Cincias Humanas e Sociais Aplicadas

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    Contribuies da psicologia do trnsito:consideraes sobre educao para o trnsito

    e formao profissional

    Catarina Aparecida ALVES1, [email protected];Juliana Oliveira GOMES2

    1. Graduanda em Psicologia pela Faculdade de Minas (FAMINAS), Muria (MG).2. Doutora em Psicologia pela Universidade So Francisco (USF), Itatiba (SP); professora no

    Centro Universitrio Estcio de S, Juiz de Fora (MG).

    RESUMO: Embora estudos apontem as falhashumanas como a principal causa de acidentes eo CTB preveja a realizao de aes educativas,a prtica da educao para o trnsito ainda estcentrada no ensino de regras e consequnciaslegais. Este estudo demonstra a necessidadede conscientizao de todos os usurios dasvias, a importncia da atuao do psiclogo, ea necessidade de contedos especficos sobreeducao para o trnsito na formao dospsiclogos peritos.Palavras-chave: psicologia, trnsito, educao.

    ABSTRACT: Contributions of psychology to the

    traffic: considerations on traffic education and

    professional training. Although some studiessuggested human error as the main cause ofaccidents and the CTB estimates the acheivementof educational activities, the practice of traffic

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    education is still focused on teaching rules andlegal consequences. This study demonstratesthe need for awareness of all road users, theimportance of the psychologist, and the needfor specific contents on traffic education in thetraining of expert psychologists.Keywords:psychology, traffic, education.

    Introduo

    A psicologia do trnsito geralmente alvo de discusses e crticas,principalmente por estar limitada aos testes psicotcnicos, e por ser uma dasetapas de anlise do candidato obteno da Carteira Nacional de Habilitao(CNH), embora no possa prever com exatido em que condies iro ou nose envolver em situaes de risco. Por meio de mtodos cientficos vlidos, opsiclogo perito em trnsito avalia os fatores externos e internos, conscientes einconscientes, determinando um perfil psicolgico no apenas para conduzirum veculo, mas todo seu comportamento num contexto relacionado aotrnsito (HOFFMANN, 2000; RUEDA, 2009).

    Conforme citado no Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB), trnsitopode ser definido como o deslocamento de pessoas pelas vias de circulao,

    parada, estacionamento e operao de carga e descarga, ou seja, autilizao das vias por pessoas, veculos e animais, isolados ou em grupos,conduzidos ou no (BRASIL, 1997, Artigo 1, 1). O sistema de trnsitoenvolve trs subsistemas: a via, o veculo e o homem. Os dois primeirosinfluenciam o comportamento do condutor e o ltimo possui a Psicologiado Trnsito como uma das cincias que estuda o comportamento, numainterlocuo com outros profissionais como engenheiros, agentes de trnsito,mdicos e educadores, para uma ampliao da segurana nas locomoespor vias urbanas.

    Os departamentos de trnsito so os rgos responsveis porabrir espao para o trabalho dos psiclogos, institucionalizando as clnicaspsicotcnicas pelo reconhecimento da importncia da atuao desteprofissional na preveno de acidentes e aes de violncia no trnsito, pormeio dos resultados dos testes (CRISTO-SILVA; GNTHER, 2009). A primeiralei que estabeleceu o exame mdico e psicolgico para a concesso daCNH foi estabelecida em 25 de setembro de 1941, pelo Decreto-Lei 3.651(BRASIL, 1941, apud SILVA, 2009) e hoje est em vigor a Lei n. 9.503 de 23de setembro de 1997, que apresenta a regulamentao para o processo de

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    formao, especializao e habilitao do condutor de veculo automotor eeltrico (BRASIL, 1997).

