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COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrônica de Filosofia Centro de Estudos do Pragmatismo – Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, Volume 3, Número 1, p. 054- 064, TEXTO 06/3.1, janeiro/junho, 2006 Disponível em <http://www.pucsp.br/pos/filosofia/Pragmatismo/cognitio_estudos/cognitio_estudos.htm> Peirce e a banalidade do mal Henrique Hissataka Pontífícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP [email protected] Resumo: O objeto desta comunicação é o estudo da questão levantada por Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, problema com o qual ela se deparou ao fazer a cobertura jornalística do julgamento de Eichmann, o famoso criminoso de guerra nazista. Uma visão geral do problema de acordo com a posição arendtiana é feita, indicando quais os elementos que ela utilizou para responder a questão. Em seguida, será feita uma reflexão sobre a mesma questão, mas a partir da ótica do pensamento de Peirce, que se mostrará muito rico para esse entendimento. Para tanto, será estudado e utilizado como base o paper "The fixation of beliefs" (CP 5.358 - 5.387). Tal estudo indicará uma explicação do comportamento de Adolf Eichmann segundo os parâmetros peirceanos e arendtianos, possibilitando uma comparação entre as duas posições filosóficas. Palavras-chave: C S Peirce. Hannah Arendt. Eichmann. Fixação das crenças. Banalidade do mal. Peirce and the banality of evil Abstract: The object of this paper is the study about the banality of evil question raised by Hannah Arendt when she was covering the trial of the famous nazi war criminal Adolf Eichmann. An overview of the problem according to Arendt is made, indicating the concepts behind her answer. Afterwards, a reflection about the same question is made from Peirce's view, which will provide valuable elements for a deeper understanding. It will be studied and used the paper "The fixation of beliefs" (CP 5.358 - 5.387). This study will provide an explanation about the behaviour of Adolf Eichmann according to the concepts of Peirce and Arendt, allowing a comparison between their philosophical positions. Keywords: C S Peirce. Hannah Arendt. Eichmann. Fixation of beliefs. Banality of evil. * * * Este texto irá estudar a questão levantada por Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, problema com o qual ela se deparou ao fazer a cobertura jornalística do julgamento de Eichmann, um criminoso de guerra nazista. Inicialmente, será feita uma retomada das reflexões da filósofa sobre o assunto, indicando quais os conceitos que ela utilizou para responder a questão. Em seguida, será feita uma reflexão sobre a mesma questão, mas a partir da ótica do pensamento de Peirce, que se mostrará muito rico para esse entendimento. Aqui não será feito um estudo relativo à forma como Peirce procuraria responder a tal questão, restringindo-se apenas a delimitar uma maneira de se tentar compreender melhor o problema arendtiano a partir dos conceitos peirceanos, tendo como base o paper “The fixation of beliefs”. Ressalta-se que a resposta peirceana a essa questão será apenas esboçada aqui, mas um estudo mais aprofundado fugirá ao escopo deste trabalho. Inicialmente será feita uma retomada da questão segundo Hannah Arendt a coloca; em seguida, um levantamento dos temas do paper “The fixation of beliefs” (CP 5.358 – 5.387) será efetuado; e, ao final, será feita uma compreensão do problema arendtiano tendo por base os temas de Peirce levantados anteriormente.

Cog Est v3 n1 Hissataka Henrique t06!54!64

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  • COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrnica de Filosofia Centro de Estudos do Pragmatismo Programa de Estudos Ps-Graduados em Filosofia - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    So Paulo, Volume 3, Nmero 1, p. 054- 064, TEXTO 06/3.1, janeiro/junho, 2006 Disponvel em

    Peirce e a banalidade do mal

    Henrique Hissataka Pontfcia Universidade Catlica de So Paulo/PUC-SP [email protected]

    Resumo: O objeto desta comunicao o estudo da questo levantada por Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, problema com o qual ela se deparou ao fazer a cobertura jornalstica do julgamento de Eichmann, o famoso criminoso de guerra nazista. Uma viso geral do problema de acordo com a posio arendtiana feita, indicando quais os elementos que ela utilizou para responder a questo. Em seguida, ser feita uma reflexo sobre a mesma questo, mas a partir da tica do pensamento de Peirce, que se mostrar muito rico para esse entendimento. Para tanto, ser estudado e utilizado como base o paper "The fixation of beliefs" (CP 5.358 - 5.387). Tal estudo indicar uma explicao do comportamento de Adolf Eichmann segundo os parmetros peirceanos e arendtianos, possibilitando uma comparao entre as duas posies filosficas.

    Palavras-chave: C S Peirce. Hannah Arendt. Eichmann. Fixao das crenas. Banalidade do mal.

