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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Desenvolvimento Sustentável COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE: levantamento bibliográfico sobre consumo sustentável e base energética entre alguns autores brasileiros Simoni Jacomoliski Itajaí, junho/2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Desenvolvimento Sustentável

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE:

levantamento bibliográfico sobre consumo sustentável e base energética

entre alguns autores brasileiros

Simoni Jacomoliski

Itajaí, junho/2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Desenvolvimento Sustentável

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE:

levantamento bibliográfico sobre consumo sustentável e base

energética entre alguns autores

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Itajaí, sob a orientação do Professor Sérgio Saturnino Januário.

Simoni Jacomoliski

Itajaí, junho/2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Desenvolvimento Sustentável

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE:

levantamento bibliográfico sobre consumo sustentável e base

energética entre alguns autores

Simoni Jacomoliski

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Itajaí

Banca Examinadora

Prof. MSc. Sérgio Saturnino Januário

Presidente – Orientador

Prof. Dr. FLÁVIO RAMOS

Membro

Prof. Dr. GUILLERMO ALFREDO JOHNSON

Membro

Itajaí, junho/2007

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Sumário

APRESENTAÇÃO........................................................................................................................................... 5

I – ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE A RELAÇÃO SOCIEDADE E AMBIENTE........................... 6

1 CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE................. ............................................................................. 6

1.1 BIOLOGIA E SOCIOLOGIA NO SÉCULO XIX ........................................................................................ 8 1.2 SOCIOLOGIA E MEIO AMBIENTE NO SÉCULO XX OU SOCIOLOGIA AMBIENTAL................................. 11

2 CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE: ALGUMAS PERSPEC TIVAS NO BRASIL ............... 18

2.1 BALANÇO BIBLIOGRÁFICO DE ALONSO E COSTA............................................................................. 19 2.1 - SOCIEDADES-NATUREZAS: A PERSPECTIVA DE PAULO VIEIRA....................................................... 22

II – CONSUMO SUSTENTÁVEL E BASE ENERGÉTICA ..................................................................... 32

1 CONSUMO SUSTENTÁVEL.................................................................................................................... 32

1.1. CONSUMO E SUSTENTABILIDADE: A ANÁLISE DE LAZZARINI E GUNN ............................................. 32 1.1.1 Comportamento social sustentável e insustentável de Consumo....................................... 34 1.1.2 Produção e consumo ......................................................................................................... 36 1.1.3 Responsabilidades de diversos agentes............................................................................. 38

2. ENERGIA E AMBIENTE ....................................................................................................................... 39 2.1. QUADRO ENERGÉTICO BRASILEIRO................................................................................................ 44

2.1.1 Situação atual das energias primárias .............................................................................. 46 2.1.2 Reservas energéticas ......................................................................................................... 47 2.1.3 Energia e meio ambiente ................................................................................................... 48

(a) Poluentes atmosféricos locais.................................................................................................... 48 (b) Poluentes atmosféricos globais .................................................................................................. 49 (c) Futuro energético brasileiro......................................................................................................49

III – BIOCOMBUSTÍVEIS X CONSUMO SUSTENTÁVEL ........ ........................................................... 52 3.1 Será sustentável?............................................................................................................... 58 3.2 Exploração de trabalho no campo .................................................................................... 60 3.2.1 Fome e escassez de água potável ...................................................................................... 61 3.2.2 Problema sobre a disposição da vinhaça.......................................................................... 63 3.2.3 Destinação da vinhaça ...................................................................................................... 64

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 66

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 70

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Apresentação

Esta investigação está contida no conjunto das apreciações teóricas sobre as relações

estabelecidas em campos científicos dos conceitos de natureza(s) e sociedade(s), sobretudo

àqueles mais próximos do domínio das ciências sociais (sociologia, ciência política, antropologia,

economia). De modo menos abrangente, este trabalho tem o objetivo de analisar aspectos

teóricos sobre consumo sustentável nas ciências sociais, sobretudo na sociologia.

Especificamente, concerne ao debate acerca da base energética decorrente da organização de

relações sociedade(s)-natureza(s): o combustível de origem vegetal e sua “passagem social” e

como mercadoria.

Trata-se de levantamento de caráter bibliográfico (concentrada em alguns autores

brasileiros) e não uma revisão de literatura como forma de preparo para prolongamento dos

estudos em nível de mestrado.

Na primeira parte, apresentamos sínteses sobre a relação entre meio ambiente e

sociedade, baseados em autores clássicos e alguns contemporâneos. No segundo capítulo

apresentamos um debate sobre consumo sustentável e base energética como preparação ao tema

consumo sustentável, o qual compõe a terceira parte de nosso trabalho.

Como apresentação panorâmica de correntes teóricas sobre sociedade e meio

ambiente – ainda que um debate em aberto e de muitas controvérsias -, a inclusão de consumo

sustentável permite-nos afirmar que é necessário compreender os modelos segundo os quais

passamos a orientar nossas práticas para, em seguida e por meio de autocríticas – já que estes

modelos se encarnam em nossas atividades –, podermos realizar críticas e transformar nossas

orientações e práticas diante de cenários de riscos a sobrevivência das espécies, inclusive a

humana.

Obviamente, não pretendemos expor um debate singular e fortemente

fundamentado, mas um conjunto de idéias sistematizadas para fins de vôos mais altos.

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I – ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE A RELAÇÃO SOCIEDADE E

AMBIENTE

Nesta primeira parte de nossa pesquisa bibliográfica sobre o tema sociedade e

natureza apresentamos como alguns autores brasileiros colocam o debate relativo ao mundo

social e ambiental, sociedade e natureza.

Vários autores analisam o contexto atual relativo à relação sociedade(s)-natureza(s),

suas inter-relações (suas aproximações como fenômenos distintos) e suas interações (como se

constituem como um único conjunto) considerando um contexto de crise de civilização dos

padrões da modernidade e de risco à manutenção de vidas, inclusive as vidas humanas

(ALONSO e COSTA, 2002; VIEIRA, 1992; WEBER & VIEIRA, 2000; BORN, 2002;

MORAES, 2002; MORIN, 2005). Enfrentamos grandes desafios nos processos de co-evolução

de sistemas ecológicos e sociais, sobretudo a partir de sistemas de apropriação e formas de gestão

de recursos comuns no contexto de problemas ambientais no qual vivemos atualmente (WEBER

& VIEIRA, 2000). Assim, a distinção e a conjunção das relações entre sociedade(s) e natureza(s),

entre mundo social e mundo natural, por assim dizer, constituem a primeira parte da análise de

nosso trabalho.

Com base nestes autores, nosso trabalho caracteriza-se numa tentativa de

compreender as intervenções humanas na natureza e os efeitos desta intervenção. A relação

sociedades-naturezas se compõe na intensidade em que o homem atua sobre a natureza, e como

esta “responde” a tais interferências. Portanto, nosso foco de investigação está concentrado em

aspectos das relações entre o social e o ambiental, uma definição de caráter teórico-metodológico

(nosso fenômeno de pesquisa). De modo mais específico, orientamos o recorte de pesquisa sobre

como as Ciências Sociais tratam a questão do consumo social sob alguns aspectos:

a) a relação entre ciências sociais e meio ambiente;

b) como o conceito de consumo sustentável, em certos autores brasileiros, é

apresentado no debate teórico sobre naturezas-sociedades, sobretudo no que diz

respeito ao biocombustível?

1 CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE

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Nesta parte do trabalho, serão analisados autores como Frederick Buttel, John A.

Hannigan e David Goldblatt, que apresentam relações sobre ciências sociais e ambiente. Tais

pesquisadores descrevem autores que deram origem ao debate entre Ciências Sociais (ou

sociologia) e meio ambiente, inclusive autores contemporâneos. Esta parte é desenvolvida com o

objetivo de compreendermos o termo ou disciplina denominada sociologia ambiental, realizando

posteriormente um estudo/análise do consumo sustentável.

Segundo Buttel (1992), duas abordagens fundamentam o campo das estruturas

ambientais. De um lado, há um processo de análise das bases de interação entre o meio social e

natural, identificados como macroprocessos. Por outro, há o desenvolvimento de estudos com

relação aos valores, as ações e a intencionalidade dos indivíduos responsáveis pela questão

ambiental bem como sua atuação na mesma.

Em seus estudos, a sociologia, como quase todo pensamento social, é fortemente

influenciada pelas ciências denominadas “naturais”, principalmente a ecologia biológica. A

sociologia acaba por utilizar grande parte dos métodos de análises que caracterizam essas ciências,

como a questão do desenvolvimento, da evolução e da adaptação dos organismos naturais.

Porém, muitos dos modelos utilizados, como o darwinismo social ou o determinismo ambiental,

vêm encontrando resistência pelo que se denomina “simplismo biológico”. Muitos daqueles que

se aventuraram na sociobiologia foram alvo de desprezo por parte dos demais representantes da

área. Em períodos mais recentes, a sociologia teria por objetivo possibilitar uma análise conjunta

de todo o âmbito institucional da sociedade, no nível micro – que pode ser entendido como a

psicologia social – e macro – entendido como a estrutura da sociedade –, estabelecendo ligações

entre essas duas esferas. Contudo, há forte tendência antropocêntrica na sociologia, o que acaba

por limitar sua expansão de análise. O que podemos perceber é que existe uma dualidade com

relação à existência humana. Por um lado, o ser humano como parte da biosfera e, por outro, o

homem como modificador e criador de ambientes, levando a uma relação ambivalente entre

biologia e sociologia. É desta incerteza entre as duas disciplinas que emergem debates teóricos

que passam a constituir a sociologia ambiental

Por sua vez, Hannigan (1995) considera o “Earth Day 1970” como início do

movimento ambiental moderno. Surgiu com o estudo feito entre professores e alunos a nível

nacional e foi um acontecimento com diversos participantes. Buscou-se através desse movimento

o reconhecimento simbólico como “Dia primeiro” do ambientalismo, ganhando força nos meios

de comunicação norte-americanos a importância da questão ambiental. Diante desse contexto

ocorrido na década de 1970, os sociólogos se deram conta de que não possuíam nenhum corpo

teórico para interpretar a relação entre sociedade e meio ambiente. Karl Marx, Émile Durkheim e

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Max Weber tiveram uma dimensão ambiental, mas seus tradutores e intérpretes norte-americanos

favoreceram a estrutura social ao invés da física ou das relações ambientais.

1.1 BIOLOGIA E SOCIOLOGIA NO SÉCULO XIX

É consensual considerar Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber como os maiores

teóricos clássicos da sociologia. Entretanto, as teorias clássicas são deficientes (mas não nulas)

com relação à abordagem ecológica (BUTTEL, 1992). Também consensualmente, considera-se

que a teoria sociológica moderna desenvolveu-se a partir de um tabu inerente a aplicação de

variáveis ecológicas às suas análises. Para muitos, a ruptura entre o social e o biológico,

proporcionada pelos clássicos da sociologia, é considerada como lamentável, pois criou barreiras

para a análise dos aspectos biológicos e ecológicos. A abordagem clássica é tida como limitada em

termos ecológicos.

Para Hannigan (1995), no século XIX foi construído um grande interesse intelectual

referente ao ambiente geográfico na condição humana. Como o geógrafo Henry Thomas Buckle

(1821-1861), com a tese de que o ambiente geográfico define a sociedade como resultado das

forças naturais (clima, alimentos, solo). Outro geógrafo de grande influência foi Ellsworth

Huntington (1874-1947), que relaciona clima com aspectos humanos e sociais (delito, loucura,

capacidade intelectual, suicídio). Logo entram no discurso sociológico as teorias darwinistas

(Charles Darwin, 1809-1882), como a “seleção natural”, “evolução”, “sobrevivência dos mais

aptos”, seguido por Herbert Spencer (1820-1903), que propôs uma doutrina evolutiva na qual

aumenta o princípio da seleção natural até o domínio do ser humano. Sumner (s/d), nesta mesma

linha, apresenta o conceito da “competição da vida”.

Buttel (1992) começa seu argumento com Augusto Comte (1798-1857), cujo

pensamento era centrado em analogias biológicas. Para ele, cada esfera da sociedade funcionava

como partes de um todo, como o corpo humano. Herbert Spencer é considerado como principal

expoente do evolucionismo, e teve em Comte e Darwin suas principais influências. Acreditava na

seleção evolutiva e não na mudança, no progresso e no conhecimento como Comte. Embora haja

divergências em suas teorias, Spencer e Comte compartilhavam as bases do funcionalismo dentro

de um âmbito de analogias orgânicas. Pelos trabalhos de Comte e Spencer, na segunda metade do

século XIX, podemos afirmar que a sociologia estava – epistemologicamente e ontologicamente1

1 Epistemologia: parte da ciência e da filosofia que estuda como e quais os fundamentos do conhecimento científico, ou seja, é a área do conhecimento que estuda o conhecimento científico. Ontologia: parte da filosofia que estuda o

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– dependente ou subordinada à biologia: Spencer, influenciado por Darwin, combinou evolução,

seleção e variação com o desenvolvimento social; Malthus estudou os efeitos do grande

crescimento da população versus a escassez dos recursos; Ricardo e John Stuart Mill,

concentraram-se sobre o grande crescimento que ocorreu no início do século XIX e os limites

naturais e econômicos (GOLDBLATT, 1996).

Em síntese, pode-se considerar o pensamento clássico como reflexo das simplificações

biológicas presentes em suas épocas (BUTTEL, 1992). Em sua obra, Karl Marx critica o

pensamento de Malthus e Ricardo, principalmente o pensamento malthusiano (de fundamento

estritamente matemático) sobre o crescimento da população e alimentação no planeta. Marx

recusava a atribuição máxima de Malthus com relação à falta no diferencial aritmético, no tocante

às relações de crescimento e subsistência da população. Não desconsiderava a lógica biológica na

teoria social, mas rejeitava a analogia biológica de que todas as esferas sociais eram importantes

para a sobrevivência ou evolução da sociedade (BUTTEL, 1992).

Embora os estudos de Malthus e de Ricardo perdessem reconhecimento de

consistência analítica, pois, o crescimento da população era intenso e, concomitantemente a este,

crescia a produtividade agrária, as preocupações em torno da alteração do meio ambiente foram

desviadas. Na obra de Marx, a economia agrícola ficou para segundo plano. Para Weber e em

muitos aspectos para Durkheim, conhecimentos como os da biologia e da natureza – diferentes

da sociologia e seus temas de investigação – teriam de ser separados (GOLDBLATT, 1996).

Émile Durkheim opunha-se às idéias evolucionistas de Spencer e de outros teóricos da

época, porém, não descartava completamente essas idéias. Considerava as sociedades como

organismos, porém, não entendia que as variáveis biológicas devessem ser tomadas como

essenciais no estudo sociológico. Não considerava a idéia de que o homem fosse o centro da

evolução e da seleção natural, além de recusar a imagem simplista de evolução linear em direção

ao progresso e uma teoria global de mudança social. A sociologia ambiental está muito presente e

influente no pensamento de Durkheim, sendo alguns de seus trabalhos considerados como

inspiradores para a “ecologia humana”. Porém, Durkheim enfatizou apenas um lado da idéia

sociológica ambiental, que foi o papel desempenhado pelo meio físico em relação à sociedade

(BUTTEL, 1992).

As doutrinas evolutivas do século XIX deram um novo destaque sobre a planificação

social e a reforma social por volta de 1920. Franz Boas, conhecido como fundador da

antropologia cultural americana, respondeu algumas questões como o racismo, a relação entre

biológico e cultural, condições primárias de desenvolvimento social e individual, atenuando o ser enquanto ser, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres (Dicionário de Ciências Sociais)

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ambiente físico e a herança biológica. Pela teoria do funcionalismo de Durkheim, afirmava-se que

a sociedade era como um organismo que deveria adaptar-se ao seu meio físico e social. Esta

teoria foi amplamente utilizada na América durante a década de 1950 (HANNIGAN, 1995).

Neste período, a ecologia humana havia perdido força, pois um novo pensamento acabara de ser

desenvolvido. Este modelo foi conhecido como parsoniano. Nos quinze anos seguintes, houve

diversas tentativas para o ressurgimento da ecologia humana, porém, sem sucesso (BUTTEL,

1992).

Max Weber critica o pensamento marxista de determinismo econômico, opondo-se

também ao pensamento de tendência evolucionista, pois acreditava que nenhum das forças em

particular é predominante. Weber não é lembrado por muitos como um teórico ecológico. Ele

considerava os fatores ambientais como componentes influentes dentro de sistemas causais

abrangentes, afetando sociedades complexas e favorecendo a sobrevivência de certas camadas

sociais sobre as demais (BUTTEL, 1992).

Dentre os clássicos da sociologia Weber foi o que mais se limitou a falar sobre o mundo

natural. Conforme Goldblatt (1996), para Weber o fator ambiental só é importante se influenciar

a atividade humana. Em Durkheim e Weber, percebemos que as relações de ambiente e

sociedade se estabelecem nas relações da demografia e do meio ambiente. Para Durkheim, “a

densidade populacional e a sua relação com os recursos materiais como força impulsionadora que

move a estratificação evolutiva das sociedades humanas, transformou o mundo natural em fator

causal decisivo na história da humanidade” (GOLDBLATT, 1996, p. 20). De Marx, a sua

interpretação materialista de mão-de-obra, e ele como Durkheim, colocou o fator econômico

como contato entre sociedade e natureza e como centro das transformações históricas.

No momento em que se encontravam, não parecia que o capitalismo e seu crescimento

econômico se revelariam um problema para a natureza. Posteriormente, em algumas relações

entre sociedade e ambiente, Engels afirma que o ambiente urbano contribuía para a miséria dos

pobres, e Marx percebeu que o capitalismo tinha a capacidade de destruir os solos férteis e usar

excessivamente os recursos naturais. Segundo Goldblatt (1996)

Os teóricos sociais clássicos estavam historicamente demasiado atrasados para testemunhar não só a fuga das sociedades modernas dos seus constrangimentos orgânicos, mas também a sua capacidade dinâmica de transformar igualmente o mundo natural. Por outro lado, estavam demasiado avançados para exprimir na totalidade as conseqüências dessas transformações; longe de superarem os constrangimentos ecológicos, as sociedades modernas iam adquirindo rapidamente novos constrangimentos criados por si próprias (p. 22).

Para a teoria social, o principal problema não era a destruição do meio ambiente, e sim,

como as sociedades modernas ultrapassaram os limites de controle ambiental, baseada no

paradigma segundo o qual o conhecimento serve para prever o futuro e controlar os fenômenos

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como forma de estabelecimento de poder sobre o mundo como conjunto e sobre cada fenômeno

em particular.

1.2 SOCIOLOGIA E MEIO AMBIENTE NO SÉCULO XX OU SOCIOLOGIA AMBIENTAL

Contudo, no século XX, o contexto de emergência sobre as preocupações ambientais

passam a orientar a entrada das análises sociológicas. Uma das primeiras tentativas de

compreensão entre mundo social e mundo ambiental pode ser percebida na Escola de Chicago

ou Ecologia Humana. A Ecologia Humana pode ser considerada como o ponto de partida para a

explicação ecológica da destruição ambiental. Este modelo exerceu forte influência nos anos de

1920 até 1960. Robert Park é tido como um dos fundadores da ecologia urbana. Utilizando-se da

“teia da vida”, demonstra que cada elemento procura uma forma de sobreviver e localizar-se em

determinada posição no ambiente físico e na divisão do trabalho. Porém, Park não considerou a

participação humana como influente neste processo, e que tal participação acabaria por gerar

desequilíbrios nesta teia. Ele considera como sendo diferentes a ecologia humana e a ecologia da

fauna e flora, pois, os seres humanos não estão atrelados diretamente ao ambiente físico,

podendo modificá-lo conforme suas necessidades, sendo também determinadas por variáveis

culturais e não somente biológicas (HANNIGAN, 1995).

A partir da década de 1970, o que se pôde perceber foi o forte aumento da consciência

ambiental tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Quatro explicações podem ser atribuídas

a esse processo: “a reflexão da hipótese”; “a tese pós-materialista”; “a tese da nova classe média”

e “a abordagem de encerramento político/regulador” (HANNIGAN, 1995, p. 36).

De acordo com a noção de reflexão da hipótese, devido ao agravamento da situação

ambiental após a Segunda Guerra Mundial, houve na década de 1970 uma crescente

conscientização a respeito do assunto. Porém, outras informações não apoiaram esta explicação,

pois, segundo as mesmas, o tema foi ignorado durante grande parte do tempo. Portanto, tal

conscientização não se deve ao fato de se perceber problemas agravados no meio ambiente, e

sim, pela influência exercida por especialistas e pela comunicação social. Outra explicação é

atribuída às modificações ocorridas nos valores de determinadas camadas da sociedade. Para

Cotogrove (HANNIGAN, 1995), os problemas ambientais não podem ser considerados numa

forma de vazio cognitivo e moral, e sim, através das discussões morais acerca da natureza da “boa

sociedade”. Para ele o ambientalismo está relacionado aos interesses de uma classe média com

um modelo de valores “pró-empresariais”: “tese da nova classe média” (p. 39). Este conceito é

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muito parecido ao do pós-materialismo, diferenciando-se mais na esfera da localização social do

indivíduo em questão, considerados com “especialistas sociais e culturais” (p. 40).

