8
Clipoema: a inter-relação das linguagens visual, sonora e verbal Luiz Antonio Zahdi Salgado 1 Os anseios gerados pela poesia concreta brasileira nascida nos anos 50, donde as pos- sibilidades plásticas da palavra ganharam importância, são agora, nestes últimos 12 anos, concretizadas através do cruzamento com as atuais interfaces tecnológicas. A ampla revolução causada pela ferramenta digital possibilitou que a poesia escrita, sua imagem e movimento agregassem novos valores. O som e seus desdobramentos, a música, a utilização de ruídos, a poesia falada, bem como outros recursos oriundos de outras ma- nifestações artísticas como, por exemplo, a performance e a vídeo arte podem ser agora elementos para serem agrupados em poesia. O resultado desta inter-relação diferenciada de linguagens chama-se no Brasil “Clipoema”. A inter-relação das linguagens visual, sonora e verbal (VSV) já ocorre a quase 80 anos nas manifestações cinematográficas de modo indiscutivelmente consagrado, entretan- to do cruzamento da poesia concreta com as atuais interfaces tecnológicas ocorre um novo modo nessas relações: um alto grau de inter(IN)dependência entre elas, ou seja, cada linguagem pode se estabelecer independen- temente das outras, mas quando agrupadas não apenas funcionam como meras ilustra- ções ou legendas umas das outras mas pro- porcionam múltiplas possibilidades de leitu- ra e entendimento de modo que ampliam consideravelmente as possibilidades de sig- nificado da mensagem poética. Entendo que isto caracteriza o Clipoema. Há meio século os poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, como integrantes do Grupo Noigandres, iniciaram um movimento de vanguarda, pioneiro, bastante considerado in- ternacionalmente, que abriu novos caminhos para a poesia brasileira, “(…) surge a poesia concreta detectando a crise do verso e ten- tando reordenar o caos gráfico do esfacela- mento da linearidade” (Menezes, 1991: 13). Os poetas deste grupo estavam conectados às idéias artísticas e teóricas de Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound, Cummings e Apollinaire e também as tentativas experi- mentais futuristas/dadaístas que estão na raiz do novo procedimento poético, que se im- puseram à organização convencional formal do verso. (Campos 1987: 50). Os signos verbais da poesia se abrem para a visualidade das Artes Plásticas e do Design Gráfico, a leitura tradicional rende-se para uma visão multidirecional da distribuição do poema pelo espaço da página: os tipos se soltam sobre a superfície branca plana. Para Philadelpho Menezes, o momento concretista é considerado “o de maior alcance da consciência crítica até então produzido pela vanguarda brasileira”, quando foram dados os primeiros passos para “(…) o caminho da crescente presença da visualidade, que acabaria por aprofundar a implosão sintática, chegando a própria unidade molecular do discurso ver- bal: a palavra.”(Menezes, 1991: 13). Santaella também trata do mesmo assunto e acrescenta “no Brasil, o polêmico movimento da poesia concreta foi o primeiro a pôr programaticamente em discussão a visualidade na poesia (…)” (Santaella, 1998: 70-71). Paralelo ao interesse pelo sentido visual da palavra, principalmente pelo grupo de poetas do Noigandres, também já estava contido, na dinâmica concretista, o desejo de utilizar o som na construção poética, con- forme declara Augusto de Campos. (Araújo, 1999: 50) Muito da estrutura da poesia está na sonoridade proporcionada pela combina- ção criativa das letras, sílabas e palavras que possibilitam resultados interessantes tanto no- poema recitado quanto no cantado. Entretan- to, a utilização do som proposta por estes poetas é aquela cujas referências se encon- tram nos grandes compositores que inova- ram e ampliaram os conceitos musicais do século XX, como Schoenberg, Webern, Boulez, Xenakis, Cage, entre outros.