    O exame psicotcnico historicamente a atividade mais conhecidada Psicologia do Trnsito por ter se tornado uma interveno obrigatriaem 1962, mesmo ano em que a Psicologia foi reconhecida como profisso.Entretanto, discute-se que esta no deva ser a nica prioridade do psiclogodo trnsito, e que os profissionais possam abrir caminhos ocupando novosespaos de trabalho, alm das clnicas e dos Departamentos Nacionais deTrnsito (DETRANs). Existem diversas atuaes possveis de intervenopsicolgica como, por exemplo, na educao (HOFFMANN, 2000; CRISTO-SILVA, 2012).

    As contribuies do psiclogo perito em trnsito na busca dediagnsticos e solues para os problemas relacionados circulao humanaforam intensificadas principalmente a partir de 1997 com o incio daaprovao do Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB), que reala a importnciado trnsito como forma mais humanizada da circulao e no apenas comovia, veculos e sinalizao (SILVA; HOFFMANN; CRUZ, 2003). Assim, aavaliao psicolgica para o trnsito passou a se concentrar no apenas nostestes que avaliam o processamento de informaes ligado capacidade detomar decises, mas tambm no comportamento e subjetividade (DETRAN-MG, 2013).

    De forma geral, a avaliao psicolgica um processo tcnico

    cientfico que pode ser realizado individual ou coletivamente. Diversosmtodos, tcnicas e instrumentos so utilizados e escolhidos de acordo coma especificidade do contexto, entre eles os testes psicolgicos aprovados comvalidade e preciso, que possibilitam obter informaes sobre o psiquismodo indivduo e medir caractersticas comportamentais e psicolgicas. Notrnsito, os objetivos desta instrumentao esto em avaliar inteligncia geral,capacidade de perceber, prever e decidir, alm de habilidades psicomotoras,equilbrio emocional, sociabilidade, controle de agressividade, tolerncia,frustaes e personalidade (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011;GOUVEIA et al., 2002; CRUZ; ALCHIERI; SARDA, 2002).

    Alguns traos de personalidade medidos durante o processo de

    avaliao podem estar atrelados a comportamentos impulsivos, possibilitandodireo perigosa, irresponsabilidade, agressividade, egocentrismo,impulsividade e intolerncia frustao, por exemplo. Estas caractersticasatuam como fatores relacionados ao funcionamento das aes pessoaiscomo controle de hostilidades, tolerncia tenso, sociocentrismo eansiedade, os quais podem influenciar mais na ocorrncia de acidentesde trnsito do que em caractersticas fisiolgicas e psicofisiolgicas. Aimpulsividade um dos traos mais frequentes entre os comportamentos

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    de risco por estar, em situaes diversas, associada s violaes das leis(ARAJO; DINIZ; ROCHA, 2009).

    H, entretanto, h contradies entre os resultados de estudossobre a relao entre acidentes automobilsticos e impulsividade, pois aindano h definio exata sobre este construto, e que associaes positivastambm so ressaltadas. Tambm no h estudos comparativos sobreaspectos metodolgicos e conceituais no que diz respeito a esta relaoentre comportamento e trnsito. Portanto, h um questionamento sobre oembasamento e a manuteno da necessidade desta avaliao, da forma como apresentada, afirmando que as avaliaes psicolgicas sobre caractersticasde personalidade para motoristas ainda so escassas e restritas em seusresultados, pois poucas pesquisas comprovam sua validade e fidedignidade,principalmente em relao a este construto (ROZESTRATEN, 1988).

    A responsabilidade de um comportamento seguro no trnsito deve sercompartilhada entre usurios e autoridades, sendo importante a conscinciada existncia de condies para que atitudes comportamentais nestecontexto sejam colocadas em prtica. A psicologia explica, por exemplo, quea resposta atenta presena de estmulos que chamam ateno do indivduoque est dirigindo uma das condies bsicas e necessrias para um bomcomportamento ao conduzir um veculo automotor, assim como manter ascondies de sade adequadas como a no ingesto de medicamentos oubebidas alcolicas, ou qualquer situao que interfira na capacidade fsica

    e psicolgica, no permitindo a percepo e interpretao dos estmulosrelevantes, somando ao conhecimento anterior que o condutor possuir sobretodas estas questes (CRISTO-SILVA, 2012). Os comportamentos insegurosdos motoristas representam a desorganizao do sistema virio, assim comoo no cumprimento das regras no trnsito, causando impacto negativo nasociedade (ROZESTRATEN, 1988).

