Clínica Do Trágico - Luiz Felipe Pondé (Palestra)

Embed Size (px)

Citation preview

  • 5/24/2018 Clnica Do Trgico - Luiz Felipe Pond (Palestra)

    1/3

    PALESTRA: CLNICA DO TRGICOLUIZ FELIPE POND

    I

    Faz uma oposio entre a concepo utpica de mundo (mas uma concepo utpica privada, pessoal eno coletiva) e a concepo trgica. Essa uma discusso pertinente, haja vista que se fala muito hoje emdia em morte das utopias. A primeira concepo est sempre em busca da perfeio, est sempreidealizando um futuro e acredita que se direcionarmos nossos esforos nessa direo, esse futuro perfeitoir se concretizar. uma concepo que se funda na esperana de que as coisas sempre esto caminhandorumo a algo melhor, de que as coisas esto progredindo, e na idia de que tudo que acontece s dependedos esforos individuais. Se tudo depende de meus esforos, tudo pode, eu me esforando, caminhar rumoa um futuro melhor, e, se tudo caminha rumo a algo melhor, a vida tem um sentido.

    J a segunda concepo, reconhece a imperfeio da vida, no idealiza um futuro e acredita que tudocorrer da mesma forma, independentemente dos esforos e das aes individuais. uma concepo que

    pressupe a existncia de um destino insupervel que regula a vida revelia das vontades pessoais. E essedestino concebido como um destino cego (as Moiras, que na mitologia grega so quem tece o destino,so cegas), ou seja, no h razo, justia ou sentido naquilo que ele determina; a vida no estinevitavelmente caminhando rumo a um futuro melhor; ela tem um carter acidental, incontrolvel.Talvez isso possa ser formulado da seguinte maneira: o acaso o destino.

    A diferena crucial entre ambas as concepes est na crena da utilidade ou inutilidade dos esforosindividuais: se eles so tidos como teis, h a esperana (utopia); se no so tidos como teis, a esperanainexiste (tragdia). E os esforos so teis quando temos controle absoluto sobre a vida, quando temosautonomia (utopia); e so inteis quando no temos nenhum controle sobre a vida, quando no temos

    autonomia (tragdia).

    A concepo trgica de mundo no gera uma postura melanclica, mas, ao contrrio, ela insufla coragem,ela nos diz que vale a pena enfrentar o destino, mesmo que no final sejamos derrotados por ele. Assumirque no temos controle sobre a vida pode nos tornar mais corajosos.

    Tragdia uma palavra que vem do grego e que significa bode. A literatura trgica diz que o homem um bode que era sacrificado no culto a Dionsio, ou seja, diz que ele caminha rumo ao sacrifcio.

    II

    O heri aceita bravamente seu destino. Ele a encarnao da concepo trgica de vida. O heri trgicovive um dilema: fazer o que sua conscincia manda sabendo que pagar caro por isso ou obedecer snormas (apolis). E o heri sempre segue sua conscincia, pois sabe que no viver em paz se no o fizer.E, assim, ele caminha rumo a um destino trgico, caminha para o infortnio. O enredo da tragdia vai dafelicidade para o infortnio. o que ocorre com Aquiles, quando ele prefere ir para a guerra de Tria,enfrentando a morte e almejando a glria eterna, ao invs de se tornar um homem banal e inglorioso, sededicando apenas famlia. A tragdia exalta o heri e a virtude da coragem e no a felicidade. Acoragem que a medida de grandeza e no a felicidade. A felicidade no o problema que a tragdia

    procurar resolver.

    A tragdia tinha a funo de ensinar como se encarar a vida, tinha uma funo cvica, mas tambm tinhafuno de purificar (catarse), livrando os espectadores do terror e da compaixo que a pea despertava.

  • 5/24/2018 Clnica Do Trgico - Luiz Felipe Pond (Palestra)

    2/3

    Em nosso tempo as utopias ruram e ns no somos mais felizes que nas pocas passadas. A tragdiapode nos ensinar a encarar a inevitabilidade dos infortnios com coragem, ao invs de ficar se lamentandopelo fracasso da felicidade.

    Nietzsche e Schopenhauer concordavam que a vida no tinha sentido, que o destino no significa nada eque ns no temos autonomia com relao a ele, e que o sofrimento era inevitvel. Mas eles tinham

    posturas distintas com relao ao trgico. Schopenhauer diz que a vida governada por uma vontadecega, irracional, autodestrutiva e que a soluo seria destruir a vontade dentro de sim, libertando-se davontade; prope o ascetismo. Para Nietzsche, essa postura equivalia morte, significaria adoecer oEros,tirar o gosto pela vida. Nietzsche alega que o sofrimento no tem sentido, que ele no significa nada, aocontrrio do que postulava a moral crist que procurou uma soluo para o sofrimento. Por que existe osofrimento? Para Nietzsche, no existe um por que; o sofrimento simplesmente . E Nietzsche v essafalta de sentido com bons olhos, pois no ter sentido no ter futuro, e no ter futuro ser livre, viver o

    presente com mais intensidade. Se h uma utopia projetada no futuro no h liberdade, j que se vivepreso ao que tem que ser feito para atingi-la.

    A utopia ilude e decepciona por fazer esperar por uma perfeio impossvel. J a tragdia nos faz aceitaras imperfeies da vida e nos torna corajosos para encar-la. Mas isso no significa que haja um culto dosofrimento na tragdia; isso masoquismo.

    A utopia desperta a inveja dos corajosos e a simpatia pelos sofredores. O mineiro s solidrio nocncer.

    O trgico pode ser uma cura para a mania de perfeio, para a mania de felicidade plena, para a mania deutopia.

  • 5/24/2018 Clnica Do Trgico - Luiz Felipe Pond (Palestra)

    3/3