos as pontos de vista,ao puro azar e em condicoes que 0 poem a prova de maneiraque nao encontra paralelo em nenhuma outra profissao, As ex-periencias freqiientemente arnargas da vida profissional corres-pondem, talvez, ao aspecto menos penoso dessa atividade. Saoexatamente os jornalistas de grande notoriedade que se veem

compelidos a enfrentar exigencias particularmente crucis. E demencionar, por exemplo, a circunstancia de frequenter os sa-

loes dos poderosos da Terra, aparentemente em pe de igualda-de, vend?"se, em geral e mesmo com freqiiencia, adulado, por-que temido, tendo, ao mesmo tempo, consciencia perfeita deque, abandonada a sala, 0 anfitriao sentir-se-a, talvez, obrigado

a se justificar diante dos demais convidados par haver feito com"pareeer esses "Iixeiros da imprensa". De mencionar tambeme 0 £ato de se ver obrigado a manifestar prontamente e, a pardisso, com conviccao, pontos de vista sobre todos as assuntos quea "mercado" reclama e sobre todos os problemas possfveis etudo isso niio apenas sern cair na vulgaridade e sem perder apropria digniclade desnudando-se, 0 que teria as mais impiedo-sas conseqiiencias. Em circunstancias tais, nao e de qualquer

modo surpreendente que numerosos jornalistas se hajam degra-dado, decaindo sob 0 ponto de vista humano, mas surpreenden-

te e que, a despeito de todas as dificuldades, a corporacao in-cIua tao grande mirnero de homens de autentico valor e mesmo

uma proporcao de jornalistas honestos mais elevada do que 0

supoem os profanos.

Se 0 jornalista e urn tipo de homern politico profissional

que, sob certo aspecto, ja tem longo passado atras de si, a fi-

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gum do funcionario de urn partido politico, ao contrario, s6 apa-

receu no curso das iiltimas decadas e, em parte, no curso dos

tiltimos anos, Para compreender 0 process a de desenvalvimento

hist6rico desse novo tipo de homem, faz-se necessaria examinar,

preliminarmente, a vida e a organizacao dos partidos politicos.

*Em todos os lugares - a excecao dos pequenos cantoes ru-

rais em que as detentores do poder sao periodicamente eleitos- a empresa politica se poe, necessariamente como empresa

de interesses. Quer isso dizer que urn mimero relativamente

restrito de hornens interessados pela vida polltica e desejosos

de participar do poder aliciam seguidores, apresentarn-se como

candida to ou apresentam a candidatura de protegidos seus, reti-nem os rneios financeiros necessaries e se poem a caca de sufra-gios. Sem essa organizacao, niio hli como estruturar praticamen-

te as eleicoes em grupos politicos amplos. Equivalem essas pa-

lavras a afirrnar que, na pratica, os cidadaos com 0 direito a

voto dividem-se em elementos politicamente ativos e em ele-

mentos politicamente passives. Como essa distincao tern par

base a livre' decisao de cada urn, nao c possivel suprimi-Ia, adespeito de todas as medidas de ordem geral que se possam su-

gerir, tais como 0 voto obrigatorio, a "representacao das pro-

fissoes" au qualquer outro meio destinado, formal au efetiva-

mente, a fazer desaparecer a diferenca e, POt esse meio, 0 do-

minio dos politicos profissionais, A existencia de chefes e se-

guidores que, enquanto elementos ativos, buscam recrutar, li-

vremente, militantes e, pot outro lado, a existencia de urn cor-

po deitoral passivo constituem condicoes indispensaveisjt exis-

tencia de qualquer partido politico. A estrutura mesmados

partidos pode, entretanto, variar, Os "partidos" das cidades

medievais, como, POt exemplo, ados guelfos e dos gibelinos,

compunham-se exclusivamente de. seguidores pessoais. Se con-

siderarrnos a Statuto della parte Cud/a, se nos recordarmos de

certas disposicoes como a relative ao confiseo dos bens dos No-hili - familias onde havia a condicao de cavaleiros e que po-

diam, conseqiientemente, tornar-se proprietarias de urn feudo

- ou se lembrarmos a supressao do direito de exercer determi-

nada funcao ou a privacao do direito de voto que podia atingir

membros dessas famtlias ou, enfirn, se considerarmos a estrutura

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das comissoes inter-regionais desse partido, a severa organizacao

militar a que obedeciam e as vantagens que concediam aos dela-

teres, nao poderemos impedir-nos de pensar no bolchevismo, em

sua organizacao militar e - sobretudo na Russia - em suasorgamzacoes de intorrnacao, na desmoralizacao e denegacao de

direitos politicos aos "burgueses", isto e , empreendedores, co-

merciantes, clerigos, elementos ligados a antiga dinastia e diri-

gentes da antigapolicia. A analogia se torna mais contundente

quando se leva em conta que a organizacao militar do partidoguelfo estava apoiada em um exercito de cavaleiros no qual

quase todos as postos de direcdo eram reservados para as nobres;

com efeito, os sovieticos conservararn, ou, melhor, restabelece-

ram, a figura do empreendedor amplamente remunerado, 0 tra-

balho forcado, 0 sistema Taylor, a disciplina no exercito e naflibrica e chegarn a lancar olhares para os capitals estrangeiros,Numa palavra, para colocarem em marcha a maquina economica

e estataI, virarn-se des condenados a adotar tudo quanta con-

denaram como instituicoes da classe burguesa, alern disso, rein-

tegrarn nas vclhas funcoes as agentes da antiga Ochrana (poll-

cia secreta czarista ), transformando-os em instrumentos essen-

dais do poder politico. Nesta palestra nao nos poderernos, en-tretanto, ocupar dessas organizacoes apoiadas na violencia; da-remos atencao, ao contrario, aos politicos profissionais que bus-

cam ascender ao poder com 0 apoio da influencia de urn partido

politico que disputa votos no rnercado eleitoral scm jamais reo

correr a outros meios que nao os racionais e "pacfficos",

Se considerarrnos, agora, as partidos politicos no sentido

comurn do termo, constataremos que, de inicio e por exemplo

na Inglaterra, eles nao passavarn, no comeco, de simples con-

juntos de dependentes da aristocracia. Quando, por esta au

aquela razao, urn par do reino trocava de partido, todos os

que dele dcpendiarn passavarn-se tarnbern para 0 outro campo.

Ate a epoca do Reform Bill (de 1831), nao era 0 rei, porem

as grandes families da nobreza que gozavam das vantagens pro-

piciadas peia massa enorme dos burgos eleitorais. Os parti-

dos de notaveis, que se desenvolveram mais tarde gracas it as-

censao polltica da burgucsia, conservavam ainda uma estrutura

multo proxima da estrutura dos partidos da nobreza, As cama-

das sociais que possuiam "fortuna e educacao", animados e diri-

gidos por intelectuais, categoria peculiar ao Ocidente, dividiram-

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-se em diferentes porcoes, 0 que foi devido, em parte, a in teres-

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ses de classe, em parte a tradicao familiar e, em parte, a motivos

puramente ideologicos, passando a constituir partidos politicos

de que conservaram a direcao, Membros do clero, professores,advogados, medicos, farrnaceuticos, fazendeiros prosperos, manu-

Iatores - e, na Inglaterra, toda camada social que julgava per-

tencer it classe dos gentlemen - constituiram-se, de inlcio, em

agrupamentos politicos episodicos OU, quando muito, ern dubes

politicos locais; durante os periodos dificeis, via-se surgir, tarn-

bern, no palco politico, a pequena burguesia e ate 0 proletaria-

do chegou, certa vez, a aparecer. E £azia-se ainda necessario

que essas iiltimas camadas sociais encontrassem urn chefe que,

via de regra, nao brotava de seu propria seio. Na epoca, nao

existiam partidos organizados regionalmente, que encontrassem

base em agruparnentos perrnanentes do interior do pais. Nao

existia outra coesao polftica senao a criada pelos parlamentares,

apesar do que as pessoas de Importancia local desempenhavam

paper marc ante na escolha dos condidatos. Os programas in-

cluiam, a par da profissao de fe dos candidatos, as resolucoes to-

madas nas reuni6es dos homens de prol ou resolucoes das fact;oes

parlamentares. So em carater acessorio e a tftulo exclusivamen-te honorlfico e que urn homem de projecao consagrava parte

de seus lazeres a direcao de urn clube. Nas localidades em que

esse dube nao existia (caso rnais comum), a atividade politica

estava privada de qualquer organizacao, mesrno no que tangia

as raras pessoas que se interessavam normalmente e de maneira

continua pela situacao do pais. So 0 jornalista era urn politico

profissional remunerado e, alern das sessoes do Parlamento, so

a imprensa constituia uma organizacao poHticadotada de algum

sentido de continuidade. Nao obstante, 05 parlamentares e os

diretores de partido sabiam perfeitamente a quais che£es locais

recorrer quando certa at;ao politica parecia desejdvel, Tao-semen-

te nas grandes cidades e que se instalavam secoes permanentesdos partidos, com mensalidades modicas pagas pelos membros,

com encontros periodicos e reunifies ptiblicas durante as quais

o deputado prestava contas de seu mandate, Vida politica s6

havia, entretanto e realmente, no decurso do perlodo eleitoral.

Nao demorou, porem, a ser sentida a necessidade de uma

coesao mais firme no interior dos partidos, Numerosos motivos

impuseram essa nova orientacao: 0 interesse dos parlameritares

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em conseguir cornpromissos eleitorais entre circunscriedes dife-

rentes, 0 impacto a que podia dar lugar urn programa iinico e

adotado por largas camadas sociais do pais e, de modo geral, autilidade que representava para 0 partido uma movimentacao po-

litica unificada. Sem embargo, mesmo depois de estabelecida

uma rede de secoes locais do partido na s cidades de media im -portancia e de instalados em todo 0 pais "homens de confian-

ca", que permaneciam em contacto permanente com urn me~~

bra do grupo parlamentar, a estrutura do aparelhamento parti-dario nao se modificou: manteve, em principio, 0 carater de

agrupamento de homens de projecao, Afora as empregados da

sede central, nao existiam ainda funcionarios remunerados, de

vez que, par toda parte, as associacoes locais eram dirigidas

pohticamente por pessoas "consideradas", em razjio da estima

de que gozavam no meio. Os "homens de prol" que se man-

tinham fora do Parlamento continuavam a exercer influencia, ao

lade da categoria de homens de prol assentados no Parlamento.

As manifestacoes dadas a publico pelo partido forneciam, de

maneira natural e forma crescente, 0 alimento espiritual de que

se nutriam a imprensa e as reunifies locais abertas. Tornavam-se

indispensaveis as contribuicoes regulates dos membros, partedas quais se destinava a cobrir gastos do organismo central.

Ate recentemente, as organizacoes poli ticas alemas eneontravam-

-se ainda nesse estagio. E, na Franca, continuam a permanecer,

parcialmente, no primeiro estagio, 0 dos Hames instaveis entre

os parlamentares e a reduzido mimero de homens de prol locais.

Naquele pais, os ptogramas ainda sao elaboradas, em cada uma

das circunscricoes, pelos proprios candida tos ou par seus pre-

ceptores, antes do inicio da campanha eleitoral, embora eon-

siderando, em maior au menor extensao e segundo exigencies

locais, as resolucoes e as programas dos parlamentares. So par-

cialmente se conseguiu, em nossos dias, abalar tal sistema. 0

mimero de pessoas que, ate poueos anos arras, fazia da atividade

politica a ocupacao principal era muito reduzido. Abrangia, prin-

cipalrnente, 05 deputados eleitos, a punhado de empregados do

organismo central, as jornalistas e, alem disso - na Franca - os

que estiio " a cata de urn posto" e os que, tendo j a oeupado

urn posto, estao a espera de conseguir uma situacao nova. Em

geral, a politica se constituia, de forma preponderante, em uma

segunda profissao, 0 mimero de deputados "suscetiveis de se

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transformarem em rninistros" era muito pequeno, assim como,

alias, ados candidates a eleicoes, pois que os homens de prol

conservavam 0 controle das operacoes, De Dutra parte, 0 mime-

ro dos que se interessavam indiretamente pela politica, sobre-

tudo no relative a seu aspecto material, era grande. Todas as

medidas que urn ministro poderia adotar e, muito particularmen-

te, todas as solucoes que poderia oferecer a assuntos de cara-ter pessoal tinham em conta a possivel influencia da decisao

sabre 0 resultado das eleicoes seguintes. Procurava-se, com efei-to, agir de maneira que a concretizacao de qualquer tipo de pre-

tensao dependesse da rnediacao do deputado local; de born ou

de mau grado, via-se 0 rninistro cornpelido e prestar-Ihe ouvi-

dos, sobretudo se 0 deputado integrava a m aioria ~ e exata-

mente por esse motivo, todo deputado procurava integrar a

maioria, 0 deputadoxletinha 0 monopolio dos empregos e, de

modo geral, todas as especies de monopolio relativas aos nego-

cios de sua circunscricao, E, de sua parte, agia com muita cau-

tela nas relacoes com os homens de prestigio local, a fim deassegurar reeleicao.

