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Mesa Redonda - Ética: Psicoterapias e Psicoterapeutas

Coelho, J., Notas Sobre a Formação Dos Psicólogos Psicoterapeutas

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psicologia, psicoterapia

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Mesa Redonda - Ética: Psicoterapias e Psicoterapeutas

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Notas sobre a formação dos psicólogos psicoterapeutas

JAIME COELHO (*)

É reconhecida geralmente por todos os psicólogos que exercem a

actividade de psicoterapeutas, a dificuldade em distinguir-se ou

identificar-se com outros psicoterapeutas, o que não terá tanto a ver

com a diversidade de formações iniciais de origem dos psico-

terapeutas (Medicina; Psicologia; Filosofia; Enfermagem, etc), mas

mais com o tipo de formação específica para o exercício da activi-

dade. Se é verdade que um psicanalista, um cognitivista ou outro

psicoterapeuta que tenha, como estes, uma formação idêntica baseada

num corpo teórico-científico e técnicas comuns de abordagem, não

têm dificuldade em reconhecer-se como psicoterapeutas, indepen-

dentemente das formações de origem, dentro e fora do seu grupo de

pertença, terão mais dificuldade em se reconhecer ou reconhecer

como iguais, pessoas ou grupos que se intitulam também de

psicoterapeutas, quando não existem características comunsC'\)

significativas.

t -1 Instituto Superior de Psicologia Aplicada.

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II COLÓQUIO EUROPEU DE PSICOLOGIA E ÉTICA

Organizações de psicoterapeutas, algumas nacionais como a

Federação Espanhola de Psicoterapeutas 1 (FEAP) e o Conselho de

Psicoterapeutas do Reino Unido (UKCP), que albergam uma grande

diversidade de psicoterapeutas, (diversidade quanto às formações de

origem, à formação específica, às teorias, nem todas científicas, que

suportam as suas práticas); outras internacionais como a Associação

Europeia de Psicoterapia ou o Conselho Mundial de Psicoterapia,

pelas mesmas razões, facilitam uma certa difusão da identidade

A classificação de psicoterapeuta e a definição de psicoterapia

nestas associações parecem ser feitas, a partir do critério efeito.

De facto se definirmos a psicoterapia pelo efeito, pelos resultados

como, por exemplo, a redução da ansiedade, controle e redireciona-

mento da agressividade, a valorização da imagem de si, etc, não há

dúvida que o leque das psicoterapias fica extraordinariamente

alargado, indo do mais rudimentar exorcismo às técnicas mais

cientificamente elaboradas. Mesmo assim, nesta abertura, teríamos

sempre que parar nalgum lado, ou iríamos englobar as mães, os

professores, os amigos, os ideais políticos, sociais e religiosos no rol

dos psicoterapeutas e das psicoterapias, pois, em boa verdade, todos

estes pólos relacionais têm efeitos terapêuticos na medida em que são

organizadores, equilibradores ou correctores da organização psíquica.

Este esbatimento de fronteiras tem, de imediato, dois inconveni-

entes maiores, como a impossibilidade de determinação de requisitos

mínimos para o exercício da profissão e a observância de um código

ético comum, duas condições para o exercício da actividade de uma

forma responsável e prestigiante.

Este panorama que, aparte algumas excepções, é o panorama

mundial e não especificamente português ou europeu, levou os

1 Intuições guarda-chuva ou umbrela.

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NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DOS PSICÓLOGOS PSICOTERAPEUTAS

psicólogos europeus, organizados dentro da Federação das

Associações Europeias de Profissionais de Psicologia (EFFPA) de

que o Sindicato Nacional dos Psicólogos é parte, a debruçar-se

sobre o exercício da psicoterapia no exclusivo âmbito das

actividades dos Profissionais de Psicologia.

Sem esquecer que a Psicoterapia tem as suas raízes mergulhadas

tanto na Psicologia quanto na Psiquiatria, este voltar a casa e por aí

começar a arrumação, não aparece como um movimento de arrogân-

cia ou autismo, é, antes, prova de bom senso, e um movimento

inevitável, se se quer alguma definição que sirva como alicerce da

construção de linhas de orientação para a formação e o exercício da

Psicoterapia pelos psicólogos. De que a ideia tratava de considerar,

não a psicoterapia na sua generalidade, ou a anatematizaçãó de

outras terapias, mas a psicoterapia feita por psicólogos, dá conta a

expressão usada inicialmente para referir esta tarefa: Psicoterapia

Psicológica (Psychological Psychotherapy). O uso do adjectivo

referindo-se simultaneamente à psicoterapia feita por psicólogos e

também aos meios usados nessa actividade: psicológicos também.

A expressão, se reduz o campo dos psicoterapeutas e dos métodos,

é, no entanto, bastante ambígua para evitar discrepâncias. Desde

cedo, no seio da EFPPA surgem duas posições.

