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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO: POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR JADE MARTINS Itajaí, maio de 2006.

CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO: POSSIBILIDADE …siaibib01.univali.br/pdf/Jade Martins.pdf · ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO: POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR

JADE MARTINS

Itajaí, maio de 2006.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO: POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR

JADE MARTINS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientador: Professor MSc. Osmar Dinis Facchini

Itajaí, maio de 2006.

AGRADECIMENTOS

A Deus que me deu forças para mudar as

coisas que poderiam ser mudadas, e

sabedoria para perceber a diferença e

sobretudo, coragem para não desistir daquilo

que penso estar certo.

Aos meus pais, meus amigos, companheiros e

confidentes, que se doaram inteiros e

renunciaram aos seus sonhos, para que,

muitas vezes, pudesse realizar os meus. A

vocês que compartilharam meus ideais e os

alimentaram, incentivando a prosseguir na

jornada, mostrando que o meu caminho

deveria ser seguido sem medos, fossem quais

fossem os obstáculos. Minha eterna gratidão

vai além de meus sentimentos, pois vós

cumpristes o dom divino. O dom de ser Pai, o

dom de ser Mãe.

Aos meus amigos que compartilharam desta

trajetória, incentivando e alegrando a cada

dia esta caminhada, meu muito obrigada.

Agradeço ao meu orientador, MSc. Osmar

Dinis Facchini que compartilhou comigo seus

conhecimentos e auxiliou na busca da

realização plena de meus ideais profissionais

e humanos.

DEDICATÓRIA

A minha mãe Arlete e meu pai Luiz, que

sempre compartilharam os meus sonhos e

desalentos, vitórias e derrotas, alegrias e

tristezas. Que mesmo, às vezes, distantes

fisicamente, mantiveram-se ao meu lado,

lutando pelo meu sucesso, dedico essa

conquista, com a mais profunda admiração

e gratidão. Obrigado meu pai! Obrigado

minha mãe!

Ao meu orientador MSc. Osmar Dinis Facchini,

dedicamos o resultado de um esforço

comum, consciente e honesto em prol do

desenvolvimento e valorização de nossa

atividade profissional.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí, maio de 2006.

Jade Martins Graduanda

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Jade Martins, sob

o título Co-Autoria no Crime de Infanticídio, foi submetida em 30 de junho

de 2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

MSc. Rogério Ristow e MSc. Leandro Batista Morgado, examinadores, e

aprovada com a nota 10,0 (dez).

Itajaí, junho de 2006

MSc. Osmar Dinis Facchini Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas

à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Antijuridicidade

A antijuridicidade é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica,

no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico. 1

Autor

Autor é quem realiza diretamente a ação típica, no todo ou em parte,

colaborando na execução (autoria direta), ou quem a realiza por meio de

outrem que não é imputável ou não age com culpabilidade (autoria

mediata).2

Co-Autoria

Existe co-autoria quando duas ou mais pessoas físicas realizam, por si ou

por intermédio de outrem não culpável, o verbo contido no tipo de ilícito.

Cada co-autor é um autor e, portanto, deve se revestir das características

exigíveis para a autoria.3

Concurso de Pessoas

Há na hipótese, convergência de vontades para um fim comum, que é a

realização do tipo penal, sendo dispensável a existência de um acordo

prévio entre várias pessoas; basta que um dos delinqüentes esteja ciente

1 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 23. ed. São Paulo: Editora Atlas,

2006, p. 173. 2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I., 2006, p.224. 3 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p.

299.

de que participa da conduta de outra para que se esteja diante do

concurso.4

Crime

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão

ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou

cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal

a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou

ambas, alternativa ou cumulativamente.5

Culpabilidade

Assim, em vez da imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de

conduta diversa, a teoria normativa pura exigiu apenas imputabilidade e

exigibilidade de conduta diversa, deslocando dolo e culpa para a

conduta. O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o

normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade. A

consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir

elemento autônomo, integrante da culpabilidade, não mais, porém,

como consciência atual, mas possibilidade de conhecimento do injusto.6

Direito de Punir (Jus Puniendi)

É o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito

secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação

ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão

jurídica, de maneira reprovável.7

Estado

4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I, 2006, p.224. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003,

p.93. 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, 2004, p. 288.

7 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000, p. 03.

É o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território

determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano,

que lhes dá autoridade orgânica.8

Estado Puerperal

A mulher, em conseqüência das circunstâncias do parto, referentes à

convulsão, emoção causada pelo choque físico etc., pode sofrer

perturbação de sua saúde mental. O Código fala em influência do estado

puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas

sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto.9

Fato Típico

Fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que

provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como

infração.10

Infanticídio

Segundo o disposto no art. 123 do Código Penal podemos definir o

infanticídio como a ocisão da vida do ser nascente ou do neonato,

realizada pela própria mãe, que se encontra sob a influência do estado

puerperal.11

Partícipe

Partícipe é o agente que, embora não pratique atos executórios, concorre

de qualquer modo para o resultado. Partícipe, assim, é o que pratica um

8 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 553. 9 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva,

2004, p. 106. 10 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

154. 11 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 5 ed. São Paulo:

Saraiva, 2005, p.99.

ato que contribuiu para a realização do crime, ato este diverso do

realizado pelo autor ou autores.(...)12

Sociedade

[...] o homem, desde que nasce e durante toda a existência, faz parte,

simultânea ou sucessivamente, de diversas instituições ou sociedades,

formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, por interesses materiais

ou por objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o

desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais, e para isso

lhe impõem certas normas, sancionadas pelo costume, a moral ou lei.13

Tipicidade

É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral

correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo

descritivo constante da lei (tipo legal).(...)14

12 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. I. 37 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003,

p.212. 13 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado. 44 ed. São Paulo: Globo, 2003, p.1. 14 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 7ed. Saraiva: São Paulo,

2004, p. 174.

SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XII

INTRODUÇÃO ................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 .................................................................................... 16

DO DIREITO DE PUNIR ...................................................................... 16 1.1 DA SOCIEDADE..............................................................................................16 1.1.1 DA ORIGEM DA SOCIEDADE ..............................................................................16 1.2 DO ESTADO ....................................................................................................22 1.2.1 DA ORIGEM DO ESTADO ...................................................................................22 1.3 O PODER DO ESTADO....................................................................................28 1.4 DA ORIGEM DO DIREITO DE PUNIR...............................................................32

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 38

DO CONCEITO DE CRIME AOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TIPO PENAL ...................................................................................... 38 2.1 DO CRIME.......................................................................................................38 2.1.1 DO CONCEITO FORMAL ....................................................................................39 2.1.2 DO CONCEITO MATERIAL ...................................................................................40 2.1.3 DO CONCEITO ANALÍTICO .................................................................................41 2.2 DO FATO TÍPICO ............................................................................................43 2.2.1 DA CONDUTA ..................................................................................................43 2.2.2 DO RESULTADO ................................................................................................46 2.2.3 DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ..........................................................................47 2.2.4 DA TIPICIDADE .................................................................................................50 2.3 DA ANTIJURIDICIDADE ..................................................................................53 2.4 DA CULPABILIDADE .......................................................................................56 2.4.1 TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE ...........................................................57 2.4.2 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA DA CULPABILIDADE ........................................58 2.4.3 TEORIA NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE......................................................59 2.5 DOS ELEMENTOS DA CULPABILIDADE...........................................................60 2.5.1 DA IMPUTABILIDADE..........................................................................................60 2.5.2 POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE ..............................................................61 2.5.3 DA EXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO .........................................62

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 64

DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO ............................. 64 3.1 DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ....................................................64

3.2 DO CONCURSO DE PESSOAS........................................................................65 3.2.1. DO AUTOR .....................................................................................................68 3.2.2 DO PARTÍCIPE ..................................................................................................69 3.3 DA CO-AUTORIA............................................................................................70 3.4 DA COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE CONDIÇÕES E CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES........................................................................73 3.4.1 DA INCOMUNICABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DE CARÁTER PESSOAL....................76 3.5 DO INFANTICÍDIO ..........................................................................................77 3.5.1 DA OBJETIVIDADE JURÍDICA ...............................................................................79 3.5.2 DOS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO ..........................................................................80 3.5.3 DO ESTADO PUERPERAL......................................................................................81 3.6 DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO ...........................................84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 88

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................ 93

RESUMO

Esta Monografia realizada com base em pesquisa

científica teve por escopo a intenção de investigar, pesquisar e

compreender o contexto da Co-autoria no Crime de Infanticídio, na

esfera do Direito Penal. Nessa perspectiva, buscou-se apresentar uma

evolução histórica do direito de punir, que teve como ponto de partida a

origem da sociedade e do Estado, bem como do poder do Estado para

finalmente tratar do direito de punir em si. Em um segundo momento,

tratou-se do conceito de crime e os elementos constitutivos do tipo penal.

Desmembrou-se o conceito de crime em formal e analítico, para

posteriormente abordar sobre o fato típico, sobre a antijuridicidade e

sobre a culpabilidade, no que tange sob o ponto de vista das teorias

existentes na doutrina penal. Por fim, tratou-se do concurso de pessoas no

crime de infanticídio, dando-se ênfase aos conceitos de autor, co-autor e

partícipe para se chegar à comunicabilidade e incomunicabilidade das

circunstâncias de caráter pessoal nos crimes próprios.

INTRODUÇÃO

O direito tem despertado no homem o interesse na

proteção dos seus que lhes são mais caros, entre eles, a vida e a

liberdade.

Objeto de tutela do direito penal, a liberdade tem

sofrido situações quando mal utilizada pelo homem, mas sempre na

defesa da boa convivência social, moral e os bons costumes.

Estas condutas, tipificadas como crime, normalmente

referem-se a fatos realizados por uma única pessoa. Contudo, o fato

punível pode ser obra de vários agentes associados ou não, mas, com

finalidade única. Esta reunião de pessoas no cometimento de infração

penal da origem ao que a doutrina chama de co-delinqüência e que o

legislador penal de 1984 chamou de concurso de pessoas.

É esta participação coletiva na prática da infração

penal que foi o tema escolhido para este trabalho, embora, relacionado

apenas ao crime de infanticídio, onde reside célebre polêmica sobre a

punição a ser aplicada se, idêntica a autor, co-autor e partícipe ou se

para aqueles que não sendo a mãe a punição deve ser diferenciada.

O assunto é controvertido, levando os operadores do

direito em análise mais aprofundada a admitir que a técnica adotada

pelo código leva a uma aplicação igualitária da lei.

Seguindo os caminhos desta polêmica elabora-se a

situação problema: é permitido no crime de infanticídio, tipo penal criado

14

para favorecer a mãe que mata o filho, logo após o parto, por se

encontrar sob a influência do estado puerperal, com pena mais branda

que a do crime de homicídio se aplicar este privilégio ao co-autor e ou

partícipe?

A hipótese a ser observada neste trabalho é referente

a comunicação das circunstâncias de caráter pessoal do crime de

infanticídio aos os co-autores e partícipes da conduta delituosa.

Assim, este trabalho monográfico tem por objetivos:

institucional, produzir uma monografia para a obtenção de título a

bacharel em direito pela Universidade do Vale do Itajaí; geral, investigar e

analisar a co-autoria no crime de infanticídio; específico, verificar à luz da

doutrina nacional se as regras dos artigos 29 e 30 do Código Penal são

aplicadas conjuntamente, permitindo tratamento penal igualitário a mãe

que mata o filho sob a influência do estado puerperal se estende ao co-

autor e co-partícipe.

Ao capítulo 1 reserva-se uma incursão ao direito de

punir como atribuição dada ao Estado, partindo-se da origem da

sociedade primária, sua formação, evolução e aperfeiçoamento até a

chegada do Estado como ente jurídico detentor do poder de protegê-la

e da incumbência de punir aquele que contra ela se insurge com o

objetivo de perturbar a paz social.

Parte-se, portanto, do estudo da origem da sociedade

na velha, mas sempre atual discussão de se ela é fruto de um

desenvolvimento natural ou se resulta de um acordo de vontades. No

entanto, o que importa é que ela aí está; dinâmica, conflitiva, que

15

necessita de um ente que a organize e que detenha o poder que dela

emana para organizá-la e livrá-la de uma usurpação despótica

convivência harmoniosa de seus membros. O ente jurídico ver-se-á, é o

Estado o detentor do direito de punir, não de forma absoluta, mas sim,

dentre os limites estabelecidos pela lei. Daí a necessidade de se diferir

com clareza os comportamentos que devem ser proibidos e, portanto,

elevados à condição de crime.

Assim, reserva-se ao capítulo 2 o estudo sobre o que é

o crime, o tipo penal, seus elementos constitutivos, as teorias que informam

ou que discutem a estrutura e a própria estrutura do crime.

Parte-se então de sua conceituação sob o tríplice

aspecto formal, material e analítico iniciando pelos conceitos da

tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade até se chegar à conduta

como elemento constitutivo do fato típico e dela às teorias que procuram

dar sustentação à imputabilidade a alguém do fato que agrediu o

organismo social e puni-lo conforme os parâmetros estipulados em lei.

No terceiro capítulo a pesquisa se ocupará do

concurso de pessoas no crime de infanticídio, dando-se ênfase aos

conceitos de autor, co-autor e partícipe para se chegar à

comunicabilidade e incomunicabilidade das circunstâncias de caráter

pessoal nos crimes próprios.

Para atingir este objetivo valer-se-á da doutrina penal

brasileira utilizando-se para a confecção do relatório a técnica de

fichamento e os métodos indutivo e dedutivo.

16

CAPÍTULO 1

DO DIREITO DE PUNIR

1.1 DA SOCIEDADE

1.1.1 Da Origem da Sociedade

Inicia-se o presente trabalho, tendo como ponto de

partida a origem da sociedade. O homem nasceu livre, e desde os

tempos primitivos este zela para manter essa liberdade, reagindo contra

qualquer forma de agressão, sendo que essa defesa vem da própria

natureza do ser humano.

A vida em sociedade traz inúmeros benefícios ao

homem, fazendo com que este, desde o seu nascimento, sempre tenha

vivido em conglomerados sociais, sendo que o conjunto desses grupos

sociais formam a sociedade.