    Os interesses das pessoas no que diz respeito mobilidade humanaso variveis de acordo com cada situao, e isto pode gerar conflitos. Algunsusurios das vias terrestres denotam um certo egosmo em querer sempreas garantias dos direitos e o mnimo de cumprimento dos deveres, numaatitude intencional em praticar as regras conforme as prprias convenincias.

    Assim inmeros acidentes de trnsito podem ter acontecido por estupidez,distrao ou ignorncia. De acordo com a situao, os interesses das pessoasnos espaos de locomoo urbana podem ser transformado em jogo social,no qual cada um tenta criar suas prprias determinaes para chegar ao seudestino. A conscientizao de que o trnsito de todos, e de que suas leis noso imposies autoritrias, seria benfica para o estabelecimento de umaconvivncia pacfica que contemplaria a todos (ROZESTRATEN, 1986).

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    Uma das principais causas de morte no Brasil e no mundo decorrente de acidentes de trnsito. Por estar associado aos custos comperda de produo, resgate das vtimas e o transtornos com o trfego navia e instituies envolvidas, um acidente na estrada com vtimas fatais geraum custo social mdio que pode chegar a 429 mil reais (MARN-LEN;QUEIROZ, 2000; BRASIL, 1997; CFP, 2004).

    De acordo com Mello Jorge e Latorre (1994), as capitais brasileirasregistram nmeros significativos de mortalidade por acidentes de trnsito. Asituao de morte no pas mostrou uma ocorrncia de 800 mil bitos por ano,sendo que 12% deste total foram resultados de acidentes de trnsito. Destaca-se que grande parcela das vtimas est entre adultos jovens, evidenciando umaperda na populao ativa e extremamente importante para o crescimento deuma nao.

    Para Barros et al. (2003), as inmeras tentativas de se reduzir osaltos ndices de acidentes no Brasil no foram suficientes para a melhora dasegurana, uma vez que, mesmo com aumento na fiscalizao eletrnica eo Novo Cdigo de Trnsito de 1998, percebeu-se somente uma estabilidadeda mortalidade por acidentes sem uma queda considervel nos ndices. Osautores apontam a necessidade da implementao de programas capazesde mudar o comportamento das pessoas no trnsito, uma vez que que ossinistros ocorrem principalmente por falhas humanas.

    O alto ndice de acidentes de trnsito no Brasil pode ser uma

    contribuio do aumento expressivo de veculos e de comportamentosinadequados dos condutores. Nota-se esforos dos diversos setores envolvidosna tentativa de reduzir esta estatstica. Pode-se citar como exemplos aimplantao de rodzio para a circulao de carros em So Paulo, a criaode organizaes no governamentais e projetos sociais que se dedicam formao e educao para o trnsito de crianas e jovens, e a ao colaborativade pesquisas realizadas pela Associao Brasileira de Medicina de Trfego(ABRAMET) e o Instituto Brasileiro de Avaliao Psicolgica (IBAP) (SILVA;HOFFMANN; CRUZ, 2003).

    Contudo tal trabalho multiprofissional na busca por solues revela-se fragmentado e com esforos isolados. Neste sentido, o campo do psiclogo

    pode se destacar, pois sua atuao tambm deve estar em setores comoambiente, ergonomia, publicidade, movimentos sociais, hospitais e outros, jque decorre da psicologia a maior sustentao para as outras reas que atuamneste contexto (SILVA; HOFFMANN; CRUZ, 2003).