A esse estado i di li co d e d o rn in ac ao dos homens de prol e,sobretudo, de dominacao dos parlarnentares opoe-se, em nossa

epoca e da maneira mais radical, a estrutura e a organizacao

modern a dos partidos. Esse novo estado de coisas e filho da

dernocracia, do sufragio universal, da necessidade de recrutar

e organizer as rn assa s, d a e vo lu ca o dos partidos no sentido de

uma unificacao cada vez mais rfgida no topo .e no sentido de

uma disciplina cada vez mais severa nos diversos escaloes, As-

sistimos, presenternente, a decadencia do dorninio dos homens

de prol, assim como a de uma politica dirigida apenas em ter-

mas dos parlamentares, Os individuos que fazem da atividade

~o.Iftica a profissao principal retomarn a direcao da empresa po-

lftica, mantendo-se embora afastados do Parlamento. Sao ou

"empreendedores" _. a maneira do boss norte-americano ou do

election agent Ingles - ou Iuncionarios dos partidos, com posi-

~oes fixas. Do ponto de vista formal, assistimos a uma demo-

cratizacao acentuada. Nao e mais a grupo parlamentar que es-

tabelece 0 programa e define a linha de conduta do partido,

nem sao mais os homens de importancia 1 0 c a 1 os que deddem

das candidaturas a s eleicoes, mas essas tarefas passam a caber

a reunioes de militantes dos partidos, onde se escolhem os can.

88

didatos e de onde partem representantes para participar de as-

sembleias de instancia superior, assembleias que p od em e ste nd er -

-se pot escaloes varies, ate a assembleia geral denominada "Can-

gresso do Partido". Em verdade, 0 poder repousa, hoje em

dia, nas maos das permanentes , que sao responsaveis pela coo-

tinuidade do trabalho no interior da organizacao, au cabe 0

poder aquelas personalidades que dominam individual ou finan-ceiramente a empresa, a rnaneira des mecenas ou dos chefes

de poderosos cIubes politicos de interesse, do genero do Tamma-ny Hall, 0 elemento novo e decisivo reside na circunstancia

de que esse imenso aparelho - a "maquina", de acordo com

a expressao caracteristica empregada nos pafses anglo-saxoes -

ou melhor: os responsaveis pela organizacao podem fazer fren-

te aos parlamentares e estao mesmo em condicao de impor,em

medida consideravel, a propria vontade. 0 elemento re£erido

e de importancia particular no que diz respeito a escolha dos

mernbros da direcao do partido. S o aquele que a r na qu in a se

disponha a apolar, mesmo em detrimento da orientacao parla-

mentar, podera vir a transformar-se em chefe. Dito em outras

palavras, a insti tuicao dessas maquinas correspondente a instals-

~ao da democracia plebisciedria.Os militantes e, em especial, os funcionarios e dirigentes

do partido esperam, naturalmente, que 0 triunfo do chefe lhes

traga compensacao pessoal: posicoes ou vantagens outras. Irn-

portante e que 0 esperam da parte do chefe e de maneira algu-

rna, nem unicamente, dos parlamentares. Esperarn, acima de

tudo, que, n o d ec ur so da campanha eleitoraI, a in flu en cia d em a -

gogica da personalidade do chefe lhes assegure votos e rnanda-

tos, garanta a abertura das portas do poder, de sorte que os mi-

litantes contarao com as maiores possibilidades de obter a es-

perada recompensa pela devocao que demonstrararn. Do ponto

de vista psicologico, uma das mais importantes forcas motoras

com que possa contar 0 partido politico reside na satisfacso queo homem experiments por trabalhar com a devocao de urn cren-

te em favor do ex i to da causa de uma personalidade e nao ape-

nas em favor das abstratas mediocridades contidas num progra-

rna. E exatarnente nisso que consiste 0 poder "carismatico" do

chefe.

Essa forma nova de organizacao dos partidos impos-se, em

medida variavel, na maioria dos paises, nao, entretanto, sem

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constante rivalidade laterite com os homens de importancia lo- lhe sao familiares, Desconfia, portanto, da ambicao de urn des-

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cal e com os parlamentares, que lutam para conservar a influ-

enda de que dispoern. 0 novo estilo manifestou-se pela pri-meira vez no seio de urn partido burgues nos Estados Unidosda America e no seio de urn partido socialista na Alemanha.Constantes regressoes marcaram, evidentemente, essa revolucao,

sobretudo quando ocorria que urn partido se visse, no momento,privado de urn chefe unanimemente reconhecido, Mesmo,po-

rem, quando tal chefe existe, torna-se necessaria fazer conces-

soes de toda especie a vaidade e ao interesse pessoal dos hornens

de relevo no partido. De outro lado, pode ocorrer, igualmente,que a maquina tombe sob 0 domfnio dos funcionarios que seincumbem regularmente do trabalho interno de organizacao.

Segundo a opiniao de certo rnimero de setores da social-demo-cracia esse partido estaria sendo presa desse tipo de "burocra-tizacao", A par disso, importa nao esquecer que os "funciona-rios" se submetem com relativa faciHdade a pessoa de um chefedernagogico, que saiba como causar forte impressao, Isso seexplica, ao mesmo tempo, pela circunstancia de que os interesses

materiais e marais desses funcionarios estao intimamente Iiga-dos ao crescimento e poderio que desejam para a partido queintegram e explica-se tarnbem pelo £ato de haver maior saris-fa~ao intima no fato de trabalhar peIo amor de um chefe, E,ao co ntrario Infinitam ente rnais diffcil alcar-se a condicao de

, d f . L "hchefe nas organizacoes em que, a par os uncionanos, os o-mens de prol" exercem grande influencia no interior do partido,tal como freqiientemente se nota nos partidos burgueses. Com

efeito esses homens valorizam (no sentido psicanalltlco ) de talmodo' a pequena posicao de mernbro do grupo ou da comissao

administrativa que essa posicao se torna "a p.r6pria razao d.esuas vidas". A atividade que desenvolvem e, VIa de regra, anr-mada pelo ressentimento contra a demagogo que' se apresenta

como h om o n oo us, dada a conviccao da superioridade. da expe-riencia que tern da politica do partido - a que, efetivamente,

pode revestir-se de grande importancia - e em virtucl~ _do es-cnipulo ideologico de nao romper com as velhas tradicoes daorganizacao. No' interior do partido podem esses hom:ns con-tar alias com todos os elementos conservadores. Nao s6 0

eleitor rdral mas tambem 0 que pertence a pequena burguesia, .tem as olhos voltados para os homens importantes cUJOSnomes

9 0

conhecido e s6 Ihe dedicara fidelidade lnquebrantavel depois deele haver triunfado definitivamente.

Busquemos, agora, examinar mais pormenorizadamente al-guns exemplos significativos dessa Iuta entre as duas formas

de estrutura dos particlos e, em especial, os progressos alcant;~-dos no sentido da forma plebiscitaria descrita par Ostrogorski,

*Comecemos pela Inglaterra. Ate 1868, a organizacao dospartidos tinha, em quase todo aquele pais, 0 aspecto de u,mpuro agrupamento de homens de importancia, Nas areas. rurais,

os Tories se apoiavam no clerigo anglicano e, alem dlSSO-com freqiiencia - no preceptor e nos grande~ proprietdrios es-tabe1ecidos nos diferentes condados. Os WhIgs, de sua parte,buscavam, mais comumente, 0 apoio do predicador nao con-

formista (quando este existia ), do chefe da estacao de mudade cavalos do ferreiro, do alfaiate, do tecelao ou, numa pala-

vra, daqueies tipos de artesao que, por ~erem ocasiao. de ;_na?-ter contacto com muitas pessoas, poderiam exercer influencia

politica, Nas vidas, a distincao entre as partidos politicos se fa-zia, em parte, por motives de ordem economics, em parte, pO,rmotivos religiosos e, em parte, simplesmente em funt;aa de 0Pl-

nioes tradicionais recebidas das familias. Nao obstante, as ho-

mens de prol mantinham-se como detentores do poder no seiodas organizacoes politicas, Acima de .t?~a essa estrutu~a, pla-navam 0 Parlamento e os partidos dirigidos pelo Gabmete eseu Hder. Este era a chefe do Conselho de Ministros au daoposicao, 0 Iider era assistido por urn politico profissional quedesempenhava papel de grande relevancia no interior ~o par-tido 0 "orientador" (whip). Detinha ele 0 monp6ho dos

empregos, a ele deviam dirigir-se tod~s ~s que pr~tendiam u~a

posicao politica e era ele quem as distribuia, apos haver feitoconsulta aos deputados das diferentes circunscricoes eleitorais.

Notou-se, entretanto, que ascendia, em todas as circunscricoes,uma categoria nova de polit icos profissionais que, de infcio, nao

passavam de agentes locals nao-remunerados, a sernelhanca dos"homens de confianca" alemses. A par disso, par forca de nova

legislacao, destinada a assegurar a regularidade das elei<;6e~,deu--se 0 aparecimento, nas circunscricoes eleitorais, de urn tipo de

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empreendedor capitalista, a election agent. Tornou-se ele uma nova maquina, que escapava inteiramente ao controle parlamen-

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figura indlspensavel, dado que a legislacao nova tinha 0 prop6-

sito de garantir a controle de despesas eleitorais e de contra-balancar a poder do dinheiro, obrigando a caadidato a fazerdeclaracao das somas despendidas durante a decorrer da cam-

panha. Na Inglaterra, com efeito, 0 candidate, alem de dar

curso a orat6ria - muito mais amplamente do que, outrora,ocorria na Alemanha - gostava de dar curso a seu dinheiro.

Em princfpio, 0 election agent exigia do candidato 0 pagamentode certa soma, conseguindo, por essa forma, vantajosa situacao,

A divisao de poderes entre 0 lider e as homens de importanciano partido, tanto no ambito do Parlamento, como em todo 0

pals, sempre garantira ao primeiro maior possibiHdade de in-

fluencia, de vez que era necessario dar-lhe os meios de executar,com continuidade, uma boa polltica. Continuava sensfvel, en-tretanto, a influencia dos homens de prol e dos parlamentares.

Tal, em linhas gerais, a maneira como se apresentavam aspartidos, em terrnos de sua antiga organizacao, Aquela maneiradefinia-se I em parte, como conseqiiencia da a~ao dos homens de

prol e ja era, em parte, produto da a~ao dos empregados e dos

dirigentes, A partir de 1868, desenvolveu-se; inicialmente emBirmingham, durante eleicoes locais, 0 sistema de caucus , Deu--lhe nascimento um pastor nao-conforrnista, auxiliado par Jo-seph Chamberlain. 0 pretexto invocado foi 0 da democratiza-

~ao do direito de voto. Com 0 objetivo de atrair a massa, acre-ditou-se conveniente movimentar enorme conjunto de gruposde aparencia democratica, organizar em cada bairro da cidadeurn comite eleitoral, manter continuidade de at;:ao e burocrati-

zar rigorosamente 0 conjunto: cresceu, entao, consideravelmen-te, 0mimero de empregados rernunerados pelas comissfies 1 0 -cais que, dentro em pouco, agruparam e organizaram cerca dedez por cento dos eleitores. Os intermediaries principals, es-

colhidos par eleicso. mas detendo, dai por diante, 0 direito departicipar das decis5es, tornaram-se os dirigentes da politica do

partido. As forcas atuantes brotavam das comissoes locais, prin-cipalmente nas areas que se interessavam pela politica munici-

pal - sendo esta, em todas as circunstdncias e situacoes, 0

trampolim das oportunidades materials mais s61idas. Foram tarn-

bern essas forcas puramente locais que, em primeiro lugar, reu-niram os meios financeiros necessaries para subsistencia. Essa

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tar, logo teve que manter combate com as forces que ate a rna-mento detinharn 0 poder e, principalmente, com 0 whip. Semembargo, gra~as ao apoio das personalidades locais, que busca-

yam interesses proprios, aquela maquina conseguiu ver-se vito-

rio sa e seu triunfo foi de tal forma completo que 0 whip sentiu-

-se obrigado a submeter-se e a pactuar. Disso resultou a cen-tralizaciio da totalidade do poder na mao de alguns homens e,

afinal, na mao do unico homem que se encontrava a testa. dopartido. Em verdade, 0 desenvolvimento de todo esse sistema

se deu no seio do partido liberal, paralelamente a ascensao po-litica de Gladstone. A vitoria que a maquina tao rapidamente

conquistou sobre os homens de prol deveu-se, antes de tudo,

ao angulo fascinante da demagogia em grande estilo praticadapor Gladstone, a tenaz crenca das rnassas no conteiido moralde sua politica e, em especial, ao rnoralismo da personagem.

Foi assim que surgiu no palco politico Ingles uma espec~e de

cesarismo plebiscitario, com os traces do ditador que reinavasabre 0 campo de batalha eleitoral. 0 resultado nao se fez es-perar. Em 1877, 0 sistema do caucus entrou, pela prirneira vez,

em a~aoJ durante a realizacao de eleicoes gerais. A conseqiien-cia foi impressionante: Disraeli teve de abandoner 0 poder nomomenta de seu exito mais retumbante. Desde 1876, a rna-quina ja estava de tal modo ligada, no sentido carismatico, apessoa de Gladstone que, quando se colocou a questao da

H om e R ule) todo 0 aparelhamento, de alto a baixo, jamais che-gou a inquirir se se encontrava objetivamente do lado de Glads-tone, mas pura e simplesmente orientou-se par £ e em sua pa-

lavra, afirmando que 0 seguiria em tudo que fizesse - e, as-

sim, abandonou ate mesmo seu criador, Chamberlain.

