CIRCUITOS INTEGRADOS: PROTECÇÃO JURÍDICA · PDF filefuncional, isto é, a função do circuito integrado, ... Além disso, o Projecto de Alteração ao novo CPI integra a protecção

Embed Size (px)

Citation preview

  • CIRCUITOS INTEGRADOS: PROTECO JURDICA DAS

    TOPOGRAFIAS DE PRODUTOS SEMICONDUTORES*

    ALEXANDRE LIBRIO DIAS PEREIRA

    Sumrio: 1. Introduo ao Problema da Proteco Jurdica das Topografias de Produtos

    Semicondutores. 1. Valor Econmico-Tecnolgico dos Circuitos Integrados. 2. Balano de Interesses.

    2. Soluo Jurdico-Legislativa: A Nova Propriedade Intelectual. 1. Patentes, Modelos, Direitos de

    Autor e Direitos Sui Generis. 2. US Semiconductor Chip Protection Act (1984). 3. Directiva

    Topografias de Produtos Semicondutores (1987), Tratado de Washington (1989), Acordo ADPIC

    (1994). 4. A Situao Portuguesa: A Lei n. 16/89, de 30 de Junho, e o Novo Cdigo da Propriedade

    Industrial (1995). 5. O Projecto de Alterao do Cdigo da Propriedade Industrial. 3. Anlise

    Comparativa da Directiva Comunitria, da Lei Portuguesa e do Direito Internacional. 1.

    Harmonizao Intermdia de Princpios Bsicos. 2. Sequncia. 3. Objecto de Proteco. 4. Requisitos

    de Proteco: Originalidade e Depsito. 5. Taxas. 6. Contedo dos Direitos Exclusivos. 7. Durao ou

    Prazo de Proteco. 8. Beneficirios. 9. Proteco Internacional. 10. Exibio de identificao: T. 11.

    Manuteno de outras disposies legais. 4. Concluso.

    1. Introduo ao Problema da Proteco Jurdica das Topografias de Produtos

    Semicondutores

    1. Valor Econmico-Tecnolgico dos Circuitos Integrados

    Tributria do paradigma cientfico de Einstein, a indstria dos circuitos integrados

    nasceria em 1947 com o desenvolvimento do primeiro transistor ponto-contacto nos

    laboratrios Bell (EUA). Actualmente, o mercado mundial dos circuitos integrados

    aproxima-se dos 200 bilies de euros, afectando virtualmente a generalidade dos

    domnios econmicos, desde as tecnologias da informao s telecomunicaes, passando

    pelos sistemas de controlo de segurana de trnsito e pela medicina.

    Em pouco mais de meio sculo de existncia, os circuitos integrados surgiram e

    passaram a representar um papel de crescente importncia em muitos sectores da

    indstria. Com efeito, a tecnologia dos semicondutores constitui actualmente um elemento

    * Direito Industrial, Faculdade de Direito de Lisboa / APDI - Associao Portuguesa de Direito Intelectual, Vol.

    II, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 309-340. Texto desenvolvido da exposio proferida no dia 6 de Janeiro de 2000 no 2. Curso de Ps-Graduao em Direito Industrial promovido conjuntamente pela Faculdade de Direito de Lisboa e pela Associao Portuguesa de Direito Intelectual.

  • fundamental de base do desenvolvimento industrial, dependendo as funes dos produtos

    semicondutores, em grande parte, das topografias desses produtos.

    Numa perspectiva puramente tecnolgica, o conceito de topografias de produtos

    semicondutores (ou circuitos integrados) tem dois aspectos. Por um lado, o aspecto

    funcional, isto , a funo do circuito integrado, que consiste no conjunto de operaes

    lgicas que o circuito integrado capaz de desempenhar. Por outro lado, o aspecto fsico,

    ou seja, a configurao geomtrica dos componentes do circuito integrado que

    desempenham essas funes.

    Seguindo um critrio de natureza funcional, podemos subdividir os circuitos integrados

    em dois tipos. Por um lado, os circuitos integrados cuja funo armazenar ou memorizar

    informao. Por outro lado, os circuitos integrados que servem para armazenar e

    desempenhar funes lgicas (processar) sobre informao (a maior parte do hardware).

    Esta distino funcional est bem patente no facto de que, enquanto 90% do mercado dos

    circuitos integrados de memria controlado por empresas japonesas (por ex., Nec,

    Toshiba, Hitachi, Fujitsu, Mitsubishi), 80% do mercado dos circuitos integrados

    lgicos (ou processadores) pertence a empresas estadunidenses (por ex., Intel, Motorola).1

    2. Balano de Interesses

    2.1. A concepo destas topografias exige o investimento de recursos humanos,

    tcnicos e financeiros considerveis. Porm, possvel copiar essas topografias a um custo

    muito inferior ao exigido por uma concepo autnoma. Por exemplo, enquanto o

    desenvolvimento de um circuito integrado pode custar 100 milhes de euros, a sua rplica

    poder ficar-se pelos 50 mil euros.

