52
Bruno Henrique Xavier da Trindade CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS Mitos, racismo e tradição Belo Horizonte Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2010

CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

  • Upload
    lorena

  • View
    222

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 1/52

Bruno Henrique Xavier da Trindade

CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAISMitos, racismo e tradição

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)2010

Page 2: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 2/52

Bruno Henrique Xavier da Trindade

CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAISMitos, racismo e tradição

Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do CentroUniversitário de Belo Horizonte (UNI-BH) como requisito parcial àobtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Orientador(a): Prof. Luiz Henrique Vieira de Magalhães

Belo HorizonteCentro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2010

Page 3: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 3/52

Page 4: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 4/52

RESUMO

A finalidade deste trabalho foi mostrar como o cinema conta a história do futebol e, se assim,contribui para a manutenção da memória do esporte e perpetuação de seus mitos. Apesar dagrande visibilidade social que o futebol possui no Brasil, é importante analisar o futebol coma lupa do cinema para uma maior compreensão da sociedade brasileira, já que o futebol setornou elemento indissociável da cultura nacional. Os filmes escolhidos como objeto deanálise são: Boleiros: Era uma vez o futebol e Boleiros 2: Vencedores e vencidos, queapresentam histórias sobre o mundo do futebol, como a compra da arbitragem para arranjar

um resultado, discriminação racial, a relação entre tradicional e moderno e, principalmente,aspectos da carreira do jogador de futebol. Esses casos foram considerados suficientes paraatingir os resultados esperados para esta pesquisa, já que se constituem de históriasatemporais, que acontecem desde o tempo em que o esporte era amador até o profissionalismode hoje. Além disso, essas narrativas também fazem parte da estrutura do futebol, por abordartemas que ajudaram a modalidade esportiva a chegar ao lugar de destaque social queconquistou com o passar do tempo. O objetivo deste trabalho é mostrar que o cinema retrata o

futebol pelo grande interesse que ele gera, pela grande importância que esse esporte possui navida das pessoas, e pela função de registro histórico que ele proporciona, conduzindo atravésdo tempo os contos do esporte e mantendo viva a memória e a figura dos ídolos do futebol.

Palavras-chave: Futebol, Cinema, Comunicação.

Page 5: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 5/52

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1: Síntese de relação entre tradicional e moderno, considerando dirigentes, jogadorese espetáculo ............................................................................................................................. 24

Page 6: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 6/52

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 07

2 FUTEBOL NO BRASIL E NO MUNDO ........................................................................ 092.1 História ............................................................................................................................. 092.2 O futebol na sociedade ..................................................................................................... 152.2.1 Mito ............................................................................................................................... 172.2.2 Elemento de dominação ................................................................................................. 212.2.3 Tradicional e Moderno .................................................................................................. 23

3 CINEMA E A RELAÇÃO COM O FUTEBOL ............................................................. 263.1 História do cinema ............................................................................................................ 263.2 O futebol no cinema ......................................................................................................... 30

4 ANÁLISE DENTRO DAS QUATRO LINHAS .............................................................. 364.1 Metodologia ...................................................................................................................... 364.2 Análise .............................................................................................................................. 38

5 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 46

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 49

ANEXOSAnexo A – Jogador negro é confundido com bandidoAnexo B – Ficha técnica dos filmes

Page 7: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 7/52

7

1 INTRODUÇÃO

O interesse para a realização deste estudo surgiu com o intuito de verificar como se iniciou arelação entre cinema e futebol no Brasil e como essa proximidade foi se estreitando ao longoda história. Busca-se verificar também como o cinema se apropria do futebol e o retrata para asociedade.

Para analisar a maneira como o cinema conta as histórias do futebol, foram escolhidos comoobjeto de pesquisa dois filmes brasileiros: Boleiros: Era uma vez o futebol, produzido em

1998 e Boleiros 2: Vencedores e vencidos, produzido em 2006, ambos dirigidos por UgoGiorgetti. O objetivo deste estudo é mostrar os benefícios para o futebol a partir de suaveiculação cinematográfica, que contribui para uma maior compreensão cultural da sociedadebrasileira e para um maior conhecimento sobre a modalidade do esporte.

Esses filmes foram escolhidos porque apresentam diversas histórias que falam de elementosimportantes na estrutura do futebol e que trouxeram o esporte ao patamar que ele está hoje,como aspectos peculiares da carreira do jogador de futebol, a questão do preconceito, a figuramítica sob a imagem do jogador de futebol e a relação entre o tradicional e o moderno. Outrofator importante é que as histórias contadas pelos longas são atemporais, já que acontecemdesde o surgimento da modalidade esportiva no país até os dias de hoje. A partir de então,serão analisadas essas narrativas que o cinema utiliza para falar sobre o futebol e de quemaneira isso contribui para a preservação da memória do esporte e para a perpetuação dosmitos criados pelo evento de massa.

O capítulo dois trata da história do futebol no Brasil e no mundo, contando como o esportechegou ao país, de onde ele veio, como ele foi inserido e difundido na sociedade brasileira,quais os principais personagens responsáveis por essa difusão, como ele se tornou elementoconstituinte da identidade do brasileiro e como foi feita a transição entre tradicional emoderno, entre amadorismo e profissionalismo.

No capítulo seguinte, é contada história do cinema, de como se chegou até a invenção dosirmãos Lumière (1895), como ele chegou ao Brasil, como se tornou um evento de massa e

Page 8: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 8/52

8

quais são as categorias criadas para ele. Esta parte da pesquisa fala também do começo darelação entre cinema e futebol, a importância de se analisar o esporte sob a lupa do cinema, arelevância da veiculação cinematográfica para a memória do esporte e para a perpetuação da

imagem dos grandes jogadores.

A metodologia utilizada foi a análise das histórias do filme. Para isso, foram selecionadoselementos centrais de algumas narrativas, que são considerados importantes na estrutura dofutebol e que nos ajudam a compreender os objetivos desta pesquisa. No filme Boleiros: Era

uma vez o futebol , foram escolhidas duas histórias que têm como tema o preconceito e amitificação do jogador de futebol. Os outros contos foram descartados ou porque tratam domesmo tema ou porque são menos adequados para atingir os objetivos traçados.

No outro longa, Boleiros 2: Vencedores e vencidos , foi delimitado um tema que se constituicomo o cerne de todos os casos relatados pelo filme: a relação entre o moderno e otradicional. Outros elementos presentes nas histórias foram descartados, também como umaescolha, por considerar que o tema escolhido é de maior relevância para este estudo.

Page 9: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 9/52

9

2 FUTEBOL NO BRASIL E NO MUNDO

2.1 História

Contar a história do futebol é muito importante para entender como esse esporte, que em seuinício era praticado apenas pelas classes sociais mais privilegiadas, se popularizou e se tornoua modalidade esportiva mais praticada em todo o mundo. É importante também para mostrar arelevância que o futebol ganhou no Brasil, até ser considerado como elemento indissociável

da cultura do país. Segundo João Sebastião Witter (1996), escrever sobre o futebol é falar deum fenômeno que atinge a população brasileira no seu íntimo.

Apesar de ser um esporte de alta visibilidade e que desperta grande interesse ao redor domundo, tendo gerado vários estudos a seu respeito, não é possível determinar de forma precisaas origens desse jogo. Desde a antiguidade, se tem relatos da existência de atividadessemelhantes ao futebol.

Nas cavernas pré-históricas, há pinturas que poderiam nos remeter a ele. Em algumasregiões do Extremo Oriente, há mais de 2.000 anos, praticava-se um esporte que lembra ofutebol – o Kemari. Também na Grécia, em Roma e em toda a Europa durante a IdadeMédia, se têm notícia da prática de jogos assemelhados. (WITTER, 1996, p.8)

Já o surgimento do futebol moderno é atribuído às ‘Public Schools’ e às universidadesinglesas, onde o esporte era praticado por estudantes oriundos de famílias mais abastadas. Até

o ano de 1830, os jogos mantiveram suas características iniciais inalteradas, com umaorganização difusa, informal e uma prática sem regras escritas. A partir de 1830, com o iníciodo estabelecimento da industrialização, desenvolveu-se um processo de mudança nas‘Public

Schools’ que provocou conseqüências decisivas na prática do jogo, quando foramestabelecidos novos tipos de relações codificadas entre os estudantes. O jogo também recebeuregras precisas e escritas: foi determinado o tamanho da bola, os limites do campo, o númerode jogadores, a duração de uma partida etc. Mesmo com o passar do tempo, essas regras

pouco mudaram e são utilizadas até hoje.

Page 10: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 10/52

10

Assim como a história do surgimento do futebol não possui uma data precisa e nem mesmo uma época específica, o aparecimento do esporte no Brasil também gera controvérsias e

dúvidas em relação ao momento exato da sua chegada por aqui.

Existem relatos que dizem que já se jogava futebol no país quando Charles Miller voltou daEuropa trazendo a “novidade”. As partidas teriam sido jogadas nos litorais de Pernambuco ede Santos, em São Paulo. “Os times adversários teriam sido organizados por marinheirosingleses e por brasileiros residentes nesses locais. Essas informações são difíceis de seremcomprovadas, porém devem ter muito de verdade” (WITTER, 1996, p.11).

Quando se buscam os mitos de origem pisa-se em terreno incerto, versões se contradizemou convivem alegremente. E que o melhor a se fazer é seguir o exemplo do clássicofaroeste de John Ford,O Homem que matou o Facínora : “se a lenda for melhor que o fato,imprima-se a lenda”. E ponto final. (ORICCHIO, 2006, p.18)

Apesar das contradições, a versão mais aceita é a que atribui o surgimento do futebol noBrasil a Charles Miller, filho de um inglês e de uma brasileira, que aos nove anos de idade, foi

estudar na Inglaterra, onde aprendeu na escola a jogar o futebol. Depois de dez anos no paísbritânico, o estudante retornou ao Brasil, promovendo as primeiras partidas dessa modalidadeesportiva no país.

Em 1894, o paulistano Charles Miller voltou de uma viagem de estudos na Inglaterratrazendo duas bolas, uniformes e um livro de regras na bagagem. Queria apresentar aosamigos um esporte que conhecera em Southampton, o football. No ano seguinte, na Várzeado Carmo, entre as ruas Santa Rosa e do Gasômetro, em São Paulo, seria realizada aprimeira partida de futebol oficialmente reconhecida no Brasil. Era um domingo, 14 deabril de 1895, e, nesse dia, dizem os historiadores, nasceu o futebol brasileiro.(ORICCHIO, 2006, p.15).

A prática do chamado “esporte bretão”, no Brasil, começou com os filhos de famíliasbrasileiras com posses, que faziam parte da elite que se formava no final do século XIX einício do século XX, e com os imigrantes com posses, que tinham grande número departicipantes do futebol. Em seu início, a prática do futebol era um privilégio de classes maisabastadas porque eram necessários recursos para adquirir as chuteiras e dividir as despesas

com a compra de bolas e dos uniformes, que não eram produzidos aqui. “Era materialimportado de outros países e que não custava barato. Por isso, inicialmente, era um esporte

Page 11: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 11/52

11

praticado somente por rapazes ricos”. (WITTER, 1996, p.11). E os gastos não se restringiamapenas aos uniformes. “Para se ter uma ideia: cada jogador que foi a São Paulo, no princípiodo século, disputar uma partida de futebol, teve que entrar com cento e trinta mil réis para as

despesas de viagem” (FILHO, 2003, p.34). Além do fator financeiro, o preconceito tambémdefinia os praticantes do futebol. “O mulato e o preto eram, assim, aos olhos dos clubes finos,uma espécie de arma proibida. Não um revólver, uma navalha. Se nenhum grande clubepuxasse a navalha, os outros podiam continuar lutando de florete” (FILHO, 2003, p. 120).

E quem abriu as portas e puxou essa navalha, foi o Vasco da Gama, que subiu para a primeiradivisão com negros no elenco. “O Vasco não fazia pretos: para o preto entrar no Vasco tinha

de ser já bom jogador. Entre um branco e um preto, os dois jogando a mesma coisa, o Vascoficava com o branco. O preto era para a necessidade, para ajudar o Vasco a vencer (FILHO,2003, p.120). O time cruzmaltino chegou a ser proibido de disputar o campeonato carioca.Mas os clubes deixaram a cisma de lado, já que os times de brancos eram os grandescampeões. “O Vasco que botasse quantos mulatos, quantos pretos quisesse no time. Tudocontinuaria como dantes, os brancos levantando os campeonatos, os mulatos e os pretos nosseus lugares, nos clubes pequenos (FILHO, 2003, p.121).

Mas em pouco tempo, o time “mestiço” mostrou a sua força, derrotou os consideradosgrandes times de elite e foi campeão.

A ilusão durou pouco, os clubes finos, de sociedade, como se dizia, estavam diante de umfato consumado. Não se ganhava campeonato só com times de brancos. Um time debrancos, mulatos e pretos era o campeão da cidade. Contra esse time, os times de branconão tinha podido fazer nada (FILHO, 2003, p.126)

Em seguida, para desespero dos brancos, surge mais um time campeão, tendo entre seusprincipais jogadores, atletas negros, que juntamente com o Vasco, disputava a hegemonia dofutebol carioca. “Ninguém podia mais iludir-se, o São Cristóvão campeão, o Vasco vice-campeão. A vantagem de se misturar brancos, mulatos e pretos, de não olhar para a cor dos jogadores, de estar livre de preconceitos de branquidade” (FILHO, 2003, p.153).

Se não conseguiam vencer dentro das quatro linhas, os times de brancos como Flamengo,Fluminense, Botafogo e América, tiveram que adotar medidas políticas para tentar conter o

Page 12: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 12/52

12

ímpeto dos times com atletas negros. Em 1924 nascia a AMEA, uma liga de grandes clubes,sem o Vasco.

