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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros STAHL, M. Ciência em Expansão: o percurso de Louis Couty pelo Império. In: Louis Couty e o império do Brasil: o problema da mão de obra e a constituição do povo no final do século XIX (1871-1891) [online]. São Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2016, pp. 89-161. ISBN 978-85-68576-85-4. https://doi.org/10.7476/9788568576854.0003. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. 3 - Ciência em Expansão o percurso de Louis Couty pelo Império Moisés Stahl

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros STAHL, M. Ciência em Expansão: o percurso de Louis Couty pelo Império. In: Louis Couty e o império do Brasil: o problema da mão de obra e a constituição do povo no final do século XIX (1871-1891) [online]. São Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2016, pp. 89-161. ISBN 978-85-68576-85-4. https://doi.org/10.7476/9788568576854.0003.

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3 - Ciência em Expansão o percurso de Louis Couty pelo Império

Moisés Stahl

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Com verdadeira surpresa e prazer, confesso, vi pela primeira vez os vastos cafeeiros, cultivados esmerada e perfeitamente, cujo grão de importân-cia não é ainda apreciado no estrangeiro [...].186

A natureza bruta, sorrindo, tingia as córneas do cientista de esperança e, as possibilidades de transformar e aumentar ainda mais o que se via, ganhavam formas e fórmulas com as ferramentas que a ciência lhe dava. Louis Couty tinha noção do futuro – posto que dele veio, de um acelerado processo de industrialização e desen-volvimento urbano que se espalhava pelo Velho Mundo – que estava à espera do Brasil.187 Transformar era seu mote e por isso Couty deixava de ser um viajante que

186 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”. In: Jornal do Agricultor: princípios práticos de economia rural, Rio de Ja-neiro, ano 1, tomo 1, p. 161, jul./dez. 1879. (Editor Proprietário: Dias da Silva Junior). Essa menção ao fato de o café não ser apreciado no estrangeiro é resultado do que mais tarde o próprio Couty e o holan-dês Van Delden Laerne revelariam sobre a confusão que se fazia na hora da venda do café brasileiro no mercado europeu.187 Sobre a industrialização e modernidade do Velho Mundo Cf. BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar, op. cit., 2013. HOBSBAWM, Eric. A era do capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2002.

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via e relatava para ser um cientista que identificava problemas e buscava soluções. Homem de ciência, não perdia tempo nem possibilidades de agir para o pro-gresso do país que o acolheu com garantias de grandes possibilidades profissionais.

Um lugar no Brasil se diferenciava, Couty via numa província, “pelas ideias de progresso de que se acham possuídos” seus fazendeiros, algo semelhante ao futuro: “Por toda a parte lavra-se a terra; por toda a parte plan-tam-se novos pés de café, empregando-se cuidados mais completos”. Assim, quem visitasse a província de São Paulo “tão ativa e florescente” viria a “fecundidade sem exagerações prodigiosas” do seu solo e de sua gente.188

A expansão cafeeira do centro-sul demandou ter-ras, mão de obra e capital,189 mas, além disso, demandou a introdução do saber científico com a finalidade de curar

188 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”. In: Jornal do Agricultor: princípios práticos de economia rural, Rio de Janeiro, ano 1, tomo 1, p. 161, jul./dez. 1879. (Editor Proprietário: Dias da Silva Junior).189 A respeito da expansão cafeeira – em sua dimensão política, econô-mica e social – que compreende as regiões da província do Rio de Ja-neiro, zona da Mata mineira, as regiões do vale do Paraíba na sua parte paulista e o oeste paulista e as relações de trabalho que ela demandou conferir entre outros: BEIGUELMAN, Paula. A Formação do Povo no Com-plexo Cafeeiro: aspectos Políticos. 2. ed. São Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1978. COSTA, Emilia Viotti. Da Senzala à Colônia. 2. ed. São Paulo: Ciências Humanas LTDA, 1982. HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Tra-dução de Eglê Malheiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. LANNA, Ana Lúcia Duarte, “O Café e o trabalho ‘Livre’ em Minas Gerais (1870-1920)”. In: Revista Brasileira de História, v. 6, n. 12, mar./ago., 1986. SILVA, Sergio. Expansão cafeeira e as origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega. 1980. STOLCKE, Verena e HALL, Michael M., “Intro-dução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo”. In: Revista Brasileira de História, n. 6, setembro de 1983.

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as moléstias do cafeeiro, fabricar equipamentos que me-lhorassem a qualidade e que até reduzissem a utilização da mão de obra escrava visando o aumento da produção e dos preços. Eram também com esse fim que agiam o Museu Nacional (Laboratório de Fisiologia Experimental) e Escola Politécnica (Biologia Industrial) as duas institui-ções científicas importantes do Império, pelas quais Louis Couty realizava suas missões científicas.

Desde o início do século XIX, a produção do café como item de exportação vinha aumentando. Em 1828, as cifras de exportação colocavam o Brasil como o maior produtor mundial de café. Quase toda a produção vinha da região do Vale do Paraíba, ou “Vale da escravidão” para Couty,190 estendendo uma porção de terra que compreendia as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.191

No Vale do Paraíba fluminense, inicialmente o café ocupou a região ocidental (Rezende, Vassouras, Valença e Barra Mansa), atingindo a partir de 1840 a plaga oriental (Cantagalo, Bom Jardim e Itaperuna). Na província mi-neira, na Zona da Mata (Juiz de Fora, Mar de Espanha e Leopoldina) a expansão cafeeira atingia, em 1850, uma produção significativa e na década seguinte estabelecia a montagem das ferrovias.192 Em São Paulo, a produ-ção cafeeira espraiava-se nas terras do Vale do Paraíba

190 COUTY, Louis. “O Brasil no interior e os clubes da lavoura”. (1 a 5 jun. 1884). In: O Brasil em 1884, op. cit., 1984, p. 245.191 MARQUESE, Rafael Bivar; TOMICH, Dale. “O Vale do Paraíba escra-vista e a formação do mercado mundial do café no século XIX”. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial (1831-1870). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009, p. 341-342.192 GONÇALVES, Paulo Cesar. Migração e mão de obra: retirantes cea-renses na economia cafeeira do Centro-Sul (1877-1901). São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006, p. 39-40.

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paulista (Areias, Bananal e Silveiras) parelha às plantações de cana de açúcar. Ulteriormente corria para as regiões centrais (Campinas, Rio Claro, Jundiaí, Itu, Piracicaba e etc.). Em fins dos Oitocentos, as plantações alcançavam a região da Mogiana (Araraquara, São Carlos, Ribeirão Pre-to e etc.). No último quartel do século XIX, o café produ-zido na província paulista ultrapassaria o café produzido na província fluminense.193

Acompanhando o desenvolvimento agrícola do café, desde seu início, estava a mão de obra escrava que dominou as produções até a década de 1880, momento em que o número de imigrantes nas fazendas passava a ser sensivelmente notado por Louis Couty, que “andan-do pelas fazendas”, podia fazer uma observação geral: “o escravo parou por todos os lugares, ou quase todos os lugares”; deixava de ser “o único trabalhador”. Nota-va Couty que, de Cantagalo a São Paulo, “nas dezessete fazendas” que visitou “se utiliza o trabalhador livre nos diversos trabalhos, e especialmente nos trabalhos mais difíceis do engenho”.194

Em 1880 entraram na província de São Paulo 613 imigrantes. Em 1881 o número de imigrantes mais que triplicou chegando a 2.705. No ano de 1882 o número se manteve quase estável, entrando 2.743 imigrantes. No ano seguinte, em 1883, o número evoluiu para 4.912. Em 1884, chegaram 4.868 imigrantes. A partir de 1887,

193 GONÇALVES, Paulo Cesar. Migração e mão de obra, op. cit., 2006, p. 40-43.194 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café: rapport adressé à M. le directeur de l’Ecole Polytechnnique. Rio de Janeiro: Imprimerie du Messager du Brésil, 1883, p. 116.

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a entrada de imigrantes mais que triplicou. No total a década de 1880 recebeu 183.505 imigrantes.195 A presen-ça do escravo no processo de expansão cafeeira vinha sofrendo alterações. Já se via o trabalhador livre atuando nas diversas funções de uma fazenda. Alguns desses imi-grantes que, pouco a pouco, chegavam às fazendas de café eram “pedreiros, carpinteiros”, responsáveis pelas máquinas e pela poda do cafeeiro, eram “italianos, ale-mães, alugados durante todo ano” segundo Couty “por um preço elevado”.196

Louis Couty percorreu as regiões da produção ca-feeira incumbido de um uma missão: colher e examinar dados a respeito do que se passava nas produções de café e a partir daí propor melhorias com a finalidade de aumentar a vendagem no mercado mundial de café. Além das regiões de café, foi até a região sul e do Rio da Prata analisar a erva mate e a carne seca, sempre com a finalidade de melhorar a atuação desses produtos no mercado mundial.197 Foi com as técnicas proporcionadas pela ciência que ele analisou o solo e as plantas que co-briam este solo e o homem que manejava o solo.

195 Citado em: GONÇALVES, Paulo Cesar. Mercadores de braços, op. cit., 2012, p. 183.196 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café, op. cit., 1883, p. 116.197 O relatório do Ministério da Agricultura frisava as atribuições do responsável pela cadeira de biologia industrial: “Dr. Louis Couty, lente contratado de biologia industrial na Escola Politécnica, [tem] a tarefa de proceder a estudos sobre a fabricação da erva mate nas províncias do Paraná, S. Pedro e Repúblicas do Prata, incumbindo-o ao mesmo tempo de outras indagações úteis à lavoura e aos diversos ramos da indústria pastoril”. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa 3ª sessão da 17ª Legislatura. 1879, p. 163.

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3.1 Ciência para aprimorar a produção

Nada mais lindo que ver um cafezal de 6 a 7 anos, com seus arbustos praticamente iguais, separa-dos por espaços suficientes que fornecem flora-ção regular e a completa maturidade dos frutos.198

Em 1879, Louis Couty apresentou seu primeiro re-latório sobre a cultura do café em São Paulo. Para tanto, percorreu quatro fazendas onde vistoriou o solo indican-do alguns procedimentos que deveriam ser realizados no modo de tratar o cafeeiro. As quatro fazendas visitadas pelo cientista foram: Sete Quedas, Ressaca, Morro Azul e Tapera. Na fazenda Tapera, de “excelente terra massapé”, observou um verdejante cafezal de sete anos que tinha cada pé um do outro uma distância de quinze palmos em média. Contudo, notava que as raízes estavam “inteira-mente entrelaçadas”. Cavando a terra em diversos pontos constatou que as raízes “de 1 a 3 milímetros de grossura formavam uma rede filamentosa”. Com isso, chegava à conclusão de que “o solo das plantações, já invadido ao cabo de 7 ou 8 anos” ficava mais tarde todo preenchido e “sobrecarregado pelo entrelaçamento das raízes”. Esse entrelaçamento das raízes do cafeeiro comprometeria mais tarde a produção, ficando “os pés de café não só privados de terra virgem”, mas também de ar. Ao che-garem aos 12 ou 14 anos, “quando atingem completo desenvolvimento” deveriam dar o máximo de produção, mas isso não acontece posto que “os ramos se ligam, se

198 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café, op. cit., 1883, p. 12.

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enlaçam e formam uma copa única, na qual o ar e a luz penetram dificilmente”, diminuindo a produção.199

Detectado o problema era preciso chegar à sua re-solução, que seria no caso do cafeeiro “o espaçamento maior dos pés de café”. Para tanto, Couty fazia “um apelo ao zelo e iniciativa dos fazendeiros” para que plantassem os pés em uma distância de 16, 18, 20 ou até 24 palmos a fim de comparar “durante alguns anos a produção” e observar os resultados obtidos com o procedimento ado-tado. Acreditava Couty que com maior espaçamento a produção aumentaria e diminuiria incidência de molés-tias que atacavam o café. Além da maior incidência do sol sobre os pés de café proporcionar um crescimento mais saudável, proporcionaria uma melhora na qualida-de dos grãos, que ficariam “mais maduros e perfeitos”.200

O maior espaçamento entre os pés facilitaria a ação do sol que cumpriria sua função, porém para a “plena expansão e, sobretudo abundante frutificação” o cafeei-ro necessitava de incrementos químicos como o uso da potassa, do ácido fosfórico “que as terras, ainda as mais ricas, possuem em quantidade relativamente diminuta”. Couty propunha ao cafeicultor que deixasse entre os pés “uma zona de terra virgem” que serviria como uma es-pécie de reservatório que forneceria “nutrição aos cafeei-ros mais antigos”. Cumprindo as indicações do cientista o cafeicultor notaria que com a medida de aumentar o espaçamento entre os pés, além do aumento da produção

199 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 161.200 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 162.

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e da qualidade dos frutos, ficaria mais fácil o uso dos “instrumentos aratórios” puxado por animais que seriam para Couty “melhor e menos custosa” forma de trabalho se comparada com o “custoso” trabalho do escravo.201

Outro aspecto que Couty detalhou em seu primei-ro relatório se refere ao processo da poda no cultivo do cafeeiro. Quanto a isso, observou que quando o cafeei-ro estava por demais copado, com seus ramos “toman-do desenvolvimento exagerado”, era preciso executar a poda dos ramos. Nesse caso, não cabia apenas um espa-çamento entre os pés, mas um tratamento mais cuidado-so com a prática da poda. Segundo Couty, o emprego da poda era praticado nas fazendas Morro Azul e Ibicaba,202 mas seria como ele indica, posto em prática também na fazenda Sete Quedas. Notou que a prática da poda no manejo do cafeeiro era pouco usual203 nas fazendas de café, suscitando “objeções não justificadas” por parte dos cafeicultores.204 Propondo ser conveniente a experiência da poda, indicava o processo:

201 Idem, p. 161-162.202 Nesse primeiro relatório Louis Couty não visitou a fazenda Ibicaba para empreender seus estudos. Foi no segundo e mais completo re-latório que trouxe mais aspectos da economia cafeeira após vistoriar dezessete fazendas, entre elas Ibicaba.203 A poda do cafeeiro como técnica de melhoria do cultivo era uma práti-ca antiga no Brasil e em outros países. Entre as décadas de 1830 e 1840 o agricultor Carlos Augusto Taunay escreveu um manual agrícola em que realizou algumas observações sobre a poda do cafeeiro. Aconselhava ele que no Brasil “o uso de podar é mais apropriado ao clima, pois que sendo o terreno mais forte e abundante em sucos do que na Arábia, as chuvas muito mais frequentes, e o ar menos seco, tudo tende a aumentar o volu-me da espessura da folhagem à custa da fruta”. TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do agricultor brasileiro. Organização de MARQUESE, Rafael Bivar. São Paulo: Companhia das Letras. 2001, p. 126. 204 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 161-162.