    Peirce and the banality of evil

    Abstract: The object of this paper is the study about the banality of evil question raised by Hannah Arendt when she was covering the trial of the famous nazi war criminal Adolf Eichmann. An overview of the problem according to Arendt is made, indicating the concepts behind her answer. Afterwards, a reflection about the same question is made from Peirce's view, which will provide valuable elements for a deeper understanding. It will be studied and used the paper "The fixation of beliefs" (CP 5.358 - 5.387). This study will provide an explanation about the behaviour of Adolf Eichmann according to the concepts of Peirce and Arendt, allowing a comparison between their philosophical positions.

    Keywords: C S Peirce. Hannah Arendt. Eichmann. Fixation of beliefs. Banality of evil.

    * * *

    Este texto ir estudar a questo levantada por Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, problema com o qual ela se deparou ao fazer a cobertura jornalstica do julgamento de Eichmann, um criminoso de guerra nazista. Inicialmente, ser feita uma retomada das reflexes da filsofa sobre o assunto, indicando quais os conceitos que ela utilizou para responder a questo. Em seguida, ser feita uma reflexo sobre a mesma questo, mas a partir da tica do pensamento de Peirce, que se mostrar muito rico para esse entendimento.

    Aqui no ser feito um estudo relativo forma como Peirce procuraria responder a tal questo, restringindo-se apenas a delimitar uma maneira de se tentar compreender melhor o problema arendtiano a partir dos conceitos peirceanos, tendo como base o paper The fixation of beliefs. Ressalta-se que a resposta peirceana a essa questo ser apenas esboada aqui, mas um estudo mais aprofundado fugir ao escopo deste trabalho.

    Inicialmente ser feita uma retomada da questo segundo Hannah Arendt a coloca; em seguida, um levantamento dos temas do paper The fixation of beliefs (CP 5.358 5.387) ser efetuado; e, ao final, ser feita uma compreenso do problema arendtiano tendo por base os temas de Peirce levantados anteriormente.

  • Peirce e a banalidade do mal

    COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrnica de Filosofia, So Paulo, Volume 3, Nmero 1, p. 054 - 064, TEXTO 06/3.1, janeiro/junho, 2006 55

    Eichmann e a banalidade do mal

    Adolf Karl Eichmann foi o oficial nazista da SS (polcia secreta nazista) responsvel pela morte de milhes de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, tendo sido o superior do departamento que controlava a populao judia no territrio alemo. Atribui-se a ele a criao da soluo final dada aos judeus, que levou ao genocdio de milhares deles e de outras pessoas em campos de concentrao. Ele foi encontrado e preso na Argentina, sendo submetido a um julgamento em Jerusalm. Hannah Arendt acompanhou o julgamento de Eichmann como reprter para a revista New Yorker.

    Durante este julgamento, Arendt notava que a figura que Eichmann apresentava era totalmente destoante da que era esperada de algum capaz de arquitetar uma atrocidade to grande contra tantas pessoas. Ao invs de um monstro diablico, ela se deparou com uma figura apagada, absolutamente comum, que parecia no ter uma conscincia clara do que havia feito. Parecia haver um contra-senso entre o homem e a dimenso de seus atos: como que uma falta de pensamento, demonstrada por sua falta de conscincia, poderia levar a uma falta moral to grande? Ou seja, qual seria a relao entre o pensamento e a moral? Aparentemente, a falta de um pensamento teria o potencial de causar um mal terrvel, um indivduo absolutamente banal e estpido sem uma clara inteno de ser mau poderia praticar o mal absoluto. Foi desse questionamento que a expresso banalidade do mal foi cunhada por Arendt. O relato de Hannah Arendt foi publicado em seu livro Eichmann em Jerusalm um relato sobre a banalidade do mal, mas uma resposta filosoficamente mais completa foi dada em seu livro A vida do esprito, na primeira parte dele, O Pensar.

    De forma resumida, pode-se afirmar que a resposta arendtiana encontra-se em uma distino entre o conhecer (Intelecto / Verstand) e o pensar (Razo / Vernunft), termos estes que Arendt toma emprestado de Kant. O conhecer seria uma atividade de clculo, cuja finalidade apenas atingir verdade ou falsidade sobre algo, enquanto o pensar seria uma atividade do esprito que busca o significado sobre alguma coisa.

    Por sua prpria natureza, o pensar est sempre destruindo sentidos encontrados no passado em face de novos elementos, a partir dos quais est sempre construindo novos sentidos. Isso caracteriza uma certa circularidade, pois h um processo constante de se repensar algum sentido, sempre havendo um retorno ao mesmo ponto de partida; usando definio de Arendt, a atividade do pensamento como a teia de Penlope: desfaz-se toda manh o que foi terminado na noite anterior. O pensar pode e deve ser empregado na busca do conhecimento, mas no se deve confundi-lo com ele. O pensar apresenta-se como a condio a priori do desejo de conhecimento, que s ser satisfeita quando se chega a alguma verdade.