Os grandes clubes não precisavam de mais nada para fazer tudo voltar a ser o que eradantes: bastava o amadorismo puro, coisa para os bem de vida. Quem não estudasse, quemnão trabalhasse, não podia jogar. Quem não explicasse, direitinho, como arranjava dinheiropara viver, não podia jogar (FILHO, 2003, p.130)

Mas o Vasco conseguiu se adequar as exigências e a manter o time. E já que nada disso foisuficiente para acabar com os negros no futebol, eles foram aceitos, mas apenas dentro decampo. “O preto jogava, no campo não havia mais essa história de preto e de branco, fora docampo continuava a haver” (FILHO, 2003, p.172)

O preconceito era tão grande, que alguns jogadores, como o paulista Arthur Friedenreich,grande ídolo dos anos 1910 e 1920, tinham vergonha de sua cor e utilizava de vários artifíciospara parecer branco. Eles usavam pó-de-arroz na pele para “embranquecer” – foi daí quesurgiu o apelido do aristocrático time do Fluminense do Rio de Janeiro – e até de alisar ocabelo.

Primeiro untava o cabelo de brilhantina. Depois, com o pente, puxava o cabelo para trás. Ocabelo não cedendo ao pente, não se deitando na cabeça, querendo se levantar.Friedenreinch tinha de puxar o pente com força, para trás, com a mão livre segurar ocabelo. Senão ele ficava colado na cabeça, como uma carapuça. O pente, a mão nãobastavam. Era preciso amarrar a cabeça com uma toalha, fazer da toalha um turbante eenterrá-lo na cabeça. E ficar esperando que o cabelo assentasse (FILHO, 2003, p.61)

Aos poucos, diante do inegável talento dos negros para o futebol, a resistência foi caindo.Vieram Leônidas (o diamante negro), Zizinho, Domingos da Guia, Didi. Mas oreconhecimento só apareceu com a “magia” que saía dos pés de Pelé e Garrincha, que a partirda década de 1950, fizeram com que o povo e a imprensa se rendessem às qualidadesfutebolísticas da raça negra e se tornassem dependentes de seu talento.

Quem amava o futebol sentia essa dependência. Daí a gratidão de tanto branco, por ummulato ou preto que ganhava um jogo ou um campeonato. O amor pelo clube transferia-se

para os que o defendiam em campo, independentemente da cor. E talvez a gratidão maiorfosse pelo mulato ou preto por um senso de justiça que, lá no fundo, descerrava o véu deum racismo. (FILHO, 2003, p.281)

Page 13: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 13/52

13

Aos poucos, foi se formando um público que começava a freqüentar os campos onde aspartidas eram disputadas, tanto nacionais quanto internacionais. Assim, o esporte ia setornando gradualmente mais popular, conquistando aos poucos um espaço dentre as demais

práticas esportivas já consolidadas.

Não tinha a divulgação e a acolhida dos esportes considerados nobres. Mas começava aocupar um espaço importante na vida esportiva do país, para não mais cedê-lo a qualqueroutra modalidade esportiva. Consolidava-se ano a ano, um público fiel à sua prática. Aplatéia aumentava. O número de jogadores também. A importância do futebol comorecreação e evento tornava-se evidente. (WITTER, 1996, p.16)

A partir desse momento, os meninos ricos começaram a se “misturar” aos garotos maispobres, aos negros e aos mulatos. “Surge então a magia desse ‘futebol arte’ que, com o tempo,conquista o mundo, por continuar a ser, apesar de cada vez mais técnico, encantadoramente“moleque’”. (WITTER, 1996, p.19). Assim, as duas primeiras décadas do século XXrepresentaram o início da consolidação e popularização do esporte, ainda amador, no país.Nesse período aconteceram os primeiros amistosos entre clubes de cidades brasileiras, comoRio de Janeiro e São Paulo.

Já as primeiras competições esportivas internacionais começaram a ser disputadas nas últimasdécadas do século XIX. Segundo Nattan1 (1958, p.53 apud RAMOS, 1984, p.24) elas secaracterizavam pelo imperialismo e nacionalismo. Para Ramos (1984), “tinham o objetivo defirmar um acordo pacífico entre os povos. Todavia, o nacionalismo, no fundo, guardava osentido de luta entre os países”. (RAMOS, 1984, p.24). No caso da seleção brasileira defutebol, carinhosamente apelidada de selecionado canarinho, o seu primeiro torneiointernacional foi em 1919. O Brasil sagrou-se campeão sul-americano vencendo o Uruguaipor 1 a 0. Os times nessa época jogavam com cinco atacantes, três no meio de campo, doiszagueiros e o goleiro.

O sucesso da seleção brasileira de 1919 foi um grande incentivo para a prática do futebol queainda permanecia amador. Apesar da popularização, o esporte ainda estava marcado pelopreconceito. “À medida que foi se tornando mais popular, entretanto, e até os anos 60, a elitepassou a ver o jogador de futebol como marginal” (WITTER, 1996, p.15).

1 NATTAN, A. Sport and Society. Londres, s. ed., 1958)

Page 14: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 14/52

14

Mesmo assim, poucos anos depois da primeira pelada na Várzea do Carmo, o futebol já setornara uma nascente paixão dos brasileiros, com os ingredientes necessários para assumircaráter predominante na sociedade, com a criação de grandes clubes, de campeonatos, da

rivalidade entre torcidas, etc. “Dentre os mais antigos, está o Rio Grande F.C., que disputacom a Ponte Preta (ambos de 1900) o status de ter sido o primeiro clube fundadoexclusivamente para a prática do futebol, com estatutos e regulamentos” (WITTER, 1996,p.13).

Como o número de equipes de futebol foi crescendo, passou a existir a idéia de se fundar umaorganização que coordenasse as partidas entre elas: uma federação, nos mesmos moldes das

que já tinham surgido em outros países onde a prática do esporte já estava mais consolidada.

Tudo começou na Inglaterra, em 1865, com a F.A. (Football Association), que dá o passoinicial harmonizando os diversos regulamentos existentes nos diferentes clubes. (...) Em1904, as federações européias criaram a FIFA (Federação Internacional de FutebolAssociado), que se tornou o órgão centralizador e de referência na prática do futebolinternacional. (WITTER, 1996, p.10).

No Brasil, tanto o futebol quanto outras modalidades esportivas caminharam nesse sentido e

também perceberam a necessidade de criarem entidades que regulamentassem ascompetições. A primeira entidade fundada com o objetivo de organizar o futebol e outrosesportes no Brasil foi a Federação Brasileira de Sports, em 8 de junho de 1914. Em 1916,passou a se chamar Confederação Brasileira de Desportes e regulamentou e dirigiu asmodalidades esportivas do país organizando competições nacionais. Aos poucos, cada esportefoi fundando uma confederação própria, até a criação da Confederação Brasileira de Futebol,que rege até hoje o futebol brasileiro.

Desde sua implantação até as duas primeiras décadas do século XX, o futebol eraessencialmente amador.

Não havia contrato de jogadores, nem salário estipulado e muito menos negociações entreclubes para a compra do passe de um jogador, como no moderno futebol, quando as cifrasestipuladas para a transferência de um atleta de um clube para outro atingem milhões dedólares. O jogador ela vinculado ao time ou ao clube por convicção e por amor. É bemprovável que a expressão “amor à camisa” tenha nascido aí (WITTER, 1996, p.20).

Page 15: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 15/52

15

Nos anos vinte, começou-se a debater a questão da profissionalização dos jogadores. Essadiscussão ganharia força no final da década e passaria a ser objeto de discussão e implantaçãonos anos trinta.

Muitos clubes resistiam à idéia de profissionalizar o futebol, inclusive a própriaConfederação Brasileira de Futebol, inicialmente. (...) Sem dúvida, a questão daprofissionalização acompanhou a popularização do esporte e o crescente prestígio dos jogadores, que se tornavam conhecidos em outros países. (WITTER, 1996, p.22)

Entre 1933 e 1940, vários jogadores brasileiros passaram a atuar na Europa. Na década de

trinta, também, realizaram-se as três primeiras copas do mundo. A modalidade não parava deevoluir e ganhar popularidade ao longo das décadas, de acordo com Oricchio (1996, p.23).Nosso país boleiro divertia-se com seus belos times, campeonatos com estádios cheios,torcidas apaixonadas e o desejo de se vencer uma copa do mundo.

O começo da Segunda Guerra Mundial, deflagrada em 1939, interrompeu a seqüência doscampeonatos mundiais. Conforme Witter (1996), as transações envolvendo jogadores de

futebol comprovaram que o regime profissional, implantado em 1933, estava vitorioso. Eracomo que um período de preparação para a nova fase que se delineava logo após o fim daguerra com os preparativos para o Campeonato Mundial de 1950. Entre os anos de 1950-1970houve alterações acentuadas na vida dos jogadores, na prática do futebol e na preparação dosatletas. A partir de 1970, a evolução do profissionalismo se acentuou no futebol, e o grandesucesso desse esporte consolidou-se com as disputas das copas do mundo, que em todas assuas edições contou com a presença do selecionado brasileiro.

2.2 O FUTEBOL NA SOCIEDADE

Conforme Witter (1996), o futebol está intrinsecamente relacionado com a cultura e éindissociável da sociedade.

Contrariamente à idéia bastante difundida, o futebol não se situa à margem dos grandes

problemas da sociedade, não constitui um espaço reservado. Pelo contrário, em torno deleestão presentes interesses econômicos consideráveis, em que se confrontam as ideologias eem que se manifesta a política nacional e internacional. O futebol é um espelho dosproblemas do nosso tempo. (WITTER, 1996, p.5)

Page 16: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 16/52

16

O futebol certamente já faz parte da cultura de vários países ao redor do mundo. “Quase todosos seres humanos desse mundo conhecem algumas das regras que regem o jogo dentro decampo” (WITTER, 1996, P.8). E esse esporte está tão presente na sociedade brasileira que

alguns termos futebolísticos foram incorporados ao uso cotidiano das pessoas, como “jogo decintura”, “pisou na bola”, “na marca do pênalti”, etc. Isso nos mostra a importância que ofutebol possui, sendo discutido por todas as classes sociais e por ser um fenômeno muito maisque um simples esporte. “Porque o futebol é tão apaixonante?... Por ser, dos esportes, o maissujeito e aberto à interpretação. O juiz nunca vê tudo, ninguém nunca vê tudo, e todos têm apretensão de ver tudo. E o futebol não têm lógica, tem lógicas, inclusive a do acaso e doparadoxo” (WISNIK, 2005, Caderno Aliás – Estado de S. Paulo).

O futebol não é apenas mais uma modalidade que surgiu e que divide espaço com outraspráticas esportivas já existentes ou que ainda podem surgir. Essa modalidade ocupa umespaço distinto entre os esportes, principalmente na sociedade brasileira. Os elementos quetrouxeram ao futebol a proporção e a importância que ele tem hoje podem ser verificados na“estrutura da organização do futebol no Brasil, na forma de apresentação do espetáculo, nascrises, e nas transformações ocorridas no âmbito estrutural e nas reações dos jogadores –

segmentos basilares na produção do futebol enquanto evento de massa” (HELAL, 1997, p.15-16).

O futebol é mais que um esporte no Brasil. Ocupa espaços imensuráveis na vida de todos.Mesmo aqueles que não gostam dele não estão imunes. O futebol não se restringe aosestádios. A bola penetra nos locais mais diversos permanentemente. Nos meios decomunicação, na rua, no bar, em casa, na do vizinho, há uma partida de alguma forma. Obate-papo não prescinde dos jogadores, dos clubes e dos campeonatos (RAMOS, 1984,p.11)

Ao contrário de outros setores da vida social do brasileiro, o futebol, como todos os outrosesportes, se baseia na democracia e na igualdade, permitindo que todos seus participantestenham oportunidades iguais para as competições e que as vitórias sejam obtidas de acordocom o mérito de cada um. “Via de regra, os esportes celebram o espírito de competição,enfatizam os méritos dos vencedores e estimulam os perdedores a serem os vencedores deamanhã” (HELAL, 1997, p.30). Assim, a ideologia do esporte traz muita semelhança com osideais da doutrina do capitalismo liberal. “Todos têm as mesmas oportunidades e o sucessoestá ao alcance de todos sem distinção de raça, credo ou classe social” (HELAL, 1997, p.30-31). O futebol no Brasil pode ser visto como o carnaval e outras grandes manifestaçõespopulares, que criam uma universalização e um sentido de unidade, que independentemente

Page 17: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 17/52

17

de classe social ou opção política, podemos observar as pessoas se “transformarem em“iguais” através de um sistema de comunicação que as leva a abraços e conversas informaisnos estádios, ruas, praias e escritórios” (HELAL, 1997, p.25).

O futebol brasileiro é caracterizado por seus “pensadores”, acadêmicos ou não, como sendoportador de uma identidade própria que o singularizaria perante outras nações. Portanto,seria uma característica inerente aos brasileiros “jogar bola” de uma determinada maneira, aqual constituiria uma marca cultural carregada por nós desde o nascimento. Essa auto-representação que nos impusemos criou uma forma particular de praticar tal esporte, pensá-lo e vivenciá-lo em nosso cotidiano. É a esse futebol, construído basicamente nos anos quevão de 1930 a 1974, que designamos “futebol arte”. (GIL, 1994, p.100)

Levando em consideração o argumento de que o brasileiro pratica um futebol-arte,diferentemente de outras nações em que o praticar é de maneira mais técnica do que lúdica,passamos a vê-lo como algo que está fundado em um certo talento natural do brasileiro, que játraz do berço os requintes necessários para se destacar no futebol. Algumas expressões como“futebol não se aprende na escola” reforçam a idéia de que a essência de jogar futebol já estápresente no gene dos garotos deste país.