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A operação da poda é fácil; pode ser feita por tra-balhadores pouco destros, não traz inconvenien-te algum para o vegetal sendo praticada pouco a pouco, ano por ano, e dá com certeza resultados excelentes, quer sob o ponto de vista da abundan-cia dos frutos, quer sob o da maior duração do pe-ríodo de produção. Demais, mantendo o desen-volvimento do cafeeiro nos limites convenientes, asseguraria sempre abundante circulação de ar e de luz, facilitando também o emprego dos ins-trumentos aratórios. Assim, de todos os modos favoreceria e tornaria mais completa a nutrição do cafeeiro.205

No caso do emprego da poda como prática agríco-la no manejo do cafeeiro, ela deveria ser uma operação executada a partir da iniciativa do fazendeiro com o au-xílio do saber científico que se especializava no assun-to. Como indicou Couty, nesse processo de introdução do saber científico nas operações agrícolas a “utilidade da operação em si” não poderia “ser posta em dúvida”. Contudo, como notou Couty, houve certa objeção do ca-feicultor em relação ao método da poda. Mas Couty tinha convicção de que “combinando-se o emprego da poda com um plantio melhor dos cafeeiros”, obter-se-iam “não só safras maiores e provavelmente menos desi-guais, mas também o menos rápido enfraquecimento dos arbustos, podendo os cafeeiros conservar o máximo de produção”, não apenas por 5 a 10 anos, “mas por muito mais tempo”.206

A preocupação era proporcionar uma harmonia na produção e na qualidade dos frutos com a finalidade de

205 Idem, p. 162.206 Idem, p. 163.

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melhorar o sabor do produto e seu preço final. Para obter melhor resultado final era preciso, além da intervenção manual no cafeeiro, a montagem de equipamentos que dariam um padrão ao processo. Notava Couty que “os fazendeiros compram instrumentos aratórios, de tipos diferentes, e procuram utilizá-los”, mas que o progresso era “lento demais” e os instrumentos empregados, além de caríssimos, eram “muito imperfeitos e insuficientes”.207 Apesar da má qualidade dos instrumentos empregados, Couty calculava que seu uso “substitui o trabalho de cin-co escravos”. Portanto, poderia “diminuir de 4/5 a mão de obra na operação tão longa da capina”. Couty viu o uso desse instrumento puxado por cavalo nas fazendas Tapera, Ressaca e Morro Azul. Nas fazendas Sete Quedas e Morro Azul, as máquinas de beneficiar eram as mais aperfeiçoa-das que até então tinha ele encontrado, tornando possível preparar “rápida e excelentemente o café”.208

Anos mais tarde (1883) em seu relatório mais completo, comparando o incremento de instrumentos e máquinas nas plantações de café nas províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, notou que em 1879 tinha visto “pequenas charruas de fabricação inglesa” que em sua maioria quebravam facilmente na primeira utilização e que em sua segunda expedição tinha notado uma evo-lução com o uso da carpideira, que fazia as vezes dos arados e das enxadas. Apesar de considerar a incisão da carpideira menor que a do arado, Couty via nesse instru-mento um aliado, não só por que abria a terra um pouco

207 Idem, p. 163.208 Idem, p. 164.

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mais que a enxada – instrumento considerado inferior por Couty –, mas também porque auxiliava na economia do uso da mão de obra.209

Nessa primeira vistoria de 1879, que consideramos de reconhecimento, Louis Couty concluía alertando para a necessidade da transformação da mão de obra. De to-dos os problemas que ele encontrou no Brasil o da mão de obra foi o que mais o inquietou. Era importante enfa-tizar e insistir “sobre essas questões”, dizia ele, “se o faço é porque se ligam intimamente à solução do momentoso problema que ora interessa tão perto o Brasil: o problema da mão de obra”.210

Desse modo, colocava nesse relatório oficial que era preciso “tornar a mão de obra mais fácil, menos so-brecarregada e custosa, sem diminuir a produção”. Era esse, com efeito, “o problema que atualmente se impõe aos fazendeiros”. Para resolvê-lo era preciso substituir o “excessivamente caro” trabalho escravo por instrumentos aratórios, puxados por animais. Nesse primeiro relatório entrou pouco no assunto da imigração como alternativa para a falta de braços. Contudo não deixou de conside-rar a mão de obra escrava cara e rara. Com a iminência do fim da escravidão, pontuava que a falta de braços na lavoura poderia “ser suprida, ao menos em parte, pelos animais e as máquinas agrícolas”.211

209 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café, op. cit., 1883, p. 26-27.210 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 163. [grifo nosso].211 Idem, p. 163. No primeiro artigo de grande repercussão na im-prensa da Corte questionava: “a mão de obra escrava deve ser substi-tuída pelas maquinas agrícolas? Efetivamente será este o meio mais

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O trabalho de Couty serviu para ampliar as possi-bilidades de produção e qualidade dos produtos agrícolas através da introdução de equipamentos e melhoramen-tos que a ciência desenvolvia. Nesse primeiro relatório, a questão central aparece como investigação da possibili-dade de introdução de processos mecânicos como alter-nativa para a melhora do cultivo e para a falta de braços. A questão da imigração que seria tão importante em mo-mentos seguintes aparece pouco nesse primeiro relatório de 1879. O problema “grave e complexo da transforma-ção do trabalho escravo em trabalho livre, em um país em que a mão de obra é já excessivamente cara, e, não obstante, escassa; em um país em que apesar de rarea-rem os braços, se tenta, todos os anos, novas e enormes culturas e trabalhos industriais consideráveis”, seria tra-tado, como ele indica, no próximo relatório.212 Em 1879 o melhor conhecimento a ser empregado se daria através de técnicas e instrumentos aratórios a fim de possibilitar uma alternativa ao alto custo da mão de obra escrava.

3.2 Viagens ao Sul do Império: o mate, a carne seca e a busca de novos mercados

Antes de estabelecer-se no Império em 1879, Louis Couty realizou uma série de estudos sobre a erva mate a pe-dido do governo imperial, já em função de suas obrigações

adequado de tornar o trabalho menos raro e, sobretudo menos caro”. COUTY, Louis. “Os estudos experimentais no Brasil”, op. cit., p. 223.212 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 164.

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como futuro professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e membro correspondente do Museu Nacional. Estas primeiras investigações sobre os efeitos fisiológicos do mate realizou na França, no laboratório do fisiologista Vulpian. Os primeiros resultados seriam apresentados na Academia de Ciências de Paris. Em agosto de 1878, o ge-neral Morin comunicava o imperador Pedro II sobre o an-damento das investigações fisiológicas de Couty e sobre as compras dos equipamentos para a Escola Politécnica que coube a Couty.213

No Brasil deu continuidade aos trabalhos que ini-ciou na França. Em dezembro de 1879 era noticiada sua chegada à Curitiba:

Acha-se nesta capital o Sr. Dr. Louis Couty, pro-fessor substituto de Medicina de Lion, professor de Biologia Industrial da Escola Politécnica e fi-siologia experimental do museu, em comissão do governo nas províncias do Sul.214

A folha destacava a importância dos estudos que Louis Couty estava realizando sobre o “ramo mais impor-tante de nossa indústria provincial”. Sua recepção nessa trajetória enfatizava o papel que o homem de ciência de-sempenhava nesse momento, onde grandes expectativas industriais e agrícolas eram atribuídas aos seus trabalhos. Com efeito, para o jornal de Curitiba os estudos de Couty “será por certo de grande utilidade para o Paraná”, posto que, “pouco conhecido ainda é [o mate] no estrangeiro”.

213 GOMES, Ana Carolina Vimieiro. Uma ciência moderna e imperial, op. cit., 2013, p. 77.214 O Paranaense, 21 dez. 1879.

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Outro jornal paranaense, a Província do Paraná, subli-nhou a missão que Couty realizava, enfatizou os traba-lhos do francês e traduziu a nota científica sobre o mate que tinha sido apresentada na Academia de Ciências de Paris em 1878. Nessa nota científica, Couty concluía des-tacando o caráter alíbil do mate e, sobretudo, seu valor fisiológico para o médico clínico e higienista, que seria de grande importância se, “como se pode esperar, esta substância pouco custosa e muito ativa, tornar-se mais ge-ralmente usada como agente terapêutico e alimentício”.215 Estas primeiras investigações de Couty sobre os efeitos do mate no organismo não tiveram grandes progresso. Con-tudo, não fora de todo mal. Passaram por exames de ou-tros cientistas como os doutores Hoffmann, professor de Berlim, e o professor Kletgensky de Viena, que julgaram a bebida agradável, “restauradora, higiênica e econômica”.216

Nessa missão às regiões sul do país, que se estendeu até a Argentina, Couty estudou a erva mate, a carne seca, a pecuária de um modo geral e conversou com proprietá-rios da região a fim de “facilitar a introdução da mesma erva nos mercados europeus”.217 De acordo com informa-ções que a folha O Apostolo obteve de Couty, o mate que o cientista encontrou era “muito mal preparado, quer nas matas de onde é extraído, quer nos numerosos en-genhos que o fabricam”. Contudo, observou que “alguns melhoramentos” começavam a ser introduzidos “por inteligentes fabricantes”. Após as viagens pelo Paraná,

215 Província do Paraná, 18 dez. 1879. Essa nota científica de Louis Couty foi apresentada por Vulpian na França.216 Ministério da Agricultura. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa 3ª sessão da 17ª Legislatura. 1879, p. 163.217 O Apostolo, 9 jan. 1880.

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Couty rumou à província do Rio Grande e as províncias do Rio da Prata e Argentina para o mesmo realizar com o mate e carne seca daqueles locais.218

Deslocando-se para o Rio Grande do Sul, estudou a pecuária e os processos de preparo da carne seca e fomentou a expectativa quanto ao futuro desse produto no mercado europeu. A imprensa da Corte noticiava que “o Sr. Dr. Couty não hesita em classificar [a carne seca] como alimento incontestavelmente superior às conser-vas de carne até agora em uso na Europa”. Para tanto, mobilizava Couty sua rede científica quando remeteu de Porto Alegre “200 quilogramas de carne seca ao sábio químico francês Achille Morin” que se colocava dispos-to a auxiliar na tentativa de comercializar esse produto na Europa. Ulteriormente Morin enviaria uma remessa do produto ao “Dr. Hamont, intendente militar e médi-co distinto; para fazer experimentar o uso da carne seca por algumas companhias do exercito francês”. Morin te-ria um papel importante nesse movimento de ampliar a inserção dos produtos alimentícios brasileiros no merca-do europeu.219 A extensão dessa missão dirigida por Louis Couty cumpriria partes da função ao ter os resultados das pesquisas publicados nas revistas especializadas da Euro-pa. Era o caso da Rèvue d’Hygiène, dirigida por Vallin, que publicaria as experiências de Couty.220

Depois de seis meses em missão pela região sul Couty retornava a capital do Império. A volta das expedi-ções foi objeto da notícia, bem como as novas instalações do novo laboratório de fisiologia no qual seria diretor.221

218 Idem.219 Jornal do Commercio, 25 jan. 1880.220 Jornal do Commercio, op. cit.221 O Apostolo, 30 maio 1880.

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Para ter um futuro promissor como produto de ex-portação, era preciso divulgar as potencialidades comer-cias do mate em território nacional. Isto é, antes de abrir novos mercados no estrangeiro, era preciso abrir novos centros de produção do mate no Império. Com isso, o Ministério da Agricultura fomentou a divulgação dos es-tudos que Couty fizera no Sul. Era preciso cativar novos produtores. Numa circular do ministro Manoel Buarque de Macedo, ressaltava-se a necessidade de divulgar as po-tencialidades do mate, para tanto dizia ele: “remeto a V. Ex. 50 exemplares do relatório que me apresentou o Dr. Couty sobre os estudos que procedeu por ordem deste ministério, acerca da erva mate e da carne seca”.222 Era destacada a importância de que

esses estudos cheguem ao conhecimento de to-dos os moradores do Império, e principalmente daqueles que se empregarão nos dois ramos da indústria de que se trata; recomendo a V. Ex. que pelos meios a seu alcance procure dar toda pu-blicidade ao relatório, ou pelo menos a excertos dele criteriosamente escolhidos.223

Em outra parte do texto publicado lia-se:

Deste relatório remeto a V. Ex. seis exemplares, que V. fará distribuir pelas redações das gazetas diárias e periódicos de maior crédito e circulação desse estado na esperança de que, tratando-se de

222 “Circular n. 7 – Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 1880 – Ministério dos negócios da agricultura, comércio e obras publicas em 4 de de-zembro de 1880”. In: Publicador Maranhense – Propriedade de Ignnelo José Ferreira – Maranhão, 5 jan. 1881. 223 Idem.

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assunto de tamanha magnitude, elas não deixa-rão de publicá-lo ou integralmente ou em excer-tos, e de contribuir com suas observações para a solução prática da questão a que não é lícito a nenhum governo deixar de atender.224

Havia um esforço de divulgação exercido pela cir-cularidade dos relatórios ministeriais através território. Nas províncias, num âmbito local, estava a imprensa ocu-pando função de divulgação mais direta. Com isso, os es-tudos realizados por Louis Couty tinham amplo alcance.

3.3 Nos Laboratórios, os produtos da nação

Nos Laboratórios de Biologia Industrial e Fisiologia Experimental, Louis Couty realizou com sua equipe várias investigações fisiológicas a fim de constatar o caráter nutritivo dos produtos brasileiros: o café, a erva mate e a carne seca. Tornaram-se estes laboratórios espaços onde se dava as trocas de saberes visando, sempre, beneficiar os produtos nacionais. Cabe ressaltar, a importância da ação de dois funcionários do Laboratório de Fisiologia Experimental nesse processo de investigações mais apro-fundadas sobre as qualidades dos produtos: café, mate e carne seca. Quanto a isso, Manoel de Sallas (o prepara-dor) e Ribeiro Guimarães (assistente), sob a direção de Couty, fizeram algumas pesquisas sobre o mate “delas resultando entre outros fatos o seguinte: que este alimen-to é capaz de manter a vida por longo tempo”. Isto é, o

224 Idem.

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animal utilizado no experimento teria maior tempo de vida ao ingerir apenas o mate numa comparação com outro alimento. Além desses experimentos, dizia Couty que eles “encetaram estudo sobre diversos venenos ou alimentos do Brasil” e que sob sua direção “executaram as numerosas e difíceis experiências do curso que fiz este ano no Museu sobre as funções do cérebro”. Todos os resultados dos trabalhos dos dois eram publicados, como enfatizava Couty, nos periódicos franceses.225

A constituição da rede de atuação de Couty se deu com forte interesse do Imperador e do governo imperial. Pensemos num movimento, do Imperador mobilizando seus conhecimentos e amigos cientistas que atuavam na França, dos amigos de Pedro II, em solo europeu, atuan-do em prol dos anseios do monarca, no caso Morin e Vulpian e destes indicando Louis Couty para ocupar as funções de professor e diretor dos laboratórios em solo brasileiro. Couty vindo ao Brasil, reconhecendo as espe-cificidades do país em sua trajetória, indicando os proble-mas e soluções; arregimentando homens de ciência e de outras diretrizes, ampliando suas conexões que atuaram com Couty nas idas e vindas a fim de ampliar o mer-cado para os produtos nacionais na Europa. Com isso, constituiu-se uma ampla rede de sociabilidades que se posicionou em função dos produtos nacionais e de sua assimilação no mercado europeu. Feito isto, o reconhe-cimento da qualidade seria o reconhecimento do país. O Museu Nacional a partir das reformas realizadas por

225 COUTY, Louis. “Laboratório de Fisiologia Experimental”. In: Minis-tério da Agricultura. Relatório do Ano de 1881 apresentado à Assem-bleia Geral Legislativa Na 1ª Sessão Da 18ª Legislatura.