    Mas segundo Hannah Arendt coloca, o homem moderno acaba por fazer tal confuso, reduzindo o pensar a um mero clculo de conseqncias. H uma primazia da ao sobre o pensar, resultando em uma pura reproduo de modelos j existentes, ao invs de produo de novos.1 Ou seja, usando os termos arendtianos, uma primazia do conhecer sobre o pensar.

    A partir desta distino, o problema de Eichmann pode ser equacionado: este abdicou de sua atividade de pensamento em favor apenas de seu conhecer. Nunca se preocupava em tentar compreender o significado de seus atos, meditando sobre a

    1 Cf. Odlio Alves Aguiar, O espectador como metfora do filosofar em Hannah Arendt in Transpondo o abismo Hannah Arendt entre a filosofia e a poltica, Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2002, p. 82

  • Henrique Hissataka

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    extenso dos resultados deles. Ele parecia preocupar-se apenas com clculos simples necessrios para que a sua ao cotidiana fosse efetuada: pode-se aventar a hiptese de que o genocdio em campos de concentrao era simplesmente uma resposta eficaz ao problema de como se deveria controlar a populao judia aprisionada, que crescia constantemente devido s prises cada vez mais numerosas. Essa seria uma resposta consistente, mas moralmente condenvel. Algum que no se prestasse a pensar sobre isso, seja por incapacidade, hbito ou recusa, poderia perfeitamente ignorar o significado da conseqncia de tal ao.

    Por isso, ele poderia ser considerado um monstro banal um monstro, caracterizado por seus resultados monstruosos, mas banalizado por no possuir uma aura demonaca altura de sua monstruosidade, medida que no mostrava conscincia exata da extenso de seus atos.

    Peirce e a fixao das crenas

    Uma vez descrito o problema a ser estudado, ser feito um levantamento dos principais pontos do artigo The fixation of beliefs2 a partir dos quais ser possvel esboar uma resposta baseada nas idias de Peirce.

    Peirce comea o texto afirmando que o objetivo da razo encontrar, a partir do que j conhecido, alguma outra coisa que no conhecemos. Conseqentemente, a razo boa se atinge uma concluso verdadeira a partir de premissas verdadeiras, e no o contrrio. Assim, a questo da validade puramente de fato e no do pensamento3. Ele comea colocando como premissa uma separao clara entre a realidade do mundo e o que a mente humana pode pensar. Ou seja, a validade independe da vontade ou das preferncias intelectuais humanas, de tal forma que uma concluso permaneceria verdadeira mesmo que no tivssemos um impulso de aceit-la. Ou, inversamente, a concluso falsa permaneceria falsa, mesmo que no resistssemos tendncia de acreditar nela.

    A maioria dos homens, segundo Peirce, tem uma tendncia forte a acreditar em mais coisas do que a pura lgica recomendaria. Com isso, freqentemente o feedback do mundo fora os homens a contradizerem suas esperanas e aspiraes. Para temas comuns (ou prticos), aos quais o homem, como um animal, est sujeito, geralmente acaba por haver uma conformidade entre as esperanas e o mundo mesmo que seja devido ao processo biolgico da seleo natural. Porm, para temas abstratos que no possuem substrato na experincia, as esperanas e aspiraes humanas ilgicas no podem ser refreadas; mais do que isso, tal comportamento pode at ser mais vantajoso ao animal, medida que lhe permite preencher sua mente com vises agradveis e encorajadoras, independente de sua veracidade. por isso que Peirce afirma que a seleo natural pode ocasionar uma tendncia falaciosa ao pensamento.

    Alm disso, a mente humana possui uma certa disposio a fazer inferncias segundo um hbito da mente, que aquilo que nos leva, a partir de dadas premissas, a fazer determinada inferncia ao invs de outra, seja ela inerente natureza ou adquirida. Ou seja, a inferncia no feita pelo homem seguindo uma lgica estrita, mas sim segundo um hbito que pode ser bom ou mau, consistente ou inconsistente, natural ou adquirido. O ponto fundamental que Peirce procura ressaltar que h condies nas quais inferncias podem ser feitas erroneamente, especialmente quelas

    2 CP 5.358 5.387 3 CP 5.365

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    que se referem a temas sobre os quais um homem no possui experincia, seja por ignorncia, seja pela impossibilidade de se fazerem experimentos.

    A partir disso, Peirce analisa este processo de inferncia: 4

    Um momento de pensamento mostrar que uma variedade de fatos j assumida quando a questo lgica inicialmente perguntada. Implica-se, por exemplo, que h estados de mente como a dvida e a crena que a passagem de uma para a outra possvel, o objeto do pensamento permanecendo o mesmo, e que essa transio sujeita a algumas regras pelas quais todas as mentes so semelhantes. Como esses so fatos que ns j devemos conhecer antes de poder ter qualquer concepo clara de razo, no pode se supor que seja de muito interesse que se inquira sobre sua verdade ou falsidade.