A maquina exigia grande mimero de pessoas para seu fun-

cionamento. Neste memento, cerca de duas mil pessoas vivem,

na Inglaterra, diretamente da politica dos partidos, Mais. ele-vado ainda e a numero dos que se acham a cata de uma situa-

~ao e dos que se mostram ativos em razao de outros interesses,espedalmente no campo da politica municipal. .Por outro lado,

alem das expectativas economicas, as politicos envolvidos nocaucus podem esperar tambem satisfacoes da vaidade. Podem,com efeito, nutrir (normalmente) as mais altas ambicoes, como

a de transformar-se em membra do Parlamento. Tais situacdes

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sao prometidas, em particular, aqueles que fazem prova de boaeducacao, isto aos que sao A honra suprema que

aquele que ambicione urn posto na organizacao dirigente a pos-

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espera, em particular, os grandes mecenas e 0 titulo de par -

pols as financas dos partidos provem, na proporcao de quasecinqiienta par cento, de contribuicoes de doadores anonimos,

Qual 0 resultado a que levou esse sistema? Muito sim-plesmente, a que as parlamentares ingleses, com excecao de al-guns membros do Gabinete (e de alguns excentricos ) viram-se

reduzidas a condicao de bestas de votar, perfeitamente discipli-

nadas. No Reichs tag alemao, os parlamentares deram-se ao ha-bito de utilizar suas cadeiras para cuidar da correspondencia pri-vada, dando, dessa forma, pelo menos a impresao de que se

preocupavam com 0 bem-estar da nac;ao. Na Inglaterra, entre-tanto, nem esse mfnimo e exigido: 0 parlamentar nada mais terna fazer senao votar e nao trair seu partido. Deve fazer ato depresenca quando 0 whip 0 chama e executar aquila que, deacordo com as circunstancias, e ordenado pelo chefe do Gabi-

nete ou pelo lfder da oposicao, Sempre que dirigida par urnhornem energico, a maquina do caucus quase que nao deixa trans-parecer qualquer reac;ao de ambito local; ela, pura e simples-

mente, segue a vontade do Ilder. Assim, acima do Parlamentose coloea 0 chefe que e , em verdade, urn ditador plebiscitdrio:a seu saber, ele orienta as massas, A seus olhos, os parlarnenta-res nao passam de simples detentores de prebenda, que fazemparte de sua clientela,

De que maneira se da, em tal sistema, a escolha dos chefes?E, adma de tudo, que qualificacoes neles se praeura? Alem dasexigencias de urna vontade firme que sao, em toda parte, deci-

sivas, e naturalmente de primeira Importancia a forca da pala-vra demagogica, A maneira de proceder alterou-se depois daepoca de Cobden, quando os apelos eram dirigidos ao entendi-mento, e da epoca de Gladstone, que era urn tecnico da formula

aparenternente cheia de sentido, urn tecnico do "deixai os fatosfalarem" e, em nossos dias, para mover as massas, utilizam-se,

frequentemente, meios que, na maioria das vezes, tern carater pu-

rarnente emocional e sao do genero adotado pelo Exercito deSalva~ao. Com boa base, esse estado de coisas pode ser chama-do "ditadura fund ada na emotiv idade e na exploracao das mas-

sas". Nao obstante, 0 sistema de trabalho em comissoes, sis-tema grandemente desenvolvido no Parlamento ingles, da a todo

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sibilidade de trazer sua contribuicao e vai a ponto de obriga-loa agir assim para triunfar. Todos os ministros intportantes dosiiltimos decenios formaram-se neSS3Scomissoes parlamentares,que as .habituararn a urn trabalho positivo e eficaz, A praticaadquirida como relator de uma comissao, hem como 0 habito decritica publica as deliberacoes, permite, nessa escola, uma ver-dadeira selecao de chefes, com eliminacao do individuo que naopasse de urn demagogo vulgar.

Essa e a situacao na Inglaterra, Entretanto, ° sistema decaucus) que ali reina, aparecera como forma atenuada de rnaqui-

naria poll tica, se 0 compararmos com a organizacao dos partidosnos Estados Unidos da America, onde rapidamente se adotouuma versao particularmente pura do regime plebiscitario. Se-gundo Washington, as Estados Unidos da America deveriamser uma comunidade dirigida por gentlemen. Naquela epoca, 0

gentleman era, tal como na Inglaterra, urn proprietario ruralou um homem que houvesse freqiientado a Universidade. Deinfcio, assim foi, efetivameote. Quando as partidos se consti-tuiram, os membros da Camara de Representantes tinharn a pre-

tensao de se tornarem chefes poli ticos, a imagem dos chefes po--Iiticos ingleses da epoca do dominic dos homens de importan-cia. A organizacao dos partidos careda de disciplina, E tal si-tua\ao estendeu-se ate 0 ano de 1824. Contudo, ja antes dadecada dos 20, era posslvel notar 0 aparecimento da maquinados partidos em numerosas municipalidades, que, dessa forma,se transformaram no ponto de partida da nova evolucao, Poi,contudo, a eleicao do presidente Andrew Jackson, candidato doseriadores do Oeste, que vetdadeiramente alterou a antiga tra-

dicao. Poueo depois de 1840, os che£es parlamentares deixa-vam de ser forrnalmente as dirigentes dos partidos, exatamente

no momenta em que as grandes membros do Parlamento -

Calhoun, Webster - se retiravam da vida politica porque 0Congresso tinha perdido quase todo 0 poder, face a maquinados partidos. Se a "mdquina" plebiscitaria se desenvolveu emtao boa hora naque1e pais foi porque nos Estados Unidos daAmerica e tao-sornente la 0 chefe do Executive, que era aomesmo tempo - e esse e 0 elemento irnportante - 0 senhorda distribuicao dos empregos, tinha a condicao de presidente

eleito pot plebiscito e, alem disso, por forcada "separacao dos

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poderes", gozava, no e xe rc fc io d e suas fun~oes, de uma inde- Iianca dos Representantes: m ais um a conseqiiencia do principio

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to, apos uma eleicao presidencial, aos partidarios do candidatovitorioso eram oferecidas, como recompensa, prebendas e em-pregos, E nao se deixou de tirar conseqiiencias clesse spoilsystem que Andrew Jackson elevou, sistematicamente ao nivelde princfpio. '

Em nossos dias, que significa, para a formacao dos partidos,

esse s p oi l s y st em , isto e , a atribuicao de todos os postos da ad.ministracao federal aos partidarios do candidato vitorioso? Sig-nifica, sirnplesmente, que os partidos, sem nenhuma base doutri-

naria, reduzidos a puros instrumentos de disputa de postos,opoem-se uns aos outros ~ elaboram, para cada campanha elei-

toral, urn programa que e fun~ao das possibilidades eleitorais,

- Nos Estados Unidos da America, os programas variam numaproporcao que nao tern igual em qualquer outro pais, apesar detodas as analogias que se tracem. A estrutura do s partidos su -

bordina-se, inteira e exclusivamente, a batalha eleitoral, que e ,muito acima de qualquer outra, a mais importante para 0 domf-nio dos empregos: 0 posto de Presidente da Uniao e de Go-vernador dos diversos Estados. Os program as e os nomes doscandidates sao sufragados, sem intervencao de parlamentares,durante as "convencoes nacionais" dos partidos - au seja, du-rante congresses dos partidos que, do ponto de vista formal,

compoem-se, muito democraticamente, de delegados das assem-bleias, aosquais 0 mandato e outargado pelas primaries, ouassembleias dos mili tantes de base. J a nessas primaries, os de-legados as convencoes sao escolhidos em funcao do nome doscandidates ao posto da magisttatura suprema da Uniao, Em ra-

zao disso e que se ve processar-se, no interior dos partidos, amais enearnicada luta em torno da nomination, pois a presiden-te e 0 senhor de cerca de trezentos a quatrocentos mil cargos,

que ele distribui a seu prazer, ap6s consulta aos senadores dosdiferentes Estados. Isso faz, dos senadores, politicos podero-

50S. A Camara de Representantes, de outra parte, e , ate certoponto, impotente, do ponto de vista politico, de vez que 0 do-

mfnio dos empregos Ihe escapa totalmente e que os ministros,simples auxiliares do Presidente eleito diretamente pela popu-

la~ao, eventualmente contra 0 desejo do Parlamento, podem

exercer suas £un~5es independentemente da confianca au descon-

9 6

de "separacao dos poderes",o s po il s ys te m , apoiado no principia da separacao de po

deres, so foi tecnicamente possivel nos Estados Unidos da Ame-

rica porque a juventude daquela civilizacao tinha condicoes parasuportar uma gestae de puros diletantes. Em verdade, 0 fato

de que de trezentos a quatrocentos mil militantes nao tivessemoutra qualificacao para exibir, a nfio ser as bons e leais services

prestados ao partido a que pertenciam, fez surgir, a longo al-cance, grandes dificuldades e conduziu a uma corrupcao e a urndesperdicio sern igual, 56 possiveis de serem suportados porurn pais de possibilidades econornicas ilimitadas.

A figura po lftica brotada desse sistema de m aquina ple-

biscitaria foi a do boss. Que e 0 boss? E urn empresario poli ti-

co capitalista, que busca votos eleitorais em beneficio proprio,correndo os riscos e perigos inerentes a essa atividade. Nosprimeiros tempos, ele e advogado, proprietario de um bar au

de urn estabelecimento comercial ou e urn agiora, valendo issodizer que desempenha uma atividade de onde retira meios delancar as primeiras bases para lograr 0 controle de certo mimero

de votos, Conseguido esse resultado, ele entra em contactocom 0 boss mais proximo e, gra~as a seu zelo, habilidade e, ad-rna de tudo, discricao, atrai as olhates dos que se acham avan-

cades na carreira e, dar par diante, encontra abet to 0 caminhopara galgar os diferentes escaloes, 0 boss veio a transformar-se,

dessa maneira, em elemento indispensavel ao partido, pois quetudo se centraliza em suas maos, It ele quem fornece, em subs-

tancial porcao, os recursos financeiros. Mas, como age paraobte-Ios? Recorre, em parte, a contribuicoes dos membros e

recorre, especialmente, a uma taxa que faz incidir sobre os ven-cimentos dos funcionarios que, gracas a ele e ao partido, obti-

veram colocacao. A par disso, surgem as gratificacoes e as co-

missoes, Quem pretend a violar impunemente as leis dos Esta-dos deve obter, antecipadamente, a conivencia dos bosses, desti-nando-Ihes certa soma de dinheiro, sob pena de enfrentar as

maiores dificuldades. Esses diversos recursos nao sao, entre-tanto, bastante para constituir 0 capital necessario para opera-~ao poHtica do partido. 0 boss e 0 hornem Indispensdvel paracoletar diretamente os fundos que os grandes magnatas da fl-

nanca destinam a organizacao, Estes jamais confiariam dinheiro

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reservado para fins eleitorais a funcionario pago pelo partido

au a uma pessoa que, oficialmente, onerasse 0 orcamento dobern diferente da alema, onde sao sempre os antigos e notaveis

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partido; 0 boss) contudo, em razao de sua prudencia e discri-

~ao em materia de dinheiro e , de toda evidencia, urn homemdos meios capitalistas que financiam eleicoes, 0 boss tipico e ,geralmente, urn homem que sabe 0 que quer. Nao esta a pro-cura de honrarias; 0 projissional (assim 0 denominam) e , sem

du.vida, desprezado pela "alta sociedade", Ele so busea 0 poder,seja como fonte de riquezas, seja pelo proprio poder. Diver-

sarnente do Iider Ingles, ele trabalha na obscuridade. Nao eouvido em publico; sugere ao s oradores 0 qu e convem dizer'I 'orern conserva si encio. Via de regra, nao aceita posicoes po-

Ifticas, a nao set a de senador. Como, em virtude da Consti-

tuicao, os senadores devem ser ouvidos no que coneerne a em-pregos, os bosses dirigentes asentam-se, com freqiiencia, naquelaassernbleia. A distribuicao de cargos se faz principalmente emfun<;aodos services prestados ao partido. Acontece, porem e re-petidamente, que a nomeacao seja feita contra 0 pagamento decerta soma de dinheiro e existem precos estabelecidos para ob-

tencao deste ou daquele posto. Em resume, trata-se de urn sis-tema de venda de posicoes, tal como praticado com freqiiencia

pelas monarquias dos seculos XVII e XVIII, inclusive pelosEstados da Igreja. .

o boss nao se apega a uma doutrina polltica de£inida; naoprofessa principios. Uma 56 coisa e importante a seus olhos:

co~o conseguir 0 maior mimero de votos possivel? Acontece,rnuitas vezes, que se trate de pessoa sem grande prepare. To-

davia, em geral, sua vida privada e correta e inatacavel. E vi-

dentemente s o em materia de moral politica e que ele se .adapta

aos costumes vigentes no setor; nesse ponto, na~ difere de gran-

de rnirnero de capitalistas que, numa epoca de acambarcamen-

to, ada tam essa forma de agir no dominio da moral economica,

Pouco lhe import a que, socialmente, 0 encarern como profissio-nal, como poli tico profissional, Desde 0 memento em que ele

niio ascende e nao quer ascender aos altos postos do governo,

sua modestia passa a garantir-lhe certo mimero de vantagens:com efeito, nfio e raro ver inteligencias estranhas aos quadrosdo partido, grandes personalidades serem apresentadas comocandidates, devido ao fato de os bosses entenderem que elas po-

dem aumentar as probabilidades eleitorais do partido. Situa'Yao

9 8

vido a essa razao, a estrutura desse tipo de partido, desprovidade base doutrinaria, mas animada par detentores do poder quesao desprezados pela sociedade, contrIbuiu para levar a pre-

sidencia do pals homens de valor que, na Alemanha, jamais se

teriam "projetado". Certo e que os bosses se lancam contra aoutsider que, na hipotese de uma eleicao, poderia ameacar-lhe

as fontes de renda e de poder. Contudo, em razao mesmo da

concorrencia que se estabelece para ganhar 0 favor publico, osbosses viram-se, algumas vezes, obrigados a resignar-se e a acei-tar justamente os candidates que se apresentavam cotno adver-

sarios da corrupcao.