Por sua vez, para que se possa definir mais precisamente o campo de pesquisa das

ciências sociais ambientais, Hannigan (1995) considera dois problemas como fundamentais na

literatura existente. O primeiro está relacionado à destruição ambiental, e o segundo, à

conscientização acerca do tema.

Entre tantos outros pensadores contemporâneos, os trabalhos de Catton, Dunlap e

Schnaiberg podem ser considerados como os mais visíveis e influentes para os sociólogos

ambientais norte-americanos (BUTTEL, 1992). Para Hannigan (1995), uma das maiores

dificuldades dos sociólogos tem sido a de encontrar o foco de suas pesquisas ao conciliar meio

ambiente e sociedade. Catton e Dunlap defendem que “uma nova ecologia humana” deve ser

afirmada como o centro desses estudos, que levaria em conta as relações entre ambiente físico e

sócio-comportamental.

De acordo com Alonso e Costa (2002), sociedade e natureza foram separadas pela

teoria clássica com o intuito de delimitar sua área de abrangência na análise relativa à biologia,

tornando os fenômenos sociais independentes dos estudos ambientais. Porém, Catton e Dunlap

buscaram uma reformulação dos moldes clássicos visando abarcar também questões ambientais

no processo de análise. Em seu “New Ecological Paradigm” (NEP), procuram identificar as

relações recíprocas entre ambiente físico e social. Contudo, essa visão não repercutiu da forma

esperada, dando origem, na verdade, a outras subespecialidades.

Contudo, duas esferas podem ser apresentadas como as principais na explicação da

destruição ambiental, pois a partir da década de 1970, boa parte das discussões sociológicas

estavam relacionadas à destruição ambiental. Uma está relacionada a Catton e Dunlap – “funções

ambientais em competição”, e a outra diz respeito ao pensamento de Schnaiberg, o qual aborda o

assunto pela perspectiva da economia política, expressa na “dialética social-ambiental” e no “trabalho

rotativo da produção” (HANNIGAN, 1995).

Catton e Dunlap abordam muitos aspectos importantes, como a rejeição à abordagem

sociológica clássica, bem como a visão de que a questão ecológica leva consigo o modelo

subentendido, o qual pretendem tornar claro e mais atuante dentro da sociologia. Eles afirmam

que algumas proposições são compartilhadas por adeptos de algumas teorias modernas como,

por exemplo, a de que o ser humano, por ser um indivíduo de identidade cultural, se diferencia

dos demais seres vivos. Eles também afirmam o fato de que a cultura pode se modificar

constantemente, bem como progredir continuadamente, até mesmo mais rapidamente que os

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aspectos biológicos. Portanto, muitas das divergências humanas não são inatas, e sim,

influenciadas socialmente, sendo passíveis de modificação (BUTTEL, 1992).

Para estes dois autores, identificam-se três finalidades apresentadas para o meio

ambiente: “armazém de provisões”, “espaço para viver” e “depósito de resíduos”.

Para Schnaiberg, de acordo com a visão dos pensadores da esfera da economia política,

o capitalismo industrial avançado é tido como principal responsável pela degradação ambiental,

levando a questão para o âmbito das classes sociais, no qual o Estado, juntamente com as

corporações, opõe-se aos elementos comuns da sociedade. Os trabalhos de Marx e Engels

abordam fortemente a questão das lutas de classe, no qual, segundo eles, o povo torna-se

alienado não só de seu trabalho, mas de sua própria natureza. Acreditavam que deveria haver

uma transformação nas relações entre homem e natureza, e consideravam o capitalismo e o

Estado como agentes responsáveis pela destruição ecológica (HANNIGAN, 1995).

Seguindo a mesma perspectiva da economia política, Schnaiberg relaciona o problema

ambiental à estrutura da sociedade industrial moderna, classificada por ele como “rotação da

produção”. Coube à publicidade o papel de difusor da cultura de consumo exercida por essa

sociedade moderna. Para Schnaiberg, quando ocorre o esgotamento dos recursos naturais em

determinado nível, não são alterados os níveis de produção, e sim, o espaço de exploração

ambiental (HANNIGAN, 1995). Assim, limita-se a rever o método marxista do materialismo

histórico, assim como, na utilização dos modelos neomarxistas e neoweberianos para explicação

dos problemas ambientais. Schnaiberg afirma que a dinâmica qualitativa dos processos ecológicos

e humanos se diferenciam, necessitando-se, então, de abordagens e conceitos específicos. Por

exemplo, considera que os ecossistemas mais simples e com crescimento mais rápido, com o

tempo, passam a se tornar mais complexos e de crescimento mais lento, enquanto nas economias

humanas ocorre o inverso (BUTTEL, 1992).

As abordagens influenciadas por interpretação neomarxista trazem uma visão da

economia política na avaliação das relações sócio-ambientais. Responsabiliza a estrutura do

capitalismo no que tange a degradação do meio natural e das mazelas da sociedade, atribuindo

também relações recíprocas. Porém, não podemos ignorar os efeitos do próprio socialismo sobre

essas questões, que em essência, não provocou profundas alterações.

Deste modo, pode-se perceber tal condição com relação à gestão do Estado no âmbito

ecológico. O Estado atua muitas vezes como regulador das relações econômicas em determinada

esfera, porém, esse processo na maior parte das vezes é contraditório às questões ambientais.

Cabe ao Estado, portando, ser moderado em suas decisões legislativas, de forma que não

prejudique nem ao progresso nem ao meio ambiente. Para Schnaiberg, existem três forças e suas

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inter-relações dialéticas expressam-se da seguinte maneira: (a) um maior crescimento econômico

requer a exploração de uma maior parte do meio ambiente; (b) por conseqüência das maiores

explorações ambientais, há uma maior exploração ecológica; e (c) os problemas ecológicos

gerados acarretarão em barreiras para o crescimento econômico (HANNIGAN, 1995).

Em sua síntese da escassez planejada, Schnaiberg tem como foco somente os

problemas ambientais mais drásticos, permitindo, concomitantemente, uma expansão econômica

moderada. Como exemplos, são citadas as medidas de controle ambiental aplicadas nos Estados

Unidos na década de 1970. Schnaiberg desenvolve o conceito de “rotina da produção”,

desobstruindo cada vez mais a natureza das forças sociais na expansão econômica das sociedades

industriais capitalistas. Acredita-se que os problemas socioeconômicos gerados pela expansão

econômica concentrada no capital devem ser enfrentados pela política, com medidas de incentivo

e apoio a uma maior expansão, ou seja, a “rotina de produção” (BUTTEL, 1992).

Assim como Catton e Dunlap, os trabalhos de Schnaiberg apresentam algumas

inconsistências. Seu trabalho é analisado de forma positiva pela ótica intelectual, porém, possui

em sua análise um nível bastante abstrato. Ele trata dos problemas ecológicos e ambientais como

um conjunto de problemas de “ruptura ecológica” não-diferenciada, cabendo-lhe uma posição

desfavorável comparativamente ao trabalho de Catton (BUTTEL, 1992).

Segundo o autor, Schnaiberg não estava interessado em dar um novo direcionamento à

sociologia, concentrando sua análise na utilização de idéias específicas dentro de modelos da

ciência moderna que orientam (apesar de críticas epistemológicas) a sociologia e a economia

política, identificadas para compreender os aspectos problemáticos da ecologia.

Buttel (1992) afirma que os trabalhos realizados por Catton, Dunlap e Schnaiberg,

apesar de inovadores e persuasivos, pouco puderam fazer pela projeção da sociologia ambiental

no cenário ocidental. Porém, certos pontos em comum entre esses pensadores, no que tange às

questões ambientais, levam a crer que a sociologia ambiental está em avanços significativos, pois,

percebe-se que começa a haver um paralelismo entre as correntes que anteriormente eram

divergentes entre si. Uma demonstração de tal consideração pode ser verificada na revisão das

prioridades da sociologia nos anos 70 e início dos anos 80 (BUTTEL, 1992), e com o debate

teórico, metodológico e, muitas vezes, epistemológico sobre o desenvolvimento das ciências

socioambientais (JANUÁRIO, 2006) ou socioecológicas (VIEIRA & WEBER, 2000). Tais

revisões passaram a considerar a questão da problemática ecológica.

Estudos do “pós-industrialismo” e a economia de serviços, a economia política da crise

econômica e o Estado, a análise do “curso da vida” e a “nova economia doméstica” e por fim, a

crescente popularidade da pesquisa histórica comparada, são alguns desses problemas abordados.

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A sociologia ambiental, como apenas mais um recente tema das discussões sociológicas, vem

ganhando projeção com a especialização da disciplina sociológica nos Estados Unidos. Essas

análises ecológicas poderão ser realizadas orientadas pela ótica sociológica: seus modelos de

análises e sua tradição teórico-metodológica. Porém, esses diferenciais não serão suficientemente

fortes para a mudança de perspectiva dentro da sociologia, objetivando um “novo paradigma

ecológico”. Para que se possa alimentar o debate para além de perspectivas disciplinares, é

necessário que se transponha o debate para além da sociologia e que se incorpore a dimensão

interdisciplinar ao desenvolvimento dos modelos de análise.

Acredita-se que a visão mundial dos sociólogos foi determinante para o fracasso

sociológico em temas ambientais. Segundo Catton e Dunlap, grande parte dos sociólogos

acreditava haver diferenças entre os princípios que dirigiam o ser humano e as demais espécies:

as sociedades humanas eram desprovidas de tais restrições. Algumas esferas da sociologia eram

defensoras dos benefícios do desenvolvimento econômico e tecnológico. Inkeles e Smith, bem

como Lerner, podem ser considerados como estudiosos do processo de modernização.

Utilizando-se da análise de Hannigan sobre Inkeles e Smith, a modernização pode ser

entendida como um processo de transformação social e pessoal, sendo no aspecto social a criação

de nações e instituições. De acordo com o pensamento desses autores, a modernização não

obteve sucesso pelo fato de que a comunidade está presa a idéias do passado, sem que se

quebrem essas “amarras” rumo à modernização. Consideram a fábrica como “a verdadeira escola

da modernidade” (HANNIGAN, 1995, p. 20), pois, segundo eles, a fábrica é a síntese do modelo

institucional moderno.

Já para Lerner, coube a comunicação social o papel de uma mudança psicológica para a

transformação nas populações camponesas. O ambiente físico passou a ter menos influência com

o processo de modernização, pois, segundo Inkeles e Smith, a capacidade de dominação sobre o

meio ambiente dá um sentido de produção do efeito moderno esperado (HANNIGAN, 1995).

Clifford Wharton, economista agrícola da década de 1960, foi um dos poucos a

identificar os obstáculos impostos pelo meio ambiente ao desenvolvimento da modernidade,

opondo-se a uma maioria de sociólogos que acreditavam ser o ambiente natural como algo

secundário frente aos benefícios da modernidade, principalmente o individualismo. Apesar de

admitida à acentuação do problema ambiental, a maior parte dos críticos acreditava ser os

aspectos de classe e poder os responsáveis pelos problemas da modernidade (HANNIGAN,

1995).

Porém, a partir da década de 1970, houve nos Estados Unidos um maior

reconhecimento por parte dos sociólogos em relação aos problemas do meio ambiente. Grande

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parte das discussões sociológicas estava relacionada ao tema. Na Europa, este fato pode ser

observado pela maior participação de forças políticas denominadas “verdes”, cujo foco principal

era o ambientalismo e o movimento ambiental. No mesmo período, Catton e Dunlap procuram

difundir seu “Novo Paradigma Ecológico (NPE)” no domínio sociológico (HANNIGAN, 1995).

Ulrich Beck procurou relacionar a questão ambiental através de uma “perspectiva da

macrossociologia da mudança social” (HANNIGAN, 1995, p. 24) e não de um modelo fixado

particularmente na sociologia ambiental Ulrich Beck também contribui para a questão ambiental,

analisando natureza e sociedade pela idéia de “risco sistêmico”, segundo o qual se trata de uma

das características das sociedades pós-industriais. Essas sociedades, caracterizadas por problemas

ambientais acentuados, sofreriam as conseqüências de um problema em escala global

proporcionado por elas mesmas (ALONSO e COSTA, 2002). O pensamento de Elisabeth Shove

nos diz que os sociólogos podem contribuir na questão ambiental de duas formas, que seriam

através da incorporação ou do empenho. Segunda ela, a incorporação seria o processo de

enriquecimento da investigação ambiental através de bolsas ou lugares de investigação, e o

empenho trata da identificação dos benefícios obtidos pela utilização da abordagem sociológica

no contexto ambiental.

Para Mary Douglas e Aaron Wildavsky, os valores de uma sociedade são respaldados

por suas visões do ambiente físico, “sendo impossível o conhecimento ‘objetivo’ da natureza” (p.

37). Há aqueles que vão mais além, como os construtivistas, que consideram as questões

ambientais e sociais analiticamente inseparáveis. Latour adota uma abordagem mais rígida de

análise, considerando como inexistentes os conceitos puros de sociedade ou natureza.

Conforme uma nova abordagem sugerida por Ronald Inglehart, as sociedades pós-

industriais no período subseqüente a Segunda Guerra Mundial, estavam em vias de modificação

de seus valores, proporcionadas pela prosperidade e pela segurança do pós-guerra. Esses valores

são considerados como “pós-materiais” e seriam dados por uma nova classe média.

Habermas sustenta a interação de três fatores como responsáveis pelo surgimento

dos movimentos sociais: o resultado das “tensões estruturais da sociedade ocidental, reações

defensivas contra a intrusão do Estado e da economia no mundo da vida” (p. 38). Uma diferente

vertente é abordada por Jordan e Maloney, que consideram como sendo mais importantes as

formas como os movimentos são organizados e os recursos materiais disponíveis. Um outro

pensamento considera que os fatos históricos e sócio-políticos são importantes para a construção

de ideais de ação ambiental.

Alguns autores acreditam que seja necessária uma inserção definitiva da questão

ambiental nos círculos de debates sociais, porém, os estudos parecem caminhar em direção

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oposta a essa unificação. Na década de 1990, se percebe a diversificação das análises empíricas de

caráter realista-materialista. Uma crítica às idéias construtivistas-culturalistas refere-se a seu apego

ao âmbito simbólico da vida social, ignorando praticamente as questões institucionais, as

divergências por poder e as motivações para ações de cunho ambiental.

Grande parte dos autores percebe a importância das relações sociedades-naturezas e

consideram a forma como essas sociedades se organizam e atuam sobre o meio ambiente as

principais responsáveis pela degradação dos ecossistemas. É necessário um maior

aprofundamento epistemológico para estas relações sociedades-naturezas.

Brechin e Krempton questionam a teoria pós-materialista por acreditarem não haver

preocupação ambiental somente no nível dos países industrializados, mas em nível global. Para

isso, apresentam dois fundamentos: “movimentos generalizados de ativismo ambiental do povo”

e “um par de inquéritos de opinião transnacionais” (HANNIGAN, 1995, p. 39). Conforme

concluem, o pós-materialismo não pode ser visto como simples resultado de uma transformação

dos valores, e sim, como um processo de caráter complexo e de proporções iguais entre nações

pobres e ricas.

Steinmetz afirma que na sociedade a qual estamos inseridos, a consciência sobre os

problemas ambientais, cedo ou tarde, irá transpor as barreiras de classe. Ele observa também que

apesar da consciência ambiental estar presente tanto na classe baixa quanto na classe média, a

mesma dispõe de maiores recursos na percepção e mobilização de tais problemas (HANNIGAN,

1995).

Com relação à questão de regulação política da modernidade (aspecto regulador político

da vida social), procurou-se estabelecer relações entre o aumento da consciência ambiental e os

movimentos na esfera política na Europa Ocidental. Acredita-se que os “Novos Movimentos

Sociais” foram uma forma de impedir a intromissão do Estado na vida do indivíduo comum,

sendo conhecida por Habermas como a “colonização do mundo vivo” (HANNIGAN, 1995, p.

42). Halfmann e Japp identificam esses movimentos como sendo de caráter seletivo, pois

escolhem problemas a serem combatidos de acordo com a necessidade de preservação de nossa

“hipótese de vida”.

Apesar das hipóteses discutidas apresentarem suas fundamentações, nenhuma delas é

capaz de dar um tronco teórico com força de explicar como são articuladas as relações entre

sociedade e meio ambiente. Conforme Thompson (HANNIGAN, 1995), os debates carecem não

só de proposições confiáveis, como também de colocações que não sejam incoerentes, e que

possam fundamentar um estudo sobre os problemas ambientais, sendo necessária a participação

global do público e não somente de uma minoria de especialistas.

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2 CIÊNCIAS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE: ALGUMAS PERSPECTIVAS

NO BRASIL

Após uma breve explicação sobre o surgimento do debate acerca da problemática

ambiental, nos deteremos na análise das relações entre Ciências Sociais e o meio ambiente, no

âmbito nacional. A obra de Ângela Alonso e Valeriano Costa será utilizada aqui como

instrumento de estudo do desenvolvimento da perspectiva ambiental no Brasil.

Para estes autores o Brasil carece de uma perspectiva ambiental de análise. Em

contrapartida, o mesmo tema apresenta-se nos Estados Unidos e na Europa concomitantemente

aos acontecimentos relativos às décadas de 80 e 90, que se concentravam principalmente no tema

“desenvolvimento sustentável”. A inclusão da perspectiva ambiental no debate vem com intuito

de criticar o modelo capitalista de vida e dar suporte a padrões alternativos de relação entre

sociedade e natureza, entre consumo e recursos2 naturais.

Moraes (2002) apresenta três referências filosóficas gerais como sistematização

teórica que caracterizam relações sociedades-naturezas, inclusive no contexto atual: naturalismo,

tecnicismo e romantismo.

Naturalismo: postura filosófica naturalista perante o mundo, história e relação sociedade-natureza, a qual desconsidera a dimensão social da problemática ambiental. Aqui o homem é fator de alteração do equilíbrio do meio, e não há sociedade, mas ação antrópica (uma variável adicional num conjunto de fatores naturais). A relação homem-natureza não é mediada pelas relações sociais. Tecnicismo: dilui as implicações políticas no tratamento da questão ambiental (soluções técnicas sem envolvimento de decisões políticas, interesses, projetos e perspectivas conflitantes). A autolegitimação da razão técnica, por meio de sua lógica interna, busca autonomizar a ciência frente à sociedade que a gerou, dispondo-se acima de conflitos e disputas. A própria razão técnica, portanto, só se torna acessível aos seus adeptos. No caso da pesquisa ambiental, “aqueles pesquisadores mais diretamente envolvidos com o planejamento e os órgãos públicos, logo, os que mais podem aferir o peso político das decisões ‘técnicas’, são os que geralmente professam com maior ênfase o neutralismo tecnicista” (p. 54). Romantismo: caracteriza-se pelo excesso de politização ou ideologização, com frágeis fundamentações baseadas em bom senso bem intencionado e ingênuo. Considera a política como arena maniqueísta da vontade, sem suas lógicas internas e determinações estruturais (estruturantes). Na questão ambiental, o romantismo se apresenta no preservacionismo radical, anti-humanística (natureza com valor maior que o homem).

2 A idéia de recurso que percorre toda a modernidade refere-se à reificação ou “coisificação” da natureza, tornando-a somente um objeto de utilidade ao consumo humano.

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Estas três posturas estão presentes nos discursos das pesquisas universitárias, nos

modelos instituições de formulação de pesquisas e nas relações com sociedade e, sobretudo, o

Estado. Estas concepções se materializam em projetos de pesquisa, estruturas burocráticas,

procedimentos de pesquisa, programas e financiamentos, em políticas públicas relacionadas à

questão ambiental. Portanto, discutir questões ambientais requer refletir idéias e concepções que

inspiram ou presidem suas origens, estruturação e dinâmicas.

2.1 BALANÇO BIBLIOGRÁFICO DE ALONSO E COSTA

Os autores fazem um balanço bibliográfico dos cientistas sociais brasileiros,

fundamentalmente os que vêm da sociologia rural ou da sociologia dos movimentos sociais que

voltam suas atenções para a questão ambiental. Assim, podemos dizer que a Ciências Sociais x

meio ambiente – ou sociologia ambiental – começa a ganhar um corpo teórico no caso brasileiro.

Segundo os autores, as questões ambientais já fazem parte das discussões sociológicas e políticas

da sociedade brasileira. Três pontos de vista são tomados como fundamentais: “como um

movimento social, como parte de um processo político global, e como foco de um novo tipo de

conflito social” (ALONSO E COSTA, 2002, p. 40). Associam-se os movimentos ambientais

brasileiros ao processo de redemocratização do país. Também, algumas características puderam

ser observadas no modelo “ambientalista” brasileiro. O primeiro fato observado foi a

“dominação” da teoria de Viola nas discussões ambientais. E, segundo, houve uma supremacia

dos estudos de caso, o que acabou por gerar uma falta de análises empíricas sobre a questão da

mobilização social.