    Quando uma questo feita, uma srie de fatos tem de ser assumida. Um ceticismo absoluto, tal como o cartesiano, no seria possvel neste cenrio, a dvida s faz sentido se alguma crena j est estabelecida - e dizer que no se pode duvidar de algo no igual a dizer que este algo verdadeiro. Como foi visto anteriormente, nossa mente pode fazer inferncias baseadas apenas em hbitos ou mesmo em crenas ilgicas, levando freqentemente ao erro. Assim, natural que Peirce afirme que o senso-comum profundamente imbudo com a qualidade da m lgica qual o termo metafsico normalmente aplicado; e nada pode limpar isso a no ser um curso rigoroso de lgica. Apenas atravs de uma reflexo lgica e sistemtica seremos capazes de nos libertar desses conceitos enganadores que governam nosso pensamento prtico.

    Expostas essas consideraes sobre as inferncias, Peirce estudar a questo de como efetivamente o conhecimento poder ser fixado. Ele inicialmente postula a existncia de estados da mente comum a todos os seres humanos; dentre os quais, a dvida e a crena, afirmando que possvel haver uma passagem de um estado para outro. Segundo ele, as crenas guiam os desejos humanos, bem como moldam suas aes, havendo neste sentimento de crena uma indicao certa de estabelecer em nossa natureza algum hbito que determinar nossas aes, ao contrrio da dvida, que nunca possui tal efeito. H no pensamento peirceano uma correlao muito clara entre as crenas de um homem e suas aes.

    Peirce caracteriza o estado de dvida como um estado difcil e desconfortvel do qual ns lutamos para nos libertar, para passar ao estado de crena. J o estado de crena um estado de satisfao e calma que no desejamos evitar, ou mudar para uma crena em qualquer outra coisa. A dvida acaba por ser o estado a partir do qual ocorre a estimulao da inquirio at que ela seja destruda, podendo-se afirmar que um estado que possui dentro de si a semente de sua prpria destruio5.

    A dvida um estado mental muito irritante para o homem, que o leva a lutar at que alguma crena seja atingida. A este estado de luta Peirce denomina de inquirio (inquiry), sendo que seu nico objetivo o estabelecimento de uma opinio6. H uma procura por um conhecimento que se acredite ser verdadeiro, simplesmente para sair deste estado de dvida. Mais do que isso, pensamos que cada uma de nossas crenas seja verdadeira, e at meramente tautolgico que se faa tal afirmao7. Esta afirmao interessante por indicar o estatuto que Peirce atribui verdade, no como

    4 CP 5.369 5 CP 5.372 6 CP 5.374 7 CP 5.375

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    uma verdade cartesiana certa e indubitvel, mas simplesmente como uma certeza psicolgica.

    Esta luta do homem por estabelecer uma crena descrita por Peirce muito interessante e pode ser ilustrada por uma situao vivida pelos habitantes das favelas cariocas submetidos a uma tirania policial. Em seu cotidiano, eles esto sujeitos ao poder dos chefes do trfico da favela, com toda sua violncia intrnseca, e ao poder policial, normalmente os mais violentos e corruptos da fora. Entretanto, do ponto de vista do morador, h um fator fundamental para que o poder dos traficantes seja prefervel ao da polcia: enquanto existe um cdigo de conduta esperado e exigido pelos traficantes, os policiais agem com absoluta imprevisibilidade, tal como o seguinte exemplo: olhar nos olhos do policial, na batida montada na entrada da favela, pode ser interpretado como desacato autoridade, ensejando um repertrio vasto de punies, que se estende da surra priso, de ameaas humilhao; amanh, baixar os olhos, evitando encarar o policial, na mesma situao, pode suscitar reaes idnticas pelos mesmos motivos, por incrvel que parea. O que se far no terceiro dia?8. Assim, estabelece-se um clima de terror na favela, ocasionado simplesmente por uma impossibilidade dos moradores de saberem qual a regra de conduta a ser adotada. No se espanta que o morador prefere a violncia local desbocada, sem vergonha e escancarada, ao cinismo arrogante dos bandidos uniformizados, que roubam e brutalizam, arbitrariamente, fingindo representar o Estado, a Lei, a Justia e a ordem pblica9. Em termos peirceanos, o processo de inquirio teria chegado a um impasse, o que s prolongaria o estado de vida dos moradores da favela, complicado e desconfortvel, que s ocasionava a piora nas condies de vida j miserveis a que esto submetidos.