Estamos, portanto, diante de uma empresa politic a dotadade forte estrutura capitalista, rigidamente organizada de alto abaixo e apoiada em associacoes extremarnente poderosas, taiscomo 0 T am m an y H all. Essas associacoes, cujas linhas lembram

as de uma ordern, njio tern outro proposito, senao 0 de tirarproveito da dominacao polit ica, particularrnente no ambito da

administracao municipal - que constitui, nos Estados Unidosda Am erica, a m elhor porcao dos despojos, Essa organizacao

dos partidos s6 foi possfvel porque os Estados Unidos da Ame-rica eram urn pais democratico e porque eram urn "pais novo".

Essa conjuntura privilegiada faz, entretanto, com que, em nos-sos dias, esse sistema esteja condenado a morrer lentamente.

Os Estados Unidos da America nao podem continuar a sergovernados exclusivamente por diletantes. Hd cerea de quinzeanos, quando se perguntava aos trabalhadores norte-arnericanos

porque eIes podiam deixar-se governar por homens que conies-

sadamente desprezavam, obtinha-se a seguinte resposta: "Pre-ferimos ser governados par funcionarios sobre os quais pode-

mos escarrar a ser governados pot uma casta de funcionarios que,

tal como na Alemanha, escarra sobre os trabalhadores", Erao velho ponte de vista da "dernocracia" americana, mas, ja par

aquele tempo, as areas socialistas do pals tinham outra opiniao.A situacao nao e mais tole r avel hoje em dia. A administracaodos diletantes nao corresponde mais as novas condicoes do paise a C ivil S er vice R efo rm vern criando, em mimero cada vezmaior, posicoes de funciondrio de carreira, com 0 beneffcio daaposentadoria. Dessa maneira, funcionarios formados por uni-

99

versidades e que serjio, tanto quanta os alemaes incorrupdveispoderao vir a ocupar os pastas de governo. Cerca de cern mil

que possuem uma doutrina politica, de sorte a poderem afirmar,

ao menos com b on a fid es subjetiva, que seus membros sao re-

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empregos ja njio mais constituern a recompensa do torneio elei-

toral, m~s"da? direito a. ~posentadoria, ao mesmo tempo quefazem exigencras de qualificacao, Essa nova formula fara com

que 0 s po il s ys te m regrida lenta e progressivamente. Em con-sequencia, nao ha dtivida de que a estrutura de dire~ao dos par-tidos tarnbem se transforrnara, embora nao seja possfvel aindaprever em que sentido.

. N a Alema?ha, as condicoes deterrninantes da empresa poll-~lca f?ra~, ate o presente, as seguintes. Acima de tudo, arrnpotencra do Parlamento. Da i resulta que nenhuma person ali-dade dotada de temperamento de cbefe 1 a permanece par longo

~empo. Suponhames que urn homem dessa tempera pretendaingressar no Parlamento - que podera fazer ali? Quando sevague urn cargo, ele podera dizer ao diretor de pessoal de quemdepende a nomeacac: tenho sob minha dependencia em minha

circun~cri~ao e1eitora!, urn hornem capaz, que pode 'satisfaze.lo;aproverte-o. E, multo comumente, as coisas se passam dessa

maneira. M~s isso e quase tudo que um parlarnentar alemaopode conseguir para satisfazer seus instintos de poder - se eque alguma vez os possui.

. ~o referido, junta-se um segundo fator, que condiciona 0

pnmeiro, a saber, a importancia enorme que 0 funcionario decarreira tern na Alemanha. Neste domfnio os alemaes foram

sem .du~i~a, os prirneiros do mundo. Resultou, porem, que o~f~nCIO?at10Spretenderam ocupar nao somente os postos de fun-cionarios, mas tambem os de ministros, Nao se ouviu dizer, no

ano pasado, no Landtag bavaro, quando do debate sobre a -in-troducao do parlamentarismo, que, se alguma vez fossem dadosca:-gos. ministerja~s aos parlamentares, os funcionarios capazes

deixariam a carreira? E preciso, enfim, acrescentar que, na Ale-

manha, a administracao da funt;ao publica fugia sistematicamen-te ao co~trole das comiss5es parlamentares, diversamente doque se da na Inglaterra. Par esse motivo, 0 Parlamento eracolocado na impossibilidade .- salvo raras excecoes - de for-

mar chefes politicos em condicoes de realmente dirigir umaadministracgo.

o terceiro fator, muito diverse do que atua nos Estados

Unidos da America, e a de que, na Alemanha, existem particlos

100

presentantes de uma "concepcao do mundo". Entretanto, os

dois mais importantes partidos desse tipo, 0 Centrum e a social--democracia, sao, infelizmente, partidos que, de momenta, sedestinam a ser minoritarios e desejarn assim permanecer. Com

efeito, no Imperio alemao, as meios dirigentes do Centrum ja -rnais esconderam 0 fato de que se opunham ao parlarnentarismopotque temiam ver-se transforrnados no idiota da peca e por-

que teriarn dificuldades maiores que as daquele momenta parafazer pressao sobre 0 governo quando quisessem ver nomeado,para uma funcao publica, urn elemento do partido. A social--democracia e urn partido minoritario par principio e se consti-tuiu, par esse motivo, em obstaculo a parlamentarizacao, dadoque nao queria macular-se ao contato de uma ordem estabeleci-da que ela reprovava, por considerar burguesa. 0 fato de essesdois partidos se excluirem do sistema parlamentar constituiu-se

na causa principal responsavel pela impossibilidade de ineroduzirtal sistema na Alemanha.

Em tais condicoes, qual 0 destino dos poli ticos profissio-

nais, na Alemanha? J amais dispuseram de poder ou assumiram

responsabilidade; 56 podiam, portanto, desempenhar papel su-balterno. S6 ha poueo tern side penetrados de preocupacoes

com a futuro, tao caracterlsticas de outros pafses. Como os ho-mens de prol faziam de seu pequeno mundo a finalidade da

vida. era impossivel que urn homem diferente deles chegassee elevar-se. Em todos os partidos, inclusive, evidentemente, a

social-democracia, eu poderia citar numerosas carreiras politicas

que foram verdadeiras tragedias, porque os indivlduos envolvi-dos possufam qualidades de chefe e nao foram, por esse motivo,tolerados pelos homens importantes da agremiacso. Todos os

nossos part idos tem, assim, acertado a passo pelo de seus homens

de prol. Bebel, exernplificativamente, era, nor temneramento edisposicao, urn chefe, embora de inteligencia modesta. 0 fatode que e1e fosse urn rnartir, de que [arnais faltasse a confianca

das massas (ao ver das massas, evidentemente) teve, como con-sequencia, que estas 0 seguissem obedientemente e imoediu quesurzisse, no interior de seu partido, uma onosicao seria, capaz

de fazer-lhe sombra. Todavia, tal estado de coisas desapare-ceu com sua morte e instalou-se 0 reinado dos funcionarios.

101

Vieram a ton a os funcionarios sindicais, os secretaries do par-

tido, os jornalistas: 0 partido passou, dessa maneira, ao domtniobern organizacoes politicas de carater comercial. Ocorreu que

certas pessoas se apresentaram a indivfduos em que elas vis-

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dos instintos burocraticos, Apossaram-se dele fundonarios muito

honrados, talvez extremamente honrados, se os comparamos aos

de outros pafses, em especial aos funcionarios sindicais dos Es-

tados Unidos 'da America, freqiientemente acessfveis a corrupcao.,

Apesar disso, as conseqiiencias da dominacao dos funcionarios

- conseqiiencias que acabamos de examinar - fizeram-se ma-

nifestas naquele partido.

*Desde aproximadamente 1880, os partidos burgueses nao

passaram de agrupamentos de homens de importancia. Certo

e que, por vezes, eles se viram obrigados a apelar, para fins de

propaganda, a inteligencias estranhas aos quadros do partido, 0

que lhes permitia proclamar: "Fulano ou Beltrano esta conosco",

Contudo, na medida do possfvel, adotavam-se todas as providen-

cias para impedir que esses nomes se apresentassem em eleicoes.

So quando eles se recusavam a prestar-se a manobra e que se

anufa em propor-lhes a candidature. No Parlamento, reinava

o mesmo estado de espirito, Os grupos parlamentares alemaes

eram cfrculos fechados e assim permaneceram. Todos os dis-

cursos pronunciados em sessao plenaria do Reichstag sao pre-

viamente submetidos a censura dos partidos. Constata-se 0 fato

pelo tedio mortal que os discursos provocam. 56 tern 0 direito

de usar a palavra a deputado antedpadamente indicado, Nao se

pode conceber contraste maior com os costumes parlamentares

ingleses, assim como - par rnotivos diametralmente opostos

- com os costumes parlamentares franceses.

Talvez que uma alteracao esteja presentemente ocorrendo,

apos a agitaciio violenta que nos comprazemos em chamar re-

volucao. Digo talvez porque nao se trata, absolutamente, de al-

guma coisa segura. No momento, preconiza-se, antes de tudo,

a constituicao de novos partidos. De infcio, entretanto, essas

formacoes novas nao passam de organizacoes de amadores, Fo-

ram, em particular, os estudantes das grandes escolas que mili-

taram a favor de urn objetivo dessa ordem. lam ao encontro

de urn homem em quem acreditavam ter descoberto as qualida-

des de chefe e the diziam: nos the darernos 0 trabalho elabora-

do e nao lhe cabera senao executa-Io. Contudo, surgiram tam-

102

lumbravam qualidades de chefe, propondo-lhes que se dedicas-

sem ao recrutamento de partidarios e prometendo 0 pagamento

de quantia determinada POt novo eleitor conquistado. Se, neste

memento, me fosse pedido que lhes dissesse honestamente qual

dos dois procedimentos me parece mais seguro do ponto de vis-

ta da tecnica polftica, acredito que eu daria preferencia ao Ulti-

mo. Em ambos os casos, entretanto, s6 estamos diante de bo-

lhas de sabao que se eleva ram rapidamente, para logo estourar,

De modo geral, 0 processo constitiu em remanejamento das or-

ganizacoes ja existentes, que voltaram a funcionar como outrora,

Em verdade, os dois fenomenos assinalados sao apenas sintomas

indicadores de que novas organizacoes poderiam surgir, se as

chefes surgissern. Nao obstante, as particularidades tecnicas do

sistema irnpediram a desenvolvimento das organizacdes novas.

Ate 0 momento, s6 pudemos vet surgir urn par de ditadores que

alvorocaram as ruas e rapidamente desapareceram. Sem embar-

go, os partidarios desse ditadores estavam realmente organizados

e obedeciam a uma disciplina estrita: daf a forca dessas mino-

rias que, porem, no momento, perdem vigor.

Suponhamos que a situac;ao possa softer alteracao, Far-se-

-ia, entia, necessaria, apos tudo quanta deixamos referido, to-

mar consciencia do seguinte fato importante: quando os partidos

sao dirigidos e estimulados por chefes plebiscitarios, ocorre uma

"perda de espiritualidade" ou, mais claramente, ocorre uma pro-

letarizacao espiritual de seus partidarios, as partidarios reu-

nidos numa estrutura desse genera s6 poderao set iiteis aos

chefes se lhes derem obediencia cega, isto e , se, tal como ocorre

nos Estados Unidos da America, se curvarem diante de maqui-

na que nao e perturbada nem pela vaidade dos hom ens de im-

portancia, nem pela pretensao de originalidade pessoal. S6 foi

posslvel a eleicao de Lincoln porque a organizacao do seu partidotinha esse carater: e, tal como vimos, a mesmo fenomeno se pro-

duziu com a caucus, em beneffcio de Gladstone. Eis precisa-

mente 0 preco que import a pagar pela colocacso de verdadeiros

chefes a testa de urn partido. S6 uma escolha cabe: ou uma

democracia admite como dirigente urn verdadeiro che£e e, por

conseqiiencia, aceita a existencia da "rnaquina" au renega os che-

fes e cai sob ·0 dorninio dos "politicos profissionais", sem voca-

un

~iio, privados das qualidades carismaticas que produzem os che-

fes. Nesta ultima hip6tese,vemo-nos diante do que a oposicao, atividade polftica entendida como "vocacao", tanto ,~ais que

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no interior de urn partido, chama a reino das "fao;6es". No

momento, nao divisamos, no seio dos partidos alemaes, outracoisa que nao 0 dominic dos polit icos. A perperuacfo desse

estado de coisas pelo menos no Estado Federal, sera favorecido,

antes de tudo, pelo fato de que, sem diivida, ressurgird 0 Conse-

lho Federal. Consequencia necessaria sera uma lirnita~ao do poder

da AssembIeia e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de nelaver surgirern chefes. Tal situacao encontrara terreno ainda rnais

favoravel para desenvolver-se no sistema de representacfo pro-

portional, considerados as termos em que ele e hoje conheddo.