    Isto permite compreender as razes econmicas e sociais que animam o problema da

    proteco jurdica das topografias de produtos semicondutores. Por um lado, o poderoso

    mercado dos circuitos integrados, que regista uma curva acentuada de crescimento na

    procura pela generalidade dos sectores econmicos. Por outro lado, a profunda

    desproporo entre o custo de concepo de uma topografia e o custo da sua reproduo.

    Os interesses das indstrias de concepo de topografias de produtos semicondutores

    surgem como o primeiro nvel de proteco, reclamando um exclusivo de utilizao

    econmica das suas topografias. Trata-se de proteger, sobretudo, o investimento das

    empresas de concepo de topografias. Esta proteco poderia obter-se nos termos da

    represso da concorrncia desleal2. Porm, tal via no acautelaria seguramente os

    interesses, prestando-se incerteza da casustica.

    1 Vide Andrew Christie, Integrated Circuits and their Contents: International Protection, London, 1995, p. 16 s. 2 Atravs, nomeadamente, da figura da concorrncia parasitria.

  • 2.2. Alm disso, o problema da proteco jurdica das topografias de produtos

    semicondutores suscita questes de natureza concorrencial, que decorrem especialmente

    da importncia dos circuitos de processamento. A ponderao de todos estes interesses

    levanta problemas quanto existncia e ao mbito de direitos de propriedade intelectual

    sobre as topografias de produtos semicondutores.

    Por um lado, coloca-se a questo da fonte alternativa (second sourcing), isto , da

    necessidade de assegurar o fornecimento por dois ou mais fornecedores, acautelando

    descontinuidades de fornecimento resultantes de greves, incndios ou concorrncia de

    preos. Num regime de direitos de propriedade intelectual, a questo da fonte alternativa

    prende-se com a instituio de um sistema de licenas no voluntrias.

    Por outro lado, pe-se o problema da normalizao (standardisation), isto , da

    produo de produtos compatveis. O problema da normalizao est em saber se um

    fabricante pode impedir um concorrente de produzir e fornecer circuitos integrados

    compatveis ou substitutos, o que depender da existncia e mbito da propriedade

    intelectual sobre esses aspectos da topografia. Ou seja, saber se a topografia ser

    protegida apenas quanto sua forma ou tambm quanto sua funo. Com efeito, a

    arquitectura, por exemplo, do processor Intel condiciona o sistema operativo DOS (disk

    operating system) e, consequentemente, os programas aplicativos (ou software de

    aplicaes).

    2. Soluo Jurdico-Legislativa: A Nova Propriedade Intelectual

    1. Patentes, Modelos, Direitos de Autor e Direitos Sui Generis

    A especificidade das topografias de produtos semicondutores prejudicou a sua

    assimilao aos objectos tradicionais da propriedade intelectual, considerando-se de um

    modo geral que dificilmente poderiam satisfazer os requisitos de proteco ora dos

    direitos das patentes, modelos e desenhos, ora dos diretos de autor. Em relao aos

    primeiros as topografias no seriam resultantes de actividade inventiva e, alm do mais, a

    sua natureza funcional exclui-las-ia dos segundos. Em suma, tratar-se-ia de uma nova

    forma de propriedade intelectual3.

    Nesse sentido, firmou-se o entendimento da criao de um direito de propriedade

    intelectual sui generis, que fosse um misto de direito das patentes e de direitos de autor,

    em ateno natureza hbrida das topografias de produtos semicondutores.

    3 Vide Frank Gotzen (ed.), Chip Protection: A New Form of Intellectual Property, Brussel: Bruylant, 1990.

  • 2. US Semiconductor Chip Protection Act (1984)

    A primeira Lei sobre circuitos integrados surgiu nos EUA. Neste pas, depois de

    rejeitada uma proposta de incluso das TSC na Lei do Copyright, seria adoptada em 1984 a

    Lei de Proteco dos Produtos Semicondutores4. Esta Lei consagrou uma forma sui generis

    de proteco, permitindo a descompilao ou engenharia regressiva (reverse engineering)

    para a criao de topografias derivadas alternativas5.

    Alm do mais, desvinculada das Convenes Internacionais, esta forma sui generis de

    proteco seria concedida a nacionais de, ou a topografias primeiramente exploradas em,

    outros pases apenas numa base de reciprocidade material.

    3. Directiva Topografias de Produtos Semicondutores (1987), Tratado de

    Washington (1989), Acordo ADPIC (1994)

    A US Semiconductor Chip Protection Act (1984) foi uma medida pioneira, tendo servido

    de modelo s diversas Leis que seriam adoptadas por vrios pases. Com efeito, a lei

    estadunidense seria seguida, em termos semelhantes, pelo Japo (1985) e, posteriormente,

    pela Comunidade Europeia (1986)6. Seguiram-lhes pases como a Sucia (1986), a Sua

    (1988) e a Austrlia (1989).

    No plano internacional foi adoptado, na Conferncia Diplomtica da OMPI, em

    Washington (DC), Maio de 1989, o Tratado sobre a Proteco da Propriedade Intelectual

    respeitante aos Circuitos Integrados7, apesar do voto contra das delegaes do Japo e dos

    EUA. Este Tratado segue a terceira via de direitos de propriedade intelectual, consagrando

    uma forma de proteco autnoma da propriedade ind