O esporte mais praticado do planeta também mexe com o imaginário das pessoas, cria estilosde vida, vai do melhor passatempo até uma ocupação diária. Existem pessoas que dizem atéque se o Brasil não tivesse perdido a Copa de 1950 para o Uruguai, por 2 a 1, no Maracanã,diante de 200 mil pessoas, hoje seria um país melhor. Essa importância atribuída àmodalidade no Brasil faz dele um rico objeto a ser retratado pelo cinema que se apresentacomo uma importante ferramenta para registrar os caminhos percorridos pelo futebol eentender como ele chegou ao patamar que tem hoje; para guardar grandes acontecimentos do

esporte, para contar de outra forma e com maior abrangência a história desse esporte “bretão”,que acabou se tornando o esporte mais brasileiro de todos.

2.2.1 MITO

De acordo com Eliade (1972), a nossa maneira de compreender o mito hoje contrasta com a

visão mais antiga, e de certa forma etnocêntrica, de vê-lo como uma simples fantasia deculturas inferiores nas quais não se cultivava plenamente a razão. Na verdade, não obstante o

Page 18: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 18/52

18

desenvolvimento do pensamento lógico e científico, o mito continua existindo nas sociedadescontemporâneas e deve ser entendido como indissociável da nossa condição humana. Nãosomos, em nenhum momento, um ser puramente racional. O tempo todo, o nosso contato com

o mundo é sempre mediado também pela emoção, pela fantasia, pelo desejo, pelo medo etc.Se o mito presente no universo do homem arcaico era um mito sagrado, que servia de basepara a sua maneira de compreender o mundo, hoje produzimos e consumimos os mitosprofanos. Mitos que não remetem ao transcendente, mas que estão encarnados nos nossosvalores, nas nossas relações pessoais, no nosso estilo de vida. Em suma, não são as própriascoisas que são mitos, a nossa fala é que pode mitificar um aspecto da realidade.

O mito não se define pelo objeto de sua mensagem, mas pela maneira como a profere: omito tem limites formais, mas não substanciais. Logo, tudo pode ser mito? Sim, julgo quesim, pois o universo é infinitamente sugestivo. Cada objeto do mundo pode passar de umaexistência fechada, muda, a um estado oral, aberto à apropriação da sociedade, poisnenhuma lei, natural ou não, pode impedir-nos de falar das coisas (BARTHES, 1982, p.131)

O talento apresentado por jogadores de futebol ao longo dos anos, juntamente com avisibilidade adquirida com a difusão do esporte, levaram os seus atletas para outro patamar,

que não mais se restringe ao mundo humano e está longe do alcance de um ser comum. Ogrande jogador de futebol, a estrela maior de um espetáculo, que é capaz de influenciar emuito a vida das pessoas, se tornou um mito: uma figura emblemática da sociedade que chegaa ser endeusada e colocada em um pedestal pela arte que produz com a bola nos pés. O jogador de futebol entra de vez para o mundo dos deuses como um novo ícone, um olimpiano,se apresentando às vezes como um modelo de superação, de trajetória vitoriosa, depredestinação que supera a vida do homem comum, no planeta chamado futebol, que temsucesso naquilo que faz.

Comportamentos míticos poderiam ser reconhecidos na obsessão do “sucesso”, tãocaracterística da sociedade moderna, e que traduz o desejo obscuro de transcender oslimites da condição humana; no êxodo para os subúrbios, onde se pode detectar a nostalgiaa “perfeição primordial” (ELIADE, 1963, p.160)

Segundo Eliade (1972), o mito se constitui como ingrediente vital da civilização humana enão pode ser visto como uma mera anedota popular. “Longe de ser uma fabulação vã, ele é aocontrário uma realidade viva, à qual se recorre incessantemente” (ELIADE, 1972, p. 23). Agrande exploração que a mídia faz do mito alcança o homem contemporâneo na sua

Page 19: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 19/52

19

intimidade, justamente porque essa estrutura está enraizada desde o primeiro momento daconstituição do nosso universo simbólico. “O mito, como se sabe, é um valor: basta modificaro que o rodeia, o sistema geral (e precário) no qual se insere, para poder determinar com

exatidão o seu alcance” (BARTHES, 1982, p. 165).

A imagem dos mitos é tão forte e tão determinante, que apesar de seu caráter às vezes divino,a figura do olimpiano foi humanizada, fazendo com que as divindades se tornassem profanase estivessem mais próximos do ser comum, atraindo cada vez mais a atenção das pessoas.

Pode-se observar também que mito e sociedade estão intrinsecamente ligados e que por isso,

determinam o modo da vida contemporânea.

Temos, então, que diferenciar dois tipos de mito em função da sua origem. O mito presente nomundo do homem arcaico, produto de uma consciência mítica, era o mito sagrado, queremetia ao sobrenatural. Ele se caracterizava como a única maneira do homem elaborar umconhecimento sobre o mundo. Toda a compreensão de qualquer aspecto da realidade, desde ascoisas mais extraordinárias até as mais banais e cotidianas, estava fundada nessa formamágica. Não existia ainda a hipótese de um posicionamento crítico diante da realidade, nãoexistia um pensamento totalmente abstrato e fundado na razão. Já o mito que está relacionadocom o mundo contemporâneo é o mito profano. Ele não remete mais ao sobrenatural, masconsiste em um modo fantasioso e rico de projeções do imaginário de se relacionar com umadada realidade, seja ela uma pessoa, um ideal de vida, uma orientação política etc. Esse mitoestá intimamente relacionado com a mídia, uma vez que ela é o principal elemento deinteração social nas sociedades contemporâneas.

A superexposição do jogador de futebol, a legitimidade que o esporte possui na sociedade ena mídia, o caráter de modalidade de massa e a transformação do mundo da bola em umgrande espetáculo fizeram com que o jogador de futebol se constituísse como um novo tipo demito, assumindo um papel de grande destaque para a sociedade à medida em que sua imagemse projeta através da mídia. Eles passam a encarnar assim uma dupla condição: são sereshumanos mortais ao mesmo tempo que de certa forma se imortalizaram.

Os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no imaginário e no real, ideaisinimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla natureza é análoga à dupla natureza teológicados herói-deus da religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que

Page 20: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 20/52

20

eles encarnam, humanos na existência privada que eles levam. A imprensa de massa, aomesmo tempo que investe nos olimpianos um papel mitológico, mergulha em suas vidasprivadas a fim de extrair delas a substância humana que permite a identificação. (MORIN,1997, p. 106-107)

Além da visibilidade, os futebolistas acabam também se transformando em modelos a seremseguidos. “Conjugando a vida quotidiana e a vida olimpiana, os olimpianos se tornammodelos de cultura no sentido etnográfico do termo, isto é, modelos de vida. São heróismodelos. Encarnam os mitos de auto-realização da vida privada” (MORIN, 1997, p. 107). Ofato de o cinema retratar as “lendas” do esporte ajuda a perpetuar a figura do mito e a manterviva sua imagem, criando novos tipos de modelos.

De fato, os olimpianos, e sobretudo as estrelas, que se beneficiam da eficácia do espetáculocinematográfico, isto é, do realismo identificador nos múltiplos gestos e atitudes da vidafilmada, são os grandes modelos que trazem a cultura de massa e, sem dúvida, tendem adestronar os antigos modelos (pais, educadores, heróis nacionais). (MORIN, 1997, p. 107)

Os olimpianos conseguem levar sua imagem para um patamar que os simples seres humanosnão conseguem atingir. Mas são as pessoas comuns que legitimam essa condição atribuída aosmitos, fazendo com que eles possam participar da vida das pessoas, que em muitos casos,passam até a viver em função das chamadas celebridades.

Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana, efetuam a circulaçãopermanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação. Eles realizam osfantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os mortais para realizar oimaginário. A esse título os olimpianos são os condensadores energéticos da cultura demassa. Sua segunda natureza, por meio da qual cada um se pode comunicar com suanatureza divina, fá-los participar também da vida de cada um. (MORIN, 1997, p. 107)

De acordo com Morin (1997), os olimpianos estão presentes em todos os setores da cultura demassa e influenciam diretamente na vida de todos que estão inseridos nela.

Estão presentes nos pontos de contato entre a cultura de massa e o público: entrevistas,festas de caridade, exibições publicitárias, programas televisados ou radiofônicos. Elesfazem os três universos se comunicarem; o do imaginário, o da informação, a dosconselhos, das incitações e das normas. Concentram neles os poderes mitológicos e ospoderes práticos da cultura de massa. Nesse sentido, a sobreindividualidade dos olimpianos

é o fermento da individualidade moderna. (MORIN, 1997, p. 108)

Page 21: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 21/52

21

2.2.2 FUTEBOL COMO ELEMENTO DE DOMINAÇÃO

Por causa dessa grande influência na cultura e na vida dos brasileiros, o futebol também éapontado como elemento de dominação. No regime militar, por exemplo, os comandantes dopoder utilizavam, com bastante frequência, o sucesso da seleção brasileira para justificar eenfatizar que o país também estava no caminho certo. Por isso, alguns autores, como Ramos(1984), consideram uma necessidade a observação das funções ideológicas do esporte nareprodução e legitimação do sistema.

O futebol é um aparelho ideológico do estado. Reproduz as condições econômicas, políticase sociais capitalistas. Trabalha, em silêncio, com uma pretensa neutralidade, o que significacomprometimento. Mistifica as relações de produção, legitimando o capitalismo (RAMOS,1984, p. 23).

A legitimação psicológica pode ser feita por intermédio de três estratégias: a legitimação, amistificação e a hegemonia.

A legitimação é o conjunto de crenças da desiderabilidade de algo, produzindo opiniõesfavoráveis. A mistificação fabrica falsas teorias sobre as relações sociais, manipulando oreal. Por último, a hegemonia absolutiza um modelo de vida, como única opção viável,dentro da perspectiva da burguesia (RAMOS, 1984, p.22)

O autor observa ainda que o futebol, além de preencher espaços consideráveis na vida dosbrasileiros, mistifica a realidade, reduzindo a compreensão das condições materiais e sociaisexistentes. “Nisso, os meios de comunicação social são fundamentais. Introduzem essa

sociedade de gols, vitórias e campeonatos no quotidiano. O que é feito através deprogramações inesgotáveis. O noticiário sobre futebol supera o político e o econômico”(RAMOS, 1984, p.33).

E como fator importante para completar o ciclo de dominação, que esse esporte exerce sobre asociedade, temos o fato de o futebol legitimar o capitalismo.

É reacionário. Não questiona as contradições capitalistas. Mantém incólume o “status quo”.Despolitiza e desmobiliza a organização da classe trabalhadora. Divide os trabalhadores emtorcedores de diversos clubes. O que conduz as pessoas a uma posição acrítica e passivadiante da realidade (RAMOS, 1984, p.35).

Page 22: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 22/52

22

O futebol não só legitima como possui elementos que podem ser representados pelo mundo

capitalista. O esporte pode assumir papéis do universo do trabalho, simbolizando esse sistemade governo que acabou por fortalecer a modalidade e deixá-la mais atrativa economicamente.

O estádio representa simbolicamente a sociedade industrial; o campo de futebol o mercado;os times, as empresas; os jogadores, os trabalhadores; o gol, a mercadoria produzida; opúblico, os consumidores; a partida, a concorrência no mercado; as regras do jogo, as regrasdo mercado; o juiz, a lei; o bandeirinha, a repressão. Os times entram em campo, emigualdade de condições contando com os mesmos elementos básicos e com os mesmos

direitos (igualdade de condições igual a livre concorrência no mercado). O que decide apartida (competição pelos consumidores) é a capacidade de produzir mais tentos sobre oadversário; quanto maior for o número destes, menor o sentido da competição (o jogo“fácil”, igual a colocar produtos no mercado do aniquilando a concorrência ou; termonopólio do produto) (NETTO, 1976, p.137).

Mas por ser um elemento central, universal e que ocupa o topo entre as maiores paixões dopovo brasileiro, o futebol também pode proporcionar movimentos contrários aos valores docapitalismo, que visa sempre o lucro, como na Copa de 1982, quando o país parou paraassistir aos jogos da seleção. “O Brasil perdeu Cr$ 571 bilhões de PIB - Produto Interno Bruto- nos cinco jogos da seleção. Isso sem contar que os preparativos e a participação da equipe deTelê, na Copa, custaram mais de Cr$ 600 milhões (RAMOS, 1984, p.44).

O sucesso e a difusão da prática do futebol no Brasil pode ser atribuída a alguns fatores, comoa facilidade para a prática do esporte, a propagação de suas regras no meio social, o espaçodedicado pela mídia em sua cobertura e a contribuição da prática capitalista, que apesar de teratribuído um caráter mais comercial ao esporte, estimula a democracia e a igualdade entre osseus participantes. Por isso, alguns estudiosos (Hoch, 1972; Ramos, 1984; Rodrigues, 1992;Vinnai, 1978), citados por Helal (1997, p.31) concluem que a mensagem do esporte nassociedades modernas tenta resolver simbolicamente as desigualdades econômicas e sociais docotidiano. “Se a competição da vida diária se apresenta como um “jogo de cartas marcadas”,as competições esportivas “resolvem” essa injustiça apresentando-se como justas edemocráticas” (HELAL, 1997, p.31)

Page 23: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 23/52

23

Desta feita, o futebol pode ser visto como um instrumento que permite aos brasileiros detodas as classes sociais, raças e credos, quebrar simbolicamente a hierarquia cotidiana -baseada na ética tradicional - e experimentar a igualdade e a justiça social, elementosfundamentais na ética moderna (HELAL, 1997, p.31).