    Entre 1986 e 1989 foram apresentadas propostas pelo ConselhoFederal de Psicologia (CFP) aos psiclogos peritos em trnsito para efetuaremestudos e pesquisas com o propsito de apresentarem solues sobre estecontexto, bem como uma reflexo sobre o papel do psiclogo nas atividades

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    referidas ao trnsito. Como resultado, considerou-se que a atuao dopsiclogo nesta rea deve estar voltada para a reduo dos altos ndices deacidentes (HANSTOWER, 1986, p.19).

    I Educao psicolgica para o trnsito como medidapreventivaEducao para o trnsito pode ser conceituada como o processo de

    transmisso de informaes relativas ao sistema virio, que visa desencadearatitudes e comportamentos coerentes com o estgio de desenvolvimento do

    sistema e com o nvel de adaptao de seus agentes (BARBOSA, 1979, p.1).O autor afirma uma imprescindibilidade de habilidades para lidar com osoutros no trnsito, compreendendo que cada um possui necessidades diversaspara o uso das vias e detm personalidade prpria, afirmando ser primordialum exerccio dirio de respeito mtuo para evitar intolerncia, aes deviolncia e acidentes. Complementarmente, o conceito de preveno estassociado diretamente educao, embora no seja a nica garantia desoluo para os problemas no trnsito. Portanto, nas intervenes, devem serincludos programas que visem adequar as atitudes dos usurios com relao segurana no trfego (SILVA; HOFFMANN; CRUZ, 2003).

    A importncia desta discusso no est somente na necessidade

    de educao para o trnsito, mas tambm sobre a possibilidade de ao,uma vez que o homem deve estar preparado e sensibilizado no apenas cominformaes sobre legislao, sinalizao e regras para dirigir, mas tambm emrelao sua conduta. Como ser social, o homem est sujeito a interferncia doambiente, podendo tambm influenci-lo por meio do seu comportamento.Em muitos casos, isto no acontece e um dos caminhos para a conquista detal objetivo o treinamento (BARBOSA, 1979).

    Embora o CTB tenha tornado obrigatrio em todo pas a educaopara o trnsito nas escolas em todos os nveis (BRASIL, 1997), esta prtica ainda falha: nem 10% dos alunos das escolas brasileiras tm acesso ainformaes sobre educao para o trnsito e a maioria das instituies de

    ensino aborda este tema apenas em seu aspecto cognitivo, no atendendos peculiaridades que exige uma sensibilizao quanto tica, cooperaoe respeito aos outros. A educao hoje est centrada no ensino das regrase das consequncias legais, pois no momento da construo dos modelosde educao para o trnsito acreditava-se que este contedo seria suficientepara modelar o comportamento dos futuros motoristas. Para adotarcomportamentos humanos mais seguros no trnsito, este tema precisa serinserido num contexto mais amplo, oferecendo possibilidade de reflexo

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    sobre aspectos tico para assim promover o entendimento do motivo dasregras (FARIA; BRAGA, 1999).

    A disciplina fundamental para aes de interveno preventiva paraum trnsito mais seguro a psicologia, pois o fator humano corresponde a 90%dos acidentes. Psiclogos que atuam nesta rea esto promovendo teorias demtodos educativos para motoristas, elaborando tcnicas para uma melhorcompreenso dos condutores em relao a decises em situaes de perigo,proporcionando a articulao de estratgias educativas especficas para estefim (ROZESTRATEN, 1988; CRISTO-SILVA; GNTHER, 2009; ENGASTRM,et al., 2003).

    De acordo com Hoffmann (2000), discute-se hoje, dentro destepanorama, que o psiclogo seja especializado para colocar em prtica astcnicas psicolgicas, somadas a modelos adequados de instruo e recursosdidticos, para uma educao especfica para o trnsito. A autora enfatiza queo Detran, as escolas, prefeituras e secretarias de educao deveriam mostrarinteresse nesta questo, uma vez que os aspectos cognitivos so bsicos paraaquisio de conhecimentos relacionados a comportamento no trnsito, assimcomo o conhecimento do Cdigo de Trnsito e o ato de dirigir.