    Para completar esse quadro, existe uma aproximao forte da inquirio como forma de se passar de um estado de dvida para um de crena com o falibilismo peirceano. Conforme coloca Misak10, suponha-se que se atinja um estado de crena que seja imune a quaisquer dvidas: neste caso, Peirce afirmaria que a crena seria uma verdade. Porm, como nunca possvel de se saber se uma dada crena tem tal imunidade, ento o homem tem de sempre pensar que todas as suas crenas so falveis, que podem ser falsas. Isto leva ao famoso e importante princpio enunciado por Peirce: Do not block the way of the inquiry11.

    Resumindo, Peirce estabelece que a dvida leva ao processo da inquirio, que visa ao final chegar a um estado mental de crena, que independe de ser uma proposio verdadeira ou falsa, mas que todo homem deveria acreditar ser falvel.

    Aps a definio do que uma crena e suas correlaes, Peirce enumera uma srie de mtodos de como a crena pode ser fixada, descrevendo suas vantagens e desvantagens.

    O primeiro mtodo descrito o da tenacidade , que extremamente simples em sua concepo. uma estratgia estritamente individual: havendo alguma proposio que seja particularmente atraente, o homem pode procurar fix-la atravs de um processo atravs do qual reiteraria constantemente para si mesmo tal proposio e

    8 Cf Luiz Eduardo Soares, MV Bill e Celso Athayde, Cabea de Porco, pgina 263, Objetiva, So Paulo, 2005 9 Ibidem 10 Cf Cheryl Misak, C.S Peirce on Vital Matters, Cognitio, Revista de Filosofia N 3, EDUC, 2002, p. 66 11 CP 1.135

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    COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrnica de Filosofia, So Paulo, Volume 3, Nmero 1, p. 054 - 064, TEXTO 06/3.1, janeiro/junho, 2006 59

    rejeitaria qualquer outra que a contrariasse. Essa uma estratgia anloga a adotada pelo avestruz que, ante algum perigo, esconde a cabea embaixo da terra; ou de algum homem que evitasse ler algum jornal para no ter contato com idias que contrariam as suas. Apesar de tudo isso, Peirce acredita que ela perfeitamente consistente, pois uma pessoa pode perfeitamente bem viver dessa forma, uma vez que uma postura racional ante a vida no um requisito fundamental que todo ser humano deva ter.

    O problema com esse mtodo que o homem no um ermito, mas vive em sociedade. Assim, se suas opinies forem muito heterodoxas, ele necessariamente acabar por entrar em conflito com idias contrrias s suas, as quais dever considerar em algum momento, tenazmente resistindo a elas. Esse motivo para que tal mtodo se denomine tenacidade, visto que algum que o adote tem de possuir uma boa dose dessa caracterstica para conseguir manter sua crena mesmo em um meio social que seja hostil a ela.

    O segundo mtodo descrito o da autoridade . o mtodo adotado por uma instituio ou estado, sendo particularmente adotado pela igreja catlica e pelas demais religies institucionalizadas, bem como por qualquer sociedade aristocrata ou que tenham por objetivo a perpetuao de certas proposies, por serem fundamentais manuteno de seu poder.

    Peirce enumera diversas tcnicas associadas a este mtodo tradicionalmente utilizadas pelos seus adeptos:

    Enunciar as doutrinas corretas e reiter-las constantemente aos seus membros; Ensin-las aos mais jovens; Procurar manter a dvida sobre essas doutrinas sempre longe dos homens, de tal

    maneira que no haja nenhum motivo para que eles pensem de forma diferente da que lhes foi ensinada;

    Incutir nos indivduos crenas ntimas to fortes de tal forma que reajam com horror a qualquer manifestao contrria a elas;

    Garantir atravs da fora que nenhuma outra doutrina incompatvel com a oficial seja ensinada ou expressa publicamente, podendo inclusive haver uma punio a quem assim o faa: pode ser uma punio legal ou simplesmente uma punio natural, advinda da doutrinao dos cidados; o perodo da inquisio parece ser propriamente um exemplo extremo do uso da fora deste mtodo;

    Segundo Peirce, este o mtodo que sustentou por um longo tempo diversas das mais bem-sucedidas sociedades da histria humana, em matria de poder e de longevidade. Exemplos de civilizaes que a usaram com sucesso foram o Sio, Egito e povos europeus. Assim sendo, muito mais efetivo do que o mtodo da tenacidade. Alm de ser, conforme Peirce coloca, o melhor mtodo para a maioria absoluta da humanidade, uma vez que se o maior impulso da massa da humanidade o de ser escravos intelectuais, ento escravos eles devero permanecer. Neste contexto, seria interessante que se discutisse a possibilidade da posio de Peirce sobre o projeto kantiano-iluminista da autonomia intelectual do homem, atravs do qual ele poderia sair do seu estado de minoridade tarefa que escaparia ao escopo deste trabalho.