Para Ramos (1984), o futebol esconde o real e o reproduz em outros níveis. Faz com que asinjustiças sociais sejam minimizadas num estádio, não permitindo hierarquia e reprimindo oconflito de classes pacificamente. E os salários altíssimos dos jogadores, dos grandes times,legitimam e avalizam a ascendência social do sistema.

2.2.3 TRADICIONAL E MODERNO

O futebol brasileiro pode ser entendido também a partir de dois aspectos, que marcaram oesporte no país ao longo do tempo e determinaram o caminho para que a modalidade seconstituísse como o grande esporte das massas e ganhasse o status que possui hoje: otradicional e o moderno. Segundo DaMatta2 (1979), citado por Helal (1997, p.27-30), odilema brasileiro reside na tensão entre esses dois fatores, já que no domínio moderno,

encontra-se o ideal da igualdade, o direito dos cidadãos, o individualismo e leis impessoais euniversais; e no domínio tradicional, encontramos a ética hierárquica baseada nas relaçõespessoais, em privilégios familiares, nas conexões e no paternalismo.

Essa tensão entre relações pessoais e leis impessoais gera um sistema dual de idéias sociaisque tem uma influência decisiva nas relações cotidianas e no significado da maioria dosrituais urbanos brasileiros, incluindo o futebol (...). Nesse sistema, amizades e relaçõessociais ficam acima e além das normas universais e regras institucionais. Por isso, osbrasileiros frequentemente fraudam o domínio moderno que é caracterizado pela crença de

que a lei deve ser impessoal e universal (...). (HELAL, 1997, p. 29)

De uma maneira geral, a relação entre moderno e tradicional é bem mais complexa nouniverso do futebol do que na vida cotidiana.

“Moderno” significa aqui a exigência de um alto grau de profissionalização ecomercialização, que objetiva lucrar com o espetáculo futebolístico. “Tradicional” significauma administração baseada mais na paixão, no relacionamento pessoal, na troca de favores

e na proibição da profissionalização dos dirigentes (HELAL, 1997, p.33).

2 DAMATTA, Roberto. Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982.

Page 24: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 24/52

24

Devido a essas contradições, Helal (1997) organizou um quadro, sintetizando as principaisdivergências entre moderno e tradicional, considerando dirigentes, jogadores e o espetáculo:

Quadro1: Relação entre tradicional e moderno, considerando dirigentes, jogadores eespetáculo

TRADIÇÃO MODERNIDADEDIRIGENTES Amadorismo, política de

troca de favoresBusca pelo modoempresarial, profissionali-

zação, ética do lucro,estratégias de marketing

JOGADORES “amor à camisa”,improvisação, estiloindividual de jogo (dribles)

Mentalidade profissional,êxodo de jogadores,racionalização do jogo

ESPETÁCULO baixo grau decomercialização, poucos

times nos campeonatos,regulamento estável,estrelas

Propaganda nos estádios euniformes, televisão, mais

clubes no campeonato,poucas estrelas

FONTE: HELAL, Ronaldo. Passes e impasses: Futebol e cultura de massa no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes,1997, p. 34.

Depois de delimitar as diferenças, percebe-se como é importante analisar os dois lados paraobter uma maior compreensão do futebol brasileiro, já que é um esporte massificado que temgrande destaque na mídia e na sociedade. Do ponto de vista da compreensão, pode-seobservar também que é necessário a união dos dois termos, moderno e tradicional, para que oesporte se renove a cada dia e para que o futebol alcance o sucesso esperado como espetáculofutebolístico. “O futebol é rico em imagens e mensagens representativas da comunidade,podendo ser entendido como um poderoso sistema de comunicação capaz de unir diferenças eproporcionar um espetáculo ritual para aqueles que dele participam” (HELAL, 1997, p. 40)

Page 25: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 25/52

25

O futebol brasileiro tem se constituído, ao mesmo tempo, em expressão da sociedadebrasileira e em um modelo para ela, espelhando toda a sua dinâmica, com todas ascontradições e todas as riquezas nela presentes. Sem dúvida, o futebol constitui-se numadas principais manifestações culturais brasileiras, constantemente atualizada eressignificada pelos seus atores (DAOLIO, 2005, p.5-6).

Segundo Helal (1997), as divergências entre amadorismo e profissionalismo e entre modernoe tradicional foram resolvidas ao longo do tempo. Com a profissionalização do futebol naEuropa, o Brasil se viu na necessidade de seguir o mesmo caminho, já que havia um grandeêxodo de jogadores brasileiros para o exterior. E também pelo fato de que o futebol do paísprecisava que as grandes “estrelas” e os “heróis” do esporte continuassem por aqui, para

continuar atraindo a atenção do público e ir seguindo com a difusão do esporte na sociedade.O autor afirma que desde então, o futebol se firmou como o símbolo maior da integraçãonacional e uma das maiores fontes de identidade cultural do país.

Na mesma perspectiva dessa diferenciação entre moderno e tradicional, encontramos umapolaridade no campo da ética. Helal (1997) identifica duas éticas: a “tradicional”, baseada emtroca de favores, relações pessoais e amadorismo na administração e a ética “moderna”, que

reivindicava o profissionalismo dos dirigentes, leis impessoais e uma visão empresarial. Essasduas éticas acabam criando um universo rico de expressões socais que estão enraizadas nacultura do país.“O futebol, enquanto um expressivo fenômeno de massa e maior fonte deidentidade cultural do país, é um universo rico em manifestações e dramatizações de nossosdilemas, ambigüidades e paradoxos culturais. Por isso, estudá-lo é garantir uma maiorcompreensão sobre o Brasil” (HELAL, 1997, p.120).

Page 26: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 26/52

26

3. CINEMA E A RELAÇÃO COM O FUTEBOL

3.1 Cinema

A história da humanidade é marcada por diversos acontecimentos que delimitam pontoscruciais para a construção ou para a quebra de paradigmas; para o surgimento de conceitos oupara a quebra de ideais; para a construção de um império ou para sua decadência.Logicamente que existem algumas contradições, principalmente com relação às datas dedeterminados acontecimentos. Mas as datas são importantes para determinar o fim ou o início

dos problemas e soluções de nosso tempo. Podemos citar a invenção da escrita (por volta de4.000 a.c) ou o nascimento do futebol (em 1830). Há quem diga que a escrita já existia antesde seu marco inicial e que se tem notícia de práticas semelhantes ao futebol em temposremotos. Apesar das contradições, a história determinou o começo de cada um deles.

Com o cinema não foi diferente. A sua invenção é atribuída aos irmãos Lumière, no ano de1895. Mas como na escrita e no futebol, se tem notícia de atividades que poderiam nos

remeter a ele, antes de seu surgimento histórico oficial. Desde a antiguidade, existirampráticas que traduzem a ideia de cinema, como a criação feita pelos irmãos franceses.

Desde as manifestações das sombras chinesas ao cinematógrafo dos irmãos Lumièrepercorrem-se não séculos, mas, milênios. Mas, lá, nessa temporalmente longínqua prática,encontra-se a primeira e exitosa tentativa de apreender, transmitir e dar significado aomovimento em seu fluxo natural. Já uns 6.000 (seis mil) anos A.C., os chineses e depois os javaneses e indianos utilizam-se em diversões, ritos e na arte bélica, de espetáculos,consistentes em sombras de pessoas, animais e coisas movimentando-se sobre iluminada

parede branca. (BILHARINHO, 1996, p. 53)

Bilharinho (1996) cita ainda a criação de experimentos ópticos, da câmera escura (que tornoupossível a fotografia e o cinema) e de outros elementos, tanto aparelhos criados para capturarimagens em movimento, quanto estudos e conhecimentos sobre outros fatores importantes naarte cinematográfica. Dentre eles, podemos citar: o conhecimento em fotoquímica e fisiologia(porque o processo químico assemelha-se ao olho humano); a invenção da fotografia e a

Page 27: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 27/52

27

invenção do celulóide. Segundo o escritor cubano Infante3 (1995, apud BILHARINHO, 1996,p. 58), “o cinema não é uma invenção, mas um processo, no qual colaboraram Edison,Eastman e os irmãos Lumière, para não mencionar os inventores anteriores”.

Finalmente, como decorrência, síntese, e evolução de todos esses, e segundo se calcula,outros mais de 100 (cem) experimentos, tentativas e conquistas, surge, em 1895, ocinematógrafo, dos irmãos Louis (1864-1948) e Auguste (1862-1954) Lumière,considerados os inventores do cinema, notadamente o primeiro. (BILHARINHO, 1996,p.59)

O termo cinema origina-se do gregokínema (movimento) egrafein (grafar), significandografia ou escrita do movimento. Pode-se dizer que a história do cinema é dividida em dois

períodos que demarcam duas fases distintas: Cinema Mudo (1895-1928) e Cinema Sonoro (de1929 em diante). “O primeiro, marcado pela etapa do pioneirismo e afirmação da nova arte(1895-1928) e pelo apogeu do cinema mudo (1919-1928). O último, balizado pelos anostranscorridos de 1929 a 1944 e pelo cinema do pós-guerra ou contemporâneo”(BILHARINHO, 1996, p.62).

O cinema, como grande ferramenta de veiculação em massa, pode ser utilizado de muitas

maneiras. Pode ser para mostrar histórias reais ou ficcionais; pode servir como meio dedominação, como na ditadura que se instaurou no Brasil, quando o governo controlava asinformações que eram divulgadas, utilizando o cinema para mostrar propagandas favoráveisao governo militar; ou como informação e entretenimento, no mundo contemporâneo, comfilmes mais comerciais. E para atrair cada vez mais o interesse das pessoas, as salas de cinemaestão cada vez maiores, para comportar um maior número de pessoas e mais modernas, comsons e imagens cada vez mais próximos do real, nos transportando para dentro do filme, como

nas películas em 3D.

Com todos esses atributos, percebe-se que o cinema, de forma inteligente, foi se apropriandode cada tipo de expressão artística e cultural, como a música, o teatro, a fotografia, e acaboucriando um estilo único, que está cada vez mais difundido na sociedade e que atrai econquista, cada vez mais, adeptos em todo o mundo.

O sucesso do cinema, que se fortaleceu e se consolidou com o passar dos anos, pode ser

3 INFANTE, Cabrera. O Cinema Morre de Velho, in Folha de S. Paulo, 26 de março de 1995.

Page 28: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 28/52

28

atribuído a sua capacidade de produzir/reproduzir o que é verdadeiro, aproximando a artefílmica do interesse das pessoas.

Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base dogrande sucesso do cinema. O cinema dá a impressão de que é a própria vida que vemos natela, brigas verdadeiras, amores verdadeiros. Mesmo quando se trata de algo que sabemosnão ser verdade, como oPicapau Amarelo ou O Mágico de Oz, ou um filme de ficçãocientífica como2001 ou Contatos Imediatos do Terceiro Grau , a imagem cinematográficapermite-nos assistir a essas fantasias como se fossem verdadeiras; ela confere realidade aessas fantasias (BERNARDET, 1980, p. 12-13).

A realidade criada pelo mundo cinematográfico é construída de acordo com os tipos de filmesque são produzidos. Cada um desses estilos apresenta suas formas bem definidas eestabelecem cada proposta de produção fílmica.

A expressão obtida pelo cinema através de suas categorias e gêneros surgiu aos poucos e foidirecionada a diversos segmentos. Primeiramente surgiu o documentário, depois vieram asanimações e a ficção. Todas essas categorias incluíram outras divisões, como os gêneros esubgêneros, que ficam mais evidentes e são mais conhecidos do público na ficção, como

comédia, drama (melodrama), aventura, ação, ficção científica, os musicais, os filmespoliciais, os pornográficos, o suspense, o terror e o estilo western.

Todos os gêneros, por sua vez, sofreram influência de um grupo ou de um movimento oude escola (Expressionismo Alemão, Neoliberalismo Italiano, Nouvelle Vague francesa,Dogma 95 dinamarquês ou, no caso do documentário, Cinema Direto, Cinema Verdade,etc.). Estabelecer a categoria e o gênero é, na verdade, a primeira etapa de toda criaçãofílmica e, de certa forma, condiciona o que está por vir, como tratamento da linguagem,técnicas, escolha dos atores (casting), dentre outros tópicos (TEIXEIRA, 2007, p. 22.Mimeografado).

Dentre os vários gêneros do cinema, encontramos o documentário, que não alcança consensoacerca de sua definição, mas geralmente é apontado como o oposto do cinema de ficção. “Nosentido preciso, ele é, por oposição ao ‘filme de ficção’, uma obra que tem um objetivoessencialmente informativo ou didático, concedendo mais importância ao conteúdo dasimagens que à originalidade de sua apresentação (BOUSSINOT4, Roger apudBARTOLOMEU, 1997, p.5 citado por TEIXEIRA5, 2007, p. 23. Mimeografado).

4 BUSSINOT, Roger. L’Encyclopedie Du Cinema. Paris: Bordas, 1980, p.397. Tradução da autora.5 TEIXEIRA, Nísio. Fundamentos de Cinema. Belo Horizonte. Apostila, 2007.

Page 29: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 29/52

29

Podemos destacar também o gênero animação, fundado em técnicas e processos necessáriospara que desenhos e objetos inanimados tenham vida aparente, sendo humanizados por seuspersonagens e assim criando uma maior proximidade com o público. “O cinema de animação

cria os fatos por outros meios além do registro automático. Num filme de animação os fatostêm lugar, pela primeira vez, na tela”. (MORENO 19786, p. 8 apud TEIXEIRA, 2007, p. 32.Mimeografado). Tanto nos filmes documentários, quanto no cinema de animação, ocorremoutras subdivisões, diferenciando vários tipos de películas documentais e diversas maneirasde se fazer animação.

