239
COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE COGNITIVA E DA DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO KATHIA MARISE BORGES SALES Salvador 2013

COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE COGNITIVA E DA DIFUSÃO SOCIAL

DO CONHECIMENTO

KATHIA MARISE BORGES SALES

Salvador 2013

Page 2: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

KATHIA MARISE BORGES SALES

COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE

COGNITIVA E DA DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento da Universidade Federal da Bahia – DMMDC, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Difusão do Conhecimento.

Orientador: Profº Drº Dante Augusto Galeffi

Salvador 2013

Page 3: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592

Ficha Catalográfica

Sales, Kathia Marise Borges Cognição em ambientes com mediação telemática: uma proposta metodológica para análise cognitiva e da difusão social do conhecimento / Kathia Marise Borges Sales . - Salvador, 2013. 241f. Orientador: Dante Augusto Galeffi. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia. 2013. Contém referências e anexos.

1. Teoria do conhecimento (Epistemologia). 2. Tecnologias da informação. 3. Cognição. 4. Telemática. 5. Comunicação - Inovações tecnológicas. I. Galeffi, Dante Augusto. II. Universidade Federal da Bahia. . CDD: 121

Page 4: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

TERMO DE APROVAÇÃO

KATHIA MARISE BORGES SALES

COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE COGNITIVA E DA

DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO

Tese aprovada como requisito para obtenção do título de Doutora em Difusão do Conhecimento, Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Educação, pela seguinte banca examinadora:

Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi ________________________________________________ Universidade Federal da Bahia - UFBA Profª. Dra. Teresinha Fróes Burnham ____________________________________________ Universidade Federal da Bahia - UFBA Prof. Dr. Roberto Sidnei Alves Macedo ___________________________________________ Universidade Federal da Bahia - UFBA Prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Junior ___________________________________________ Universidade do Estado da Bahia - UNEB Prof. Dr. Alfredo Eurico Rodrigues Matta _________________________________________ Universidade do Estado da Bahia - UNEB Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho ________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Salvador, 15 de março de 2013.

Page 5: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

DEDICATÓRIA

A meus pais, Eduardo e Mariza, o início.

A minhas filhas, Fernanda e Karolina, o desdobramento da vivência do amor.

Page 6: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

AGRADECIMENTOS

A Deus e à Espiritualidade Superior, fonte permanente de Luz e Energia nesta minha trajetória no Plano Terreno.

A meus pais, Eduardo e Mariza, por me darem a Vida, em tantos e todos os momentos que os

busco, convivo, aprendo, recebo, troco com eles a energia vital do amor incondicional.

A meus irmãos, Rose e Dudu, amor fraterno e certeza de acolhimento e pertença.

A minhas filhas, Fernanda e Karolina, vivência de amor indescritível, aprendizado permanente, fonte infinita de energia.

Aos meus amigos, parceiros de alegrias, descobertas, angústias e aprendizados.

À Universidade do Estado da Bahia – UNEB, por todas as oportunidades de crescimento,

formação e reconhecimento.

Aos colegas do DMMDC, do Grupo CAOS e do Grupo EPISTRANSCOMPLEX por todas as trocas e construções coletivas.

Aos docentes do DMMDC, Dante Galeffi, Terezinha Fróes, Roberto Sidney, Arnaud Lima

Junior, Miguel Bordas e Eduardo Oliveira pela contribuição a esta Tese e ao meu processo de formação acadêmica.

Page 7: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

Ao Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi

Um intenso sentimento de respeito, admiração e gratidão me impulsiona a registrar neste documento a experiência de orientação que vivenciei com o professor Dante.

A verdadeira sabedoria, que une conhecimento, humildade e respeito pelo outro, caracteriza as relações por ele construídas. Grande Filósofo, cientista, pesquisador, mas acima de tudo HUMANO! Com uma inesgotável capacidade de ouvir, inclusive para além do que é dito,

olha nos olhos, preocupa-se verdadeiramente com as pessoas, em atitude de respeito e cuidado.

Orienta sem direcionar, sem nunca impor, atropelar ou conduzir. É parceiro no processo autônomo de construção do orientando. Sugere, critica, elogia, apoia, sempre com muito

respeito pelo saber do outro, pelas escolhas do outro.

Educador, amigo, exemplo. MUITO OBRIGADA!

Page 8: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

RESUMO

Compreendendo que a investigação sobre a Difusão Social do Conhecimento no contexto contemporâneo implica em problematizar a própria concepção de conhecimento e reconhecer a singularidade dos sujeitos em seus processos cognitivos de construção e elaboração do conhecimento, este trabalho propõe um olhar complexo e multirreferencial para a Difusão Social do Conhecimento, investigando-a em suas relações com os potenciais, implicações e funções dos processos cognitivos, na perspectiva de que, é no interior destes que a Difusão efetivamente ocorre, em sua trama psicológica, sociocultural, política etc., relacionando-se de modo fundamental com a autonomia e o papel ativo do sujeito. O olhar sobre a Difusão do Conhecimento está aqui posto no sujeito e na forma como este percebe, interage, atua, constrói o conhecimento em busca contínua pela conservação da autopoiese (MATURANA e VARELA), experienciando a construção do autoconhecimento em sua forma singular de ser-aparecendo-desaparecendo (GALEFFI) e na constante busca pela Libertação, que só se alcança através da Conscientização (FREIRE). Tendo como objetivo a investigação dos processos cognitivos que ocorrem em ambientes com mediação telemática, buscando identificar características singulares comuns a estes ambientes, desenvolve uma Metodologia específica para Análise Cognitiva em contextos telematicamente mediados, que possibilite o estudo e acompanhamento destes processos, considerando os sujeitos em sua singularidade e reconhecendo a dimensão política presente nas interações e produções humanas. Compreende o escopo desta investigação, elaborações teóricas sobre os campos conceituais: Conhecimento, Cognição, Ambientes telemáticos / TIC contemporâneas e Difusão Social do Conhecimento, pautando-se na perspectiva complexa, multirreferencial e polilógica de ciência e conhecimento científico, que se exercita como construção humana de uma sociedade implicada com a afirmação da diversidade e a busca da equidade. Palavras-chaves: Cognição, Ambientes com mediação telemática, Análise Cognitiva e Difusão social do Conhecimento.

Page 9: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

ABSTRACT

Understanding that research on the Social Diffusion of Knowledge in the contemporary context implies questioning the very concept of knowledge and recognizing the uniqueness of individuals in their cognitive processes of construction and development of knowledge, this work proposes a complex and multifaceted look for Social Diffusion Knowledge, investigating it in its relations with the potentials, implications and functions of cognitive processes, from the perspective that it is within these that the diffusion occurs effectively in its psychological, socio-cultural, political plots, relating in a fundamental way to the autonomy and the active role of the subject. The look on the Diffusion of Knowledge is here put in the subject and how it perceives, interacts, operates, builds knowledge in continuous search for the conservation of autopoiesis (Maturana and Varela), experiencing the construction of the self in its singular form to be -appearing-disappearing (Galeffi) and the constant quest for liberation, which can only be achieved through awareness (Freire). Aiming to investigate the cognitive processes that occur in environments with telematics mediation, seeking to identify unique characteristics common to these environments, develops a specific methodology for Cognitive Analysis in telematically mediated contexts, enabling the study and monitoring of these processes, considering the subject in its uniqueness and recognizing the political dimension present in human interactions and productions. Comprises the scope of this research, theoretical elaborations on the conceptual fields: Knowledge, Cognition, Environments Telematics / contemporary ICT and Social Diffusion of Knowledge, basing on the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human construction a society involved with the affirmation of diversity and the pursuit of fairness. Keywords: Cognition, telematics environments with mediation, Cognitive Analysis and Dissemination of Knowledge social.

Page 10: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

RESUMEN

Comprendiendo que la investigación sobre Difusión Social de Conocimiento, en el contexto contemporáneo, implica problematizar la propia concepción de conocimiento y reconocer las singularidades de los sujetos en relación con los procesos cognitivos de construcción y elaboración de conocimiento este trabajo propone una mirada compleja y multireferencial. Para ello, investiga las relaciones con las potencialidades, implicaciones y funciones de los procesos cognitivos en el entendido que es en el interior de éstas donde efectivamente ocurre la Difusión, en el entramado psicológico, socio-cultural, político, etc, relacionado de manera fundamental con la autonomía y el papel activo del sujeto. La mirada sobre Difusión de Conocimiento está puesta en el sujeto y en la forma como él lo percibe, interactúa, actúa, y construye conocimiento en una búsqueda permanente por la conservación de la autopoiésis (MATURANA e VARELA), experimentando la construcción de conocimiento en la forma particular de ser-apareciendo-desapareciendo (GALEFFI) y en la constante exploración de la libertad que sólo alcanza a través de la concientización (FREIRE), teniendo como objetivo la investigación de los procesos que ocurren en los ambientes con mediación telemática, buscando identificar características singulares que sean comunes en estos ambientes, desarrolla una metodología específica para el Análisis Cognitivo en contextos mediados telemáticamente para permitir el estudio y acompañamiento de los mismos, considerando la singularidad de los sujetos y reconociendo la dimensión política presente en las interacciones y las producciones humanas. El objeto de esta investigación comprende elaboraciones teóricas sobre los campos conceptuales: Conocimiento, Cognición, Ambientes Telemáticos / TIC, Difusión Social de Conocimiento, ubicada en el enfoque complejo, multireferencial y polilógico de la ciencia y conocimiento científico que se ejercita como construcción humana de una sociedad comprometida con la afirmación de la diversidad y la búsqueda de la equidad.

Palabras claves: Cognición, Ambientes con mediación telemática, Análisis Cognitivo y Difusión Social de Conocimiento.

Page 11: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Momentos das Ciências da Cognição Capítulo I, p. 37

Figura 2 - Causalidade Global Capítulo III, p. 118

Figura 3 - Processos Cognitivos nucleares na Analítica da Difusão Social do Conhecimento

Capítulo IV, p. 140

Figura 4 - Modelo de Representação Gráfica – Fase II Capítulo V, p. 171

Figura 5 - Modelo de Representação Gráfica – Fase III Capítulo V, p. 173

Figura 6 - Sequência de participações em Fórum de Discussão Capítulo VI, p. 177

Figura 7 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva I Capítulo VI, p. 178

Figura 8 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva II Capítulo VI, p. 183

Figura 9 - Exemplo 1 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 188

Figura 10 – Exemplo 2 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 189

Figura 11 - Exemplo 3 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 191

Figura 12 - Exemplo 4 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 192

Figura 13 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva III Capítulo VI, p. 194

Figura 14 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva IV Capítulo VI, p. 205

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Matriz para Análise Cognitiva Telematicamente Mediada Capítulo V, p. 146

Quadro 2 - Categorias Estruturantes Capítulo V, p. 147

Quadro 3 - Modelo para identificação do contexto de Interação Cognitiva - Fase I

Capítulo V, p. 168

Quadro 4 - Interface / Categorias / Referencial Teórico - Fase III Capítulo V, p. 172

Quadro 5 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Curso de Licenciatura em Matemática a distância

Capítulo VI, p. 176

Quadro 6 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Discussão entre especialistas em um grupo temático no Facebook

Capítulo VI, p. 181

Quadro 7 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Interação decorrente de Campanhas de Mobilização social

Capítulo VI, p. 186

Quadro 8 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Chat em disciplina ofertada na modalidade semipresencial

Capítulo VI, p. 199

Page 12: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAA - Ambiente Atual de Aprendizagem Capítulo III, p. 106

AV - Ambientes Virtuais Introdução, p. 28

AVA - Ambiente Virtual de Aprendizagem Introdução, p. 22

CAOS - Conhecimento, Análise Cognitiva, Ontologias e Socialização Introdução, p. 20

DMMDC - Programa de Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento

Introdução, p. 17

DSC - Difusão Social do Conhecimento Capítulo II, p. 83

EAD - Educação a Distância Introdução, p. 16

EsD - Educação sem Distância Introdução, p. 29

FAPESB - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia Introdução, p. 16

MEC - Ministério da Educação do Brasil Introdução, p. 16

PPGEDUC - Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade

Introdução, p. 19

SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

Introdução, p. 16

TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação Introdução, p. 16

UAB - Universidade Aberta do Brasil Introdução, p. 18

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Introdução, p. 16

UFBA - Universidade Federal da Bahia Introdução, p. 17

UFSC - Universidade Federal da Santa Catarina Introdução, p. 16

UNEB - Universidade do Estado da Bahia Introdução, p. 16

ZDP - Zona de Desenvolvimento Proximal Capítulo I, p. 46

Page 13: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 16 CAPÍTULO I - PROCESSOS COGNITIVOS, CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO, SUJEITO COGNOSCENTE: MÚLTIPLOS OLHARES Apresentação ......................................................................................................................... 33 1. Ciências da Cognição ........................................................................................................ 34 2. Psicologia Cognitiva: Piaget, Bruner, Vygotsky e Wallon ............................................ 38