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Ladislau Netto em meados da década de 1870 já desen-volvia um trabalho intenso de pesquisa e de trocas de informações entre as instituições cientificas congêneres da Europa e Estados Unidos. Nesse sentido, Couty veio somar mais conhecimento pelos contatos que possuía na comunidade científica internacional. Veio ele para o Bra-sil recomendado pelas mais renomadas autoridades do mundo científico. A ligação entre Louis Couty e o general francês Morin granjearia importantes aliados na missão cientifica de consolidar os produtos brasileiros no merca-do mundial. No primeiro relatório (1879) evidenciava seu percurso e entre os objetivos, o de

fazer no laboratório de biologia industrial da es-cola politécnica uma série de experiências a fim de determinar as condições físicas de um bom e completo dessecamento artificial do café, a fim de comparar a rapidez do dessecamento do café verde e do meio seco, do café em cereja e do despolpado, a fim de estabelecer os limites desse dessecamento e estudar as modificações quími-cas que determina no grão do café [...].226

Outra etapa do projeto elaborado por Louis Couty cumpriria função na “vulgarização científica” dos produ-tos por ele e sua equipe estudados. Os trabalhos e artigos seriam publicados nos Comptes Rendues e nas “revistas e jornais mais apreciados da Europa”. Assim, ligava as necessidades do Império às demandas científicas da co-munidade de cientistas estabelecida na Europa tendo ele

226 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 164.

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como elo. Poderia “então apresentar os resultados des-tas experiências” em conexão com os estudos “encetados pelo general Morin, no Conservatoire des Arts et Métiers de Paris; estudos que este ilustrado sábio teve a bondade de me comunicar, incitando-me a continuá-los.227 Couty atuou nessa ampla rede de saberes como um importante nexo na mediação de conhecimentos e transformação do país.

3.4 A Propaganda dos produtos: uma missão para Couty

Em 1881, o Ministério da Agricultura incumbia Louis Couty de dirigir uma missão até a França a fim de divulgar e abrir novos mercados para alguns produtos da produ-ção brasileira: o mate e a carne seca. Para a realização dessa missão de divulgação, Couty contou com a partici-pação de dois professores da Escola Politécnica, Goffredo d’Escragnolle Taunay e Augustos Carlos da Silva Telles.228

Os homens de ciência do século XIX atuavam nas frentes que a ciência e as inovações técnicas lhes possibi-litavam. Empenhavam-se em conhecer para tornar reco-nhecidos os produtos do portfólio da agricultura. Médicos, fisiologistas, biólogos, botânicos, engenheiros, invento-res, construíam o contexto científico do Império atuando nas causas da agricultura. Como observa Hobsbawm, os “homens cultos do período [segunda metade do XIX] não estavam apenas orgulhosos de suas ciências, mas

227 Idem, p. 164.228 Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 18ª Legislatura. 1881, p. 207.

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preparados para subordinar todas as outras formas de atividade intelectual a elas”.229 A causa era nobre e em nome da ciência e do progresso partia-se mesmo sem auxílio financeiro.

Sabendo nós que despesas, aliás relativamente insignificantes e cuja natureza indicaremos, po-deriam ser necessárias, tínhamos pedido auxílio e apoio do Governo; tal auxílio, verbalmente pro-metido, foi depois subordinado a uma aprovação das câmaras necessariamente tardia e afastada. Era, porém, inconveniente deixar passar largo tempo sem prosseguir na Europa os estudos ini-ciados aqui; por isso decidimo-nos a não esperar e, só contando com o apoio moral do Governo, abalançamo-nos a tentar conseguir com recursos próprios o que julgávamos útil a tal respeito. Se, nestas condições, os nossos estudos ficaram in-completos em certos pontos e deixamos de fazer coisas importantes, é justo de reconhecer que a culpa não nos deve ser imputada. 230

3.5 O “café do pobre”, a carne seca e o café

A ida a Europa de Louis Couty, Goffredo Taunay e Augusto Telles tinha o escopo de ampliar o mercado para os produtos brasileiros que Couty havia pesquisado em

229 HOBSBAWM, Eric. A era do capital (1848-1875), op. cit., 2002, p. 349. 230 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca. Relatório apresentado ao Conselheiro José Antonio Saraiva. Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Fazenda e interino do da Agricultura, Comércio e Obras Publicas. Anexo ao relatório do Ministério da Agricultura, 1881, p. 5.

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seu percurso pelo Sul do Império. Levava-se nessa mis-são o conhecimento de dois produtos que teriam boas possibilidades de mercado na Europa, como havia indi-cado Couty. Dos produtos levados, mate e carne seca, sobretudo, o mate foi, segundo os relatores, o “que deu--nos mais trabalho, ocupou-nos mais tempo e, também, a que fizemos progredir mais sensivelmente”.231 O mate aparecia com grandes possibilidades para o Ministério da Agricultura, no futuro “terá de ocupar importante lugar na ordem dos nossos gêneros de exportação”. Não ape-nas para o mercado europeu se orientava os trabalhos de introduzir o mate, pensava-se também no mercado dos Estados Unidos.232

Para a realização da missão, Couty, Taunay e Telles elaboraram um projeto de ação. Era preciso fazer do mate um alimento conhecido, isto é, possibilitar que fos-se apreciado no continente europeu, especialmente na França. Para tanto, os responsáveis pela missão optaram por duas medidas: “começar o seu emprego por ensaios bem dirigidos e estabelecer e patentear o valor do produ-to por indagações e publicações científicas”.233 Mas uma questão surgia: “Como, porém, espalhar esse produto, fazê-lo saborear e, sobretudo, adotar por modo segui-do?”. Para tanto, os responsáveis pela missão elaboraram

231 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca, op. cit., 1881, p. 6.232 Ministério da Agricultura. Relatório apresentado a Assembleia Geral na 2ª Sessão da 18ª Legislatura. 1881, p. 92.233 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca, op. cit., 1881, p. 6.

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um método para a inclusão do mate como alimento na França. A forma de introdução foi pensada e concluiu-se que a melhor maneira de agir se daria no “exército” por onde passava a maior parte da população da França “e que serve de amalgama, de meio comum a todas as clas-ses sociais”. Pensou também nos “hospitais de convales-centes e asilos pelos quais passam também numerosos operários”.234

Estabelecido os lugares mais apropriados para a execução da missão, era preciso, diante do preço pou-co elevado do mate e do seu preparo imperfeito, “evitar uma competição de mercado entre o café e o mate”. Caso essa competição acontecesse, temia-se que “teria o país problemas”, sobretudo, porque o Brasil figurava como produtor dos dois produtos. Desse modo, convencionou introduzir o mate como o “café do pobre” ou das “classes laboriosas”, do operário, do camponês e etc.235 Assim, a produção do Império não sofreria impactos negativos e teria pela frente um amplo mercado.

Para a proposta do uso do mate ser aceita realizou--se investigações científicas com amostras enviadas de Curitiba à França pelo produtor Ildefonso Corrêa, que remeteu aproximadamente 400 quilos de mate. Com as amostras em mãos, designou-se uma comissão militar para o exame do mate e também da carne seca, com-posta por Gervais, coronel de estado maior, Courand far-macêutico de primeira classe do exército francês, Barret, intendente incumbido do serviço dos viveres do exercito

234 Idem.235 Idem.

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de Paris. O general Friant esteve presente para assistir as experiências que se realizaram em maio de 1881.236 Nes-se mesmo momento Couty estava em debate com o abo-licionista francês Victor Schoelcher como já analisamos.

Seguindo os experimentos, o produto resultante do preparo com o mate não agradou o general Friant. Procu-rou se em seguida uma defesa, apelando pela qualidade da remessa enviada. Em carta, Ildefonso Corrêa pediu desculpas por emitir uma remessa de pouca qualidade e se prontificou a mandar algo mais selecionado e assim o fez. Enquanto isso, foram realizados novos ensaios pela comissão, chegando a conclusão “que era impossível ti-rar dos mates recebidos uma bebida aceitável”. As inves-tigações eram realizadas no Colégio de França e demons-traram que das amostras, três ou quatro vezes tinham menos ativos do que os experimentados, em 1877, por Couty e fornecidos pela Legação do Brasil em França.237

A estratégia de divulgação do mate se dava em vá-rias frentes e uma delas foi a de publicar as investigações científicas nas revistas especializadas da França. Louis Couty havia publicado na Revista de Higiene de Paris uma série de artigos, cujos escritos tinha um duplo fim:

Patentear que a alimentação dos povos da Amé-rica do Sul é aparentemente muito diversa da Eu-ropa e, em realidade, lhe é superior não só pelo valor alíbil e a variedade dos produtos como pela

236 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca, op. cit., 1881, p. 7.237 Idem, p. 8. A carta que o produtor de mate Ildefonso enviou aos realizadores da missão encontra-se anexa ao relatório.

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abundância e baixo preço; tornar conhecidas substâncias alimentícias por demais ignoradas: a carne seca, o mate, a mandioca, mesmo o café e o açúcar do Brasil. 238

Quanto ao mate, depois de ter indicado o modo de prepará-lo e os seus usos atuais, Couty insistia nas van-tagens que resultariam da sua adoção, sobretudo, para as classes operarias que, não dispondo de recursos su-ficientes para comprar vinho ou café, eram obrigadas a apenas beber água pura ou bebidas inferiores.239 Ulterior-mente Couty publicou um trabalho na Revista Scientifica que logrou boa repercussão. O êxito dessa publicação deu-se com a reprodução de partes do texto nos jornais de grande circulação de Paris, abrangendo um público geral. Com a popularização do artigo de Couty, o editor da revista notava que “pela simples leitura dessas ob-servações” muitos “homens de valor” tornaram-se “par-tidários declarados de uma substância” que ainda nem conheciam. Como apontado no relatório, o próprio Im-perador recebeu cartas em que eram solicitadas porções do mate brasileiro. Louis Couty também recebeu cartas de “engenheiros, médicos, professores” que escreveram diretamente a ele demonstrando interesse nesse novo produto. Com isso uma parte dos objetivos de divulgar o mate obtivera êxito. Com efeito, alguns negociantes franceses escreveram a Couty e ao fazendeiro Ildefonso

238 Idem, p. 9.239 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca, op. cit., 1881, p. 9.

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Corrêa, para serem “depositários desse produto novo no qual tem confiança”.240

Está, pois, iniciado um verdadeiro movimento de vulgarização. [...] É necessário, porém, estender este movimento, alargá-lo, se não se o quer ver extinguir-se e nós mesmos sabendo que um sim-ples artigo – qualquer que seja, aliás, o valor de sua publicação – não pode bastar [...]. 241

Baseados nos resultados, realizados por Couty, que demonstraram que os cães submetidos ao uso do mate comiam menos carne e pão “sem nada perderem” da “agilidade habitual”, os relatores colocavam ênfase na “demonstração cabal da ação do mate e a prova de seu grande valor alimentício”.242 Além desses meios demons-trados, tentou-se expor o mate em um evento anual res-trito aos produtores franceses, mas que poderia cada casa expositora tratar de divulgar, fora do certame, produtos de outros países. Contudo, ao contatar as autoridades brasi-leiras para a realização de tal iniciativa, informam que “o pouco interesse ligado aos nossos esforços” obrigaram a não prosseguir na proposta. Desse modo, justificavam a falta de maior êxito na missão notando que “a culpa em grande parte recai, porém, sobre a má qualidade do produto que nos fora enviado e a insuficiência, convêm dizê-lo, dos meios de ação de que dispúnhamos”.243

Todavia, ao pouco interesse do governo em incenti-var a exposição do mate no evento francês, bem como o

240 Idem, p. 10.241 Idem, p. 10.242 Idem, p. 11.243 Idem, p. 11-12.

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fracasso da introdução do mate como alimento no exér-cito francês, em certa medida, os resultados teriam sido interessantes, posto que o consumo do mate conquistou aumento significativo na França em decorrência da mis-são chefiada por Louis Couty. Como prova a carta que os relatores da missão receberam do responsável pela orga-nização do evento:

Podemos nos orgulhar de ser os iniciadores, ao me-nos em França, de um movimento persistente, uma agitação em torno do mate a ponto de, como nos escrevia anda há pouco Mr. Thomaz: ‘não se passar agora dia sem que, em Paris, se deixe de vender mate, aumentando gradualmente os pedidos dos departamentos para a compra dessa substância’.244

Apontado os sucessos e as falhas, Couty, Taunay e Telles indicavam como deveria ser o meio pelo qual os produtores de mate deveriam agir para estabelecer essa nova exportação que “deve enriquecer todo o sul do Brasil”. Era preciso que os esforços se dessem em parceria entre o governo e particulares. Aos particula-res caberia arcar com os trabalhos e despesas para a fabricação de um produto agradável à vista e sempre igual em qualidade. Além de buscar na Europa interme-diários e comerciantes para alcançar o consumidor. Ao governo caberia a iniciativa de continuar a propaganda do mate brasileiro, procurando provar o valor nutritivo do produto em novos mercados.245

244 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca, op. cit., p. 12.245 Idem, p. 13.

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No relatório, os autores indicavam a necessidade de criar uma casa de comércio para a venda do mate na Europa. Esta casa deveria ficar sob a gerência dos produ-tores do mate. Com o estabelecimento desta, criaria se marcas específicas a fim de habituar o consumidor a um produto de boa qualidade. Sobretudo, “os esforços diri-gidos por este modo servirão verdadeiramente para tor-nar conhecido e aceito o mate e também para enriquecer mais tarde os produtores em lugar de deixar quase todos os lucros em mãos de intermediários [...]”.246

Em relação à carne seca, os resultados conquista-dos foram menores devido ao fato da carne utilizada nos experimentos ser de procedência duvidosa como asse-veravam os relatores, sendo considerada indigesta pela comissão francesa que avaliou o produto. Couty indicava que o problema se encontrava na criação do gado, que por sua vez era criado solto no pasto, sendo isto um dos fatores da indicada má qualidade do produto. Um dos responsáveis pela reprovação da carne colocava o proble-ma da seguinte maneira: “o gado da América do Sul é de má qualidade e a Europa não aceitará nunca esta carne meio selvagem sem gosto nem aroma, dura e fibrosa”.247 Por isso Couty aconselhava que o gado fosse criado em pastos fechados.