Com os filmes de ficção isso não é diferente. Ele apresenta gêneros e subgêneros mais

identificáveis e de maior conhecimento público, já que determina o enredo que deverá sertrabalhado ao longo de cada filme. O fato desta categoria do cinema ser denominada ficção,não quer dizer que seja uma construção enganosa que está sendo passada para o espectador.“A ficção não é uma mentira, é um simulacro da realidade que o espectador percebe como tal”(Aumont e Marie7, 2003 apud TEIXEIRA, 2007, p. 42. Mimeografado). Os gêneros são, emsua grande maioria, definidos pelo enredo (drama e comédia), pelo estilo (musical, porexemplo) e/ou pela escritura (romance e adaptações literárias).

“Mas, no fundo, são consagrados pelo público ao longo de sua trajetória – a ponto de criarreferências obrigatórias: cenas de canto e dança nos musicais, duelo nos westerns, brigas eantagonismos nos policiais (vide os parceiros que não se bicam), a torta na cara da comédiapastelão, perseguição em filmes de aventura etc” (com Aumont & Marie, 2003 apudTEIXEIRA, 2007, p. 42.Mimeografado).

Juntamente com a função de envolver o público com esses diversos modos de contar histórias,o cinema serve também como registro histórico. Funciona como uma ferramenta que permitemostrar enredos que se perdem no tempo e ajudam a escrever a história do homem. Alémdisso, a arte cinematográfica permite sua reprodução em escala universal, aumentando opoder de alcance das pessoas e promovendo a propagação dos filmes para um número cadavez maior de espectadores.

6 MORENO, Antônio. A experiência brasileira no cinema de animação. Editora Artenova S.A e Embrafilme. Riode Janeiro, 1ª ed., 19787 AUMONT, Jacques e MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas: Papirus, 2003.

Page 30: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 30/52

30

A película que se bota na máquina e sobre a qual se imprime a imagem é um negativo que,após a filmagem, será revelado e montado para se chegar a uma matriz, da qual se poderátirar uma quantidade em princípio ilimitada de cópias. Esse fenômeno permite que omesmo produto – o filme – seja apresentado simultaneamente numa quantidade emprincípio ilimitada de lugares para um público ilimitado. O que amplia as possibilidades deampliação e de dominação ideológica e tem profundas repercussões sobre o mercado.(BERNARDET, 1980, p. 23-24)

O cinema causou tanto impacto nas pessoas e chamou tanta a atenção, que uma simplesexibição cinematográfica era motivo de alegria e entusiasmo por parte dos espectadores, queestavam cada vez mais seduzidos pelo evento de massa que se tornara o cinema.

A reação, como não poderia deixar de ser, é, mais do que qualquer outra coisa, deexcitação, como registra a história, sem no entanto, passar despercebido, no momentomesmo da projeção, o alcance do novo invento pelo jornalista Louis Forest, ao dizer parauma artista a seu lado que zomba do que considera como brinquedo de feira: “assistimos aum dos mais extraordinários momentos da humanidade: encontraram o idioma universal”(ORTIZ, 1949, p. 44 apud GUIDO, 1996, p. 60).

3.2 O futebol no cinema

O cinema se apropria de fatos do cotidiano para contar suas histórias e chamar a atenção dopúblico. E tomando como fonte de possíveis temas a própria cultura brasileira, acinematografia enxergou no futebol um assunto importante e que renderia boas histórias sob asua ótica. Foi assim que, aos poucos, cinema e futebol foram criando uma relação deproximidade, mostrando a importância de um para com o outro na sociedade brasileira. Arelação entre cinema e futebol começou a se desenhar, no Brasil, no nascimento desses dois

eventos de massa, que surgiram concomitantemente e que, com o passar do tempo,consolidaram essa proximidade que se torna cada vez mais evidente.

Cinema e futebol chegaram praticamente juntos ao Brasil nos últimos anos do século XIX.Logo encontraram adeptos, se difundiram, caíram de vez no gosto do público, tornaram-sepopulares. Seria fácil imaginar que esse esporte e essa forma de entretenimento (porque noinício o cinema não era ainda uma arte) teriam tudo para dar-se as mãos e iniciar umdiálogo intenso (ORICCHIO, 2006, p. 18)

Registrar a presença do futebol no cinema, ou valer-se do cinema para falar sobre futebol éfundamental para a manutenção da memória e dos mitos do esporte. Conseqüentemente, isso

Page 31: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 31/52

31

ajuda na compreensão da sociedade brasileira como um todo já que, no país, o futebol é umelemento indissociável de sua cultura. O cinema se constitui também como importanteferramenta de memória. Seja por registrar fatos históricos e mantê-los vivos através do tempo,

seja para a construção de uma imagem individual ou coletiva de uma sociedade,acompanhando assim as transformações ocorridas no meio social e cultural. De qualquermodo, a memória é sempre uma construção que, portanto, leva as marcas e a visão de mundodaquele que a produz. Isso vale para os historiadores, para a nossa memória dos fatostranscorridos ao longo da nossa existência, como vale também para os relatos da literatura, do jornalismo ou do cinema.

A opção por fazer da memória a fonte principal para qualquer escrita com pretensõeshistóricas é, por si só, para muitos, motivo de críticas. Uma das dúvidas para quem opta porcorrer este tipo de risco diz respeito às indagações quanto ao fato do que predomina namemória: se é o seu sentido individual ou coletivo. Ou seja, se a memória é forjada por eresultante de uma construção cultural social, coletiva, ou se ela seria muito mais umalembrança individual da história. Ou ainda ambas. Há quem sugira a opção de se utilizaremnovos conceitos como uma estratégia para fugir da armadilha colocada pelo antagonismoque, por vezes, parece se instaurar entre memória coletiva e memória individual (RIGO,2000, p. 143)

A partir do registro cinematográfico as histórias que ele narra são fixadas, relembradas erevividas numa ordenação que não necessariamente coincide com a ordem factual dosacontecimentos.

Constituindo o filme a reunião de um grande número de fragmentos registrados emdiversos lugares e em uma ordem sem relação com a continuidade normal dosacontecimentos e, por outro lado, fundamentando sua arte na planificação da realidadecombinada a uma audaciosa condensação do tempo e a uma ubiqüidade espacial muitasvezes surpreendente, é óbvio e particularmente indispensável que o realizador preveja comcuidado o conjunto de efeitos visuais ou sonoros destinados a criar no espectador umaimpressão, consciente ou não, de continuidade plástica e lógica entre todos os fragmentosde realidade que constituem o filme (MARTIN, 1963, p. 69).

Como o futebol está tão presente na cultura do povo brasileiro e vai além das quatro linhas, aveiculação cinematográfica do esporte serve para uma minuciosa decifração de suacomplexidade. “Analisar o futebol com a lupa do cinema significa decifrar a sociedade demaneira mais ampla. O futebol não é apenas um espetáculo dentro do campo de jogo, mas até

se oferece como dramatização da vida social, que torna visível o seu modo defuncionamento”. (ORICCHIO, 2006, p.98).

Page 32: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 32/52

32

O filme tem importância não apenas por seu caráter inaugural, mas seria marcante pelaimportância da equipe técnica que reuniu, pela angulagem que deu à temática e por iniciar,efetivamente, um encontro da maior riqueza para uma leitura compreensiva da culturabrasileira entre futebol e cinema (MAUAD

8, 1999, p. 36 apud ORICCHIO, 2006, p. 30)

Para verificar as possibilidades que o futebol oferecia ao cinema, Melo (2006) procuroudemonstrar em algumas pesquisas diversos elementos que estão presentes na sociedademoderna, para mostrar que o mundo futebolístico é complexo, incorpora conceitos einfluencia na formação cultural de uma sociedade.

Em estudos anteriores (MELO, 2006; MELO, & ALVITO, 2006; MELO & PERES, 2005;MELO & VAZ, 2006) procurei demonstrar que as relações entre cinema e esporte sãobastante férteis para nos permitir discutir representações fundamentais para a construção doideário e do imaginário da sociedade moderna: questões políticas, relações de gênero, apropagação de modelos de comportamento, a indução ao consumo de determinadosprodutos, entre outras, inclusive a construção da identidade nacional (MELO, 2006, p. 282-283)

A história do surgimento do cinema e do futebol aconteceu na mesma época. Três anos depois

da realização da primeira partida oficial no Brasil, Alfonso Segreto, um dos irmãos de umafamília de italianos dedicados a esse novo negócio de entretenimento, registrou, com umapequena máquina trazida da França, as primeiras imagens em movimento da terra brasileira,em 1898, demarcando o nascimento do cinema brasileiro.

Mas não foi exatamente no início do futebol e do cinema no Brasil, que se deu a relação entreeles. Oricchio (2006) realizou um estudo para verificar a proximidade entre os dois eventos de

massa e se mostrou surpreso com o resultado.

De fato, à primeira vista o cinema tratou mal a grande paixão dos brasileiros. Tãosocialmente enraizado é o jogo da bola entre nós que deveria ter rendido filmes memoráveise em quantidades apreciáveis. Aparentemente não foi assim. No entanto, a pesquisa revelouque o futebol, se não recebeu tratamento à altura da sua importância, certamente viu-seretratado pelo cinema – e em quantidade e qualidade superiores às que eu imaginava antesde começar. (ORICCHIO, 2006, p.18)

8 MAUAD, Maurício. Futebol e Cinema no Brasil (1908-1998) in Costa, Márcia Regina. Futebol: Espetáculo doséculo. Musa Editora, 1999.

Page 33: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 33/52

33

Nos últimos anos do século XIX, os tipos de filmes que eram criados não davam grandeespaço para o futebol, já que naquela época, “o recém-inventado cinema era uma reles atraçãode feira e o futebol não passava de um jogo entre amigos, uma brincadeira inocente da elite”

(ORICCHIO, 2006, p.18). A maioria dos filmes produzidos naquela época é o quechamaríamos hoje de documentais. “Os cinejornais de atualidades, os filmes de cavação ouencomenda, registros do cotidiano” (ORICCHIO, 2006, p. 20). Segundo o autor, existemalguns relatos de que pequenos documentários foram produzidos sobre futebol, antes mesmodo início da relação entre eles. Porém, não existe como comprovar esses registros e acredita-se que esse possível material tenha desaparecido com o passar do tempo. Mesmo assim, éimportante não ignorar esses relatos, já que eles também fazem parte da história.

Cinema é memória perecível, ainda mais a daquele tempo, acumulada em nitrato, materialaltamente inflamável. Não temos notícias de muitos desses filmes, a não ser por viasindiretas, como registros em periódicos ou nas empresas exibidoras. Mesmo assim, nãopodemos nos comportar como se não tivessem sido feitos. Seria ignorar a história. Fazer deconta que a Roma antiga não existiu porque dela só restam relatos, lendas e ruínas.(ORICCHIO, 2006, p. 21)

O futebol não parava de evoluir e de conquistar adeptos no Brasil. “O nosso país divertia-sealegremente com seus belos times, campeonatos com estádios cheios, torcidas apaixonadas e,de quatro em quatro anos, tentava firmar-se novamente no panorama internacional”(ORICCHIO, 2006, p.23). Enquanto isso, o cinema perdia espaço no país para produçõesestrangeiras, que praticamente invadiram o Brasil. Mesmo com a fragilidade do cinemanacional, podemos situar, através dos anos, fatos históricos importantes que marcaram época eque contribuíram para a evolução da arte cinematográfica no país, como a produção degrandes filmes, a criação de movimentos como a chanchada e o cinema novo, o cinema como

espetáculo e a reaproximação com o futebol.

Mesmo assim, criou seus primeiros clássicos a partir dos anos 30, conheceu o sucesso daschanchadas a partir dos 40 e tentou virar indústria com a Companhia Cinematográfica VeraCruz, nos 50. Nos anos 60, os rapazes do Cinema Novo entenderam que os filmes podiamexercer função crítica e discutir política. Depois o cinema compôs-se com a ditadura,apostou no espetáculo ao longo da década de 70 e teve êxito; enfraqueceu-se aos poucosnos anos 80 e quase morreu de choque anafilático com a vacina neoliberal que lheaplicaram. Renasceu em meados dos anos 90, reaprendeu a gostar do futebol (ORICCHIO,2006, p. 23-24)

Page 34: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 34/52

34

A partir dessa evolução, o cinema se tornou uma importante ferramenta para a sociedade demassa. “Então, a sétima arte, melhor que nenhuma outra, porque é mais idônea para “dar paraver”, poderá ser o prestigioso meio de conhecimento a que lhe destina sua natureza de arte da

massa: conhecimento do mundo e comunhão inter-humana” (MARTIN, 1963, p. 217). Algunsfilmes que foram feitos no Brasil conseguem exprimir a história do futebol, do cinema edialogar com o contexto da sociedade brasileira.

Alma e Corpo de uma Raça registram os devaneios nacionalistas e de eugenia da eraVargas; Garrincha e a Falecida discutem uma suposta função alienante do jogo;PraFrente Brasil revela a sua utilização política; Boleiros mostra seu rosto humano e também asua face dura. Outros títulos contemporâneos comoGinga e Sonhos de Bola, testemunhamas transformações sofridas pelo futebol na era da economia global (ORICCHIO, 2006, p.

24-25).

Cada um desses filmes é típico de sua época. “O melodrama dos anos 30, o cinema-verdadedos 60, o verismo de espetáculo dos 80, a diversidade de poéticas dos 90 e 2000, e a fusãocom uma estética da publicidade, típica do nosso tempo (ORICCHIO, 2006, p.25). Essesfilmes expressam tanto um momento da história do cinema como um momento da história dofutebol e da própria história do país. “É um nó de significados” (ORICCHIO, 2006, 25).

Mas com a eleição do presidente Fernando Collor de Melo, o cinema brasileiro quase“morreu” e ficou fora de foco para o público brasileiro durante alguns anos.