2.1. RELAÇÃO SUJEITO X OBJETO (MUNDO, CONTEXTO) – INTERAÇÃO SOCIAL ......................................................................................................................... 38 2.2. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM ..................................................... 41 2.3. MEDIAÇÃO SIMBÓLICA E LINGUAGEM ....................................................... 50 2.4. EMOÇÃO E COGNIÇÃO ..................................................................................... 54

3. O olhar da Biologia da Cognição: Maturana e Varela .................................................. 57 4. Um olhar sociopolítico: Paulo Freire .............................................................................. 62 CAPÍTULO II - CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO E CONHECIMENTO DO DESCONHECIMENTO: REVISITANDO CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS Apresentação ......................................................................................................................... 68 1. A Incerteza e a Crise do Conhecimento Científico ........................................................ 68 2. Princípios de uma nova forma de compreensão do Conhecimento .............................. 74 3. Diálogos e Releituras sobre as perspectivas fundantes desta nova compreensão do Conhecimento ........................................................................................................................ 79 4. Difusão Social de Conhecimento e Modelagem Cognitiva: o lugar fundamental do dinamismo do sujeito epistêmico e subjetivo ...................................................................... 82

4.1. MODELAGEM COGNITIVA: ALÉM DO TECNICISMO E AS CONSTRUÇÕES DO SUJEITO EPISTÊMICO E SUBJETIVO .............................................................. 83 4.2. ANÁLISE COGNITIVA E A VALIDAÇÃO DE MODELOS - PRETENSÃO E CONTRASSENSO ........................................................................................................ 88 4.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 92

CAPÍTULO III - AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL/POTENCIAL, MEDIAÇÃO TELEMÁTICA E DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO Apresentação ......................................................................................................................... 96 1. Tecnologias e Digital: A Relação Homem-Máquina na Contemporaneidade ............. 96

Page 14: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

2. Realidade, Virtualidade, Presença e Espaço-Tempo – Compreensões e implicações 101 2.1. REAL, ATUAL E VIRTUAL – concepções e demarcações teóricas ................ 101

3. Tudo o que é Real é também Virtual, e tudo o que é Virtual é Real - considerações sobre a Temporalidade Mediada Telematicamente na Educação Contemporânea ..... 105

3.1. O TEMPO – POR ONDE COMEÇAR? .............................................................. 107 3.2. DO TEMPO À TEMPORALIDADE HUMANA E SUAS EKSTASES .............. 109 3.3. O TERCEIRO COMO MEDIADOR INTELIGENTE DO MÁXIMO ............... 113 ANTAGONISMO DA MATÉRIA-ENERGIA EM TODOS OS SEUS PLANOS DE REALIDADE – QUANDO O VIRTUAL É TAMBÉM REAL E O REAL É VIRTUAL 3.4. A PRESENÇA ENQUANTO EXPERIÊNCIA TEMPORAL NEUROPSÍQUICA RESIGNIFICANDO A COMPREENSÃO DE DISTÂNCIA NOS PROCESSOS EDUCATIVOS MEDIADOS TELEMATICAMENTE ............................................. 117 3.5. POR QUE NÃO CONCLUIR? ............................................................................ 119

CAPÍTULO IV - COMPONDO UMA REDE MULTIRREFERENCIAL PARA COMPREENSÃO DOS PROCESSOS COGNITIVOS Apresentação ....................................................................................................................... 122 1. A Cultura e os atos mentais ............................................................................................ 123

1.1. CONSIDERAÇÕES DE GERTZ SOBRE A PRODUÇÃO DE BRUNER ......... 123 1.2. DIALOGANDO SOBRE A CULTURA COM VYGOTSKY E FREIRE .......... 125

2. Psicologia Cognitiva e Biologia da Cognição – diálogos possíveis .............................. 129 3. Quatro Conceitos Fundantes da Teoria de Paulo Freire e sua apropriação em uma Epistemologia da Difusão Social do Conhecimento ......................................................... 135

3.1. APROPRIAÇÃO DOS CONCEITOS ESTRUTURANTES ............................... 135 3.2. ELABORAÇÕES CONCLUSIVAS .................................................................... 141

CAPÍTULO V - A ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA: CONCEITOS, INTERFACES E METODOLOGIA Apresentação ....................................................................................................................... 144 1. Conceitos e Interfaces ..................................................................................................... 147

1.1. CATEGORIAS ESTRUTURANTES .................................................................. 147 1.2. INTERFACES PARA ANÁLISE ........................................................................ 150

2. Metodologia ..................................................................................................................... 167

2.1. FASES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA .......................................................................... 167

CAPÍTULO VI - DEMONSTRANDO/DESMONTANDO A ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA – EXERCÍCIOS E EXPERIMENTAÇÕES Apresentação ....................................................................................................................... 174 1. Demonstrações de Análise Cognitiva Telematicamente Mediada – Exercícios e Experimentações ................................................................................................................. 176

Page 15: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

1.1 CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA OFERECIDO NA MODALIDADE À DISTÂNCIA ................................................................................ 176 1.2. DISCUSSÃO ENTRE ESPECIALISTAS EM UM GRUPO TEMÁTICO NO FACEBOOK ................................................................................................................ 181 1.3. INTERAÇÃO DECORRENTE DE CAMPANHAS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL DESENVOLVIDAS ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS ......................................... 186 1.4. DISCIPLINA OFERECIDA NA MODALIDADE SEMIPRESENCIAL EM CURSO PRESENCIAL DE GRADUAÇÃO .............................................................. 199

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 212 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 223 ANEXO A - Chat na Íntegra ................................................................................................ 228

Page 16: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

16

INTRODUÇÃO

1. A pesquisadora e a pesquisa: situando caminhos e contextos

Coerentemente com a concepção epistemológica que pauta este trabalho de Tese, sinto a

necessidade de situar o leitor no percurso que desenvolvi para atingir o resultado que agora

apresento, bem como o meu percurso anterior e paralelo ao processo formal de doutoramento,

igualmente implicado na produção, nos caminhos e opções que a construíram.

Segundo Ardoino (2003), as implicações são parte integrante dos objetos de conhecimento,

“(...) é, fenomenologicamente falando, aquilo pelo qual nós nos apegamos profundamente à

existência, e, por conseguinte, àquilo que nós fazemos para nos realizar. (...)” (p. 39). Para

este autor, tradicionalmente considerada como escória ou obstáculo ao crescimento, que

deveria ser reduzida senão eliminada pelo rigor metodológico, a implicação precisa ser

considerada como uma riqueza específica ou até uma modalidade original do conhecimento.

Meu interesse e estudos sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em sua

relação - à época - com a educação veio junto com Mestrado (2000 a 2002 / Engenharia de

Produção – Área de Mídia e Conhecimento / UFSC), e a dissertação na qual desenvolvi, em

forma de estudo de caso, a avaliação de um curso realizado na modalidade EaD . Em seguida,

dois Projetos que coordenei como docente pesquisadora na Universidade do Estado da Bahia

(UNEB): 1) Estudo com egressos dos cursos de Licenciatura, financiado pela FAPESB e 2)

Programa AFROUNEB, financiado pela SECAD/MEC, me oportunizaram amadurecer as

reflexões sobre os impactos e potencialidades da emergência das Tecnologias da Informação e

Comunicação, especialmente a partir da web, tendo discutido/publicado neste período sobre

temáticas correlatas como: as possibilidades metodológicas para a formação de professores

utilizando a modalidade de Educação a Distância (EaD), a inserção das mídias na prática

pedagógica, a inclusão digital do docente, o espaço virtual na gestão e difusão de

conhecimento em rede, entre outros.

Em paralelo, os estudos sobre a cognição sempre estiveram presentes na minha atuação como

docente no ensino superior, desde que ingressei na UNEB, em 1996, concursada para a área

de Psicologia da Educação. Tendo feito Formação em Psicopedagogia, cursado

Especialização em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem, pela Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia (UESB) e lecionando componentes curriculares desta área, em diversos

Page 17: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

17

cursos de Licenciatura da Universidade, aprofundei meus estudos na área da psicologia

cognitiva, trabalhando em especial com Ausubel, Piaget, Vygotsky e Wallon, além de outros

aportes necessários à contextualização da área para os licenciandos, a exemplo de Skinner e

Rogers, até Freud e Paulo Freire.

Na busca pela construção do Projeto de Doutorado, destaco a relevância da participação em

grupos de pesquisa e a vivência como aluna especial em disciplinas dos Programas de Pós-

graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da UNEB,

oportunidades nas quais sistematizei e contextualizei os estudos que realizava isoladamente

como docente na graduação, resignifiquei minha perspectiva sobre o conhecimento,

aproximando-me ao Pensamento Complexo e à Multirreferencialidade, aprofundando ainda

reflexões e aporte teóricos para a discussão das TIC em educação, ambientes com mediação

telemática e EaD.

Neste caminho, cheguei ao Programa de Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em

Difusão do Conhecimento (DMMDC) com uma proposta de Pesquisa ainda muito

disciplinarmente vinculada à área de educação, carecendo ampliar-se para a

multidisciplinaridade e tornar-se de fato uma pesquisa da área de Difusão do conhecimento, o

que constituiu minha tarefa e desafio no primeiro ano do Doutorado. No projeto original era

meu problema de pesquisa:

Que princípios teórico-metodológicos pautam os cursos da formação docente a

distância, a partir da presença das TIC? Que outras formas de conhecimento

emergem desta experiência formativa e que potencial trazem para a geração e

difusão do conhecimento e para alterações nos paradigmas que têm dado sustentação

à ação e à formação docente?

As disciplinas cursadas como aluna regular do DMMDC representaram um mergulho em um

novo universo. Não apenas as temáticas formalmente colocadas nos Planos de curso e as

intervenções sistemáticas dos docentes, mas especialmente a construção colaborativa de

conhecimento em um grupo multidisciplinar como a turma com a qual ingressei em 2009,

foram um marco, um verdadeiro “divisor de águas” na só na construção da minha Tese, mas

na minha identidade como pesquisadora.

No curso das diferentes disciplinas fui abrindo o leque de olhares sobre os conceitos e

fenômenos que até então eu tinha como “simples”, definidos, claros:

Page 18: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

18

a) Em “Epistemologia e Construção do Conhecimento” iniciei uma aproximação real ao

campo da epistemologia, ao tempo em que resignifiquei crenças e perspectivas até então

alimentadas sobre o conhecimento, a ciência, a verdade, a realidade, fazendo então, de forma

mais consciente, a opção pelo caminho da Multirreferencialidade e da Complexidade na

minha pesquisa de Doutorado.

b) A disciplina “Infoeducação e Educação a Distância” provocou o olhar complexo e crítico

sobre a EaD, que neste momento era uma prática já rotineira em minha atuação profissional.

Fazendo parte do então grupo de gestão da EaD na UNEB, mas em verdade apenas

implantando o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) nesta Universidade, foi

extremamente “desequilibrador” – na perspectiva Piagetiana - vivenciar as reflexões e

experimentações desta disciplina, fundadas no aporte teórico colaborativamente partilhado

pelo grupo, e trocando experiências com colegas atuantes em diversos outros projetos de EaD.

c) As disciplinas “Sistemas Complexos” e “Sistemas de Representação do Conhecimento”,

representaram grandes desafios para uma pessoa com toda sua formação na área das Ciências

Humanas. O uso de conceitos, teorias e atividades da área de exatas – em especial da física e

da computação – foi em muitos momentos sofrido, gerando até mesmo uma grande resistência

interna ao aprendizado. Entretanto, como toda experiência é aprendizado, estas vivências me

oportunizaram perceber os diferentes enfoques com que pode ser concebida e investigada a

Difusão do Conhecimento e a necessidade de apreender alguns conceitos básicos destas áreas,

para uma compreensão efetivamente multirreferencial.

Registro como muito positivo na vivência destas duas disciplinas, mais uma vez, a troca com

os colegas. A riqueza do caráter multidisciplinar da turma e das diferentes intervenções nas

aulas e ricas contribuições em todos os momentos deixavam-me mais próxima do alcance de

um objetivo maior que o simples cumprimento da creditação: construir uma compreensão

mais madura e respaldada sobre a área da Difusão do Conhecimento, fomentando as opções

teórico-metodológicas necessárias às definições na minha pesquisa.

d) A disciplina “Metodologia da Análise dos Processos Cognitivos”, foi muito significativa

para a minha aproximação da Análise Cognitiva dentro da área de Difusão do Conhecimento,

oportunizando-me ampliar o olhar sobre os processos cognitivos e revisitar meu lastro teórico

sobre a cognição, que até aquele momento, restringia-se aos teóricos da psicologia Cognitiva.