Clipoema: a inter-relação das linguagens visual, sonora e ... · a inter-relação das linguagens visual, sonora e verbal Luiz Antonio Zahdi Salgado1 ... das Artes Plásticas e

Embed Size (px)

Citation preview

395NOVAS TECNOLOGIAS E NOVAS LINGUAGENS

Clipoema:a inter-relação das linguagens visual, sonora e verbal

Luiz Antonio Zahdi Salgado1

Os anseios gerados pela poesia concretabrasileira nascida nos anos 50, donde as pos-sibilidades plásticas da palavra ganharamimportância, são agora, nestes últimos 12anos, concretizadas através do cruzamentocom as atuais interfaces tecnológicas. A amplarevolução causada pela ferramenta digitalpossibilitou que a poesia escrita, sua imageme movimento agregassem novos valores. Osom e seus desdobramentos, a música, autilização de ruídos, a poesia falada, bemcomo outros recursos oriundos de outras ma-nifestações artísticas como, por exemplo, aperformance e a vídeo arte podem ser agoraelementos para serem agrupados em poesia.O resultado desta inter-relação diferenciadade linguagens chama-se no Brasil“Clipoema”.

A inter-relação das linguagens visual,sonora e verbal (VSV) já ocorre a quase 80anos nas manifestações cinematográficas demodo indiscutivelmente consagrado, entretan-to do cruzamento da poesia concreta com asatuais interfaces tecnológicas ocorre um novomodo nessas relações: um alto grau deinter(IN)dependência entre elas, ou seja, cadalinguagem pode se estabelecer independen-temente das outras, mas quando agrupadasnão apenas funcionam como meras ilustra-ções ou legendas umas das outras mas pro-porcionam múltiplas possibilidades de leitu-ra e entendimento de modo que ampliamconsideravelmente as possibilidades de sig-nificado da mensagem poética. Entendo queisto caracteriza o Clipoema.

Há meio século os poetas Augusto deCampos, Haroldo de Campos e DécioPignatari, como integrantes do GrupoNoigandres, iniciaram um movimento devanguarda, pioneiro, bastante considerado in-ternacionalmente, que abriu novos caminhospara a poesia brasileira, “(…) surge a poesiaconcreta detectando a crise do verso e ten-tando reordenar o caos gráfico do esfacela-mento da linearidade” (Menezes, 1991: 13).

Os poetas deste grupo estavam conectadosàs idéias artísticas e teóricas de Mallarmé,James Joyce, Ezra Pound, Cummings eApollinaire e também as tentativas experi-mentais futuristas/dadaístas que estão na raizdo novo procedimento poético, que se im-puseram à organização convencional formaldo verso. (Campos 1987: 50). Os signosverbais da poesia se abrem para a visualidadedas Artes Plásticas e do Design Gráfico, aleitura tradicional rende-se para uma visãomultidirecional da distribuição do poema peloespaço da página: os tipos se soltam sobrea superfície branca plana.

Para Philadelpho Menezes, o momentoconcretista é considerado “o de maior alcanceda consciência crítica até então produzido pelavanguarda brasileira”, quando foram dados osprimeiros passos para “(…) o caminho dacrescente presença da visualidade, que acabariapor aprofundar a implosão sintática, chegandoa própria unidade molecular do discurso ver-bal: a palavra.”(Menezes, 1991: 13). Santaellatambém trata do mesmo assunto e acrescenta“no Brasil, o polêmico movimento da poesiaconcreta foi o primeiro a pôr programaticamenteem discussão a visualidade na poesia (…)”(Santaella, 1998: 70-71).

Paralelo ao interesse pelo sentido visualda palavra, principalmente pelo grupo depoetas do Noigandres, também já estavacontido, na dinâmica concretista, o desejo deutilizar o som na construção poética, con-forme declara Augusto de Campos. (Araújo,1999: 50) Muito da estrutura da poesia estána sonoridade proporcionada pela combina-ção criativa das letras, sílabas e palavras quepossibilitam resultados interessantes tanto no-poema recitado quanto no cantado. Entretan-to, a utilização do som proposta por estespoetas é aquela cujas referências se encon-tram nos grandes compositores que inova-ram e ampliaram os conceitos musicais doséculo XX, como Schoenberg, Webern,Boulez, Xenakis, Cage, entre outros.

396 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume I

Pode-se ainda dizer que uma das prin-cipais características da poesia visual já seencontrava antecipadamente no pensamentoconcretista: a exploração de novos suportes.“Antecipando a explosão das variadas ma-nifestações da poesia visual (poema proces-so, poesia experimental, alternativa, artepostal, gestual, poesia visiva, grafismo,letrismo), a poesia concreta, especialmentenos desdobramentos por que viria passar naobra de Augusto de Campos, antecipoutambém o pulsar dos movimentos em luz ousom de uma poética eletrônica na era daautomação” (Santaella et al, 1998: 71).