A primeira valoriza os critérios de competência psicoterapêutica

dos psicólogos em conjugação com o código ético. Este determina

que nenhum psicólogo oferecerá serviços para os quais não tenha

competência, o que quer dizer que logo que um psicólogo fizesse

psicoterapias trataria de adquirir a competência necessária. A

psicoterapia seria assim uma função possível, entre outras, como a

de counseling, perito legal, recrutamento, exame psicológico, etc.

A segunda posição é a que prefere o estabelecimento de critérios

normalizados de formação e exercício da actividade, encarando o

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II COLÓQUIO EUROPEU DE PSICOLOGIA E ÉTICA

do documento: Estes parâmetros ainda que mínimos, são um guia de

orientação para o futuro, não têm que verificar-se já.

No entanto, nalguns países, como a Suiça, eles já existem com

maior exigência ou aproximada.

A qualificação básica tem dois pontos:

-a exigência de estudos universitários com 5 anos com referência

explícita a matérias de conhecimento que devem constar do

currículo académico: Psicopatologia, psicologia clínica aplicada

e psicoterapias.

-Dois anos de experiência profissional supervisada. Esta é uma

exigência dura num país em que o emprego escasseia. A

tendência para evitar o desemprego é, à saída da licenciatura,

enveredar pelo mestrado ou, então, abrir consultório. Esta

segunda tendência, pese embora a compreensão pelos colegas

no desemprego, é uma solução condenável a vários títulos.

Os pontos 3 e 4 estabelecem alguns requisitos sobre a duração da

formação, a distribuição dos tempos totais, comprovação de saberes,

etc.

Quero sublinhar um ponto fulcral: a terapia pessoal como condição

para ser terapeuta.

A exigência é feita para que, entre outras coisas, o psicoterapeuta

possa lidar com o seu envolvimento nas psicoterapias que pratica.

Havendo tipos de psicoterapia onde a norma não aplicável em

sentido restrito, a exigência é a de a substituir por alguma forma de

"experiência pessoal" da psicoterapia que se pratica.

O ponto 5, sinteticamente:

1) Estabelece a exigência de um currículo para a formação, ainda

que o carácter de "guia para o futuro" do documento, autorize,

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NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DOS PSICÓLOGOS PSICOTERAPEUTAS

para já, arranjos que permitam a creditação de saberes e

experiências já adquiridos (5.1).

2) Determina que os psicólogos a especializar em psicoterapia o

façam numa das principais escolas terapêuticas (5.2), e

caracteriza-as: escolas que patenteiem basear-se num sólido

corpo de conhecimentos psicológicos relativos ao desenvol-

vimento humano, à mudança e à psicopatologia e possuir uma

teoria e estratégias relacionadas com a intervenção (5.5).

O ponto 6 estatui os requisitos profissionais e académicos para os

professores, exigindo padrões elevados, como o doutoramento para

os professores de teoria.

Estabelece também uma norma de conduta interessante que

desaconselha as relações extra-profissionais entre formadores e

fomiandos e as interdita por completo ao psicoterapeuta do formando.

Pena é que esse cuidado em não contaminar umas relações com

outras não tenha estado presente quando, no ponto 8.1 se dá ao

psicoterapeuta um papel de fiscal, responsabilizando-o também pela

avaliação da idoneidade do formando.

No ponto 7 são descritos os deveres das instituições de formação,

onde destaco um ponto inovador que é a obrigação de estas

aceitarem auditorias regulares pelo corpo profissional de psicólogos.

A meu conhecimento, em Portugal, apenas um corpo profissional

credita os cursos das escolas e não creio que faça auditorias

regulares. É um dos pontos em que o carácter de guia, a longo prazo,

do documento é inevitável.

A avaliação da aptidão pessoal (ponto 8) é feita pelas escolas no

momento da admissão e durante a formação. Compete a todos os

intervenientes na formação, incluindo, como já disse, o próprio

terapeuta, o que tem algum risco de inquinar o processo terapêutico.

12Í

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II COLÓQUIO EUROPEU DE PSICOLOGIA E ÉTICA

O ponto 9 consagra os modos de avaliação final da formação onde

entra, em pé de igualdade com exames, a recomendação de

professores e supervisores.

Finalmente o ponto 10 consagra a credenciação e o registo do

psicoterapeuta pelo corpo profissional de psicólogos:

Este ponto é de extraordinária importância prática incidindo sobre

vários aspectos pessoais e profissionais do psicólogo psicoterapeuta.

Desde logo providencia um quadro orientador, mas não

espartilhante, que lhe permite comparar-se a um modelo que o ajuda

a avaliar a sua identidade profissional. Pode certificar-se daquilo a

que corresponde e a que não corresponde, identificar, assim, mais

facilmente, as componentes de formação que lhe faltam e provi-

denciar a sua aquisição.

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