Page 19: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

19

O texto que construí como atividade final desta disciplina foi a semente do primeiro capítulo

desta tese, que trata justamente sobre a cognição.

e) A participação no 1º. Seminário de Tese provocou a primeira alteração concreta no meu

Projeto de Pesquisa, dando “corpo” às reflexões e inquietações que decorriam das

experiências vivenciadas até então. A cada apresentação de um colega, seguida das discussões

metodológicas com a presença do respectivo orientador (o que nos oportunizou debates muito

ricos com um grande número de docentes do Programa), eu caminhava em direção a novos

olhares, à ampliação da minha compreensão sobre as temáticas estruturantes da minha

pesquisa, o caminho metodológico e a área da Difusão do Conhecimento.

No mesmo objetivo de ilustrar o processo de transformação na definição e recorte do meu

problema de pesquisa, registro a seguir a segunda configuração que este tomou, formatação na

qual foi apresentado em Seminário de Tese 1:

Quais são os níveis de influência e de constituição dos processos cognitivos

oportunizados por uma formação a distância mediada pelas TIC? Quais as

concepções de conhecimento e de cognição que permitem uma apreensão crítica e

complexa dos processos internos do sujeito aprendiz na modalidade EaD? Quais as

potencialidades e implicações desta modalidade formativa para a Difusão do

Conhecimento no sujeito?

Desde o início do processo, as discussões e atividades nos grupos de pesquisa que participei1,

as trocas em atividades formais e nos momentos informais de socialização com os colegas que

também participavam destas atividades, constituíram um processo formativo permanente, de

reflexão, desestruturação e reorganização em torno das temáticas originais do meu Projeto,

das perspectivas metodológicas de pesquisa e da área de Difusão do Conhecimento.

f) A disciplina “Tecnologia da Informação e Comunicação e Difusão do Conhecimento”, tive

a oportunidade de cursar no Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade

– PPGEDUC / UNEB. Esta foi uma experiência muito rica, tanto pelas discussões teóricas

desenvolvidas quanto pela possibilidade de construção compartilhada com outro grupo, agora

discentes do PPGEDUC. Nesta disciplina desenvolvemos estudos e reflexões que

consolidaram minha fundamentação teórica sobre as Tecnologias da Informação e

Comunicação, com ênfase na relação destas com a Difusão Social do Conhecimento,

revisitando conceitos da área e problematizando-os, subsidiando a minha argumentação e

1 TECINTED – PPGEDUC/UNEB; em seguida o CAOS – FACED/UFBA e o EPISTRANSCOMPLEX -

FACED/UFBA.

Page 20: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

20

compreensão da Difusão do Conhecimento a partir da escolha política por uma perspectiva

social.

g) A disciplina “Semiótica e Linguagem na Geração e Difusão do Conhecimento” foi uma

feliz escolha dentre as possibilidades de disciplinas optativas que poderia ter cursado. Tendo

como foco de pesquisa a cognição, discutir a linguagem era meu objetivo primeiro com a

escolha por esta disciplina, que foi atendido com os estudos ali desenvolvidos; minha feliz

surpresa foi a aproximação com o campo da semiótica, até então pouco explorado em minha

formação acadêmica. O desenvolvimento desta disciplina caracterizou-se por discussões

profundas e acaloradas, que partindo da discussão semiótica desenvolvia análises sobre as

temáticas de nosso interesse. Também nesta disciplina, o trabalho final - Tecnologias,

Virtualidade e Cibercultura: Uma Leitura em Busca de Outros Sentidos - constituiu a

semente de um dos capítulos desta tese, discutindo conceitos essenciais à mesma.

h) Cursar pela segunda vez o Seminário de Tese, em um momento de necessário

amadurecimento das definições teórico-metodológicas do meu Projeto de Pesquisa,

proporcionou-me a necessária organização e sistematização das ideias e, mais uma vez, a rica

oportunidade de compartilhamento com os colegas. A apresentação e discussão do meu

Projeto especificamente foi um momento marcante, mas assistir às apresentações e participar

das discussões dos trabalhos dos colegas foi também de extrema relevância. Seguindo o

mesmo percurso que venho traçando neste texto, reproduzo a seguir a definição da minha

problemática de pesquisa após o segundo Seminário de Tese, ilustrando as alterações

ocorridas no processo:

Como se interrelacionam e implicam a Difusão Social do Conhecimento e os

processos cognitivos do sujeito em ambientes online de interação e construção de

conhecimento, considerando os elementos que constituem a singularidade da ação

cognitiva deste sujeito (historicidade, afetividade, imersão cultural, opções políticas

etc.)?

i) A participação nas disciplinas Análise Cognitiva I e II, aliada à participação nas atividades

do Grupo “Conhecimento, Análise Cognitiva, Ontologias e Socialização – CAOS”,

constituíram marco extremamente significativo à construção desta tese, posso dizer um

“divisor de águas” neste percurso.

Revisitar os percussores das Ciências da Cognição, caminhando pela sua história de

constituição como campo multidisciplinar, conhecer novas abordagens sobre a Cognição, a

partir do olhar da Biologia, da Linguística, da Filosofia, da Sociologia, da Computação,

Page 21: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

21

ampliaram a minha perspectiva até então muito restrita à Psicologia Cognitiva.

Aprofundando-me na elaboração sobre a Análise Cognitiva, metodologia e recursos para

realizá-la, abriu-se para mim um novo campo de interesse que me “apaixonou” de imediato,

levando-me a adotar este caminho investigativo para a pesquisa sobre a Cognição em

Ambientes com mediação telemática, que até aquele momento ainda não havia ganhado esta

definição.

Foi então a partir desta ampliação de olhar sobre a Cognição e do mergulho no campo da

Análise Cognitiva que decidi trazer esta para o centro do meu problema de investigação e

caminho de construção da minha Tese.

No momento da Qualificação, o problema de pesquisa encontrava-se mais amadurecido e

muito próximo do que veio a se constituir em definitivo. Entretanto, obviamente, as

contribuições da banca e minhas reflexões e elaborações posteriores a esta, “lapidaram”,

“focaram”, definiram melhor enfim, o problema desta investigação. Mantendo o objetivo de

ilustração que desenvolvo neste texto, registro também neste documento a forma do problema

de pesquisa quando da Qualificação deste Projeto:

Há especificidades nos processos cognitivos mediados pelas TIC? Como ocorre a

cognição em ambientes telemáticos e como identificar/avaliar/analisar este

processo?

Contextualizando esta problemática, o texto da qualificação esclarecia que esta investigação

foca os processos cognitivos que se desenvolvem nas trocas e interações em ambientes com

mediação telemática, considerando as especificidades e potencialidades das TIC

contemporâneas com vistas ao desenvolvimento de uma Metodologia de Análise Cognitiva

que possibilite o acompanhamento e potencialização dos mesmos.

A avaliação que faço do processo de Qualificação é que dele saí com um mapa, um traçado

bem claro do percurso que deveria desenvolver para alcançar os objetivos almejados, bem

como indicações relevantes de lacunas e ajustes necessários a este caminhar.

Concluída a creditação e a Qualificação, a participação nos grupos de pesquisa CAOS e

EPISTRANSCOMPLEX - FACED/UFBA constituiu o necessário espaço de interlocução

com outros sujeitos, vindo a mediar todo o decorrer do processo de construção deste trabalho.

Com esta mediação, aprofundei-me no estudo teórico, revisitando fontes basilares da minha

formação (como os psicólogos cognitivistas e a Epistemologia do Conhecimento de Paulo

Page 22: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

22

Freire), aprofundando leituras e reflexões sobre outras perspectivas que tive conhecimento

através das disciplinas cursadas e introduzindo ainda investigações iniciais sobre outras

contribuições teóricas até então desconhecidas.

Participando de momentos da construção coletiva, conheci, discuti e aprofundei estudos sobre

vários autores que fazem parte do lastro teórico que fundamenta esta tese; partilhando junto

com os nossos projetos, nossas dúvidas, angústias, descobertas, enfim, nosso processo de

construção, crescendo e aprendendo continuamente uns com os outros e com a intervenção

dos docentes.

Importante registrar que durante todo o percurso de construção desta tese, minha atuação

profissional e vivência social constituíram-se em interface direta com a investigação. Desde o

ano de 2000 até a presente data, já vivenciei os mais diversos “lugares” na interação em

ambientes com mediação telemática destinados à educação sistemática, os chamados

“Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA’s)” – conceito que resignificamos nesta tese.

Em diversas atividades e programas (de graduação, de pós-graduação, de extensão, de

pesquisa) e com grupos diversamente configurados, tive a oportunidade de atuar nestes

ambientes como discente, tutora, docente, gestora, autora de material didático, avaliadora e

pesquisadora.

Sou também frequentadora das redes sociais há alguns anos, iniciando pelo Orkut, quando da

sua popularização no Brasil, até a migração atual para o facebook e o twitter. Nestas redes,

atuando como cidadã comum, exercendo minha sociabilidade, produzo, compartilho e difundo

conteúdos, entretanto, minha implicação de pesquisadora torna meu olhar diferenciado,

curioso, investigativo,crítico. Trabalhando e “habitando” estes ambientes, vivenciei durante o

decorrer da construção desta tese, uma prática que se constituiu como estudo de campo

exploratório, em paralelo com a pesquisa bibliográfica.

Os últimos momentos de produção foram mais solitários, como um tempo de hibernar,

maturar todas as “novidades” que então já faziam parte da minha forma de pensar e atuar com

os conceitos e fenômenos ligados ao problema de tese. A sensação que permeou os últimos

momentos da construção foi a de germinação, o brotar de uma árvore nova que só é possível

graças à constituição da semente e os cuidados com o solo, luz e água necessários à sua

adequada germinação. Em diversos momentos sentia a produção “brotar”, como se já

estivesse pronta em mim, aguardando apenas o momento de romper o solo e vir à luz do dia.

Page 23: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

23

É certo também que havia momentos em que parecia estar tudo parado, e que nenhuma ação

intencional minha pudesse forçar o natural processo da semente. Momentos de angústia,

outros de alegria extrema, alguns de insegurança, outros de vitória e satisfação.

Enfim, cheguei a este produto que agora apresento à comunidade, consciente de tratar-se do

produto possível dentro do tempo e das condições concretas. Certamente – e felizmente – não

está pronto, acabado, mas coloca-se como uma fase do caminho de investigação e construção

que pretendo percorrer de agora em diante, e que espero, renderá outras produções que

aprofundem, melhorem a que agora apresento, ou quem sabe até a negue ou supere, o que

também só será possível porque esta foi construída.

1. Problematizando: contexto e objeto da investigação

Investigar a Difusão Social do Conhecimento no contexto contemporâneo implica em

problematizar/situar de qual concepção de conhecimento parte esta investigação e reconhecer

o lugar do sujeito na Difusão, sua cognição, individualidade, historicidade, contexto

sociocultural e implicações relacionais. As Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC

contemporâneas, já completamente imbricadas com os processos cotidianos de vivência e

construção individual e coletivos, constituem-se elemento indissociável a qualquer leitura ou

análise que se pretenda fazer sobre a Difusão do Conhecimento e os processos que envolvem

os sujeitos desta/nesta Difusão.

Compreendendo os fenômenos sociais como resultantes de complexas relações entre os

sujeitos e destes com o mundo, é óbvio reconhecer que as ações e pensamentos de cada um

afetam e são afetados por todos os demais, em um processo histórico-social entremeado de

subjetividade e que não está fora do homem e nem da realidade. Logo, investigar a Difusão

Social do Conhecimento implica em investigar a singularidade dos sujeitos em seus processos

cognitivos de construção e apreensão do conhecimento - singularidades, historicidade,

subjetividade, imersão cultural e política; investigar estes processos na contemporaneidade

exige considerar a especificidade e as potencialidades que emergem dos ambientes mediados

pelas TIC.

A busca de um olhar ampliado sobre a Difusão Social do Conhecimento em sua implicação

com as TIC exige ainda apreender a relação que o homem estabelece com estas Tecnologias

nas formas contemporâneas de viver, conceber, produzir e se relacionar e, a partir desta

Page 24: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

24

perspectiva, compreender a função do sujeito nestes processos, com ênfase na ação cognitiva

que particulariza e atualiza as bases operacionais da Difusão do Conhecimento, ao tempo em

que constitui sua natura social.

Neste contexto, especificamente, problematizo as TIC em suas interfaces com a Difusão

Social do Conhecimento, considerando que os avanços tecnológicos oferecem várias

ferramentas de comunicação e gerenciamento da informação, em redes de interação que se

caracterizam por permitir a troca de informações e construção coletiva de conhecimentos.

Ressalto ainda que adoto neste trabalho a perspectiva social, necessária e imprescindível a um

olhar multirreferencial, politicamente implicado e que define um conjunto de condições e

caracterizações dos processos de geração e de difusão do conhecimento e de seus fins.