A tese elaborada por Eduardo Viola (multissetorialismo) foi, durante muito tempo, a

base para o pensamento teórico ambiental brasileiro. No seu método multissetorialista, sustenta-

se que as divergências ambientais seriam de valor. Segundo sua concepção, apesar dos

movimentos sociais serem de cunho marxista, não apresentam uma composição homogênea de

classe, tendo como atores, portanto, todas as camadas da sociedade. No Brasil, acredita-se que a

partir da década de 70, influências externas teriam dado início a um processo de criação de

legislações e instituições ambientalistas, ocorrendo um diálogo nos âmbitos estatal e das entidades

ambientalistas da sociedade civil. Após 1986, houve uma maior expansão dessas discussões,

conhecida como “ambientalismo multissetorial” e, a partir do Rio-92, houve a aproximação das

idéias ambientais em torno do desenvolvimento sustentável.

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Contudo, Viola não demonstra quais são os mecanismos de funcionamento e quais

os resultados obtidos pelo seu modelo. Percebemos a partir dessas afirmativas que a preocupação

com a problemática ambiental é algo muito recente, limitando nossa capacidade de ação na

resolução dos impactos ambientais negativos, pois muitas das causas e conseqüências dessa

degradação ainda não foram completamente identificadas.

A globalização da questão ambiental tem em Viola e Leis seus principais

contribuintes. Esta análise procura demonstrar como o processo de debates e conscientização da

sociedade vem paulatinamente modificando as concepções humanas acerca dos riscos naturais.

Posteriormente, Viola reconhece que só as motivações ambientalistas não são suficientes para um

bom resultado. Fatores políticos também são importantes nesse processo. Como Viola, Vigevani

acredita que os assuntos ambientais devem ser abordados de forma conjunta, de um modo

cooperativo, num âmbito global de acordos. Alguns autores também colocam os problemas

ambientais como conseqüências do modelo de desenvolvimento econômico, pois, esses sistemas

provocam alterações nos padrões de vida de algumas sociedades, bem como, modificações no

ambiente físico.

Jacobi, em defesa de bases de participação política, nos remete ao fato de que para

que ocorra o verdadeiro reconhecimento dos problemas ambientais, é necessário que os agentes

participem ativamente dessas mobilizações, sem que haja uma dependência de soluções oriundas

do Estado. Ele contesta a participação popular como forma de ambientalismo, pois estes não

estariam “aptos” a desempenhar tal função. Para ele, as camadas mais baixas da sociedade não

possuem uma visão ambiental tão centrada como ocorre com a classe média. Para a classe mais

baixa, os problemas com infra-estrutura e violência são mais fundamentais. Leitão considera que

as discussões ambientais recebem a mesma importância tanto no Brasil quanto nos países de

primeiro mundo. A elite brasileira, principalmente do sul e sudeste, seria a grande responsável por

esta difusão da conscientização ecológica na sociedade brasileira. Herculano opõe-se, em parte,

ao pensamento de Jacobi afirmando que os problemas ambientais seriam levados à esfera estatal,

a qual seria o “palco” das discussões políticas sobre o tema.

Mais recentemente, pesquisadores brasileiros vêm sendo influenciados por uma visão

construtivista dos problemas ambientais, principalmente aqueles ligados a Hannigan. Hannigan

acredita que os problemas sociais não devem ser considerados de forma passiva, pois muitos dos

problemas ambientais são dependentes das comunidades especializadas, portanto, não podemos

muitas vezes percebê-los de forma real. Essa perspectiva observa como os agentes modificadores

atuam sobre os problemas ambientais e como são estabelecidos os conflitos.

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Essa visão pode ser percebida nos trabalhos de Guivant, que mostram como são

criadas as compreensões ambientais em casos de conflito. Já para Fuks, a discussão pública em

torno do meio ambiente seria apenas uma generalização de interesses de determinados grupos.

Em um estudo realizado por Alexandre, na cidade de Florianópolis (SC), percebeu-se que o

cenário judicial tornou-se o principal “campo de batalhas” de questões ambientais. Costa, Alonso

e Tomioka acreditam que a conscientização ambiental do tema não ocorre pela atuação dos

agentes, mais sim, pelos embaraços moral, jurídico e políticos proporcionados aos atores, através

de legislações e instituições específicas.

Outra vertente importante é a de Pacheco e seus colaboradores. Estes afirmam que

as relações sociais, econômicas e ambientais estariam ligadas pelo processo dinâmico das cidades

e seus vários atores. O âmbito público seria o abrigo das discussões ambientais e, quanto aos

atores, seriam consideradas variáveis não-econômicas nas discussões. Estes estão baseados na

“teoria do processo político” desenvolvida por McAdam, Tarrow e Tilly que considera

concomitantemente as dimensões estruturalistas e culturalistas.

Até o princípio da década de 90, o grande foco das discussões ambientalistas

brasileiras dizia respeito aos impactos gerados pelo desenvolvimento econômico nos aspectos

socioambientais e que estavam diretamente ligadas à formulação de sistemas de desenvolvimento

sustentável. Grande parte da literatura referente ao tema surge da junção entre desenvolvimento

sustentável e uma nova visão da concepção marxista de meio ambiente em Ciências Sociais.

Neste modelo, o capitalismo é apontado como causa dos problemas socioambientais, além dos

impactos gerados por ele. A análise demográfica e socioeconômica também é utilizada como

ferramenta de estudos, apontando também para o capitalismo a responsabilidade pela pobreza e a

degradação do ambiente natural. Segundo Hogan, o problema da falta de recursos naturais é

originado pela falta de uma consciência de consumo, cujos recursos não são utilizados de forma

racional. A inovação tecnológica também é apontada como solução para essa escassez.

Percebemos que alguns autores já consideram a insustentabilidade do consumo como

sendo um grave problema para o meio ambiente. Posteriormente, abordaremos de forma mais

específica esse tema.

Para alguns autores, o problema ambiental poderia ser discutido através da

participação do Estado neste processo, pois se acredita que este possua as ferramentas necessárias

para efetuar uma mudança nas estruturas legais e comportamentais da sociedade. Porém, para

outros, essa situação não ocorreria, por considerarem o Estado incapaz de atender à demanda por

tais soluções.

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Leis afirma a impossibilidade dos conselhos ambientalistas participarem de forma

integral na questão ambiental, por não poderem reunir em seus métodos o conjunto integrado de

interesses, cabendo, portanto, à comunidade científica e política estabelecer tais relações. Alguns

confiam na possibilidade de difusão e democratização da consciência ambiental na sociedade.

Porém, há aqueles que acreditam que esta perspectiva está mais preocupada com a abordagem

social do que ambiental.

Pádua procurou abordar a questão das idéias ambientais brasileiras relacionando seus

aspectos históricos, reconstruindo uma “tradição ecológica original no pensamento político

brasileiro” (apud ALONSO e COSTA, 2002, p. 49). Essa tradição ecológica, essencialmente, seria

de duas formas: rural e nativa ou “original”. J. M. Carvalho escreve sobre um tipo de pensamento

predominante no Brasil, o do “endenismo”, caracterizado “pela exaltação das qualidades da

natureza do Brasil” (apud ALONSO e COSTA, 2002, p. 50). Segundo ele, o Brasil carece de uma

tradição cívica, que seria o fundamento da democracia.

2.2 - SOCIEDADES-NATUREZAS: A PERSPECTIVA DE PAULO VIEIRA

Neste tópico, trataremos das relações entre sociedades e naturezas e suas

conseqüências para as demais esferas da vida humana. Apesar de seu caráter recente, os estudos

realizados acerca das sociedades-naturezas contribuem para o entendimento – e crítica – dos

modelos convencionais de estudo.

Conforme Vieira (1992), no início dos anos 70, começa uma conscientização

planetária dos riscos sócio-ambientais, no contexto do desenvolvimento recente da

industrialização e tecnologia. Trata-se de um estudo da sociedade e do meio ambiente,

verificando uma nova reorganização das sociedades científicas. Vieira (idem) explica que “ciências

sociais do meio ambiente” indica a junção de todas as disciplinas das ciências sociais e humanas –

sociologia, demografia, ciência política, antropologia, geografia humana e a economia – que estão

compreendidas nas relações entre comunidades, grupos sociais e o meio ambiente em que se

encontram. A intenção do autor é oferecer um mapeamento do esforço da pesquisa, no qual

inclui a identificação da “área temática” de cada disciplina, bem como, caracterizar as principais

lacunas de conhecimento, que servirão para incrementar a pesquisa nos próximos anos.

O autor fez uma sistematização de textos que discorrem sobre problemas para

“ecologia política e sociedade”. A “área temática” refere-se a uma identificação exploratória,

colocada como “linhas de força”. Citando Meadows (1978, apud VIEIRA, 1992) a definição de

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problemática ambiental “reflete a percepção de que o volume de impactos destrutivos gerados

pela ação antrópica sobre os ecossistemas tem se amplificado a ponto de ameaçar diretamente as

precondições de sobrevivência da espécie num horizonte de longo prazo” (p. 4). Partindo deste

ponto, a questão orientadora pode ser encontrada na forma como se regula o crescimento

econômico.

Conforme Sachs e Godard (1975, apud VIEIRA, 1992), os recursos somente são

vistos pelo seu preço e disponibilidade no mercado, não dando importância para o

espaço/estrutura e a qualidade do meio que somente ocorre quando se verifica que a produção

está sendo prejudicada.

Assim, o conceito de recurso – natural ou humano – consiste na reificação de

fenômenos orientados pelo grau de utilidade em condições de mercado, inclusive, mais

recentemente, o sistema mercadológico de manutenção de condições ambientais que afetam mais

rapidamente os processos mundiais de vida, como o aquecimento global e a troca de carbono3.

Numa perspectiva mais ampla, porém, as relações entre os processos naturais e os socioculturais

afetam as condições da vida social e a satisfação das necessidades básicas para as pessoas que são

marginalizadas dos benefícios do crescimento.

São apresentadas, então, necessidades de crítica epistemológica e teórico-

metodológica. As exigências de renovação das teorias e práticas de modernização são defendidas

por pesquisadores que se encontram no enfoque do ecodesenvolvimento. Este enfoque perpassa

uma concepção sistêmica da estrutura social, sendo marcado pelas análises dos “limites do

crescimento material”. Há uma nova perspectiva que confronta as estratégias de planejamento do

processo de desenvolvimento e orienta a evolução social elevando as taxas de crescimento

material. Alguns limites de apreensão teórica anterior foram detectados, como:

- no plano de estratégias de planejamento, fica de lado o aspecto técnico que, por

fim, não promovia ou mesmo afastava a participação da sociedade civil;

- no plano dos critérios globais de avaliação, observa-se, através de uma análise

econômica quantitativa, a ênfase atribuída aos indicadores. Esses indicadores não

consideram alguns efeitos externos do processo de desenvolvimento que têm altos

custos ambientais como: degradação do meio ambiente biofísico e construído, a

3 Verificamos em alguns sites o valor aproximado do crédito carbono. No site Inovação Tecnológica http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticia.php?artigo=010125060117, em 10 de janeiro de 2006, o crédito carbono estava sendo cotado na Bolsa de Chicago a US$ 1,65 a tonelada. Em outros sites como http://www.projetobr.com.br/Content.aspx?Id=676, informa que o valor por tonelada de carbono depende da tecnologia empregada na retirada deste elemento da atmosfera. Na Europa, o valor do crédito carbono pode chegar a até € 15,00. E o site http://www.biodieselbr.com/credito-de-carbono/mdl/index.htm, afirma que a tonelada de carbono dos projetos de MDL é vendida em torno de US$ 5,00 a 6,00.

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destruição de recursos, a perda de controle da evolução tecnológica e a segregação

de amplos segmentos da população.

Os autores Vieira e Weber (2000) explicam que as pesquisas sobre o meio ambiente

são relativamente novas, as ações humanas mostram a importância de administrar as relações

sociedades-naturezas, levantar discussões fundamentais sobre a noção de natureza e o caráter

socialmente “construído” das questões ambientais. Esses assuntos são de grande interesse para as

ciências sociais nas últimas décadas, determinando-se através do ecodesenvolvimento ou do

desenvolvimento sustentável, que se preocupa em prever a viabilidade de decisões e ações, para

administrar os problemas ambientais.

Vieira e Weber (2000) falam de uma nova estrutura teórica que pode admitir “a

identificação dos fatores condicionantes, da dinâmica de evolução e das alternativas possíveis de

confrontação política dos problemas ambientais” (p. 18). Se o desenvolvimento não for

internalizado pelo sistema político, pode ocorrer uma apropriação veemente de recursos naturais,

pensando na rentabilidade em curto ou médio prazos, um “jogo” desfavorável para natureza,

oportunidades sociais duais, padronização dos estilos de vida, aumento de consumo supérfluo,

etc. A atual crise do meio ambiente representa o esgotamento gradual dos vários paradigmas de

desenvolvimento.

Os autores falam sobre as práticas que são orientadas pela gestão, destacada por

Oliver Godard. Essas deveriam “assegurar, por um lado, sua boa integração ao processo de

desenvolvimento econômico e, por outro, assumir as interações entre recursos e condições de

reprodução do meio ambiente, organizando uma articulação satisfatória com a gestão do espaço e

com aquela relativa aos meios naturais” (VIEIRA e WEBER, 2000 p. 22). Quanto aos recursos

naturais renováveis, este princípio fundamental adquire nos atuais debates as noções de

viabilidade e patrimonialidade4.

A ação antrópica não é a única causa de desequilíbrio da natureza, pois os próprios

ecossistemas evoluem, tornando-se desafios para a gestão ambiental, necessitando de orientação

para a co-evolução da sociedade-ambiente, favorecendo o estabelecimento de dinâmicas viáveis

para os sistemas em diversos territórios e níveis de abrangência.

Refletindo sobre a apropriação dos recursos naturais renováveis, conforme destacado

por Desaigues e Point (1990 apud Vieira e Weber, 2000), a exploração desses recursos representa

um tipo de “modelo paradigmático para o entendimento da especificidade das questões

4 O conceito de viabilidade recai no questionamento dos pressupostos teleológicos encaixados nas análises microeconômicas convencionais e como instrumento de regulação “otimizada”. O conceito de patrimonialidade, no campo dos recursos renováveis, salienta a dimensão da base transmissível – material e imaterial – dos processos de desenvolvimento num horizonte de longo prazo. (cf. Vieira e Weber, 2000).

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ambientais” (p. 24), encontrando-se nele as dimensões de: (a) bens comuns externalizados; (b)

variabilidade ecológica; (c) incertezas científicas; e (d) riscos de perdas que podem ser medidos a

uma escala global. Podemos dizer que esses problemas não se encontram no campo privado de

ação, ou seja, “que não pertence a ninguém e/ou atravessa a propriedade” (VIEIRA e WEBER,

2000 p. 25). Portanto, o meio ambiente não pertence a determinado indivíduo ou uma

coletividade específica, sendo assim, os direitos desfrutados pela biosfera devem ser diferentes

dos atribuídos aos indivíduos e grupos sociais. Percebemos que no mundo atual, os indivíduos

possuem o domínio de tudo, porém, este domínio é exercido de formas diferentes, com

características específicas a cada elemento.

Tendo em vista esse foco nas relações de propriedade, as ciências sociais se

apresentam deficitárias quanto à análise das esferas ligadas ao não-apropriado e ao

transapropriado.

Inseridos num contexto econômico neoclássico, a apropriação desregulada dos

recursos ambientais está passando de uma fase de apropriação física para uma modalidade de

privilégios de uso, no qual se amplia o domínio dos recursos naturais à escala global.

A escassez dos recursos naturais é determinada, em grande parte, pelas características

culturais de cada sociedade, no qual a seleção socialmente regulada pode ampliar essa escassez

através da forte exploração de determinado recurso natural num conjunto sócio-ecológico

característico. Os conhecimentos humanos, bem como suas atitudes e comportamentos, são

influenciados pelas forças estruturais exercidas pelo meio ambiente natural. Segundo os autores,

as sociedades parecem estar organizadas e fundamentadas numa espécie de “acordo” acerca das

diversas esferas que permeiam a vida humana, no qual os diferentes caracteres são classificados

conforme suas necessidades, benefícios, características, etc. Logo, a utilização dos recursos estaria

ligada não somente à necessidade de sobrevivência, e sim, às necessidades simbólicas geradas pela

vida social.

Os autores consideram os recursos naturais como algo passível de exploração pelo

homem, mas que, ao mesmo tempo, não podem ser produzidos pelos mesmos. Esses recursos

naturais são considerados como algo vivo ou em movimento, apresentando uma variável social, à

medida que este fenômeno ocorre sob uma esfera de interação social. Quanto aos recursos não

renováveis, podem ser analisados somente pelo estoque existente. Existem também sistemas

artificializados, que são, por exemplo, os que o homem pode acelerar a produção através da

genética. Portanto, os sistemas agrícolas e silvícolas se diferenciam dos recursos naturais

renováveis devido à alteração – artificialização – dos meios naturais.

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Conforme Weber e Vieira (2000), as relações entre sociedade e meio ambiente são

teoricamente insuficientes, e epistemológica e metodologicamente limitadas. O tratamento da

sociedade e do meio ambiente encontram-se no início, mas são suficientes para elaboração de

críticas dos modelos convencionais de análise.

Nas relações entre natureza e sociedade estão inclusas: (a) as diversidades de

representação cognitiva dos agentes envolvidos; (b) a diversidade de escalas temporais e espaciais;

e (c) incertezas que envolvem as práticas científicas sobre a dinâmica dos sistemas

socioambientais.

Vieira (2002) afirma que as sociedades capitalistas ou socialistas ainda absorveram o

meio ambiente como: (a) fornecedor de recursos naturais e receptor dos dejetos das atividades

humanas; e (b) espaço onde ocorrem os processos naturais e socioculturais e habitat no sentido

amplo – condições de vida e a sustentabilidade ecológica de sistemas sociais. A partir destas

afirmações, podemos considerar que tanto o modelo capitalista quanto o socialista apresentam o

mesmo comportamento com relação ao ecossistema e, portanto, a justificativa neomarxista não

pode ser considerada como inteiramente verdadeira. A hipótese mais correta das causas

estruturais da crise do meio ambiente, segundo Vieira e Weber (2000), acontece com o

predomínio dos padrões de desenvolvimento sócio-econômicos de cunho liberal e estatista,

concomitantemente ao elevado crescimento populacional, que não auxiliam na formação de

políticas públicas adequadas ao meio ambiente.

Conforme Vieira (1995), o aumento da destruição dos recursos fundamentais à

sobrevivência humana foi alvo dos relatórios que precederam a Conferência de Estocolmo, em

1972. O meio ambiente e o desenvolvimento, pelo seu caráter interdependente, têm sido foco de

intensos debates. As possíveis soluções para a problemática ambiental necessitam de mudanças

mais significativas no que tange a mentalidade, valores e atitudes, bem como numa maior

coordenação entre as esferas científica e política, com o intuito de fornecer bases institucionais

que possibilitem o desenvolvimento de políticas preventivas, integradas e participativas. A crise

ambiental traz à discussão a presença e a atuação humana na biosfera. O termo meio ambiente

para o autor é uma relação de interdependência, pois o meio ambiente é constituído por campos

específicos de análise, relativas às mais diversas esferas de especializações científicas.

Utilizando-se da sugestão de Jollivet & Pavê (1992), Vieira (1995) coloca que meio

ambiente é “o conjunto de componentes físico-químicos e biológicos, associados a fatores

socioculturais suscetíveis de afetar, direta ou indiretamente, em curto ou longo prazos, os seres

vivos e as atividades humanas no âmbito globalizante da ecosfera (p. 49).

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O ecodesenvolvimento evidenciado por Maurice Strong em 1972, na Conferência de

Estocolmo, caracteriza uma administração mais coerente de ecossistemas locais, com valorização

da comunidade e promovendo autonomia, preservando os recursos naturais de forma

sustentável, integrando estes com o crescimento econômico. A preservação dos recursos naturais

necessita de “princípios de solidariedade sincrônica (com as gerações atuais) e diacrônica (com as

gerações futuras)” (VIEIRA, 1995 p. 55). Para existir um estilo de desenvolvimento, precisamos

de “variáveis estratégicas”, que se inserem dentro do campo da demanda social – padrões de

consumo e estilos de vida – e na esfera de bens e serviços – inovações tecnológicas, opções de

produtos a serem desenvolvidos, organização do espaço desses produtos, administração e

manuseio dos recursos naturais e fornecimento energético.

Vieira (2005) considera o ecodesenvolvimento como uma das várias correntes de

pensamento, com o intuito de esclarecer e trabalhar a crise planetária do meio ambiente. O

grande interesse do ecodesenvolvimento é associar o desenvolvimento socioeconômico e a

conservação do meio ambiente. A harmonização da relação entre os seres humanos e dos

mesmos com a natureza, diz respeito à modalidade de política ambiental, concomitantemente

preventiva e proativa, que estimula a edificação na participação de novas estratégias de

desenvolvimento, como: integradas, endógenas, participativas e sensíveis à ética do respeito à

vida. A endogeneidade sugere que as populações tenham papel ativo na construção e orientação

de suas trajetórias de desenvolvimento. A intenção não é somente escolher criticamente os

objetos estratégicos, mas também definir quais instrumentos são mais oportunos para alcançar

essas finalidades. As instituições locais são fundamentais para a constituição de estratégias de

desenvolvimento.