Inspirado pela nova ordem econômica ultraliberal, o presidente, depois afastado do cargopor corrupção, extinguiu os órgãos de apoio ao cinema e deixou-o ao sabor do mercado.Com isso, quase acabou com ele. Durante anos, a produção de longas-metragens desceuperto do zero. Os curtas continuaram a ser feitos, mas onde se exibem curtas-metragens anão ser em festivais ou mostras? Sem longas e com curtas para platéias restritas, o cinemabrasileiro praticamente deixou de existir para o seu público durante alguns anos.(ORICCHIO, 2006, p. 191)

O futebol não se via presente no cinema brasileiro, já que, na verdade, era o próprio cinemabrasileiro que tinha saído de cena. Somente depois que o governo Collor terminou, é que ocinema voltou a se reerguer e novos filmes voltaram a surgir. Cem anos depois da invençãodos irmãos Lumière, o Brasil voltou a reivindicar e a apresentar seus filmes para o cenáriocinematográfico mundial. Gradualmente o cinema voltou a ganhar força e entre as décadas de1990 e 2000 surgiu uma grande diversidade poética, uma maior atração comercial para filmesnacionais e uma reaproximação entre o maior esporte dos brasileiros e o mundo das telonas.

Page 35: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 35/52

35

A relação entre cinema e futebol tem se estreitado de maneira significativa. A produção defilmes que tratam do futebol procura retratar o esporte de várias maneiras, devido à sua

grande visibilidade no Brasil.

São mais férteis do que a princípio poderíamos imaginar os encontros entre cinema eesporte no Brasil. Sem contar o importante número de curta-metragens, um levantamentorealizado em mais de 5.000 longas nacionais permitiu que identificássemos 236 filmes ondea prática esportiva está presente, seja como um assunto central, como pano de fundo ouapenas citado de algum momento. Em mais da metade, o futebol é o que aparece nas telas,o que não surpreende tal a sua importância no país (MELO, 2006, p.283)

E parece mesmo que os encontros entre cinema e esporte têm muito a nos dizer, “bastandoque para tal saibamos como fazer uso do enorme manancial que se abre de formamultifacetada ao abordarmos esse magnífico encontro entre essas duas grandes manifestaçõesculturais modernas” (MELO, 2006, p.292). Por ser uma modalidade bem complexa e porpossuir um emaranhado de representações, o jogo em si do futebol não é de fácil retratação.

O futebol, no Brasil, é tão importante e abrangente que desafia classificações muito rígidas.Festa popular, escapismo, alienação, fator de integração social, celebração, veículo de

ascensão social das classes populares, tema cômico, enredo melodramático. O que é ofutebol para o brasileiro? Provavelmente tudo ao mesmo tempo. Por isso é tão difícilretratá-lo no cinema, ou em qualquer arte: coloca-se a ênfase em uma faceta, ficam faltandooutras. Tenta-se apanhar o todo, cai-se na dispersão (ORICCHIO, 2006, p.132)

De acordo com Oricchio (2006), talvez agora o cinema esteja despertando a sua sensibilidadepara tematizar tanto o futebol dos grandes ídolos, quanto o futebol do dia-a-dia, da rua,praticado por pessoas normais, próximas, iguais. Assim, ao mesmo tempo em que existem

projetos milionários para documentários sobre grandes astros da bola, como RonaldoFenômeno e Ronaldinho Gaúcho, há esse interesse pelo futebol de várzea, praticado nasperiferias e nos morros. “O pobre e o rico, o global e o local convivem, o que, aliás, seria dese prever” (ORICCHIO, 2006, p. 264). “E nessas duas direções, entre celebridades eanônimos, os projetos se avolumam. O cinema mostra mais fome de bola neste início deséculo do que em toda sua história anterior” (ORICCHIO, 2006, p. 264)

Page 36: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 36/52

36

4. ANÁLISE

4.1 Metodologia

O objetivo desta pesquisa é mostrar como o cinema conta a história do futebol e investigar secontribui para a manutenção da memória do esporte e a perpetuação de seus mitos. Utilizamos como objeto de pesquisa os filmes Boleiros: Era uma vez o futebol e Boleiros 2: vencedores e

vencidos .

Os dois filmes escolhidos para análise são brasileiros e dirigidos por Ugo Giorgetti. Oprimeiro da série foi produzido em 1998. As histórias são contadas por ex-jogadores(ficcionalizados) de grandes clubes brasileiros e da seleção nacional em um bar da cidade deSão Paulo. Nas paredes do local aparecem fotos de atletas que foram importantes na práticado esporte, seja na vida real, como Pelé, Sócrates e Garrincha ou personagens da ficção, comoNaldinho, Otávio e Virgílio.

O primeiro filme apresenta sete histórias sobre o futebol. Cinco delas falam sobre o jogador

de futebol - sobre sua carreira, sobre a vida que leva, sobre a visibilidade - tanto no tempo emque ainda jogava, quanto depois de se aposentar. A outra trama fala sobre um juiz que foi“comprado” para arranjar um resultado para um time do interior. E para fechar os casos dofilme, o último fala sobre superstição, quando um jogador do Corinthians, que não conseguese recuperar de uma lesão no joelho, depois de vários tratamentos médicos, procura um pai desanto, que era conhecido do bairro em que morava quando criança, para curar sua lesão evoltar a jogar.

No filme Boleiros 2: vencedores e vencidos, que foi filmado em 2006, as histórias sãocontadas no mesmo bar em que são narradas as histórias da primeira película, mas o local foitotalmente modernizado, e agora conta com um sócio que é um jogador famoso, que foi oherói do penta (no filme) e é o craque da Roma da Itália.

Neste segundo filme são apresentadas oito histórias. Cinco delas estão relacionadas com a

chegada do grande jogador Marquinhos e com a reforma do bar. Dentre os outros três casos,está a história de um bandido brasileiro, que finge ser filho de um ex-jogador do Boca Júnior,

Page 37: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 37/52

37

para dar um golpe no dono do bar, que também jogou no time argentino. O outro caso fala deum auxiliar técnico que vê sua grande oportunidade de comandar um time quando o treinadoré expulso. E a última história fala sobre um grande jogador brasileiro que se mudou para o

México e desapareceu. Depois de muitos anos resolve voltar para o Brasil, mas não éreconhecido por sua ex-mulher. Ela então procura ex-jogadores para tentar comprovar a suaidentidade para que possa ser aceito novamente em casa.

Nos dois filmes utilizados como o objeto deste trabalho, destacamos três temas queacreditamos revelar aspectos culturais bem característicos da nossa sociedade, e que aindahoje se fazem presentes: a questão do preconceito racial, os jogadores mitificados e a relação

entre o tradicional e o moderno. Dentre outros, esses elementos fazem parte da espinha dorsaldo futebol brasileiro e pra bem ou pra mal ajudaram a transformar o futebol no fenômenoesportivo que é hoje.

Do filme Boleiros, Era uma vez o futebol , serão analisados elementos centrais que fazemparte de duas histórias e que se constituem como recortes fundamentais para alcançar aobjetivo desta pesquisa. Os dois casos falam sobre preconceito e sobre mito.

O primeiro tema a ser abordado gira em torno da questão do preconceito, que é mostrado deforma mais evidente na história do jogador “Azul”. O jogador foi o destaque da rodadamarcando um gol de placa, participou de vários programas de TV e está prestes a sernegociado com o futebol Europeu. Mesmo depois desse reconhecimento, quando “Azul” estáindo embora para casa é abordado pela polícia, que o considera suspeito por ser negro e estardirigindo um carro importado. Depois de ser abordado pela polícia, que percebe que se tratava

de um grande jogador de futebol, eles liberam “Azul” e ainda dão os parabéns pelo belo golque ele marcou no jogo. Também será analisado um pequeno relato de um dos ex-jogadoresque contam as histórias, já que ele fala também sobre o sucesso dos jogadores de futebol,sobre a carreira e o reconhecimento que tinham e sobre o que se transformaram nos dias dehoje. As outras foram descartas ou porque tratam do mesmo tema – falando sobre o jogadorde futebol – ou porque não são adequadas para a finalidade deste estudo.

Do filme Boleiros 2: vencedores e vencidos , será analisada também um elemento central dashistórias, como a chegada do jogador e agora novo sócio do bar Marquinhos, quando ele sobepara o segundo andar do estabelecimento e se encontra os com os ex-jogadores. Nesse

Page 38: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 38/52

38

momento do filme, fica bastante evidente o contraste entre o moderno e o tradicional, o velhoe o novo, o que também será de grande valia para atingir os objetivos desta pesquisa. Asoutras histórias também foram descartadas, tanto pelo fato de repetirem o tema da história

escolhida, quanto por não se aproximarem dos objetivos para a conclusão este trabalho.

4.2. Análise

Como objeto de análise desse estudo, será utilizado o filme Boleiros: Era Uma Vez o Futebol e Boleiros 2: Vencedores e Vencidos . O primeiro filme foi produzido no ano de 1998, em uma

década que inicialmente foi marcada pela recessão do cinema brasileiro, principalmente com aeleição do então presidente Fernando Collor de Melo. Mas a constatação feita pela cinemasobre a importância que o futebol possui para a sociedade brasileira, por ser vista em doisfilmes.

Mas é com dois filmes do primeiro semestre de 1998 que o cinema toma consciência, maisuma vez, e agora para valer, da importância cultural do jogo para o país, como já o fizeranos anos 60 e em outras circunstâncias. E, o que é mais importante, Boleiros, de Ugo

Giorgetti, e Futebol, trilogia de João Moreira Salles e Artur Fontes, reparam que o jogo estámudando e que essas transformações merecem acompanhamento por parte do cinema.(ORICCHIO, 2006, p. 198-200).

Já o segundo filme da série, Boleiros 2: Vencedores e Vencidos, foi produzido no ano de2006, mas com o contexto cinematográfico brasileiro em alta, com grandes produções, sejamelas de investimento ou de qualidade, exportando atores e diretores para os principais centroscinematográficos, como em Hollywood, e concorrendo a grandes prêmios destinados a filmesestrangeiros. Depois dessa reerguida do cinema nacional, o Brasil obteve também grandesucesso em suas bilheterias, despertando cada vez mais a atenção do povo brasileiro para osfilmes produzidos por aqui. E o futebol continua presente nas grandes telas, mantendo umarelação bem estreita com o mundo cinematográfico. Definitivamente, o cinema passa a incluiro futebol entre os seus temas favoritos.

Iniciando a análise dos objetos desta pesquisa, destacaremos os quatro elementos escolhidos:

a questão do preconceito, do mito e a relação entre tradicional e moderno no futebol. Começando a falar sobre o preconceito no mundo da bola, percebe-se a importância de se

Page 39: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 39/52

39

contar a história do esporte, para mostrar como negros, mulatos e pessoas de origem maishumilde foram, no início, impedidos de praticar a modalidade esportiva no país.

No filme Boleiros: Era uma vez o futebol , esse fato é bem retratado na história do jogador“Azul”, que é negro. Depois de uma rodada de um campeonato disputado no Brasil, o jogadorteve uma grande atuação e fez um golaço de placa. A repercussão foi muito grande. Na idapara o vestiário, um batalhão de jornalistas e inúmeros torcedores, que gritavam o nome do“Azul”, cercaram o atleta, interessados em ouvir do próprio craque sobre a grande jogada queele havia feito no jogo. Até o capitão da equipe, o jogador Tico, reconheceu a importância do“Azul” na partida e o belo gol que ele marcou.

Devido a essa visibilidade, Neidinha, uma mulher que tem um caso com o jogador e uma filhacom ele, decide aparecer no estádio, no momento em que o atleta ia embora, para pedirdinheiro, já que segundo ela, há três meses o craque não lhe dava nenhum tostão. Neidinhaameaça reunir toda a imprensa, que estava no local, para fazer um escândalo. Mas antes quealgo acontecesse, Tico deu um jeito de despistar a moça para que “Azul” pudesse ir embora.

Mas noite era de festa e o craque estava bastante requisitado pela imprensa. Compareceu emuma emissora de rádio e em um programa esportivo da TV, onde o gol que marcou foirepetido várias vezes, destacando e enaltecendo mais uma vez, a grande fase vivida peloatleta.

Para fechar o domingo com “chave de ouro”, o jogador foi se encontrar em um restaurantecom seu empresário, o representante de seu time e um dirigente da equipe do Nápoli, da Itália,

que veio ao Brasil interessado na compra do jogador. Por fim, o atleta foi negociado comotime italiano. Feliz, voltava para casa ouvindo um cd de músicas italianas, que ganhou de seuempresário, para ir se acostumando ao novo país onde iria mostrar todo o seu futebol. Nemmesmo com toda essa grande visibilidade, “Azul” conseguiu escapar da discriminação racial.

Repentinamente, o jogador é surpreendido por uma viatura da polícia, que passa ao lado deseu carro, vê que se tratava de uma pessoa negra, sorrindo sozinha em um carro importado, e joga a viatura na frente do carro do suspeito. Rapidamente, dois policiais descem do carro eordenam que o atleta saia do carro. Os policiais o chamam de vagabundo, pedem que ele sevire, encoste no carro e coloque as mãos para cima. Alertam ainda para que o “suspeito” não

Page 40: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 40/52

40

faça nenhum tipo de movimento brusco ou abaixe as mãos se não acaba morrendo. O jogadortenta se identificar por três vezes, mas é repreendido pelos policiais, que o mandam calar aboca e ficar quieto, enquanto o outro militar o revista. Quando o policial pega sua carteira de

identidade e vê que se tratava mesmo do jogador de futebol “Azul”, ele pede calma aos outrospoliciais e diz que é realmente o atleta. Um dos policiais, que também é negro, depois doreconhecimento de “Azul” diz para o jogador ir em paz, pede desculpa pelo transtorno, masdiz que num carro desses e rindo sozinho, eles tinham que desconfiar mesmo. Quando estãoindo embora, um dos policiais chama o jogador e ainda o parabeniza pelo grande gol que elehavia marcado. A cena exibida no filme nada mais é que uma retratação dos problemasenfrentados pelos negros no mundo real (vide anexo A)

Depois da identificação do atleta, percebe-se a presença do mito. O discurso de que o rapazera bandido, vagabundo, se desfaz no momento em que ele é identificado. O status que aprofissão lhe confere o ajuda a evitar que uma situação ainda mais constrangedora aconteça. Eagora ele pode voltar para casa sem mais problemas.