Esta investigação, assim definida, pauta-se na perspectiva complexa, multirreferencial e

polilógica de ciência e conhecimento científico, reconhecendo na perspectiva reducionista e

homogeneizadora seu caráter etnocêntrico e excludente, sua falácia na pretensão de

compreender os fenômenos naturais e sociais por leis universais e generalizantes, sua

inadequação à compreensão de um mundo que se reconhece cada vez mais mutável,

relacional e imprevisível. Uma ciência que se exercita como construção humana de uma

sociedade implicada com a afirmação da diversidade e a busca da equidade, ocupando-se do

único ente que necessita de cuidado e atenção absoluta: o ser humano (GALEFFI).

A problemática aqui apresentada propõe um olhar complexo e multirreferencial para a

Difusão Social do Conhecimento, investigando-a em suas relações com os potenciais,

implicações e funções dos processos cognitivos. Comumente investigado como fenômeno que

se conclui no acesso do sujeito à informação, compreende-se aqui a Difusão na perspectiva de

que, é no interior dos processos cognitivos do sujeito que esta efetivamente ocorre, em sua

trama psicológica, sociocultural, política etc. De modo que, para além dos aspectos

instrumentais do processo de difusão do conhecimento - que se refere diretamente aos

suportes de comunicação e/ou informação através dos quais ela é dinamizada – esta também

se relaciona de modo fundamental com a autonomia e o papel ativo da ação cognitiva do

sujeito neste processo.

Resignificar a compreensão de cognição e de processos cognitivos representa uma

necessidade neste caminho investigativo, visto que o olhar sobre a Difusão do Conhecimento

está aqui posto no sujeito e na forma como este percebe, interage, atua, constrói o

Page 25: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

25

conhecimento em busca contínua pela conservação da autopoiese (MATURANA e

VARELA), experienciando a construção do autoconhecimento em sua forma singular de ser-

aparecendo-desaparecendo (GALEFFI) e na constante busca pela Libertação, que só se

alcança através da Conscientização (FREIRE).

Partindo das reflexões apresentadas acima e buscando uma visada mais ampla sobre este

contexto, coloca-se como problema desta investigação: Os processos cognitivos que ocorrem

em ambientes com mediação telemática apresentam características próprias, comuns

especificamente a estes ambientes? Quais referenciais teóricos e caminhos metodológicos

podem ser utilizados para o desenvolvimento de Análise Cognitiva em ambientes telemáticos?

Em especial, esta investigação focou os processos cognitivos que se desenvolvem nas trocas e

interações em ambientes telemáticos, considerando as especificidades e potencialidades das

TIC contemporâneas com vistas ao desenvolvimento de uma Metodologia de Análise

Cognitiva que possibilite o estudo e acompanhamento destes processos, considerando os

sujeitos em sua singularidade e reconhecendo a dimensão política presente nas interações e

produções humanas.

Compreende o escopo desta investigação, elaborações teóricas sobre os campos conceituais:

Conhecimento, Cognição, Ambientes telemáticos / TIC contemporâneas e Difusão Social do

Conhecimento. O desenvolvimento destes campos teve como objetivo geral a investigação

dos processos cognitivos que ocorrem em ambientes com mediação telemática, identificando

a presença de características singulares especificas a estes ambientes, com foco no

desenvolvimento de uma Metodologia para Análise Cognitiva que contemple estas

especificidades.

A investigação sobre as formas como se inter-relacionam a dinâmica dos processos cognitivos

e a Difusão do Conhecimento, suas relações com a historicidade, subjetividade, imersão

cultural e política dos sujeitos, na constituição de uma abordagem social da Difusão do

Conhecimento é desenvolvida nos quatro primeiros capítulos desta Tese. Nestes, apresento e

busco desenvolver um diálogo/dialética com referenciais teóricos selecionados sobre a

Cognição e o Conhecimento, construindo/localizando/resignificando a compreensão sobre o

campo da Difusão do Conhecimento.

Page 26: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

26

No quinto e sexto capítulos desta Tese, desdobra-se mais concretamente a investigação sobre

as especificidades dos processos cognitivos que ocorrem em ambientes com mediação

telemática, e a apresentação de uma Metodologia de Análise Cognitiva específica para estes

ambientes, demonstrando sua aplicação em contextos selecionados.

As elaborações teóricas construídas, bem como as experimentações de Análise Cognitiva

desenvolvidas contribuem para a construção de um olhar multirreferencial, de natureza social,

na teorização acerca da Difusão do Conhecimento, a partir de uma abordagem complexa e

polilógica da cognição humana. Estas contribuições encontram-se sistematizadas nas

Considerações Finais deste trabalho.

2. APRESENTANDO A TESE

Para o desenvolvimento da investigação aqui apresentada, três campos temáticos estruturantes

foram focados na construção do lastro teórico que subsidiou a Metodologia de Análise

Cognitiva proposta e sua experimentação/demonstração. São eles: Cognição, Conhecimento

e Ambientes Telemáticos. Assim, a organização da tese estrutura-se a partir destes três eixos.

Nesta introdução busco situar o leitor na problemática da investigação a partir das suas

origens, concebendo a implicação da pesquisadora como elemento necessário a esta

contextualização. Assim, inicio por um relato memorialístico sobre o processo de construção

desta tese, desde o meu percurso profissional e acadêmico que originou a motivação e

implicação com o problema de pesquisa aqui desenvolvido, descrevendo mais detidamente os

caminhos e relações que permearam esta construção durante o período do doutoramento. Em

seguida, contextualizo o problema de pesquisa e indico em qual parte da Tese foram

contemplados os objetivos definidos para a mesma. Por fim, desenvolvo a apresentação de

cada capítulo, com indicação do foco de abordagem dos mesmos e do lastro teórico que os

subsidiou.

No primeiro capítulo intitulado Processos Cognitivos, Ciências da Cognição, Sujeito

Cognoscente: Múltiplos Olhares, buscando a compreensão dos fenômenos cognitivos por

múltiplos olhares, reconhecendo sua complexidade e centralidade na discussão sobre a

Difusão do Conhecimento, desenvolvo um quadro teórico sobre a Cognição, a partir da

seleção de contribuições de teóricos de diferentes disciplinas dentre as que constituem as

Ciências da Cognição. Inicio por uma breve contextualização da área das Ciências Cognitivas,

Page 27: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

27

localizando o objetivo e apresentando o histórico de constituição desta área, desenvolvendo

em seguida um diálogo entre quatro psicólogos cognitivistas, a partir de conceitos e relações

elencadas por constituírem os eixos estruturantes de suas perspectivas teóricas.

Partindo do lastro da Psicologia Cognitiva, dialogando com Jean Piaget, Jerome Bruner,

Lev S Vygotsky e Henry Wallon, a discussão é organizada a partir dos eixos: 1) Relação

Sujeito X Objeto (mundo, contexto) – Interação Social; 2) Desenvolvimento e Aprendizagem;

3) Mediação Simbólica e Linguagem; e 4) Emoção e Cognição.

Na busca da multirreferencialidade, desenvolvo ainda neste capítulo, reflexões e diálogos com

outras duas perspectivas de compreensão sobre os processos cognitivos: o olhar da Biologia

da Cognição de Maturana e Varela e o olhar sociopolítico de Paulo Freire. Das construções da

Biologia da Cognição, trago a compreensão da autonomia dos seres vivos, da organização

autopoiética, da deriva natural, do acoplamento estrutural, do conhecer como ação efetiva e, a

partir destes conceitos, a compreensão dos domínios linguísticos e da consciência humana. Da

Teoria do Conhecimento de Paulo Freire, busco como elementos de compreensão da

problemática desta investigação, a discussão que o mesmo faz dos processos de libertação,

conscientização, diálogo e comunicação. Na abordagem destas teorias são selecionados

conceitos estruturantes da argumentação que desenvolvem, identificando as categorias e

interfaces que compõem a proposta de Análise Cognitiva desta tese.

No segundo capítulo, intitulado Conhecimento do Conhecimento e Conhecimento do

Desconhecimento: Revisitando Concepções e Princípios, desenvolvo uma discussão

epistemológica, problematizando conceitos tradicionalmente associados à compreensão de

Conhecimento - como certeza, verdade e Ciência - a partir do diálogo com autores

selecionados pela perspectiva da epistemologia da complexidade e da multirreferencialidade e

por uma abordagem crítico-social da Difusão do Conhecimento.

Esta discussão epistemológica pretende refletir sobre a incerteza e a crise do conhecimento

científico, apresentando a partir de quadro teórico selecionado, os princípios de uma nova

forma de compreensão do conhecimento. Na busca sobre as perspectivas fundantes desta nova

compreensão, desenvolvo diálogos e releituras, construindo elaborações conceituais que

orientem, sob esta perspectiva, o olhar investigativo sobre a Difusão Social do Conhecimento.

Para tanto, desenvolvo diálogo sobre as construções teóricas de Edgar Morin, Jacques

Page 28: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

28

Ardoino, Humberto Maturana, Ilya Prigogine, Felipe Serpa, Boa Ventura Santos, Dante

Galeffi, Arnaud de Lima Jr., Teresinha Froes Burnham e Roberto Sidney Macedo.

Concluo este segundo capítulo com uma reflexão específica sobre a relação entre a Ação

Cognitiva de sujeitos e a Difusão do Conhecimento, defendendo a perspectiva de que é na

condição cognitiva que se processa a apropriação do conhecimento, a produção de sentido, a

contextualização das informações e sua aplicabilidade, dela derivando outros aspectos como o

social, político, econômico, etc., condição fundamental, que é inerente ao humano e seus

modos de expressão na realidade2.

O terceiro capítulo teórico, intitulado Ambiente Virtual/Atual/Potencial, Mediação

Telemática e Difusão Social do Conhecimento, tem como objetivo definir a perspectiva

filosófica, epistemológica e política de compreensão das Tecnologias, em especial as

Tecnologias da Informação e Comunicação potencializadas com a conexão à internet,

problematizando a condição de imbricamento e inter-relação do homem com as TIC. Aborda

especificamente as Tecnologias da Comunicação e Informação - TIC – em sua implicação

dialética com a contemporaneidade – buscando situá-las em sua relação de imbricamento com

o sujeito cognoscente, percebendo as especificidades, potencialidades e desafios que este

imbricamento traz para a Cognição.

Busco neste capítulo resignificar os conceitos de Ambientes Virtuais (AV) e Virtualidade,

apresentando elaborações teóricas que sustentam a utilização do conceito de Ambiente

Virtual/atual, que supera a aparente oposição entre o “real” e o “virtual”, como forma de

desfazer a imprecisão conceitual que insiste em opor os dois termos como contrários. Para

tanto,desenvolvo reflexões filosóficas sobre O “virtual” como uma “presença” pela

experiência temporal neuropsíquica, o que implica em investigar a natureza neuropsíquica do

Tempo e distinguir a temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades

transcendentes ao humano.

No quarto capítulo, intitulado Compondo uma Rede Multirreferencial para Compreensão

dos Processos Cognitivos, busco, a partir do lastro teórico construído no primeiro capítulo,

desenvolver diálogos e recortes que permitam compor uma rede multirreferencial e polilógica,

contemplando variados e complexos aspectos da cognição, com vistas à construção de uma

2 Reflexões desenvolvidas em coautoria com o Prof. Dr. Arnaud Lima Jr e publicadas conforme nota no referido

capítulo.

Page 29: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

29

nova visada deste processo e o desenvolvimento de uma metodologia de Análise Cognitiva

para Ambientes com mediação telemática, capaz de compreender o sujeito em sua inteireza,

em sua condição ontológica do ser-no-mundo-com, situado no contexto histórico-cultural a

que pertence e transforma com sua ação-produção.

Desafiada pelo processo de assunção de autoria, ouso neste capítulo fazer recortes e buscar

interfaces que identifico como constitutivas à problemática da cognição. O primeiro recorte

que desenvolvo é da relação entre a Cultura e os atos mentais, partindo da análise feita por

Gertz sobre as construções teóricas de Bruner que o aproximam da Psicologia Cultural, busco

em Vygotsky e Paulo Freire, construções específicas com este foco, tecendo assim um

referencial que permita situar os processos culturais como elementos essenciais à análise

cognitiva proposta neste trabalho.

No recorte seguinte desenvolvo um esforço de diálogo entre conceitos estruturantes da

Psicologia Cognitiva e da Biologia da Cognição, buscando desenvolver as potencialidades de

interface entre estas diferentes leituras teóricas, sempre focada na construção de um lastro

teórico para a proposição da metodologia de Analise Cognitiva aqui desenvolvida. Por fim,

apresento uma seleção de conceitos fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo

Freire em uma elaboração própria e apropriada3, que os desenvolve enquanto referenciais para

investigar os processos cognitivos em ambientes com mediação telemática, tendo como

sentido político a Difusão Social do Conhecimento.