O conceito de sistema ecológico propõe que a gênese, a relação evolutiva e os

processos de diluição de sistemas socioculturais são integralizados dentro de sistemas mais

abrangentes. O sistema social e o sistema ecológico são interdependentes, auto-reguladores e

incorporam a dimensão da transformação estrutural. Conforme Vieira, a problemática do meio

ambiente é vista através do ecodesenvolvimento como a “expressão de uma crise profunda das

lógicas de organização das sociedades contemporâneas” (VIEIRA, 2005 p. 338).

No campo das ciências sociais existem falhas com relação à esfera ambiental e

restrições nos preceitos de política ambiental preventiva e proativa, acreditando-se que este ponto

de vista poderá se firmar paulatinamente como um:

Instrumento heurístico que permite ao planejador e ao decisor político abordarem a problemática do desenvolvimento de uma perspectiva mais ampla do que as usuais, compatibilizando uma dupla abertura à ecologia natural e à ecologia cultural. Nesse sentido, o agente de ecodesenvolvimento estará sensível à diversidade de situações em jogo e, mais que isto, ao espectro das

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várias soluções possíveis. Ele deduzirá disso a impossibilidade de se identificar adequadamente os problemas e as necessidades da população, além das limitações e potencialidades do meio, enquanto os próprios interessados não assumirem essas funções. (SACHS, 1980, p. 32 apud VIEIRA, 2005, p. 339).

A Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992, teve um resultado muito

significativo, com debates acerca da interdependência entre meio ambiente e desenvolvimento.

Com isso, ganha espaço na opinião pública a discussão sobre a crise socioecológica e sua

representação no processo de mudança social. Esses termos parecem vagos para a comunidade

científica devido a não existência de muitas literaturas específicas.

Segundo o autor, há uma busca por um aprofundamento na organização dos

conceitos, que fundamentem e integralizem de forma precisa os vários âmbitos do processo de

desenvolvimento. Incluídos nessas variáveis estão: a demanda social, moderação dos padrões de

consumo, estilos de vida [estilos de desenvolvimento], oferta de bens e serviços, administração

das inovações tecnológicas, gestão dos produtos a serem produzidos, organização do espaço e da

apropriação dos mesmos, administração de recursos naturais e de suprimento energético.

Adiante, em uma pesquisa realizada no CIRED – Centre Internacional de Recherche

sur l’Environnement et le Développement – Paris, discute-se a problemática social do “mau

desenvolvimento” (Sachs) e a organização do sistema institucional que possibilita o

desenvolvimento de políticas alternativas. Portanto, a problemática central passa a se concentrar

no estudo das condições gerais de viabilidade dessas escolhas. Ignacy Sachs defende a tese do

ecodesenvolvimento, criticando os padrões capitalistas de consumo de recursos naturais e as

dificuldades geradas pelo sistema ao desenvolvimento social. Para Sachs, seria necessário uma

mudança socioeconômica para tomada de uma maior consciência ambiental, baseando-se em um

tripé de “crescimento econômico, justiça social e preservação ambiental” (p. 36).

É necessário que seja reavaliado o processo de crescimento econômico, com vistas

ao atendimento das demandas sociais, pois um elevado índice de crescimento econômico pode

vir acompanhado de um “mau desenvolvimento” (Sachs), seguido de desigualdade social, perda

progressiva das camadas biofísicas da vida social, da autodeterminação e da ação criadora das

sociedades. A miséria também agrava esta situação à medida que produz poluição prejudicial ao

meio ambiente.

O autor propõe algumas soluções como uma reavaliação da ocupação do espaço para

implantação de novas organizações produtivas e a bioindustrialização em proporções reduzidas,

fundamentadas na utilização dos recursos naturais renováveis com o intuito de estabelecer

diferentes relações rural-urbanas. Propõe também uma reciclagem permanente dos dejetos

provenientes das nossas atividades.

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A ciência e a tecnologia possuem um caráter analítico-reducionista que dificulta a

formulação de alternativas capazes de fazer frente aos problemas levantados pelo meio ambiente.

O conhecimento vem tornando-se cada vez mais fragmentado, o que dificulta a construção e

integração de alternativas para as diversas dimensões do ecodesenvolvimento.

Torna-se necessário, portanto, identificar quais os verdadeiros impactos da ação

humana no ambiente biofísico e construído, propondo soluções transdisciplinares que englobem

as mais variadas esferas relacionadas ao meio ambiente.

O conceito de ecodesenvolvimento, introduzido por Strong, serve para compreensão

de alternativas voltadas a ações de zonas rurais dos países em desenvolvimento que têm

preocupações na área ambiental, valorizando o saber e a criatividade das populações envolvidas.

Conforme Sachs (1974 apud VIEIRA, 1992), o estilo de desenvolvimento do ecodesenvolvimento

não se aplica somente a projetos rurais, mas aos da área urbana, procurando autonomia e a

satisfação das necessidades básicas da população. A integração da importância do meio ambiente

é pensada como um potencial de recurso que é identificado com o auxílio da pesquisa científica,

valorizando os preceitos de “prudência ecológica”. O uso do termo “estilo” refere-se à

problemática do controle democrático no qual se situam as finalidades de instrumentalidades do

processo, também como um enfoque de planejamento de mecanismos de intervenção que se

adaptam aos contextos socioculturais e ambientais de cada país ou região em suas especificidades.

A problemática de base se relaciona com o presente e o futuro das gerações, a satisfação das

necessidades básicas, a vulnerabilidade dos recursos naturais e, como princípio, uma luta contra

desigualdades sociais e a dependência do terceiro mundo.

De 1973 a 1986, Sachs e sua equipe exploraram as “variáveis estratégicas”, que

incluem a regulação dos padrões de consumo e costumes, o uso de tecnologias, recursos da

natureza, organização de espaços do sistema produtivo, etc. O esforço que este grupo teve para

lidar com o não-desenvolvimento fez com que a problemática de base considerasse as condições

viáveis das alternativas.

Sachs (cf. Vieira, 1992) sugere quatro elementos sobre o ecodesenvolvimento:

- Alcance das finalidades sociais: necessidade de redirecionar o processo do crescimento econômico, alcançando os objetivos sociais de prioridade no contexto de crise mundial. Suprir os níveis de miséria e desigualdade, satisfação das necessidades básicas – em sentido amplo – como necessidade material e psicossocial;

- Autonomia (self-reliance): controle do processo de desenvolvimento por intermédio da sociedade civil organizada, sendo que as comunidades utilizarão os recursos disponíveis, respeitando suas tradições sem serem isoladas;

- Benefícios para a sociedade e natureza: abandonar a idéia instaurada pela modernidade consolidada na perspectiva da economia-predatória. Isso encoraja

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uma formulação de propostas para não haver mais uso abusivo dos recursos naturais, assim preservando o meio ambiente;

- Sustentabilidade econômica: necessidade de reavaliar a economia, verificando os custos sócio-ambientais no que se refere à modernidade.

Conforme Vieira (1995), as políticas de ecodesenvolvimento no nível macroeconômico

são uma tentativa de “restabelecer a harmonia perdida entre desenvolvimento e meio ambiente”

(p. 60), no qual o Estado se responsabiliza por direcionar e ordenar ações que sustentem um

padrão racional de endogeneidade. Mediante a demanda social, é importante modular os padrões de

consumo e os padrões de uso social do tempo, ambos referindo-se aos objetivos da produção de bens e

serviços e o desenvolvimento econômico. “Esses vetores condicionam a maneira através da qual

cada sociedade delimita as esferas do individual e do coletivo, do material e do não material, do

mercado e do extra-mercado” (p. 61). Considerando as ameaças socioambientais globais, surge a

problemática vinculada ao crescimento material, possibilitando as transformações

comportamentais necessárias de um novo projeto social.

Segundo Vieira, é necessário uma gestão racional para se preservar os recursos naturais.

Temos que usar mais os recursos renováveis e economizar mais nos recursos não-renováveis,

precisamos de controle do desperdício na produção e no consumo, prioridades na produção de

bens e consumo duráveis e pesquisar possibilidades de substituições possíveis das reservas de

recursos naturais não-renováveis.

Os resultados obtidos em pesquisas feitas em diversos países em desenvolvimento

sobre “sistemas de gestão de recursos em propriedade comum”, merecem atenção. Essa

investigação mostra que:

Se o respeito pelo uso sustentado dos recursos torna-se algo compartilhado pela comunidade, aumentam as chances de êxito de formas de gestão capazes de favorecer o alcance simultâneo de distribuição mais eqüitativa da riqueza gerada e de aumento das margens de sustentabilidade dos recursos, (Ostrom, 1990; Berkes et al, 1989; Farvar, 1991; Bromley, 1992; Le Roy, 1992; Weber et al, 1990 apud VIEIRA, 1995, p. 68).

Na discussão “bens comunais”, se o recurso natural não for mantido em controle pela

comunidade, pode ocorrer o que Garret Hardin classifica de “tragédia dos bens comunais”.

Portanto, a participação das comunidades, conforme Vieira, é muito decisiva para fortalecer a

gestão do recurso. Precisa-se de uma gestão do espaço, que conforme o autor, se faz necessário

pesquisar formas de organização produtiva que completem ao máximo todas as formas de

atividade econômica. Outro ponto fundamental é o de termos políticas de industrialização, para

sabermos, por exemplo, os impactos negativos da hiperurbanização. Vieira (1995) acredita que

dependerá também do governo a auto-sustentação de regiões marginalizadas, com

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industrializações em pequena escala. Para finalizar, é importante a qualidade do meio, como o

controle e o tratamento de dejetos através de técnicas de reciclagem constante.

Um processo equilibrado de desenvolvimento deve ser realizado observando as

características singulares de cada “eco-região”, utilizando-se das mais diversas possibilidades

tecnológicas, sendo que as mesmas devem estar abertas e flexíveis à experimentação científica.

Sachs (apud Vieira, idem) coloca que os critérios de seleção procuram destacar o completo uso do

potencial de recursos disponíveis, observando a lógica apresentada pelas necessidades sociais e

com a procura de respostas não centralizadas, que diminuam a poluição, com possibilidades à

experimentação com opções energéticas.

De acordo com Vieira (idem), no Brasil, a avaliação dos impactos ambientais são

realizadas no modelo “reativo-remedial”, ou seja, não possibilita a introdução do questionamento

do estilo de desenvolvimento quanto aos projetos, planos ou programas que estão sendo

considerados. Este caráter – “reativo-remedial” – assemelha-se ao já citado acima por Hannigan

(apud ALONSO e COSTA, 2002), no qual afirma que a consciência ambiental vem através da

crise em que o ambiente se encontra, considerando esse o motivo pela mudança no pensamento

e não a mudança de valores.

O papel representado pela negociação política é ainda insuficiente para suprir as

demandas das questões ambientais, no qual o caráter socioambiental é tratado de forma isolada,

originando “discussões técnicas bipartites” e relegando à sociedade em geral um papel

secundário, considerando-a como um entrave aos interesses políticos e privados.

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II – Consumo Sustentável e base Energética

1. CONSUMO SUSTENTÁVEL

É no contexto das relações sociedades-naturezas que emergem, desde nosso modelo

de análise, as preocupações ambientais. Seguindo essa área, identificamos a condição do

consumo, que se relaciona com poder e status, e muitas vezes, individualidade. Os padrões atuais

de consumo não são sustentáveis, não são iguais e são assoladores do meio ambiente

(LAZZARINI & GUNN, 2002).

Colin Campbell (apud Lima, 2003) salienta que “a peculiaridade do consumidor

moderno reside em seu insaciável apetite de novos produtos” (p. 96). Os autores Douglas e

Isherwood procuram responder o motivo pelo qual os indivíduos procuram por novos produtos.

A resposta se situa no:

intervalo onde terminam as razões de mercado e começam as relações interpessoais. Na qualidade de instrumentos de ligação, eles acreditam que os produtos constituem veículos de interação e estabelecem fronteiras de inclusão e exclusão entre grupos. Assim, produtos, trabalho e consumo devem ser reconhecidos como parte de um mesmo sistema social. (LIMA, 2003, p. 96).

Conforme a Associação Alternativa Terra Azul, este conceito se construiu através do

termo desenvolvimento sustentável, divulgado com a Agenda 21, documento produzido em

1992, no Rio de Janeiro durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento. A Agenda 21 mostra a importância do crescimento dos países, mas mantendo

o equilíbrio do meio ambiente, com temas que abordam: mudanças nos padrões de consumo,

manejo ambiental dos resíduos sólidos e saneamento, e ainda, o fortalecimento do papel do

comércio e indústria.

1.1 CONSUMO E SUSTENTABILIDADE: A ANÁLISE DE LAZZARINI E GUNN

Os estilos de desenvolvimento dos países ricos estão servindo, relativamente, de

modelo para os países que estão em desenvolvimento. Esta questão é muito preocupante, pois, se

consumirmos de tal forma – que chamamos de consumo conspícuo –, o planeta terra não será

suficiente para atender toda demanda. Este problema não se localiza somente na falta que

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teremos de recursos naturais, mas também, na poluição que será gerada, como exemplo, no

aumento de gases emitidos no meio ambiente, em alterações climáticas, na alteração de

biodiversidades e sociodiversidades, saúde pública, etc. Parte deste problema se localiza nos

fundamentos de modelos de desenvolvimento, particularmente em referências e postulados

antropocêntricos e, ainda mais, eurocêntricos.

Conforme a Associação Alternativa Terra Azul, o consumo sustentável atende as

necessidades da geração atual, sem prejuízo para as gerações futuras, saber optar por produtos

ecologicamente corretos e socialmente justos e garantir que todas as pessoas tenham acesso aos

serviços e produtos que atendam suas necessidades básicas.

O ser humano moderno, não se preocupa em saber de onde vêm um produto ou

como ele foi produzido. Uma produção sustentável na agricultura é aquela que se baseia no

princípio de que a natureza tem capacidade de se auto-regular, desde que exista uma diversidade

de espécies. Portanto, não devemos usar produtos químicos, e sim, materiais orgânicos e

compostagem, precisa-se fazer uma rotatividade de cultivos para um controle de pragas.

O transporte sustentável é aquele que é mais coletivo e menos individual, faz uso

eficaz da energia, utiliza fontes energéticas renováveis que não poluem e diminuem a proporção

dos gases nocivos.

Conforme Luciane Lucas5, o consumo se constitui como fato social e funciona como

um sistema de comunicação que distingue culturas e sociedades, com seu crescimento, ele

provoca impactos ambientais e sócio-econômicos. Entretanto, não percebemos grande parte

desses impactos, que a autora chama de consumo invisível – água, energia, lixo e combustíveis

fósseis.

Através do conceito de desenvolvimento sustentável, que interpreta um compromisso

com as gerações futuras e diminuição da desigualdade social, exemplifica que o consumo

sustentável busca reduzir desequilíbrios socioambientais em todo o ciclo que percorre um

produto – geração e descarte. O consumo sustentável se dá pela reciclagem, reutilização, uso de

embalagens biodegradáveis, tecnologias limpas e utilização de recursos renováveis. Tal processo

deve ser feito tanto pelo produtor quanto pelo consumidor, pelo estabelecimento de políticas que

promovam a redução do lixo, por meio de legislação que leve os produtores a receber novamente

as sucatas e embalagens, com o intuito de diminuir o consumo de recursos naturais. Ainda,

políticas que penalizem quem produz e destina os resíduos tóxicos e industriais de forma

inadequada. Além da busca pela sustentabilidade ambiental, busca-se a sustentabilidade sócio-

econômica das regiões pobres, estimulando as competências das mesmas.

5 Luciana Lucas é analista de mercado e pesquisadora na área de consumo sustentável.

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De acordo com Lazzarini e Gunn (2002), consumo sustentável implica considerar

desejos e necessidades do consumidor, materiais a serem usados, fontes energéticas e efeitos ao

meio ambiente. Ou seja, o consumo sustentável implica em assunção de domínio ético sobre as

condições de produção, meios de manutenção, alojamento e distribuição, intervenientes sociais

(prostituição, trabalho escravo, etc.), condições de consumo, rede de distribuição de rendas

decorrente do produto e de serviços acoplados, etc. O ideal seria aumentar o consumo e diminuir

o recurso. No entanto, o consumo global está aumentando mais do que a ecoeficiência – que é a

redução da matéria-prima usada na produção de bens de consumo duráveis. Em alguns pontos é

visto o resultado da ecoeficiência, mas o uso de matéria-prima continua crescendo.

Quando nos referimos a aumentar o consumo e diminuir o recurso, nossa intenção

não é afirmar que para termos um consumo sustentável temos de nos privar de consumir, pois,

isso abalaria a economia causando vários problemas sociais. Estamos nos referindo a um controle

do que compramos e a necessidade de diminuirmos os recursos utilizados para a produção.

Deparamo-nos, então, com a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento.

Para se conseguir um padrão de consumo sustentável, precisamos acabar com a pobreza, mudar

o atual padrão de consumo, alterando os sistemas de produção, comércio e consumo do mundo.

A relação entre desenvolvimento e consumo da Conferência Internacional sobre o

Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92 (Princípio 8), afirma que “para alcançar o

desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida superior para todos os povos, as nações

deveriam reduzir e eliminar os padrões de produção e consumo insustentáveis e promover

políticas demográficas apropriadas”6 (LAZZARINI e GUNN, 2002, p. 70).

Uma proposta discutida internacionalmente refere-se à diminuição de uso de

recursos naturais e energia. Assim, os países ricos, em vinte ou trinta anos, diminuiriam em 4

vezes (fator 4) o uso de recurso natural e energia. Isto faria com que os países em

desenvolvimento crescessem. Este período é chamado de “espaço ambiental”, isto é, o tempo

mínimo para se obter as necessidades sociais básicas e o máximo para se assimilar as dinâmicas da

ecosfera. Após um longo prazo, os países terão que diminuir o consumo em 10 vezes, pois, todos

não podem ter os mesmos padrões de consumo existentes atualmente.

1.1.1 Comportamento social sustentável e insustentável de Consumo

6 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92). “Declaração do Rio para o Meio Ambiente e Desenvolvimento”. In: Agenda 21, Senado Federal, Brasil, 2001.

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Conforme Lazzarini e Gunn (2002) é preocupante pensar que países que estão se

desenvolvendo hoje sigam o padrão de consumo dos países ocidentais. Se toda a população da

América Latina, Ásia e África consumissem da mesma forma que os países considerados

desenvolvidos, precisaríamos, para atender todas as necessidades, de mais dois planetas Terra.

Não há recursos naturais suficientes e não há como absorver a poluição e a degradação gerada.

O Brasil é um país que apresenta em si a diversidade biológica e social que, de modo

geral, refere-se a uma síntese do planeta: muitos recursos e muitos problemas:

Aqui reunimos traços dos Estados Unidos e da África, assim como da Europa e da Ásia [...] a cultura ocidental européia com desafios e recursos que a velha Europa não tem mais. Temos altas taxas de desemprego, como certos países europeus, mas com fronteiras agrícolas e possibilidades de expansão inexistentes no velho continente. Distintamente da Ásia, somos ocidentais, somos culturalmente mais próximos dos países centrais. Nossos intelectuais são, simultaneamente, cosmopolitas e poliglotas, sem termos o peso da tradição oriental. Distintamente da África, temos imensos recursos humanos e tecnológicos. E, finalmente, à diferença da América Latina, somos um país rico, com um complexo industrial considerável [...] Fomos o único país latino-americano a concluir o círculo do desenvolvimento pela substituição de importações, completando a estrutura industrial. Ao mesmo tempo, somos, praticamente, o país de maior desigualdade do mundo. Uma desigualdade inaceitável, criminosa e ameaçadora ao nosso futuro. Temos uma população de 170 milhões de habitantes, com um mercado que abarca menos da metade de sua população. Os 5% mais ricos detém mais riquezas que os 50% mais pobres (PENA-VEJA e NASCIMENTO, 1999, p. 12)

As desigualdades existentes no Brasil são inquestionáveis quanto à sua existência e

extensão. Os membros das classes média e alta consomem tanto quanto um europeu ou um

americano, enquanto que 53 milhões de pessoas são consideradas pobres e 22 milhões de pessoas

podem ser consideradas indigentes – pessoas que não conseguem atender suas necessidades

básicas como moradia, alimentação e vestuário. A desigualdade no Brasil é uma das maiores do

mundo. Portanto, no Brasil se vêem dois lados: (a) o desperdício, o consumo exacerbado; e (b) as

pessoas que consomem abaixo do biologicamente aceitável e do socialmente justo. A nossa

imagem não é de um país pobre, e sim, de um país injusto e desigual. Dados de 19957 indicam

que os 50% mais pobres possuem 11,6% da renda nacional e os 10% mais ricos possuem 63%.

(LAZZARINI e GUNN, 2002).

No caso do Brasil, é importante dar prioridade à distribuição de renda para que a

produção seja sustentável, isto é, combater a insustentabilidade social, democratizando a renda,

dando acesso aos recursos naturais, à terra, a serviços básicos e bens de consumo úteis. É

7 Comissão de políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CDPS) – Ministério do Meio Ambiente (MMA) \ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Agenda 21 brasileira: bases para discussão, junho de 2000.

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necessário, portanto, priorizar algumas áreas como os serviços públicos: acesso à água tratada,

coleta e tratamento de esgoto, os quais são requisitos para diminuir a probabilidade de

emergência de inúmeras doenças, e a necessidade de aumento de postos de saúde e hospitais.