A visibilidade social, a divulgação feita pela mídia, a participação em filmes e programas

televisivos fazem com que atores, apresentadores, modelos, políticos, atletas e os jogadores defutebol se transformem em estrelas, em mitos, passando da linha de meros mortais parafiguras míticas, que ditam comportamentos, modos de se vestir e de agir, influenciam aopinião pública e se transformam em verdadeiras fábricas de dinheiro, com uma imagemsuper valorizada que é consumida pelo público.

A partir do conhecimento e da aproximação com o mito, percebe-se que sua figura, que está

em um patamar diferente do ser comum, foi humanizada, criando um elo com as pessoas epermitindo a elas não somente ‘consumir’ determinado mito, mas também legitimá-lo diante omeio social. E essa proximidade, cria e institui um conhecimento com características mágicase religiosas.

Apesar dos diferentes patamares que existem entre o ser comum e o mito, a realidade é amesma. A vida dos mitos está intrinsecamente ligada ao cotidiano das pessoas, definindo atéos rumos da vida humana comum.

Page 41: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 41/52

41

E a nova realidade do mito não se restringe mais apenas às estrelas, como acontecia emtempos passados. No mundo contemporâneo, a mitificação engloba também pessoas quepossuem destaque no meio social e que se tornam referência para a sociedade de um modo

geral. “Conjugando a vida quotidiana e a vida olimpiana, os olimpianos se tornam modelos decultura no sentido etnográfico do termo, isto é, modelos de vida. São heróis modelos.Encarnam os mitos de auto-realização da vida privada”. (MORIN, 1997, p. 107). O autorafirma ainda que olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam ehumanos na existência privada que eles levam e que a imprensa de massa mergulha na vidaprivada de cada um deles para extrair a substância humana que permite a identificação(MORIN, 1997, p. 106-107).

Além da exposição da mídia, o cinema, por ser uma modalidade de entretenimento dereprodução em massa, ajuda a cultivar a imagem do mito e a resgatar acontecimentoshistóricos que relembrem seus grandes personagens e reative a memória das pessoas, criandoaté, em algumas delas, certo saudosismo de um tempo que já se passou.

De fato, os olimpianos, e sobretudo as estrelas, que se beneficiam da eficácia do espetáculocinematográfico, isto é, do realismo identificador nos múltiplos gestos e atitudes da vidafilmada, são os grandes modelos que trazem a cultura de massa e, sem dúvida, tendem adestronar os antigos modelos (pais, educadores, heróis nacionais). (MORIN, 1997, p. 107)

E devido à grande influência dos astros da sociedade na vida das pessoas, os olimpianos, comsua influência mítica, participam de maneira significativa e até mesmo intensa da vida de cadacidadão presente em determinada cultura. Até porque as “estrelas” precisam da participaçãodo público. “Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana, efetuam acirculação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação. Eles realizamos fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os mortais para realizar oimaginário” (MORIN, 1997, p. 107).

Segundo Morin (1997), os olimpianos estão presentes em todos os setores da cultura demassa, como em entrevistas, festas de caridade, exibições publicitárias, programas televisadosou radiofônicos. “Eles fazem os três universos se comunicarem: o do imaginário, o dainformação, a dos conselhos, das incitações e das normas. Concentram neles os poderesmitológicos e os poderes práticos da cultura de massa. Nesse sentido, a sobreindividualidadedos olimpianos é o fermento da individualidade moderna” (MORIN, 1997, p. 108)

Page 42: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 42/52

42

No filme Boleiros: Era uma vez o futebol , a presença do mito também é verificada na históriasobre preconceito analisada acima. Mesmo com o histórico comportamento de discriminaçãoe desigualdade social alimentado através da história contra os negros, a legitimidade de um

olimpiano, que já é identificada apenas por sua identidade, consegue livrar o jogador de umasituação ainda mais constrangedora e o concede o poder dos mitos, colocando em um patamardiferente e acima dos simples seres mortais. Inclusive um dos agressores, ao final do malentendido, reconhece as façanhas do “injustiçado” jogador e o parabeniza pelo belo gol quehavia marcado. Por ser de origem humilde, a nova posição que ocupa na sociedade – comoum verdadeiro olimpiano – cria uma realidade que o jogador nunca pode experimentar. Elepassa a ser então reconhecido por suas façanhas no futebol e respeitado pelo nome que

carrega, independentemente da cor. E a abordagem feita pela polícia no jogador “Azul” se deuporque ele ainda não era um mito consolidado, e sim um olimpiano em formação. Se suaimagem já fosse consolidada entre o mundo das celebridades, ele nem abordado seria epossivelmente os policiais até pediriam um autógrafo para ele.

Na outra história do filme a ser analisada, que também trata da questão do mito, Naldinho, umdos personagens do filme, que foi jogador do Corinthians e da seleção brasileira, fala sobre o

seu sentimento por ter sido um grande jogador de futebol e relaciona isso com a pessoa queacabou se tornando depois que encerrou a carreira. No bar, onde ocorre a reunião dosboleiros, as fotos nas paredes revelam e trazem às lembranças de todo o passado de glória de

Naldinho e de vários colegas de profissão. O jogador então começa a relembrar o sucesso quetinha como jogador e a emoção de jogar com o estádio lotado. Nos dias de hoje, o jogadorcomenta sobre o reconhecimento que recebe das pessoas, que o cumprimentam e falam sobre

suas habilidades da época em que era jogador.

De certa forma, ele acaba percebendo a figura mítica que era no passado e todo o status que aprofissão de atleta de futebol lhe conferia. Mas Naldinho começa a ver que tudo passou, e quetoda a mística relacionada à sua imagem ficou apenas na lembrança de algumas pessoas quepresenciaram o seu desempenho como atleta Ele se diz envergonhado pela pessoa que virounos dias de hoje, porque diz que “jogador” é forte, bonito e alto e ele está velho e distantedesta forma olimpiana que tinha na época em que jogava. Naldinho fala que tem vontade dedizer que nem era jogador e chega a perguntar para os colegas que estão junto com ele foirealmente um atleta. O personagem saudosista começa a eleger “culpados” por se lembrar de

Page 43: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 43/52

43

um mito que ele não é mais. Para ele, o problema são as fotografias na parede do bar, que oremetem às lembranças. Ou o comentário de algum jornalista de rádio ou de TV; ou daspessoas que sempre acabam arrastando ele para um campo de futebol. Naldinho lamenta ver a

alegria das pessoas no estádio, torcendo por seus ídolos, e saber que sua história, comoprotagonista deste esporte que é tão presente no Brasil e no mundo na vida das pessoas,acabou. Como forma de “provar” que não é mais um integrante do mundo dos olimpianos, elecomeça a mostrar sua forma física e se questionar se um grande atleta do futebol teria essecorpo “velho” que ele tem hoje. Um outro jogador, que também está sentado na mesa do bar,começa a dizer que parar de jogar bola não é justo e que as lembranças do tempo em que eraatleta aparecem até em seus sonhos.

Nessa história, pode-se perceber a distinção entre o mundo comum e a realidade dos mitos. Enesse caso, não se trata de pessoas diferentes e sim de um mesmo sujeito. A história fala sobreum mito, um habitante do universo olimpiano, que atingiu grande sucesso e reconhecimentopelo país do futebol, que envelheceu e deixou de ser o que ele era antes; deixou de sereconhecer como pessoa, e passa questionar os rumos que sua vida, que ele consideradecadente, tomou. E mesmo se tratando de histórias ficcionalizadas, com supostos jogadores

que foram craques no futebol do passado, percebe-se a presença de histórias atemporais, queexistem desde o tempo em que o esporte era amador até os dias de hoje; histórias que sãocomuns da carreira do jogador de futebol e o trouxeram ao caminho que ele chegou hoje;elementos que unem o estilo mais tradicional do esporte e o mais moderno. E não se podedizer que um veio antes do outro ou que o tradicional foi substituído pelo moderno. Um estáintrinsecamente ligado ao outro.

Apesar dessa união e da complementaridade entre esses dois aspectos, os elementostradicional e moderno apresentam algumas divergências, que foram organizadas em umquadro por Helal (1997), que já foi apresentado na parte teórica. O autor mostra as diferençasentre tradição e modernidade sob três aspectos: dirigentes, jogadores e espetáculo. Nacategoria dirigentes, Helal (1997) mostra que o amadorismo e a política da troca de favores datradição, deu lugar a busca pela profissionalização, pelo marketing e pelo lucro. Em relaçãoaos jogadores, o autor diz que o tradicional prezava pelo amor à camisa, e pelo jogo maisartístico. Agora, com a modernidade, os atletas se rendem a mentalidade profissional,praticando um jogo mais burocrático, racionalizado, e trocando de clubes de acordo com aproposta financeira. Por fim, sob o aspecto do espetáculo, Helal (1997) afirma que no futebol

Page 44: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 44/52

44

tradicional, havia pouca comercialização do esporte, poucos times nos campeonatos e diversasestrelas, já no futebol moderno, as propagandas tomaram conta dos estádios e dos uniformes,há mais times nos campeonatos, os clubes contam com menos estrelas e existe um grande

interesse da televisão nos jogos.

No filme Boleiros 2: Vencedores e vencidos, existe um tema central que permeia toda ahistória do filme e que desencadeia diversos casos paralelas: os fatores tradicional e moderno.E o ponto de partida para mostrar essa contradição, entre dois elementos que ocupam ecoexistem no mesmo espaço, mas que se completam e formam a estrutura do esporte maispraticado no planeta, acontece quando o jogador Marquinhos, que atua pela Roma da Itália, e

que foi o grande herói do penta campeonato da seleção brasileira (no filme), chega ao bar emque se tornou sócio. O estabelecimento conhecido como ‘Bar do Aurélio’, ficou famoso e foiadotado por um grande mito do futebol da atualidade, pelo fato de ser um ponto que reúnegrandes ex-jogadores, que vão ao local para papear e relembrar histórias do futebol brasileiro,tanto entre os boleiros do bar, quanto sobre outros colegas de profissão.

Com a formação de sociedade entre Marquinhos e Aurélio, o bar, que antes tinha suas paredes

revestidas com madeira e que traduzia certa “idade”, agora foi completamente remodelado,está mais moderno, mais “jovem”, com as paredes pintadas de verde e azul e com grandesbolas de futebol nas paredes e dependuradas no teto, que ajudam a decorar o local, que aindaconta com as fotos dos ex-jogadores e agora também do craque do presente e novomandatário do bar. O estabelecimento conta com dois andares. No primeiro, computadores deúltima geração, telões e a imprensa, ouriçada com a chegada do novo proprietário do boteco.

No andar de cima, apesar da remodelada no visual, o tradicional ainda permanece com os‘velhos’ quadros nas paredes, e os grandes ícones do futebol do passado, que estão reunidos e,como de costume, batendo um papo sobre futebol. É como se a tradição sobrevivesse àmodernidade e fosse necessária para fundamentar, contextualizar e coexistir com acontemporaneidade do esporte. Mesmo com a ‘atualização’ do bar, a sua raiz permanecepresente: a presença dos ex-atletas, que são os grandes responsáveis por atrair o status que olocal possuía antes da sociedade com o craque do presente.

Assim que chega ao local, o jogador é tratado como ídolo. Cercado por seguranças, aimprensa em cima, torcedores pedindo autógrafos e a presença das famosas ‘Maria

Page 45: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 45/52

45

chuteiras’9. Quando conversava com a imprensa, Marquinho é convidado, pelo agora sócioAurélio, para subir ao segundo andar do bar. Lá em cima, o atleta do Roma da Itália elogia anova ‘roupagem’ do bar. Em seguida, cumprimenta os ex-jogadores e segue para trás da mesa

onde eles estavam sentados. A passagem de Marquinhos por eles pode ser analisada comouma transição entre o velho e o novo, o antigo e o atual, o passado e o presente. Junto comele, surge toda uma carga de um olimpiano moderno, que ultrapassa a tradição.

A imprensa, literalmente, passa por cima dos ex-jogadores, desconhecendo e não seimportando com eles, querendo ‘consumir’ apenas a vedete principal, que está em evidênciano mundo da bola. O bar praticamente para. Todos acompanhando a rápida passagem do

jogador pelo local, que agora deve ficar mais frequente, já que Marquinho tornou-se sócio dobar. Juntamente com Aurélio, o herói do penta no filme se posiciona ao lado de seu retrato,que foi fixado na parede em um quadro cinco vezes maior do que os outros, mostrando o jogador com a camisa da seleção brasileira. O local então reúne os craques do passado com ogrande ídolo do presente. É como se o futebol atual tivesse maior peso ou fosse maisimportante. Gravadores, câmeras, fotografias. Tudo para registrar a presença do atleta dofutebol moderno. Os fios das câmeras caem em cima dos ex-jogadores, que são esprimidos

pelos repórteres. A entrevista continua e Naldinho e os companheiros se mostram entediadoscom o descaso da imprensa e com a falta de respeito com eles. A sobreposição dos doistempos do futebol – moderno e tradicional – no mesmo plano da cena é interessante, poismostra porque o futebol se tornou o que é hoje, e os dois elementos que coexistem e que sãointrínsecos na cultura do futebol: o moderno, com a espetacularização do esporte, com ocaráter comercial, os atributos de estrela e de mito, na figura do jogador Marquinho; e dotradicional, com o charme, a tradição, a dissolução do esporte na cultura e na sociedade

brasileira, com a imagem de craques como Naldinho, Otávio e dos outros grandes ex-atletasdo esporte que estão sentados na mesa do local. Depois de todo o alvoroço, Marquinho deixao bar, com sua nova estrutura, e os boleiros permanecem lá, no seu espaço, observando asaída do jogador do Roma da Itália e da seleção brasileira atual.