No quinto capítulo, intitulado A Análise Cognitiva Telematicamente Mediada: Conceitos,

Interfaces e Metodologia, apresento as categorias estruturantes – selecionadas, apreendidas e

agrupadas dentre os conceitos centrais das Teorias Cognitivistas que compõem o lastro

teórico desta Tese - e as interfaces filosófico-político-epistemológicas necessárias ao

desenvolvimento de uma Análise Cognitiva que permita a visada complexa, multirreferencial

e polilógica como proposta neste trabalho. São estas interfaces: Organização Autopoiética

(MATURANA e VARELA), Visada Polilógica (GALEFFI), Epistemologia e Filosofia

Freiriana (FREIRE) e Ambiente Virtual/Atual (AVA/AAA) – Educação Sem Distância

(ESD)4.

3 Elaborações teóricas desenvolvidas em coautoria com o prof. Dr. Dante Galeffi e publicadas conforme nota

constante no referido capítulo. 4 Idem.

Page 30: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

30

Compõe este capítulo, a representação gráfica da Matriz para Análise Cognitiva, a

apresentação sintética dos conceitos teóricos que a estruturam – detalhados e analisados nos

capítulos anteriores - bem como a descrição da Metodologia para desenvolvimento desta

Análise, com suas respectivas Fases, propostas de Modelos para registro e considerações de

detalhamento metodológico.

Ressalto tratar-se de uma proposta, entre várias possíveis, que se desdobra de todo um lastro

de compreensão teórico-filosófico-político-epistemológica de como ocorrem os processos

cognitivos em ambientes com mediação telemática, implicando necessariamente um

recorte/seleção consciente e aqui fundamentado, em relação a vários conceitos que perpassam

este processo. A exemplo: concepção de Conhecimento e Difusão; compreensão de Cognição

e de Sujeito Cognitivo; conceito de Virtual e de Ambientes Virtuais, concepção de política,

cidadania e sociedade entre outros.

No sexto capítulo, intitulado Demonstrando/Desmontando a Análise Cognitiva

Telematicamente Mediada – Exercícios e Experimentações , desenvolvo experimentações

de utilização da Metodologia de Análise Cognitiva em ambientes diversos de interação com

mediação telemática (formais ou informais) a exemplo de redes sociais e dos ambientes

nomeados institucionalmente como Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA’s. Partindo

do reconhecimento de que não há modelo capaz de abarcar todas as possibilidades de análise

que decorrem das diversas construções possíveis dos/entre sujeitos interagindo em ambientes

virtuais/atuais, constituídos e constituindo quadros sempre complexos, únicos e provisórios,

selecionei para experimentação do modelo de análise aqui proposto, alguns contextos

específicos.

Em busca da percepção da potencial diversidade de processos cognitivos oportunizados,

restringidos ou fomentados/fortalecidos em ambientes com características diferenciadas de

controle e planejamento prévio e de formações grupais, selecionei contextos em: a) redes

sociais, caracterizadas por formações espontâneas e de adesão voluntária, e b) espaços de

ensino formal – os chamados Ambientes Virtuais de Aprendizagem - AVA’s, nos quais as

relações são geralmente compulsórias e circunstanciais e as interações sistematicamente

controladas. Foram selecionados para experimentação da utilização desta Metodologia de

Page 31: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

31

Análise Cognitiva, quatro diferentes contextos: a) o curso de Licenciatura em Matemática

oferecido na Universidade do Estado da Bahia – Programa Universidade Aberta do Brasil –

UAB ; b) a disciplina Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC em Educação,

oferecida na modalidade semipresencial no curso presencial de Pedagogia, oferecido no

Departamento de Educação – DEDC XI (Serrinha), da Universidade do Estado da Bahia –

UNEB; c) uma discussão entre especialistas em um grupo temático no facebook; d) uma

interação decorrente de campanhas de mobilização social desenvolvidas através das redes

sociais, aqui especificamente selecionada uma discussão de grupo aberto no facebook.

Em um percurso metodológico de construção no qual fui desenvolvendo a metodologia na

medida em que desenvolvi a análise, percebi claramente que a profundidade de análise e

densidade teórica foram se ampliando a cada análise desenvolvida, o que acredito, se deveu à

apropriação que eu fazia, enquanto analista cognitiva, da metodologia que estava construindo,

assim como da habilidade que desenvolvia para o diálogo com o referencial teórico

selecionado. Mesmo tendo percebido isto, optei por manter as demonstrações na forma como

foram construídas originalmente, compreendendo que este ampliar/aprofundar é também uma

demonstração significativa do exercício da análise cognitiva nesta metodologia,

exemplificando também o quanto os aspectos da subjetivação humana interferem nos

resultados da análise.

Por fim, as Considerações Finais apresentam sinteticamente e ressaltam os elementos mais

significativos das elaborações teóricas construídas, bem como das experimentações de

Análise Cognitiva desenvolvidas, contribuindo assim para a construção de um olhar

multirreferencial, de natureza social, na teorização acerca da Difusão do Conhecimento, a

partir de uma abordagem complexa e polilógica da cognição humana.

Como todo conhecimento, este trabalho é também um produto inacabado, provisório, aberto

ao diálogo e a contribuições das mais diversas ordens. As elaborações teóricas dele

decorrentes, bem como a Metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta, podem ser

utilizadas nas mais diversas áreas além da Análise Cognitiva e da Difusão do Conhecimento,

a exemplo: educação, comunicação, informática, publicidade, sociologia, filosofia etc., como

subsídio e orientação à avaliação, acompanhamento e intervenção em ambientes com

mediação telemática.

Page 32: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

32

Educadora que sou em minha formação original e escolha profissional, visualizo já de pronto

desdobramentos deste trabalho na área da educação, a exemplo: propostas metodológicas para

organização de ambientes formais de ensino que utilizam mediação telemática, elaborações

teórico-práticas sobre avaliação da aprendizagem que ocorre nestes ambientes, orientações

para produção de material didático específico para utilização em ambientes com mediação

telemática etc.

Desta mesma forma, outras áreas, diferentes objetivos e projetos podem utilizar no todo ou

em parte as elaborações apresentadas nesta Tese, enriquecendo-as e desdobrando-as em novas

interfaces ou detalhes metodológicos.

Page 33: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

33

CAPÍTULO I

PROCESSOS COGNITIVOS, CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO, SUJEITO

COGNOSCENTE: MÚLTIPLOS OLHARES

Apresentação

Sendo a Cognição um dos eixos estruturantes desta tese e o mais fundamental a meu ver, a

revisão de literatura sobre ele foi a primeira tarefa que desenvolvi, compondo já o texto de

qualificação. Com os desdobramentos dos capítulos posteriores, naturalmente este capítulo foi

revisto, caracterizando-se mesmo como uma revisão de literatura, trazendo, entretanto, os

primeiros diálogos que estabeleço entre os autores selecionados, especialmente aqui entre

quatro autores da Psicologia Cognitivista. Três disciplinas que cursei no processo de

Doutoramento foram particularmente significativas na construção do lastro teórico sobre a

Cognição: Metodologia da Análise dos Processos Cognitivos, Análise Cognitiva I e II.5

O trabalho final desta primeira disciplina foi a semente para a construção deste capítulo,

sistematizando o lastro teórico que eu então possuía em função do meu percurso profissional e

acadêmico. As disciplinas Análise Cognitiva I e II representaram um marco na construção

desta tese, permitindo em definitivo o recorte que fiz pelo desenvolvimento de uma Análise

Cognitiva e oportunizando-me ampliar o olhar sobre os processos cognitivos, revisitando

teorias que fizeram parte da minha formação, aprofundando o estudo sobre algumas delas e

conhecendo outras.

Buscando a compreensão dos fenômenos cognitivos por múltiplos olhares, reconhecendo sua

complexidade e centralidade na discussão sobre a Difusão do Conhecimento, desenvolvo

5 As disciplinas Análise Cognitiva I (turmas 2010.1, 2010.2 e 2011.1) e Análise Cognitiva II (turma 2011.2) organizaram-se

a partir dos objetivos do Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento

(DMMDC), qual seja, a constituição de abordagens interdisciplinares e multirreferenciais para a investigação dos processos

de geração e difusão do conhecimento. Com este objetivo e tendo como enfoque a identificação da Análise Cognitiva (AnCo)

como campo do conhecimento no cenário das Ciências da Cognição (CiCo), foi realizado o levantamento do estado da arte

deste campo em algumas das principais bases de conhecimento acadêmico-científico – Redalyc, Sage, Science Direct,

Scopus, e Web of Science (acessíveis através do Portal de Periódicos Capes).

Com tal foco, e diante da constatação da amplitude (em termos quantitativos e de diversidade de áreas / disciplinas) de

publicações que apresentam o termo análise cognitiva nos metadados das bases consultadas, desenvolveu investigação no

âmbito da linha de pesquisa Conhecimento: Análise Cognitiva, Ontologia e Socialização (CAOS), que integra o grupo de

pesquisa Rede Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)Formação, Currículo e Trabalho (REDPECT) e faz parte do

DMMDC. O interesse do CAOS por essa temática se alinha, portanto, com um dos objetivos do DMMDC que é consolidar as

áreas multidisciplinares de análise cognitiva e modelagem do conhecimento (DMMDC, 2006).

Os textos produzidos a partir dos registros e reflexões dos Doutorandos que participaram das disciplinas ANCO I e ANCO II

nos semestres em que se desenvolveu esta pesquisa, sob a orientação da Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham, estão

organizados em uma coletânea em fase final de organização para publicação.

Page 34: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

34

neste capítulo um quadro teórico sobre a Cognição, a partir da seleção de contribuições de

teóricos de diferentes disciplinas dentre as que constituem as Ciências da Cognição.

Com este objetivo, inicio por uma breve contextualização da área das Ciências Cognitivas,

localizando o objetivo e apresentando o histórico de constituição desta área. Em seguida,

desenvolvo um diálogo entre quatro psicólogos cognitivistas, a partir de conceitos e relações

elencadas por constituírem os eixos estruturantes de suas perspectivas teóricas. Salientando

aproximações e contradições entre os teóricos abordados neste item, inicio aqui a construção

de um olhar ampliado sobre as categorias que compõem a matriz e metodologia de Análise

Cognitiva propostas nesta tese.

Para dialogar com a psicologia cognitivista, trazendo contribuições da biologia, da sociologia,

da filosofia e da epistemologia, busco outras perspectivas sobre o conhecimento, visando a

construção compreensiva da Cognição: a Biologia da Cognição de Maturana e Varela, e o

Olhar sociopolítico de Paulo Freire.

Também na abordagem destas perspectivas, selecionei conceitos estruturantes da

argumentação que desenvolvem, buscando apresentá-los sempre com foco na construção do

lastro compreensivo sobre a Cognição, identificando as categorias e interfaces que compõem

a proposta de análise cognitiva desta tese. O aprofundamento dos diálogos e apropriações que

me permitiram definir estas categorias e interfaces para análise, é desenvolvido no Capítulo

IV deste trabalho, intitulado Compondo uma rede Multirreferencial para compreensão

dos Processos Cognitivos.

1. Ciências da Cognição

O campo da Ciência Cognitiva, segundo Gardner (2003, p. 19) define-se “como um esforço

contemporâneo de fundamentação empírica para responder questões epistemológicas de longa

data – principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, seu

desenvolvimento, seu emprego.”

Para Varela, Thompson e Rosch (2003), a expressão “Ciências Cognitivas” indica que estudar

a mente justifica um projeto científico. Considerando que não há uma definição clara,

acordada, sobre os rumos deste campo de conhecimento, considera também que hoje este se

caracteriza muito mais como uma reunião de disciplinas que uma disciplina em si mesmo.

Page 35: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

35

Para esses autores, um dos polos mais importantes, que domina esta área é a Inteligência

Artificial, ou modelo computacional da mente. Além deste, outras disciplinas são tidas como

associadas: a linguística, as neurociências, a psicologia, a antropologia e a filosofia.

Citando o relatório do Estado da Arte da Ciência Cognitiva, elaborado pela Fundação Sloam

em 1978, que considera como interdisciplinar a nova ciência da cognição, Gardner (2003)

apresenta o hexágono cognitivo que estabelece vínculos entre a Filosofia, a Linguística, a

Antropologia, a Neurociência, a Inteligência Artificial e a Psicologia, na composição deste

campo.

Varela, Thompson e Rosch (2003) apontam que o estado atual das ciências cognitivas,

transformado nos últimos 30 anos especialmente por meio do programa cognitivista,

reconhece como legítima a investigação do conhecimento, concebendo-o em uma perspectiva

ampla, interdisciplinar, que ultrapassa a epistemologia e a psicologia.