Os elementos inscritos pelo movimentoconcretista atravessaram décadas em busca demovimento e animação. Entretanto, através dosmesmos poetas citados e juntando-se a eleso artista plástico Júlio Plaza e também o artistamultimídia Arnaldo Antunes, novas experimen-tações surgiram na composição com signosverbais e não verbais. Estas exploraçõesocorreram principalmente na utilização deoutros suportes tecnológicos como o fax, ovídeo texto, o holograma, o laser, o vídeo eo computador, que foram emprestados de suasfunções para servirem como interfaces paraexpressão artística destes poetas.

Na década de 90, no Laboratório deSistemas Integráveis da Escola Politécnica daUSP, foram desenvolvidos alguns poemas apartir dos recursos da computação gráfica.A idéia era transcriar poemas do papel parao vídeo (Araújo, 1999: 15), este evento foichamado de Vídeo Poesia. Paralelo a esteevento, AA desenvolveu a obra multimídiaNome.

Nome

Nome é o título/temada obra de ArnaldoAntunes. Esta obradatada de 1993, con-siderada multimídiapor envolver váriosmeios para sua produ-ção e apresentação, écomposta de CD com23 músicas, vídeocom 30 clipoemas,livro com 30 poemase show musical.

Na obra Nome se encontra a continuidadedo percurso iniciado pelo concretismo, umaobra de poesia que se vale de outras lingua-gens não só para ilustrar o seu sentido verbal,mas para, na inter-relação com o som e aimagem, gerar múltiplos significados.

Informação, comunicação e repertório

A percepção da obra Nome passa aocorrer através da combinação de variadoscaminhos, possibilitando uma leitura amplae diversificada, limitada apenas pelo reper-tório individual do público apreciador. Opúblico atingido por este formato de trabalhoaumenta em número, porque a obra atrai,numa mesma idéia, amantes da música, dovídeo e da poesia.

Uma das mais importantes característicasencontradas na obra Nome está relacionadacom o modo de utilização dos repertóriossonoro, visual e verbal, dos cruzamentos, dascomplementações, das linhas de fuga, enfim,das relações intersemióticas entre eles. Oartista multimídia combina os três repertó-rios de forma bastante variada, gerando umaobra múltipla onde cada poema, clipoema,música, apresenta diferenças de níveis deinteligibilidade e redundância. Podem-seencontrar músicas de repertório facilmentereconhecido, assim como poemas com níveisaltos de inteligibilidade e que exigem doreceptor um repertório mais elevado.

A obra apresenta múltiplos cruzamentos,com variados graus de complexidade, poisa utilização do recurso de repetição não segueuma lógica convencional. Os elementos sãoorganizados em estruturas diversas quebuscam muito mais a experimentação esté-tica. O alto grau de informação da obra comoum todo resulta num complexo organismoonde em cada parte se observam níveisvariados de disposição da informação, algunsmomentos mais redundantes, outros intensa-mente mais informativos, causando radicaisenfrentamentos entre inteligibilidade eprevisibilidade.

Por exemplo, pode-se observar no vídeoCultura uma combinação de repertórios quefacilita ao público o entendimento da men-sagem poética.

Já em outro clipoema onde o título frase“os nomes dos bichos não são os bichos”,

397NOVAS TECNOLOGIAS E NOVAS LINGUAGENS

o autor coloca uma questão metalingüísticasobre a relação entre os signos/símbolos quepor convenção representam, mas não são osseus referentes. Fica evidente a utilização daimagem como signo que indica/induz oreceptor a aceitar vários referentes para omesmo signo verbal. Como em Alice no paísdas maravilhas, o interessante nestes jogosmetalinguísticos está nas possibilidades en-contradas por trás do espelho, ou seja, oreceptor vai percebendo o jogo conforme ovídeo vai se mostrando no tempo, quandovai se deixando perceber o deslocamento deum referente para outro. De outro modo,poderia se dizer que o primeiro referente, porexemplo, da palavra “macaco”, é o animalconhecido por todos como objeto deste sím-bolo. Num segundo momento, poder-se-iadizer que a mesma palavra estaria sereferenciando a um boneco que possui sig-nos semelhantes aos do animal. E ainda, emuma terceira possibilidade, ocorre uma in-versão no deslocamento, sendo que agora éa palavra/signo/verbal/sonoro que é substi-tuída por outra que indica uma nova refe-rência dentro do mesmo objeto: neste casoo objeto/boneco/macaco/material, pode seridentificado/chamado/entendido através dapalavra “pelúcia”.