O café nessa missão não seria abordado, como atestam os relatores, mas o que encontram Couty, Taunay e Telles, motivara-os a trazer informações a fim de que se

246 Idem, p. 15.247 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca. 1881, p. 32.

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atentasse para um problema que atrapalhava a venda do café. Ao questionar alguns vendedores de café de Paris se havia café brasileiro, recebiam como resposta que “não vendiam tais marcas por serem inferiores”. Contudo, “era fácil reconhecer, nos seus armários ou sacos, cafés do Brasil com denominações de outras procedências”.248 Anos mais tarde, em viagem pelas regiões produtoras de café do Rio de Janeiro e de São Paulo, o holandês Van Delden Laerne corroborou essa inversão do café, dizendo que o melhor café brasileiro era vendido como se fosse café de Java e o pior café de Java era vendido como se fosse brasileiro.249

Outros problemas em relação ao café foram en-contrados, como o da vendagem do café, que segundo os relatores oferecia ao comissário um lucro muito alto. Enquanto o produtor recebia menos da “metade do valor real de sua colheita”. De acordo com os cálculos elabo-rados, o café “dobra de preço” antes de chegar ao úl-timo vendedor.250 Esses problemas encontrados levaram os relatores a concluir que a crise pela qual passava a produção cafeeira teria origem no custo de produção do café, que no Brasil “é exagerado”. Se o custo era exagera-do, era “devido à natureza da mão de obra, que é cara e má, e ao seu emprego direto em excesso”.251 Desse modo, era proposto que algumas funções na produção do café poderiam ser executadas por máquinas. Com a introdu-ção de máquinas o café deixaria de ter uma produção

248 Idem, p. 18.249 Correio Paulistano, 18 jan. 1884.250 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca. 1881, p. 19.251 Idem, p. 24.

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irregular como é o aspecto decorrente da produção rea-lizada pelo escravo. Somente por meio “de máquinas se pode separar os cafés do Brasil, tão irregulares de forma, de modo a apresentar cada lote grãos sensivelmente do mesmo tamanho” [sic]. Com máquinas teria a produção uniformidade e poder-se-ia, com esses requisitos, criar marcas de café ou de mate e carne seca.252

3.6 A máquina como solução

Com a finalidade de demonstrar que a produção de café aumentaria e seria de melhor qualidade com a intro-dução de processos mecânicos, Couty, Taunay e Telles, se valem de uma descrição do processo industrial europeu que falava por si, ganhando vida.

O que caracteriza, no velho continente, as usinas de transformação agrícola é a completa centra-lização das operações, a sua simplicidade e au-tomatismo. A matéria-prima viaja, passa de uma à outra máquina, é submetida sucessivamente a série de operações de seu preparo – como se, do-tada de vida, procedesse de motu próprio [...].253

Era um modelo a ser seguido, o progresso estava no processo que se assemelhava ao da vida em um ritmo sem fim. É disso que o Brasil precisa, talvez tenha pensa-do um dos três homens ou, quiçá, os três. Posto que, os

252 Idem, p. 27.253 COUTY, Louis; TAUNAY, Luiz Goffredo de Escragnolle; TELLES, Augusto Carlos da Silva. Propaganda na Europa do mate, do café e da carne seca. 1881, p. 27.

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três fomentaram o desenvolvimento de uma máquina de secar café, conhecida como Taunay-Telles. Todos esses elogios ao processo mecânico tinha também o fim de in-troduzir a máquina Taunay-Telles no processo de mecani-zação que vinha ocorrendo no Brasil.

A missão realizada por Couty, Taunay e Telles, vi-sou inserir o mate, a carne seca no mercado de consu-mo europeu, tendo como porta de entrada o mercado francês. Desse modo, a Couty coube mobilizar sua rede francesa de cientistas e de autoridades políticas que o le-vou a mediar novos mercados pela ferramenta científica que lhe era própria. Com efeito, foi ele de ministério em ministério abrir possibilidades de mercado para os pro-dutos brasileiros. Além disso, mediava-se a necessidade de incutir equipamentos mecanizados a fim de melhorar a qualidade do produto final, facilitando a criação de mar-cas específicas visando à melhora do preço e o aumento do lucro do fazendeiro. Com esses esforços, notamos que a mecanização dos processos agrícolas de fins do século XIX no Brasil era mediada por homens de ciência como Couty, Telles, Taunay, visando a melhor atuação dos pro-dutos nacionais no mercado internacional de produtos agrícolas. Exemplo bem acabado dessa mediação foi a construção da Máquina Taunay-Telles.

3.7 A Máquina de Secar Café Taunay-Telles, cultura técnico-científica e mediação cultural

Em seus primeiros passos pela Corte, Louis Couty levava, para uma aula prática, seus alunos da Escola Poli-técnica, para conhecer “o estabelecimento de máquinas

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para a lavoura dos Srs. Moreira Cunha & C”, a fim de demonstrar os processos de um “secador de café deno-minado Secador Pneumático”. Na exposição aos alunos, Couty mostrava-se satisfeito e tecia elogios ao inventor da máquina, o Dr. Ferro Cardozo, dizendo que era “muito bem lembrada a aplicação do princípio da física relati-vo à evaporação rápida dos líquidos, desde que estes se achem em um recinto no qual se possa fazer o vácuo, o dessecamento do café”.254 O cotidiano da cultura técnico--científica do final do século XIX brasileiro, pode ser apre-endido nas sutilezas do percurso de Couty pelas ruas da capital do Império, sobretudo, porque Couty pode ser en-tendido como um mediador do aparato científico entre o mundo industrializado da Europa e a realidade brasileira, da produção cafeeira, que buscava aprimorar a produção pela modernização agrícola.

Imagina-se um cilindro de folha de flandres, mu-nido de pás dispostas interiormente segundo as suas geratrizes. Esse cilindro acha-se envolvido por um outro de parede dupla, qual circulava uma corrente de vapor de água. Entre esse segundo cilindro e o primeiro, havia uma camada de ar, corpo péssimo condutor de calor como sabemos. Metia-se o café no cilindro interior e imprimia-se a este um movimento de rotação regular: assim tinha-se o café aquecido pela irradiação do calor do vapor de água e revolvido pelas pás.255

254 Gazeta de Notícias, 14 out. 1879.255 COUTY, Louis. “Maquina de secar café”. In: O Auxiliador da Indústria Nacional; v. 48; Rio de Janeiro, 1880, p. 203. Louis Couty acompanhou os processos de criação da máquina e no final da obra realizada rece-beu dos inventores o convite para escrever um artigo sobre o invento. O artigo é este que saiu publicado no O Auxiliador, órgão de divulga-ção da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, da qual era sócio.

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Assim descrevia Louis Couty um invento genuina-mente brasileiro do qual tinha orgulho de ter sido “o pri-meiro a insistir com o Dr. Goffredo de Escragnolle Taunay” que empreendesse na criação de uma máquina de secar café: a Máquina de Secar Café Taunay-Telles.256 O uso de máquinas na produção era uma questão importante para Louis Couty. Vindo da Europa industrial, tinha ele noção da transformação que a introdução de máquinas traria para o aumento da produção e da qualidade dos produtos brasileiros. Estava em questão a modernização agrícola do país. Com isso em mente incentivou seus dois amigos engenheiros a elaborar uma máquina de secar café.

No percurso entre a primeira metade e a segunda metade do século XIX, o ocidente experimentou o po-der transformador da ciência aplicada ao trabalho das máquinas.257 Os espaços se encurtavam, o mundo era ao mesmo tempo maior e menor com a expansão das ferrovias que transcorriam mundo a fora. Viajava-se por trilhos e embarcações cruzando terras e mares. Atento a isso o ministro da agricultura Manoel Buarque de Macedo resumia o que precisava o Império pelo que acontecia na Europa e nos Estados Unidos: “Não é só de credito, porém, que a lavoura carece, mas de braços, de instrução profissional, e de vias de comunicação, terrestres e fluviais [...]”.258 Na Europa de Couty, a vida urbana proporcionava

256 COUTY, Louis. “Maquina de secar café”, op. cit., 1880, p. 201.257 RBEIRO, Cláudio M. “A invenção como ofício: as máquinas de pre-paro e benefício do café no século XIX”. In: Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 122, jan./jun. 2006. 258 Ministério da Agricultura. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa 3ª sessão da 17ª Legislatura, 1879, p. 40.

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novas experimentações. No Brasil, ainda que mais len-tamente, as cidades, em relação ao mundo rural, pro-clamavam finalmente sua vida própria e sua primazia. As plantações eram nas fazendas, mas as decisões sobre seu destino eram feitas nas cidades. 259

As máquinas desenvolvidas pelos inventores bra-sileiros trouxeram para a fazenda cafeeira escravista a atualização tecnológica de máquinas agrícolas existentes nos Estados Unidos e Europa e propiciou uma melhoria de qualidade do benefício em grandes quantidades de café. Esse fato tornou possível não apenas a consolidação do país como maior exportador no mercado internacio-nal, mas permitiu alterações na estrutura produtiva das fazendas escravistas.260

A criação da máquina incentivada por Couty se deu pela parceria entre o engenheiro Goffredo Taunay com o também engenheiro Augusto Telles professor na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Realizaram Taunay e Telles

259 Cf. BUARQUE, Sergio. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. 2002. BUARQUE, Sergio. “Introdução”. In: DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980. Como professor da Escola Politécnica, diretor do Labora-tório de Biologia Industrial, diretor do Laboratório de Fisiologia Expe-rimental anexo ao Museu Nacional, Couty tinha a função de averiguar a situação agrícola do país e trazer os resultados e as soluções. Com efeito, seus relatórios oficiais eram divulgados na imprensa e alcan-çavam outras províncias – quando anexado aos relatórios ministeriais – a fim de servir como conhecimento no aprimoramento da produção agrícola. Nesse contexto notamos uma alteração na produção do sa-ber agrícola, isto é, os relatórios científicos irão substituir os manuais agrícolas na medida em que os fazendeiros deixam as fazendas e pas-sam a viver nas cidades.260 RBEIRO, Cláudio M. “A invenção como ofício: as máquinas de pre-paro e benefício do café no século XIX”, op. cit., 2006.

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várias tentativas até chegarem num tipo de máquina que Couty encontrou no Laboratório de Biologia Industrial após chegar de viagem da região sul. Com o primeiro mo-delo da máquina pronto, os engenheiros realizaram mais de trinta experiências quer “com o café em cereja, quer com o despolpado mucilaginoso, quer com o lavado”.261 Nessa ação de Louis Couty com os engenheiros Taunay e Telles notamos sua ação de mediador de conhecimentos tecnológicos e científicos no processo de incremento da agricultura brasileira.

As experiências com a nova máquina eram reali-zadas manualmente, posto que os inventores não dispu-nham de motor para mover a roda do ventilador. Assim, vistoriavam os trabalhos dos serventes para que não alte-rasse a produção do vapor.262 Após as experiências reali-zadas, os resultados obtidos com a máquina agradaram a todos. Contudo, questionava Couty, tendo em mente re-sultados de outros experimentos de secamento artificial, dois pontos que ele considerou capitais:

[...] o café seco por esse modo conservaria as suas qualidades? Não tornaria a ficar úmido e a sua cor igual não começaria a manchar ou a pon-tear? O aroma aumentaria com o tempo ou mo-dificar-se-ia em sentido contrário, desaparecendo ou tornando-se mesmo desagradável? 263

O próprio Couty respondia asseverando a qualidade do produto obtido pela Máquina Taunay-Telles. Todavia,

261 COUTY, Louis. “Maquina de secar café”, op. cit., 1880, p. 202-203.262 Idem, p. 203.263 Idem, p. 203.

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era preciso saber se uma máquina maior, onde a mão do homem fosse substituída, teria o mesmo resultado. Construiu-se outra máquina, um pouco menor do que a que seria usada em escala industrial, mas “cem vezes maior” que a primeira. As experiências foram repetidas em novas séries e os resultados foram “notáveis”. Com isso, puderam notar que os fenômenos estudados na pri-meira máquina se reproduziam sensivelmente do “mes-mo modo na do tipo maior”.264 Já haveria, com isso, gran-de progresso para a produção cafeeira.

Comparando a regularidade do secamento no ter-reiro com o secamento proporcionado pela máquina no-tava-se que “todos os grão passam absolutamente pela mesma série de fenômenos; o que se dá com um, se dá forçosamente com todos”. A homogeneidade do proces-so mecânico era mais interessante quando comparada com o processo manual: “Ora, no terreiro é impossível, por meio do rodo, atingir este resultado”. A ciência e o desenvolvimento técnico de mãos dadas colocavam em segundo plano as atividades manuais. A partir dessas experiências consideradas bem-sucedidas, Couty dava como resolvido “o problema econômico do secamento artificial do café”.265

O desenvolvimento da Máquina Taunay-Telles se deu num processo relativamente longo, nele notamos o trabalho de Couty na mediação de conhecimentos nessa máquina. Taunay e Telles empreenderam várias viagens com a finalidade de acompanhar a produção de outras

264 Idem, p. 203-204.265 COUTY, Louis. “Maquina de secar café”, op. cit., 1880, p. 204.

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máquinas. Nesse percurso, como narra Couty, Taunay e Telles foram a Europa a fim de conhecer outras máquinas e os processos de construção por quais passavam. Entra-ram em contato com inventores conhecidos e foram a Es-cócia ver o processo de construção da afamada máquina Lidgerwood.266

Em um trecho similar a um anúncio de jornal, di-zia Couty os predicados do invento: “a máquina Taunay--Telles economiza grande número de braços, é inferior em custo ao terreiro, torna o fazendeiro independente do sol e das variações do tempo etc.”.267

Pronta a máquina era preciso ser vendida para assim, de fato, se ter plena noção dos resultados. O uso de máquinas seria um salto para a substituição da mão de obra escrava e ciente disso Couty não poupou esforços em indicar as qualidades e as vantagens do invento dos amigos indicando números favoráveis à máquina e desfa-voráveis ao trabalho do negro escravizado. Além disso, o controle do clima era um fator diferencial na produção, na medida em que fazendo chuva ou não o café estaria seco.