Azambuja15 ensina que:

[...] o homem, desde que nasce e durante toda a

existência, faz parte, simultânea ou sucessivamente, de

diversas instituições ou sociedades, formadas por indivíduos

ligados pelo parentesco, por interesses materiais ou por

objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o

desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e

intelectuais, e para isso lhe impõem certas normas,

sancionadas pelo costume, a moral ou lei.

15 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado, 2003, p.1.

17

Muitas são as teorias que sustentam o surgimento da

sociedade. Algumas são adeptas à idéia da sociedade natural, outras,

opondo-se a este posicionamento sustentam que a sociedade é um

produto de acordo de vontades, não passando de um contrato

celebrado entre os homens.16

Com base no pensamento da sociedade natural

pode-se afirmar que o mesmo se faz presente entre os pensadores da

sociedade e, no século IV a.C., Aristóteles17 já dizia que “o homem é

naturalmente um animal político".

Neste sentido, interpretando o pensamento de

Aristóteles, encontramos a afirmação de Dallari18: “Para o filósofo grego, só

um indivíduo de natureza vil ou superior ao homem procuraria viver isolado

dos outros homens sem que a isso fosse constrangido”.

Neste sentido, merece destaque também o

ensinamento de Filomeno19, ao lecionar que “conforme nos ensina

Aristóteles, em sua Política, o homem é o politikon zoon, ou seja, animal

gregário, não se o concebendo senão vivendo em contato permanente

com outros homens em vida gregária”.

Estes são alguns dos argumentos apresentados pela

teoria de que a sociedade é um fato natural, pelo motivo de que o

agrupamento de alguns homens se dá pelo instinto de sociabilidade que

16 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24 ed. São Paulo:

Saraiva, 2003, p. 9 e 12.

17 ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Ivan Lins. Rio de Janeiro: de Ouro, 1965, p. 9.

18 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p.10.

19 FILOMENTO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. - 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 23.

18

todos possuem, afinal o ser humano enquanto espécie não nasceu para

viver de forma isolada.

O ser humano isoladamente não é capaz de realizar

seus objetivos de vida completamente. Na procura dos seus objetivos

pessoais, querem sejam eles materiais, sentimentais ou espirituais, o

homem se relaciona com os outros seres humanos do grupo no qual está

inserido, contribuindo para a formação da coletividade ou de um

agrupamento denominado de sociedade20.

Contrariando a teoria de que a sociedade é natural,

encontramos diversos doutrinadores que defendem a sociedade como

um acordo de vontade entre os homens, sendo este realizado através de

um contrato, podendo os autores adeptos a este seguimento ser

denominados como contratualistas.21

Os contratualistas afirmam que somente a vontade

humana justifica a existência da sociedade, pois cada indivíduo possui o

livre arbítrio para escolher viver ou não em sociedade. Denota-se, porém,

que dentro desta corrente, há uma diversidade muito grande de opiniões.

Neste seguimento, pode-se observar o disposto por

Dallari22 quando explica o entendimento de Platão, o mais antigo dos

contratualistas, no livro “A República”:

[...] se faz referência a uma organização social construída

racionalmente, sem qualquer menção à existência de uma necessidade natural.

20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 4 ed. São Paulo:

Saraiva, 1999, p. 12.

21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2003, p.12.

22 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2003, p.12.

19

O que se tem, na verdade, é a proposição de um modelo ideal, à semelhança

do que fariam mais tarde os utopistas do século XVI [...].

Ainda Dallari23, explica que para Hobbes:

[...] os homens, no estado de natureza, são egoístas,

luxuriosos, inclinados a agredir os outros e insaciáveis,

condenando-se, por isso mesmo, a uma vida solitária,

pobre, repulsiva, animalesca e breve. Isto é o que acarreta,

segundo sua expressão clássica, a permanente “guerra de

todos contra todos”.

A partir deste momento é que os homens celebram o

contrato, ou seja, a mútua transferência de direitos, estabelecendo-se

então, a sociedade. Senão vejamos o que nos explica Dallari24:

[...] E é por força desse ato puramente racional que se

estabelece a vida em sociedade, cuja preservação,

entretanto, depende da existência de um poder visível, que

mantenha os homens dentro dos limites consentidos e os

obrigue, por temor ao castigo, a realizar seus compromissos

e à observância das leis da natureza anteriormente

referidas. Esse poder visível é o Estado, um grande e robusto

homem artificial, construído pelo homem natural para a sua

proteção e defesa.

E ainda ensina Rousseau25:

Suponho que homens tenham chegado àquele ponto em

que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado

de natureza sobrepujam, por sua resistência, as forças que

cada indivíduo pode empregar para se manter nesse

estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e

23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2003, p.13.

24 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p.13 e 14. 25 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. Tradução: Antonio de

Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.20.

20

o gênero humano pereceria se não mudasse seu modo de

ser.

Entre as diversas teorias e dentro destas, os diversos

entendimentos e opiniões o que não entra neste conflito de idéias é o fato

de que a família foi o primeiro modelo das sociedades políticas.

Explica-se pelo fato dos filhos ficarem presos ao pai

pela necessidade de conservação de sua existência, porém, após

adquirirem independência permanecem no grupo familiar de forma

voluntária, mas não natural.26

Rousseau27, neste sentido prelaciona que:

A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é

a da família. Ainda assim, os filhos só permanecem ligados

ao pai enquanto necessitam dele para própria

conservação. Assim que essa necessidade cessa, dissolve-se

o vínculo natural.

A sociedade é toda espécie de organização das

ações dos seres humanos com vistas à concretização de certas

finalidades e, esta organização se dá por meio da existência, no próprio

grupo social de determinadas normas que regulam o convívio dos seus

membros28.

Uma sociedade só existe se a convivência dos seus

membros se der de maneira harmoniosa. Para tanto, se faz necessário,

determinação de certas regras controladoras e disciplinadoras das ações

humanas com vista a assegurar direitos a cada indivíduo, assim como, a 26 ROUSSEAU, Jean - Jacques. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.10.

27 ROUSSEAU, Jean - Jacques. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.10.

28 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 1999, p. 12.

21

imposição de obrigações a serem respeitadas por todos os sujeitos

formadores do grupo social29.

Cabe salientar que a vida em sociedade traz muitos

benefícios ao homem, porém, cria limitações que de alguma forma ou de

outra acabam atingindo a liberdade dos indivíduos. Desta maneira, o

homem descobre os princípios que deve seguir para superar o estado de

natureza e estabelecer o estado social.

Nesta premissa, leciona Azambuja30:

[...] o homem sempre viveu em sociedade. A sociedade só

sobrevive pela organização, que supõe a autoridade e a

liberdade como elementos essenciais; a sociedade que

atinge determinado grau de evolução, passa a constituir um

Estado. Para viver fora da sociedade, o homem precisaria

estar abaixo dos homens ou acima dos deuses, como disse

Aristóteles, e vivendo em sociedade ele natural e

necessariamente cria a autoridade e o Estado.

Nos dias de hoje o Estado é a instituição imbuída a

proporcionar e garantir a paz e tranqüilidade da sociedade. Para que

esta atribuição seja possível, o Estado exerce o poder delegado pelos

membros da sociedade que compõe e dá base. Na busca deste objetivo,

o Estado, em nome da sociedade, elabora as normas disciplinadoras da

vida em sociedade, além de buscar a efetiva aplicação destas normas.

Cabe, portanto ao Estado, garantir a ordem pública e garantir a tutela

dos direitos e obrigações dos sujeitos no convívio social.

29 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 1999, p. 19.

30 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado. 2003, p.108 e 109.

22

1.2 DO ESTADO

1.2.1 Da Origem do Estado

Para analisar a origem do Estado deve-se

primeiramente abordar a sua denominação. A palavra Estado deriva do

latim status, que significa estar firme, vinda da Renascença,

caracterizando uma situação permanente de convivência e ligada à

sociedade política.31

O aparecimento deste termo, conforme ensina

Menezes32:

[...] deve-se a Maquiavel (1649 – 1527) a inclusão desse

termo na literatura política, por meio, em pleno século XVI,

de seu tão celebrizado II Príncipe, escrito em 1513 [...] e em

cujo início se lê, como primeira frase, o seguinte: “Todos os

estados, todos os domínios que tiveram têm poder sobre os

homens, são estados e são ou repúblicas ou principados”.

Não se confundem Estado e Sociedade. Os objetivos

do Estado são os de ordem e defesa social em busca de um bem público,

diferentemente de outras organizações.

Ainda leciona Anderson de Menezes33:

Esta passa a constituir o Estado que, sem ser a maior de

todas as sociedades, possui sobre as outras uma supremacia

indisfarçável, decorrente especialmente da

compulsoriedade que lhe é privativa e que se bifurca em

dois fatores positivos: a obrigação de em sua jurisdição o

31 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1992. p.

41.

32 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 1992, p. 41.

33 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 1992, p. 41

23

homem permanecer e, em aí ficando, não poder resistir à

sua força coercitiva. Tal atributo é inerente ao Estado, dele

não dispondo as demais sociedades, cujas atividades, de

resto, se organizam e desenvolvem dentro do Estado, que,

com sua sanção, as regula e disciplina, podendo favorecê-

las ou não, suprimindo-as inclusive.

Sobre o Estado discorre Silva34:

É o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados

em um território determinado e submetidos à autoridade de

um poder público soberano, que lhes dá autoridade

orgânica.

O Estado é, na verdade, o fruto da reunião dos seres

humanos com o objetivo de alcançar interesses em comum, por meio dos

quais, os homens, em seu convívio em sociedade, procuram alcançar os

seus objetivos. O Estado é o mais alto estágio da vida em sociedade, no

qual estão inseridos diversos grupos sociais que se interagem

reciprocamente nas mais diversas áreas e na defesa dos mais variados

interesses, mas, que no entanto, devem objetivar o interesse maior que é o

bem comum da coletividade35.

Hobbes36, em sua obra Leviatã menciona que:

[...] Todos devem submeter suas vontades à vontade do

representante e suas decisões à sua decisão. Isso é mais do

que consentimento ou concórdia, pois resume-se numa

verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma

pessoa, realizada por um pacto de cada homem com

todos os homens, de modo que é como se cada homem

dissesse a cada homem: “Cedo e transfiro meu direito de 34 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 553.

35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 1999, p. 29. 36 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.

São Paulo: Matin Claret, 2002, p.130 e 131.

24

governar a mim mesmo a este homem, ou a esta

assembléia de homens, com a condição de que transfiras a

ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as

suas ações”. Feito isso, à multidão assim unida numa só

pessoa se chama Estado, em latim civitas.

Muitas são as teorias que explicam a origem do Estado,

sendo que muitas delas são consideradas matrizes pensamentais e outras

como simples estilo requintado.37

No tocante ao seu surgimento, alguns autores afirmam

que o Estado esteve sempre presente, já que o ser humano desde o seu

surgimento sobre a Terra, viveu em bandos, grupos, ou seja, em uma

integração social, nos quais sempre havia um líder, que exercia seu poder

por meio da força38.

Uma outra corrente possui o entendimento de que a

sociedade humana existiu durante um determinado período sem o Estado,

sendo o Estado, resultado dos anseios e necessidades dos membros e dos

grupos sociais.

Sobre o mesmo referente, ou seja, o surgimento do

Estado, uma terceira corrente se posiciona no sentido de que o Estado

somente pode ser considerado como tal, por força da sociedade política

e, portanto, sua origem se dá no século XVII com o surgimento da idéia de

soberania.39

Ao se tratar do Estado como reflexo do desejo

humano, tem-se que “com intensidade diversa conforme o 37 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 1992, p. 77

38 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 52.

39 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 53.

25

desenvolvimento social e a mentalidade de cada grupo, o instinto social

leva ao Estado, que a razão e a vontade criam e organizam”.40

Existem três modos de nascimento do Estado; o

originário, o secundário e o derivado, sendo que estes modos se

desdobram em diversas teorias e casos específicos.41

A formação do Estado pode ocorrer pela forma

originária, ou seja, do próprio meio nacional, sem nenhuma dependência

de fator externo. Isso ocorre através de um agrupamento homogêneo,

estabelecido em território, sendo que este organiza seu governo e

apresenta condições de ordem política.42

Dentro da teoria da formação originária do Estado, há

diversas classificações. A corrente que prega a idéia da formação natural

ou espontânea do próprio Estado, explica que o Estado se originou de

maneira natural e não por um ato voluntário do ser humano. Por outro

lado existem correntes cujo pensamento apontam para a formação

contratual do Estado, que sustentam a teoria de que o Estado surgiu

através da vontade de alguns, ou todos os seres humanos, partindo para a

idéia da criação contratualista.43

O Estado pode ainda ter como fontes originárias as

chamadas teorias não-contratualistas, onde se verifica diversas correntes

dentro desta mesma teoria.

40 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 03.

41 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.41.

42 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 1993, p.41.

43 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.

26

A primeira corrente afirma que o surgimento partiu da

teoria da família ou patriarcal, como anteriormente apontado, de modo

que o Estado se formou com a reunião de diversas famílias. 44

Outro entendimento é de que este se originou através

de atos de força, de violência ou de conquista, baseados no uso da força

e da violência tendo como conseqüência a superação, através da

conquista de um determinado grupo social forte sobre outro grupo social

fraco. 45

A terceira teoria afirma que sua origem é ligada as

causas econômicas ou patrimoniais, ou seja, o Estado teria como origem a

necessidade humana de tirar proveito das benesses resultantes do

trabalho dos homens.46

A última teoria a ser analisada é a da origem no

desenvolvimento interno da sociedade, ou seja, o Estado é fruto da

capacidade de todos os mais variados grupos sociais que atingiram um

certo desenvolvimento capaz de atender a complexidade do próprio

Estado e, por fim, o Estado pode originar-se do desmembramento de um

Estado maior, dando origem a outros Estados menores, cada um com sua

soberania interna e externa sobre um novo território47.

44 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.

45 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.

46 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.

47 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54-55-56.

27

Quanto ao modo secundário de formação do Estado

se pode resumir em dois aspectos. O primeiro trata quando o Estado se

desmembra para formar outros.48

Azambuja49, explicando o pensamento de Bluntschli

assim descreve:

[...] para distinguir este modo da anexação ou posse de

território por Estados ou povos estrangeiros, que o

fracionamento deve ser por impulso interno, como por

exemplo quando duas ou mais nações, precariamente

unidas sob um mesmo Estado, se separam e formam Estados

nacionais independentes.