Tal sistema e , com efeito, a manifesta\ao tipica de uma demo-

cracia sem chefes, nao apenas porque fa cilita, em beneffcio dos

homens de prol, as manobras ilicitas na confec~ao das listas de

votacao, como tambern porque da aos grupos de interesses a

possibilidade de forcarem as organizacoes politicas a incluirem

nas citadas listas alguns de seus empregados, de sorte que, ao

fim, nos vemos diante de urn Parlarnento apolitico, onde nao

mais encontram lugar as verdadeiros chefes. S6 0 Presidente

do Reich , sob condi~ao de que sua eleicao se fizesse por plebis-

cito e nao peIo Parlamento, poderia transformar-se em valvula

de seguranca face a carencia de chefes. Nao sera possivel que

os cheEes surjam e que a selecso entre eles se opere, se nao hou-

vet meio de comprovar-Ihe, a capacidade, expondo-os, iniclal-

mente, ao crivo de uma gestae municipal, onde lhes seja deixado

o direito de escolher os proprios auxiliares, como ocorre nos

Estados Unidos da America, quando se projeta em cena urn per-

feito plebiscidrio, decidido a lanc;ar-se contra a corrupcao. Esse,

afinal, 0 resultado que se poderia esperar, se os particlos fossern

organizados em fun~ao de elei~ao desse tipo.Entretanto, a

hostilidade pegueno-burguesa em relacao aos chefes, hostilidade,

que anima todos os partidos, inclusive e sobretudo a social-de-

mocracia, deixa imptecisa a natureza cia futura organizacao dos

partidos, bern como incertas as possibiHdades que acabamos dereferir.

*Essa a razao par que, hoje em dia, nao e absolutaroente

possivel prever qual 0 contorno exterior que vira a assumir a

104

nao se v e meio de oferecer aos bem-dotados para a politics opor-

tunidade de se devotarem a uma tarefa satisfat6ria. Aquele 9-ue,

em razao de sua situacao economics, se vir. obrigado a vlve:

"da" politica, nao escapara it alternativa segu:n.te: au se vol.tara

para 0 jornalismo e para os encargos bur~cr~tIcos nos partidos

au tentara conseguir urn posto nurna associacao que s~ e~carre-

gue da defesa de certos interesses, ~o~o e 0 c~so dos s1f1d~catos,

das camaras de comercio, das assocracoes rurais, d~s age~clas decolocacao etc. ou, ainda, buscara posicao ~onvemente. Junto a

urna municipalidade. Nada mais se pode dizer a resperto de~se

aspecto exterior da profissao politica, a nao. ser ~ue 0 fun:lO-

nario de urn partido politico partilha com a jornalista do odium

que se levanta contra 0 declasse. Eles se verso sernpre cha-

mados, embora apenas pelas costas, de "escriba salariad~" e

de "orador salariado". Quem seja incapaz de, em se~ _foro inte-

rior enfrentar essas injiirias e dar-lhes resposta, agirta melhor

se ~ao se orientasse para aquelas carreiras q~e, alem, de tenta-

coes penosas, 56 lhe poderao oferecer decepcoes continuas.

Quais sao, agora, as alegrias intimas que a carreira p < : l i -tica pode proporcionar a quem a ela se entrega e que previas

condicoes seria preciso super?

*Bern, ela concede, antes de tudo, 0 sentimento de .poder.

A consciencia de influir sobre outros seres hu:;:ar:os, 0 s:ntlmento

de participar do poder e, sobrerudo, a con_sclencla de £ll?;ur.are~-

e detem nas mfios urn elemento importante da historiatre os qu l' . f 1que se constr6i podern elevar a co ittco pro l~slOna, m~sruo a

, ocupa modesta posicao, acima da banahdade da vida co-

que so .. nta:tidiana. Coloca-se, porem, a esse proposito, a segUlr:te perg~ .. ~ qualidades que lhe permitem esperar srtuar-se a al-uais sao as '"

tura do poder que exerce (pot pequeno que seja ) e, con~equ~e~

temente, a altura da responsabilidade que esse poder 1?~ Impo~

Essa indagacao nos conduz a esfera dos problemas eticos. _ '

com efeito, dentro desse plano de ideias que s.e :oloca ~ questa~:

que homem e preciso ser para adqu!ri~ ? direito de introduzir

os dedos entre os raios da rod a da Historia?

10 5

Pode-se dizer que ha tres qualidades determinantes do ho-

mem politico: paixao, sentimento de responsabilidade e sensaHa um inimigo vulgar, muito hurnano, que 0 homempo-

lltico deve dommar a cada dia e cada hora: a muito comum

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de proporcfo, Paixao no sentido de "prop6sito a realizar", is to

e, devor;ao apaixonada a uma "causa" ao deus ou ao demonic

~ue ~ inspira, Isso nada tern a ver com a conduta puramente

mtenor que meu pranteado amigo George Simmel tinha 0 costu-

me de denominar "excitacao esteril", forma de agir propria deuma ~erta casta de intelectuais, particularmente russos (nem to-

dos, e claro) e que, atualmente causa furor em nossos meios

intelectuais obnubilados por esse carnaval a que se concede 0

nome. pomposo de H!evo!m;ao". Tudo isso nao passa de "ro-

mantismo do q.ue e intelectualmente interessante", de que esta

ausent~ 0 sent1me~to obje.tivo de responsabilidade e que gira

no vazio, Com efeito, a paixao apenas, par sincera que seja, nao

basta. Quando se poe a servico de uma causa, sem que a cor-

respondente sentitnento de responsabilidade se torne a estre1a

polar determinante da atividade, ela nao transform a urn homem

em chefe polftico. Faz-se necessario, enfim 0 senso de proporcao

que e . a qualidade psico16gica fundamental do homern politico.'

Quer IS .SO dizer qu~ ele deve P?ssuir a faculdade de perrnitir que os

f~tos ajam sobre S1 no recolhimento e na calma interior do espf-

fHO, sabendo, pot consequencia, manter a distdncia os homens

e as cOlsa~". A "ausencia de distflncia", como tal, e um dos pe-

cados_ cap1ta~s do ho~em politico. Se inculdssemos na jovem

geracao de intelectuais 0 desprezo pelo recolhimento indispen-

savel, n6s a condenarfamos a impotencia polftica. Surge, a essa

altura, 0problema seguinte: como e possivel fazer convive-

rem, no mesmo indivfduo) a paixao ardente e a frio sensa de

proporcao> Faz-se polltica usando a cabeca e niio as demais

partes do corpo. Contudo, se a devocao a uma causa polftica

e algo diverse de urn fdvolo jogo de intelectuaI constituindo-se

em ativ~d~de sinceramente desenvolvida, essa 'devot;ao ha de

ter a ~alxao como fonte necessaria e devers nutrir-se de paixfio.Todavla: 0 poder de subiugar energicamente a alma, poder que

caractenza 0 hornem politico apaixonado e 0 distingue do sim-

ples ~iletante inchado de excitacfo esteril. so tern sentido sob a

condicso de ele adquirir a habito do recolhimenro - em todos

as se?tidos da ...?ala,:ra.. 0 que se chama "forca" de uma per-

sona}1Clade polftica indica, antes de tudo, que e1a possui essaqualidade,

106

uaidade . Ela e immiga mortal de qualquer devocao a uma cau-

sa, inimiga do recolhimento e, no caso, do afastamento de si

mesmo. f

A vaidade e urn trace comum e, talvez, nao haja pessoa

alguma que dela esteja inteiramente isen:a. Ns meios, c~enti-

ficas e universitarios, ela chega a constituir-se numa especre de

molestia protissional. Contudo, quando se manitesta no den-tista, por mais antipatia que provoque, mostra-se relativarnente

inofensiva, no sentido de que, via de regra, nao lhe perturba a

atividade cienrffica, Coisa inteiramente diversa ocorre, quando

se trata do politico. 0 desejo do poder e alga que 0 move ine-

vitavelmente, 0 "instinto de poder" - como habitualmente

se diz - e , com efeito, uma de suas qualidades normais, 0 pe-

cado contra 0 Espirito Santo de sua vocacao consiste num dese-

; 0 de poder, que, sem qualquer objetivo, em vez de se colo-

car exclusivamente ao service de uma "causa") nao consegue

passar de pretexto de exaltacao pessoal, Em verdade e em Ulti-

ma analise, existern apenas duas especies de pecado mortal em

politica: nao defender causa alguma e nao ter sentimento deresponsabilidade - duas coisas que, repetidamente, embora nao

. necessariamente, sao identicas, A vaidade OU, em outras pa-

Iavras, a necessidade de se colocar pessoalmente, da rnaneira a

mais clara possivel, em primeiro plano, induz freqiientemente 0

homem politico a tentacao de cometer urn ou outro desses peca-

dos ou os dois simultaneamente. 0 dernagogo e obrigado a

contar com 0"0 efeito que faz" - razao por que sempre corre

o perigo de desernpenhar a papel de um histriao ou de assumir,

com demasiada leviandade a responsabilidade pelas conseqiien-

cias de seus atos, pois que esta preocupado continuamente com

a impressao que pode causar sobre os outros. De uma parte, a

recusa de se colocar a service de uma causa a conduz a buseara aparencia e 0 brilho do poder, em vez do poder real; de outra

parte, a ausencia do senso de responsabilidade 0 leva a 5 6 gozar

do poder pelo poder, sem deixar-se animar por qualquer propo-

sito positive. Com efeito, uma vez que, ou melhor, porque

o poder e 0 instrumento inevitavel da politica, sendo 0 desejo

do poder, conseqiienremente, uma de suas forcas motrizes, a

mais ridicula caricatura da poHtica e 0 mata-mouros que se di-

107

verte com a poder como um novo-rico au como urn Narcisovaidoso de seu poder, em suma, como adorador do poder pelo

o que ficou exposto j a nos orienta para ,a discussao doultimo problema de que nos ocuparemos esta norte, 0 problem~a

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poder. Par certo que a simples politiqueiro do poder, objeto,

tambern entre nos, de urn culto cheio de fervor, pode alcancargrandes efeitos, mas tudo se perde no vazio e no absurdo. Osque criticarn a "polftica do poder" tern, nesse ponto, inteira ra-

zao. A subita derrocada moral de certos representantes tipicosdessa atitude permitiu que fossemos testemunhas da fraqueza

e da impotencia que se dissimulam por detras de certos gestos

cheios de arrogdncia, mas inteiramente imiteis. Politica dessaordem nao passa jarnais de produto de urn espirito embotado,soberanamente superficial e mediocre, Incapaz de apreender qual-quer significat;ao da atividade humana. Nada, alias, esta maisafastado da consciencia do tragico, de que se penetra toda a~ao,e, em especial, toda a<;aopolitica do que essa mentalidade.