Defendendo que não se podem separar as ciências cognitivas da tecnologia cognitiva, esses

autores atribuem à tecnologia o papel de, explorando cientificamente a mente, oferecer à

sociedade ocidental um espelho de si mesma ao confrontá-la com questões nunca antes

colocadas, a exemplo da mente como manipuladora de símbolos e da capacidade de uma

máquina compreender a linguagem.

Para Fialho (2008), foi a proposta de Alan Turing de construir “máquinas pensantes”6, que

iniciou o movimento das Ciências da Cognição e, em particular, da Inteligência Artificial.

Entretanto, em função da perseguição da sociedade inglesa a Turing, após a revelação da sua

condição de homossexual, e o suicídio deste, só na década de 1945-55 registra-se o

surgimento do campo das ciências cognitivas. Aponta como principal série de eventos, a

sequência de dez conferências promovidas pela Fundação Macy Jr, no período entre 1946 a

1953, reunindo pesquisadores que marcam a construção deste campo de conhecimento.

Fialho (2008) cita como exemplos: a) John von Neumann, Norbert Wiener e Warren

McCulloch, considerados os “pais da cibernética”, que desenvolveram um modelo neuronial

para o cérebro, o propondo como uma rede formada por conexões entre células, um sistema

fechado em si mesmo; b) Gregory Bateson, que desenvolveu o modelo ecológico, postulando

que um sistema vivo não se sustenta somente com a energia que recebe de fora; e c) Maturana

6 “(...) A ideia de Turing era a de produzir uma máquina similar à mente da criança no instante de seu

nascimento e submetê-la a uma ‘educação’.” (FIALHO, 2008, p. 10)

Page 36: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

36

e Varela que desenvolveram a teoria da autopoieses, explicando a auto-organização dos

sistemas dinâmicos complexos em contínua adaptação ao nicho ecológico ao qual são

indissociáveis.

Propondo-se a apresentar os estágios sucessivos de constituição das Ciências da Cognição,

Varela, Thompson e Rosch (2003) a dividem em três: Cognitivismo, Conexionismo e

Abordagem Atuacionista. O Cognitivismo é associado à metáfora do computador digital, por

defender a hipótese da cognição como representação mental, acreditando que “(...) a mente

opera manipulando símbolos que representam características do mundo, ou representam o

mundo como tendo uma determinada forma.” (p. 24-25). Para esses autores, o cognitivismo

está no centro das ciências cognitivas pelo domínio que exerce na pesquisa da área, chegando

às vezes a ser confundida com a própria Ciência Cognitiva.

As abordagens que surgiram nos últimos anos, como alternativas ao cognitivismo, divergem

deste por criticar: “o processamento de símbolos como veículo adequado para representações”

(p. 25) e o conceito de representação como ponto de apoio das ciências cognitivas.

A primeira alternativa, ou segundo estágio, é chamada de conexionismo. Estes modelos

deslocam a ênfase em processos simbólicos localizados, compreendendo a representação

como “correspondência entre um estado global emergente e as propriedades do mundo: ela

não é uma função de símbolos particulares.” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003, p.

26).

A segunda alternativa ou terceiro estágio questiona a ideia da cognição como representação,

trazendo como pressupostos a compreensão de que o mundo em que habitamos tem

propriedades particulares, que selecionamos e recuperamos essas propriedades em formas

internas de representação e que essas tarefas são realizadas por um “nós subjetivo”. A junção

desses três pressupostos resulta em um forte compromisso com o realismo ou o

objetivismo/subjetivismo em relação a como é o mundo, o que somos e como conhecemos.

Acreditando que esta concepção não objetivista está crescendo no estudo da cognição, embora

sem a definição de um único termo que a designe, esses autores propõem o termo atuação

para:

[...] enfatizar a convicção crescente de que a cognição não é a representação de um

mundo preconcebido por uma mente preconcebida mas, ao contrário, é a atuação de

um mundo e de uma mente com base em uma história da diversidade de ações

Page 37: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

37

desempenhadas por um ser no mundo. [...] (VARELA, THOMPSON e ROSCH,

2003, p. 26).

De acordo com a ciência cognitiva da atuação, a associação entre propriedades de base

biológica e cognição apenas pode ocorrer por meio da conduta. Uma conduta que só pode ser

considerada resultante de ação cognitiva pelas interações que o cérebro experimenta com o

ambiente.

Propondo uma adaptação ao quadro de Gardner para a evolução das Ciências da Cognição,

Fialho (2008) a organiza em fases:

Figura 1 - Momentos das Ciências da Cognição

Fonte: Fialho (2008, p.17)

1) Fase do Cognitivismo – corresponde à tentativa de utilizar o computador para simular o

comportamento humano, em uma visão mecanicista do homem como máquina e do

Page 38: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

38

computador como máquina universal, bastando apenas construir o programa correto para se

ter um robô inteligente.

2) Corrente Conexionista – concebe o computador humano como uma máquina especial,

não sendo suficiente apenas ter um software correto, mas uma máquina que se assemelhe ao

cérebro humano, com bilhões de computadores interconectados de forma similar aos

neurônios.

3) O Cognitivismo Atuante – proposta da década de 90, apresentada por Varela,

resgatando a concepção piagetiana de que “conhecer é criar” e a perspectiva quântica de que

“para que algo aconteça é necessário um observador que faça com que, dentre as diversas

possibilidades, uma se instancie.” (FIALHO, 2008, p.18).

4) Por fim, o Cognitivismo Ecosófico – partindo da proposta de Félix Guattari de

compreender o sujeito que conhece como elemento indissociável de um ecossistema.

“Conhecer é operar sobre a cultura em que se vive, modificando o meio ambiente e

transformando-se a si próprio no processo.” (FIALHO, 2008, p.18)

Reconhecendo que, como toda classificação, esta é também incompleta, o autor conclui seu

estudo sobre a evolução das ciências cognitivas salientando que nesta se repete uma tendência

de nossa época em caminhar de um antropocentrismo para uma visão mais holística, na qual

um objeto assume significado pela relação que estabelece com outros objetos em seu entorno,

e considera que deveriam figurar no quadro de constituição desta área nomes como os de

Luria, Paulo Freire, Lévy, Vygotsky, Wallon, Bakhtin, Shanck, Abelson, entre outros.

É nesta perspectiva de cognição que este trabalho se posiciona, buscando a compreensão do

sujeito situado, da ação cognitiva como vivência e da elaboração interna do sujeito atribuindo

formas e sentidos diferenciados ao mundo.

2. Psicologia Cognitiva: Piaget, Bruner, Vygotsky e Wallon

2.1. RELAÇÃO SUJEITO X OBJETO (MUNDO, CONTEXTO) – INTERAÇÃO SOCIAL

Para iniciar, escolho algumas contribuições de Piaget (1969, 1970, 1973). Na referência

piagetiana ao sujeito, este não é o sujeito psicológico nem o sujeito coletivo, mas o sujeito

epistêmico, que retrata o que há de comum em todos os sujeitos, independente das diferenças

individuais.

Page 39: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

39

Refletindo sua formação inicial em biologia, Piaget considera que o sujeito busca

continuamente um estado de equilíbrio interno que o habilite a adaptar-se ao meio ambiente, e

esta adaptação só é possível através do conhecimento. Assim, a criança vai tentando descobrir

o sentido do mundo, construindo estruturas mentais e adquirindo modos de funcionamento

dessas estruturas, buscando entender o mundo que a cerca.

Para este autor, o homem relaciona-se com o mundo em um processo ativo de contínua

interação. Não sendo mera cópia da realidade exterior e nem inato, o conhecimento é

construído, em um processo em que o indivíduo é protagonista, sendo o conhecimento

humano, ativo em sua essência.

Conhecer um objeto é agir sobre e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa

transformação vinculados com as ações transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar

o real às estruturas de transformações, e são as estruturas elaboradas pela

inteligência enquanto prolongamento direto da ação. (PIAGET, 1970a, p. 30)

Neste processo ativo e contínuo, o sujeito vai adquirindo as estruturas mentais essenciais ao

seu aprendizado e desenvolvimento, em um processo de aquisição individual que prevê

necessariamente a cooperação, as trocas e intercâmbio entre as pessoas. Embora oferecendo

uma imagem interativa do processo de aprendizagem, que segundo este autor, desenvolve-se

na interação entre o aluno e o mundo que o envolve, os postulados piagetianos também

preveem um processo de aprendizagem espontâneo solitário, no qual o sujeito aprende

sozinho e naturalmente, através das ações e interações com os objetos.

A interação constante entre o sujeito e a realidade, ao tempo em que permite ao sujeito

construir novos esquemas, dotando-o de novos instrumentos de compreensão, permite ainda a

construção da realidade pelo sujeito, ao atribuir à mesma, diferentes significados

(RAPPAPORT, FIORI e DAVIS, 1981).

Para Vygotsky (1984), o que distingue as capacidades psicológicas humanas dos processos

básicos presentes também em outras espécies animais, é que os seres humanos interagem com

o ambiente tendo como suporte instrumentos mediadores que ele chama de “signos”.

Capacidades como memória voluntária, atenção consciente, pensamento, afetividade, são

regulados pelo ser humano através da mediação7 dos signos, levando-o a uma prática

7 “é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta

e passa a ser mediada por esse elemento”. (OLIVEIRA, 1997, p. 26)

Page 40: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

40

consciente e a reagir mais aos significados representados pelos instrumentos mediadores que

ao estímulo externo diretamente.

(...) o processo simples estímulo-resposta é substituído por um ato complexo,

mediado, que representamos da seguinte forma:

S = estímulo

R = resposta

X = elo intermediário ou elemento mediador

Nesse novo processo o impulso direto para reagir é inibido, e é incorporado um

estímulo auxiliar que facilita a complementação da operação por meios indiretos.

(VYGOTSKY, 1984, p. 45)

Assim, esses instrumentos permitem ao ser humano escapar da influência direta do meio

externo, sendo capaz de percebê-lo e representá-lo de diversas formas, superando o imediato

do “aqui e agora”. Esses instrumentos mediadores têm origem social, sendo elaborados ao

longo da história cultural da humanidade.

Por isso, o meio social e cultural é que dispõe dos signos e dos sistemas de signos

necessários para formar os processos psicológicos superiores, pois o

desenvolvimento individual consiste, em boa parte, no acesso progressivo a esses

signos e sistemas de signos ou, em outras palavras, na aprendizagem progressiva dos

signos e da sua utilização. (SALVADOR et al, 2000, p. 259)

Wallon (2008) considera o homem um ser indissociavelmente biológico e social. Sendo o

organismo a condição primeira do pensamento, não é, entretanto, suficiente, pois o objeto da

ação mental vem do contexto no qual o indivíduo esta inserido. O homem então é

determinado fisiológica e socialmente, tanto pelas suas disposições internas quanto pela

história das situações exteriores que vivencia no decorrer da sua existência.

Adotando a análise genética como método, este autor apresenta uma psicologia geral

concebida como conhecimento do adulto através da criança. Galvão (1995, p. 32) define o

projeto teórico de Wallon como “a elaboração de uma psicogênese da pessoa completa”. Um

projeto de estudo integrado do desenvolvimento, que contemple afetividade, motricidade e

inteligência, considerando a criança nas suas relações com o meio.

Para Wallon (2008), os teóricos do conhecimento historicamente buscaram subterfúgios para

mascarar as contradições sobre as quais este é edificado, defendendo que é necessário

reconhecer “que o conhecimento deve, desde seu início e como que por definição, enfrentar e

superar essas contradições (...)” (p. 10). Reconhecendo que o conhecimento é essencialmente

um esforço para resolver contradições – que se revelam similares desde os primeiros

S R

X

Page 41: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

41

balbucios da criança até as etapas percorridas pela inteligência humana na busca do seu objeto

– Wallon acredita que esta compreensão não contrapõe o conhecimento ao real, ao contrário,

integra-o mais estreitamente ao fazê-lo participar das suas leis. E ainda, a importância de

reconhecer o conhecimento como um esforço que supera contradições deve-se à compreensão

de que “nada subsiste que não tenha triunfado sobre o conflito, alcançando um novo

equilíbrio, um novo estado, uma nova forma de existência.” (p. 12).

Para Bruner (1978), o domínio dos fundamentos gerais de um dado campo implica em captar

as ideias centrais deste campo, e no desenvolvimento de uma atitude especial em relação à

aprendizagem e à investigação, imaginando soluções, buscando intuições e palpites sobre

como resolver determinada situação.

Na sua compreensão sobre a relação do sujeito com o objeto a ser conhecido, destaca que ao

aprender, “não se aprende apenas alguma coisa específica, mas, fazendo-o, aprende-se a

aprender” (p. 44), identificando no ato de aprender três processos quase simultâneos:

aquisição, transformação e avaliação.

A aquisição de novas informações é o primeiro momento, podendo por vezes contrariar ou

substituir o conhecimento anterior do sujeito sobre aquele assunto. Em seguida vem a

transformação, a manipulação do conhecimento de forma a adequá-lo / adaptá-lo a novas

tarefas ou situações.