A segunda modalidade defende a hipótese de vários

Estados se unirem, através de confederação, federação, união pessoal e

união real para formar um novo Estado, transformado-o em uma nova

organização política.50

O Estado também pode ser constituído pela forma

derivada, ou seja, pela divisão ou fracionamento de um determinado

Estado51. Conforme esta modalidade o Estado surge em conseqüência de

movimentos exteriores, sendo eles a colonização, a concessão dos direitos

de soberania e o ato de governo.52

Independentemente desta ou daquela classificação o

certo é, que a mais importante finalidade do Estado, é a social,

48 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 110.

49 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 110.

50 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 110.

51 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 53.

52 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 1993, p.44.

28

entendendo-a como as ações que, decorrentes do dever de agir do

Estado em proteção à sociedade, esta criadora daquela, o Estado deve

praticar para valorizar o homem em busca do bem comum ou interesse

coletivo53.

Outrossim, se verifica que o Estado é, portanto, uma

sociedade, pois é formado por grupos de indivíduos organizados, em

busca de um objetivo comum. Com base em sua organização em normas

de Direito Positivo, hierarquizado na forma de governantes e governados,

em busca de um bem público para todos, podemos também chamá-lo

de sociedade política.54

1.3 O PODER DO ESTADO

Preliminarmente, é necessário abordar genericamente

o termo “poder” em seu sentido etimológico55, ou seja, a palavra “poder”

tem sua origem no verbo latino “posse” cujo significado remete à idéia de

autorizado, ser permitido, dar autoridade, facultar, ter autoridade56.

Verificada a origem do termo, usualmente entende-se

que o poder é “a imposição real e unilateral de uma vontade”57, que em

53 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 1993, p. 309.

54 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado. 2003, p. 2.

55 ETIMOLOGIA. 1. O estudo da origem das palavras. 2. Origem duma palavra. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. – 4. ed. – rev. e ampl. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 300.

56 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 1049.

57 SALVATTI NETO, Pedro. Curso de teoria do Estado. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 04.

29

via de regra se dirige à determinada pessoa ou grupo de pessoas que, por

sua vez, se vêem impedidas ou incapazes de expressar qualquer reação58.

Dallari59 explicando o pensamento de BURDEAU afirma

que: “O Estado é poder, e por isso seus atos obrigam; mas ele é poder

abstrato, e por isso não é afetado pelas modificações que atingem seus

agentes”.

O poder se firma ou se materializa por meio da

coação, que pode ser, física ou moral, que por sua vez, gera a autoridade

que se traduz no respeito que os sujeitos coagidos têm em relação ao

detentor do poder que pode ser uma pessoa, uma entidade ou um

órgão60.

No entendimento de Luhmann61:

O poder gera sua capacidade de transmissão através da

aptidão a influenciar a seleção de ações (ou omissões)

diante de outras possibilidades. O poder se faz maior

quando consegue impor-se também diante de alternativas

atrativas para o agir ou omitir. Ele só é passível de aumento

em conjunto com o fomento das liberdades por parte dos

súditos do poder.

O poder, em qualquer das suas formas, revela a

potência persuasiva de quem o detêm, cujo resultado é, se não outro, a

obtenção de condutas daqueles aos quais o poder se destina, condutas

58 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política,

2000, p.127. 59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado, 2003, p. 109.

60 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.127.

61 LUHMANN, Niklas. Poder. Tradução de Martine Creusot de Rezente Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 09.

30

estas, que se adaptam à vontade do poderoso. É um ato de domínio da

vontade, do desejo de um ou de uns, sobre outros indivíduos ou grupos de

indivíduos, que o aceitam por medo ou por não terem força ou

capacidade para se desvencilhar da manipulação ideológica imposta

pelo detentor do poder62.

O poder de uma maneira geral é a determinação da

vontade de uma pessoa ou entidade, que para se manifestar e exercer a

sua autoridade necessita essencialmente do consentimento, voluntário ou

forçado, daqueles ao qual o poder se destina e isto se dá em razão do

discernimento dos próprios destinatários do poder de que a sua

obediência é de fundamental para que a harmonia social se mantenha63.

Um aspecto importante na abordagem da temática

que envolve a análise do poder é, sem sombra de dúvidas as formas

como o poder é exercido no meio social, uma vez que o poder não é um

objeto natural, uma coisa; mas sim uma prática ou resultado do meio

social e, desta maneira, consubstancia-se ao longo do tempo. Em sendo

assim, o poder assume algumas nuances, como, por exemplo, o poder

social, o poder político, o poder econômico, entre tantas outras formas, no

entanto, as duas formas de poder que interessam a este trabalho, são o

poder social e o poder político e, serão abordados a seguir64.

O poder social é a manifestação de todo e qualquer

espécie de grupo social, através do qual se tem a exteriorização dos

62 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e Estado contemporâneo. Florianópolis:

Diploma Legal, 2001, p. 55.

63 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.129.

64 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.129.

31

desejos e anseios dos membros que compõem determinada sociedade,

que visa a defesa dos interesses e a manutenção da harmonia entre os

sujeitos que convivem coletivamente é, por assim dizer “um universo da

existência social”65. Este poder social pode ser encontrado em diversos

seguimentos sociais, como, por exemplo, nas associações recreativas; em

associações comerciais, sindicais, profissionais; religiosas; entre outros66.

O poder político se origina do estabelecimento ou

solidificação do próprio poder social através da organização política da

sociedade expressa através do Estado. O Poder estatal é a manifestação

do desejo da sociedade que o forma, e o exercício do poder político é,

na verdade a maneira pela qual o Estado impõe o seu poder soberano

aos membros da sociedade a qual ele representa. Este poder político

estatal, embora soberano, é limitado, ou seja, o poder estatal não é

amplo a ponto de se tornar um fim em si mesmo, uma vez que o Estado,

em sua concepção ideológica, visa o bem estar da coletividade que o

forma e dá sustentação67.

A importância do poder político, concentrado no

Estado e em suas instituições, se externa através das ações de seus órgãos,

instituídos pela norma constitucional, que regulamenta o funcionamento

do Estado e lhe dá a forma material necessária a sua existência. É através

do exercício do poder político que o Estado edita e aplica as normas, quer

sejam na esfera constitucional ou infraconstitucional, que irão disciplinar a

vida em sociedade e garantir desta forma, a soberania do Estado em 65 LUHMANN, Niklas. Poder, 1985, p. 75.

66 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.129.

67 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. 2000, p.129-130.

32

face aos seus administrados e em face de outros Estados. Daí a

importância de se ter em mente que o poder político é a ferramenta por

meio do qual o Estado procura, por meio da geração do Direito, atender

a sua principal finalidade, qual seja, a de levar o bem estar e a harmonia

à sociedade da qual se originou68.

Este poder político atribui ao Estado a exclusividade e

o monopólio de elaborar o ordenamento jurídico a ser aplicado aos seus

administrados. Trata-se de um poder de decretar o Direito Positivado que

se coloca sobre todos os interesses privados, através do qual o Estado

exerce a sua soberania sobre os seus administrados.

Quando o tratamento se refere ao ordenamento

jurídico penal, por se tratar de norma de interesse público, cabe, nos

Estados Modernos, somente ao ente jurídico estatal a função jurisdicional

de tutelar e aplicar o Direito Material (Direito Penal), garantindo aos seus

administrados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Este exercício da função jurisdicional do Estado

somente é possível, mediante a utilização do Processo Penal, que é o

instrumento pelo qual, o Estado se manifesta em prol da sociedade em

face daqueles que venham a cometer uma conduta tida como delituosa.

1.4 DA ORIGEM DO DIREITO DE PUNIR

Os interesses individuais e as inúmeras necessidades

fizeram com que o homem substituísse em sua conduta o instinto pela

68 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política.

2000, p.130.

33

justiça e conferisse às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. Isso

se caracteriza pela passagem do estado de natureza ao estado civil.

No estado de natureza o homem possuía uma

liberdade natural, bem como um direito ilimitado. Posteriormente, ou seja,

no estado civil, ele caba abdicando de tudo isso para possuir uma

liberdade civil, que é limitada pela vontade geral e ganha a propriedade

de tudo o que possui.69

Beccaria70, em sua obra Dos Delitos e das Penas assim

leciona:

Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar

inimigos em toda a parte, cansados de uma liberdade cuja

incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma

parte dela para usufruir do restante com mais segurança.

O meio encontrado para que a garantia da segurança

não se perdesse foi abrir mão de uma parcela da liberdade, em busca de

um objetivo comum que era o bem público.

Explicava Rousseau que a renúncia à liberdade é o

mesmo que perder os direitos da humanidade, sendo que não existe

nenhuma reparação para quem toma essa atitude, sendo esse ato

totalmente divergente da natureza do homem.71

69 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.26.

70 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2001, p.19.

71 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.15.

34

Em seu pensamento, Rousseau72 prega que a

liberdade individual foi sacrificada em razão da busca da força e enfatiza

que a força do mais forte está no direito moral fundado na razão e na

obediência em dever e que o ser humano em ceder à força, está

cedendo por ato de necessidade, não de vontade; quando muito, ato de

prudência.

Essa passagem do estado de natureza para o estado

civil, substituiu na conduta do ser humano o instinto pela justiça e criou a

moral, obrigando o homem a agir com sua razão no lugar da força física.73

Rousseau74 afirma que:

O que o homem perde no contrato social é a liberdade

natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode

alcançar; o que ele ganha é a liberdade civil e a

propriedade de tudo o que possui.

[...]

[...] em vez de destruir a igualdade natural, o pacto

fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade

moral e legítima aquilo que a natureza poderia trazer de

desigualdade física entre os homens e, podendo ser

desiguais em força ou em talento, todos se tornam iguais

por convenção e de direito.

Contudo, voluntária e gratuitamente ninguém cede

parte de sua liberdade tendo o bem público como o único objetivo

comum. Isso ocorre somente com a necessidade que o ser humano

72 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Lourdes Santos Machado.

1. ed. São Paulo: Abril S.A. 1973, p. 31. 73 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p. 26. 74 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p. 26 e 30.

35

encontra em proteger seus interesses, sendo que com a reunião das

diversas parcelas de liberdade cedidas é que se concretiza o fundamento

do direito de punir em si.75

Rousseau76, em sua obra O contrato Social, salienta

ainda que na medida em que os seres humanos encontram dificuldades

que atrapalham a sua sobrevivência, vão percebendo que isoladamente,

mesmo utilizando-se das suas forças, não conseguem manter a

conservação no estado de natureza, e automaticamente agregam-se

formando um conjunto de forças admitindo a falência deste estado.

Ainda escreve Rousseau77:

Vê-se, por essa fórmula, que o ato de associação encerra

um compromisso recíproco do público com os particulares,

que cada indivíduo, contratando, por assim dizer, consigo

mesmo, acha-se comprometido numa dupla relação, a

saber: como membro do soberano em face dos particulares

e como membro do Estado em face do soberano.

Neste mesmo sentido, Reale78 afirma que “a soberania

é uma expressão da vontade geral, a qual, por sua vez, é a expressão do

eu comum e se concretiza na legislação de um povo”.

Motesquieu79, em sua obra Espírito das Leis, leciona

que:

75 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2001, p.19.

76 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. 1973, p.37.

77 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.23.

78 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p.180. 79 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. Tradução: Fernando Henrique Cardoso e

Leôncio Martins Rodrigues. Do Espírito das Leis. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural. 1979, p.27.

36

O direito das gentes diz respeito a todas as sociedades e

que existe um direito político para cada uma, pois sem um

governo nenhuma sociedade pode existir, vez que a

reunião de todas as forças individuais forma o Estado

Político.

Conclui-se desta forma que o fato social é o início da

formação do Direito, sendo que este parte das necessidades das

sociedades, que se regulam por ele para que possam sobreviver.80

Senão vejamos o entendimento de Damásio81:

Contra a prática desses fatos o Estado estabelece sanções,

procurando tornar invioláveis os bens que protege. Ao lado

dessas sanções o Estado também fixa outras medidas com

o objetivo de prevenir ou reprimir a ocorrência de fatos

lesivos dos bens jurídicos dos cidadãos. [...]

Assim, o homem despoja de seu direito de defesa em

favor da sociedade e do Estado, que o exerce em favor da coletividade e

em busca de um bem comum, nascendo assim o Direito de Punir.82

Discorre sobre o direito de punir, Marques83:

É o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada

no preceito secundário da norma penal incriminadora,

contra quem praticou a ação ou omissão descrita no

preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica, de

maneira reprovável.

Mas este direito de punir faz surgir a necessidade de se

definir de que forma esse direito será exercido.

80 JESUS, Damásio E. Direito Penal – Parte Geral. 22. ed. Vol. I São Paulo: Saraiva, 2003, p.3. 81 JESUS, Damásio E. Direito Penal – Parte Geral. Vol. I. 2003, p.3. 82 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. 1973, p.41.

83 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, 2000, p. 03.

37

Portanto, o direito de punir que se concede ao Estado

não o é de forma ilimitada, mas sim, dentro dos princípios e dos limites

estabelecidos pela lei.

Dessa forma, é a lei que iria dizer quais são os bens

jurídicos que merecem por parte do Estado a proteção da lei e quais as

condutas que merecem a reprimenda desta.

Nasce assim aquilo que se define como crime e quais

as conseqüências que advirão para aqueles que praticam tais

comportamentos, daí, a necessidade de se conhecer o que é o crime.

38

CAPÍTULO 2

DO CONCEITO DE CRIME AOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TIPO PENAL

2.1 DO CRIME

A essência do conceito de crime é puramente jurídica,

porém, diversos são os conceitos e concepções de crime dados por

estudiosos do Direito Penal. O Código Penal Brasileiro não traz nenhuma

definição expressa de crime, ficando a cargo dos doutrinadores a

importante tarefa de definirem a conceituação adequada.