Precisamos também controlar o desperdício de água nos sistemas públicos e privados. Portanto, é

necessária uma reflexão de todos os membros da sociedade.

Outra necessidade apontada é de universalização de energia no Brasil,

preferencialmente de fonte renovável com pouco impacto ambiental (energia eólica, solar e

pequenas hidroelétricas), e incentivar os consumidores para que dêem preferência ao uso de

fontes alternativas de energia (na Alemanha, o governo subsidia a instalação de sistemas de

energia solar nos domicílios e permite a venda da energia excedente pelo consumidor à rede geral

de energia).

Mudar estilos de vida se refere a dois aspectos: o que se consome e quanto se

consome, orientados por modelos de estilo de vida que destacam-se por qualidade de vida e

atendimento das necessidades básicas, e menos concentrados sobre a base material da economia.

Conforme Born (2002), todo o esforço que fizermos contribui para a mudança de

estilos de vida, que é uma grande dificuldade, por se tratar de uma transformação lenta. É

complicado adotar novas normas, por isso algumas leis são organicamente assumidas pelos

membros da sociedade e outras não. Enfim, é necessária mudança de valores. Para conseguirmos

um consumo responsável, contamos também com a ajuda da Educação Ambiental.

1.1.2 Produção e consumo

A agenda 21 (Capítulo IV), resultado da Rio-92, também discorre sobre a necessidade

de mudança dos padrões de consumo, segundo a qual...

...a principal causa da contínua deterioração do meio ambiente global são os padrões insustentáveis de produção e consumo, particularmente nos países industrializados... [consolidando que] para alcançar um desenvolvimento sustentável serão necessárias tanto a eficiência nos processos de produção como mudanças nos padrões de consumo, que foram estabelecidos principalmente por países desenvolvidos, exemplo que tem sido crescentemente seguido em grande parte do mundo, inclusive países em desenvolvimento (LAZZARINI & GUNN, 2002 p. 70-71).

Em 1995, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações

Unidas (ONU), sugeriu acrescentar os preceitos da produção e consumo sustentáveis à ampliação

das diretrizes para proteção do consumidor, através de reuniões internacionais de especialistas. A

partir daí, em 1999, houve a publicação da ementa às Diretrizes de Proteção ao Consumidor das

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Nações Unidas (Cláusula 42), segundo a qual “o consumo sustentável implica atender às

necessidades das gerações presentes e futuras com bens e serviços, de forma econômica, social e

ambientalmente sustentável” (idem p. 71).

Um importante encontro sobre Produção e Consumo Sustentável, foi realizado em

Oslo, no ano de 1995, no qual apresentou que...

Consumo sustentável é um termo abrangente que traz consigo uma série de fatores-chave, tais como: atender as necessidades, aumentar o uso de fontes de energias renováveis, minimizar o lixo, adotar uma perspectiva de ciclo de vida levando em conta a dimensão eqüitativa. Integrar essas peças é a questão central de como proporcionar serviços iguais ou superiores para atender aos requisitos básicos de vida e às aspirações para melhoria tanto da geração atual como das futuras, reduzindo continuadamente os danos ao meio ambiente e riscos à saúde humana (LAZZARINI & GUNN, 2002 p. 71).

O consumo sustentável dos alimentos depende de sua produção sustentável. Na

“Agenda 21 brasileira: bases para discussão” são indicadas seis matrizes produtivas entre os grandes

problemas de sustentabilidade agrícola:

a) Uso intensivo de capital e insumos (padrão Revolução Verde); b) Predominância de agronegócio e seu passivo ambiental (erosão do solo,

contaminação de recursos hidrográficos e biodiversidade, etc.) e social (baixa geração de empregos, êxodo rural, etc.);

c) Dependência científica e tecnológica no sistema produtivo nacional; d) Predominância de produção voltada à exportação, de acordo com necessidades de

países importadores; e) Riscos sociais e ambientais em virtude de dependência tecnológica e modelo de

produção voltado à exportação; f) Concentração de estrutura fundiária

Conforme Born (2002), precisamos repensar o modelo atual de consumo e produção

em seus dois níveis: as ações individuais ou privadas e as coletivas. Com a globalização comercial

e financeira, é necessário transparência para sabermos qual produto poderemos adquirir, onde

quer que estejamos. Temos de ter o direito de não consumir o que irá nos fazer mal. Portanto,

precisamos saber se o que consumimos poderá afetar nossa vida no futuro. Esse é um desafio se

quisermos implementar um consumo sustentável e responsável.

Os países em desenvolvimento estão priorizando o fortalecimento de setores

industriais, com baixa ou nenhuma internalização das questões ambientais. Por isso, é necessário

que a sociedade civil e as lideranças empresariais exijam e participem de políticas públicas

voltadas ao desenvolvimento sustentável com igualdade e justiça social.

Consumo, um empreendimento social de base ambiental e social (portanto,

socioambiental), implica em formação de status e modismos e de concepção de naturezas e de

sociedades. As pessoas produzem socialmente necessidades de estarem seguindo padrões de

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moda, ilustrados por coleções de sapatos, roupas, carros do ano, com o último modelo de

telefone móvel (celular), ou seja, de consumo conspícuo. Bourdieu exprime o consumo como

“uma prática através da qual os agentes buscam se distinguir na hierarquia” (LIMA, 2003, p. 97).

Muitos problemas ambientais ou da problemática ambiental surgem em decorrência de estilos de

desenvolvimento, com resultados já manifestados: crise ambiental (VIEIRA e WEBER, 2000).

Nessa “sociedade de mercado” valores como solidariedade, participação da

sociedade, busca da igualdade, do bem-estar coletivo, estão sendo substituídos por individualismo

e consumismo. O conceito de cidadania é inserção no mercado. O papel das organizações de

defesa do consumidor é pedagógico e, portanto, é muito importante mostrar ao consumidor a

relação existente entre o consumo e a sustentabilidade ambiental, mostrar o poder que as

escolhas têm na hora das aquisições.

As desigualdades sociais e econômicas existentes aumentam o problema, como por

exemplo, países desenvolvidos que têm menos de 20% da população mundial usufruem cerca de

80% do consumo privado mundial, enquanto que os países em desenvolvimento, com cerca de

35% da população mundial, consomem somente 2%. Enquanto os países desenvolvidos

consomem acima do necessário, muitos países em desenvolvimento não conseguem suprir as

necessidades básicas da população (LAZZARINI e GUNN, 2002).

Atualmente, os países em desenvolvimento estão crescendo rapidamente, sendo

assim, estão consumindo cada vez mais. Esta situação é muito preocupante, pois, se os países

desenvolvidos não mudarem seus estilos de desenvolvimento, o planeta Terra não será suficiente

para atender toda demanda. Por fim, vai impedir o crescimento de tais países.

1.1.3 Responsabilidades de diversos agentes

Lazzarini e Gunn exemplificam que, Conforme as Diretrizes das Nações Unidas para

Proteção do Consumidor, o consumo sustentável é de responsabilidades de todos os membros e

organizações da sociedade: governos, empresas, organizações de defesa do consumidor

As pessoas, de forma geral, não relacionam o problema ambiental ao ato de

consumo, ou com poluição do ar, dos rios, mas sim, acham que só existem os problemas com a

destruição da floresta ou a não preservação dos animais ameaçados de extinção.

Acreditamos que os consumidores estão dispostos a contribuir com o meio

ambiente, mas precisam ser convencidos da necessidade da ajuda, não podendo esta se encontrar

fora de suas possibilidades, tanto econômica como estrutural. Por sua vez, consumo sustentável

implica em mudança do estilo de vida, mas, a orientação é que fique dentro do nível de consumo

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da classe de consumidores. A mudança de estilo de vida contempla a mudança no

comportamento do consumidor, mas é fundamental que se sintam social, política e moralmente

responsáveis quando consomem e que este ato apresenta questões coletivas e não apenas

interesses individuais.

O compromisso das organizações de consumidores é a educação dos consumidores

sobre suas escolhas e o impacto destas sobre o meio ambiente. Um exemplo de que isto é

possível, é a disposição das pessoas que pagam mais por algo, como alimentos orgânicos, se este

for relevante para sua saúde. As organizações de defesa do consumidor, especialmente as mais

expressivas, devem avaliar e fazer testes seguindo uma metodologia de análise do ciclo de vida do

produto, que observa o produto desde a exploração da matéria-prima até a disposição final do

mesmo. Os únicos obstáculos para tais procedimentos seriam os custos e a disponibilidade de

informações sobre a produção.

O maior problema entre as organizações de consumidores e os consumidores é o

preço, pois é complicado explicar que a melhor política para conservar energia, é deixar que os

preços dos combustíveis subam. Um pequeno aumento nos preços, para quem possui baixa

renda, pode significar um grande impacto na renda familiar. Sendo assim, para conseguir uma

sociedade sustentável, deve-se lutar pela justa distribuição dos custos das mudanças, e para

conseguirmos uma eficiência na busca de tecnologias menos prejudiciais é importante seguir o

princípio de “quem polui paga”.

Lazzarini e Gunn (2002) argumentam que outro país é possível, se referindo ao

consumo sustentável no Brasil. Afirmam que precisamos nos basear na distribuição de renda,

com o intuito de acabar (diminuir) com a pobreza, permitindo que todos tenham acesso a

satisfação das necessidades básicas. De outro lado, é importante considerar as relações entre o

comércio mundial com os padrões de produção e consumo do país, e também orientar através de

políticas públicas integradas aos padrões de desenvolvimento que sejam referenciados na busca

de sustentabilidade social, ambiental e econômica.

As relações desempenhadas pelo governo, empresas e consumidores contribuem –

positiva ou negativamente – para a transformação do ambiente físico que nos cerca. Portanto, é

fundamentalmente importante que avaliemos a dinâmica existente entre essas três esferas da

sociedade, para que possamos, então, estabelecer as melhores diretrizes de ação.

2. ENERGIA E AMBIENTE

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Conforme Mattozo e Camargo (2005), a palavra energia vem do grego, “energéia”,

sendo quase um sinônimo de trabalho. A definição mais usual de energia é a capacidade de

produzir trabalho. No percurso histórico, o homem, através da força, dispôs de energia. Nos dias

atuais, estima-se que um terço da população mundial8 não tem acesso à energia elétrica,

encontrando em sociedades industrializadas formas precárias de transformação e uso de energia.

Os autores afirmam que a América do Norte – principalmente os EUA – são os

maiores consumidores de energia – mais de um terço do total produzido9. A maior parte da

energia – 79,5% – vem de fontes não renováveis como: carvão, gás natural e petróleo. Acredita-se

que as reservas de petróleo irão durar mais 75 anos, de gás natural 100 anos e de carvão mais ou

menos 200 anos. As fontes renováveis – água, sol, vento ou vegetação – representam 11% da

oferta mundial. A energia renovável é aquela que pode “ser reabastecida, desenvolver-se ou

simplesmente existir dentro de um intervalo de tempo significativo para as pessoas”

(MATTOZO e CAMARGO, 2005, p. 20).

A oferta nacional se concentra em fontes não renováveis de energia –

aproximadamente 53,9% – conforme tabela abaixo:

Tabela I – Produção de energia primária por fontes (em percentuais - %): Insumo 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Energia não renovável 36,7 39,8 42,1 43,0 46,2 48,7 52,6 53,9 - Petróleo 30,3 31,2 33,1 33,8 36,9 39,1 42,3 43,1 - Gás natural 6,7 6,9 7,5 7,5 7,8 8,2 8,8 9,0 - Carvão Vapor 1,7 1,7 1,5 1,6 1,5 1,4 1,4 1,4 - Carvão metalúrgico 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 - Urânio 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,4 Energia renovável 61,2 60,2 57,9 57,0 53,8 51,3 47,4 46,1 Hidráulica 17,4 18,1 17,9 17,6 17,4 16,6 16,6 14,2 Lenha 22,0 20,5 18,2 16,9 15,6 15,1 14,7 14,4 Produtos da cana 19,2 18,9 19,2 19,9 18,3 17,0 13,3 14,7 Outros* 2,7 2,6 2,6 2,6 2,5 2,7 2,7 2,8

* Inclui energia eólica e solar Fonte: Balanço Energético Nacional, Ministério das Minas e Energia, 2002 (apud MATTOZO e CAMARGO, 2005).

Com a recuperação das economias na década de 1950 – desgastadas pela Segunda

Guerra Mundial – houve nos países particularmente agrícolas, uma perda de valores ligados à

esfera ambiental, fruto de uma visão economicista de desenvolvimento, considerando o meio

ambiente apenas como um fornecedor de recursos, e não como um sistema complexo de

oportunidades econômicas, passível de esgotamento.

8 Dados da ONU, de 2000. A população mundial era de 6,055 bilhões, dos quais 4,8 bilhões (80%) vivem nos países em desenvolvimento. 9 Conforme o INMETRO e o IDEC, em média o americano usa duas vezes mais energia que um europeu e mil vezes mais que uma pessoa que vive em certas regiões do Oriente. http://www.inmetro.gov.br/infotec/publicacoes/cartilhas/ColEducativa/meioambiente.pdf.

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Essa mentalidade no qual se baseavam os teóricos e os planejadores do crescimento

teve seu contraposto com a origem do relatório chamado Limites do Crescimento, feito por um

grupo interdisciplinar do MIT – Massachusets Institute of Technology – para o Clube de Roma,

em 1972 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo –

Suécia. Esse relatório afirmava que se mantivéssemos os atuais padrões de exploração de

recursos, bem como, poluição, industrialização, crescimento populacional, chegar-se-ia ao limite

do planeta em cem anos. Assim, precisamos pensar na idéia economicista de desenvolvimento,

evidenciando que crescimento econômico existe concomitantemente a degradação ambiental.

Muitos autores concordam que para mantermos os padrões de vida atuais, existirá

uma grande exploração dos recursos e – independente da finalidade –, em pouco tempo, eles irão

se esgotar. A gravidade dessa “extinção dos recursos” é incalculável, pois destes depende a

sobrevivência do ser humano – água e alimentos são os principais problemas.

Criaram-se bases na Conferência de Estocolmo para uma maior compreensão das

relações existentes entre o ambiente e o desenvolvimento. Aqui retomamos o conceito de

ecodesenvolvimento evidenciado por Maurice Strong e difundido por Ignacy Sachs a partir de

1974. Para Sachs, ecodesenvolvimento representa:

a capacidade humana de realizar um desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias forças, capaz de responder à problemática de harmonização de objetivos sociais e econômicos com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do ambiente. A base do novo plano situou-se na proposição ética de que o desenvolvimento deveria estar voltado às necessidades sociais mais abrangentes, à melhoria de qualidade de vida e ao cuidado com o ambiente como atos de responsabilidade pelas gerações futuras. (apud MATTOZO e CAMARGO, 2005, p. 73)

A partir de 1980, o termo ecodesenvolvimento foi substituído por desenvolvimento

sustentável, quando foi exposto no documento de Estratégias Mundiais de Conservação,

documento este solicitado pela ONU a outros órgãos internacionais ligados à problemática

ambiental. Na tabela a seguir, podemos verificar os pilares da teoria do desenvolvimento

sustentável.

Tabela II – Teoria do Desenvolvimento Sustentável:

Dimensão Componentes principais Objetivo

Sustentabilidade social

• Criação de empregos que permitam renda individual adequada e melhor condição de vida

• Produção de bens dirigidos às necessidades básicas

Reduzir as desigualdades sociais

Sustentabilidade econômica

• Fluxo permanente de investimentos públicos e privados • Manejo eficiente dos recursos • Absorção de custos ambientais pelo setor produtivo • Endogeneização (sic): contar com os próprios recursos

Aumentar a produção e a riqueza social sem dependência externa

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Dimensão Componentes principais Objetivo

Sustentabilidade ecológica

• Respeito aos ciclos ecológicos dos ecossistemas • Uso racional de recursos não-renováveis • Prioridade à produção de insumos naturais renováveis • Redução da intensidade energética e estímulo à

conservação de energia • Incentivo à tecnologia e processos produtivos com baixo

índice de resíduos • Preservação ambiental

Melhorar a qualidade do ambiente e preservar as fontes de recursos energéticos e naturais para as próximas gerações

Sustentabilidade espacial ou geográfica

• Descentralização espacial de atividades e populações • Descentralização do poder • Equilíbrio na relação entre campo-cidade

Evitar grandes concentrações

Sustentabilidade cultural

• Adoção de soluções adequadas a cada ecossistema • Respeito à formação cultural comunitária

Evitar conflitos culturais com potencial regressivo

Fonte: Montibeller Filho, 1993 apud Mattozo e Camargo, 2005.

Conforme Barbiere (1997 apud Mattozo e Camargo, 2005) e Lago (1988 apud

Mattozo e Camargo, 2005), o conceito de sustentabilidade surge na biologia, que se refere à

utilização de recursos renováveis, fundamentando-se no método de manejo como forma de

equilíbrio entre a biodiversidade.

Em 1992, com a CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento – ou ECO’92, surgiu a Agenda 21, nela se apresentam planos para

atingimos o desenvolvimento sustentável. Mas, alguns acordos dessa agenda ficaram

comprometidos, pois alguns países – principalmente os EUA –, não confirmaram sua assinatura,

permanecendo as ações apenas no campo teórico.

No que se refere à opinião pública acerca dos benefícios econômicos de políticas

ambientais, a maioria dos entrevistados parecem interessados na integração entre política

econômica e ambiental, porém, o país se recusa a assinar o Protocolo de Kyoto, que trata da

diminuição das emissões de carbono, tendo em vista a necessidade de conter o efeito estufa e

possíveis mudanças climáticas. O maior argumento é diminuir principalmente o crescimento

econômico das principais fontes de carbono: o carvão e o petróleo.

No que tange ao futuro, nos encontramos num cenário muito preocupante, temos

uma grande concentração urbana e as condições de vida são muito deficitárias10. Outra situação

preocupante é que já consumimos 42,5% dos recursos do planeta com alimentos, materiais e

energia, e esse consumo cresce aproximadamente 2,5% ao ano nos países desenvolvidos.

Muitos países dependem dos outros no sistema energético, sendo assim, os padrões

externos servem de modelo para estabelecer as opções tecnológicas, dimensões de projetos e

10 Em 76% dos 42 países menos desenvolvidos, a população não tem rede de esgoto e 49 % não recebe água tratada. Mattozo e Camargo, 2005.

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escolhas do modo de produção e utilização de energia, sem considerar o que é realmente

necessário, pois a maior parte da população não tem recursos para adquirir os produtos

oferecidos e as políticas públicas – como o transporte, por exemplo – não são adequadas às

necessidades internas. Assim, ocorrem grandes desperdícios por parte dos consumidores de alta

renda. Portanto, grande parte da população está muito longe de atingir a satisfação de suas

necessidades básicas.

Conforme Goldemberg (1998 apud Mattozo e Camargo, 2005), o consumo de energia

per capita é importante para identificar a existência de condições básicas de vida11. Nos países em

que o consumo de energia é menor que uma tEP – tonelada equivalente de petróleo – por ano, é

grande o número de analfabetos, da mortalidade infantil e a expectativa de vida é baixa.

A energia tem de ser utilizada de forma controlada, para não haver desperdícios dos

recursos, sejam eles renováveis ou não renováveis, pois sempre, de alguma forma, o uso

irracional da mesma traz agressões ao meio ambiente. Quanto aos dados que nos foram

repassados por Mattozo e Camargo (2005), no qual um terço da população mundial não tem

acesso à energia elétrica é muito preocupante, pois, não teremos hospitais funcionando

adequadamente, as pessoas não possuem acesso às informações – televisão, rádio, internet, entre

outros –, o que prejudica a prevenção de doenças, pois muitos casos poderiam ser evitados se as

pessoas estivessem informadas com o que acontece nos dias atuais.

Dados da pesquisa de Goldemberg, entregues para ONU em setembro de 2000,

mostram que quase 30% da população mundial – cerca dois bilhões de pessoas – não têm acesso

à energia. No Brasil, conforme estimativas oficiais, a quantidade da população sem o acesso à

eletricidade é de 5% – 8,5 milhões de pessoas. Outros dados12 mostram que 13,1% dos

domicílios, ou seja, aproximadamente 21,3 milhões de pessoas, não possuem acesso à eletricidade

ou as condições são precárias, sendo que a maior parte – 70% – se localiza no meio rural.

O uso da energia causa impactos socioeconômicos, resultado do uso dos recursos

naturais. No caso das fontes renováveis, os impactos derivam das grandes áreas que são

utilizadas para produção em grande intensidade. Temos também a preocupação na operação de

usinas nucelares, pois não sabemos ao certo o impacto para o meio ambiente e para o ser

humano. Não deixando de lado os problemas oriundos da extração de gás e a infra-estrutura do

petróleo.

Com a Revolução Industrial, ocorre uma grande ruptura no sistema, exigindo “uma

nova ordem de grandeza no uso da energia” (MATTOZO e CAMARGO, 2005, p. 86). Além do 11 O autor considera quatro indicadores sociais: (a) taxa de alfabetização; (b) mortalidade infantil; (c) expectativa de vida; e (d) taxa de fertilidade. 12 Pesquisadores do Projeto Brasil Sustentável e Democrático, com apoio em estatísticas do IBGE e relatórios da Eletrobrás, 1997.