    Principalmente entre os condutores jovens, podem ser identificadoscomportamentos inseguros para o trnsito e maior risco de acidentescomo, por exemplo, o consumo de lcool e o no reconhecimento de suaresponsabilidade, assim como mencionar circunstncias alheias quando

    algo acontece. Portanto h uma necessidade de intervenes voltadas aosestudantes, promovendo mudanas atitudinais, pois esta faixa etria remetea teorias de adolescncia, como a sndrome de adolescncia normal, queaponta, entre outras caractersticas, a oscilao de humor e o desejo de noseguir regras (MARN-LEN; VIZZOTTO, 2003).

    Estudos apontam os jovens como a maioria dos envolvidos emacidentes de trnsito. Para amenizar esta situao, foram implementados emalguns estados do Brasil estratgias e projetos com a finalidade de intervire transformar esta realidade. Assim pode-se promover uma reflexo sobreas contribuies individuais para uma mudana positiva, descaracterizandoum comportamento individualista, incorporando uma conscincia coletiva

    na ocupao do espao pblico no qual participam pedestres, ciclistas,motociclistas, motoristas profissionais e de passeio, priorizando umaaprendizagem mais humanizada (SOARES; THIELEN, 2012).

    Especificamente em relao a este tipo de aprendizagem humanizadaou significativa, Soares e Thielen (2012) citam:

    Por aprendizagem significativa, entendo aquela queprovoca uma modificao, quer seja no comportamento

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    do indivduo, na orientao da ao futura que escolhe ounas suas atitudes e na personalidade. uma aprendizagempenetrante, que no se limita a um aumento deconhecimentos, mas que penetra profundamente emtodas as parcelas de sua existncia (ROGERS, 2009, p.322, apud SOARES; THIELEN, 2012).

    Analisando a relao entre indivduo e meio para uma direosegura, e tendo o comportamento como objeto principal do motorista,hipoteticamente seria mais eficaz uma educao psicolgica preventivadirigida no apenas a candidatos CNH, mas a indivduos mais jovens, queesto concluindo o Ensino Mdio, por exemplo, os quais permanecerousurios das vias na condio no apenas de motoristas, mas tambm depedestres e ciclistas, entre outros.

    II Metodologia

    O presente estudo discute a possibilidade de se trabalhar umaeducao psicolgica, no contexto apresentado, no apenas com oscandidatos CNH, mas tambm em escolas regulares.

    Inicialmente, foram feitas duas entrevistas de carter qualitativo, como intuito de verificar opinies sobre a influncia da educao no trnsito na

    reduo de acidentes uma com uma supervisora escolar do Ensino mdio,com 31 anos de experincia no cargo, e outra com um psiclogo perito dotrnsito, credenciado no Detran desde julho de 2008, ambos atuantes emuma mesma cidade do interior de Minas Gerais. As perguntas norteadoras dasentrevistas envolveram questes sobre o papel da educao para o trnsito esua relao com a preveno de acidentes; o comportamento das pessoas notrnsito; o pblico alvo para uma interveno preventiva; o profissional maisindicado para esta ao; e uma discusso sobre transgresso das leis nestecontexto.

    Posteriormente e a partir das informaes coletadas nas duasentrevistas, cinco peritos atuantes, em mdia h cinco anos, em cidades

    do estado de Minas Gerais e com ps-graduao em psicologia do trnsitoresponderam perguntas sobre sua formao para exercer tal funo. Oquestionrio, enviado e respondido via correio eletrnico, continha asseguintes questes: 1) H quanto tempo voc trabalha como psiclogoperito? 2) Voc recebeu algum treinamento formal tcnico para trabalhar comeducao para o trnsito? Se sim, qual? 3) Voc trabalha no seu cotidianoaes prticas que envolvem educao para o trnsito? 4) Voc se julgapreparado para a funo de educador para o trnsito?