Os referentes são potências latentes designificação, conscientizadas a partir dasevidências indiciais deixadas propositalmen-te pelo autor na composição da inter-relaçãodas linguagens. E por fim a própria palavraescrita/dita como signo de referência delamesma com suas características gráficas esonoras também participa deste jogo decruzamentos metalingüísticos. O poema seencerra no ato de lavar o cavalo, diluindoas palavras nele escritas. A palavra, que noinício foi apresentada sendo construída,materializada, no final é diluída/lavada.

Percebe-se que não há hierarquia entreos signos/elementos. A cada instante, a cadalinha/frase/imagem/som o receptor é surpre-endido pela multíplice de combinações ondeo significado flutua em muitos fragmentos.O poema se organiza na obrigatória condiçãotemporal imposta pelo meio, porém a nãolinearidade se destaca na multiplicidade designos que se justapõem, às vezes por vi-zinhança e aproximação e outras por saltose linhas de fuga.

A inter-relação das linguagens sonora,visual e verbal (VSV)

É de meu interesse colocar outras ques-tões sobre a inter-relação das VSV e nãoapenas seguir a ordem do convencional, doposto, do consagrado, mas de procurar novosrecursos para reflexão que possam se apro-ximar de modo mais eficaz e aberto de umanova proposta artística.

Nesta concepção, as conexões entre aslinguagens ocorrem em forma de rizoma2,podendo acontecer a qualquer momento,interligando pontos de informação, signifi-cados ou os diferentes suportes que possi-bilitam a veiculação das mensagens poéticas.Independentemente de qualquer regrapreestabelecida, o receptor navega entretrechos ou fragmentos de imagens visuais,verbais, sons e/ou músicas, intercalando-osem tempo real na seqüencialidade temporalda obra, conforme lhe desperte o interesse,por vizinhança, parentesco, proximidade,similaridade, contigüidade, ou de qualqueroutra forma que lhe determine um percursoparticular para o entendimento da informa-ção.

A alta taxa de informação de cadamensagem poética de uma obra híbrida quemantém uma inter-relação não hierárquica,não permite uma completude perceptivafinalizada, única, acabada em si mesma. Sãomúltiplas possibilidades abertas para a recep-ção. Entretanto, não se trata de uma escolhaobjetiva por este ou aquele caminho. Ainteratividade ocorre através de um processode edição cerebral que opta por quais cami-nhos navegar. É um ato de percepção econscientização. Na dinâmica da escolha daspartes, no ato da leitura, a seqüência obtidaleva a uma interpretação do todo, não de umtodo único, mas de um possível dentre muitos.

Na inter-relação das linguagens, o reper-tório signico do receptor entra em confrontopermanente com o da obra. A cada novaleitura, novos signos de informação vão sendodesvendados, e novos encadeamentos de sig-nificados vão surgindo. A passagem deentrada para a leitura da obra ocorre a partirde elementos de repertório simples, redun-dantes e conhecidos, ou até sofisticadoselementos de metalinguagem. É bastanteinteressante observar que, simultaneamente

398 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume I

ou isolando uma determinada informação dotodo, as VSV possibilitam muitas leituras.

Nesta dinâmica ocorre ruptura edesterritorialização constantemente, mesmodiante de uma obra videográfica. A leiturase desloca entre as mensagens, onde ocorreuma flutuação perceptiva na interpretação dossignos VSV, seja de forma vertical, na si-multaneidade dos signos, seja nahorizontalidade da sequência temporal.