Para atrair compradores da máquina Taunay-Telles, Couty trazia alguns números favoráveis de seu uso. Usando como referência a fazenda Santa Luzia, proprie-dade do fazendeiro Dr. Braz Nogueira da Gama, dizia que “apenas com dez anos de existência” a produção desse estabelecimento agrícola era de 10 a 15.000 arrobas, “de-vendo em breve atingir a cifra de 20.000”. E só dispõem a fazenda de “uns 75 escravos”. Com isso, se estava longe

266 COUTY, Louis. “Maquina de secar café (sistema Taunay-Telles)”. In: O Auxiliador da Indústria Nacional, v. 51, p. 38-39, 1883.267 Idem, p. 39.

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das grandes fazendas onde era preciso 500 trabalhadores para produzir 40.000 arrobas de café.268

Por meio desses inventos apontava o cientista fran-cês que a mão de obra tornaria menos cara, mais do que isso, elevaria “o nível do trabalho agrícola no país”. Es-sas máquinas, e toda a engenharia por traz delas, ocupa-vam função importante no modo de produção brasileiro. Couty e seus amigos tinham em mente que, através da ciência e das técnicas advindas do conhecimento cienti-fico, o Brasil alcançaria lugar de destaque, visto que pos-suía grandiosa riqueza disposta a ser utilizada. Nesse ce-nário de máquinas, inventos, laboratórios, experimentos, os produtos da economia imperial seriam transformados e, melhorados, ao sabor do mercado europeu.

Numa fala aparentemente de si e dos seus, de suas ações e dos outros cientistas, mostrava a necessidade de aliar conhecimento técnico-científico à dinâmica da pro-dução agrícola nacional.

[...] Que serviço não prestaria quem apresentas-se uma série de instrumentos aratórios adapta-dos aos diferentes solos do Brasil e capazes de substituir o negro e a sua enxada; que serviço não prestaria quem demonstrasse a todos os fazen-deiros que talvez pudessem, pela poda e sistema de plantio mais perfeito, duplicar a sua colheita, ou, em todo caso, torná-la melhor e aumentar a duração dos cafezais! Assim também quanto ao emprego de máquinas para o secamento e bene-fício do café, quanto à abertura de vias de comu-nicação, e muitas outras coisas mais. 269

268 Idem, p. 35.269 COUTY, Louis. “Maquina de secar café (sistema Taunay-Telles)”, op. cit., 1883, p. 36.

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Crítico do trabalho do escravo no processo do se-camento do café, que, para Couty, sempre estava sujeito a perdas diante da ação atmosférica, indicava as poten-cialidades da máquina de secar café e, ao fazendeiro, aconselhava o uso, podendo agora “pelo emprego de máquinas, não fazer intervir tão diretamente a mão de obra e o escravo”. Com isso, poderia utilizar os escravos dispensados do secamento em outras atividades. A má-quina garantiria o menor uso de mão de obra, de força, na produção do café e Couty supervaloriza as compara-ções, posto que “um único homem poderá secar a co-lheita toda e ainda assim vigiar o bom andamento dos mecanismos já existentes”. Era preciso trabalhar diante das ameaças de crise que a transformação do trabalho poderia produzir no Brasil. Cuidar quanto antes dessa ameaça e “preencher o vazio que se vai dar” era ordem imperativa no momento.270 Essa crise que preenchia o enunciado das questões pontuadas por Couty deveria ser suprimida diversificando as potencialidades econômicas do país através da inserção de novos produtos no merca-do internacional.

O incremento pleno desses produtos só acontece-ria com a transformação do trabalho: “substituição do escravo pela máquina, ou ainda pelo arado e seus mo-tores animados, quando estes instrumentos diversos forem confiados a homens livres, ativos e econômicos, pois disso colherão vantagem, visto serem responsáveis e lutarem para proveito seu”.271 Esses homens de ciência

270 COUTY, Louis. “Maquina de secar café”, op. cit., 1880, p. 205-206.271 Idem, p. 206.

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estavam abrindo as possibilidades que o Brasil tinha a oferecer à mão de obra livre que Couty considerava mais inteligente, ativa, capaz de compor e transformar o te-cido social brasileiro dando-lhe qualidades próprias do elemento europeu. Havia um centro civilizador, a Europa que ofereceria a mão de obra e espalharia a civilização onde não houvesse civilização.

Questionando-se sobre a aceitação ou não desse invento, observou que a prática do uso de máquinas de beneficiamento de café foi, aos seus olhos, uma surpresa. Louis Couty acreditava que encontraria meios primitivos de beneficiamento, sempre com o uso da mão de obra direta, algo que considerava pouco produtivo. Contudo, “por toda a parte encontrei máquinas das melhores e mais custosas”.272

3.8 Apoteose da máquina

Trocaram-se muitos brindes. Citaremos o do Sr. deputado Taunay à família do nosso ilustre anfi-trião, o do engenheiro Taunay à imprensa, res-pondido pelo Dr. Luiz Castro, do Jornal do Com-mercio, o Dr. Telles ao Dr. Louis Couty, o deste senhor aos Srs. Fazendeiros, o do Sr. Maximino Serzedello, desta folha e outros. 273

Só faltou o Imperador, poderia dizer um leitor da Gazeta de Notícias atento aos interesses de D. Pedro II pela ciência. Entretanto, a festa era do comendador Domingos

272 COUTY, Louis. “Maquina de secar café”, op. cit., 1880, p. 204.273 Gazeta de Notícias, 7 set. 1883.

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Theodoro de Azevedo Junior, proprietário da fazenda Santa Genoveva onde aconteceu a festividade de inau-guração da Máquina de Secar Café Taunay-Telles. Foi um “momento esplêndido” exclamou o jornalista da Gazeta de Notícias que acompanhou o evento. Era o progresso: “Estouravam se foguetes, estrugiam a música, os vivas, entre os quais notamos um do dono da casa daquela fa-zenda aos seus escravos” que ao se referir ao trabalho destes “embargou-lhe a voz”. Uma festa plena, até para a escravaria que bem trajada acompanhava a festividade.274 O clima era de liberdade, um prato cheio para o francês Couty ampliar seus argumentos contra Schoelcher.

A impressão que trouxeram os excursionistas da alimentação e saúde dos escravos foi a melhor pos-sível. Estavam bem trajados, muito limpos, alguns calçados e até de relógio ao colete. Nas mesas pos-tas embaixo do pomar, bebia-se até champanhe. Gozassem esses entes o favor da liberdade, cujos hinos enchiam os ecos com os sonhos da Marse-lhesa, e deveras ali habitaria a felicidade. 275

A máquina recebia a devida atenção que poderiam esperar Taunay, Telles e Couty. As expectativas com o pro-gresso reluziam como os foguetes que estouraram na fes-ta. A máquina já era uma realidade e as qualidades dela enfatizadas:

Assinalar as vantagens que proporciona ao lavra-dor o secamento do café por este sistema, se-ria inútil. Basta lembrar que graças à máquina

274 Gazeta de Notícias, 7 set. 1883.275 Idem.

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Taunay-Telles se acha o fazendeiro superior aos ca-prichos do tempo; pode remeter ao mercado os seus produtos, no momento mais conveniente, e, sobretudo economiza grande número de braços em uma época em que são tão escassos. 276

Um grande avanço rumo ao progresso. Uma indepen-dência para o fazendeiro que se libertaria em relação “aos caprichos do tempo”. A produção não pararia mais com o uso de máquinas. A autonomia da produção proporcionava outra relação com o tempo. O café estaria seco desde que bem processado. Proclamava-se a independência e Louis Couty regozijava-se com a apoteose da máquina.

Essa mediação de conhecimento científico que Louis Couty realizou, proporciona compreendermos a di-mensão da transformação acelerada por qual passou a expansão cafeeira em fins do século XIX no Brasil. Hou-ve intensa mudança dos meios de transformar a terra a partir da introdução de máquinas. Era o café demandan-do não apenas braços para a lavoura, mas saberes a fim de melhorar a produção e a qualidade do precioso fruto. A ciência atuava na expansão cafeeira dimensionando as necessidades, mediando a transformação, por qual pas-sou a economia cafeeira do período aqui estudado.

3.9 O problema da moléstia do cafeeiro

Nem só de êxitos se fez a carreira científica de Louis Couty no Brasil. Um tema a que ele dedicou atenção, a

276 Idem. [grifo nosso].

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moléstia do cafeeiro, traria duras críticas da comunidade científica do seu tempo. Sobretudo, de Emílio Goeldi que teceu críticas ao que disse Couty e estabeleceu uma ge-nealogia de uma moléstia que afetava o cafeeiro.

A denominada moléstia do cafeeiro teve seu primei-ro foco registrado nas proximidades de São Fidélis ao nor-te da província do Rio de Janeiro, na fazenda Pureza, na qual a mortalidade dos pés foi tão grande em 1869 que seu proprietário optou pelo abandono da cultura do café.

Do ponto inicial veio o mal se propagando para sudoeste, na zona compreendida entre o rio Paraí-ba (lado norte) e as serras do Colégio e Magdalena (lado sul), no vale dos dois Rios, na freguesia da Ponte Nova, onde em 1873 e 1874 foram bem no-táveis os danos causados à lavoura do café [...].277

Em 1878, o antecessor de Louis Couty na Esco-la Politécnica, o cientista francês Clément Jobert emitiu uma nota científica, Sur une maladie du caféier au Brésil, na qual estudou uma moléstia que assolava a região cafeeira do Rio de Janeiro. Era a moléstia do cafeeiro. O motivo do relatório partiu de um convite feito a ele por um dos principais produtores de café de Cantagalo para que se realizasse estudo de uma doença que se espalhava pelos cafeeiros da região. Segundo Jobert, os pés de café mais atacados eram os de sete a dez anos de idade, espe-cialmente os que se desenvolviam ao longo dos rios, nas

277 GOELDI, Emílio. Relatório sobre a moléstia do cafeeiro na província do Rio de Janeiro. Reeditado por Romero Marinho de Moura. Recife: UFRPE; Fadurpe, 1998, p. 15. (A primeira edição é de 1887)

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áreas sombreadas e húmidas.278 Resumia que a moléstia do cafeeiro se encontrava na ação de anguillulas, um tipo de verme.

Em 1879, Louis Couty indicava as necessidades de estudar as moléstias do cafeeiro, “das quais algumas podem ser estudadas experimentalmente por meio do microscópio”.279 Em 1883, Louis Couty emitiu um relató-rio no qual entrou novamente na questão da doença do cafeeiro, mas sem muito aprofundar análises.

Em 1881, após visitar a região acometida pela mo-léstia do cafeeiro, o ministro da agricultura Buarque de Macedo nomeou Guilherme de Schüch, o barão de Capa-nema, para estudar “o mal que devasta os cafeeiros” da região de São Fidelis e Cantagalo e “indicar qual o remé-dio e providências precisas para o debelar”.280 O Barão de Capanema, engenheiro, geólogo foi um apaixonado pela botânica281 e figura importante da elite imperial que circu-lou por espaços institucionais científicos e técnicos, tendo atuado de forma ativa na implementação de uma cultu-ra técnico-científica no Brasil.282 Depois de certo período estudando o mal do café o barão de Capanema emitia suas observações que foram divulgadas pelo Jornal do

278 JOBERT, Clement. Sur une maladie du caféier au Brésil. Compte Rendu.1878, p. 3.279 COUTY, Louis. “A Cultura do Cafeeiro na Província de São Paulo”, op. cit., 1879, p. 164.280 Jornal do Agricultor, ano 3, tomo 5, 1881. O título do artigo que tra-tou da nomeação de Capanema era “O novo mal do cafeeiro”. 281 SÁ, Magali Romero. “O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodri-gues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX”. In: Histó-ria, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 8 (suplemento), p. 899-924, 2001.282 FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. “Ciência e tecnologia no Brasil Imperial: Guilherme Schüch, Barão de Capanema (1824-1908)”. In: Varia História, Belo Horizonte (MG), v. 21, n. 34, p. 437-455, 2005.

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Agricultor. Concluía o botânico que as causas estavam li-gadas ao solo e às condições meteorológicas. Descartava as conclusões de Clément Jobert ao asseverar que “as an-guillulas achadas pelo Sr. Jobert, no laboratório de Paris provieram [...] da decomposição dos arbustos que para ali foram encaixotados em estado de umidade”.283

Em 1886, a preocupação com o grassar da molés-tia do cafeeiro continuava a mobilizar o Estado, a ciência, os proprietários e a imprensa repercutia as ações a fim de que fosse encontrada a solução do mal que afetava o principal produto brasileiro.284 Para tanto, o cientista suí-ço Emílio Goeldi foi incumbido285 de percorrer as regiões cafeeiras afetadas por este mal e trazer uma solução que desse cabo a tal problema. Em consequência das análises foi publicado um relatório em que Goeldi aprofunda as investigações científicas sobre a moléstia, bem como nos tipos de solos mais favoráveis a ação dela. Goeldi veio para o Museu Nacional recomendado por Ernst Haeckel, de quem foi assistente em 1882. Contratado em 1885 para o cargo de subdiretor da seção de Zoologia, perma-neceu no Museu Nacional até 1890. Em 1894 torna-se diretor do Museu Paraense que levaria seu nome.286

283 Jornal do Agricultor, ano 5, tomo 9, n. 217, 1883.284 O ministério da agricultura aprovou as instruções expedidas pelo diretor do Museu Nacional ao Dr. Emílio Goeldi, subdiretor do mes-mo estabelecimento, incumbido por aquele ministério de proceder às mais minuciosas indagações, pelas quais se possa descobrir e debelar a origem do mal que devasta os cafeeiros em extensa região da pro-víncia do Rio de Janeiro, sobretudo nos municípios de Santa Maria Magdalena, São Fidelis de Cantagalo. Gazeta de Notícias, 23 jul. 1886.285 Para a realização dessa missão Goeldi recebeu a “gratificação men-sal de 200$, durante a comissão, e abonada a ajuda de custo corres-pondente à gratificação de um mês”. Gazeta de Notícias, 23 jul. 1886.286 GUALTIERI, Regina Cândido Ellero. Evolucionismo no Brasil, op. cit., 2008, p. 61-62.