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    III Discusso

    Atualmente, apesar da discusso sobre humanizao do trnsito,conscientizao dos usurios, e importncia da ao do psiclogo nessecontexto (BARBOSA, 1979; BRASIL, 1997; SILVA; HOFFMAN; CRUZ, 2003;SOARES; THIELEN, 2012), pode-se perceber que a educao para o trnsitoainda est direcionada s normas de trfego e ao ato de conduzir veculos,desconsiderando aes atreladas s subjetividades e relaes interpessoaisque influenciam no sistema virio urbano. A atuao do psiclogo ainda estrestrita aplicao de testes psicolgicos para a aprovao ou reprovao do

    candidato.Os resultados do primeiro estudo apontaram conformidade emrelao ao uso da educao para trnsito como medida preventiva deacidentes. As respostas dadas tanto pelo psiclogo quanto pelo educadorvo ao encontro de questes discutidas por Rozestraten (1988, p. 9), o qualafirma que os seres humanos devem aprender no somente as tcnicas domanejo de um veculo, mas tambm as leis de circulao, de passeio pelasvias compartilhadas com outros veculos e o controle do seu comportamento,para dar lugar a um movimento regulado pela convivncia social. Os doisprofissionais apontaram ser essencial trabalhar o comportamento das pessoas,uma vez que as estatsticas mostram que a maior parte os acidentes de trnsitoso consequncia de falhas humanas.

    Hoffmann (2000) e Barbosa (1979) afirmaram a necessidade dediscusso acerca da educao para o trnsito, uma vez que o CTB (1997)passou a considerar o sistema virio no apenas como vias, placas e normasde legislao, mas atrelou a este contexto o comportamento das pessoas.Nesse sentido, os entrevistados concordaram que devem ser educados noapenas os futuros motoristas, mas tambm os alunos de escolas regulares, umavez que no trnsito no esto apenas os condutores de veculos, mas todas aspessoas que utilizam as vias terrestres para se locomoverem.

    O supervisor escolar afirmou que o pblico mais indicado para a aoseriam os alunos de Ensino Mdio, porque so futuros motoristas e no trnsitono h apenas eles, os motoristas. A opinio do psiclogo no foi muito

    diferente e sua resposta envolveu os alunos desde o Ensino Fundamental, pois[...] a princpio eles atuam como pedestres e depois como condutores. Elesvo ver os dois lados. Em relao ao profissional que deveria executar estatarefa educacional, o supervisor escolar foi enftico ao apontar o psiclogo.

    No que diz respeito preveno de acidentes e punio aos infratoresdas leis de trnsito, ambos apostam nas duas aes como eficazes, ressaltandoa conscientizao como fundamental ferramenta para a qualidade de vidados usurios das vias urbanas. De acordo com o educador as leis so fracas

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    e deve haver mais rigor e conscientizao tambm. Da mesma forma, oPsiclogo afirmou que prevenir conscientiza e faz assimilar. E se transgredir alei e cometer crime, ele precisa ser punido. Rozzestraten (1986), afirmou queo aumento das multas e fiscalizao mais rgida seriam medidas eficazes paraa diminuio dos acidentes. O CFP tambm abordou questes importantessobre este assunto:

    O Sistema Conselhos de Psicologia deve incentivar osrgos e entidades de trnsito a contratar psiclogos doTrnsito para fazer pesquisas de comportamento doscondutores e realizao de projetos, contemplando aeficincia na educao e sensibilizao dos usurios nautilizao e obedincia s normas, procurando preveniros acidentes de trnsito (CFP, 2012, p. 4).