Em seu artigo 1º, a Lei de Introdução do Código

Penal84 Brasileiro traz um conceito de crime de maneira formal, explicando

somente quais as penas que correspondem ao crime e à contravenção

penal. Senão vejamos:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina

pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer

alternativamente ou cumulativamente com a pena de

multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina,

isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou

ambas, alternativa ou cumulativamente.

Diante de tal diapasão, fica a cargo dos doutrinadores

definirem mais detalhadamente o conceito de crime. Assim, diante de tal

conceito jurídico, alguns doutrinadores definem o ilícito penal em três

sistemas de conceituação do crime: para atender o aspecto externo, ou

84 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 2003, p.93.

39

seja, do ponto de vista da lei, obtemos o sistema formal; observando a

razão pela qual levou o legislador a determinar o fato punível, consegue-

se uma visão material, e analisando as características e aspectos do crime

obtêm-se uma definição analítica do crime.

Outrossim, passa-se a analisar separadamente cada

sistema de conceituação de crime.

2.1.1 Do Conceito Formal

Quando se fala no aspecto formal, conceituamos o

crime do ponto de vista da aparência externa. Siqueira85 explica que

“Crime do ponto de vista formal, é o comportamento humano, proibido

pela norma penal, ou, simplesmente, a violação desta norma”.

Fragoso86 conceitua o crime sob o sistema formal

como sendo toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de

pena.

Já Mirabete87 diz que todas as definições apresentadas

sob sistema formal, não se aprofundam no conceito de crime.

Essas definições, entretanto, alcançam apenas um dos

aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente, que é a

contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, sua

ilegalidade como fato contrário à norma penal. Não

penetram, contudo, em sua essência, em seu conteúdo, em

sua “matéria”.

85 SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: j. Konfino,

1950, t.1, p.229.

86 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.144.

87 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 21. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p.95.

40

Outrora, denota-se das concepções acima

mencionadas, que estas não são suficientes para entender o conceito de

crime de forma aprofundada, pois não tratam de aspectos essenciais do

ilícito penal.

2.1.2 Do conceito material

Os estudiosos do Direito Penal procurando aprofundar-

se no conceito de crime constroem conceitos substanciais, que referem-se

a razão que levou o legislador a prever a punição dos autores de certos

fatos e não de outros. Nesta premissa, ensina Mirabete88 que também é

analisado o critério utilizado para distinguir os ilícitos penais de outras

condutas lesivas.

Neste sentido explica Jesus89 no tocante ao conceito

material de crime:

O conceito material do crime é de relevância jurídica, uma

vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a

razão determinante de constituir uma conduta humana

infração penal e sujeita a uma sanção. É certo que sem

descrição legal nenhum fato pode ser considerado crime.

Todavia, é importante estabelecer o critério que leva o

legislador a definir somente alguns fatos como criminosos.

Neste mesmo diapasão Fragoso90 leciona que:

O crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador,

contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo

social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena,

88 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.95 e 96.

89 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.151.

90 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 1991, p.144.

41

ou que se considera afastável somente através da sanção

penal.

Verifica-se que a definição material de crime refere-se

a essência, ao comportamento humano, aos valores do corpo social e a

ofensa aos interesses importantes da sociedade. Tal conceituação é de

extrema importância, conforme nos demonstra Teles91:

A importância dos conceitos substanciais é essa:

fundamentar e limitar a atividade do legislador no momento

da construção das figuras que deseja proibir sob a ameaça

da pena criminal. Não pode, pois, o legislador construir

definições de crime que não constituam graves lesões ou

ameaças de lesões a bens jurídicos de grande importância.

Todavia, ocorre que a maioria dos doutrinadores ainda

considera insuficientes e incompletos os conceitos materiais de crime,

podendo este ser atacável, afinal, nem todas as condutas humanas

consideradas criminosas são daquelas que comprometem as condições

de existência da sociedade.

2.1.3 Do conceito analítico

Outro conceito apresentado pelos doutrinadores é o

analítico, também conhecido como doutrinário ou dogmático. Como

muito bem explica Teles92, “conceituar, analiticamente, o crime é extrair

de todo e qualquer crime aquilo que for comum a todos eles, é descobrir

suas características, suas notas essenciais, seus elementos estruturais”.

91 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. vol. I. Atlas: São Paulo, 2004, p.153.

92 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. vol. I. 2004, p.155.

42

Neste mesmo sentido, leciona Dotti93:

Este conceito é também chamado de dogmático, porque

decompõe os requisitos do fato punível para submetê-los a

uma análise individual, porém inseparável da noção de

conjunto. Trata-se de uma visão dedutiva e sistemática do

fenômeno do delito que se impõe como exigência de

segurança jurídica.

O conceito analítico de crime partiu de uma

construção doutrinária, que atualmente pode ser considerada

incompleta, porém o avanço jurídico deu-se em torno da decomposição

dos elementos que constituem o crime.

Denota-se da obra de Leal94 o seguinte ensinamento:

Até o começo do Século XX a doutrina concebia o crime a

partir de um critério bipartido, constituído de dois elementos:

um objetivo, representado pela ação ou omissão e, outro

subjetivo, representado pela culpabilidade. Em 1906, o

jurista alemão Ernst von Beling, reformulou o conceito

analítico de crime, inserindo um novo elemento: a

tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista

dogmático, como a conduta humana, (ação propriamente

dita ou omissão), típica, antijurídica e culpável. Este

conceito passou a ser entendido como o mais adequado

para definir o crime do ponto de vista técnico-jurídico. É

aceito pela grande maioria dos penalistas.

Contudo, verifica-se que o conceito analítico examina

o crime a partir da contrariedade da lei. Observa o crime em seus

elementos constitutivos decorrentes do próprio sistema jurídico, definindo-o

assim, como ação ou omissão típica antijurídica e culpável.

93 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 2002, p. 299.

94 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3 ed. Florianópolis: OAB/SC, 2004, p.184.

43

2.2 DO FATO TÍPICO

Para que haja crime é necessário que exista uma

conduta humana (ação ou omissão). Este comportamento humano,

somado ao resultado, a relação de causalidade e a tipicidade é

considerado um fato típico.

Na visão de Jesus95 tira-se o seguinte ensinamento:

Fato típico é o comportamento humano (positivo ou

negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto

na lei penal como infração.

Desta maneira, pode-se observar que o fato típico é a

primeira característica do crime, devendo o fato estar enquadrado como

uma infração penal. Além de amoldar-se na lei penal, o fato típico deve

ser composto dos seguintes elementos: conduta, resultado, relação de

causalidade e tipicidade.

Passa-se a análise individual de cada elemento que

compõe o fato típico.

2.2.1 Da conduta

Iniciamos o estudo da conduta como elemento

constitutivo do fato típico analisando o disposto no artigo 13 do Código

Penal Brasileiro96:

Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do

crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.

95 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2003, p.154.

96 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2003, p.135.

44

Considera-se causa a ação ou omissão se a qual o resultado não teria ocorrido. (grifo nosso)

Denota-se da lei penal que a definição de conduta é

de extrema importância, sendo que esta, é o primeiro elemento do fato

típico, estudada por doutrinadores do Direito Penal sob os seus diversos

pontos. O estudo deste tema traz inúmeras teorias, sendo elas: a teoria

causalista, a teoria finalista e a teoria social da ação.

A teoria causalista defende a idéia de que a conduta

é um puro fator da causalidade, sendo que o comportamento humano,

através da vontade é que dá causa à conduta. Neste sentido ensina

Teles97:

Para o causalismo, a conduta é um comportamento

humano voluntário que se exterioriza e consiste num

movimento ou na abstenção de um movimento corporal.

Essa teoria considera imprescindível que a conduta típica

seja um comportamento voluntário, impulsionado pela

vontade do homem, que se concretiza, torna-se real,

material, por meio de uma ação positiva ou negativa.

Neste mesmo diapasão leciona Mirabete98:

Para a teoria causalista (naturalista, tradicional, clássica,

casual-naturalista) a conduta é um comportamento

humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer

ou não fazer. É um processo mecânico, muscular e

voluntário (porque não é um ato reflexo), em que se

prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se

tenha a certeza que o agente atuou voluntariamente,

sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou

a ação típica.

97 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.166.

98 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.102.

45

Verifica-se que na teoria causalista a conduta da

pessoa é examinada sem ser valorizado o fim pretendido pelo agente,

bastando analisar o comportamento do ser humano.

A segunda teoria a ser analisada é a teoria finalista.

Esta teoria consiste no reconhecimento que toda conduta é um

acontecimento final.

Explica Mirabete99:

Para a teoria finalista da ação (ou da ação finalista), como

todo comportamento do homem tem uma finalidade, a

conduta é uma atividade final humana e não um

comportamento simplesmente causal. Como ela é um fazer

(ou não fazer) voluntário, implica necessariamente uma

finalidade. Não se concebe vontade de nada ou para

nada, e sim dirigida a um fim. A conduta realiza-se

mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim. O

conteúdo da vontade está na ação, é a vontade dirigida a

um fim, e integra a própria conduta e assim deve ser

apreciada juridicamente.

Enfim, observa-se do ensinamento de Mirabete100 que

na teoria finalista importa única e exclusivamente a finalidade, ou seja,

somente será considerado um fato típico se havia como fim o resultado

previsto na lei penal como infração. Deve ser analisada a vontade como

ponto de partida para a realização de um tipo legal, pois a finalidade é

parte integrante da conduta.

A última teoria a ser estudada é a teoria social da

ação. Os estudiosos do Direito Penal que defendem esta teria acreditam

99 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.102 e 103.

100 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.170.

46

que as outras duas acima citadas não explicam a ação como um

comportamento social.

Ocorre que muitas são as críticas também voltadas a

esta teoria. O penalista Jesus101 se posiciona da seguinte maneira:

Em primeiro lugar, ela não deixa de ser causal, merecendo

os mesmos reparos que a doutrina faz à teoria mecanicista:

não resolve satisfatoriamente o problema da tentativa e do

crime omissivo. Por outro lado, se a ação é a causação de

um resultado socialmente importante , como se define a

conduta nos crimes de mero comportamento? Esta teoria,

como a causal propriamente dita, dá muita importância ao

desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor

da conduta. Se a ação é a causação de um resultado

socialmente relevante, então não há diferença entre uma

conduta de homicídio doloso e um comportamento de

homicídio culposo, uma vez que o resultado é idêntico nos

dois casos.

Quando se refere à teoria social da ação, o que possui

valoração é a conduta socialmente relevante. Porém, as críticas voltadas

a esta teoria baseiam-se na dificuldade de conceituar o que seja a

relevância social da conduta no sentido valorativo da mesma. Observa-

se, desta maneira, que de todas as teorias estudadas, a teoria finalista é a

mais aceita entre os doutrinadores e estudiosos de Direito Penal.

2.2.2 Do resultado

O segundo elemento que compõe o fato típico é o

resultado. Novamente existem duas teorias doutrinárias que explicam o

que é o resultado de um crime. São elas: a teoria naturalística e a teoria

normativa.

101 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.233.

47

A teoria naturalística entende que o resultado é a

modificação do mundo causada pela conduta. Neste sentido explica

Teles102:

Segundo esta teoria, o resultado é a modificação do

mundo externo produzida pela conduta, positiva ou

negativa, do agente. É uma entidade natural. [...] É uma

conseqüência física, material, do comportamento do

agente.

Denota-se que o conceito naturalístico do resultado,

como explica Mirabete103, “é a modificação do mundo exterior

provocado pelo comportamento humano voluntário”.

Já a teoria normativa conceitua o resultado, como

bem explica Teles104 como sendo “a lesão ou perigo de lesão do bem

jurídico protegido pela norma penal, pouco importando se a conduta deu

ou não causa a uma modificação do mundo externo a ela”.

Neste mesmo sentido, Jesus105 conceitua juridicamente

que o resultado da conduta é a lesão ou perigo de lesão de um interesse

protegido pela norma penal.

2.2.3 Da relação de causalidade

O nexo de causalidade entre o comportamento do ser

humano (conduta) e a modificação do mundo exterior (resultado) é o

terceiro elemento que compõe o fato típico.

102 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.195.

103 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.110.

104 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.195.

105 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 244.

48

Como a maioria dos temas até aqui estudados, o nexo

causal é mais um que traz diversas teorias que tentam explicá-lo, como

por exemplo, a teoria da eficiência, a teoria da relevância jurídica, a

teoria da causalidade entre outras.

Ocorre, que entre inúmeras teorias o Código Penal

Brasileiro adotou a teoria da equivalência das condições, ou também

conhecida como coditio sine qua non, teoria esta que será brevemente

analisada neste trabalho.

Para que aprofunde-se no estudo da teoria da

equivalência das condições é necessário analisar algumas noções básicas

referentes a este tema. Muito bem explica Teles106 em sua obra Direito

Penal sobre os conceitos que devem ser observados. Senão vejamos:

Causa de uma coisa é aquilo de que esta coisa depende

para existir. [...] Condição é o que permite a uma causa

produzir seu efeito, seja como instrumento ou meio, seja

afastando obstáculos à produção do resultado. Ocasião é

uma circunstância acidental que cria condições que

favorecem a produção do resultado. Concausa é a

confluência ou a concorrência de mais uma causa na

produção de um mesmo resultado.

Depois de analisados os conceitos que deram base

para os doutrinadores de Direito Penal criarem suas teorias com o objetivo

de explicarem o nexo causal entre a conduta e o resultado, adentra-se na

teoria adotada pela lei penal vigente.

Conforme esta teoria, existem outras causas entre a

conduta e o resultado, sendo que a conduta e estas causas são

106 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.198.

49

consideradas antecedentes causais equivalentes. Todos os antecedentes

do resultado possuem relevância causal, não podendo nenhum ser

excluído da análise.

Neste sentido ensina Capez107:

Para ela, toda e qualquer conduta que, de algum modo,

ainda que minimamente, tiver contribuído para a produção

do resultado deve ser considerada sua causa. Tudo aquilo

que, excluído da cadeia de causalidade, ocasionar a

eliminação do resultado deve ser tido como sua causa,

pouco importando se, isoladamente, tinha ou não

idoneidade para produzi-lo. Para esta teoria portanto, não

existe qualquer distinção entre causa, concausa, ocasião e

outras que tais: contribuiu de alguma forma é causa.