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Em menos de dez anos, de 1878 a 1887, o governo imperial e os próprios fazendeiros solicitaram alguns es-tudos sobre tal moléstia. Para a missão que realizou com a finalidade de determinar a causa da moléstia do cafeei-ro, Emílio Goeldi se valeu de “um laboratório ambulante” na região afetada pela moléstia. Procurou se familiari-zar com a sintomatologia da moléstia deixando guiar-se pelas informações de lavradores locais e pelo que via. Fez pesquisas anatômicas e fisiológicas, tanto na planta doente como na planta saudável a fim de comparar me-lhor a evolução da moléstia, sempre guiado pelo que cha-mava de “ciência moderna”. A ciência moderna exigia, segundo Goeldi, trabalho superior e ao realizar seus es-tudos sobre a anatomia do café, observava que o estudo do cafeeiro exigia mais trabalho se fosse feito “de acordo com as regras da ciência moderna”. A ciência moderna de Goeldi estava atrelada ao uso de um instrumento, o microscópio. Dizia ele que esta ciência só poderia ser feita “consultando a todo o momento e sobre qualquer questão o meu microscópio”.287

Deslocando-se em direção ao foco da moléstia, Goeldi estabeleceu um método analítico de estudo vi-sando “verificar se realmente a moléstia do cafeeiro era idêntica em toda a parte, ou se existia mais de uma”, para com isso determinar “do modo mais exato possível, os limites atuais” de ação da doença. Concluiu que a área afetada pela moléstia compreendia 3000 quilômetros

287 GOELDI, Emílio. “Copia do primeiro ofício do comissionado, dirigi-do ao Ministro da Agricultura”. In: Relatório sobre a moléstia do cafeeiro na província do Rio de Janeiro. Reeditado por Romero Marinho de Mou-ra. Recife: UFRPE; Fadurpe, 1998, p. 107-108.

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quadrados ou 300.000 hectares. A delimitação desse es-paço enquadrava “uma parte do vale do baixo rio Paraíba e seus afluentes”.288

Com seu microscópio, que “aumentava setecen-tas vezes o diâmetro do objeto a ele submetido”,289 em mãos, exercendo sua ciência moderna, Goeldi caracteri-zava que moléstia se manifestava exteriormente, fican-do “aos olhos do lavrador” que poderia identificar “um desbotamento de todas as partes exteriores (amarelidão das folhas, cor trigueira das vergônteas), dessecamento e definhamento final do pé inteiro”. A partir de conver-sas com um “lavrador inteligente”, notou que a ação da moléstia acometia o cafeeiro de duas formas. Uma for-ma crônica onde o pé não morre senão meses depois do aparecimento dos primeiros sintomas exteriores, outra forma mais aguda ou fulminante, onde o pé morre de re-pente em 8 a 15 dias, “sem antes ter apresentado distin-tamente os sintomas”. 290 Contudo, apesar de considerar inteligente um lavrador, em sua maioria, os fazendeiros, “não sabem dar informação alguma sobre o período em que a moléstia invade certo indivíduo”. De modo geral, asseverou Goeldi que os lavradores “só conhecem a mo-léstia em seu estado final, e só percebem – por experiên-cia própria – quando o pé manifesta todos os sintomas de morte próxima”. Momento este que não há mais nada

288 GOELDI, Emílio. Relatório sobre a moléstia do cafeeiro na província do Rio de Janeiro. Reeditado por Romero Marinho de Moura. Recife: UFRPE; Fadurpe, 1998, p. 18-19.289 Jornal do Agricultor, ano 8, tomo 16, n. 397; 5 fev. 1887, p. 90.290 GOELDI, Emílio. Relatório sobre a moléstia do cafeeiro na província do Rio de Janeiro, op. cit., 1998, p. 25. [grifo no original]

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para ser feito, momento que os fazendeiros chamam de doente o pé de café “que não é mais doente”, que “é um agonizante, que nenhum poder é capaz de arrancar ao seu fatal destino”.291

O caminho para a descoberta da doença do cafe-eiro foi difícil, nesse percurso Goeldi oferta bons crédi-tos ao trabalho de Jobert. O cientista suíço caracterizou a doença do cafeeiro como sendo “essencialmente uma moléstia das raízes”. Desse modo, Goeldi chegava à con-clusão que a origem da causa da moléstia se encontrava em um verme causador das nodosidades na raiz da plan-ta afetada, sendo que este verme se estabelecia desde a mais tenra idade na planta. Classificou esse verme e deu--lhe o nome de meloidogyne exígua.292

Na missão designada, Goeldi procurou diferenciar a moléstia do café que ele apresenta no relatório de outras que pudessem gerar confusão, mostrando que a moléstia do “bicho do café” não é a mesma que ele trata no rela-tório.293 Havia muita confusão quanto à origem da cau-sa da moléstia que Goeldi identificou em 1887. Quanto a isso, menciona um diálogo interessante com o Barão de Capanema. Nesse diálogo, Capanema acreditava que a origem da moléstia se encontrava na seca. Contudo, Goeldi observou, a partir de suas análises, que não pode-ria ser a seca a causa imediata da moléstia do cafeeiro, mas sim o nematóide encontrado na raiz do cafeeiro. Se Goeldi não tivesse chegado às conclusões que indicasse que a origem da moléstia se encontrava nas raízes do

291 Idem, p. 50.292 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 28, 39, 51, 68.293 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 77.

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cafeeiro, como ele mesmo diz, “teria optado pela opi-nião” do Barão de Capanema. Dizia Goeldi a respeito das observações do Barão de Capanema,

[...] Não nego a existência de um nexo causal, li-gando a seca ao parasita do reino animal. Mas este nexo causal seria justamente o inverso do que S. Ex. [Barão de Capanema] pensa. [...] Para precisar a minha própria opinião relativamente à de S. Ex., direi que a seca e a chuva desempenha certo papel na moléstia do cafeeiro – sob a forma de fatores subordinados, de condições exteriores de existência do nematoide do cafeeiro, que é a causa primaria da moléstia em questão.294

É interessante sublinhar que as relações entre os cientistas brasileiros e estrangeiros nas décadas de 1870 e 1880 foram marcadas por intensos e acalorados debates. Nesse cenário, o reconhecimento mencionado que Goeldi faz a Capanema é um reconhecimento da obra de um não reconhecido. O conhecimento que Capanema tinha da botânica não favoreceu seu reconhecimento pela co-munidade científica nacional, especialmente por parte do diretor geral do Museu Nacional, o Dr. Ladislau Netto, seu grande desafeto. Em desabafo dizia Capanema que ao tentar dar impulso ao estudo da botânica na própria terra, esbarrava num “terrível veto, capaz de extinguir a mais robusta ciência e o mais fogoso entusiasmo; magna auctoritate me foi declarado que eu era engenheiro e não botânico!”.295 Ainda que jovem, Goeldi possuía notório

294 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 83.295 SÁ, Magali Romero. “O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX”. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 8 (suplemento), p. 899-924, 2001.

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conhecimento da ciência e estava vinculado ao Museu Nacional naquele momento como um dos subdiretores.

A origem da moléstia do cafeeiro e sua possível so-lução acompanhou a expansão cafeeira do centro-sul por cerca de vinte anos até em 1887 quando Emílio Goeldi define a origem da moléstia. Nesse percurso de decifra-ção da moléstia Couty teceu algumas observações, mas que não tiveram o mesmo resultado científico de Jobert e Goeldi. Quanto a isso, dizia Goeldi que Jobert foi “o único observador que realmente reconheceu” antes dele “as re-lações de um verme nematoide para com a moléstia do cafeeiro”, mas que Jobert não deu “informação alguma sobre a zoologia do animal” em seu estudo da moléstia. Estudo este que para Goeldi carecia de mais informações, posto que nem fora “acompanhado de ilustrações quais-quer, sobre o assunto [...]”.296

Já em relação às observações de Couty sobre a mo-léstia, dizia Goeldi que em

seu extenso trabalho sobre as condições da cul-tura do café no Brasil, o Dr. L. Couty toca de pas-sagem na questão da moléstia do cafeeiro (1883, p. 23). O modo por que ele o faz revela-nos logo que o falecido autor apenas conhecia a dita mo-léstia por vagas descrições e não por inspeção própria na localidade afetada. A sua opinião pode ser resumida do modo seguinte: ‘Na província do Rio de Janeiro a camada de terra arável está geralmente reduzida a 50 centímetros ou menos ainda; abaixo se encontra, como base, argilas de natureza muito compacta e rochas muito pouco decompostas. Nestas condições a raiz mestra

296 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 59.

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dificilmente encontrará passagem; as raízes são, pois, forçadas a um desenvolvimento horizontal, quase à flor da terra, ficando assim expostas ao ardente sol tropical, ao dessecamento. 297

E cita outro trecho de Couty.

Citarei textualmente o trecho seguinte (1883, p. 24): ‘Esta suspensão (forçada, de todo o arbus-to), sendo frequentemente devido a uma causa geral, o estado do solo, poderá produzir-se ao mesmo tempo em uma região inteira, em uma plantação inteira; ela simula então uma verdadei-ra moléstia, e o mal estado das raízes, facilitando várias produções parasitárias, esta doença pode-rá ser encarada como uma epidemia vegetal por aqueles que confundem os efeitos e as causas e que esquecem a bem conhecida resistência do cafeeiro a insetos nocivos a muitas outras plantas vizinhas e muitas vezes contíguas’.298

Após expor essa opinião que Goeldi transcreveu para seu contra-argumento, Couty, em seu relatório, di-zia que “a opinião geral entre os fazendeiros de Canta-galo atribui a um vício no desenvolvimento [das plantas] devido à seca ou a outras causas complexas” as mortes súbitas que acometem os pés de café. Em seguida con-cluía suas observações sobre a moléstia dizendo que esta opinião era compartilhada “por um homem competente” o Barão de Capanema.299 Em relação às conclusões de

297 Idem, p. 83.298 Idem, p. 83-84.299 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café, op. cit., 1883, p. 24. Nesse cenário de definição da moléstia, o barão de Capanema aparece como uma figura interessante ofertando seus conhecimentos

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Couty, o cientista suíço dizia que “não podemos atribuir grande valor a este ensaio de explicação, feito de levan-te”, posto que Couty teria confundido fenômenos secun-dários com um fenômeno primário.300

Louis Couty atribuiu às condições do solo a possi-bilidade de simular uma moléstia que, auxiliada ao mal estado das raízes pelo dessecamento, facilitaria “várias produções parasitárias”. Couty entendeu que a moléstia teria como causa as condições do solo, que ao expor com mais facilidade as raízes abriria condições para a ação dos parasitas e, que, diante disso haveria uma confusão entre efeitos e causas. Estava nesse aspecto a inversão suscitada que Goeldi assinalou na tese de Couty. Enquan-to que para Couty a causa se encontrava nas condições do solo, para Goeldi a causa estava no verme nematoide.

O percurso de Couty, de Goeldi, de Jobert e de ou-tros cientistas que realizaram missões científicas nas áre-as de cultivo do café, por exemplo, era o de identificar, diferenciar o problema e trazer uma possível solução. Contudo, nesse percurso de decifração do mal do café, Goeldi estabelece uma história a partir das críticas que fomentou ao trabalho de Louis Couty. Ao criticar Couty, Goeldi estabelecia uma hierarquia dos cientistas que sub-sidiaram conhecimento em prol da solução do mal do cafeeiro, colocando se como descobridor do problema e, portanto, referência na questão. Ao refutar o que pensou

primeiramente a Couty e ulteriormente a Goeldi. Capanema, pelas querelas que teve com alguns membros da comunidade científica bra-sileira, pode ser entendido como uma figura não estabelecida, parale-la, mas que subsidiou saberes, à comunidade científica.300 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 84.

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Couty, Goeldi estava refutando as ideias de um cientista que obteve notório respeito em vida, sobretudo em seu campo de ação, onde foi possuidor de um capital científi-co que lhe dava autonomia de ação.301

Apesar de se opor às considerações de Couty, Goeldi não deixa de ter conclusão semelhante a respeito da ação da moléstia do cafeeiro no aspecto da composição do solo e fazia isso comparando o solo paulista com o solo fluminense:

Espessura maior da camada de terra vegetal, au-sência de areia misturada com a argila, um hú-mus muito fértil – eis os três fatores que principal-mente farão triunfar a província de São Paulo. Se a moléstia do cafeeiro chegasse até lá, o terreno não arenoso provavelmente não lhe conviria e ela se extinguiria por si mesma. 302

Nessa comparação entre as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, Goeldi asseverou que a província de São Paulo sairia vencedora no aspecto cultura do café e condições do solo, posto que “São Paulo apresenta condi-ções geológicas muito melhores para a cultura do café”.303 Assim, num terreno arenoso como o da região da molés-tia, a locomoção do nematoide seria facilitada e por isso seu habitat preferido. Contudo, dizia ele que: “As condi-ções do terreno da província do Rio de Janeiro favorecem

301 Para uma compreensão da constituição dos campos científicos Cf. BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clí-nica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Unesp, 2004.302 GOELDI, Emílio, op. cit., p. 84-85.303 Idem, p. 84.

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em geral a moléstia do cafeeiro, mas não há argumento algum valioso para considerá-las como causa”. Em re-sumo, Goeldi dizia que sua opinião sobre a moléstia do cafeeiro é “a mesma que foi dada pelo Sr. C. Jobert em 1879”, ou seja, a de que o agente causador da moléstia era um verme nematoide.304 Goeldi se entendia como o último na escala de estudiosos da moléstia do café, sen-do que ele ocuparia o papel de descobridor da causa, Couty ocuparia um papel terciário no processo e Jobert teria sido

o primeiro e o único de meus predecessores que procurou a solução da questão da moléstia do ca-feeiro no campo biológico, e reconheceu desde o princípio a necessidade de recorrer ao microscó-pio como o mais importante auxiliar. A sua nota revela também o biologista de profissão, conhe-cedor de sua matéria, e sabendo manejar o ins-trumento a que a ciência moderna deve tantas e tão valiosas conquistas.305

É interessante notar que Goeldi sublinhou a ação científica de Jobert pelo uso que este fez do microscópio para analisar o problema, ou seja, praticou o que ele chamava de ciência moderna. Contudo, não fez referência à menção que Couty fez quanto à necessidade de observar a moléstia do cafeeiro pelo microscópio também. Com efeito, há nesse percurso da expansão cafeeira e da moléstia do cafeeiro uma trajetória, a trajetória da ciência que sobressaiu e estabeleceu a diagnose e os modos

304 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 85. [grifo no original].305 Idem, p. 85.

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de prevenir o grassar do problema. Com isso, Clément Jobert, Barão de Capanema, Louis Couty e Emílio Goeldi cumpriram função estratégia no desenlace desse proble-ma que afetava a economia cafeeira no final do século XIX. Todo esse empenho é documento da, ainda que de pouca monta,306 ação do saber científico no processo de expansão cafeeira.