    Os profissionais entrevistados no segundo estudo, alegaram trabalharem torno de cinco anos como psiclogos peritos do trnsito. Dos cincoentrevistados, trs afirmaram no ter recebido, em sua formao comoespecialistas, qualquer treinamento para trabalharem situaes que envolvama educao para trnsito e destacaram a importncia dessa capacitao.

    Foi possvel perceber um entendimento de educao para o

    trnsito restrito s normas legais e a prtica de dirigir, sugerindo que estaresponsabilidade de educar no compete ao psiclogo, contrariando o Cdigode Trnsito Brasileiro (CTB), quel sugere a humanizao do trnsito. Talcomo afirmam Silva, Hoffmann e Cruz (2003), as atividades dos psiclogosno devem se concentrar apenas nos testes que avaliam o processamentode informaes, mas tambm no comportamento e subjetividade (DETRAN-MG, 2013).

    As respostas obtidas no estudo dois trouxeram luz a necessidade demaior de preparo dos profissionais da psicologia no que diz respeito a umaeducao para o trnsito mais humanizada como sugere o Cdigo de TrnsitoBrasileiro.

    De acordo com Silva, Hoffman e Cruz (2003), dever do psiclogocolaborar com a construo do conhecimento sobre trnsito, uma vez que permitido a este profissional criar programas eficazes de humanizao paraprevenir acidentes. Nota-se que as pesquisas e produo de conhecimentose limitam s instituies de ensino, portanto, seria positiva uma aoconjunta entre escolas, prefeituras, secretarias de educao e o psiclogo paratrabalharem esta questo, uma vez que o fator humano corresponde a 90%dos acidentes de trnsito (HOFFMAN, 2000; ROZESTRATEN, 1988).

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    IV Consideraes finais

    Esta pesquisa pretendeu acalorar a discusso no que diz respeitos possveis atuaes do psiclogo na preveno de acidentes de trnsito.Inicialmente, acreditava-se que ensinar regras e consequncias legais parao seu descumprimento seriam suficientes para a preveno ou reduode acidentes nas vias terrestres, mas os altos ndices de mortes no trnsitodemonstram o contrrio.

    O Cdigo de Trnsito Brasileiro traz luz uma discusso quepretende humanizar o trnsito, o que despertou interesses em estudos queapontam diferentes reas de interveno do psiclogo como, por exemplo,uma proposta de educao numa perspectiva psicolgica, desencadeandoum bom comportamento no trnsito, evitando que atitudes de neglignciasejam o principal fator de acidentes.

    Foi possvel inferir uma concordncia entre os profissionais no quediz respeito conscientizao. Tais conjunturas reforam a necessidade defazer surgir possibilidades para o desenvolvimento de programas de educaoviria no ensino das escolas regulares, prevenindo acidentes e melhorando aqualidade de vida no trnsito.

    As circunstncias envolvidas neste contexto vo ao encontro do

    apontado pelos demais profissionais entrevistados, no segundo momento dapesquisa. A maioria concordou com a necessidade de melhorias no que dizrespeito formao acadmica, nos cursos de especializao, no sentido deatender ao que o CTB demanda em relao aprendizagem humanizada,desvinculando a educao para o trnsito da apresentao e cobrana deregras, mas, ao contrrio, apresentando o trnsito como responsabilidade detodos os usurios da via, no somente de motoristas e pilotos.

    O segundo estudo apontou que, entre os cinco entrevistados, doisno se sentiam preparados para trabalhar questes educacionais voltadaspara o trnsito e mesmo os que responderam positivamente apontaram anecessidade de aprimorar seus conhecimentos.

    Nota-se tambm que mesmo com a existncia de estudos indicandouma incidncia de 90% de falha humana nos acidentes de trnsito, ha umalimitao da ao do psiclogo nos testes de avaliao. A atuao prticaacaba sendo direcionada somente aos candidatos CNH, mesmo sendoindicada uma educao para o trnsito em alunos de diferentes faixas etriase permitida uma atuao mais voltada ao comportamento e subjetividade dosusurios das vias.

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