    Um comentrio importante a respeito desse mtodo que as doutrinas adotadas pelas instituies, se observadas ao longo do tempo, acabam sofrendo alteraes. Porm, elas so to tnues e distribudas no tempo, que um indivduo dificilmente seria capaz de localiz-las e identific-las.

  • Henrique Hissataka

    COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrnica de Filosofia, So Paulo, Volume 3, Nmero 1, p. 054 - 064, TEXTO 06/3.1, janeiro/junho, 2006 60

    Ainda assim, mesmo em tais sociedades, impossvel de se controlar o pensamento de todos os indivduos, sempre existindo alguns que acabam tendo condies de comparar a condio da sociedade na qual eles vivem com a de outras pocas ou pases. Atravs de uma mera reflexo ao se compararem os valores fundamentais, tal indivduo seria capaz de questionar a superioridade destes valores sobre todos os outros adotados no mundo - resultando em uma dvida. Assim, este mtodo, apesar de sua superioridade sobre o mtodo da tenacidade, mostra-se portador de uma limitao intrnseca.

    O terceiro mtodo descrito o a priori, que a contraposio ao mtodo da autoridade, medida que prope que no se devem adotar crenas impostas por outrem. Somente se poderia adot-las aps um processo a priori de definio de crenas, da seguinte forma: deixe-se que as preferncias naturais ajam desimpedidas, ento, e sobre suas influncias, permita-se que os homens, interagindo e discutindo conjuntamente sobre questes sob diferentes ngulos, gradualmente construam crenas em harmonia com as causas naturais12. O mais perfeito exemplo deste mtodo so os encontrados na filosofia metafsica, adotados especialmente porque so agradveis razo, mas no significando que concordam com a experincia, mas com aquilo a que estamos naturalmente inclinados a acreditar13.

    O problema com este mtodo, apesar de ser intelectualmente mais consistente do que os anteriores, que a adoo de uma ou outra corrente metafsica parece depender simplesmente do gosto pessoal ou de uma poca, uma vez que freqentemente h uma mudana da corrente adotada pelos filsofos do mundo. Este mtodo no a prova de dvidas uma vez que o estabelecimento de uma crena depende da natureza biolgica humana ou da cultura de uma poca, sendo assim to legtima no que concerne sua adoo quanto o mtodo da autoridade. No h nada que garanta que, se adotado o mtodo a priori, que ele seja superior a qualquer outro; sempre haver um resqucio de dvida sobre a sua legitimidade. Peirce est procurando por um elemento mais rigoroso e permanente para legitimar o mtodo ideal de fixao das crenas.

    Uma vez que os trs mtodos anteriores no resolvem o problema da dvida humana, um quarto mtodo, o cientfico, ser proposto de tal forma que as crenas sejam determinadas por nada humano, mas por algo com uma permanncia externa algo sobre o qual o nosso pensamento no tivesse nenhum efeito14, fugindo-se assim da origem dos problemas dos mtodos anteriores. Por permanncia externa, Peirce est pensando na realidade como aquilo que no o que eventualmente dele pensamos, mas que permanece no afetado pelo que possamos dele pensar15. Tal permanncia no possvel nos outros mtodos, que sempre acabam dependendo do pensamento humano para estabelecer qualquer crena.

    Alm disso, outro requisito para o mtodo seria o da objetividade: todo ser humano dever ser capaz de atingir esta crena. Como coloca Peirce:

    H coisas Reais, cujas caractersticas so totalmente independentes de nossas opinies sobre elas; aquelas realidades afetam nossos sentidos de acordo com leis regulares e, apesar de nossas sensaes serem diferentes bem como nossas relaes com os objetos, ainda assim, tirando vantagem das leis da percepo, ns podemos verificar pela razo como as coisas realmente so; e qualquer homem,

    12 CP 5.382 13 Ibidem 14 CP 5.384 15 Cf Ivo Assad Ibri, Ksmos Nots, pgina 25, Editora Perspectiva, So Paulo

  • Peirce e a banalidade do mal

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    se tiver experincia e razo suficiente sobre isso, ser levado a essa concluso Verdadeira.16

    Assim sendo, supondo que haja uma Realidade tal como Peirce a coloca, diversas leis (regularidades) podero ser apreendidas pelo homem; mais do que isso, a objetividade do conhecimento ser possvel, dado que qualquer homem poder ter acesso a elas, chegando a uma nica concluso Verdadeira.

    Este o mtodo que Peirce endossa e que satisfaz os critrios que ele espera de um mtodo de estabelecimento de crenas, apesar de colocar condies nas quais os outros mtodos possam ter at certas vantagens sobre o da cincia.