Apesar de tal teoria ser a adotada pela lei penal

vigente, muitas são as críticas existentes contra esta adoção. Bitencourt108

é um dos doutrinadores que questiona o fato de que a teoria da

equivalência das condições leva, sem limites, a causa, sendo que todos os

agentes das condições anteriores responderiam pelo crime. Vejamos seu

posicionamento:

Na verdade, se remontarmos todo o processo causal,

vamos descobrir que uma série de antecedentes bastante

remotos foram condições indispensáveis à ocorrência do

resultado. No exemplo clássico do homicida que mata a

vítima com um tiro de revólver, evidentemente sua conduta

foi necessária a produção do evento; logo é causa. Mas o

comerciante que lhe vendeu a arma também foi

indispensável na ocorrência do evento; então também é

causa. Se remontarmos ainda mais, teríamos que considerar

107 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, 2004, p. 145.

108 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 8 ed. Saraiva: São Paulo, 2003, p.182.

50

causa a fabricação da arma, até os pais do criminoso, que

o geraram, seriam causadores.

Conseqüentemente, por ser de uma amplitude imensa,

a teoria da equivalência das condições continua recebendo críticas,

porém cabe ao operador jurídico basear-se única e exclusivamente na

conduta do agente, afinal, somente será causador de um crime quem

agir com a vontade de realizar, ou contribuir para a realização de um tipo

penal.

2.2.4 Da tipicidade

Para analisarmos a tipicidade, primeiramente devemos

observar o conceito previsto para tipo. Tal expressão é de origem alemã,

mais precisamente da palavra tatbestand, sendo o modelo de

comportamento humano, que segue uma conseqüência, que constitui,

posteriormente, o fato proibido.109

Sobre o conceito de tipo, leciona Capez110 no seguinte

sentido:

O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da

reserva legal. Na medida em que a Constituição brasileira

consagra expressamente o princípio de que “não há crime

sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal” (art. 5º, XXXIX), fica outorgada à lei a

relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes. De

fato, não cabe à lei penal proibir genericamente os delitos,

senão descreve-los de forma detalhada, delimitando, em

termos precisos, o que o ordenamento entende por fato

criminoso.

109 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p. 204. 110 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 174.

51

Passada a análise, partimos para o estudo da

tipicidade, iniciada com o ensinamento de Capez111, em sua obra Direito

Penal Geral.

É a subsunção, justaposição, enquadramento,

amoldamento ou integral correspondência de uma

conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo

constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana

seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um

tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida

real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei

penal. A tipicidade consiste na correspondência entre

ambos.

Podemos concluir que a tipicidade é a adequação da

conduta ao modelo legal, sendo a partir dela que saberemos se uma

conduta pode ou não constituir um fato punível. Verificamos que é uma

decorrência do princípio da reserva legal, onde deve ser observado se

determinado comportamento da conduta humana se enquadra de forma

exata na definição legal de crime.

Outrossim, a tipicidade está intimamente ligada ao

tipo, sendo que este último, como anteriormente explicado, é a descrição

abstrata da ação proibida ou permitida, possuindo duas funções: garantia

e fundamento da antijuridicidade.

A função de garantia surge do princípio da reserva

legal, ou seja, da legalidade do crime.

Destarte, podemos compreender o seguinte

ensinamento de Bitencourt112:

111 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 176.

52

O tipo de injusto é a expressão mais elementar, ainda que

parcial, da segurança decorrente do princípio da reserva

legal. Todo cidadão, antes de realizar um fato, deve ter a

possibilidade de saber se sua ação é ou não punível.

Já a função fundamento da antijuridicidade restringe-

se a indicar que determinada conduta cometida pelo ser humano é

expressamente proibida, definido com precisão o fato típico.

Neste norte também explica Teles113:

A segunda função dos tipos é indicar que a conduta por ele

definida é proibida, ilícita, contrária ao ordenamento

jurídico. Diz-se, pois, que sua função é indiciária da ilicitude.

Podemos, partindo desta análise, concluir que as

funções do tipo, dividem-se em duas fases, sendo que a primeira ocupa-se

em definir quais são as condutas que são contrárias ao ordenamento

jurídico, seguindo posteriormente a premissa de que o indivíduo saiba a

proibição que encontra-se positivada.

Cabe ressaltar, que também se faz necessário

passarmos a análise da antijuridicidade, devendo ficar claro a diferença

existente entre esta e a tipicidade. Vejamos o entendimento de Jesus114:

O crime constitui uma figura unitária em que se revelam um

fato típico e a ilicitude. A culpabilidade funciona como

elemento de ligação entre o crime e a pena. Assim, por

mais diferentes que sejam os seus característicos

conceituais, não é tão rígido o limite entre a tipicidade,

antijuridicidade e culpabilidade. O ilícito e a culpabilidade

se subordinam ao tipo, isto é, certas características 112 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2003, p. 202. 113 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. Atlas: São Paulo, 2004, p.204. 114 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.267.

53

acidentais daqueles se subordinam à figura típica, sem que

se confundam. Por outro lado, não há antijuridicidade penal

sem tipicidade. Não há falar-se em ilicitude penal sem que o

fato esteja previsto como infração pela lei, pois é esta que

cria a norma da proibição.

Para finalizar o tópico ora em comento, se faz oportuno

lembrar que a tipicidade não possui um conceito meramente formal,

afinal o tipo penal jamais poderá existir sem o conteúdo material, sendo

que este é o que justifica a positivação da lei.

Assim, resta findado o estudo sobre os elementos do

fato típico, ou seja, à conduta humana, o resultado, a relação de

causalidade e a tipicidade, concluindo que, para que haja a existência

de crime em nosso ordenamento jurídico é necessário que,

conjuntamente, exista o fato típico somado a antijuridicidade, tema este

que passaremos a expor.

2.3 DA ANTIJURIDICIDADE

Compondo os elementos que constituem o crime

passamos ao estudo da antijuridicidade, também conhecida como

ilicitude, que juntamente com a tipicidade e a culpabilidade compõe a

conduta contrária ao direito.

A antijuridicidade limita-se a caracterização negativa

do fato, ou seja, a conduta cometida pelo agente deve ser contrária ao

ordenamento jurídico, sendo que, somente será antijurídica tal conduta

quando esta não for expressamente declarada ilícita.

54

Neste norte segue o ensinamento de Mirabete115:

Existem, entretanto, na lei penal ou no ordenamento jurídico

em geral, causas que excluem a antijuridicidade, que será

excluída se houver uma causa que elimine sua ilicitude. (...)

A antijuridicidade, como elemento de análise conceitual o

crime, assume, portanto, o significado de “ausência de

causas excludentes de ilicitude”. A antijuridicidade é um

juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no

sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico.

Esta relação de contrariedade entre o fato típico e o

ordenamento jurídico também é muito bem explicada por Jesus116. Senão

vejamos:

Antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato

típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em

norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica

quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o

conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por

exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por

causas de exclusão da antijuridicidade.

Denota-se dos ensinamentos acima citados que

quando estiver presente alguma causa de exclusão, pode-se dizer que o

fato é típico, porém não antijurídico, não podendo classificá-lo como

crime pelo fato de não existir um dos elementos necessários para a sua

configuração.

A posição doutrinária frente as espécies de

antijuridicidade diverge entre muitos autores, porém, neste trabalho nos

115 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.173. 116 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.155.

55

fixaremos somente na diferenciação da antijuridicidade formal e da

antijuridicidade material.

A antijuridicidade formal é aquela em que todo

comportamento humano viola a lei penal, sendo, neste caso, a

contradição entre o fato praticado pelo agente e a norma de proibição,

podendo as vezes ser confundida com a tipicidade.

Vejamos o entendimento de Capez117:

Mera contrariedade do fato ao ordenamento legal (ilícito),

sem qualquer preocupação quanto à efetiva

perniciosidade social da conduta. O fato é considerado

ilícito porque não estão presentes as causas de justificação,

pouco importando se a coletividade reputa-o reprovável.

A antijuridicidade material pode ser considerada

aquela existente na conduta humana que fere um interesse tutelado pela

norma.

Desta forma devemos analisar o conceito apresentado

por Bitencourt118:

A antijuridicidade material, por sua vez, se constitui da lesão

produzida pelo comportamento humano que fere o

interesse jurídico protegido, isto é, além da contradição da

conduta praticada com a previsão da norma, é necessário

que o bem jurídico protegido sofra a ofensa ou a ameaça

potencializada pelo comportamento desajustado.

117 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 254. 118 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2003, p. 242.

56

Destarte, concluímos o comentário sobre as espécies

de antijuridicidade com o posicionamento de Jesus119 frente ao assunto

abordado.

[...] não existe a ilicitude formal. Existe um comportamento

típico que pode ou não ser ilícito em face do juízo de valor.

Em suma, a antijuridicidade é sempre material, constituindo

a lesão de um interesse penalmente protegido.

Assim, percebe-se que a ilicitude penal é mais uma

modalidade de conduta humana descrita no Código Penal, devendo ser

analisada sob os dois aspectos anteriormente descritos (formal e material),

sendo antagônica entre a conduta humana voluntária e o ordenamento

jurídico positivo causando lesão ou expondo a perigo de lesão um bem

jurídico tutelado.

2.4 DA CULPABILIDADE

Passamos a análise do último elemento que compõe o

crime, a culpabilidade. A culpa é um pressuposto da punibilidade, afinal,

para que ocorra a existência do tipo legal de crime é necessária que além

da conduta típica e antijurídica, esteja presente também a culpabilidade

do agente.120

Historicamente a concepção jurídica de culpa leva em

consideração valores morais adotados pela sociedade que estabelecem

padrões de comportamento para que haja harmonia no convívio entre os

seres humanos. A culpa resta presente nas ações e omissões que atingem

119 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 358.

120 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 1998, p. 267.

57

de forma negativa o bem jurídico maior do grupo social, indo de encontro

aos valores éticos praticados pela sociedade.

Para melhor entender o último elemento de

constituição do crime, devem ser analisadas as teorias que tratam a

respeito da culpabilidade e responsabilização do agente. São elas: teoria

psicológica, teoria psicológico-normativa e teoria normativa pura.

2.4.1 Teoria Psicológica da Culpabilidade

A teoria psicológica visualiza a culpabilidade de forma

natural, defendendo que esta se encontra na relação psíquica do autor

com o seu fato, ou seja, entre a conduta e o resultado. O nexo psicológico

entre a conduta e o resultado se finda no dolo e na culpa, sendo estes as

duas espécies de culpabilidade.121

Explica Capez122 sobre a teoria psicológica da

culpabilidade:

A conduta é vista num pano puramente naturalístico,

desprovida de qualquer valor, como simples causação do

resultado. A ação é considerada o componente objetivo do

crime, enquanto a culpabilidade passa a ser o elemento

subjetivo, apresentando-se ora como dolo, ora como culpa.

Pode-se, assim, dizer que para essa teoria o único

pressuposto exigido para a responsabilização do agente é a

imputabilidade aliada ao dolo ou à culpa.

Apesar desta teoria mostrar a conduta entendida do

ponto de vista causal, natural, considerando apenas a causa do resultado

a ilicitude, e a culpabilidade como nexo psíquico entre o fato e o agente

121 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 460. 122 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004. p. 286.

58

(dolo e culpa), muitas são as críticas feitas a esta teoria, não sendo, por

esta razão, aceita.

2.4.2 Teoria Psicológico-Normativa da Culpabilidade

Esta teoria surgiu em 1907, quando o jurista alemão

Reinhard Frank inovou, alegando que a culpabilidade era vista como

censurabilidade da conduta típica e antijurídica. Frank verificou que o

dolo (psicológico) e a culpa (normativa) não poderiam ser espécies de

culpabilidade, pois percebeu que existiam condutas dolosas não

culpáveis.

Vejamos o ensinamento de Jesus123 no que tange ao

entendimento sobre a teoria psicológico-normativa da culpabilidade:

O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente.

Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante

da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna

reprovável. Então, somente em casos de dolo, como

também em fatos culposos, o elemento caracterizador da

culpabilidade é a reprovabilidade. Quando é inexigível

outra conduta, embora tenha o sujeito agido com dolo ou

culpa, o fato não é reprovável, não se torna culpável.

Assim, a culpabilidade passou a ser analisada além do

elemento psicológico, ou seja, passou a ser analisada também sob o

ponto de vista do elemento normativo, surgindo, desta forma, a

culpabilidade psicológico-normativa, onde o dolo é o fator psicológico e

a exigibilidade o fator normativo.124

123 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 460. 124 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 1998, p. 269.

59

Para que houvesse justificativa nas ações em que o

agente dava causa ao resultado com dolo ou culpa, porém não podia ser

punido, foram exigidos por esta teoria, requisitos que deveriam ser

preenchidos para a admissão de pressupostos para a culpabilidade.

Sendo eles: a imputabilidade; o dolo e a culpa; e a exigibilidade de

conduta diversa.125

Destarte, esta teoria também é muito criticada pela

doutrina pelo fato de o dolo e a culpa serem elementos de conduta e

não de culpabilidade, sendo que, o dolo, por ser um fator psicológico,

que sofre um juízo de valoração, deveria ser elemento normativo.

2.4.3 Teoria Normativa Pura da Culpabilidade

Esta teoria nasceu com a teoria finalista da ação,

tendo como defensor Welzel. A doutrina tem como entendimento

majoritário que a teoria normativa pura da culpabilidade é a mais

adequada, pois, recebe a culpa como reprovabilidade da conduta ilícita,

ou seja, o dolo não pode permanecer dentro do juízo de culpabilidade.

Ensina Capez126:

Assim, em vez da imputabilidade, dolo ou culpa e

exigibilidade de conduta diversa, a teoria normativa pura

exigiu apenas imputabilidade e exigibilidade de conduta

diversa, deslocando dolo e culpa para a conduta. O dolo

que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o

normativo, mas o natural, composto apenas de consciência

e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e

passou a constituir elemento autônomo, integrante da

125 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 461. 126 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 288.

60

culpabilidade, não mais, porém, como consciência atual,

mas possibilidade de conhecimento do injusto.

Denota-se do ensinamento de Jesus que cabe ao

magistrado decidir se o agente é imputável ou não, observando do ponto

de vista ético jurídico. Desta forma, a culpa e o dolo deixam de serem

vistos como elementos da culpabilidade para serem integrantes do tipo-

penal.