Como medida profilática para conter o avanço da moléstia, Goeldi sugeria alteração no modo da produ-ção do café, especialmente na província do Rio de Ja-neiro que possuí um solo arenoso. Estava ele certo de que a mudança na produção a partir do que chamou de “cultura racional” seria acompanhada de efeitos benéfi-cos. Com efeito, estava convencido de que, “plantando menos – porém melhor –, a produção de café poderá ser enormemente aumentada”. A produção do café em pequena propriedade “aumentaria em grande escala”, e mais próximos da produção, os pequenos proprietá-rios plantariam pouco, “mas com cuidado”. Além disso, classificou como funesto o “sistema extensivo da cultura

306 A respeito da parca oferta de investimentos científicos conciliada com a ignorância dos fazendeiros, um observador do Jornal do Agri-cultor resumia: “Os estudos de anatomia e fisiologia vegetal, para sur-preender os fenômenos que opera nas plantas a moléstia que as invade é coisa mínima, insignificante mesmo, não só para os nossos agriculto-res, em geral ignorantes do muito que a ciência tem em si para minorar lhes os males e as calamidades que os assoberba, como por aqueles a quem incumbe a pública gestão dos negócios atinentes à agricultura”. A crítica era direcionada ao Ministério da Agricultura que segundo o autor: “Procurai entre o pessoal do Ministério da Agricultura um agrôno-mo, um veterinário, um engenheiro agrícola, um professor de biologia, mesmo um prático de qualquer ramo da ciência agrícola e não encon-trareis”, ano 8, tomo 16, n. 397, p. 89, 5 fev. 1887.

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do cafeeiro”. Quanto a isso, enfatizava ser este o gran-de causador da destruição das florestas que, “segundo os resultados da climatologia moderna, é o regulador por excelência das condições pluviométricas”.307

Na emissão de parte de suas observações, Goeldi estava disposto a provar que “para o combate eficaz con-tra a praga”, seria tempo perdido, mais do que isso, seria “utopia esperar” por um “remédio na acepção que lhe imprime a fantasia popular, isto é, capaz de tornar ins-tantaneamente são um pé de café em adiantado estado mórbido”. O remédio para a moléstia se encontrava no ato de conhecer sua natureza e evitar todos os fatores que favorecem o seu desenvolvimento e dispersão. Assim, e para elaborar tal argumento Goeldi citava o professor M. Ward, que dizia que nenhum “animal nocivo à agricultura pode ser combatido com sucesso sem o profundo conhe-cimento dos seus costumes e transformações”. Era preciso conhecer, e ao conhecer “as primeiras fases da moléstia, antes de se manifestarem os terríveis estragos” pôr em prática um “rigoroso isolamento de qualquer foco” para pôr “obstáculo a maiores proporções da epidemia”.308

Emílio Goeldi apontava o caráter epidêmico da mo-léstia, enfatizava que apenas alguém “insuficientemente orientado” poderia pensar o contrário. Para em seguida dizer que teria sido, “sobretudo, o Sr. Louis Couty quem ne-gou o caráter epidêmico da moléstia”. E concluir que a “ci-ência moderna, em semelhante questão, não se contenta com retórica”.309 Com isso, Emílio Goeldi não considerou as

307 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 87, 95, 82. [grifo no original].308 Idem, p. 112-113.309 Idem, p. 57-58.

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observações de Louis Couty resultantes do que ele cha-mou de ciência moderna, ou seja, que não havia fatos no argumento – “Res non verba” dizia ele – de Couty no aspecto da moléstia do cafeeiro. Apesar de indicar a ne-cessidade do uso do microscópio, fato ignorado por Go-eldi, Couty apenas esboçou estudos sobre a moléstia do cafeeiro, ficando mais com as observações dos fazendei-ros com quem conversou e com as informações do barão de Capanema.

A comunicação que Goeldi estabeleceu com seus co-legas de microscópio é interessante, posto que manifesta a intensa comunicação no campo da ciência, mostrando mais ainda que cada país (especialmente os países euro-peus) se destacavam nos mais variados aspectos do de-senvolvimento científico. No caso de Goeldi, suas comu-nicações se atrelavam à via da botânica e da fitopatologia.

[...] entrei em correspondência com especialis-tas conhecidos, como altamente competentes em botânica e fitopatologia. Estabeleceu-se esta correspondência em larga escala, e, na hora que escrevo estas linhas, posso afirmar que nos círcu-los científicos achou este meu relatório provisório ótima aceitação, e que, entre os meus colabora-dores na questão, figuram autoridades de reputa-ção universal.310

Mobilizou Goeldi uma rede de saberes aos quais estava mais próximo, da mesma forma fez Louis Couty

310 GOELDI, Emílio. “Copia do primeiro ofício do comissionado, dirigi-do ao Ministro da Agricultura”. In: Relatório sobre a moléstia do cafeeiro na província do Rio de Janeiro. Reeditado por Romero Marinho de Mou-ra. Recife: UFRPE; Fadurpe, 1998, p. 108.

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com sua rede científica francesa. Ambos os cientistas realizaram essa mobilização de saberes com a finalida-de de solucionar os problemas referentes às economias do Império. Enquanto Louis Couty citava Paul Broca, Morin, Claude Bernard, Vulpian; Emílio Goeldi citava Oscar Schmidt e L. Oerley.

E foi a partir dessa rede de sociabilidade científica que Goeldi mobilizou conhecimento para defender seus argumento e demostrar, segundo ele, a insustentabilida-de dos argumentos de Couty. Para tanto:

A insuficiência da explicação do Sr. Couty foi, aliás, ultimamente demonstrada experimental-mente pelo Dr. Ph. A. Caire. Ele tomou jovens plântulas, da variedade Maragogipe, anterior-mente tratadas com todo o cuidado (regadas, estrumadas e cultivadas em pura terra vegetal) e transplantou a para o limite de uma roça nova, fresca e sombreada, a poucos passos da floresta virgem; ele fez abrir uma grande e espaçosa cova para cada pé, e ainda, por meio de uma barra de ferro, um tubo profundo no subsolo para a raiz mestra. Conquanto o lugar fosse dos mais favo-ráveis, e o tratamento excepcional, já tive ocasião de dizer que a porcentagem da mortalidade de 40 pés ‘Maragogipe’, assim tratados não foi menor do que a existente entre pés não favorecidos por tais preparativos. 311

Havia um movimento de saberes entre a constitui-ção dos relatórios científicos e seu auxílio no manejo do solo e do cuidado em selecionar as mudas (do café) e as sementes para melhorar a produção e, também, debelar

311 GOELDI, Emílio, op. cit., 1998, p. 84.

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as moléstias. Do cientista ao fazendeiro, notamos a tra-jetória dos saberes, o diálogo que é estabelecido entre o que se fazia nos laboratórios do Brasil com o que se fazia nos laboratórios da Europa e os meios de sua aplicação na lavoura. No cenário internacional da dinâmica do co-mércio e consumo de café a ciência ocupava um papel de aprimorar a produção, apontar os erros e direcionar o produtor a obter maiores acertos, qualidades e lucros. Os relatórios de Louis Couty, Clément Jobert, Emílio Goeldi e de outros cientistas, portanto, são documentos essenciais da ação da ciência no processo de expansão cafeeira. A disputa que Goeldi estabeleceu com Couty demonstra uma disputa interna na construção do saber científico – no caso a solução para a moléstia do cafeeiro. O modo como Goeldi entendeu ser o melhor método de resolver o problema, isto é, o uso do microscópio, o colo-cava no que o mesmo chamou de ciência moderna, mas também colocava Couty numa ciência que não era capaz de resolver por todo o problema, sendo uma ciência anti-ga. Todavia, nessa disputa, Goeldi ignorou o relatório que Couty dizia que o uso do microscópio era uma maneira de resolver o problema. Refutar um cientista reconhecido como Couty seria um meio de trazer para si um acúmulo de capital científico. Sobretudo, ao solucionar a questão pelo que chamou de ciência moderna, sagrava seu poder de especialista. Desconstruindo a construção do campo de Goeldi pela crítica estabelecida a Couty, notamos nos fatos a força de atuação que teve Couty, posto que ao ter suas ideias refutadas por alguém que as superou, este al-guém se equipara ou mesmo superava o capital científico de seu oponente.

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3.10 O Plus Ultra do café 312

Plus ultra! Não ficou alegre, ficou preocupado, co-gitativo; alguma coisa lhe dizia que a teoria nova tinha, em si mesma, outra novíssima teoria.313

Machado de Assis nos anos 1870 e, especialmente, 1880 tinha diante de si um contexto repleto do enuncia-do científico e não perdeu a oportunidade de perfilar, em sua literatura, os deslizes e excessos cometidos por aque-les homens de ciência que no afã de ir mais além, num horizonte de expectativa alucinado, cometiam exagera-ções que poderiam pôr em questão uma inquestionável autoridade no assunto. No assunto café, Couty já era um homem reconhecido e afamado.

As experiências a que se procedeu no laborató-rio experimental do Museu Nacional, acabam de demonstrar que o café, ao passo que já não dá grandes lucros aos fazendeiros, é causa de gran-des despesas no organismo, ao qual reduz até a inanição.314

A Gazeta de Notícias reproduzia e comentava os re-sultados das experiências sobre o café que Couty e sua

312 Plus ultra é uma expressão latina que geralmente é citada como nec plus ultra, ou seja, não mais além. Retiramos esta referência da literatu-ra de Machado de Assis, bem como das notas ao livro O alienista, reali-zada por Hélio Guimarães. No caso, Machado de Assis coloca plus ultra, ou seja, mais além. Assim usamos com o significado de mais além para indicar o extremo limite que pode chegar uma ciência. Cf. ASSIS, Machado. O alienista. Introdução. GLEDSON, John; Notas. GUIMARÃES. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014, p. 82.313 ASSIS, Machado. O alienista, op. cit., 2014, p. 85.314 Gazeta de Notícias, 19 out. 1882.

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equipe realizaram no Laboratório de Fisiologia. O café passava por uma crise, crise que fez o próprio Couty per-correr as fazendas produtoras de café para entender se tal crise poderia ter suas origens no modo de produção das fazendas. E a ciência que vinha para salvar, pode-ria complicar o futuro do precioso fruto. Decididamente “anda muito por baixo o café” dizia a folha.315

Sob a supervisão de Louis Couty, sua equipe reali-zou uma série de estudos sobre a fisiologia do café e che-gava ao resultado de que o café não seria um alimento de poupança para o organismo, mas um alimento de con-sumo, que ao invés de dar energia, as consumia. Assim, ironizava a folha: “De sorte que tal substância, que pas-sava por ser um alimento de poupança, um contribuinte, não é mais do que um grande consumidor, uma espécie de pensionista aposentado do tesouro nacional”.316

No comunicado ao ministro da agricultura, Louis Couty demonstrava o passo a passo da experiência e seu valor científico, que segundo ele só seria reconhecido no futuro. Para tanto, tomou-se “cães vigorosos, no estado normal, pesando-os, e determinando a média de consu-mo de carne de vaca administrada como única alimenta-ção e submetendo-os à infusão do café”. Posteriormente, repetiam-se os procedimentos. Os animais estavam cui-dadosamente isolados para não consumir outro alimen-to, senão os específicos para a pesquisa. Obtinham-se al-guns resultados: 1) “os cães, aos quais só se permite a in-gestão de angu ou toucinho, morrem inanidos no fim de

315 Idem. 316 Idem.

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um tempo variável, de 25 a 35 dias, segundo as observa-ções dos Srs. Guimarães e Raposo”; 2) “os cães aos quais se nutre com estes mesmos alimentos associados ao café morrem muito mais rapidamente, de 14 a 20 dias, e per-dem mais de seus pesos”. No caso, o café, ao invés de aumentar, como se esperava, o consumo dos alimentos, torna mais ativa a despesa fisiológica. Chegava-se a con-clusão de que o “uso do café apressou, pois, a inanição e a morte dos animais, tornando mais rápido e intenso o emagrecimento, bem como os diversos processos quími-cos de consumo interno que o acompanham”.317

Couty notava que havia uma ideia preconcebida que considerava o café como um alimento de poupança, ou seja, que “diminuem a quantidade de matéria despen-dida pelo funcionamento orgânico”. Contudo, continuava ele a asseverar que “ninguém fez experiências completas para verificar” esse fato. A ilação que chegava era a de que o café seria “um alimento de despesa” que “aumen-ta a quantidade do alimento consumido” e a partir da observação nos cães nota-se que “apressa os fenômenos de inanição”.

Para embasar uma defesa das conclusões suas e de seus auxiliares, nota que o trabalho realizado pelos dou-tores Guimarães e Raposo se liga ao que ele e d’Arsonval apresentaram sobre “a diminuição dos gases do sangue e das combustões carbonadas pelo mate”. E assim, “poder--se-ia já tentar uma explicação nova da ação do café, que conciliaria todos os fatos, antigos e novos”. Fazendo um vaticínio sobre tal trabalho dizia que será “daqui a 100 anos, como hoje, a base dos estudos futuros sobre este

317 Idem.

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gênero de alimentos, porque é fundado sobre observa-ções precisas e completas”.

Elogia os trabalhos de seus auxiliares, não poupa elogios à disposição que ambos tiveram no estudo e as-sim “chegaram a um conjunto de fatos, que poderão ser completados, mas que, na minha opinião, nenhuma ob-jeção permitem ao crítico”. E conclui a nota observando que o “Laboratório de Fisiologia, anexo ao museu do Rio de Janeiro, tem o direito de orgulhar-se deste trabalho, que será, certamente, notado na Europa, quando os re-sultados forem publicados, por minha conta, no Comptes Rendus e nos archivos de physiologia”.318

Apesar da empolgação de Louis Couty com o tra-balho realizado por seus auxiliares sob sua supervisão, a recepção desta notícia não caiu bem na imprensa e moti-vou uma série de respostas que questionavam tais experi-mentos. Transformava-se Couty, sua sabedoria científica tinha ido além, mais além, via sua autoridade no assunto turvar e ser questionada. Ebuliu na imprensa uma série de intervenções e um longo debate se estabeleceu.

De fruto precioso, de adorável grão, já não tinha mais nada o café: “Já não são só os preços no mercado que o rebaixam até a mais insignificante posição; tam-bém as experiências da ciência vêm juntar a sua palavra, no bárbaro intuito de desmoralizá-lo, de rebaixá-lo, de reduzi-lo a zero, a menos de zero”.319

318 Gazeta de Notícias, 19 out. 1882. É importante observar que era hábito da imprensa divulgar os relatórios científicos, com a finalidade de vulgarizar o conhecimento. E bem por isso, encontramos muitos relatórios de Couty na imprensa, especialmente na Gazeta de Notícias e Jornal do Commercio. 319 Gazeta de Notícias, 19 out. 1882.