    Peirce e Eichmann

    A partir dos conceitos extrados do artigo A fixao das crenas, pode-se tentar entender o problema da banalidade do mal sob a tica da teoria peirceana, enriquecendo a compreenso da resposta arendtiana questo. H diversas aproximaes de conceitos entre o pensamento de Peirce e de Arendt que surgem ao longo da comparao, bem como complementaridades, que permitem que se monte um cenrio mais abrangente do problema.

    Eichmann parece ser um espcime exemplar do homem submetido ao segundo mtodo, o da Autoridade. Pode-se pensar que a sociedade nazista forneceu-lhe determinados valores, que se tornaram suas crenas, sobre as quais em momento algum ele questionou, adotando-as, e, principalmente, agindo de acordo com elas sem restrio alguma. o exemplo paradigmtico, mas extremado, do homem pertencente massa da humanidade cujo maior impulso a busca pela escravido intelectual, pela submisso s regras de pensamento impostas de fora.

    Em termos gerais, pode-se afirmar que a sociedade nazista corresponde s organizaes descritas por Peirce, com nfase na educao dos mais jovens na doutrina, no processo de propaganda poltica e manipulao da populao para que seguissem os ideais nazistas, bem como no processo de represso a quem quer que pensasse de forma contrria. Pode-se at extrapolar essas comparaes e tentar se aprofundar nas correlaes entre o conceito de totalitarismo de Hannah Arendt e o pensamento de Peirce, buscando em outros textos desses autores mais elementos que possibilitassem tais comparativos. Mas tais associaes bastam para caracterizar, ao menos inicialmente, uma aproximao desses elementos neste contexto.

    A questo fundamental de onde provm a banalidade do mal pode-se considerar respondida por Peirce: simplesmente pela capacidade que Eichmann possua de se submeter autoridade do governo nazista e sua incapacidade de ter dvidas quanto forma de agir, mesmo ante a fatos extraordinariamente terrveis, mantendo-se fiel a princpios que levaram milhares de pessoas morte.

    Dentro do pensamento de Peirce, h duas formas de se explicar essa capacidade de ser incapaz de ter dvidas: a cristalizao da mente ou a uma capacidade de fugir verdade. Naturalmente, as duas explicaes so prximas, podendo-se pensar perfeitamente bem que a atitude de Eichmann poderia ser uma composio de ambas.

    A cristalizao da mente est associada categoria de Peirce da terceiridade. Eichmann pode ser considerado um ser monstruoso no por sua monstruosidade intrnseca, no por seus atributos faustianos ou luciferianos, mas por ser um monstro em um sentido peirceano: um homem to preso a seus hbitos, escravo de convices 16 CP 5.384

  • Henrique Hissataka

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    impostas e sem conscincia daquilo que faz, que incapaz de questionar e adquirir novos hbitos. Certamente Peirce concordaria que algum to incapaz de medir a extenso de suas aes e de adotar to passivamente um conjunto de crenas impostas externamente de forma to perfeita quanto Eichmann s poderia ser qualificado dessa forma - um monstro.

    Nesta linha de raciocnio, Ibri coloca:17 O sentido da aprendizagem, de sntese, de ampliao e aperfeioamento dos conceitos o significado prprio da evoluo, concebvel, apenas, se o carter mental da conscincia tiver a plasticidade necessria para crescer, rompendo com velhos hbitos que se consumam como inadequados vivacidade e dinmica do nosso prprio existir.

    Eichmann contraria este carter de aprendizagem, possuindo uma plasticidade mental nula e, assim, uma srie de hbitos rgidos, sendo incapaz de romper com eles.

    J a capacidade de fuga verdade descrita por Peirce da seguinte forma: A pessoa que aceita a existncia de algo como a verdade, que se distingue da falsidade simplesmente pelo seguinte, que caso se aja em acordo com ela deve-se, se levada s ultimas conseqncias, levar-nos ao ponto que miramos e no longe dele, e ento, apesar de convencida disso, no se atreve a conhec-la e procura fugir dela, est certamente em um estado mental lamentvel18. Estar preso neste estado mental lamentvel uma possvel explicao para o comportamento de Eichmann de nunca questionar o que fazia, de nunca possuir dvidas sobre isso. O surgimento da dvida fundamental para Peirce, pois o lado ativo dela que possibilita a estimulao da inquirio at que ela seja destruda nunca possuir dvida uma condio suficiente para a manuteno da condio eichmanniana.