9 Estereótipo de mulheres que se interessam apenas por jogadores de futebol

Page 46: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 46/52

46

5 CONCLUSÃO

Por que é importante contar a história de um esporte como o futebol, se ele é um elemento tão

presente na sociedade brasileira e já faz parte da vida de milhões de pessoas? Por queentender mais sobre ele, saber mais de sua história, se o presente do esporte já seria suficientepara justificar a sua condição de modalidade mais praticada do planeta? É necessário para acompreensão de como o futebol atingiu o patamar em que se encontra atualmente; serealmente ele mudou em relação à sua prática no passado ou se a lamentação das pessoas peloque já se passou se deve apenas a um mero saudosismo; se hoje o jogador faz mais sucesso doque antigamente e o porquê nos tornamos o país do futebol.

A relação entre cinema e futebol é bem fértil e próxima. Em um estudo realizado por VictorAndrade de Melo, em março de 2007, dos cinco mil longas nacionais produzidos, 236 delestinham como tema a prática esportiva, desde temas centrais até citações em determinadomomento do enredo. Mais da metade deles tratavam especificamente de futebol, devido a suaimportância no país. É importante ressaltar que o cinema se apropria dessa importância e,além de mostrar o futebol em suas telas, acaba servindo como um registro histórico para a

lembrança e para a imagem do jogador.

Para a nossa pesquisa foram escolhidos os filmes Boleiros: Era uma vez o futebol e Boleiros

2: Vencedores e vencidos, tanto por apresentarem elementos importantes da estruturação damodalidade no Brasil, quanto por contarem histórias atemporais, que acontecem no futeboldesde o seu surgimento, passando pelo amadorismo e pela tradição, até a profissionalização ea modernidade atuais. Foram também delimitados três questões presentes nas histórias dos

filmes que consideramos centrais e ilustrativas da realidade da prática desse esporte no Brasil.Falamos de preconceito, de mito, e da relação entre tradicional e moderno.

Mais do que a união entre o esporte mais praticado do planeta e a arte de se contar histórias,cinema e futebol tornaram-se cúmplices, como eventos de massa que são, para reproduzir suasemoções ao redor do mundo. Essa união é importante porque ao contar as histórias do mundoda bola, a cinematografia mostra a estrutura da sociedade brasileira, já que o futebol dizrespeito à vida de uma parcela muito significativa dessa sociedade, dada a importância doesporte no meio social e cultural. É relevante também pelo fato de relembrar o passado do

Page 47: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 47/52

47

esporte, para se entender os caminhos que ele percorreu até alcançar o status de identidade deum país com dimensões continentais como o Brasil; e para manter viva a imagem dos mitos,que sustentam o futebol como um verdadeiro espetáculo, atraindo cada vez mais o interesse

das pessoas.

Foi possível concluir que, em filmes como estes, o cinema contribui com a manutenção damemória do esporte por resgatar histórias de momentos passados do futebol que, não obstanteapresentarem questões que ainda hoje fazem parte da realidade da sua prática, a situam emcontextos históricos diferentes do atual. E por conta desses casos, que se repetem, podemosdizer que elementos tradicionais do futebol permanecem presentes, e que estão

intrinsecamente ligados à modernidade do futebol, mantendo a paixão, mas comprofissionalismo; preservando o tradicional, mas com ares de espetáculo; cultivando a arte,mas trabalhando a força. Pode-se observar que dentre os esportes praticados no mundo, ofutebol é um dos que menos sofreu alterações na prática do jogo em si. A essência do esportebretão britânico permaneceu a mesma. Claro que tivemos algumas alterações de caráterdisciplinar, como a implementação dos cartões, a criação dos impedimentos, ou de carátertático, com alterações na forma de organização das equipes em campo. E só. O futebol de

antes é o futebol de sempre. Cada vez mais importante, principalmente para a sociedadebrasileira, gerando milhares de cifras e transformando a modalidade esportiva em umverdadeiro espetáculo, que fica mais vistoso e vivo na nossa memória, sob o foco do cinema.

Aproveitando essa visibilidade, o cinema também contribui para a perpetuação dos mitos.Homens mais novos sempre ouviram dizer que Pelé foi o maior jogador de futebol de todos ostempos. Graças ao cinema agora podemos ver seus gols e compartilhar as glórias do ‘rei’ do

futebol. Craques que tinham pouca notoriedade ganham seus 15 minutos de fama e voltam aofoco, tendo seus feitos e gols retratados nos chamados documentários.

Com a popularização futebol ao redor do mundo, houve aumento de interesse comercial sobreo esporte, a profissionalização e a modernização do jogo, o aumento na cobertura esportiva esua divulgação nos meios de comunicação, o que consequentemente gerou uma maiorvisibilidade do futebol e dos atletas. É com esse aumento de visibilidade que a figura mítica,que antes era restrita às estrelas de cinema, invadiu também o futebol, consagrando os grandescraques do esporte, que são definidos como aqueles jogadores que apresentam umainteligência fora do comum com a bola nos pés, que possuem muita habilidade e controle,

Page 48: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 48/52

48

capazes de inventar jogadas e tomar decisões precisas em fração de segundos, que sedestacam dos outros jogadores e se elevam a condição de craques, e principalmente, quefazem muitos gols, já que é a finalidade maior do jogo.

A função do cinema ao perpetuar os olimpianos do futebol parte daí, retratar os grandesmomentos de um determinado jogador de futebol. Os grandes futebolistas da história sãotratados como heróis e aguçam a curiosidade, a admiração, o saudosismo e a memória daspessoas, que vêem em seus ídolos modelos de vida, ícones sociais, grandes personalidades edeuses do olimpo. É muito comum observar pessoas de mais idade dizerem: “esse eu vi jogar”. Com a evolução dos meios de comunicação e com o registro histórico que o cinema

faz desses grandes mitos do esporte, é possível ‘presenciar’ os fatos do passado no presente, erepercuti-los com o passar dos anos.

Mas o cinema não somente perpetua a história e a figura do mito por sua veiculação. Amanutenção da figura mítica é realizada também por diversos elementos que fazem parte dalinguagem cinematográfica, como narrativa, trilha sonora, o enquadramento, o modo de secontar as histórias, que são enriquecidas com a biografia dos jogadores, as jogadas e os gols,

os depoimentos de colegas de profissão e familiares, a palavra do próprio jogador e diversosoutros fatores que ajudam a engrandecer o papel do mito nas telas do cinema. E por se tratarde um evento de massa de circulação universal e que é exibido, cada vez mais, para umnúmero considerável de pessoas, o cinema contribui e muito para a propagação dos mitos dofutebol.

Portanto, o cinema conta a história do futebol mostrando como funciona o universo do jogo,

como ele foi criado e legitimado pela sociedade brasileira, como ele se popularizou e seprofissionalizou através dos anos. Mostra que sua veiculação pelas lentes cinematográficasregistra histórias, casos, lances, gols e transporta, ao longo do tempo, a história do futebol,não deixando esses fatos se perderem e mantendo viva a história e a memória do esporte.

Page 49: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 49/52

49

6 REFERÊNCIAS

BERNARDET, Jean Claude.O que é cinema . São Paulo: Editora Brasiliense, 1980.

BOLEIROS: Era uma vez o futebol. Direção: Ugo Giorgetti. Produção: Malu Oliveira.Roteiro: Ugo Giorgetti. Fotografia: Rodolfo Sanchez. Brasil: SP filmes, 2004. 1 DVD (93min), Ação; Fullscreen; Áudio: Dolby Digital 2.0 e Dolby Digita 5.1, color, português;legendas: Português, inglês.

BOLEIROS 2: Vencedores e vencidos. Direção: Ugo Giorgetti. Produção: Malu Oliveira.Roteiro: Ugo Giorgetti. Fotografia: Rodolfo Sanchez e Pedro Pablo Lazzarini. Brasil: SPfilmes / 5.6 filmes, 2006. 1 DVD (100 min), Standart; color, português.

BARTHES, Roland. Mitologias . 5 Ed. Rio de Janeiro, 1982.

BILHARINHO, Guido.Cem anos de cinema. Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura,1996, 320 p.

DAOLIO, Jocimar (Org.)Futebol, cultura e sociedade. 2. ed. Campinas, SP: AutoresAssociados, 2005. 147 p.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. 183 p.

FILHO, Mário.O negro no futebol brasileiro. 4. Ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. 343 p.

GIL, Gilson.O Drama do “futebol-arte”: O debate sobre a seleção nos anos 70. RevistaBrasileira de Ciências Sociais (RBCS) n° 25 – ano 9, junho de 1994 p.100

HELAL, Ronaldo. Passes e impasses: futebol e cultura de massa no Brasil. Petrópolis:Vozes, 1997.

MARTIM, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1963,222 p.

MELO, Victor Andrade de.Garrincha X Pelé: futebol, cinema, literatura e a construção da

identidade nacional. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte = Brazilian Journal Of Physical Education And Sport, São Paulo, v.20, n.4,, p. 281-295, out./dez. 2006.

MORIN, Edgar. As estrelas: mito e sedução no cinema . Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.162p.

MORIN, Edgar.Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo - I neurose . 9. ed. Riode Janeiro: Forense Universitária, 1997.

NETTO, Cláudio Alberto Martins.Futebol: Um tema para a reflexão Sociológica. CadernoCentro de Estudos Rurais e Urbanos – Nº 9 – Outubro de 1976, página 137

ORICCHIO, Luiz Zanin.Fome de Bola: Cinema e Futebol no Brasil. 1ª ed. São Paulo:Imprensa Oficial, 1999.

Page 50: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 50/52

50

RAMOS, Roberto.Futebol: Ideologia do poder. Rio de Janeiro: Vozes, 1984; 116 p.

RIGO, Luis Carlos. Com o futebol na memoria. Estudos Leopoldenses - Serie Historia , v. 4,n. 1 , p. 139-156, jan./jun,2000.

TEIXEIRA, Nísio.Fundamentos de Cinema. Apostila, Belo Horizonte, 2007.

WITTER, José Sebastião. Breve história do futebol brasileiro. São Paulo: FTD, 1996. 56 p.

Page 51: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 51/52

51

ANEXOS

Anexo A

12/03/09 - 08h29 - Atualizado em 12/03/09 - 09h48

Nigeriano do Everton é confundido comladrão e detido por policiaisAbordado em frente a uma joalheria, Anichebe diz aos policiais: ‘Sou um jogador de futebol.Por que roubaria essa loja?’

GLOBOESPORTE.COM Liverpool, Inglaterra

Agência/Getty Images

O atacante Victor Anichebe, do Everton, passoupor uma situação muito desagradável na últimaquarta-feira. Ao lado de um amigo, o nigerianoobservava tranquilamente uma vitrine de uma joalheria em Cheshire, município próximo deLiverpool, quando, sem mais nem menos, cincopoliciais o abordaram e o acusaram de tentativa deassalto.

Surpreso, Anichebe, ao ver seu amigo sendoalgemado, falou para os policiais:

Anichebe, atacante do Everton

- Sou um jogador de futebol. Por que roubaria essa loja? Se eu fosse um rapaz branco isso nãoestaria acontecendo. Vocês estão sendo racistas? – disse o jogador que, após as explicações,foi liberado.

Segundo as autoridades, os dois foram considerados suspeitos e, ao não responderem umchamado dos policiais, foram abordados.

A diretoria do Everton estuda processar a polícia local e pede um pedido de desculpas oficiala Anichebe.

Page 52: CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

8/8/2019 CINEMA, FUTEBOL E QUESTÕES SOCIAIS

http://slidepdf.com/reader/full/cinema-futebol-e-questoes-sociais 52/52

52

Anexo B

FICHA TÉCNICA DOS FILMES

BOLEIROS: ERA UMA VEZ O FUTEBOL

Título original:Boleiros - Era uma Vez o FutebolGênero:DramaDuração:93 min.Lançamento (Brasil):1998Estúdio:SP FilmesAtores:Lima Duarte, Otávio Augusto,Flávio Miggliaccio, Denise Fraga,Cássio Gabus MendesDireção:Ugo Giorgetti Roteiro:Ugo GiorgettiProdução:Malu OliveiraMúsica:Mauro GiorgettiFotografia:Rodolfo SanchezDesenho de produção:Isabel GiorgettiDireção de arte:Isabel GiorgettiEdição:Marc Derossi

BOLEIROS 2: VENCEDORES E VENCIDOS

Titulo original:Boleiros 2 - Vencedores e VencidosLançamento:2006 (Brasil)Direção:Ugo GiorgettiAtores:Lima Duarte, Otávio Augusto,Flávio Miggliaccio, Denise Fraga,Cássio Gabus MendesDuração:86 min

Gênero:ComédiaEstúdio:SP Filmes / 5.6 FilmesDistribuidora:Mais FilmesRoteiro:Ugo GiorgettiProdução:Malu OliveiraMúsica:Mauro GiorgettiFotografia:Rodolfo Sanchez e Pedro Pablo LazzariniDireção de arte:Isabelle BittencourtEdição:Marc de Rossi