O clipoema “Pessoa” que também, fazparte da obra Nome, é um exemplo do quequero dizer sobre a inter-relação de lingua-gens. O clipoema inicia apresentando umaimagem/fundo, movimentando-se para adireita. A imagem marcada por rascunhos,escritas a mão, riscos e rasuras, causam umruído branco na mensagem, signos quedenunciam a existência do poeta. Na estru-tura do clipoema, a imagem/fundo serve desuporte contrastante para os tipos digitais dopoema escrito se movimentarem para aesquerda. O movimento contrário entre asimagens causa dificuldades para a percepçãodo poema escrito. Entretanto, na fragmenta-ção do poema não ocorre perda de qualidadena informação. Uma outra interferência deteor metalingüístico aumenta a sensação deestranhamento e de desconcerto perceptivo:ao mesmo tempo em que o poema passa pelatela, se podem ouvir, simultaneamente, AAfazendo a análise gramatical do poema. Di-ferentemente do habitual, onde o texto ver-bal falado se relaciona com poema escritoou de forma recitativa ou através de melodiamusical, neste clipoema os signos verbais serelacionam em contraponto, o receptor lê opoema e ouve a análise sintática. Ainda sepode perceber a presença de sons graves deum baixo acústico aumentando a expectativaem torno do clipoema. A quantidade deinformação verticalizada, acontecendo simul-taneamente na horizontalidade seqüencial dovídeo, em determinado momento causa umestado parecido com a hipnose, um descon-certo multisensorial.

Este clipoema se caracteriza pelo modorizomático como se apresenta à recepção. Natentativa de buscar uma interpretação ime-diata, o receptor é levado a se distrair nainter-relação das linguagens, fragmentando acompreensão linear do clipoema. O resulta-do é uma sensação ramificada causada por

um movimento que se estabelece conformeo receptor identifica os signos mais conhe-cidos, seja na imagem, na escrita, na fala ouno som. A mensagem, para o receptor, re-aliza-se como um patchwork, um mosaicode significâncias.

Na relação entre a imagem e o texto daobra Nome, ocorre uma constante confron-tação entre signos redundantes e de infor-mação. Kalverkämper3, citado por Santaellae Nöth (1997: 54) distingue três casos emque imagem e texto se relacionam na cons-trução da mensagem: no primeiro caso aimagem é inferior e apenas complementa otexto, servindo como elemento de redundân-cia do verbal escrito; no segundo caso, aimagem é superior ao texto porque carregamaior taxa de informação; no terceiro casoa imagem e o texto têm a mesma importân-cia. Esta equivalência é descrita comocomplementaridade. “A vantagem dacomplementaridade do texto com a imagemé especialmente observada no caso em queconteúdos de imagem e de palavra utilizamos variados potenciais de expressãosemióticos de ambas as mídias”4 (Ibid., 55).

Sugiro uma quarta situação onde não sóa imagem e o texto, mas também o som emtodas as suas variações se inter-relacionamdiferentemente do conceito de complementa-ridade, pois possuem qualidades independen-tes capazes de informar tanto de forma isoladacomo associadas umas com as outras, po-dendo este caso ser identificado como umaInter-relação rizomática das linguagens VSV.

Este caso se enquadra em certos momen-tos, a meu ver, com a obra em questão. Umdos indícios desta constatação é o própriokit multimídia de Nome (CD musical, livrode poemas, clipoemas, show musical). Cadaum destes itens, tratados individualmente,carrega em si informações estéticas sufici-entes para se sustentarem como mensagenspoéticas. As linguagens aqui não são apenascomplementares, mas se relacionam em umamultiplicidade de caminhos. Entendo ser destemodo uma proposta inovadora de inter-re-lação das linguagens VSV. A linguagemresultante é composta por uma combinaçãode linguagens que são articuladas e sematerializam numa mensagem híbrida. En-tretanto este ponto de vista não exclui a

399NOVAS TECNOLOGIAS E NOVAS LINGUAGENS

existência, em determinados momentos, designos de som e imagem que se relacionamhierarquicamente apenas como uma ilustra-ção.

Clipoema Suíte5

Este clipoema foi criado a partir dascaracterísticas observadas durante a pesqui-sa. Suíte é uma mescla de linguagens. Dasrelações entre estrutura/resultado se podeperceber que uma se espelha/reflete na outra,caracterizando o uso da metalinguagem comorecurso de composição. Suíte é uma rede deinter-relações e desdobramentos onde cadaelemento VSV ocupa espaço equivalente, nãohierarquizado. O clipoema começa empres-tando da música a estrutura formal – suíte,para em seguida desterritorializar esta formado seu habitat natural para reterritorializá-la de modo ampliado para todas as demaislinguagens.