Incontesnivel e consti tuindo elemento essencial cia Hist6-ria, ao qual nao fazemos justica em nossos dias, e 0 fato seguin-

te: 0result ado final da atividade poli tica raramente correspon-de a intencao original do agente. Cabe mesmo afirmar quernuito raramente corresponds e que, frequenternente, a rela~ao

entre 0 resultado final e a intencao primeira e simplesmente pa-radoxal, Essa constatacao niio pode, contudo, servir de pretex-

to para que se fuja a dedicacao ao service de uma causa, poisque, se assim ocorresse, a a~aoperderia toda a coerencia interna.Quanta a natureza da causa em nome da qual 0 homem politico

procura e util iza 0 poder, nada podemos adiantar: ela dependedas eonviq:6es pessoais de cada urn. 0 homem politico pode

dedicar-se ao service de fins nadonais ou humanitarios, socials,eticos ou culturais, profanos ou religiosos. Pode tarnbem' estarapoiado em s6lida crenca no "progresso' - nos diferentes sen-tides dessa palavra - ou afastar total mente essa crenca: podepretender servir urna "ideia" ou, por principia, recusar valor a

quaisquer ideias, para apenas cultuar fins materials da vida co-tidiana, Seja qual for 0 caso, uma crenca qualquer e semprenecessaria, pois, caso contrario - e ninguem pode nega-Io _

a inanidade da criatura eclipsara ate mesmo 0 exito politicoaparentemente mais solido,

*108

do ethos da politica, enquanto "ca?sa." a def~n~er. Qual e,independenteroente de seus fins propnos, a missao que a. po-Iftica pode desempenhar na economia global da cond~ta na vida?Qual e, por assim dizer, 0 lugar ~tico em que ela reside? Nesseponte, as mais opostas concepcoes do mundo chocam-se urn.ascom as outras, impondo-se escolher entre elas. Ataq,:_emos, P O l S ,

resolutamente, esse problema,_qu~ rec~ntemente se pos em foco,mas, segundo creio, de maneira mfeliz. _Livremo-nos, antes de tudo, de uma contrafaccao vulgar, A

etica pode, por vezes, desempenhar um pap..el extremamente de-sagradavel. Alguns exemplos. Nao raro e ql;1e0 .hornem qu.e

abandona sua esposa por outra ~m~lher eXPAerl~ente a necessi-dade de justificar-se perante a propria consciencia, usando ~ pre-texto de que ela nao era digna de seu amor , de que 0 havia e~-ganado ou invocando outras razoes desse genero, que nunca del-xam de existir. Trata-se, da parte desse hornern, de uma fal!ade cortesia, que, nao querendo limitar-se it simples constatacao

de que nao mais ama sua esposa, pro~ura - no .momento em

que ela se encontra na posicao de vitima .- fabricar uma des-culpa com 0 proposito d~ "justificar" a at~tude tamada:, arroga--se dessa maneira, urn direito que se baseia em lancar ~ esposatodas as culpas, alem da infidelidade de que ele se queixa. 0

vencedor dessa rivalidade erotica procede nesses :erroos: ~nten-de que seu infeliz adversario deve ser 0 menos digno, P?lS quefoi derrotado. Nao hli nenhuma diferenca entre essa atitude ea do vencedor que, apes triunfar no campo de batalha, pro-clama com pretensao desprezivel: "Vend porque a. razao estavacomigo", 0 mesmo ocorre com 0 homem que, a Vista das atro-

cidades da guerra, entra em derrocada moral e que - em , : e ~de dizer simplesmente "era demasi~do! ~ao pude suportar ~al~

- experiment a a necessidade de justificar-se perante a pr?prlaconsciencia substituindo aquele sentimento de cansa!;? dianteda guerra ~or urn outro e dizendo: "Eu nao podia mars supor-tar aquila, porque me obrigavam a cornbater pO,r uma ca~samoralmente injusta". Coisa semelhante pode ser dita a. respeitodaquele que e vencido; em vez de se comprazer na at~tude develha comadre it proeura de urn "responsavel" - pois que esempre a estrutura mesma da sociedade que engendra os con-

109

flitos .">melho~ t a r . i a de "se adotasse uma atitude viril e dig-na, dizendo ao mrmtgo: Per demos a guerra e voces triunfa-

J a se acreditou que exista oposicao absoluta entre as duas teses:seria exata uma au a outra. Cabe, entretanto, indagar se exis-

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ram. Esquecamos 0 passado e 'discutamos as conseqiiencias quese impoe retirar da nova situac;ao, tendo em conta as interessesmateriais que estavam em jogo e - ponto essencial - consi-

der.ando a responsabilidade perante 0 futuro, que pesa, em pri-metro Iugar, sobre 0vencedor", Toda outra maneira de reagirde~ota simpiesmet_ue ausencia de dignidade e tera de ser pagamats cedo au mats tarde. Uma nac;ao sempre perdoa as pre-jufzos materiais que lhe sao impastos, mas nao perdoa umaafronta a sua honra, sobretudo quando se age a maneira de urnpredicador, que pretende ter razao a qualquer preco, Docurnen-tos novas trazidos a conhecimento publico dezenas de anos ap6s

o termino de urn con£1ito 56 podem ter como resultado 0 desper-tar clamores injustificados, coleta e odio, quando melhor seriaesquecer a guerra, moralmente ao menos, depois de ela termi-

nada. Tal aiitude s6 e possivel, entretanto, quando se tern 0

senso da realidade, 0 senso cavalheiresco e, acima de tudo, 0

sensa da dignidade. E essa atitude impede que se adore uma"etica" que, em verdade, sempre e testemunho de uma falta dedignidade de ambos os lades, Esta ultima especie de etica s6se preocupa com a culpabilidade no passado, questao esteril doponto de vista politico, porque insohivel; e nao chega a preo·cupar-se com 0 que se constitui no interesse proprio do homempolitico, ou seja, 0 futuro e a responsabilidade diante do fu -turo. Se existem crimes politicos, urn deles e essa maneira deproceder, Alem disso, urna tal atitude tern 0 inconveniente adi-donal de nos impedir de perceber ate que ponto 0 problematodo e inevitavelmente falseado por interesses materiais+Inte-resse do vencedor de tirar 0 maior proveito posslvel da vitoria

alcancada - trate-se de interesse material ou moral -, espe-ranca do venddo de trocar 0 reconhecimento de culpabilidade

por certas vantagens. Se ha no mundo alguma coisa de "abje-to", e exatarnente isso, Eis 0 que resulta, quando se pretende

utilizar a etica para ter sempre razao,Como se coloea, entao, 0 problema das verdadeiras rela-

~5es entre a etica e a poHtica? Sera certo, como ja se afirrnou,que nao ha qualquer rela~ao entre essas duas esferas? A U se-ria mais acertado afirmar, pelo contrdrio, que a mesma etica e

valida para a a~ao politica e para qualquer outro genero de a~ao?

110

te uma etica que possa impor, no que se refere ao conteudo,obrigacoes identicas aplicaveis as relacoes sexuais, comerciais,

privadas e ptiblicas, a s relacoes de urn homern com sua esposa,

sua quitandeira, seu filho, seu concorrente, seu amigo e seu ini-migo. Pode-se, realmente, acreditar que as exigencias eticas

permanecam indiferentes ao fato de que toda politica utilizacomo instrumento espedfico a forca, por tras da qual se per-

filha a oiolencia? Nao nos e dado constatar que, exatamentepar haverem recortido a violencia, os te6ricos do bo1chevismoe do espertaquismo chegam ao rnesmo resultado a que chegam

todos os outros ditadores militates? Em que se distingue 0 do-minio dos "Conselhos de trabalhadores e soldados" do domlniode nao importa que organisrno detentor do poder no antigo re-gime imperial - senao pelo fata de que os atuais manipula~o-res do poder sao simples diletantes? Em que a arenga da maio-ria dos defensores da pretensa etica nova - mesmo quandoeles criticam ados adversaries - difere cia de urn outro dema-gogo qualquer? Dir-se-a que pela nobreza da intencao. Muito

bern. Contudo, 0 que, no caso, se discute e 0 meio, pois os

adversaries reiveindicam exatarnente da mesrna forma, com arnesma e completa sinceridade subjetiva, a nobreza de suas pr6-

prias intencoes ultimas. "Quem recorre a espada, morrera pela

espada" e, par toda a parte, a luta e a luta. E entao?

A etica do S er ma o d a M o nta nh a? 0 S er ma o d a M on ta nh a_ onde se traduz, segundo entendo, a etica absoluta do Evan-

gelho - e algo muito mais serio do que i rnaginarn os que, em

nossos dias, citam, com leveza, seus mandamentos. A leveza nao

cabe. 0 que se disse a prop6sito de causalidade em ciencia

aplica-se tarnbem a etica: nao se trata de urn veiculo que se pos-

sa deter a vontade, para descer au subir. A menos que ali 50se enxergue um repositorio de trivialidades, a etica do Evange-lho e uma biea do "tudo au nada". A parabola do jovem riconos diz, por exernplo: "E ele se foi de coracao triste, porquepossuia muitos bens". 0 mandamento do Evangelho e incon-dicional e univoco: da tudo 0 que possuas _- absolutamentetudo, sem reservas. 0 politico did que esse mandamento nao

passa de uma exigencia social irrealizavel e absurda, que nao seaplica a todos. Em conseqiiencia, 0 politico propora a supres-

1 1 1

sao da propriedade par taxacao, imposicao, confisco - em suma,

coa~ao e a regulamentacao dirigida contra todos, 0 mandamen-conclusao de que se impunha publicar todos os documentos,

principalmente os que humilham 0 proprio pals, para por em

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to etico nd o se preocupa, entretanto, com isso e essa despreo-

cupacao e sua essencia. Ele ordena ainda: "Ofereca a outraface!" Imediatamente e sem indagar por que 0 outro se acha

c~m direito de ferir. Dir-se-a que e uma etica sem dignidade.

Sim - exceto para 0 santo. E exatamente isso: e preciso serurn santo ou, pelo menos desejar se-lo e viver como jesus, comoas Apostolos, como Sao Francisco de Assis e seus companheiros• I

para que a etica adquira sentido e exprima uma dignidade.Caso contrdrio, nao a tera, Consequentemenre, se a etica a.

-cosmica do amor nos diz: "Nao resistas ao mal peia forca",o politico, ao contrario, dira: "Deves opor-te ao mal pela forca

ou seras responsave] pelo triunfo que ele alcance." Aquele que

deseja agir de acordo com a etica do Evangelho deve renunciar

a fazer greve - a greve e uma coacao - e nao the res tara 50-

lucao outra que nao a de filiar-se a urn sindicato amareIo *. Edeve, acima de tudo, abster-se de falar de "revolucao". Comefeito, a etica do Evangelho nao deseja ensinar que 5 6 a guerracivil seria uma guerra legltima, 0 pacifists que age de confer-

midade com as regras do Evangelho depora as armas au as Ian-

cara Ionge em respeito ao dever etico, tal como se recornendouna ·Alemanha, para por fim nao s6 a guerra como a todas as

guerras. 0 politico, ao contrario, dira: "0 tinico meio se-

guro de desacreditar a guerra para todo 0 futuro previsivel te-ria sido uma paz imediata, fundada sobre 0 status quo. Comefeito, nessa hipotese, os povos ter-se-iam perguntado: de que

nos serviu a guerra? E 0 absurdo da guerra ter-se-ia posto emevidencia - solucso que ja nao e mais possivel adotar. A guer-ra sera, com efeito, pollticamente vantajosa para os vencedores

ou, ~elo menos, para uma parte deles. A responsabilidade portal situacao cabe a atitude que nos privou de toda a possibili-

dade dessa resistencia, Dentro em pouco, entretanto - quandoultrapassado a perlodo de cansaco - estara desacredltada apaz e na o a g ue rr a: conseqiiencia da etica absoluta.

Ha, por tim, 0 dever da verdade. E tambern ele incondi-donal, do ponto de vista da etica absoluta. Daf se retirou a

* Sindicato desvirtuado de suas finalidades de defesa de classe, NT.

112

evidencia, a luz dessas testemunhas insubornaveis, 0 reconhe-cimento de uma culpabilidade unilateral, incondicional e que se

despreocupa das consequencias, 0 politico entendera que essa

maneira de agir, a julgar pelos resultados, longe de lancar luz

sabre a verdade, ira obscurece-Ia, pelos abusos e pelo desenca-

deamento de paixfies que provocara. Sabe 0 politico que 56 aelaboracao met6dica dos fates, procedida imparcialmente, pede-

r a produzir frutos, ao passo que qualquer outro metodo acarre-tara, para a nas:ao que 0 empregue, conseqiiencias que, talvez,exijam anos para deixarem de manifestar-se. Para dizer a vet-

dade, se existe urn problema de que a etica absoluta nao 5eoeupa, esse e 0 problema das conseqiiencias,

Desembocamos, assim, na questdo decisiva. Impoe-se quenos demos claramente conta do fa to seguinte: toda a atividade

orientada segundo a etica pode ser subordinada a duas maximasioteiramente diversas e irredutivelmente opostas. Pode orien-tar-se segundo a etica da responsabilidade ou segundo a eticada conviccao. 1550 nao quer dizer que a etica da conviccao

equivalha a ausencia de responsabil idade e a etica da responsabi-lidade, a ausencia de conviccao, Nao se trata disso, evidente-

mente. Nao obstante, ha oposicao profunda entre a atitude dequem se conforma a s rnaximas da etica da conviccao - dirfa-0005, em linguagem religiosa, "0 cristae cumpre seu dever e,

quanto aos resultados da acao, confia em Deus" - e a atitudede quem se orienta pela etica da responsabilidade, que diz:

"Devemos responder pelas previsfveis conseqiiencias de nossosatos". Perdera tempo quem busque mostrar, da maneira a

mais persuasiva possivel, a um sindicalista apegado a verdadeda etica da conviccao, que sua atitude nao tera outro efeito

sense 0de fazer aumentarem as possibilidades de reacao, de re-

tardar a ascensao de sua classe e de rebaixd-la aioda mais - 0sindicalista nao acreditara. Quando as conseqiiencias de urn

ato praticado par pura conviccao se revelam desagradaveis, 0

partidario de tal etica nao atribuid responsabilidade ao agente,

mas ao mundo, a tolice dos homens ou a vontade de Deus, queassim criou os homens, 0 partidario da etica da responsabili-

dade, ao contrario, contara com as fraquezas comuns do homem(pois, como dizia muito procedentemente Fichte, nao temos 0

1 1 3

direito de pressupor a bondade e a perfeicao do hornem) e en-

tendera que nao pode Iancar a ombros alheios as conseqiiencias

acreditar que mesmo umarobusta conviccao socialista -rejeitasse

urn objetivo que requer tais meios. 0 problema nao assume

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previsiveis de sua pr6pria ao;;ao. Did, portanto: "Essas con-seqiiencias sao imputaveis a minha propria acao". 0 partidario

da etica da conviccao s6 se sentira "responsavel" pela necessi-dade de velar em favor da chama da doutrina puta, a fim de que

ela nao se extinga, de velar, pot exernplo, para que se man-tenha a chama que anima 0 protesto contra a injustice social.