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carvão, utilizado a partir de século XIX, tivemos o uso significativo do petróleo e da eletricidade

a partir do século XX. A partir da Segunda Guerra Mundial, ocorre uma expansão no uso da

energia, recorrendo, assim, ao uso da energia nuclear. Desse período em diante, as atividades

econômicas chegaram a um nível crescente de consumo dos recursos naturais, no qual o

equilíbrio ecológico poderia ser gravemente comprometido.

Algumas conseqüências importantes são colocadas por Rovere (1991) sobre a

questão energética:

a) o desafio de conservar o ambiente exige uma tomada de consciência mundial, que se torna extremamente complexa em vista da necessidade de uma ação coordenada em nível internacional; b) o planejamento energético não pode mais deixar de incorporar a dimensão ambiental, que tende a condicionar crescentemente as dimensões sobre produção e uso de energia; c) a contenção do consumo de energia deve principiar nos países industrializados, responsáveis por 84% do consumo global, com ampla política de conservação que promova o uso mais eficiente. (apud MATTOZO e CAMARGO, 2005, p. 90).

Conforme Rovere (idem), os países em desenvolvimento são responsáveis por buscar

um estilo de desenvolvimento no qual o uso de energia não seja tão intenso e,

concomitantemente, reduza os impactos ambientais e que extingue com o subdesenvolvimento

econômico, social, tecnológico, político e cultural – fatores que prejudicam a qualidade de vida

em tais países.

Contudo, os países em desenvolvimento, não devem deixar de buscar um grau de

desenvolvimento maior, que possibilite uma igualdade perante os demais países. Conforme

Lazzarini e Gunn (2002), os países em desenvolvimento hoje crescem cada vez mais, sendo

assim, os recursos naturais não são suficientes para atender toda a demanda, impossibilitando que

os países em desenvolvimento cresçam. Precisamos homogeneizar os padrões de utilização dos

recursos para que todos tenham acesso ao mínimo necessário a suas necessidades básicas.

2.1 QUADRO ENERGÉTICO BRASILEIRO

Nesta parte verificaremos como está a situação brasileira em termos energéticos e o

que é necessário para melhorarmos a situação em que nos encontramos. É importante

diferenciarmos o que é realmente necessário para o desenvolvimento do país e o que é

demasiadamente supérfluo. Analisaremos nesta parte as considerações de José Goldemberg e de

José Roberto Moreira.

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Conforme Goldemberg e Moreira (2005), com o uso de tecnologias modernas e de

fontes de energia, ocorreram mudanças qualitativas na vida humana – aumento de produtividade

e de bem-estar. Para ocorrer essa melhora houve um crescimento no uso dos serviços energéticos

que determinam, em última análise, o nível que atingimos no desenvolvimento econômico. Os

serviços energéticos são obtidos através da tecnologia, da infra-estrutura e suprimento de energia,

mas o que importa para os consumidores é a utilidade, satisfação e o preço pago pelos serviços.

Os autores afirmam que apesar da energia ser necessária para sustentar atividades

econômicas, a relação consumo de energia x atividade econômica – geralmente medida pelo PNB

[Produto Nacional Bruto] – não pode ser entendida como algo absoluto para todos os países.

Goldemberg e Moreira (2005) comparam o PNB do Brasil com outros países, no

qual afirmam que para aumentarmos o mesmo, precisamos ampliar nosso suprimento de energia.

Apesar de estarmos na média mundial, o Brasil é um país grande e a quantidade de energia por

habitante está abaixo dos índices apresentados por outros países. Portanto, é necessário a

implementação de políticas energéticas que, de forma eficiente, incitem o crescimento de energia.

A intenção de um planejamento energético não é somente para a quantidade de

energia disponível, mas sim, verificar sua prioridade para cada região, com acesso para os menos

favorecidos. Pode-se criar empregos com a expansão da atividade energética, desde sua produção

ao seu uso final. A criação de políticas energéticas irá contribuir para a existência de condições de

trabalho mais próprias, para nossa disponibilidade de mão-de-obra, com equipamentos e

tecnologias aqui existentes ou produzidas.

Para o Brasil aumentar a disponibilidade de energia, precisaremos de diversas fontes

energéticas, pois, por razão de segurança de abastecimento é melhor depender de vários recursos

energéticos primários. Uma fonte importante são as hidrelétricas, pois o Brasil é rico em água13,

além da contribuição do carvão – mas o Brasil não possui muitas reservas e as mesmas não tem

boa qualidade.

O Brasil, por muito tempo, tenta depender de insumos energéticos nacionais, mas

vem encontrando barreiras, gastando muito importando petróleo e seus derivados. Entretanto, a

busca por fontes nacionais é necessária, pois com o crescimento do comércio mundial, o Brasil

aumenta sua participação nele. Se o Brasil deixar de importar energia e usar somente a sua, ele

poderá se afastar da otimização energética e pagar um alto valor por isso.

13 Os autores deixam claro que a abundância da água não é condição suficiente para gerar energia hidrelétrica, porém é necessária.

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2.4.1 Situação atual das energias primárias

De acordo com Goldemberg e Moreira (2005), o resultado das inovações

tecnológicas desenvolvidas pela Petrobrás tornaram o crescimento da produção doméstica de gás

natural e de petróleo bem sucedias, este crescimento foi de aproximadamente 10 a 11%

anualmente desde 1980. A partir desta data, a participação do gás natural nas FPE – Fontes

Primárias de Energia – cresce 13%. Para aumentar o desenvolvimento da indústria de gás natural,

são necessários grandes investimentos em infraestrutura para transportar gás importado e

produzido na plataforma continental.

Devido à falta de rede de distribuição, uma pequena fração de LPG14 é produzida e

processada da segunda maior reserva doméstica de gás natural (em Urucu). A construção de dois

gasodutos – ligando Urucu (AM) até Porto Velho (RO) e Manaus (AM) – ainda está em fase de

avaliação pela Petrobrás.

No Brasil, a taxa média anual da geração de eletricidade cresceu 4,2% ao ano entre

1980 e 2002, sempre predominando a energia hidráulica, as demais são a nuclear, o gás e o óleo

diesel, sendo que em nenhuma a porcentagem é maior que 7%. Em 1995, a introdução da

biomassa, energia nuclear e gás natural reduziu a porcentagem da hidroeletricidade de 92% para

83% em 2002, mas a demanda por eletricidade exige mais que o dobro da geração atual de

hidroeletricidade, além da contribuição das outras opções de geração.

O Brasil possui a aplicação das tecnologias de energia de biomassa15 como: etanol

(cana-de-açúcar), carvão vegetal (eucalipto), cogeração de eletricidade do bagaço e o uso da

biomassa de indústrias de papel e celulose (cascas e resíduos de árvores, serragem, licor negro

etc.). Alguns fatores como recursos de biomassa, baixo custo com mão-de-obra, a experiência na

utilização de biomassa, crescimento no processo de industrialização e urbanização, contribuem

para o destaque do Brasil neste setor.

O Brasil tem como aumentar a utilização da energia de biomassa devido a uma

grande disponibilidade de solo para expansão de florestas artificiais e plantações energéticas,

quase sem impactos na produção de alimentos. Temos mais de cem milhões de hectares

disponíveis com o cerrado16, que começaram a ser explorados – somente 10% da região – com

plantações de soja.

14 Liquefied Petroleum Gas (Gás liquefeito de petróleo). 15 Adiante será feito um estudo mais aprofundado sobre esse assunto, verificando sua viabilidade. 16 O cerrado cobre aproximadamente ¼ do território brasileiro, e este é um dos ecossistemas mais ricos da terra.

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Contudo, devemos analisar os impactos gerados pela utilização dessas terras, pois a

alteração colocada pelo autor – ou seja, a utilização de 100 milhões de hectares de cerrado – pode

ocasionar fortes desequilíbrios no ecossistema ligados à região.

Conforme a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica – (2002), 159 usinas

termelétricas de biomassa – localizadas principalmente no estado de São Paulo, que utilizam

bagaço de cana-de-açúcar – existiam no Brasil em 200217, totalizando 8% da energia térmica do

país. Além destas, existem quatro usinas que utilizam resíduos de madeira e três outras que

queimam resíduos de arroz. De acordo com a Aneel (2002), existem vinte novos projetos de

biomassa.

2.4.2 Reservas energéticas

Conforme Goldemberg e Moreira (2005), não considerando as hidrelétricas e as

fontes de energia novas e renováveis – centrais elétricas, eólicas, biomassa, solar –, segue na

figura 1 as fontes de energia no Brasil.

O potencial energético hidrelétrico brasileiro que considera-se aproveitável

comercialmente, representa 236 milhões de tEP (tonelada equivalente de petróleo) por ano, mas

o país produziu em 2003 apenas 201 milhões de tEP de energia primária e deste, somente 41%

foram de origem renovável (14 % com hidroelétrica, 12% com bagaço de cana, 13% com lenha e

resíduos de biomassa e 2% com outras fontes). Do total de sete bilhões em tEP que poderiam ser

produzidos, grande parte possui futuro incerto quanto à sua utilização, pois há barreiras – não só

econômicas – que dificultam o aproveitamento dessas fontes de energia. Acredita-se que com a

utilização de 50% da reserva energética oferecida pelo carvão e pelo urânio, e de 70% da

capacidade da reserva de petróleo e de gás natural, poderíamos atender as atuais exigências

energéticas – 201 milhões de tEP – com a utilização de energias não-renováveis por apenas mais

dezenove anos. Considerando o uso de energias renováveis – para o mesmo consumo do ano de

2003 – juntamente com as reservas não-renováveis, a durabilidade dos mesmos perdurariam por

um pouco mais de 32 anos. Contudo, havendo um aumento no consumo futuro, a durabilidade

dos recursos não-renováveis diminuirá, sendo assim, o valor destes irá aumentar, permitindo que

usemos recursos não utilizados hoje nas reservas futuras.

Figura 1 – Reservas* de energia primária não-renovável em milhões de toneladas de óleo equivalente – Brasil 2003

17 O valor real é maior, pois os dados da Aneel se baseiam nas usinas de energia oficialmente registradas. Há mais de 300 usinas de açúcar em operação.

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* As reservas referem-se àquelas ocorrências identificadas e medidas como econômica e tecnicamente recuperável com tecnologias e preços atuais.

Fonte: Goldemberg e Moreira (2005).

2.4.3 Energia e meio ambiente

Segundo Goldemberg e Moreira (2005), o Brasil utiliza fontes de energia renovável

como a biomassa e a hidroeletricidade, portanto, possui um sistema relativamente “não

prejudicial” à natureza. A questão que os autores colocam é o que podemos fazer para diminuir

os danos excessivos ao meio ambiente, já que os combustíveis fósseis satisfazem as nossas

necessidades de energia intensiva.

(a) Poluentes atmosféricos locais

Os principais poluentes de energia que se encontram no Brasil são os SOx, NOx e

CO. O uso de combustíveis de petróleo com um grande conteúdo de enxofre no setor industrial,

o uso de carvão na manufatura de aço e o combustível diesel em transportes, são os causadores

das emissões de SO2 na atmosfera. A utilização do etanol como combustível, reduziu as emissões

deste composto em 1997. O setor de energia não emite grandes quantidades de SO2 na

atmosfera, devido a maioria ser hidrelétrica ou com contribuições da energia nuclear.

O correto não é avaliar nacionalmente as emissões de SOx, mas sim, avaliar

localmente, pois existem muitos motivos que fazem ela ocorrer como chuva ácida, intoxicação

direta pelo SOx e sulfatos agregados a partículas leves de veículos a diesel.

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As emissões de CO ocorrem devido à queima de lenha de cozinha e lenha usada em

fornalhas. Atualmente o problema diminuiu, mas o CO ainda é um grande poluente.

(b) Poluentes atmosféricos globais

As emissões de Gases Efeito Estufa (GEE), conforme os autores, vem crescendo

desde 1990 e podem aumentar ainda mais devido a substituição do carvão vegetal por coque

metalúrgico e a expansão da geração de eletricidade por gás natural. Entretanto, com a expansão

da biomassa – biocombustíveis – e as outras opções de energia renovável – parques eólicos e

hidrelétricas de pequena escala –, poderemos mudar esse quadro ou até reverter essa tendência.

As emissões de GEE no Brasil são baixas comparadas com países desenvolvidos ou

populosos. Por outro lado, isso não ocorre com as emissões de GEE produzidas por

desmatamento. Enquanto outros países recuperam a vegetação, o Brasil se destaca em

desmatamento. É importante dar ênfase que a maior causadora de emissões de GEE no Brasil

deriva de fontes não-energéticas como: agriculturas e criação animal, mudanças no uso do solo e

de florestas e tratamento de resíduos. Verificamos na tabela seguinte as emissões de cada

combustível:

Tabela IV – Emissões dos combustíveis: As emissões de cada combustível

Álcool Gasolina Efeitos

Monóxido de Carbono 14,38 41,69 Afecção do sistema transportador de oxigênio

Hidrocarbonetos 1,23 3,91 Dor de cabeça, mal-estar, torpor Óxidos de Nitrogênio 1,29 1,14 Irritação das vias respiratórias Aldeídos 0,157 0,029 Câncer, irritação dos olhos e das vias respiratórias Fonte: Comparações das emissões de veículos a álcool e a gasolina em gramas por quilômetros (g/km). Revista IstoÉ, 01/06/83. Informações retiradas da apostila do INMETRO e do IDEC.

(c) Futuro energético brasileiro

Conforme Goldemberg e Moreira (2005), é possível projetar panoramas para a

expansão energética brasileira. Com a grande quantidade de variáveis envolvidas no planejamento

energético, percebe-se a necessidade de políticas energéticas complexas, pois este setor depende

de investimentos privados. O papel do governo é gerenciar a expansão, definindo políticas de

interesse da sociedade que não estão entre as prioridades do setor privado.

A gestão governamental, apesar de existente e exigindo a eficiência no uso da energia

final e priorizando mais empregos, pode obter melhores resultados. A utilização de biomassa,

muito competitiva comercialmente como fonte de combustível líquido, pode dar mais empregos

do que no uso de petróleo.

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Faz-se necessário também a elaboração de políticas na área de planejamento nos

aspectos internacionais, como importação e exportação de energia, e as vantagens de produzir

energia no país ou importá-la. Porém, se reduzíssemos esse investimento, poderíamos ter mais

recursos para outros fins que sejam economicamente mais produtivos e, assim, gerar produtos e

serviços para exportação.

Aplica-se o mesmo argumento ao gás natural, pois o Brasil identificou grandes

reservas deste no sudeste. Para viabilizar a sua utilização, precisamos de grandes investimentos no

setor, e ao mesmo tempo, podemos usar e ampliar o fornecimento de gás da Bolívia. Porém,

incertezas se levantaram devido os recentes problemas políticos naquele país.

O gás é um produto mais seguro que o petróleo devido à comercialização

internacional. Entretanto, seu transporte exige a construção de gasodutos, criando grandes

compromissos com o consumidor e o supridor. Outro fato é que o comércio só pode ser feito

em regiões próximas, limitando o mercado e permitindo conhecimento da situação de um país

pelo outro. Logo, o interesse na importação não se determina pelo risco de suprimento, mas sim,

precisamos considerar aspectos econômicos ligados ao desenvolvimento dos países.

Conforme os autores, também são necessárias políticas que controlem o crescimento,

como exemplo, o gás no Brasil, no qual o uso do mesmo cresceu, mas a geração de energia teve

um crescimento modesto e instável.

Outro tema é o combustível líquido renovável, pois seu uso é crescente e apesar do

interesse ambiental, podemos verificar a possibilidade de produzir combustível local e gerar

empregos para a população rural. E para a produção de energia de biomassa com preços

competitivos, necessita-se de condições mínimas naturais – grandes áreas agriculturáveis, ampla

pluviosidade e temperatura e insolação de países tropicais – e condições econômicas – mão-de-

obra barata – limitando a produção para alguns países, como o Brasil. Neste caso, se explica a

necessidade de políticas dinâmicas de exportação nesta área.

Sachs concorda com Goldemberg e Moreira sobre os combustíveis renováveis e sua

viabilidade. No próximo item, será feito uma análise do que chamamos biocombustíveis,

discorrendo através dos argumentos de Sachs e outros autores.

A energia é muito importante para o desenvolvimento econômico e sustentável do

Brasil e, por esse motivo, precisamos nos preocupar com o uso dessa energia. O Brasil possui

muitos recursos, mas as reservas que podemos utilizar são modestas. Já a contribuição da energia

renovável amplia o tempo de duração das reservas, guiando-se para um desenvolvimento

energético sustentável.

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A dependência das fontes energéticas externas, como no caso do gás, não é um risco

e possui vantagens econômicas. As fontes que são renováveis são soluções e é um privilégio tê-

las e usá-las. Portanto, para se administrar vantagens, riscos, oportunidades, recursos, entre

outros, precisamos de um conjunto de políticas públicas, já que a maior parte da produção de

energia tem no comando a iniciativa privada.

O autor coloca a importância de se estabelecer políticas públicas voltadas ao

estabelecimento da matriz energética brasileira, com o intuito de atender adequadamente as

necessidades geradas pelo país. Porém, o simples desenvolvimento de alternativas energéticas não

soluciona o problema do excesso de demanda gerada pelos padrões elevados de consumo. Logo,

é necessário que haja uma reflexão sobre o consumo e o desperdício de energia, para que

possamos utilizar de maneira mais adequada os recursos disponíveis.

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III – Biocombustíveis x Consumo Sustentável

Este é um assunto relativamente recente e que vem gerando vários debates – muitos

deles controversos –, portanto, no presente trabalho, serão expostas algumas idéias de

determinados autores, no qual serão demonstradas a viabilidade/sustentabilidade na utilização

dos biocombustíveis.

Iniciaremos com Ignacy Sachs (2005), que expõe sobre um seminário internacional

organizado há pouco tempo, sobre as opções de biocombustíveis, elaborado pela OCDE –

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –, juntamente com a fundação

das Nações Unidas e pelo governo brasileiro, chefiado pelo Ministro Rodrigues18, no qual marca a

maioridade dos biocombustíveis, que se explica na união de três fatores: (a) um grande grupo de

geólogos acredita que dentro de 10 a 20 anos irá ocorrer o pico do petróleo, significando que não

compensará a extração das novas reservas. O que preocupa nessa situação é que iremos nos

deparar com o alto preço – proveniente da grande demanda e pouca oferta. O primeiro fator é

que o barril de petróleo está com o valor elevado, tornando assim, o biocombustível competitivo.

Trata também de um fenômeno razoavelmente duradouro; (b) outra razão é a geopolítica. Os

custos que os EUA e seus aliados possuem na manutenção das linhas de abastecimento a partir

do Oriente Médio. Especialistas norte-americanos acham melhor investir em novas alternativas; e

(c) a última razão, e que Sachs considera muito importante, é o problema ambiental.

Esses três fatores fizeram com que o norte-americano Amory Lovins, especialista de

questões energéticas, publicasse o livro Winning the Oil Endgame, que significa fase final, partida

final da liquidificação do petróleo, não porque irá desaparecer, e sim, porque surgiu outro recurso

mais eficiente e mais barato.

O Departamento norte-americano de Agricultura e o de Energia publicaram um

relatório que afirma que será possível, em 25 anos, tornar os EUA independentes da importação

de petróleo, através de um grande programa de produção de biocombustíveis, no qual abrange

um bilhão de toneladas de biomassa secas por ano.

Lovins segue nesse sentido, apoiando-se numa nova geração de veículos ultraleves,

que consumirão menos da metade que os automóveis atuais consomem. A proposta de Lovins é:

50% a menos com carros, 25% a menos com o programa de biomassa e 25% com o uso mais

eficiente do gás e, concomitantemente, produzir hidrogênio com os excessos de gás.

18 Atualmente Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Conselho do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

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Há uma inovação tecnológica de biocombustíveis líquidos, que é a produção do

etanol celulósico, no qual, todos os resíduos vegetais são utilizados na produção do etanol. Nesse

panorama vem o interesse – duplo – pelo Brasil, pois ele tem trinta anos de experiência no

Proalcool. Duplo porque: (a) a experiência brasileira foi muito bem apresentada pelo Dr. Gylvan;

e (b) existe uma grande competição com o etanol e, porque não, pensar em ser um grande

mercado mundial, possivelmente uma commodity?

Sachs faz duas observações, a primeira é que não devemos deixar o petróleo somente

por causa da modificação dos automóveis ou por causa de um novo combustível. Esta questão é

mais ampla, pois devemos pensar na energia que não é poluente, e muitas vezes a mais barata, ou

seja, a energia que deixamos de consumir. Precisamos considerar a conservação da energia e

redefinir a demanda energética através dos estilos de vida [estilos de desenvolvimento], como por

exemplo, a substituição do transporte individua. E a segunda observação é não considerar os

biocombustíveis como uma commodity, e sim, um processo diferente denominado pelo autor

como civilização moderna de biomassa.

O autor afirma que o petróleo foi um interlúdio de vários séculos que está entrando

na fase final, assim como o carvão já o foi. Nessa nova geração de energia captada pela biomassa,

estamos construindo uma nova civilização, com conquistas da Ciência, especialmente da Biologia.