O motivo inicial que serviu de sementepara a elaboração do clipoema Suíte foi anecessidade de utilizar um processo que nãofosse condicionado pelos padrões ou facil-mente iludido pelos recursos da computaçãográfica banalizados pelo uso, e que utilizasseum signo verbal como motivo ou como umamola propulsora para a construção doclipoema. A palavra “suíte” foi escolhida pordesignar uma estrutura formal que envolvepeças musicais que guardam relações entresi. Esta organização, assumida na palavra porconvenção, envolve de saída um procedimen-to metodológico estabelecido historicamenteatravés da composição musical. A palavrasuíte diz significar:“Série de composiçõesinstrumentais em forma de dança (ou decanção), de construção binária, as quais sesucedem em ordem lógica de movimentosdiversos, ligados entre si por estreito paren-tesco tonal” (Holanda, 1983: 1139). Comose pode ver na definição, a palavra, por suarepresentação simbólica adquirida pelo seuuso, determina o modo como ocorre a or-ganização interna de seus elementos, deter-minando inclusive a estrutura temporal decomo se devem suceder, bem como qualsistema musical rege a relação entre esseselementos.

Para a composição portanto, a palavra“suíte” é utilizada de modo que o seu espaço

de abrangência seja ampliado também parao âmbito da imagem sequenciada, uma vezque constatei que esta guarda semelhançascom uma característica fundamental do som:ambos necessitam da passagem no tempo paraexistirem. Sobre este assunto, Santaella eNöth (1997) escrevem: “(...) a partir docinema, então com o vídeo, e agora com acomputação gráfica, os processos visuais, aose inseminarem cada vez mais de tempo,adensando sua dinamicidade, estão ficandocada vez mais parecidos com a música”.

Outro dado importante para a definição daestrutura do clipoema está diretamente ligadoà unificação do código (binário) para todosos tipos de dados dentro dos novos processostecnológicos de informação e comunicação.Além das semelhanças já citadas, pode-seobservar também que, em seu estado depotência virtual, não há mais diferenciaçõesentre som e imagem, a não ser no modo comose apresentam ao espectador. Também sobreisto dizem Santaella e Nöth (1997: 91), “...o que se tem hoje, na realidade, é umadissolução de fronteiras entre visualidade esonoridade, dissolução que se exacerba a umponto tal que, no universo digital do som eda imagem, não há mais diferenças em seusmodos de formar, mas só nos seus modos deaparição, isto é, na maneira como se apre-sentam para os sentidos”.

A partir disto, para manter a coerênciadentro de um sistema não hierarquizadopreviamente, estruturei um método específi-co para criação do clipoema. Inicialmenteforam selecionadas 12 palavras, escolhidaspor estarem relacionadas a consideraçõespreestabelecidas: 1- a metalinguagem da suítemusical; 2- referências às tecnologias dacomputação gráfica; 3- e que também guar-dassem relações entre si e com o tema.

As palavras escolhidas foram as seguin-tes: Forma, dança, estrutura, ternário, míni-mo, algo ritmo, quadrados, receba flores,ligação, rede, salto.

A montagem foi realizada de modo nãoconvencional. Para descondicionar a percep-ção e eliminar a possibilidade de associaçõespor similaridade ou contiguidade geradas pelamente, para evitar a influência do meu própriorepertório, o melhor recurso seria uma com-binação aleatória das palavras através de umsorteio.

400 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume I

Para o sorteio foi necessário determi-nar alguns critérios estruturais para orga-nizar o todo do clipoema. A suíte musicalserviu de modelo. A partir desta referência,o clipoema ficou composto por 4 partes,cada uma contendo 3 palavras escolhidasatravés de sorteio. A primeira sorteadadefiniu o título, a segunda, o conteúdo para

o desenvolvimento visual, e a terceira, omotivo para o desenvolvimento sonoro(música e/ou ruído e/ou sonoplastia e/oumanifestações verbais) e assim por diante,até formar os 4 grupos de ação VSV,correspondentes aos movimentos musicaisque formam a suíte.