Seus atos, que 56 podem e 56 devem ter valor exemplar, mas

que, considerados do ponto de vista do objetivo essencial, apa-recem como totalmente irracionais, visam apenas aquele Hm:estimular perpetuamente a chama da propria conviccao.

Esta analise nao esgota, entretanto, a materia. A nenhu-

rna etica e dado ignorar 0 seguinte ponto: para alcancar fins"bons", vemo-nos, com frequencia, compelidos a recorrer, deuma parte, a meios desonestos ou, pelo menos, perigosos, e com-pelidos, de outra parte, a contar com a possibilidade e mesmo a

eventualidade de conseqiiencias desagradaveis. E nenhuma etica

pode dizer-nos a que mornento e em que medida urn fim moral-

mente born justifica os meios e as conseqiiencias rnoralmente

perigosos.

o instrumento decisivo da polit ic a e a violencia, Pode-se

ter ideia de ate onde estender, do ponto de vista etico, a tensao

entre meios e tim, quando se considers a bern conhecida atitudedos socialistas revolucionarios da corrente Zimmerwald. Ja du-rante a guerra, eles se haviarn declarado favoraveis a urn prin-cipio que se pode exprimir, de manei ra contundente, nos ter-

mos seguintes: "Pastas a escolher entre mais alguns anos de

guerra seguidos de uma revolucao e a paz imediata nao seguidade uma revolucao, escolhemos a primeira alternativa: mais al-guns anos de guerra! A pergunta - que pode proporcionar essa

revolucao>, todo socialista que raciocine cientificamente, con-formando-se aos principios de sua doutrina s6 pode oferecer

uma resposta: no momento, nao se pode falar de passagem parauma economia que se poderia chamar socialista, no sentido pro-prio do termo; uma economia de tipo burgues ressurgiria, ape-

nas despida de vestigios de feudalismo e de elementos dinasti-

cos. E, portanto, para alcancar esse modesto resultado que seaceitariam "mais alguns anos de guerra". Seria desejavel poder

114

fei~aa diversa no caso do bolchevismo, do espartaquismo e, demodo geral, no caso de qualquer outra especie de socialismo reo

voluciondrio, pois e perfeitamente ridfculo, da parte dos revo-lucionarios, condenar em nome da moral a "politica de forca'

praticada pelos homens do antigo regime, quando, afinal de con-tas, eles se utilizam exatamente desse meio - por mais justifi-

cada que seja a posicao que adotam quando repelem os objeti-

vos de seus adversaries.

Parece, portanto, que e 0problema da justificacao dos meiospelo fim que, em geral, coloca em cheque a etica da conviccao.

De fato, nao lhe resta, logicamente, outra possibilidade senaoa de condenar qualquer a~ao que Iaca apelo a meios moralmenteperigosos. E importa acentuar: logicamente. Com efeito, nomundo das realidades, constatamos, por experiencia incessante,

que a partidario da etica da conviccao torna-se, bruscamente,urn profeta rnilenarista e que os mesmos individuos que, algunsminutos antes, haviam pregado a doutrina do "amor oposto aviolencia" fazem, alguns instantes depois, apelo a essa mesma

Iorca - a forca ultima que levani a destruicao de toda violen-cia -, a semelhanca dos che£es militates alemdes que, por oca-siiio de cada ofensiva, proclamavam: e a ultima, a que nos con-

duzira a vit6ria enos trara a paz. 0 partidario da etica da con-viccao nao pode suportar a irradonalidade etica do mundo. Elee urn racionalista "cosmo-etico". Aqueles que, dentre os senho-

res, conhecern Dostoiewski poderao, a esta altura, evocar a cenado Grande Inquisidor onde esse problema e exposto de maneira

adequada. Nao e possivel concil iar a etica da conviccao e a

etica da responsabilidade, assim como nao e possivel, se [amais

se fizer qualquer concessao ao princlpio segundo 0 qual 0 fim

justifica os meios, decretar, em nome da moral, qual 0 fim que

justifica urn meio determinado.

Meu colega, F. W. Foerster, por quem tenho alta estima,em razao da incontestavel sinceridade de suas conviccoes, mas

a quem recuso inteiramente a qualidade de homem politico, acre-dita poder contornar essa dificuldade preconizando, num dos li-vros que escreveu, a tese seguinte: 0 bern 56 pode engendrar

o bern e 0 mal s6 pode engendrar 0 mal. Se assim fosse, 0 pro-

115

blema deixaria de exisnr, E verdadeiramente espantoso quetese semelhante haja podido merecer publicidade, dois mil anosdepots dos Upanishades. 0 contrario nos e dito nao s6 pot

dessa forma, a darma de cada uma das castas, desde 05 ascetas

e bramanes ate os vis e os parias, no interior de uma hierarquia

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toda a Historia universal, mas tambem pelo iroparcial exame

da experiencia cotidiana. 0 desenvolvimento de todas as re-ligioes do mundo se fez a partir da verdade da opiniao oposta.

o antiqiilssimo problema da teodiceia enfrenta exatamente aquestao de saber como pode dar-se que urn poder, apresentado,ao mesmo tempo, como onipotente e born, haja criado este mun-

do irracional, povoado de sofrimentos imerecidos, de injusticasnao castigadas e de incorrigivel estupidez. Ou esse poder eonipotente e born, ou nao 0 e , au nossa vida e governada par prin-

cipios inteirarnente diversos de recompensa e de sancao, princi-pios que so e posivel interpretar por via metaHsica, se e que

nao escapam inteirarnente a nossa capacidade de compreensao,Esse problema, a experiencia da irracionalidade do mundo, foia forca motriz do desenvolvimento de todas as religioes. A dou-trina hindu do karma, a do dualismo persa, a do pecado original,a da predestinacao e do Deus absconditus nasceram todas dessaexperiencia. Tambem os primeiros cristaos sabiam perfeitamen-te que 0 mundo estava dominado por demonios e que 0 indivi-

duo que se comprometesse com a polltica, isto e , com os instru-mentos do poder e da violencia estava concluindo urn _pactocompotencies diabolicas; sabiam aqueles cristaos nao ser verdade que

o bern gerasse unicamente 0 bern, e 0 mal unicamente 0 mal:constata-se, antes e com muita freqiiencia, 0 fenomeno inverse,Quem nao 0 veja e , pohticamente falando, uma crianca.

A etica religiose acomodou-se de diversas maneiras a essefundamental estado de coisas, que nos leva a situar-nos em di-

ferentes regimes de vida, subordinados, por sua vez, a leis igual-mente diversas, 0 politeismo helenico sacrificava, ao mesmo

tempo a Afrodite e a Hera, a Apolo e a Dioniso, sabendo queesses deuses freqiientemente se combatem. 0 sistema hindufazia de cada uma das profiss6es 0objeto de uma lei etica par-ticular, de um drama, estabelecendo entre elas uma separacao

definitive, por castas que, em seguida, integrava numa hierar-quia imutavel. 0 indivfduo nascido numa casta nao tinha pos-sibilidade alguma de libertar-se dela, a nao ser por reencarnacdo,em vida futura. Cada profissao encontrava-se, conseqiientemente,

a uma distancia diferente da salvacao suprema. Estabeleceu-se,

116

.~ 1

,

que se conformava a s leis imanentes, proprias de cada profissao.Guerra e pol.itica encontraram, nesse esquema, 0seu lugar. Quea guerra faca parte integrante da vida e coisa que se verifies

lendo na Bh ag a va d G i ta a conversa que mantem Krishna e Arjuna."Age como necessario", isto e 0 clever que te e imposto pelo dar-ma da casta dos guerreiros e observa as prescricoes que a regemou, em suma, realiza a "obra" objetivamente necessaria que cor-

responde a finalidade de tua casta, ou seja, guerrear. Nos ter-mos dessa crenca, cumprir 0 destino de guerreiro estava longede constituir ameaca para a salvacao da alma, constituindo-se, aocontrario, em seu sustentaculo, 0 guerreiro hindu estava sem-

pre tao certo de que, apes morte her6ica, alcancaria 0 ceu doIndra quanto 0 guerreiro gerrnanico de ser recebido no Walhal-

1a; sem diivida, 0 guerreiro hindu desdenharia 0 nirvana tantoquanto 0 guerreiro germanico desdenharia 0 paraiso cristae com

seus coros de anjos. Essa especializacao da etica perrnitiu quea moral hindu fizesse da arte real da polltica uma atividade per-fei tamente conseqiiente, subordinada a suas pr6prios leis e sem-pre rnais consciente de si mesma, A literatura hindu chega aoferecer-nos uma exposicao classica do "maquiavelismo" radical,no sentido popular de maquiavelismo; basta let 0Artbacastra,de Kautilya, escrito muito antes da era crista, provavelmente

quando governava Chandragupta. Comparade a esse documento,

a Principe de Maquiavel, e urn livro inofensivo. Sabe-se que naetica do catolicismo, da qual, alias, 0 professor Foerster tanto

se aproxima, os co ns il ia e u a ng e ii ca constituem uma moral espe-cial, reservada para aqueles que possuem 0 privilegio do caris-

rna da santidade. Ali se encontra, ao lado do monge, a quem edefeso derramar sangue ou busear vantagens economicas, 0 cava-

leiro e 0 burgues piedosos que tern 0 direito, 0 primeiro de der-

ramar sangue e 0 segundo de enriquecer-se. Nao ha duvida deque a diferenciacao da etica e sua integracao num sistema de .sal-va~ao apresentam-se, ai, menos conseqiientes do que na India;nao obstante, em razao dos pressupostos da fe crista, assim podia

e mesmo devia ser. 0 doutrina da corrupcso do mundo pelopecado original permitia, com relativa facilidade, integrar a vio-

lenda na etica, enquanto meio, para combater 0 pecado e as he-

resias que se erigem, precisamente, em perigos para a alma. Nao

117

obstante, as exigencies a-cosmicas do Sermao da Montanha, sobforma de uma pura etica de conviccao, e 0 direito natural cris-

de contar com seguidores, isto e , com uma organizacao humans.

Ora, essa organizar;ao nao atua, a menos que se lhe faca entrever

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tao, compreendido como exigencia absoluta fundada naquela dou-trina, conservaram seu poder revolucionario e vier am a tona,com todo 0 furor, em quase todos os periodos de perturbacaosocial. Deram, em particular, nascimento a seitas que profes-sam urn pacifismo radical; uma delas tentou erigir, na Pensil-vania, urn Estado que se propunha a nao utilizar a forca em suasrelacoes exteriores - experiencia que se revelou, alias, trdgica,

na medida em que, quando da Guerra da Independencia norte-- americana, impediu os Quakers de intervirem, de armas na mao,num conflito cujo objetivo era, entretanto, a defesa de ideaisidenticos aos por eles cultivados. Em posicao oposta, 0 protes-tantismo comum reconhece, em geral, 0 Estado como valido e,conseqtienternente, 0 recurso a violencia como uma instituicaodivina: justifica, muito particularmente, 0Estado autoritariolegitirno, Lutero retirou do indivfduo a responsabilidade eticapeIa guerra e a atribuiu a autoridade politica, de sorte que obe-decer as autoridades em materias outras que nao as de fe jamaispoderia implicar culpa. 0 calvinismo tambem admitia a forca

como urn dos rneios para a defesa da fe e legitimava, conseqiien-

temente, as guerras de religiao. Sabe-se que essas guerras santassernpre foram elemento vital para a islamismo. Ve-se, portanto,

que nao foi, de modo algum, a descrenca moderna, brotada do

culto que a Renascenca dedicou aos herois, que levantou 0 pro-blema da etica polltica, Todas as religioes, com maior au menorexito, enfrentaram esse problema e a exposicao feita deve terbastado para mostrar que nao poderia ter sido de outro modo.

A originalidade propria dos problemas eticos no campo da poll-tica reside, pois, em sua relacao com 0 instrumento especificoda oiolencia legitima, instrumento de que dispdem os agrupamen-

t05 humanos.