2.5 DOS ELEMENTOS DA CULPABILIDADE

O Código Penal Brasileiro enumera como elementos da

culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa. Passaremos a um breve comentário

sobre cada um destes elementos para melhor compreensão da

culpabilidade como requisito para a existência do crime.

2.5.1 Da Imputabilidade

Para que haja o preenchimento do elemento

imputabilidade é necessário que o agente possua capacidade psíquica

de entendimento da conduta que está cometendo, bem como a

consciência e a vontade. Considera-se imputabilidade a capacidade

psíquica. Senão vejamos o entendimento de Capez127:

É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de

determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente

deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de

saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só.

Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter

totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras

palavras, imputável é não apenas aquele que tem 127 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 289.

61

capacidade de intelecção sobre o significado de sua

conduta, mas também de comando da própria vontade,

de acordo com esse entendimento.

Conclui-se que o que fundamenta a imputabilidade é

a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato típico, sendo

que além de ser elemento também é pressuposto da culpabilidade, não

existindo culpa jurídico-penal senão preenchido tal elemento.

2.5.2 Potencial Consciência da Ilicitude

Além do requisito da imputabilidade também se faz

necessário o preenchimento do segundo elemento que compõe a

culpabilidade, a potencial consciência da ilicitude ou também conhecido

como o potencial conhecimento da ilicitude.

Este requisito da culpabilidade tem como norte o fato

de que ninguém poderá deixar de cumprir a lei pelo motivo de não a

conhecer. O conhecimento da ilicitude é exigência de caráter prático,

sendo de extrema relevância para a segurança da ordem jurídica.128

Neste sentido explica Leal129:

Exige-se do agente, no momento em que se pratica o fato

típico, a consciência do caráter antijurídico deste, ou ao

menos, que tenha tido a possibilidade de alcançar esse

conhecimento. Cabe ao juiz, ao estabelecer o juízo de

reprovabilidade, determinar se o agente tinha ao menos a

possibilidade de conhecer a natureza ilícita de sua conduta.

Denota-se do ensinamento de Leal que o requisito do

potencial conhecimento da ilicitude baseia-se no conhecimento da 128 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 303. 129 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 1998, p. 271.

62

antijuridicidade da conduta do agente, ou seja, este deve saber que sua

conduta é ilícita perante o ordenamento jurídico. Porém, a consciência

da ilicitude é uma valoração que reflete sobre a ótica social da vida em

comunidade, cabendo ao juiz definir se o agente possuía ou não este

conhecimento. Somente se quando o agente incorre em erro quanto à

ilicitude cometida terá sua culpabilidade excluída.

2.5.3 Da Exigibilidade de Conduta conforme o Direito

O terceiro e último elemento que compõe a

culpabilidade e será abordado no presente trabalho é o da exigibilidade

de conduta conforme o direito. Não basta somente a imputabilidade e a

possibilidade de conhecimento da ilicitude. Mister se faz necessário a

presença deste terceiro elemento.

Ocorre quando o sujeito poderia ter agido de forma

contrária à conduta que o fez praticar o fato típico, ilícito e antijurídico.

No entendimento de Teles130 verifica-se que:

Para que o sujeito imputável seja reprovado, não basta que

tenha a possibilidade de conhecer a ilicitude do fato típico

e ilícito realizado, é preciso que, nas circunstâncias, tivesse a

possibilidade de comportar-se de acordo com o Direito e

não como se conduziu. Ainda que tivesse conhecimento

real, ou, pelo menos, a possibilidade de entender a ilicitude,

é necessário verificar se era possível agir de outro modo.

Esta possibilidade, de agir de outro modo, é outro juízo de

valor que o juiz faz a cerca da conduta do agente, e

denomina-se exigibilidade de conduta diversa.

130 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p. 296.

63

A exigibilidade de conduta conforme o direito é

elemento indispensável para reprovar a conduta do agente, sendo que se

o agente não puder agir de outra maneira senão aquela impetrada, a

culpabilidade como um todo não existirá.

Assim, observa-se que se o sujeito agiu conforme as

condições psíquicas (imputabilidade), se estava em condições de

compreender a ilicitude de sua conduta (potencial de conhecimento da

ilicitude), se era possível exigir conduta diversa daquela empreendida pelo

agente (exigibilidade de conduta conforme o direito) resta evidenciada a

culpabilidade pelo preenchimento de todos os seus elementos.

Finaliza-se o estudo realizado no que tange ao

conceito de crime, bem como, aos elementos constitutivos do tipo penal,

passando para análise dos crimes dolosos contra a vida com enfoque no

crime de infanticídio, onde se observará com mais clareza todo o

ensinamento até aqui exposto através da conduta ilícita tipificada na

norma penal.

64

CAPÍTULO 3

DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO

3.1 DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

Antes de adentrarmos à exposição particularizada da

co-autoria no crime de infanticídio, oportuno se faz mencionar,

inicialmente, sobre os crimes dolosos contra a vida.

A vida é o objeto de proteção abrangido pela lei

penal, ou seja, é o bem jurídico resguardado na forma da pessoa

humana, que se inicia com a sua formação, atingindo tanto a vida intra

como a extra-uterina.

No que se refere ao direito à vida, prevê o artigo 5º da

Constituição Federal de 1988131:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: [...] (grifo nosso)

Observa-se conforme a regra, que a vida é tutelada

pela Constituição Federativa do Brasil de 1988, sendo, portanto valor

constitucional supremo, pois da vida humana é de onde brotam todos os

131 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35 ed. atual e ampl. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 5.

65

demais direitos de personalidade, imprescindíveis à realização do ser

humano enquanto pessoa.

Disserta sobre o tema Teles132:

O direito à vida é inviolável, e cabe ao Estado protegê-lo de

todas as agressões possíveis. [...] A proteção que o Direito

concede à vida não é, todavia, absoluta. Não pode,

porque impossível, protegê-la de todos os ataques,

mormente naturais. [...] O Direito não protege a vida de

modo absoluto, também porque é o mesmo Direito que

permite sua destruição, em situações específicas, como é o

caso da legítima defesa e do estado de necessidade.

Cabe ressaltar que, os crimes contra a vida, quanto ao

seu elemento subjetivo, podem ser dolosos, culposos, ou preterdolosos,

sendo que no presente trabalho, somente o primeiro elemento será

abordado de forma específica no crime de infanticídio.

Tendo sido remetido breves considerações acerca da

vida como bem jurídico e valor constitucional supremo, mister se faz

abordar o crime de infanticídio, conforme o Código penal em vigor,

destacando-se o aspecto da co-autoria e da participação.

3.2 DO CONCURSO DE PESSOAS

Para adentrarmos na co-autoria de forma específica se

deve anteriormente abordar alguns aspectos inerentes ao concurso de

pessoas.

Dispõe o artigo 29 do Código Penal133:

132 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. II. Atlas: São Paulo, 2004, p. 44 e 45.

66

Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime

incide nas penas a este cominadas, na medida de sua

culpabilidade.

§ 1º Se a participação for de menor importância, a pena

pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime

menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena

será aumentada até metade, na hipótese de ter sido

previsível o resultado mais grave.

A prática de um crime geralmente consiste na

conduta de uma única pessoa que pratica ato ilícito, contrário ao

ordenamento jurídico, que conduz a um resultado danoso. Ocorre que, a

infração penal também pode ser praticada por mais de uma pessoa,

sendo que a concorrência de várias condutas para determinada prática

delituosa apresenta-se como concurso de pessoas.

Vários são os motivos que podem justificar o concurso

de pessoas, podendo ser simplesmente para garantir a execução do

delito, bem como para abonar a impunidade dos agentes que

concorreram para o evento danoso.

A propósito, oportunas são as considerações de

Mirabete134:

Há na hipótese, convergência de vontades para um fim

comum, que é a realização do tipo penal, sendo

dispensável a existência de um acordo prévio entre várias

pessoas; basta que um dos delinqüentes esteja ciente de

133 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2003, p.262 134 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I., 2006, p.224.

67

que participa da conduta de outra para que se esteja

diante do concurso.

Outrossim, informa-se que o concurso de pessoas pode

se dar de duas formas: o concurso necessário e o concurso eventual.

Entretanto, é de extrema importância que seja diferenciada as

modalidades.

Os delitos unissubjetivos são os crimes cometidos por

um único agente, sendo que, quando cometidos por mais de uma pessoa

configura-se o concurso eventual de agentes. Já, os delitos plurissubjetivos

são os que exigem a participação de mais de uma pessoa, onde a

pluralidade de agentes constitui norma incriminadora e elemento do tipo

ocorrendo neste caso o chamado concurso necessário.

Leciona Jesus135 sobre as modalidades de concurso:

Cuida-se do concurso necessário no tocante aos crimes

plurissubjetivos. Fala-se em concurso eventual quando,

podendo o delito ser praticado por uma só pessoa, é

cometido por várias. No primeiro, o concurso de pessoas é

descrito pelo preceito primário da norma penal

incriminadora, enquanto no segundo não existe essa

previsão. Quando a pluralidade de agentes é elemento do

tipo, cada concorrente respondem pelo crime, mas este só

se integra quando os outros contribuem para a formação

da figura típica.

Entretanto, não basta somente observarmos o

concurso necessário e o concurso eventual. É indispensável que sejam

analisados os conceitos de autor e partícipe, para finalmente

135 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2005, p. 406.

68

compreendermos a co-autoria na forma de realização do concurso de

pessoas.

3.2.1. Do autor

Em busca de uma melhor conceituação em torno da

figura do autor da infração delituosa, a doutrina diverge e aponta diversas

orientações, pelo fato da lei penal não esclarecer de forma clara tal

conduta.

Não adentraremos nas teorias que conceituam a

autoria (teoria extensiva, teoria restritiva e teoria do domínio fato),

restringindo-se somente a citá-las e preocupando-se com os conceitos

trazidos pela doutrina.

Com relação à autoria ensina Mirabete136:

Autor é quem realiza diretamente a ação típica, no todo ou

em parte, colaborando na execução (autoria direta), ou

quem a realiza por meio de outrem que não é imputável ou

não age com culpabilidade (autoria mediata).

No mesmo sentido explica Jesus137:

É o que mata, provoca o aborto, induz alguém a suicidar-se,

constrange, subtrai, seqüestra, destrói, seduz ou corrompe,

praticando o núcleo do tipo. É também autor quem realiza

o fato por intermédio de outrem (autor mediato) ou

comanda intelectualmente o fato (autor intelectual).

Depreende-se dos ensinamentos abordados que o

autor é o agente que executa a ação prevista na legislação penal na sua

136 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2006, p.224. 137 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 407.

69

forma literal, ou seja, a ação descrita pelo verbo contido na figura típica

delitiva.138

3.2.2 Do partícipe

Outra figura a ser estudada no presente trabalho

monográfico relacionada ao concurso de pessoas é o do partícipe. O

partícipe, apesar de não exercer a conduta principal na atividade

delituosa, auxilia os autores de forma secundária, contribuindo de alguma

forma para o resultado danoso.

Somente haverá participação quando existir a

presença obrigatória de um autor do fato delituoso.

Comenta Noronha139 sobre o tema acima enfatizado

que:

Partícipe é o agente que, embora não pratique atos

executórios, concorre de qualquer modo para o resultado.

Partícipe, assim, é o que pratica um ato que contribuiu para

a realização do crime, ato este diverso do realizado pelo

autor ou autores. Sua conduta, ainda que não típica, incide

nas penas cominadas ao crime por ser acessória ou

subordinada à considerada no tipo. É que, na defesa dos

interesses sociais, a lei amplia o âmbito do delito para

compreender não só a ação que integra a figura delitiva

como também outras que a ela se agregam e são

necessárias para sua efetivação.

Ainda sobre a participação discorre Jesus140:

138 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. I. Saraiva, 2003, p.212. 139 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.212. 140 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005. p. 411.

70

Dá-se a participação propriamente dita quando o sujeito,

não praticando atos executórios do crime, concorre de

qualquer modo para a sua realização (CP, art. 29). Ele não

realiza a conduta descrita pelo preceito primário da norma,

mas realiza uma atividade que contribui para a formação

do delito. Chama-se partícipe. Assim, partícipe, na doutrina

do domínio do fato, é quem efetiva um comportamento

que não se adapta ao verbo do tipo e não tem poder de

decisão sobre a execução ou consumação do crime. São,

pois, características da participação: 1.ª) a conduta não se

amolda ao núcleo da figura típica (o verbo); 2.ª) o partícipe

não tem nenhum poder diretivo sobre o crime, não possui o

domínio finalista do fato. Contribui, por intermédio de

conduta acessória, para a concretização do

comportamento típico, mediante induzimento

(determinação), instigação ou auxílio material (a chamada

cumplicidade).

O artigo 29 do Código Penal, conforme descrito

anteriormente, não expressa tipicamente a conduta praticada pelo

partícipe, sendo somente encontrada tal definição nos parágrafos do

mesmo artigo, que enquadram a participação no crime praticado pelo

autor do ato ilícito.

Desta forma, conclui-se que a participação consiste

em tomar parte, em contribuir, cooperar na conduta delitiva do autor,

estando a responsabilidade dos partícipes ligada à dos autores, ou seja,

pode-se dizer que a participação é sempre acessória de um injusto alheio,

dependendo da existência de um fato principal.

3.3 DA CO-AUTORIA

A co-autoria é a própria autoria no crime, sendo que a

modalidade da co-autoria eventual será o foco do terceiro capítulo para

71

que possa ser compreendido o assunto principal de que trata este

trabalho monográfico, a co-autoria no crime de infanticídio.

Assim sendo, são oportunas as colocações de Dotti 141

quanto a conceituação da co-autoria antes de dar início as

considerações pertinentes a esta forma de participação no crime. Senão

vejamos:

Existe co-autoria quando duas ou mais pessoas físicas

realizam, por si ou por intermédio de outrem não culpável, o

verbo contido no tipo de ilícito. Cada co-autor é um autor

e, portanto, deve se revestir das características exigíveis

para a autoria.