Nos encontramos num conhecimento maior, porque com a biomassa não produzimos só

alimentos, e sim, “forragem para animais, materiais de construção, adubos verdes,

biocombustíveis, matérias primas industriais (fibras, plásticos etc.), fármacos e cosméticos”

(SACHS, 2005, p. 199).

A principal questão é sabermos quanto dispomos de solos cultiváveis. Conforme

Lester Brown, teremos falta de solos cultiváveis para produção de alimentos [malthusianismo], já

a FAO – Organização para a Agricultura e Alimentação – tem uma idéia oposta. Um estudo

recente deste órgão afirma que na América Latina e na África, utilizamos apenas 20% dos solos

disponíveis. Esta questão não deve ser entendida somente através da produção de uma cultura, e

sim, deve ser considerada como um intrincado sistema de produção de alimentos e de energia.

O autor fez uma reflexão19 sobre como se articulam as diferentes produções dentro

dos sistemas integrados. O debate deve ser feito através da revolução duplamente verde –

conforme os franceses – ou como o agrônomo indiano MS Swaminathan chama “Evergreen

Revolution”, que é a segunda geração da revolução verde, que busca uma agricultura com

rendimentos razoáveis, em harmonia com a natureza e orientada para pequenos produtores.

19 Um programa dirigido há quinze anos por Ignacy Sachs na Universidade das Nações Unidas, chamado de “O nexo entre alimentos e energia”.

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A civilização de biomassa traz um debate, se não o maior, o mais complicado, que é

o trabalho decente para todos os pequenos agricultores e suas famílias, pois não podemos colocar

todas essas pessoas na favela, e caso isto ocorra, terá de ser administrada essa tragédia. Contudo,

além do problema social, temos o ambiental e o geopolítico, mencionados anteriormente.

Precisamos deixar de emitir gases de efeito estufa na atmosfera e precaver uma guerra por causa

das incertezas e grandes custos da concorrência pelas fontes de petróleo.

Ao contrário de Sachs, os autores Pinto, Melo e Mendonça20 (2007), consideram que

está sendo feito uma grande propaganda em torno do biocombustível e energia renovável, mas é

necessário considerar os efeitos negativos destas fontes. A especialista em genética e bioquímica

da Universidade de Hong Kong, Mae-Wan-Ho, explica que,

Os biocombustíveis têm sido propagandeados e considerados erroneamente como ‘neutros em carbono’, como se não contribuíssem para o efeito estufa na atmosfera; quando são queimados, o dióxido de carbono que as plantas absorvem quando se desenvolvem nos campos é devolvido à atmosfera. Ignoram-se assim os custos das emissões de CO2 e de energia de fertilizantes e pesticidas utilizados nas colheitas, dos utensílios agrícolas, do processamento e refinação, do transporte e da infra-estrutura para distribuição (p. 1, PINTO, MELO e MENDONÇA).

A pesquisadora explica que os custos extras de energia e emissão de carbono são

maiores quando se transporta de um país para outro o biocombustível. Temos também a

contribuição dos estudos do Gabinete Belga de Assuntos Científicos, no qual mostra que devido

à poluição pulverizada, o biodiesel estimula mais problemas ambientais e de saúde, sendo que

estes poluentes destroem a camada de ozônio. A pesquisadora Mae-Wan-Ho, explica,

Não foi levado em consideração a enorme liberação de carbono do solo orgânico provocada pela cultura intensiva de cana-de-açúcar que substitui florestas e terras de pastagem que, se fossem regeneradas, poupariam mais de sete toneladas de dióxido de carbono por hectare por ano do que o bioetanol poupa (p. 1 PINTO, MELO e MENDONÇA).

Além desse fator, cada litro de etanol consome aproximadamente 4 litros de água, o

que ocasiona um grande risco de escassez de água.

Conforme Sachs é importante conhecermos todos os deslocamentos que podem

ocorrer com o uso dos solos e, se produzirmos o essencial para a fabricação etanol a partir dos

resíduos vegetais, não gastaremos hectares com a produção.

Ao analisar qual país pode abandonar 100% o petróleo e construir uma civilização

moderna de biomassa – não amanhã, mas dentre 20 ou 30 anos –, esse país é o Brasil, pois ele

possui a maior reserva de biodiversidade, podendo assim, produzir sem mexer em uma árvore da

20 Texto de Edivan Pinto, Marluce Melo – membros da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste (CPT NE) – e, Luisa Mendonça – membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, escrito em 22/02/2007.

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floresta amazônica. Todos os elementos como clima e recursos hídricos estão presentes no Brasil.

A auto-suficiência em petróleo não significa que não podemos substituir esse meio pelo etanol

sempre que possível – pois custa menos – e ainda temos a tecnologia do flex motor, que nos

ajuda no avanço do mesmo. Podemos continuar explorando o petróleo e vendendo-o no

mercado mundial.

Na área do biodiesel, as coisas são diferentes, pois o Brasil não tem tanta experiência.

É evidente que o país terá estratégias para os diferentes biomas, pois existem perspectivas

promissoras como o óleo de dendê para o trópico úmido, no qual há uma discussão quanto à

reforma agrária na Amazônia, segundo o qual quinhentas famílias recebem dez hectares para

cultivar o dendê e outros dez para autoconsumo e atividades agro-florestais. A cada área de cinco

mil hectares de dendê, há uma indústria nacional com tecnologias internacionais. A Agropalma se

dispõe a construir uma usina de esmagamento com quatro condições: (a) que ela forneça as

mudas; (b) que ela forneça a assistência técnica; (c) que ela tenha exclusividade de compra; e (d)

que ela pague um preço calculado em percentual do preço mundial do óleo de dendê.

Conforme Sachs, as propostas são razoáveis, e através de um estudo de três

especialistas conhecidos, professor Kageiama, Ademar Romeiro e Dr. Kitamura21, demonstrou-se

que dez hectares de dendê – uma produção contínua –, empregam um homem o ano todo. Os

outros dez hectares equivalem a um ou dois empregos para os familiares. Com quinhentas

famílias se cria uma vila agroindustrial, gerando emprego com transportes, serviços técnicos,

serviços sociais, comércio, sendo assim, uma geração de emprego para as famílias muito

favorável.

No clima semi-árido a escolha é a mamona, na qual o Brasil já possui experiência,

pois há muitos anos a mamona teve uma cultura industrial. A última lei de incentivos é muito

interessante, visto que são diferenciados pela região e pelo tamanho do produtor – são maiores

para produtor familiar do nordeste e quase inexistentes para o grande produtor do sul.

Conforme a Embrapa, no nordeste do Brasil há uma área de três milhões de hectares

capaz de produzir a mamona e na Amazônia, estima-se uma área de 70 milhões de hectares para

o plantio de dendê. Os autores Pinto, Melo e Mendonça (2007), chamam este produto de “diesel

do desmatamento”, pois temos o exemplo da Malásia, maior produtora do óleo de palma, no qual

87% das florestas foram desmatadas.

Não temos somente o problema da destruição ambiental através do uso de terras

agrícolas para a produção de biomassa, mas a infraestrutura para o transporte e armazenamento,

21 O professor Kageiama, do Ministério do Meio Ambiente, é da Esalq – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz –, o professor Ademar Romeiro da Unicamp e o Dr. Kitamura que dirige a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Meio ambiente.

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que necessitam de muita energia, além do aumento do uso de máquinas agrícolas para insumos e

irrigação, garantindo o aumento da produção.

Segundo Sachs, há interesse por parte do ministro Rodrigues de desenvolver um

conjunto de instituições destinadas à questão de agroenergia. O biocombustível é uma grande

oportunidade para repensar o desenvolvimento rural, e não somente a demanda de

biocombustíveis para automóveis. Para o autor, o principal problema é: de que forma poderia

ocorrer esse processo de desenvolvimento rural? Menciona que o rural é muito mais do que

agrário, então como irá se integrar a produção, como serão gerenciadas as florestas, lembrando

que, é mais fácil deixar de usar a cultura perene do que a anual. A questão fundamental é

estabelecer estratégias de desenvolvimento rural que se conciliem com as condições modernas.

Com o desenvolvimento de novas tecnologias haverá uma tendência de descentralização de

muitas atividades não-agrícolas na área rural.

A biotecnologia tornou-se uma ferramenta fundamental no que tange a produção.

Por meio da mesma, poderá ocorrer um aumento significativo na produtividade primária – sem

esquecermos o papel importante desempenhado pelo ambiente tropical –, assim como, no

melhor aproveitamento da biomassa, oferecendo mais opções de utilização para essa matéria

prima.

Temos muitas saídas para terminarmos com a civilização do petróleo, o IEA –

Instituto de Economia Agrícola –, é ideal para verificar como se organizarão esses

conhecimentos. Este debate não deve ser somente do Brasil e sim, internacional. A questão não é

somente substituir o petróleo pelos biocombustíveis, mas uma mudança para uma civilização

realmente sustentável e socialmente includente. Com argumentos de outros autores no próximo

item verificaremos esta questão da sustentabilidade e inclusão social.

Ricardo Abramovay faz dois questionamentos a Ignacy Sachs. A primeira pergunta é

referente ao problema da estrutura do consumo. Sachs afirma que esta é a variável chave. Temos

que harmonizar os objetivos sociais, ambientais e econômicos. O primeiro – social – é

primordial, o desenvolvimento tem que visar a inclusão social, trabalho decente para todos. A

economia só desempenha um papel instrumental. Porém, a parte mais complexa é no que tange à

demanda. Por isso, temos que discutir os estilos de desenvolvimento, de transporte, uso do

tempo – nas grandes cidades, voltar ou não para casa para almoçar?

Quanto à questão da inclusão social colocada por Sachs, os autores Pinto, Melo e

Mendonça (2007), colocam que precisamos nos questionar se o papel do Brasil na substituição

dos combustíveis fósseis, não seria fornecer energia barata aos países ricos, caracterizando uma

nova fase de colonização, pois, as atuais políticas se encaixam com os elementos marcantes da

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colonização brasileira: (a) apropriação de território; (b) bens naturais; e (c) trabalho,

representando maior concentração de terra, água, renda e poder. A “eficiência” da produção

brasileira se dá através de mão-de-obra barata e até escrava.

Este problema se coloca desde a Conferência de Estocolmo, em 1972. A Declaração

de Cocoyoc, de 1974, trata novamente desses problemas. No seminário, foi exposto o grande

problema do “sobre-consumo dos ricos e o sub-consumo dos pobres” (SACHS, 2005, p. 210).

Porém, alguns dias depois, Henry Kissinger afirmou para as Nações Unidas que os EUA

reavaliariam sua posição com relação ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Com isso, a discussão parou por alguns anos.

Através de vários seminários sobre meio ambiente e estilos de desenvolvimento, o

tema foi reestruturado. Mas, os conselheiros ambientais das Nações Unidas para Europa

afirmaram que não estavam dentro da temática ambiental e o assunto se desfez.

Na Rio-92, Ignacy Sachs foi conselheiro do Secretário Geral da Cúpula da Terra, no

qual circularam dois documentos que afirmavam objetivamente que o desenvolvimento

sustentável não é compatível com a economia de mercado pura, e um deles possuía artigos

escritos por economistas e outros publicados pelo Banco Mundial e pela Unesco. Acredita-se que

seja necessário uma forma mista de economia, onde o mercado desempenhe seu papel e que, ao

mesmo tempo, esteja sujeito a determinadas regulações. Segundo John Robinson, esta visão está

fundamentada no fato do mercado ser indiferente às questões sociais, sendo necessário, portanto,

outras ferramentas de controle.

Sachs acredita que temos que reatar com o capitalismo reformado (1945- 1975), e

voltar a ter a idéia do pleno emprego, a importância do Estado protetor e do planejamento.

No Brasil encontramos outro paradigma, o do crescimento rápido e o das

desigualdades sociais. Temos modernização, industrialização, mas as desigualdades sociais

permanecem crescendo. Esse é o mesmo modelo da China e da Índia, porém, este modelo está se

exaurindo, criando a necessidade de inovar a organização da economia.

O professor Luiz Gylvan Meira Filho, nos traz a informação do Dr. David King, que

até 2050 temos que reduzir 60% da emissão de gases de efeito estufa, e isso significa que os

países industrializados terão que reduzir talvez 70 ou 80% desses gases. Quanto ao carvão,

segundo Sachs, existem hoje novas tecnologias que reduzem o impacto da queima do carvão no

meio ambiente. Mas a grande preocupação é a China, que devido ao uso excessivo de carvão,

emite muitos poluentes. É necessário trabalhar com tecnologias alternativas, como energia solar,

que Sachs considera como sendo improdutivas por demandarem muito espaço.

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Contudo, Sachs parece desconsiderar o efeito do progresso tecnológico sobre esse

método de produção de energia, pois, cada vez mais, desenvolvem-se processos que ampliam a

capacidade dos coletores solares de produzir energia, à um custo decrescente. Outra alternativa –

que poderia vir através de políticas públicas de incentivo – seria a instalação de equipamentos

individuais de coleta solar, o que reduziria a necessidade de construção de grandes complexos

energéticos.

Outro grande debate gira em torno da fusão nuclear, pois ainda não se sabe se esta é

uma alternativa real, tendo em vista que ainda não se sabe se a mesma é ou não perigosa ou

prejudicial. Em 1970, Sachs esteve em Bruxelas a pedido de ONGs francesas, para fazer uma

palestra sobre energia, e mencionou a possibilidade de se utilizar energia nuclear em países onde

não há alternativas energéticas, contudo, a idéia não foi bem aceita pelo estabilishment francês,

Bruxelas e as ONGs. O autor, então, produziu um relatório propondo um debate societal.

Sachs afirma que precisamos colocar o futuro energético da sociedade no centro do

debate político. Este é um assunto para cidadãos. Para saber se somos a favor da energia nuclear,

precisamos de uma pedagogia social. Existe a necessidade de um trabalho junto às opiniões

públicas do mundo.

3.1 Será sustentável?

Alguns argumentos sobre a viabilidade/inviabilidade dos biocombustíveis nos foram

apresentados, porém, precisamos verificar outros autores e seus pontos de vista em relação a este

assunto. Abordaremos a partir deste tópico questões que nos levarão à uma reflexão sobre o

papel desempenhado pelos biocombustíveis no processo de desenvolvimento social e redução de

poluentes no meio ambiente.

Conforme artigo retirado na internet22, os principais produtores de álcool no mundo

são o Brasil e os EUA, e respondem por aproximadamente 70% da produção, com cerca de 37

bilhões de litros por ano. Para fins de análise, se reduzíssemos 5% no consumo mundial de

gasolina, criaria-se uma demanda de 65 bilhões de litros de álcool combustível por ano. Hoje, a

oferta não é suficiente para atender toda essa demanda.

Conforme Pinto, Melo e Mendonça23 (2007) a matriz energética atualmente se

compõe de: 35% de petróleo, 23% de carvão e 21% de gás natural. Os países mais ricos – 10

22 http://www.ider.org.br/oktivia.net/1365/nota/36911 23 Texto de Edivan Pinto, Marluce Melo – membros da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste (CPT NE) – e, Luisa Mendonça – membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos escrito em 22/02/2007.

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deles – consomem 80% da energia produzida no mundo. Os EUA – que está nessa relação de

países – é sozinho o responsável por 25% da poluição atmosférica.

O Brasil é atualmente um dos maiores produtores de soja. Tendo em vista esta

característica, a soja é considerada pelo governo brasileiro como principal cultivo para o biodiesel,

porém, os gastos com o processo de produção de energia renovável não são viáveis, pois, a

quantidade de combustíveis fósseis utilizada no processo é quase a mesma da produção final de

biodiesel.

Pesquisadores da Embrapa estimam que a produção de biomassa “poderá ser o mais

importante componente de agronegócio brasileiro” (PINTO, MELO e MENDONÇA, p. 02).

Para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), este tipo de

investimento é prioridade: em 2004, o investimento foi de R$ 580 milhões e em 2006, subiu para

R$ 2,2 bilhões. A pretensão do Brasil é de controlar 50% do mercado externo, pois o país produz

atualmente 17 bilhões de litros de álcool por ano, e para atingir os 50%, a estimativa é chegar a

produzir 110 bilhões de litros por ano.

Devido aos EUA pretenderem reduzir 20% do consumo de petróleo, a parceria feita

entre o Brasil e os EUA pode ser um peso negativo para o Brasil. Todas as empresas de produtos

transgênicos – Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer, BASF – possuem investimentos em

cultivos para produção de biocombustíveis e possuem acordos com transnacionais que dominam

o comércio de cereais, voltando-se a manipulação genética destes produtos – cana-de-açúcar,

milho, soja e outros –, convertendo-os em cultivos não comestíveis, aumentando o risco de

“contaminação” transgênica.

Edna Carmélio – coordenadora de biocombustíveis do Ministério de

Desenvolvimento Agrário –, afirma que “a produção do etanol é concentradora de renda; já a de

biodiesel, mesmo não sendo exclusiva da agricultura familiar, tem forte componente social” (p.

04 PINTO, MELO e MENDONÇA).

A plantação da mamona no Nordeste mostra o risco de dependência de grandes

empresas agrícolas que possuem o controle dos preços, do processamento e da distribuição da

produção, conseguindo, assim, certificados de “combustível social”.

Comunidades camponesas, indígenas, quilombolas e ribeirinhas têm seus territórios

ameaçados pela expansão dos biocombustíveis. Conforme Silvia Ribeiro, a demanda desses

alimentos – cana-de-açúcar, milho e outros – não se dará pelas pessoas, e sim, pelos automóveis,

e acrescenta que a quantidade de grãos utilizados para encher uma camionete com etanol é

suficiente para alimentar uma pessoa por um ano. Analistas empresariais ao falarem sobre esse

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assunto, afirmam que precisamos escolher “o mal menor”, e visando seus lucros, poderemos até

devastar as florestas.

3.2 Exploração de trabalho no campo

Eduardo Sales de Lima (2007), da redação da Agência Brasil de Fato, nos mostra que

o argumento dos empresários e dos países ricos para o aumento da produção de etanol é a

escassez do petróleo e o efeito estufa. Esta proposta não é nada sustentável do ponto de vista dos

canaviais. Conforme o coordenador da CPT – Comissão Pastoral da Terra – de Pernambuco, a

produção de açúcar se associa ao trabalho escravo de índios e negros. A jornada de trabalho dos

cortadores de cana é abusiva, mas são ignoradas pela mídia corporativa.

Conforme dados da COM – Comissão Pastoral do Migrante –, desde 2004,

ocorreram 15 óbitos somente no estado de São Paulo e quase todos por excesso de trabalho, com

sua maioria, migrantes de Minas Gerais e do Nordeste.

Conforme a Agência Brasil de Fato24, o salário de um cortador de cana é de

aproximadamente R$ 300 a R$ 400 – ganhando por produção –, dependendo da região.

Conforme a socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, eles trabalham intensamente de segunda

a sábado, de oito a nove horas diárias. São obrigados a cortar no mínimo 12 toneladas de cana e

no final da safra perdem aproximadamente seis quilos. Num forte calor, com calça comprida,

caneleira, sapatão, luvas, blusa de manga comprida e boné com lenço, eles dão 9.700 golpes para

cada dez toneladas.

Além do esforço físico que pode causar paradas respiratórias e cardiovasculares, a

inalação do gás quando se corta a cana queimada é cancerígena. Por este motivo, o corte manual

é barato, conseqüência da exploração dos trabalhadores.

De acordo com Aparício Quirino Salomão, procurador de Campinas do MPT –

Ministério Público do Trabalho –, o fato dos trabalhadores serem migrantes safristas, ou seja,

temporários, dificulta o processo de luta, pois os mesmos não se vinculam aos sindicatos e

sempre são divididos – alojamento de maranhense só tem maranhense, de paraibano, só tem

paraibano – conforme a vontade dos patrões.

A socióloga Maria aparecida afirma que este caso é similar ao descrito no livro “O

Capital” de Marx. No pensamento marxista, o capital era o grande responsável pela exploração da

mão-de-obra.

24 http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/etanol-combustivel-da-exploracao-do-trabalho-no-campo.

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3.2.1 Fome e escassez de água potável

Conforme Verena Glass (2007) – Jornal do Meio Ambiente –, o etanol para o

mercado internacional é mais uma alternativa aos altos preços do petróleo do que preocupação

ambiental, alimentando as especulações em torno da força do seu crescimento. Segundo Luiz

Cortez, pesquisador da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas –, o Brasil produz

aproximadamente 16 bilhões de litros de etanol por ano, e se o país atingisse a marca de 110

bilhões de litros – conforme proposto ano passado (2006) por Jeb Bush, irmão do presidente

norte americano George W. Bush – nossos canaviais passariam ocupar 75 milhões de hectares,

ultrapassando os 55 milhões da área utilizada hoje no Brasil.

A União Européia ficou de fora da Comissão Interamericana do Etanol, lançada pelo

presidente do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – Luis Alberto Moreno, pois,

para atingir a meta de substituir 10% dos combustíveis fósseis pelo etanol, necessitaria-se utilizar

70% da sua área agricultável. Os EUA, com intenção de trocar 20% da gasolina por etanol até

2017, atingiriam apenas 15% da meta, mesmo utilizando o potencial máximo de sua agricultura

para a produção de milho. Verificar na tabela III as diferenças entre o milho e a cana-de-açúcar.