Seja qual for 0 objetivo das a~oes que pratica, todo homemque pactua com aquele instrumento - e a homem politico 0

faz necessariamente - se expoe as conseqiiencias que ele acar-reta. E 1SS0e particularmente verdadeiro para a individuo quecombate pot suas conviccoes, trate-se de militante religiose ou

de militante revolucionario. Atrevidamente, tomemos comoexemplo a epoca atual. Quem quer que, utilizando a forca, de-

seje instaurar a justica social sobre a Tetra sentini a necessidade

118

Iindispensaveis recompensas psicologicas ou materials, sejam ter-restres ou celestes. Acima de tudo, as recompensas psicologicas:nas modernas condicoes de luta de classes, tais recompensas se

traduzem pela satisfacso dos adios, dos desejos de vinganca, dos

ressentimentos e, principaimente, da tendencia pseudo-etica deter raziio a qualquer preco, saciando, par conseqiiencia, a neces-sidade de difamar 0 adversario e de acusa-lo de heresia. Apare-

cern, em seguida, as recompensas de carater material: aventura,vitoria, presa, poder e vantagens. 0 exita do chefe depende,par completo, do fundonamento da organizacao com que ele con-

te. Por esse motive, ele depende tambem dos sentimentos queinspirem seus partidarios e nao apenas dos sentimentos que pes-soalmente 0 inspirem. Seu futuro depende, portanto, da possi-

bilidade de assegurar, de maneira duravel, todas essas recompen-sas aos partidarios de que nao pode prescindir, trate-se da guar-

da vermelha, de espioes ou de agitadores. 0 chefe nao e senhorabsoluto dos resultados de sua atividade, devendo curvar-se tam-bern as exigencias de seus partidarios, exigencies que podem sermoralmente baixas. Ele ted seus partidarios sob dominio en-quanta fe sincera em sua pessoa e na causa que defende sejadepositada pelo menos par uma £ra~ao desses partidarios, pois

jamais ocorreu que sentimentos identicos inspirem sequer a maio-ria de urn grupo humano. Aquelas conviccoes, mesmo quandosubjetivamente as mais sinceras, nao servem, em realidade e namaioria das vezes, senao para "justificar" moralmente os de-

sejos de vinganca, de poder, de lucros e de vantagens. A esterespeito, nao perrnitirernos que nos contem fabulas, pois a in-terpretacao materialista da Historia nao e veiculo em que pos-samos subir a nossa vontade e que se detenha diante dos pro-motores da revolucao. E importa, sobretudo, nao esquecer que

a revolucao animada de entusiasmo sucedera sempre a rotinacotidiana de uma tradicao e que, nesse momenta, 0 heroi da feabdicard e a propria fe perdera em vigor ou se transformard -esse 0 mais cruel destino que pode ter - em elemento da fra-seologia convencional dos pedantes e dos tecnicos da politics.Essa evolucao ocorre de maneira particularmente rapida quan-

do se trata de lutas ideologicas, simplesmente porque esse ge-nero de lutas e , via de regra, dirigido ou inspirado por chefes

119

autenticos, os profetas da revolucao, Nesse caso, com efeito

c~mo, em ~eral, em toda atividade que reclama uma organlZa~

Ca? devotada ao chefe, uma das condicoes para que se a1cance

Maquiavelalude a-t al s ir ua cd o e poe na boca de um dos her6is

de Horenca, que r-ende homenagem a seus concidadaos, as se-

guintespalavras: "Eles preferiram a grandeza da cidade it sal-

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eXIto e a despersonalizacso e 0 estabelecirnento de uma retina

em suma, a p:_oletarizas;:ao espiritual, no interesse da discipli-

na. Essa a razao por que os partidarios vitoriosos de urn che£e

que luta por suas convics;:oes entram - e, de ordinario, rapida-

mente - ern processo de degeneracao, transformando-se em

massa de vulgares aproveitadores.

*.Que~ deseje, dedic~r-se a politica e, principalmente, quem

deseJ~" de~:hcar-se a polltica em termos de vocacao deve tomar

:on~clencla desses paradoxes eticos e da responsabilidade quanto

aquilo em que ele proprio pod era transformar-se sob pressao

d.aquel.es paradoxes. Repito que ele se cornprornete com poten-

c~as diabolicas que atuarn com toda a violencia. as gran des

VIrtuosos do arnor e da bondade a-cosmica do homem venham

eles de Nazare, de Assis ou de reais castelos indianos nio opera-

ram com 0 instrumento politico da violenci». 0 reino que pre-

gavam niio era "deste rnundo" e, entretanto, eles tiveram e con-

tinuam_ a exercer influencia neste mundo. As figuras de Platao,

~a.rataJev e .do~ _santos de J?ostoiewski sao, POt cerro, as mais

flels reconstrtuicoes desse genero de homens. Quem deseja a

salvacao da p~6pria alma ou de almas a lh eia s d ev e, portanto,

eyltat os camm~os <:Ia pol it ica que, por vocacao, procura rea-

lizar tarefas murto diferenres, que nao podem ser concretizadas

sem violencia. 0 genic, ou dernonio da politica vive em est ado

de tensao extrema com 0 Deus do amor e tambern com 0 Deus

dos cristaos, tal como este se manifests nas instituicoes da

I~rej~. Essa tensao pode, a qualquer tempo, explodir em con-

flito insohivel.IS80

os homens ja sabiam, mesmo ao tempo emq?e a Igreja dominava. Repetidamente 0 interdito papal atin-

gra Florenca - e, naquela epoca pres sao tal pesava muito mais

fortemente sobre os homens e muito rna is lhes ameacava a sal.

vacao da alma do que a " fr ia a pr ov ac ao " (como diz Fichte) do

[ufzo moral kantiano - e, entretanto, os habitantes da cidade

continuavam a mover guerra aos Estados papais, Em bela pas.

sagem de suas Hist6rias Florentinas, se exata minha lernbranca,

120

va.;:ao de suas almas".

Se, em vez de cidade natal ou de "patria", palavras que,

em nossos dias, J a nao tern uma significacao univoca, falarmos em

"futuro do socialismo" ou em "paz internacional" estaremos

empregando express6es que correspondem a maneira moderna

de colocar 0 problema. Com efeito, todos esses objetivos que

nao e possivel atingir a nao ser atraves cia atividade polinca- onde necessariamente se faz apelo a meios violentos e se

acolhem as caminhos da etica da responsabilidade - colocam

em perigo a "salvacao da alma". E caso se procure atingir esses

objetivos ao longo de um combate ideologico orientado por

uma etica da conviccao, ha risco de provocar danos grandes e

descredito, cujas repercussoes se farao sentir durante geracoes

varias, porque nao existe responsabilidade pelas consequencias,

Nesse caso, em verda de, 0 agente nao tern consciencia dos dia-

b6licos poderes que en t ram em jogo, Ora, esses poderes sao ine-

xoraveis e, se 0 individuo niio os percebe, sera arrastado a uma

serie de conseqiiencias e a elas, sem merce, entregue; e as re -

percussoes se farao sentir nso apenas em sua forma de atuar,

mas tambem no fundo de sua alma. "0 diabo e velho". E quan-do 0 poeta acrescenta "envelhecei para entende-lo", par certo

que nao se esta referindo a idade em termos crono16gicos. Pes-

soalmente, jamais admiti que, ao lange de uma discussao, se pro-

curasse garantir vantagem exibindo a certidao de nascimento. 0

simples fato de que urn de meus interlocutores tern vinte anos,

quando eu ja passo dos cinqiienta, niio pode, afinal de contas,

autorizar-me a pensar que isso constitua uma conquista diante da

qual se imponha uma respeitosa inclinacso. Nso importa a ida-

de, mas sim a soberana competencia do olhar, que sabe ver as

realidades da vida, e a forca de alma que e capaz de suporta-las

e de elevar-se a altura delas.

Certo que a polltica se faz com 0 cerebro, mas indiscutfvel,

tambern, que ela nao se faz exclusivamente com ° cerebro. Quan-

to a esse ponto, razaocabe aos partidarios da etica da convic-.;:ao. Nao cabe recornendar a ninguern que atue segundo a etica

da conviccao ou segundo a etica da responsabilidade, assim como

njiocabe dizer-lhe quando observar uma e quando observar outra.

121

S6 cab7 ~zer-lhe uma coisa: quando, hoje em dia, num tempo

de excrtacao que, a seu ver, nao e esteril - saiba entretan-to) que .•a_excit~~a~ nao e sempre e nem mesmo ge~uinamente

siasmo despertado peIa atual revolucao - eu gostaria de saber

em que se terao trans£ormado Interiormente. Muito agradavel

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uma paixao aut:r:t1ca -. vemos subitamente surgir, de toda par-

te, ~omens politicos animado, pelo espirito da etica da con-

v~cc;.ao e proclamando: "Niio . ~u, mas 0 mundo e que e es-

nipido e. vulgar;, a ,responsabllidade pelas conseqiiencias nao

cabe a film, porern aqueles a cujo servico estou; njio obstan-

te, esperen: urn "poueo . e eu saberei destruir essa estupidez e

essa vulgaridade - ~lante de ta l situacao, confesso que, an-tes do mal~, p~ocuro 1?~Ormar-me acerca do equilibrio interiordesses partidarios da etrca da ccnviccao. Tenho a impressao

de que, nove vezes em dez, estarei diante de ba16es cheios de

vent~, sem consciencia das responsabilidades que assumem e

embnagad~s de sensacces romanticas. De urn ponto de vista

humano, ISS0 niio me interessa muito, nem me comove

absolutamente. Per turbo-me , ao contrario, muito profunda-

me~te, diante da atitude de urn homem maduro - seja velho

ou jovem - que" ~e ~ente, de fa to e com toda a alma, responsa-

ve l pelas consequenclas de seus atos e que praticando a erica

da responsabilidade, chega, em certo momento, a declarar: "Nao

p...ss.a agrr de outro modo; detenho-me aqui", Tal atitude e au-tentlcan; .ente humana e e comovedora. Cada urn de n6s, que nao

tenha ainda a. alma completamente marta, podera vir a encon-

t,r~r-se em tal sltuaf~o. Ver::os assim que a ettea da conviccfo e a

etica da responsabilidade nao se contrapdern, mas se completam

e, em conjunto, formam 0 homern autentico, isto e urn homemque pode aspirar a "vocacao politica". '

Me.us cares ouvintes, dentro de dez anos, teremos, talvez,

opo~tufl1dad~ de. vol tar a falar deste assunto. Naquela ocasiao,

rec:lO que; lllf:hzment~ e por rmitiplas razoes, a Reacfo ja nos

tera, de ha m~1to, dominado, E provavel que pouco do que as

se~hores. almeJaram. e esperaram e do que tambem esperei se

haja realizado. MUlto pouco, segundo tudo leva a acreditar _para nao dizer que absolutamente nada. Isso niio me abated,

mas confe~~o-~hes qu~ pesa como urn fatdo intimo sobre quem

ten: consciencra da situacao. Eu gostaria de saber em que se

terao transform ado, dentro de dez anos, aqueles dentre os se-

nhotes ,que, presentemente, guardarn 0 sentimento de serern

verdadeiros "politicos POf conviccao" e que participam do entu-

122

seria, sem diivida, que as coisas pudessem passar-se como emShakespeare, soneto 102:

Nosso jovem arnor atravessava a primavera

Quando, em seu louvor, cantos eu erguia;

Tarnbem Filomel, sendo verso, cantava

E detinha 0 canto em oportuno dia.

Tal nao e , porem, a caso, Pouco importa quais sejam as grupos

politicos a quem a vit6ria tocara: nao nos espera a floracao do

estio, mas, antes, uma noite polar, glacial, sombria e rude. Com

efeito, quando nada existe, ndo somente 0 imperador, mas tam-

bern 0 prolerario tern perdidos as seus direitos, E quando essa

noite se houver lentarnente dissipado, quantos, daqueles que vi-

veram a atual e opulenta primavera, estarao ainda vivos? Em

que se terao transformado no seu foro interior? Nao lhes res-tara mais que amargor e grandiloqiiencia? Ou simples acelta-

c ; a e resignada do mundo e da profissao? Ou terao adotado uma

ultima solucao que nao e a menos comu rn: remincia mistica ao

mundo por todos quantos dotados para isso ou - como, infe-Iizrnente, acontece com freqiiencia - por todos quantos a tan-

to se sent em compelidos pela moda. Em qualquer desses casos,

eu tirarei a seguinte conclusao: nao estavam a altura da tarefa

que lhes incumbia, nao tinham dimensao para se medir com

o mundo tal como ele e e tal como ordinariamente se apresenta;

em nenhum caso possuiam, nem objetiva, nem positivamente,

no sentido profundo do terrno, a vocacao para a politica que,

entretanto, julgavam possuir. Melhor teriam feito, se cultivas-

sem modestamente a fraternidade de homem para homem e,

quanta ao resto, se entregassem, com simplicidade, ao trabalho

cotidiano.

A polit ica e urn esforco tenaz e energico para atravessar

grossas vigas de madeira. Tal esforco exige, a urn tempo, pai-

xao e senso de proporcoes, E perfeitamente exato dizer - e

toda a experiencia histories 0 confirma - que nao se teria ja-

mais atingido 0 posslvel, se nao se houvesse rentado 0 impossi-

vel. Contudo, 0 homem capaz de semelhante esforco deve ser

um chefe e nao apenas urn chefe, mas urn heroi, no mais sim-

123

ples sentido da palavra. E mesmo os que niio sejam uma coisa

nero outra devem armar-se da forca de alma que lhes permitaveneer 0 naufragio de todas as suas esperancas, Importa, en-

, ,

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tretanto, que se armem desde 0 presente momento, pois de ou-tra forma nao virao a alcancar nero mesmo 0 que hoje e possl-

vel. Aquele que esteja convencido de que nao se abatera neromesmo que 0 mundo , julgado de seu ponto de vista, se reveledemasiado estupido ou demasiado mesquinho para merecer a

que ele pretende oferecer-lhe, aquele que permaneca capaz de

dizer "a despeito de tudo!", aquele e 56 aquele tern a "vocacao"da polftiea.

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