A co-autoria eventual, de que trata este subtítulo,

pode ser observada nos crimes que podem ser cometidos por uma só

pessoa, ou por uma pluralidade de agentes. Trata-se neste caso, de

crimes monossubjetivos ou unissubjetivos, que quando são praticados por

mais de uma pessoa configuram o concurso eventual de agentes.

Jesus142, sobre o assunto, preconiza que:

Na co-autoria (reunião de autorias), que constitui forma de

autoria, o co-autor realiza o verbo típico ou concretiza parte

da descrição do crime, ainda que, no último caso, não seja

típica a conduta perante o verbo, desde que seja

abarcada pela vontade comum de cometimento do fato. É

a prática comunitária do crime. Cada um dos integrantes

possui o domínio da realização do fato conjuntamente com

outro ou outros autores, com os quais tem plano comum de

distribuição de atividades. Há divisão de tarefas, de

maneira que o crime constitui conseqüência das condutas

141 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 359. 142 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 410.

72

repartidas, produto final da vontade comum. E nenhum

deles é simples instrumento dos outros.

Denota-se do ensinamento acima descrito que, o co-

autor deve ter realizado uma parte necessária à execução, sem a qual

esta não teria se efetivado, ou seja, deve ter ocorrido divisão de tarefas

para que reste configurado o ato delituoso.

De modo análogo, é a conceituação remetida por

Bruno143:

Dá-se a co-autoria, quando vários agentes participam da

realização da ação típica. Atuam, então, de conjunto,

consciente cada um deles da cooperação que presta à

obra comum, e é esta consciência de colaborar em fato

coletivo que constitui o nexo psicológico que unifica as

ações de todos e dá ao resultado o caráter de delito único,

fazendo da hipótese uma das formas da co-delinqüência.

Não há, então, um fato principal de outrem, a que adira,

como acessória, a atividade do co-autor; cada um dos

consortes participa da realização do fato punível na sua

inteira configuração legal.

Ressalta-se ainda que, para a configuração da co-

autoria não se exige que os agentes tenham a mesma conduta e

comportamento, sendo que os atos de execução podem ser diversos,

porém, é necessário que tais atos tenham sido indispensáveis na

realização da infração penal.

A co-autoria pode ser dividida em direta e parcial ou

funcional. Trata-se de co-autoria direta quando todos os agentes que

estão envolvidos no fato delituoso realizam a mesma conduta típica. Já a

143 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. 4 ed. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 265.

73

co-autoria parcial ou funcional é configurada quando existe a divisão de

tarefas, desde a execução do crime até a sua consumação, sendo que

tais condutas sejam de tal modo necessárias que sem elas o delito não

teria sido cometido.144

A figura do co-autor pode ser classificada em direta,

intelectual e funcional. A primeira ocorre quando um dos agentes

envolvidos no crime executa o verbo contido no tipo penal. Chamamos

de co-autor intelectual aquele que é autor da idéia delituosa, ou seja, o

agente que entre na repartição das tarefas organizou a ato criminoso. E

finalmente, a última figura é a funcional, configurada com a execução de

parte da infração penal.145

Com base nas disposições doutrinárias acima referidas,

tendo como escopo abordar os aspectos informadores no que tange ao

concurso de pessoas passar-se-á à análise da comunicabilidade das

circunstâncias de caráter pessoal.

3.4 DA COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE CONDIÇÕES E

CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES

Antes de se adentrar à exposição teórica acerca da

comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal, mister se faz

necessário frisar o artigo 30 do Código Penal146: “Art. 30 – Não se

comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo

quando elementares do crime”.

144 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 410 e 411. 145 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 411. 146 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2003, p. 262.

74

Após análise do texto legal expresso no artigo 30 do

Código Penal se passa a observação do entendimento trazido por

Jesus147:

Circunstâncias são dados acessórios (acidentais) que,

agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a

pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim

afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Não se

consideram circunstâncias as causas de exclusão da

antijuridicidade e da culpabilidade.

Oportuno se faz mencionar a distinção entre

circunstâncias e condições pessoais. As circunstâncias pessoais são

elementos que compõe o delito, porém não são essenciais para a

infração penal, servindo somente para moderar a qualidade e a

quantidade da pena. Já as condições pessoais são inerentes ao agente e

se referem a ação material e física do delito, ou seja, estão ligadas a vida

exterior com outros seres e coisas.148

Cabe ressaltar que, não se comunicam entre os

agentes que cometeram a prática delituosa (co-autores e partícipes) as

condições de caráter pessoal, bem como as circunstâncias, sendo que

cada um responderá conforme as suas condições e circunstâncias.

Ocorre que, em linhas pretéritas foi informado que o

texto legal prevê que as circunstâncias de caráter elementar do crime se

comunicam, porém quando se depara com tal legislação se deve

compreender que trata-se de elementos típicos do crime que possuem

ligação.

147 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 438. 148 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2006, p. 239.

75

Após serem esclarecidos alguns aspectos importantes

para melhor compreensão do que trata este assunto, passa-se a divisão

existente entre as circunstâncias.

As circunstâncias podem ser dividias em: objetivas

(materiais ou reais) e subjetivas (pessoais).

Observa-se o entendimento e conceituação de

Jesus149 no que se refere a divisão das circunstâncias elementares:

Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os

meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião,

lugar, objeto material e qualidades da vítima.

Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só

dizem respeito com a pessoa do participante, sem qualquer

relação com a materialidade do delito, como motivos

determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e

relações com a vítima ou com outros concorrentes.

O presente trabalho monográfico se restringe ao

estudo das condições e circunstâncias de caráter pessoal e, baseado nos

conceitos acima elencados, pode extrair-se que estas estão ligadas de

forma intrínseca à natureza subjetiva da circunstância, ou seja, à pessoa

do participante no ato delituoso.

Isto posto, é de salutar relevância que sejam

apresentadas regras estabelecidas, apontadas pela doutrina, que devem

ser observadas quando se refere ao entendimento de que a participação

de cada agente adere à conduta e não à pessoa dos outros

participantes.

149 JESUS Damásio Evangelista de,. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 438.

76

3.4.1 Da incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal

A primeira regra é a incomunicabilidade das

circunstâncias de caráter pessoal. Ensina Jesus150 que: “Quando houver

co-autoria ou participação de agentes, os dados inerentes à pessoa de

determinado concorrente não se estendem aos fatos cometidos por

outros participantes.”

Esta regra dispõe que a circunstância de caráter

pessoal é personalíssima, não abrangendo os demais participantes da

infração penal.

Outrossim, existe a regra que as elementares de

caráter objetivo ou pessoal, comunicam-se entre os fatos cometidos pelos

participantes desde que estes tenham consciência de tal elementar, ou

seja, decorre do princípio de que qualquer elemento que integra o fato

típico comunica-se a todos os concorrentes.151

A aplicação do artigo 30 do Código Penal deve

ocorrer de forma conjunta com o texto de lei previsto no artigo 29 da

mesma legislação, quando este se refere que a pena deve ser medida

pela culpabilidade de cada um dos agentes participantes do delito.152

Desta forma, após tecer breves considerações acerca

das condições e circunstâncias elementares do crime de caráter pessoal,

remete-se ao estudo do crime de infanticídio de forma específica.

150 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 439. 151 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2005, p. 442. 152 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2005, p. 443.

77

3.5 DO INFANTICÍDIO

Inicialmente, antes de se adentrar à questão teórica

abordada pela doutrina referente ao delito de infanticídio, imperioso se

torna observar o texto legal previsto no artigo 123 do Código Penal153:

Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o

próprio filho, durante o parto ou logo após.

Convém esclarecer, para título de informação que o

infanticídio é derivado do latim infanticidium, de infanticida (que mata seu

filho), exprime a morte do filho provocada pela própria mãe. Mas, na

conceituação jurídica, o infanticídio não é posto em sentido literal,

segundo sua origem infans (infante) e caedere (matar).154

No que se refere à conceituação do crime de

infanticídio, discorre Maggiore155:

É morte do infante, durante o parto ou logo após,

provocada pela parturiente. Assim o define a lei brasileira.

Para os comentaristas, o logo após significa enquanto

perdura o estado puerperal (puerpério – puer, menino;

parere, esperar), ou seja, o período que se faz necessário

para que a mulher retorne a seu estado normal. Se morto

por outrem, que não a própria mãe, é qualificado como

homicídio. E se este pela própria mãe, além dos limites

legalmente prefixados, é filicídio.

Comenta Mirabete156 sobre o tema acima, enfatizando

que:

153 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 2003, p.840. 154 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 2004, p. 738.

155 MAGGIO, Vicente de Paula Rodríguez. Infanticidio. São Paulo: Edipro, 2002, p.14.

78

O infanticídio seria, na realidade, um homicídio privilegiado,

cometido pela mãe contra o filho em condições especiais.

Entendendo o legislador, porém, que é ele fato menos

grave que aqueles incluídos no art. 121, §1º, e na linha de

pensamento de Beccaria e Feuerbach, definiu-o em

dispositivo à parte, como delito autônomo e de

denominação jurídica própria, cominando-lhe pena

sensivelmente menor que a do homicídio privilegiado.

Ainda sobre o tema comenta Capez157:

Segundo o disposto no art. 123 do Código Penal podemos

definir o infanticídio como a ocisão da vida do ser nascente

ou do neonato, realizada pela própria mãe, que se

encontra sob a influência do estado puerperal.

Após ser observado o esclarecimento trazido pela

doutrina, no que tange ao crime de infanticídio, cabe ressaltar que

existem critérios para conceituação legal deste delito, sendo eles: o

psicológico, o fisiopsicológico e o misto.

O critério psicológico era adotado pelo Código Penal

de 1969 e baseava-se no motivo de honra (honoris causa), ou seja, é o

temor da maternidade ilegítima, podendo ser por motivos como uma

gravidez extramatrimonial entre outros.158

Quanto ao critério fisiopsicológico, também conhecido

como critério fisiopsíquico, é o adotado pelo Código Penal vigente e

funda-se na atenuação da pena levando em consideração o estado

156 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2. 22. ed. São Paulo: Editora Atlas,

2004, p. 88.

157 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. Saraiva, 2005, p.99. 158 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2. 2004, p. 88.

79

puerperal, ou seja, o desequilíbrio fisiopsíquico da parturiente. Neste

critério, a honra é desconsiderada.159

O último critério em análise é o misto, também

conhecido como critério composto e este é adotado no anteprojeto

Hungria. Neste critério leva-se em consideração tanto o estado puerperal

(até que ponto ele pode influenciar) como o motivo de honra da

parturiente.160

Estabelecidos os critérios para conceituação legal do

crime de infanticídio e verificado que nossa legislação penal vigente

adota o critério fisiopsicológico, passa-se a análise da objetividade jurídica

do delito de infanticídio.

3.5.1 Da objetividade jurídica

O bem jurídico tutelado no delito de infanticídio é a

vida humana. O Estado e o indivíduo têm o interesse na proteção da

pessoa física desde o começo de seu nascimento.

Neste sentido leciona Teles161:

A norma confere proteção à vida extra-uterina que

começa, como já dito, com o início do parto. Essa proteção

é unicamente à vida do nascente – aquele que ainda não

se livrou completamente da dependência da vida da mãe,

porque ainda não se concluiu o parto – e à vida do

neonato – o que acabou de nascer. O parto tem início com

o rompimento do saco amniótico, terminando com a

expulsão da placenta e o corte do cordão umbilical. Assim,

159 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 106. 160 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2004, p. 106. 161 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.164.

80

o bem jurídico protegido é a vida humana extra-uterina a

partir de seu início e até logo após o parto.

Denota-se do ensinamento acima que, o bem jurídico

tutelado neste delito é a proteção à vida do nascente e do recém

nascido (neonato), preocupando-se o Estado com a vida humana desde

o início de seu nascimento.

3.5.2 Dos sujeitos ativo e passivo

O crime de infanticídio, conforme prevê o artigo 123 do

Código Penal trata de crime próprio, onde o sujeito ativo de tal delito

somente pode ser a mãe cometendo o fato contra o seu próprio filho.

Completa Noronha162 que: “O infanticídio é o crime da genitora, da

puerpéra. É, portanto, a mãe que se acha sob a influência do estado

puerperal.”

Seguindo literalmente a expressão prevista no artigo

123 do Código Penal, conclui-se que somente o próprio filho da

parturiente é que será o sujeito passivo do delito, porém, cabe ressaltar

que esta expressão não abrange unicamente o recém-nascido, mas

alcança também o nascente, pelo fato de estar previsto no texto legal o

complemento de que o crime de infanticídio poder ocorrer durante o

parto ou logo após.163

162 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 2. 33 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 45.

163 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 139.

81

No que se refere ao sujeito passivo do delito de

infanticídio informa Noronha164:

Poderíamos dizer simplesmente que é o filho, expressão

usada pela lei. Compreende ela, entretanto, não só o

recém-nascido como o nascente, em vista de o dispositivo

soar durante o parto ou logo após. Outros dizem ser sujeito

passivo não só o neonato como o feto vindo à luz.

Depreende-se assim que o sujeito ativo será sempre a

parturiente que se encontra em estado puerperal, bem como que o

sujeito passivo será o seu próprio filho, sendo que, o nascente deve estar

vivo e deve ter apresentado o mínimo de atividade funcional, tendo a

capacidade de viver fora do útero materno.165

3.5.3 Do estado puerperal

O crime de infanticídio exige que a mãe tenha

consciência de que está matando o filho, por se tratar de delito doloso,

ela deve agir com a vontade de matar. Porém, outro requisito exigido no

artigo 123 do Código Penal, é que a parturiente esteja sob influência do

estado puerperal.

Discorre de modo detalhado sobre o estado puerperal,

Teles166:

Puerpério é o período de tempo, variável conforme as

características de cada parturiente, compreendido entre o

parto e até oito semanas, em que a mulher experimenta

profundas modificações genitais, gerais e psíquicas, com o

gradativo retorno ao período não gravídico. Inicia-se com a 164 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 2. 2003, p. 48. 165 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2005, p. 101. 166 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.166.