Tabela III – Diferenças entre a cana-de-açúcar e o milho: Cana-de-açúcar Milho

Custo

O custo estimado para os produtores brasileiros é de R$ 0,90 o litro. A vantagem da cana é que a molécula de açúcar (sacarose), que tem álcool como subproduto, é facilmente quebrada pelas enzimas, pulando uma etapa na fabricação do etanol.

O litro do etanol custa, para os produtores americanos, cerca de R$ 1,10. Essa é a estimativa dos gastos que vão da produção ao transporte do milho. Entre eles, o preço salgado das enzimas alfamilase e glucoamilase, que quebram as moléculas de amido (um polissacarídeo) do milho para obter o álcool.

Rendimento

O nome da planta não quer dizer muita coisa. A cana tem 54% menos açúcar do que o milho. Ou seja, uma tonelada dela faz só 89,5 litros de etanol.

Apesar de ser mais difícil transformar em açúcar as moléculas de amido, o milho produz mais sacarose – e álcool. Uma tonelada rende 407 litros de etanol.

Safras e estocagem

Pode ser colhida o ano todo sem precisar se replantada durante 5 anos. Lado ruim: quando cortada, tem que ser moída em menos de 36 horas.

Precisa ser colhido 4 meses após o plantio, caso contrário ele estraga. Mas pode ficar estocado durante o ano inteiro.

Fermentação

Leva de 7 a 11 horas. Já que as moléculas de açúcar são menos e mais fáceis de serem quebradas, o tempo de fermentação diminui muito.

O processo leva entre 40 e 70 horas. A demora é culpa da molécula gigante de amido que tem que ser quebrada pelas enzimas para produzir o álcool.

Produtividade

Aqui mora a vantagem. Já que a planta ocupa menos espaço plantado, um hectare rende 90 toneladas de cada e produz entre 7 mil e 8 mil litros de etanol.

Um hectare produz entre 15 e 20 toneladas de milho. Isso dá, no final das contas, 3.500 litros de etanol.

Fonte: Revista Super Interessante, Edição 238 – Abril de 2007, Editora Abril, Texto: Nina Weingrill, Título: Quais as diferenças entre o álcool de cana e o de milho?

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O BID afirma que a América Latina possui as condições ideais para a produção de

matéria prima. As vantagens são as gerações de postos de trabalho nas diversas fases da produção

de biocombustível, fortalecendo as economias nacionais. O banco admite que ocorrerão

impactos negativos como “concentração de terra, redução de empregos [no campo] por conta da

mecanização e aumento dos preços nos insumos agrícolas”, mas “o agronegócio terá seu lucro

assegurado” (GLASS apud SACHS, p. 01 e 02), como os grandes monocultivos e distribuidores

de combustível.

A África e a Ásia são grandes apostas para o mercado do etanol. Na África

encontramos a empresa Ethanol África, que possui várias multinacionais e segundo Johan

Hoffman, diretor executivo da empresa, o continente possui um grande potencial para ser grande

com a indústria de biocombustíveis, só necessita de água e fornecimento de energia. O mesmo já

programou a construção de oito usinas na África do Sul.

Conforme dados das Nações Unidas obtidos por Glass, um bilhão de pessoas sofre

de fome crônica e má nutrição, diariamente morrem 24 mil pessoas com problemas relacionados

a isso – no qual 18 mil são crianças. Portanto, precisamos nos questionar se as terras do planeta

serão destinadas a atender 800 milhões de proprietários de automóveis, ou garantir a alimentação

mundial. Será que o hemisfério sul deverá fornecer matéria-prima para manter o padrão de

consumo do norte?

Encontramos um exemplo do impacto do etanol sobre a segurança alimentar no

México, que atualmente era o grande fornecedor de milho para os EUA. O milho é a base da

alimentação de mais da metade do país e o aumento em algumas regiões foi de 100%. Em

proporção semelhante, também houve o aumento da ração animal e sementes para plantio.

O jornalista econômico americano Ronald Cook questiona sobre o aumento do valor

do milho, pois isso poderá acarretar um aumento no preço da carne, do frango, do peixe, dos

ovos, do óleo de milho e outros alimentos que usam este produto como base. E nos mostra

dados dos EUA, segundo o qual, desde 2000, o preço da carne subiu 31%, o ovo 50%, o

adoçante de milho 33% e o cornflakes 10%.

Onde os investimentos de biocombustíveis estão aumentando, ocorrem distúrbios

com as ofertas e preços de alimentos. Conforme Kelly Naforte apud Glass (2007) – membro da

coordenação do MST em Ribeirão Preto SP, maior pólo canavieiro do país – frutas e verduras

quase não são mais produções próprias, pois as produções de eucalipto e cana estão tomando

conta.

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Retomando a afirmativa de Johan Hoffman, sobre a necessidade de água e

fornecimento de energia para a construção de uma África bioenergética, Fred Pearce, consultor

ambiental e editor da revista inglesa New Scientist, nos coloca que, a produção de cana é

extremamente dispendiosa, pois necessita de uma grande quantidade de água – para irrigação, por

exemplo – e os resultados não são muito consideráveis. O consumo é de 600 toneladas de água

para cada tonelada de produto. Atualmente, um bilhão de pessoas não possui acesso à água

potável.

Segundo José Maria Ferraz apud Glass (2007), pesquisador da Embrapa Meio

Ambiente, na produção de um litro de álcool, gasta-se treze litros de água, sobrando doze litros

de vinhoto/vinhaça – resíduo altamente poluente, reutilizado nos canaviais como adubo –, não

sendo vantajoso para o produtor, pois a água está se tornando um bem escasso.

3.2.2 Problema sobre a disposição da vinhaça25

De acordo com Rosana Icassatti Corazza (2007), a vinhaça, um subproduto da

produção do álcool, mesmo quando não era produzido em grande quantidade, sempre preocupou

órgãos de controle ambiental e a comunidade científica. Com a implementação do ProAlcool –

Programa Nacional do Álcool – que tinha objetivo de substituir parte da gasolina por álcool,

houve um impulso à indústria canavieira no país. Crescendo a produção do álcool,

concomitantemente, cresce a produção da vinhaça. A cada litro de álcool, originam-se cerca de 12

litros26 de vinhaça.

Para termos idéia do impacto ambiental causado pela vinhaça, Corazza (2007) faz

uma comparação entre este resíduo e o esgoto doméstico. Um litro de vinhaça equivale

aproximadamente ao esgoto doméstico não tratado por 1,43 pessoas, ou seja, a cada dez litros de

álcool produzido, a poluição gerada é equivalente ao esgoto doméstico não tratado de 172

pessoas. Usando a mesma base de cálculo, estima-se que o impacto ambiental causado pela

vinhaça produzida no Brasil (para safra de 1999) é comparado ao esgoto doméstico não tratado

de cerca de 720 milhões de pessoas, num período de um ano.

No final dos anos 70, foi proibido o lançamento da vinhaça nos mananciais

superficiais e cursos d’água, como ribeirões e rios, pois a concentração orgânica do subproduto

25 A vinhaça é um subproduto do processo de fabricação do etanol a partir da destilação do caldo fermentado da cana-de-açúcar, é composta por água (89 a 94%), matéria orgânica (5%) e minerais, principalmente nitrogênio, fósforo, potássio e magnésio (1,7%). (Cortez et al, 1992 e Szmrecsányi, 1994 apud Corazza, 2007). 26 Corazza (2007) nos explica que, em 1986, Hassuda (1989) aferiu a razão de 12 litros de vinhaça para cada litro de álcool. Essa proporção pode variar de forma significativa. Cortez et al (1998) nos colocam a possibilidade da variação ser de 10 a 15 litros de vinhaça para cada litro de etanol.

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causa a proliferação de microorganismos que consomem o oxigênio dissolvido na água,

ocasionando a destruição da fauna e flora aquáticas e a perda dos mananciais de água potável,

além do mau cheiro, que pode provocar endemias como a malária, a amebíase e a

esquistossomose.

A partir da safra de 1978/79, ficou interditado o despejo da vinhaça nos mananciais

superficiais, sendo sujeito à aplicação de multa para quem violasse a proibição. O estado de São

Paulo conta com legislação contra a contaminação de aqüíferos subterrâneos desde 1988, mas

somente em 1999 foi concebido medidas de proteção para aqüíferos subterrâneos.

Com a grande produção de vinhaça e o aumento do controle sobre sua disposição,

surgem novas tecnologias para solucionar o problema. Percebe-se que com a política ambiental –

legislação ambiental – podemos ter um papel ativo na seleção de possibilidades tecnológicas.

3.2.3 Destinação da vinhaça

Conforme verificado acima, encontramos muitos problemas que envolvem a

destinação da vinhaça. Descriminamos aqui, algumas alternativas tecnológicas que Corazza (2007)

nos apresenta:

a) Aerobiose: o tratamento ocorre por duas fases, a primeira anaeróbica e a segunda aeróbica. Os problemas resultantes dessa opção se associam à necessidade de construção, manutenção e monitoramento dos taques e lagoas de tratamento, pois estes possuem grande dimensão, devido à grande quantidade de resíduos;

b) Reciclagem na fermentação: a vinhaça é reutilizada no processo de fermentação, ocupando o papel da água como diluidor;

c) Fertirrigação: utilizar a vinhaça (in natura) no solo para irrigar e fertilizar a lavoura traz um duplo benefício: a disposição da vinhaça e menos gastos com insumos. Contudo, apesar de sua viabilidade, desconhecemos seus efeitos em longo prazo. Conforme Cortez et al (1992) apud Corazza, essa é uma desvantagem da fertirrigação. Precisa-se de um estudo detalhado sobre os impactos e sustentabilidade ambientais para sua continuidade, mas, infelizmente, não dispomos de estudos que ofereçam um mapa sobre a situação atual desta alternativa. Acredita-se que o uso excessivo da vinhaça possa acarretar o aumento na concentração de potássio no caldo de cana, assim como, há discussões sobre o impacto dessa substância na salinização do solo e na contaminação dos aqüíferos no subsolo;

d) Combustão: a vinhaça é concentrada e queimada na caldeira com o intuito de evaporar a água. Contudo, esse processo ainda não é viável, pois o alto consumo de energia na combustão da vinhaça acaba por reduzir os ganhos advindos da economia de energia na destilaria;

e) Produção de levedura: a vinhaça também pode ser utilizada na levedura, reduzindo a quantidade de vinhaça. Essa alternativa possui um alto custo, pois para se obter um fermento seco necessita-se acrescentar sais como amônia e magnésio, além do consumo de energia para evaporação ser muito elevado;

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f) Uso na construção civil: podemos adicionar a vinhaça na massa de cimento. Existem estudos que tratam da fabricação de materiais de construção a partir da vinhaça, como tijolo, sendo que novos avanços mostram a resistência do material obtido. Apesar da eficiência dos processos de reutilização da vinhaça, não podemos evitar que esta substância seja descartada, além dessa alternativa se restringir somente a locais próximos, para não haver problemas com o custo do transporte;

g) Fabricação de ração animal: se o resíduo for tratado para reduzir o potássio, pode ser utilizado como ração de bovinos, suínos e aves, não interferindo no sabor ou odor do leite e seus derivados, tendo boa aceitação pelos animais e o ganho de peso em relação ao consumo da ração é adequado. Entretanto, deve se limitar a dosagem;

h) Digestão anaeróbica: esta alternativa tem ao seu lado o argumento econômico da produção do metano. Apesar dos problemas técnicos, o processo já vem sendo utilizado na Usina São Martinho (Pradópolis, SP).

Verifica-se que temos várias alternativas para a destinação da vinhaça, porém, grande

parte não é viável ou não possui estudos adequados para que sejam implementadas sem nenhum

risco ou impacto ao meio ambiente.

Analisamos então que, para preservar a vida do planeta, precisamos de uma grande

mudança nos “atuais padrões de consumo, ‘desenvolvimento’ e na própria organização das

sociedades” (PINTO, MELO e MENDONÇA, p. 04). Para se discutir novas fontes de energia é

preciso saber quem oferece a nova matriz, levar em conta quem se beneficiará e para qual

propósito será sua utilidade. O modelo agrícola precisa se basear na agroecologia e diversificação

de produção.

Portanto, precisamos debater urgentemente se o governo e o mercado possuem o

direito de trocar a agricultura que produz alimentos por uma que produz biocombustíveis. Essa

questão deixa de ser política e se torna ética, pois não podemos tirar o direito de satisfazer as

necessidades básicas da população mundial. A atitude mais coerente seria a de alterar o padrão de

consumo dos países ricos, tornando-se necessário, portanto, mudar o hábito de consumo

exacerbado dos países mais ricos e não a necessidade de comer e beber da população mais pobre.

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IV – Considerações Finais

“Na sociedade de consumo, as pessoas compram o que não precisam, com o dinheiro que não têm, para impressionar pessoas que não conhecem”.

Autor desconhecido.

Para uma maior compreensão, inicialmente abordaremos o tema sociedades-

naturezas, cujo objetivo é termos uma melhor visão sobre o relacionamento entre o meio

ambiente e o homem. Portanto, nosso foco é saber como o homem atua sobre a natureza, e

como esta “responde” a tais interferências. Com isso, foi realizado um levantamento sobre o

debate teórico entre a relação sociedades-naturezas e as Ciências Sociais – estudo de alguns

autores –, para chegarmos a nossa finalidade que é o consumo sustentável. Exemplificamos esse

assunto através de dois temas: produtos orgânicos e biocombustível – este último em especial.

Ao falarmos sobre consumo sustentável, conceito que foi divulgado com a Agenda

21, documento produzido em 1992 no Rio de Janeiro, durante a Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, segundo as autoras Lazzarini e Gunn, os padrões

atuais de consumo não são sustentáveis, não são iguais e são assoladores do meio ambiente.

Consumo sustentável implica considerar desejos e necessidades do consumidor,

materiais a serem usados, fontes energéticas e efeitos ao meio ambiente. Ou seja, o consumo

sustentável implica em assunção de domínio ético sobre as condições de produção, meios de

manutenção, alojamento e distribuição, intervenientes sociais (prostituição, trabalho escravo,

etc.), condições de consumo, rede de distribuição de renda decorrente do produto e de serviços

acoplados, etc. Precisamos compreender as necessidades básicas - moradia, alimentação e

vestuário – conforme Sachs, em sentido amplo, como necessidades materiais e psicossociais, que

devem ser atingidas em qualquer lugar do mundo.

Quanto ao Brasil, encontramos um grande problema, que é a existência de muitas

desigualdades. Conforme Lazzarini e Gunn (2002), encontramos no Brasil um grande desperdício

por parte das camadas mais ricas da população, enquanto pessoas de classe baixa consomem

abaixo do biologicamente aceitável e do socialmente justo.

Tentamos deixar claro aqui que precisamos mudar os estilos de vida

[desenvolvimento] e repensar o modelo atual de consumo e produção, tanto no coletivo como no

individual, para que todos tenham qualidade de vida – atingindo no mínimo as necessidades

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básicas e que possam ter oportunidade de desenvolver-se cada vez mais. Os países desenvolvidos

precisam consumir menos e dar oportunidades para que os países em desenvolvimento cresçam.

Por que neste trabalho escolhemos o tema biocombustível? Este é um assunto que

está sendo amplamente discutido, pois as reservas de petróleo estão se esgotando, existem

problemas ambientais graves e preocupantes, como os gases que provocam o efeito estufa. Está

sendo feita uma grande propaganda em torno dos biocombustíveis – por políticos, empresários,

sociólogos, mídia, entre outros –, e conforme a pesquisadora Mae-Wan-Ho:

Os biocombustíveis têm sido propagandeados e considerados erroneamente como ‘neutros em carbono’, como se não contribuíssem para o efeito estufa na atmosfera; quando são queimados, o dióxido de carbono que as plantas absorvem quando se desenvolvem nos campos é devolvido à atmosfera. Ignoram-se assim os custos das emissões de CO2 e de energia de fertilizantes e pesticidas utilizados nas colheitas, dos utensílios agrícolas, do processamento e refinação, do transporte e da infra-estrutura para distribuição” (PINTO, MELO e MENDONÇA, p. 01).

Ignacy Sachs propõe algumas soluções, colocando-se a favor dos biocombustíveis.

Queremos deixar claro, que não somos contra essa nova “solução”, o que pretendemos neste

trabalho é mostrar que os biocombustíveis podem não ser considerados sustentáveis – pelo

menos sob a ótica ambiental. O primeiro ponto é que atualmente nos encontramos numa

sociedade consumista e individualista. Explicaremos com essa característica a elevada demanda

que teremos com os biocombustíveis, como por exemplo, os EUA, que reduzindo somente 20%

– até 2017 – do consumo de combustíveis fósseis, e utilizando a produção de biomassa,

atingiriam somente 15% da sua meta utilizando seu potencial máximo de agricultura na produção

de milho. Quem irá sustentar os 5% que faltarão? O que faremos para suprir os 80% restantes

quando o petróleo acabar?

O segundo ponto é utilização do solo: como podemos utilizar o solo que nos resta,

pois conforme um estudo recente da FAO, a América Latina e a África utilizam apenas 20% dos

solos disponíveis, contudo, devemos verificar se podemos utilizar o restante deste solo sem

alterar o meio ambiente. Outro questionamento referente a este assunto – argumentando a

proposta de Sachs (2005) – é: seria sustentável estabelecer pólos de cultivo próximos as regiões

de floresta amazônica, tendo em vista que esse crescimento poderá trazer conseqüências

ambientais, advindos do crescimento desregulado dos transportes, do comércio, do setor de

serviços técnicos, etc?

O terceiro ponto é o auxílio ao desenvolvimento rural: a produção de

biocombustíveis irá auxiliar no desenvolvimento rural, visto que, há uma tendência do grande

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produtor absorver as terras dos pequenos proprietários e estes serem forçados a migrarem para as

cidades ou a trabalharem em condições deploráveis?

O quarto item é a fome e escassez de água: um exemplo citado é o milho. Este é a

base da alimentação de mais da metade do México e o aumento da exportação em algumas

regiões foi de 100%. Em proporção semelhante, houve o aumento do valor da ração animal e

sementes para plantio. Conforme Ronald Cook, jornalista econômico americano, com o aumento

do valor do milho poderá acarretar uma elevação no preço da carne, do frango, do peixe, dos

ovos, do óleo de milho e outros alimentos que usam este produto como base. Nos mostra dados

dos EUA, segundo o qual, desde 2000, o preço da carne subiu 31%, o ovo 50%, o adoçante de

milho 33% e o cornflakes 10%. Referente a escassez da água, segundo José Maria Ferraz apud

Glass (2007), pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, na produção de um litro de álcool, gasta-

se treze litros de água, sobrando doze litros de vinhoto/vinhaça – resíduo altamente poluente,

reutilizado nos canaviais como adubo –, e com isso encontramos um grande problema, pois a

água está se tornando um bem escasso.

O quinto – e último – ponto é o trabalho escravo: como podemos classificar a

situação de um cortador de cana que trabalha intensamente de segunda a sábado, de oito a nove

horas diárias, sendo obrigado a cortar no mínimo 12 toneladas de cana e no final da safra perdem

aproximadamente seis quilos? Num forte calor, com calça comprida, caneleira, sapatão, luvas,

blusa de manga comprida e boné com lenço, esses trabalhadores golpeiam 9.700 vezes para cada

dez toneladas de cana cortada. Além do esforço físico que pode causar paradas respiratórias e

cardiovasculares, a inalação do gás quando se corta a cana queimada é cancerígena. Por este

motivo, o corte manual é barato, conseqüência da exploração dos trabalhadores. Será que vale

fazer com que uma pessoa trabalhe desta forma para podermos ter um combustível com um

custo reduzido – pois a mão-de-obra é mais barata – e para satisfazer nossos desejos de ir

trabalhar, fazer compras, etc., com seu próprio automóvel?

Precisamos perceber que não podemos ter somente sociólogos, ambientalistas,

políticos, etc., que se preocupem com o meio ambiente, e sim, uma unificação de todas essas

esferas, além da colaboração das partes que lucram com o que prejudica o meio ambiente. Para

exemplificarmos, no caso do biocombustível, necessitamos que os sociólogos, ambientalistas,

demógrafos, e outros campos do conhecimento, verifiquem todos os pontos positivos e

negativos do que está sendo realizado (para o que era, para o que está sendo agora e o que será

no futuro). Não podemos analisar somente o fato do petróleo estar acabando e, como isto,

estabelecermos uma matriz energética que prejudique igualmente o meio ambiente. Necessitamos

encontrar um outro meio que seja renovável e menos poluente, estudando todas as hipóteses e

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quais as suas conseqüências futuras. O mais importante é fazer com que as pessoas e órgãos

envolvidos entendam que a solução não está apenas em trocar o recurso utilizado, e sim, a forma

como o utilizamos, ou seja, diminuir a quantidade de carros nas ruas, promover a utilização dos

meios de transporte coletivos e que sejam menos poluentes, como por exemplo, a utilização de

trens para transporte de carga. Apenas reavaliando nossa forma de interação com o meio

ambiente é que poderemos identificar as possíveis soluções para a problemática ambiental.

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Referências

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