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Poucos dias depois dos novos resultados de Couty sobre o café, a Gazeta de Notícias, tratando da Exposição do Café, contrapunha o que vinha do Museu Nacional com o que saia do Clube da Lavoura, a organização responsável pela referida exposição. Nesses termos dizia a folha que:

Por sua parte, o Sr. Dr. Couty demonstrava que o café era um alimento de despesa e não de poupan-ça, para o organismo – afirmando no dia seguinte, é verdade, que, quando se gasta ou se despende, ganha-se ou adquire-se na mesma proporção, por-que... nemo dat quod non habet, e quem muito gas-ta muito vive, opinião esta que in limine rejeitam os economistas, mesmo alguns higienistas.320

Por outro lado:

O Centro da Lavoura e Comércio, também com umas tantas experiências realizadas no seu labo-ratório comercial, demonstrava por seu lado, que o café era realmente um produto que dava prejuí-zo – quando malcuidado, e, entretanto, de grande lucro, quando sujeito a um preparo e beneficia-mento condignos com o que hoje se conhece, re-lativamente à lavoura do adorável grão.321

Como resultado do embate entre ciência e econo-mia concluía a folha, enfatizando o sucesso da Exposição do Café, que a considerar o público presente manifesta-va-se em favor de “uma xícara de café bem preparado e servido em boa porcelana de Sèvres”.322

320 Gazeta de Notícias, 29 out. 1882.321 Idem.322 Idem.

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Em dezembro de 1882, Louis Couty solicitava espa-ço na Revista Commercial para contrapor uma publicação de um autor anônimo que questionava suas conclusões sobre o café. Tendo seu pedido negado, Couty recorreu es-paço na folha de inspiração francesa que posteriormente seria redator: Le Messager du Brésil. Por sua vez, a Gazeta de Notícias preenchia seu espaço com a querela de Couty:

Peço-vos o obsequio de publicar a carta seguin-te, que o redator da Revista Commercial não quis inserir em seu jornal: e aos meus compatriotas peço também para que sejam juízes em uma questão que da minha parte não terá andamento e que não deveria ter origem, por tal forma, entre franceses, em um país estrangeiro.323

Nessa contenda, Couty lamentava a negativa de seu compatriota diretor da Revista Comercial e Marítima de não ceder espaço para contrapor as acusações de um anônimo. Na carta publicada no Le Messager do Brésil, Couty lamentava as publicações anônimas daquele que chamou de “confrade desleal”, de “médico insolen-te”, que havia achado na Revista Comercial e Marítima um “asilo para covardes alusões pessoais”. A essa altura Couty presumia quem seria tal autor anônimo que o te-ria caluniado. E se defendia dizendo nunca ter dito que “o café fosse um veneno para o homem na proporção das doses que este o consome; nunca escrevi, como se

323 Gazeta de Notícias, 25 dez. 1882. Utilizamos para evidenciar o deba-te, que teve como causa as questões do café e que posteriormente ga-nhou outros contornos, as reproduções que a Gazeta de Notícias fez, pos-to que era esta folha um veículo de grande divulgação e grande alcance.

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pretendeu fazer acreditar, que o mate era um alimento de economia: tudo isto é de valor insignificante”. Adiante no texto, Couty defendia seus auxiliares a quem chamou de “trabalhadores novos”.324

Enfim, meus discípulos, menos do que eu ainda, não podem ser responsáveis pelas faltas científicas dos que querem acusar juízes sem competência. O tempo se encarregará de mostrar onde está a verdade; e aqueles que no Brasil pensam e traba-lham, saberão fazer justiça a quem a merecer, como já me fizeram, além do que eu podia desejar.325

Couty se defende e para tanto, se apoia em uma comunidade francesa que estaria, segundo ele, do seu lado na questão. Dizia que a tristeza que experimenta-va, experimentavam com ele “todos os franceses ciosos de sua dignidade e da dignidade da colônia”. Como dois franceses em um país diferente poderiam não se dar bem e não zelar um pelo outro? Talvez tenha sido esse o mote da motivação de Couty. Por isso, ele conclama toda uma comunidade francesa que estaria do seu lado. E concluía: “Vós bem sabeis, Sr. diretor: eu havia dado todo meu apoio ao vosso jornal, como a todas as obras que tivessem uma utilidade franco-brasileira. Lamento ver desviado o fim que eu imaginaria. Entretanto, aguar-do vossa conduta”.326

Sem tardar, a resposta do diretor da Revista Comer-cial e Marítima chegava com o sugestivo título: “Questão

324 Gazeta de Notícias, 25 dez. 1882.325 Idem.326 Idem.

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do café”.327 Na resposta, Morel (o diretor da revista) la-mentava o fato de Couty clamar por um julgamento pa-triótico a respeito de uma questão de menor monta a qual classificou de incidente. Classificou também de “ine-xata” a recusa de publicação da carta de Couty na Revista Comercial e Marítima.

Nesse meio tempo, Morel revela quem era aquele que Couty chamou de “médico insolente”. Era o Dr. Fort. Em resposta ao texto de Couty, Fort retoma a questão do café. Fazendo referência ao experimento do café, dizia o Dr. Fort sobre o Dr. Couty:

Declarou [o Dr. Couty] que o café produz desar-ranjos no organismo e que é um líquido nocivo à saúde. Sustentou que o homem não difere do cão e que o café mata os cães: [?] todos concluem, que, se o café é um veneno para o cão, deve ser igualmente para o homem. Pronunciou-se contra os interesses do Brasil onde veio hospedar-se e obter uma posição, como talvez não alcançaria em seu país.328

Nessa carta resposta, o Dr. Fort não mediu palavras para desconsiderar os trabalhos de Couty. Nesse sentido, Couty seria para Fort “um fisiologista dos mais elemen-tares”, sem ter publicado trabalho útil na seara da fisio-logia. Para provar que os resultados de Couty estavam errados, eliminou os cães das investigações “fazendo as experiências em minha própria pessoa”. Reunia em si a teoria e a prática. Diante dos resultados obtidos percebeu

327 Gazeta de Notícias, 26 dez. 1882.328 Gazeta de Notícias, 30 dez. 1882.

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que “o café, longe de ser um líquido prejudicial à saúde, é uma excelente bebida”, que, além disso, produzia uma ação salutar sobre o organismo “excitando ligeiramente o sistema nervoso”. Segundo Fort seus experimentos te-riam sido bem acolhidos entre os brasileiros “e o fato é tão real que o café teve uma alta sensível”.329

Sem passar uma semana o Dr. Fort retomava os espaços da imprensa para escrever novo texto sobre a questão do café e agora entrando na questão francesa e patriótica pedia para Couty provar as acusações injurio-sas que havia feito contra ele. Segundo Fort, se ele es-tivesse na França levaria a questão para outro terreno, mas não diz qual. Lamenta o ocorrido entre franceses e atribui a Couty o início da provocação. 330

Louis Couty, no seu texto, questionava a situação que Joseph Fort tinha em Paris. A respeito disso dizia Fort que:

Ele sabe, entretanto, que eu tinha em Paris uma bela situação, que me permitiu de ali realizar uma modesta fortuna. Sabe que eu personifica-va na faculdade de medicina de Paris o ensino livre de anatomia e operações, e que este ensi-no caiu depois da minha partida voluntária. Sabe que a minha vida tem sido uma vida de trabalho incessante. Sabe que eu gozo no mundo inteiro de uma boa reputação de anatomista e de cirur-gião. Conhece as obras de cirurgia e de medicina publicadas por mim em Paris, tendo todas diver-sas edições e nas quais provavelmente ele próprio aprendeu o que sabe. Enfim, ele ignora que se eu para aqui vim, posto que casado e pai de família,

329 Gazeta de Notícias, 30 dez. 1882.330 Gazeta de Notícias, 6 jan. 1883.

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é porque me foram buscar e eu cedi às solicita-ções e às belas promessas. 331

É interessante notar que o Dr. Fort tinha boas inimizades na Paris do século XIX. Nasceu ele em 1835 em Mirande. Em 1855 estava em Paris para terminar seus estudos clássicos e entrar na Faculdade de medi-cina. Em 1863 torna-se doutor em medicina e começa ensinar anatomia na Escola prática da faculdade de me-dicina de Paris. A partir de 1869 tem uma série de atritos com membros do corpo docente da faculdade de medici-na. Jules Ferry o encarrega de uma missão na América do Sul em 1880. Após seis meses estudando a organização das faculdades de medicina do Rio de Janeiro, Montevi-déu e Buenos Aires, retorna a Paris. Contudo, encontra poucos alunos dispostos a ter aula com ele. Diante dis-so, pede demissão e retorna ao Brasil e posteriormente a Buenos Aires e Montevidéu. Teve vasta publicação na área de anatomia e guia de estudantes de medicina. Fale-ceu em 1920 na França.332

Polemistas, os franceses no Brasil Imperial. Se-gundo o próprio Fort, os insultos de Couty a ele teriam iniciado após trocas de cartas entre ambos. Além disso, retomava episódios anteriores na comunidade francesa do Rio de Janeiro para colocar uma questão: “quem é o Sr. Couty?”. Para responder que era Couty um desconhe-cido entre os homens de ciência. Joseph Fort não poupou

331 Idem.332 SANTOS, Claudia. Narrativas de viagem e a escrita da história: os franceses no processo abolicionista brasileiro (1850-1899). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013, p. 351-352.

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termos para os atritos com Couty. Uma questão científica despertou outras questões no seio da comunidade fran-cesa da Corte.

Uma crítica interessante que fez Fort contra Couty se liga ao fato de ter sido o jovem cientista francês um múltiplo em suas ações, de “querer meter o nariz em tudo: na anatomia e no café; na patologia e no mate, na psi-quiatria e na colonização, nas moléstias nervosas e nas internas” dizia Fort. E continuava: “Publiquei sobre o café, que o meu contraditor considerava sem dúvida como sua propriedade exclusiva, um trabalho serio, baseado sobre experiências pessoais e favoráveis ao uso do café”.333

Notamos com isso a presença marcante que a ci-ência teve na agricultura nas décadas de 1870 e 1880, em especial. Não havia homogeneidade na ciência como podemos notar, havia uma série de questões e soluções sobrepostas que formavam o contexto científico do final do século XIX brasileiro. O estudo da ação e das ideias de um cientista como Louis Couty exige um deslinde em que se note as ações num tempo que refaz o que desfez. Era preciso por o texto à prova dos pares amigos e inimi-gos e a imprensa cumpria papel de vetor do que se fazia, para numa crítica contundente ser necessário refazer o que se desfez. A modernidade se caracterizava nesses embates de criação e destruição. Tudo o que se criava em breve seria destruído, “a fim de consolidar o caminho para mais criação”.334

333 Gazeta de Notícias, 6 jan. 1883.334 BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar, op. cit., 2013, p. 62.

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3.11 A segunda expedição de Louis Couty pelo complexo cafeeiro do Rio de Janeiro e São Paulo

Em 1883 Louis Couty já havia percorrido as provín-cias do Rio de Janeiro, de São Paulo, da região Sul, esten-dendo-se até às regiões do Prata, em prol da qualificação dos produtos do Império. Como resultado disso publicou o relatório sobre a biologia industrial do café que foi en-dereçado ao diretor da Escola Politécnica do Rio de Janei-ro. Nesse relatório, mais completo e complexo, estudou o complexo cafeeiro das províncias do Rio de Janeiro e São Paulo abordando-o a partir de vários pontos de vista, ampliando o que tinha feito em 1879 e respondendo as indagações encontradas no primeiro relatório e entrando com mais profundidade no problema da mão de obra.

A preocupação nesse momento era com a crise do café. Queria-se saber sobre o destino do principal item de exportação, queria-se saber sobre os rumos da cultura do café e entender com isso a crise que acometia o “pre-ciso fruto”.335 Louis Couty, por sua vez, queria saber se a crise que acometia o principal produto de exportação do Império tinha origem na própria fazenda, no modo de organização da produção.336 Nesse relatório de 1883, Louis Couty empreendeu uma série de estudos indo do solo ao homem, da composição química e geológica da terra, do cultivo do café, de suas doenças, dos processos pelos quais se plantava e preparava o café, do uso de máquinas, do trabalho do negro escravizado, do trabalho

335 Era o termo comum na época quando se tratava do café.336 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café, op. cit., 1883, p. s/p.

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do europeu imigrante, até as relações entre senhores e escravos, os hábitos de ambos chegando a elaborar uma tipologia do fazendeiro do passado e do fazendeiro do futu-ro. Dava ao problema da mão de obra outro olhar, o olhar do homem de ciência.

Para realizar seus estudos viajou por dezessete fa-zendas que compreendiam as zonas produtoras do café, do Rio de Janeiro a São Paulo.337 Nesse percurso conhe-ceu os mais variados tipos de fazendeiros, de escravos, de colonos, de solo e de pés de café. Dividiu essa imensa área cafeeira que percorreu em duas. Uma delas limitada pelas cidades de Jundiaí, Rio Claro, Mogi tinha como cen-tro Campinas. A outra área era compreendida por Canta-galo na província do Rio de Janeiro. No caso da província de São Paulo havia quatro qualidades de terras aptas a receber o café: massapé, a terra roxa, a salmourão e a barrenta. Na concepção de Couty e dos fazendeiros que ele consultou, a melhor terre de café do ponto de vista da cultura é “seguramente a salmourão”. A menos impor-tante das terras de café de São Paulo, na classificação de Couty, era a barrenta. Enquanto que em São Paulo os fa-tores favoráveis ao cultivo do café são determinados pela melhor qualidade do solo, no Rio de Janeiro o fator que melhor auxilia o cultivo do café é o clima.338

Além de vislumbrar um futuro com a imigração eu-ropeia atuando na produção do café, comparava o precio-so fruto com a produção da uva na França. Dizia Couty que “nas condições atuais o café” já era igual à vinha e

337 COUTY, Louis. Étude de biologie industrielle sur le café, op. cit., 1883, p. 1.338 Idem, p. 1-3

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se tornará “facilmente superior”.339 Pintou dois quadros do momento do café no final do Império. O da crise mo-tivada pela escravidão, que seria o que ele chamou de prolongamento do passado. O outro quadro era o futuro em potencial, pois no Brasil o solo era fértil e o principal produto promissor, apenas faltava um trabalhador capaz de inovar, aperfeiçoar, e aumentar a produção.

A principal característica que Louis Couty colocou nesse relatório foi a sua definição da disciplina Biologia Industrial. Ao definir as características dessa disciplina, estava ele operando os problemas de um país novo pe-las correntes de pensamento em voga no Velho Mundo. As condições fecundas da terra e o bom clima do Brasil não condiziam com o homem que trabalhava essa terra, por isso, para Couty, era preciso resolver o problema do homem.340 Segundo Lilia Schwarcz, a escola determinista geográfica, que tinha como expoente Ratzel e Buckle, ad-vogava a tese de que o desenvolvimento cultural de uma nação seria totalmente condicionado pelo meio. Para os autores dessa escola era suficiente “a análise das condi-ções físicas de cada país – ‘dá-me o clima e o solo que lhe direi que nação se fala’ – para uma avaliação objetiva de seu ‘potencial de civilização’”. Com isso, Couty, como ve-remos, entrou nas questões da mão de obra para resolver essa equação, pois no Brasil, como ele disse, o clima era dos melhores e o solo também, só faltava um povo ativo.

339 Idem, p. 61.340 SCHWARZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, institui-ções e a questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 58.