    Concluso: Peirce e Hannah Arendt

    interessante ressaltar que, para Hannah Arendt, a dvida gerada pela atividade do pensar, que estimula a atividade do conhecer. Assim sendo, a inquirio decorrente do surgimento de uma dvida que Peirce prope nesse sentido anlogo ao pensar arendtiano. Porm, a inquirio peirceana no possui a pretenso de busca de sentido, que o pensar arendtiano possui. Por outro lado, parece haver uma diferena especialmente no ponto de parada de cada um dos processos: enquanto a inquirio se contenta com o estabelecimento de uma nova crena, o pensar arendtiano mais inquieto, pois aps o estabelecimento de um sentido, acabar por haver a destruio dele e pela substituio por outro. O ponto fundamental a se comparar acaba por deslocar-se para qual seria a correlao entre a crena de Peirce e o sentido de Arendt, bem como at que ponto a busca constante por novos sentidos no estaria relacionado ao princpio falibilista de Peirce. A meu ver, a diferena principalmente conceitual: o pensar arendtiano assim por sua prpria natureza intrnseca; ao passo que a crena peirceana levada a se modificar por um processo de dvida e inquirio a que acaba sendo levado pelas experincias a que o homem est sujeito no mundo, sendo o falibilismo um princpio tico / epistemolgico com relao a qualquer crena estabelecida, uma vez que o homem incapaz de distinguir uma verdade final de uma verdade psicolgica.

    Um elemento enriquecedor que o problema de Eichmann traz ao texto de Peirce a ilustrao histrica do seu mtodo da autoridade, bem como mostra um exemplo

    17 Cf Ivo Assad Ibri, Ksmos Nots, pgina 60, Editora Perspectiva, So Paulo 18 CP 5.387

  • Peirce e a banalidade do mal

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    paradigmtico de quais so os efeitos, no limite, de um escravo da opinio alheia. Alm disso, possvel de se extrair da filosofia de Peirce fundamentos para se pensar o problema da filosofia poltica, que em debates normalmente se restringem a poucos filsofos. Por exemplo, uma questo interessante de ser feita e que essa comparao enseja : uma sociedade que se balizasse pelo mtodo cientfico peirceano estaria imune ao pensamento nazista, impossibilitando que seus possveis Eichmanns dessem vazo aos seus potenciais destrutivos, caracterizados pela sua imensa capacidade de no pensar na conseqncia do que fazem?

    O problema com as crenas relacionam-se em grande parte com a aquisio delas, e em outra parte na perda delas. A insistncia na manuteno de algumas pode levar, em um caso mais extremado, a comportamentos como os de Eichmann.

    A condio humana um estado que oscila entre a necessidade da formao de hbitos e crenas e a necessidade da quebra deles. Caso no sejam formados, a vida humana impossvel; a impossibilidade da formao de hbitos um horror. Mas caso as crenas se cristalizem, a vida humana se acaba; o homem torna-se aquilo que Fernando Pessoa qualificou de um cadver adiado:

    Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que o homem Mais que a besta sadia, Cadver adiado que procria?19

    A loucura pode ser interpretada metaforicamente como o elemento que permite a quebra das crenas, que acabar por gerar uma dvida, uma inquirio, que por fim resultar em uma nova crena, uma nova forma de agir, um novo hbito. Em termos das categorias peirceanas, seria o elemento do caos da primeiridade. Sem isso, o homem no um homem: uma coisa, um objeto, um cadver que anda.

    Por outro lado, a loucura generalizada exemplificada pelo comportamento policial ante a populao das favelas do Rio de Janeiro leva a uma impossibilidade de um estabelecimento de qualquer forma de conduta, que um estado horrvel ao ser humano. Nem tanto a loucura, nem tanto os hbitos cristalizados o caminho humano digno parece estar entre esses extremos.

    Enfim, com os elementos retirados do pensamento de Peirce permitiram uma releitura do problema levantado com Hannah Arendt, levantando algumas diversas questes que eventualmente poderiam ser explorados com maior profundidade que levariam certamente a mais insights sobre o trabalho dos dois autores.

    19 Fernando Pessoa, Mensagem, D. Sebastio, Rei de Portugal, Obra Potica, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976

  • Henrique Hissataka

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    Referncias:

    ARENDT, Hannah. (2002) A Vida do Esprito. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumar

    AGUIAR, Odlio Alves (2002) O espectador como metfora do filosofar em Hannah Arendt. Transpondo o abismo Hannah Arendt entre a filosofia e a poltica. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitria.

    IBRI, Ivo Assad (1992) Ksmos Notos: A arquitetura metafsica de Charles S. Peirce. So Paulo: Perspectiva/Hlon.

    MISAK, Cheryl (2002) C.S Peirce on Vital Matters, Cognitio: Revista de Filosofia N 3, So Paulo: EDUC.

    PEIRCE, C.S. Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Ed. By: C. Hartshorne & P.Weiss (V. 1-6); A. Burks (v. 7-8). Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931-58. 8v; referido no texto como CP.

    SOARES, Luiz Eduardo et al (2005), Cabea de Porco, So Paulo: Objetiva.

    PESSOA, FERNANDO. Mensagem. Obra Potica. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.