Aprendemos a ‘desmascarar’ ou analisar a informação, a ordená-la de modo que

permita sua extrapolação, interpolação ou conversão em outra forma. A

transformação compreende os meios pelos quais lidamos com a informação de modo

a irmos além dela. (BRUNER, 1978, p. 45)

O aspecto seguinte do processo de aprender é a avaliação (crítica), quando o sujeito verifica

se a forma como utiliza a informação é a mais adequada à tarefa que se propõe.

2.2. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Partindo do pressuposto de que os conhecimentos se constroem ao longo da vida e que esta

construção tem uma progressão similar para todos os sujeitos, Piaget subordina a

aprendizagem ao desenvolvimento. Ou seja, o que a pessoa é capaz de compreender,

assimilar, aprender, enfim, depende de seu nível de desenvolvimento.

Page 42: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

42

Piaget (1973) traz uma abordagem de similaridade entre o desenvolvimento biológico e o

desenvolvimento mental. Assim como o organismo busca manter um estado de equilíbrio que

garanta a sobrevivência, assim também na organização mental o indivíduo busca a

organização das estruturas cognitivas em um sistema com coerência e interdependência, que

permita a adaptação do mesmo à realidade.

O conceito de processo de equilibração é um dos mais centrais à compreensão do

desenvolvimento na perspectiva piagetiana. Para esse autor, desde os esquemas inatos e

reflexos do bebê até as operações mentais complexas, o ser humano vai desenvolvendo

esquemas mentais adaptativos a cada nova situação com a qual se depara na interação com a

realidade. A todo o momento nos deparamos com situações novas que ameaçam o nosso

equilíbrio e nos impulsionam à busca de novos esquemas para lidar com as mesmas. A

construção de esquemas mais amplos e flexíveis é a consequência desta busca para um ser

humano em condições normais de interação.

Implícitos ao conceito de equilibração estão, na teoria piagetiana, os conceitos de assimilação

e acomodação. Quando o sujeito se depara com uma situação nova, em um primeiro

movimento busca solucioná-la através dos esquemas que já possui, resolvendo assim a

situação de desequilíbrio gerado pelo novo, através do processo de assimilação. Este caminho

só é possível quando as duas situações são idênticas, a exemplo: um motorista que dirige um

outro carro do mesmo porte, mas diferente do automóvel no qual construiu o esquema de

dirigir; um palestrante que discorre sobre o mesmo assunto em momentos diferentes, mas com

circunstâncias, contexto e público similares; uma criança que monta diferentes quebra-

cabeças, sendo todos do mesmo nível de dificuldade, entre outros. (RAPPAPORT, FIORI e

DAVIS, 1981).

Considerando que isto é raramente possível (pois que as situações dificilmente são idênticas),

o sujeito continuamente se vê compelido a construir novos esquemas adaptativos para estas

novas situações, alcançando assim um novo estado de equilíbrio, sempre provisório e

dinâmico. Usando os mesmos exemplos acima, o motorista que dirige com destreza um

automóvel de passeio, não conseguirá dirigir um ônibus ou caminhão utilizando apenas os

mesmos esquemas que já possui, necessariamente terá que desenvolver novos esquemas

próprios para lidar com as especificidades de máquinas deste porte; o palestrante que vai

discorrer sobre um assunto que ainda não domina ou para um público muito diferente daquele

Page 43: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

43

que está familiarizado, também necessitará desenvolver novos esquemas para atingir o

equilíbrio frente à nova situação.

Certamente que se trata aqui de uma divisão meramente didática, pois estes processos

ocorrem simultaneamente nos sujeitos e em um continuum no qual o indivíduo assimila –

acomoda – assimila – acomoda sem percepção de alternância destes processos. Ressalte-se

ainda que uma mesma situação demanda os dois processos, posto que o sujeito usa da

assimilação para resolução da parte da ação ou procedimento para o qual já possui esquemas

construídos e da acomodação para construir novos esquemas capazes de solucionar as partes

para as quais não possui ainda esquemas construídos.

Por esta compreensão o desenvolvimento é um processo de equilibração sucessiva que tende a

uma forma final: a aquisição do pensamento operacional formal. O equilíbrio é a forma pela

qual o indivíduo lida com a realidade buscando compreendê-la, a forma como organiza seus

conhecimentos/esquemas, visando a adaptação.

Em suas observações, Piaget (1970) identificou diferentes estágios de desenvolvimento pelos

quais passa o indivíduo, a cada um correspondendo determinados tipos de aquisições mentais

e de organização dessas ações. Cada estágio corresponde a uma forma particular de equilíbrio,

evoluindo para uma equilibração sempre mais completa e uma progressiva interiorização.

Iniciando com os reflexos inatos, que se transformam gradualmente nos esquemas sensoriais-

motores (Estágio Sensório-Motor), passando pela formação dos esquemas simbólicos (Fase

pré-operacional) e pela formação dos primeiros esquemas conceituais, ainda vinculados à

existência de objetos concretos no mundo exterior (Fase Operatória-Concreta), a criança vai

evoluindo até atingir o pensamento abstrato, as estruturas mais complexas às quais chegará

“normalmente”8 na adolescência.

Assim, este padrão intelectual adquirido na adolescência, persistirá durante toda a idade

adulta. Para Piaget, não ocorre uma estagnação, mas que atingido o grau de maturidade que

permite a realização de operações mentais formais, esta predominará na forma de raciocínio

utilizado pelo adulto, sendo o seu desenvolvimento posterior apenas no sentido da ampliação

de conhecimentos, e não mais na aquisição de novos modos de funcionamento mental.

8 Piaget acredita que a evolução dos estágios de desenvolvimento tem uma relação direta com a idade das

crianças, embora possa haver pequenas diferenciações.

Page 44: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

44

Bruner (1978), citando Piaget como fonte, também compreende que o desenvolvimento

(intelectual) se dê através de estágios que “grosso modo” classifica como estágio pré-

operacional, estágio de operações concretas e estágio das operações formais, sendo este o

último que o sujeito alcança. Em suas palavras:

Neste ponto é que a criança está apta a dar expressão formal ou axiomática às idéias

concretas que, anteriormente, orientavam a resolução de problemas mas não podiam

ser descritas, ou formalmente compreendidas. (BRUNER, 1978, p. 35)

Mas Bruner (1969) traz também muitas outras contribuições à compreensão de

desenvolvimento – que ele adjetiva ora como mental, ora como intelectual. Defende que este

crescimento não é gradual, comparando-o a uma escada com grandes degraus, uma sucessão

de lances de subida e patamares, com avanços para frente quando se inicia o desenvolvimento

de determinadas aptidões. Em relação a esses avanços, que ele compara a estágios ou lances

de degraus, reconhece a necessidade de que estas aptidões sejam alimentadas para que

amadureçam antes que outras possam aparecer. Quanto à sequência do aparecimento desses

saltos ou arrancos, acredita que não estão ligados à idade, mas sim às condições ambientais

que podem retardar, paralisar ou acelerar esta sequência.

Considerando que esses graus ou estágios têm sido descritos de variadas maneiras, mas

guardando alguma semelhança nestas variadas explicações, Bruner (1969) assim descreve sua

evolução:

Os primeiros estágios são essencialmente de manipulação (...) elevada instabilidade

e singeleza de atenção. (...) Segue-se um período de maior reflexão no qual a

criança é capaz de representação inversa, através de imagens representativas, de

crescentes porções no meio ambiente. (...) algo de muito especial acontece por volta

da adolescência, quando a linguagem (grifos nossos) se torna cada vez mais

importante como meio do pensamento: é a capacidade de trabalhar mais com

proposições do que com objetos; conceitos que se tornam mais hierárquicos em sua

estrutura (...) (p. 43)

Assim, reconhece no desenvolvimento humano, três sistemas que funcionam em paralelo,

para processar e representar informações, como fases internas do desenvolvimento: a) através

de manuseio e ação; b) através de organização perceptiva e de imagens; c) como aparelho

simbólico. A elaboração desses três sistemas de técnicas/três sistemas básicos de

instrumentos – “instrumentos para a mão, para os receptores à distância e para o processo de

reflexão” (BRUNER, 1969, p. 43) - permite ao organismo maduro o uso total das próprias

aptidões.

Page 45: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

45

A qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação no homem adulto, é um aspecto que

particularmente impressionou a Bruner (1969) pela forma como o adulto age na busca de

informações, reconhecendo as regularidades em um meio ambiente normalmente complexo,

apesar das suas limitações na capacidade para processar os dados e dos naturais riscos que

incorremos em qualquer ato de julgar ou fazer opções.

[...] Os seres humanos adultos e normais não só usam os menores índices fornecidos

pela apresentação de estímulos, em frações de segundos, como se servem deles

como plataforma para estabelecer previsões. A percepção envolve ultrapassar a

informação dada, com base em um modelo do universo de eventos que torne

possível interpolar, extrapolar e predizer. A rapidez da percepção reflete não só a

estrutura do estímulo [...] mas também a probabilidade da ocorrência de eventos em

dado contexto. [...] (p. 17)

Reconhecendo tratar-se de uma tentativa de explicação, visto que o desenvolvimento

intelectual tem muitas faces, Bruner (1969) desenvolve algumas considerações com vistas ao

seu entendimento:

1. “Aptidão para manter resposta invariável em face de mudanças no ambiente

estimulante, ou em modificar a resposta a um ambiente constante” (p. 19) – a

capacidade que o sujeito adquire de independência imediata ao estímulo do meio

ambiente, podendo manter ou alterar uma resposta independente da estimulação

externa direta.

2. Aptidão progressiva para fazer previsões e extrapolações além da informação

fornecida imediatamente pelo meio ambiente, em função de modelos armazenados a

partir da absorção de eventos diversos vivenciados.

3. Capacidade progressiva de representar por palavras ou símbolos, atitudes próprias ou

de outrem, levando o sujeito a eventualmente reconhecer a necessidade lógica, espírito

de análise própria da filosofia, que conduz os seres humanos para além de uma mera

adaptação empírica ao meio.

4. Ocorre a partir da interação sistemática e contingente, entre os sujeitos em processo e

outros que possam influenciá-lo, a exemplo de professores, a família, figuras de

identificação especial, heróis, etc..

5. Amplia-se com o desenvolvimento da linguagem, posto que esta não é apenas um

meio de comunicação, mas instrumento de ordenamento do meio ambiente.

6. Caracteriza-se pela “crescente capacidade para lidar com alternativas,

simultaneamente, atender a várias sequências, ao mesmo tempo, e distribuir tempo e

atenção, de maneira apropriada, a todas essas demandas múltiplas. (...)” (p. 20-21)

Page 46: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

46

Apesar das muitas convergências entre as perspectivas de Vygotsky e de Piaget, a relação

entre Desenvolvimento e Aprendizagem é um dos aspectos em que eles divergem de forma

mais significativa. Na concepção Vygotskiana, há uma profunda relação entre esses dois

processos: por um lado o indivíduo se desenvolve à medida que aprende a utilizar os signos

que atuam como mediadores dos processos psicológicos superiores; por outro lado, à medida

que se desenvolve o indivíduo se torna mais capaz de utilizar esses signos e sistemas de

signos, de forma mais competente e em diferentes contextos. Esta relação, portanto, tem um

caráter bidirecional, de influência e interconexão mútuas. (VYGOTSKY, 1989)

Um dos principais princípios da teoria Vygotskiana é a importância da interação social no

desenvolvimento das funções psicológicas superiores9. De acordo com este, as funções

superiores são geradas inicialmente na interação com os outros e só depois surgem no plano

individual. Ou seja, no desenvolvimento cultural da criança, qualquer função que exista

apareceu em dois planos distintos: primeiro o social (interpsicológica) e depois o individual

(intrapsicológica).

Neste processo de interação recíproca desenvolvimento/aprendizagem, o conceito de Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZDP) é certamente um dos conceitos mais conhecidos e

estruturantes da teoria de Vygotsky. A ZDP constitui-se como a zona de diferença entre

aquilo que o indivíduo já é capaz de realizar sozinho - Zona Real - e aquilo que ele só é capaz

de realizar se ajudado por um outro mais experiente - Zona Proximal.

A partir deste conceito, compreende-se então que há dois níveis de desenvolvimento: a) o

Nível de Desenvolvimento Real, que representa as capacidades que o indivíduo já adquiriu e

controla autonomamente e b) o Nível de Desenvolvimento Potencial, que indica a(s)

possibilidade(s) potencial(is) de aprendizado e desenvolvimento deste indivíduo.