82

dequitação da placenta. Sofre a mulher diversas

modificações nos aparelhos cardiocirculatório, digestivo e

urinário, alterações sangüíneas, da pele e, o que mais

interessa aqui, alterações psíquicas. A experiência

traumática do parto, com dores, contrações, enorme

esforço físico, toda a expectativa da maternidade, o início

da lactação e a presença do recém-nascido, somada à

alteração do ritmo do sono, pode trazer para a mãe

alterações de natureza psíquica que vão de simples crises

de choro até crises depressivas, seguidas de instabilidade

emocional e até mesmo de um quadro de psicose

puerperal. É o estado puerperal de que trata o Código

Penal.

De modo análogo, é a conceituação remetida por

Jesus167:

A mulher, em conseqüência das circunstâncias do parto,

referentes à convulsão, emoção causada pelo choque

físico etc., pode sofrer perturbação de sua saúde mental. O

Código fala em influência do estado puerperal. Este é o

conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas

pela mulher em face do fenômeno do parto.

Ainda sobre o estado puerperal esclarece

Bitencourt168:

O estado puerperal pode determinar, embora nem sempre

determine, a alteração do psiquismo da mulher dita normal.

Em outros termos, esse estado existe sempre, durante ou

logo após o parto, mas nem sempre produz as perturbações

emocionais que podem levar a mãe a matar o próprio filho.

Verifica-se das disposições doutrinárias acima

transcritas que o estado puerperal são perturbações físicas e psíquicas 167 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2004, p. 107. 168 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2001, p.

140.

83

pelas quais a parturiente sofre, decorrentes do parto, que acarretem

transtornos mentais na mulher, fazendo com que esta cometa o delito de

infanticídio. 169

Outrossim, esclarece Teles170, complementando o

assunto:

O estado puerperal ou puerpério existe logo após todos os

partos, mas, nem sempre, suas conseqüências são tão

graves. Assim, não basta que a morte se dê durante ou logo

após o parto, em que há o estado puerperal. É

indispensável que estado afete, de modo grave, a mente

da mãe. Para algumas mulheres, o estado puerperal é um

verdadeiro martírio e somente quando sua influência afetar

seu psiquismo é que se poderá falar em infanticídio.

Diante de tais considerações teóricas, claramente se

observa que, por diversas vezes, mesmo estando a mulher em estado

puerperal, este não chega a causar desequilíbrios que façam com que

ela cometa o ato delituoso, devendo sempre ser avaliado por médicos

peritos, se realmente o puerpério causou transtornos psíquicos que

configuraram o privilégio previsto no texto legal.

Outro ponto a ser analisado no que se refere ao crime

de infanticídio e mais especificamente na elementar do estado puerperal,

é quanto a duração do puerpério. A doutrina diverge em disciplinar o

lapso temporal existente entre “durante o parto ou logo após”. A maioria

dos doutrinadores discorre de forma enfática que o elemento típico

temporal deve ser analisado sob o ponto de vista de cada caso concreto,

sendo que não se pode confundir com o crime de aborto, bem como

169 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2005, p. 103. 170 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.166.

84

com o crime de homicídio, devendo neste caso, entender como sendo o

tempo em que perdurar o estado puerperal.171

Destarte, finalizando a exposição ao crime de

infanticídio, frisa-se que para o Código Penal vigente, este é um delito de

natureza privilegiada, com base no requisito do estado puerperal.

O infanticídio é o delito em que a mãe dirige sua

conduta criminosa contra o próprio filho, sendo por este motivo muita

vezes observado como uma modalidade criminosa de maior gravidade,

sendo visto pela sua natureza repugnante e repulsiva considerado até

mesmo pior do que o crime de homicídio.

3.6 DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO

Conforme o disposto no artigo 123 do Código Penal,

comete o crime de infanticídio a mãe que mata o filho sob o estado

puerperal, durante ou logo após o parto. Denota-se da legislação vigente,

conforme esclarecido anteriormente, que é um crime próprio, ou seja,

somente a genitora pode cometê-lo.

Por outro lado, pode ocorrer a hipótese de uma

terceira pessoa concorrer para a prática criminosa, quando esta auxiliar

de forma acessória na conduta do sujeito ativo do delito, ou seja, no

induzimento, na instigação e no auxílio.172

Com base no disposto no artigo 30 do Código Penal

“não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,

171 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 109. 172 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111.

85

salvo quando elementares do crime”, podemos entender que a influência

do estado puerperal é comunicável entre os fatos dos participantes do

ato delituoso.

A doutrina diverge no que tange a comunicabilidade

da circunstância de caráter pessoal no crime de infanticídio. Adotam o

ponto de vista da comunicabilidade: Roberto Lyra, Olavo Oliveira,

Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides

Custódio da Silveira, Bento de Faria, Delmanto e Delmanto, Julio Fabbrini

Mirabete, Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus.173

Em opinião contrária a da comunicabilidade e

favorável ao entendimento de que o partícipe responda pelo delito de

homicídio estão: Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira, Aníbal Bruno,

Salgado Martins e João Mestieri.174

Leciona sobre o assunto, Jesus175:

Não resta dúvida que, conforme o caso, constitui absurdo o

partícipe ou co-autor acobertar-se sob o privilégio do

infanticídio. Sua conduta muitas vezes representa homicídio

caracterizado. Mas temos de estudar a questão sob a ótica

de nossa legislação, que não cuidou de elaborar norma

específica a respeito da hipótese.

Neste mesmo sentido se observa o entendimento de

Bitencourt176:

173 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111 e 114. 174 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111. 175 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111. 176 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2001, p. 148.

86

A justiça ou injustiça do abrandamento da punição do

terceiro participante no crime de infanticídio é inconsciente

para afastar a orientação abraçada pelo Código Penal

brasileiro, que consagrou a teoria monística da ação em seu

artigo 29. Essa previsão é complementada pela norma do

art. 30, que determina a comunicabilidade das

“elementares do crime”, independentemente de se tratar

de circunstâncias ou condições pessoais. Assim, se o terceiro

induz, instiga ou auxilia a parturiente a matar o próprio filho

durante ou logo após o parto, participa de um crime de

infanticídio. Ora, como a “influência do estado puerperal” é

uma elementar do tipo, comunica-se ao participante (seja

co-autor ou partícipe), nos termos do art. 30 do CP.

Em opinião análoga esclarece Mirabete177:

Endossamos a primeira orientação, adotada aliás na

Conferência dos Desembargadores, no Rio, em 1943, por ser

inegável a comunicabilidade das condições pessoais

quando elementares no crime, a não ser que a lei disponha

expressamente em contrário. Aliás, um mesmo fato somente

pode ser punido de modo diverso com relação aos que

dele participam quando a lei o determina (...). Mais

adequado, portanto, seria prever expressamente a punição

por homicídio do terceiro que auxilia a mãe na prática do

infanticídio, uma vez que não militam em seu favor as

circunstâncias que levaram a estabelecer uma sanção de

menor severidade para a autora do crime previsto no art.

123 em relação ao definido no art. 121.

Contrariando os posicionamentos doutrinários acima

transcritos, Teles178 discorre que:

(...) O tipo foi construído para alcançar, exclusivamente, a

conduta da mãe, em relação ao próprio filho, naquele

tempo e sob aquela influência, que a ninguém mais pode

177 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2. 2004, p. 90. 178 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.169.

87

afetar. Tivesse nossa lei adotado o critério puramente

psicológico – a causa de honra – aí, sim, poder-se-ia admitir

o concurso, mas apenas para os que também

incorporassem o motivo de honra em seu íntimo para

participar do crime. (...) Assim, aquele que de qualquer

modo concorrer para o infanticídio, na condição de co-

autor ou de partícipe, ainda que atuando com menor

importância, responderá pelo crime de homicídio.

Assim, finaliza-se este capítulo, após observadas as

considerações teóricas e posicionamentos, verificando que existem muitas

divergências quanto ao concurso de pessoas no crime de infanticídio,

pelo fato da comunicabilidade, ou não, das circunstâncias de caráter

pessoal que a ele são reservadas. Os elementos próprios deste delito,

sendo eles, o sujeito ativo (crime próprio) e a influência do estado

puerperal fazem com que as opiniões sejam contrárias uma das outras,

porém, só aumentam o interesse no estudo deste tema tão complexo.

88

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo investigar a Co-

autoria no Crime de Infanticídio.

O interesse pelo tema deu-se em razão da relevante

importância, em face dos incessantes debates e questionamentos

doutrinários no que tange as circunstâncias deste crime próprio.

No intuito de facilitar seu desenvolvimento lógico o

trabalho foi dividido em três capítulos.

No capítulo 1 principiou-se em expressar a importância

do conhecimento sobre o direito de punir como atribuição dada ao

Estado, sendo que o ponto de partida foi da origem da sociedade

primária, sua formação, evolução e aperfeiçoamento até a chegada do

Estado como ente jurídico detentor do poder de protegê-la e da

incumbência de punir aquele que contra ela se insurge com o objetivo

de. O ente jurídico, como se observou, é o Estado o detentor do direito de

punir, não de forma absoluta, mas sim, dentre os limites estabelecidos pela

lei. Daí a necessidade de se diferir com clareza os comportamentos que

devem ser proibidos e, portanto, elevados à condição de crime.

Verificou-se que nos dias de hoje o Estado é a

instituição imbuída a proporcionar e garantir a paz e tranqüilidade da

sociedade, porém, para que esta atribuição seja possível, o Estado exerce

o poder delegado pelos membros da sociedade que compõe e dá base,

sendo que é ele, em nome da sociedade quem elabora as normas

89

disciplinadoras da vida em sociedade, além de buscar a efetiva

aplicação destas normas.

Concluiu-se no primeiro capítulo que cabe, portanto,

ao Estado, garantir a ordem pública e garantir a tutela dos direitos e

obrigações dos sujeitos no convívio social. Outrossim, observou-se que o

homem despoja de seu direito de defesa em favor da sociedade e do

Estado, que o exerce em favor da coletividade e em busca de um bem

comum, nascendo assim o Direito de Punir.

Contudo, reservou-se ao capítulo 2 o estudo sobre o

que é o crime, o tipo penal, seus elementos constitutivos, as teorias que

informam ou que discutem a estrutura e a própria estrutura do crime.

Entretanto, restou comprovado que a essência do

conceito de crime é puramente jurídica, porém, diversos são os conceitos

e concepções de crime dados por estudiosos do Direito Penal. Porém,

ocorre que o Código Penal Brasileiro não traz nenhuma definição expressa

de crime, ficando a cargo dos doutrinadores a importante tarefa de

definirem a conceituação adequada.

Desta maneira, pode-se se extrair da doutrina que o

crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta

violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir

seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considera afastável

somente através da sanção penal.

Assim, analisou-se a sua conceituação sob o tríplice

aspecto formal, material e analítico, sendo iniciada pelos conceitos da

tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade até se chegar à conduta

90

como elemento constitutivo do fato típico e dela às teorias que procuram

dar sustentação à imputabilidade a alguém do fato que agrediu o

organismo social e puni-lo conforme os parâmetros estipulados em lei.

O crime constitui uma figura unitária em que se

revelam um fato típico e a ilicitude. A culpabilidade funciona como

elemento de ligação entre o crime e a pena. Assim, por mais diferentes

que sejam os seus característicos conceituais, não é tão rígido o limite

entre a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. O ilícito e a

culpabilidade se subordinam ao tipo, isto é, certas características

acidentais daqueles se subordinam à figura típica, sem que se

confundam. Por outro lado, concluiu-se que não há antijuridicidade penal

sem tipicidade, ou seja, não há falar-se em ilicitude penal sem que o fato

esteja previsto como infração pela lei, pois é esta que cria a norma da

proibição.

No terceiro capítulo a pesquisa contemplou análise do

concurso de pessoas no crime de infanticídio, dando-se ênfase aos

conceitos de autor, co-autor e partícipe para finalmente se chegar à

comunicabilidade e incomunicabilidade das circunstâncias de caráter

pessoal nos crimes próprios.

Denota-se do presente trabalho monográfico que

antes de adentrar à exposição particularizada da co-autoria no crime de

infanticídio, oportuno se fez mencionar, inicialmente, sobre os crimes

dolosos contra a vida.

Observou-se que a vida é o objeto de proteção

abrangido pela lei penal, ou seja, é o bem jurídico resguardado na forma

91

da pessoa humana, que se inicia com a sua formação, atingindo tanto a

vida intra como a extra-uterina.

Tratou-se do direito à vida de maneira inviolável, e

verificou-se que cabe ao Estado protegê-lo de todas as agressões

possíveis. A proteção que o Direito concede à vida não é, todavia,

absoluta. Não pode, porque impossível, protegê-la de todos os ataques,

mormente naturais. O Direito não protege a vida de modo absoluto,

também porque é o mesmo Direito que permite sua destruição, em

situações específicas, como é o caso da legítima defesa e do estado de

necessidade.

A participação coletiva na prática da infração penal

que foi o tema escolhido para este trabalho, embora, relacionado apenas

ao crime de infanticídio, onde reside célebre polêmica sobre a punição a

ser aplicada se, idêntica a autor, co-autor e partícipe ou se para aqueles

que não sendo a mãe a punição deve ser diferenciada.

Seguindo os caminhos desta polêmica elaborou-se a

hipótese: as circunstâncias de caráter pessoal do crime de infanticídio se

comunicam aos os co-autores e partícipes da conduta delituosa.

Em análise da hipótese, verificou-se à luz da doutrina

majoritária nacional que a hipótese restou confirmada, pois as regras dos

artigos 29 e 30 do Código Penal são aplicadas conjuntamente, permitindo

tratamento penal igualitário a mãe que mata o filho sob a influência do

estado puerperal e estendendo-se ao co-autor e co-partícipe.

Com base no disposto no artigo 30 do Código Penal

“não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,

92

salvo quando elementares do crime”, se pode entender que a influência

do estado puerperal é comunicável entre os fatos dos participantes do

ato delituoso.

Para a confirmação da hipótese, valeu-se da doutrina

penal brasileira, sendo que foi utilizada para a confecção do relatório a

técnica de fichamento e os métodos indutivo e dedutivo.

Assim, finalizou-se este trabalho, após observadas as

considerações teóricas e posicionamentos, verificando que existem muitas

divergências quanto ao concurso de pessoas no crime de infanticídio,

pelo fato da comunicabilidade, ou não, das circunstâncias de caráter

pessoal que a ele são reservadas, confirmando a necessidade de mais

pesquisa sobre o tema ora em questão.

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