Após o sorteio o quadro ficou assim:

Ação 1 - Título: Rede

Imagens abstratas

Ação 2 - Título: Ligação

Forma

oãçA olutíT sacitégamIsaicnêrefeR saronoSsaicnêrefeR

1 eder satartsbasnegami oiránret

2 oãçagil amrof açnad

3 sodardauq aruturtse ominím

4 omtirogla otlas serolfabecer

401NOVAS TECNOLOGIAS E NOVAS LINGUAGENS

Ação 3 - Título: Quadrados

Estrutura

Ação 4 - Título: Algo ritmo

Salto

Entre os clipoemas da obra Nome e oclipoema Suíte observa-se semelhanças noque diz respeito a inteligibilidade da men-sagem. Enquanto no primeiro ocorre umagrande diversidade de repertórios distribuí-dos ao longo dos 30 clipoemas, no segundoas diferenças ocorrem em apenas 4 movimen-tos. Em consonância também se encontra omodo aberto para múltiplas possibilidades nainter-relação das linguagens.

Principalmente o que se quis considerarneste trabalho é o Clipoema como uma nova

forma de expressão poética evoluída a partirda história da poesia concreta brasileira, daspossibilidades não hierárquicas entre elemen-tos de som, imagem, ou texto verbal destetipo de composição, do caráter híbrido doseu resultado misturando cinema, vídeo,poesia, artes plásticas, etc., e finalmente orepertório variado que permite aproximaçõesentre mensagens com níveis de taxas deinformações muito diferentes.

402 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume I

Bibliografia

Antunes, Arnaldo. Nome. São Paulo: Cia.Das letras, 1993.

Araújo, Ricardo. Poesia visual vídeo po-esia. São Paulo: Perspectiva, 1999.

Campos, Augusto de; PIGNATARI, Dé-cio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesiaconcreta. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Campos, Haroldo de. Ideograma: Lógicapoesia linguagem. Org. Textos traduzidos porHeloysa de Lima Dantas. São Paulo: Editorada Universidade de São Paulo, 2000, 4ª ed.

Deleuze, Gilles; Guatarri, Félix. MilPlatôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Tradu-ção Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa.São Paulo: 34, 1995.

Eco, Humberto. Obra aberta. São Paulo:Perspectiva, 8ª ed., 2001.

Machado, Arlindo. Máquina e imaginá-rio: O Desafio das Poéticas Tecnológicas.São Paulo: Editora da Universidade de SãoPaulo, 2001, 3ª ed.

Pignatari, Décio. Informação, linguageme comunicação. Cotia: Ateliê Editorial, 25ªed., 2002.

_____. Semiótica & literatura: icônico everbal, Oriente e Ocidente. 2ª ed. ver. e ampl.São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

_____. Poesia pois é poesia. Pó&tc. SãoPaulo: Brasiliense, 1986.

Plaza, Julio; TAVARES, Monica. Proces-sos Criativos com os Meios Eletrônicos: Po-éticas Digitais. São Paulo: Hucitec, 1998.

Santaella, Lucia. Matrizes da Linguageme Pensamento: sonora visual verbal. SãoPaulo: Iluminuras, 2001.

Santaella, Lucia; Nöth, Winfried. Ima-gem, cognição, semiótica, mídia. São Paulo:Iluminuras, 1998.

Teixeira Coelho, J. Semiótica, informa-ção e comunicação. São Paulo: Perspectiva,4ª ed. 1996.

_______________________________1 Unicenp – Centro Universitário Positivo.2 Teoria do Rizoma de Gilles Deleuze e Félix

Guatari.3 KALVERKÄMPER, Hartwig (1993). Die

Symbiose Von Text und Bild in den Wissenschaften.In TITZMANN, M., org., Zeichen (theorie) undPraxis, pp. 199-226. Passau: Rothe.

4 Michael TITZMANN org. Zeichen (theorie)und Práxis. Passau: Rothe, 1993.

5 Este clipoema é de minha autoria e foifinalista do 1º Concurso Nacional de ClipoemasPerhappiness realizado pela Fundação Cultural deCuritiba.