É importante compreender que esses níveis de desenvolvimento têm caráter dinâmico e

complexo, que o indivíduo não se encontra em um único nível geral de desenvolvimento, mas

diferentes níveis, em relação a diferentes aspectos do desenvolvimento e para cada conteúdo

ou tarefa especificamente. Também é necessário ter clareza de que estes níveis não são

intrínsecos à pessoa nem existem anteriores à interação com os outros, mas se originam no

9 “mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano e que envolvem o

controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às

características do momento e do espaço presentes.” (OLIVEIRA, 1997, p. 26)

Page 47: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

47

processo mesmo da interação. Assim, uma mesma pessoa pode apresentar diferentes níveis de

desenvolvimento potencial a depender de com quem e como interage.

A relação entre esses dois níveis é complexa e dialética: o nível de desenvolvimento

real condiciona o nível de desenvolvimento potencial em um dado momento; por sua

vez, o desenvolvimento potencial, que depende das formas de ajuda e suporte

oferecidos por outras pessoas na interação, irá tornar-se eventualmente – de acordo

com a lei da dupla formação – desenvolvimento real. (SALVADOR et al, 2000, p.

261)

Convergentemente com a perspectiva Vygotskiana, Bruner (1978) também defende a

necessidade de ajudar a criança a avançar do pensamento concreto a formas mais conceituais

de pensar, considerando que seria ocioso tentar fazê-lo em uma lógica muito distante da

maneira como a mesma pensa. Assim descreve a sua compreensão sobre este processo que, a

nosso ver, é o mesmo princípio da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky:

O desenvolvimento intelectual da criança não é, porém, uma sequência cronométrica

de acontecimentos; o afetam também influências do ambiente, notadamente do

ambiente escolar. (...) Pode o mestre dirigir o desenvolvimento intelectual,

proporcionando oportunidades desafiantes, mas praticáveis, para a criança ir adiante

em seu desenvolvimento. A experiência tem demonstrado ser compensador o

esforço para oferecer, à criança em crescimento, problemas que a estimulem a passar

aos estágios seguintes de desenvolvimento. (...). (p. 37)

Wallon enfoca o desenvolvimento em três diferentes domínios: afetivo, cognitivo e motor.

Em seu trabalho busca identificar a relação entre esses diferentes domínios e sua influência na

formação da personalidade, em cada etapa do desenvolvimento. Tendo o materialismo

dialético como fundamento filosófico e método de análise, este autor opõe-se a qualquer

simplificação, na intenção constante de superar dicotomias e reducionismos, buscando

compreender e explicar a complexidade do real, “por uma perspectiva dinâmica,

multifacetada e extremamente original” (GALVÃO, 1995, p. 12)

Enfocando o ser humano em uma perspectiva global, este autor aponta campos funcionais que

agrupam as diferentes funções psíquicas presentes na atividade infantil: a afetividade, o ato

motor e a inteligência. Indiferenciados no início do desenvolvimento, estes campos vão

adquirindo independência no decorrer do desenvolvimento, sendo, a pessoa que integra esses

vários campos, compreendida como um todo que constitui um outro campo funcional.

É contra a natureza tratar a criança de forma fragmentária. Em cada idade constitui

um conjunto indissociável e original. Na sucessão de suas idades é um único e

mesmo ser em contínua metamorfose. (WALLON apud MAHONEY e ALMEIDA,

2002, p. 33)

Page 48: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

48

Assim como Piaget, Wallon (2008) também apresenta uma sequência de estágios de

desenvolvimento pelos quais o ser humano passa do nascimento à adolescência. São eles, na

ordem: Impulsivo Emocional (0 a 1 ano), Sensório-Motor e Projetivo (1 a 3 anos),

Personalismo (3 a 6 anos), Categorial (6 a 11 anos), Puberdade e Adolescência (11 anos em

diante).

Para entender o desenvolvimento na teoria de Wallon, o conceito de diferenciação é um

conceito central que indica um processo permanente na formação da personalidade humana.

[...] o estado inicial da consciência pode ser comparado a uma nebulosa, uma massa

difusa, na qual confundem-se o próprio sujeito e a realidade exterior. O recém-

nascido não se percebe como indivíduo diferenciado. Num estado de simbiose

afetiva com o meio, parece misturar-se à sensibilidade ambiente e, a todo instante,

repercutir em suas reações, as do seu meio. A distinção entre o eu e o outro só se

adquire progressivamente, num processo que se faz nas e pelas interações sociais.

(GALVÃO, 1995, p. 50)

Para este autor então, o processo de socialização é um processo de individuação progressiva.

O conflito eu-outro perpassa o processo de desenvolvimento da criança, estando presente

mesmo na vida adulta, em algumas situações específicas.

Aprofundando a reflexão sobre definições de inteligência, Wallon (2008) identifica uma

antinomia entre uma definição fundamentada na análise – através de provas definidas - das

aptidões psíquicas já desenvolvidas, que a resume a um poder de comparação e discriminação,

“aptidão para reconhecer a verdade” (p. 13). A outra definição tem o real como objetivo,

colocando em primeiro plano necessidades práticas: acomodar-se, adaptar-se, conhecer o real

para utilizá-lo, constituindo então a inteligência um instrumento de conhecimento que parte da

ação e retorna a esta.

A perspectiva de decompor a inteligência em seus fatores primários a partir de resultados de

testes é para este autor um método estático, com base estreita que não revela suas origens,

desdobramento, formas ou condições diversas. A outra perspectiva, ao fazer da inteligência

uma nova capacidade de adaptação da espécie, necessariamente precisa investigar seus inícios

e diferentes estágios, não podendo deixar de considerar o que cada um deles supõe como

circunstâncias novas. Defende assim Wallon (2008) a necessidade de alargar o campo de

estudos, reconhecendo-se que o desenvolvimento da inteligência sofre determinações

diferentes em cada espécie, que regulam e delimitam seu crescimento.

Page 49: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

49

Do exame destas determinações e da progressão das fases correspondentes podem-se

identificar as diferenciações ou elaborações que sucessivamente a inteligência foi passando, o

plano sobre o qual ela é construída e como suas funções nascem, se encadeiam ou articulam

mutuamente. Também por este método de análise é possível separar a inteligência das

situações nas quais ela pode exercitar-se, permitindo assim estabelecer comparações entre os

estágios que o mesmo indivíduo atravessa, em relação a outros indivíduos ou outras espécies.

Enfim, chega o momento da evolução da inteligência em que esta, através da utilização de

material e técnicas, ultrapassa o plano das simples possibilidades materiais e motoras para

relacionar-se com o meio. Conclui Wallon (2008) afirmando que estas três fontes de

comparação poderiam controlar-se mutuamente.

Outra contribuição relevante deste autor, ainda sobre a definição de inteligência nasce das

reflexões que desenvolve sobre Inteligência prática ou Inteligência das situações,

contrapondo-a ao conhecimento. A solução de problemas práticos acontece sem que

necessariamente a inteligência esteja presente em sua forma de expressão comumente vista

pelo homem adulto. Nas espécies animais mais próximas do homem, nas crianças e mesmo

em homens de qualquer idade, observam-se atos que implicam uma intuição variável e

apropriada das circunstâncias, aos quais não se pode negar o título de intelectual, mas que

também não englobam as puras situações mentais, sendo “um concurso de circunstâncias que

se impõem do exterior, atuais e materiais.” (WALLON, 2008, p. 18).

Para o autor, o que contrapõe esta inteligência das situações ao conhecimento “é que, em vez

de distinguir entre os objetos e as circunstâncias, ela realiza uma espécie de organização

dinâmica (...) fundem-se o campo das percepções exteriores.” (p. 18). Percepções exteriores,

permanentemente modificáveis para atender às necessidades do momento, possibilidades de

ação e fluidez dos desejos, entre outros, constituem fatores que entram a cada instante numa

estrutura una, como um conjunto indiviso. A inteligência prática se constitui então nas

modalidades desta estrutura, sua diversidade, maleabilidade e extensão de organização.

Para Bruner (1978), o caminho para o alcance das aprendizagens complexas é obter a

compreensão geral da estrutura de determinada matéria. Compreender a estrutura de uma

matéria é compreendê-la de modo que permita associar/relacionar à mesma, de maneira

significativa, outras informações, reflexões etc. Desta forma, uma aprendizagem anterior

torna mais fácil a aquisição de aprendizagens subsequentes, por oferecer uma visão geral a

partir da qual se tornem mais claras as relações entre as coisas encontradas antes e depois.

Page 50: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

50

Implícita à compreensão de aprendizagem de Bruner (1978, p. 11) está a convicção de que “os

fundamentos de qualquer assunto podem, de alguma forma, ser ensinados a quem quer que

seja, em qualquer idade.” À medida que o sujeito tem a seu dispor estas ideias básicas, o uso

eficiente das mesmas exige um aprofundamento constante do nível de compreensão, o que

pode ser conseguindo utilizando-as em formas cada vez mais complexas.

Defendendo o ensino da estrutura central da matéria de estudo como caminho mais eficiente

para a aprendizagem, Bruner apresenta quatro elementos de argumentação: a) o entendimento

dos fundamentos torna a matéria como um todo, mais compreensível; b) as características da

memória humana justificam a alocação dos pormenores em um padrão estruturado,

considerando que representações simplificadas têm um poder regenerativo que permite

reconstruir os pormenores, quando necessário; c) a compreensão de princípios e ideias

fundamentais funciona como um modelo para a compreensão de outras coisas semelhantes

que se pode encontrar – “transferência de aprendizagem”; d) reexaminando constantemente o

que já foi aprendido de forma básica, vai se reduzindo a distância entre o conhecimento

elementar e o conhecimento avançado.

2.3. MEDIAÇÃO SIMBÓLICA E LINGUAGEM

Optei por iniciar aqui pela abordagem Vygotskiana, tendo em vista as grandes contribuições

deste autor à abordagem dos dois conceitos em pauta.

Vygotsky (1984) identifica dois tipos de elementos mediadores que, embora análogos,

apresentam características bastante diferenciadas: os instrumentos e os signos, que vão

transformando-se ao longo do processo de desenvolvimento de cada indivíduo. Como funções

psicológicas superiores, os processos mediados vão se constituindo na relação do sujeito com

o mundo objetivo e no seu contato com as formas culturalmente organizadas para lidar com o

real.

A importância que este autor atribui aos instrumentos é apontada como fruto da sua filiação

teórica aos postulados marxistas, posto que compreende o trabalho como criador da cultura e

da história humanas, através da ação de transformação da natureza pelo homem,

desenvolvendo atividades coletivas, relações sociais, criando e utilizando instrumentos.

Os instrumentos, entretanto, são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora, com a

função de provocar mudanças nos objetos ou controlar a natureza, já os signos (também

Page 51: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

51

nomeados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”) voltam-se para dentro do sujeito, de

forma a controlar ações psicológicas próprias ou de outros.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado

problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à

invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age

como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um

instrumento no trabalho. (VYGOTSKY, 1984, p. 59-60)

A teoria Vygotskiana identifica ainda duas mudanças qualitativas fundamentais no uso de

signos: o processo de internalização e o desenvolvimento de sistemas simbólicos para

organizar os signos em estruturas mais complexas. É ao longo do processo de

desenvolvimento, operando mentalmente com o mundo, que o indivíduo deixa de necessitar

de marcas externas e passa a utilizar signos internos que substituem os objetos reais –

processo de internalização.

Compreender o processo de mediação simbólica na perspectiva de Vygotsky (1984) implica

reconhecer o caráter eminentemente cultural da formação desses sistemas simbólicos.

Fornecido pelo grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve, os sistemas de representação

da realidade fornecem ao indivíduo formas de perceber e organizar o real, representando uma

espécie de “filtro” através do qual o homem percebe e opera com o mundo.

Esta compreensão estrutura a dimensão sociocultural do desenvolvimento humano na

perspectiva de Vygotsky, pois é o grupo cultural que fornece ao indivíduo um ambiente

estruturado por elementos carregados de significado. É a partir da interação social, seja com

os outros membros da cultura ou com elementos do ambiente culturalmente estruturado que se

dá o desenvolvimento psicológico do indivíduo.

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes; primeiro no

nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica),

e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (VYGOTSKY, 1984, p. 962)

Como sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, a relação da linguagem com o

pensamento tem um lugar de destaque na teoria de Vygotsky (1989). Este autor identifica

duas funções básicas da linguagem: a) intercâmbio social e b) pensamento generalizante.

Apontada como principal função, o intercâmbio social consiste na comunicação com os

semelhantes. Utilizando sons, gestos e expressões para comunicar seu estado emocional, o

bebê vai desenvolvendo a aquisição da linguagem, percebendo que necessita utilizar signos

que sejam compreensíveis pelas outras pessoas.

Page 52: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

52

A segunda função da linguagem – pensamento generalizante, transforma-a em um

instrumento do pensamento. É ela quem ordena o real, agrupando objetos, eventos e situações

em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o objeto.

Na evolução do indivíduo (ontogênese) Vygotsky (1989) identifica um processo semelhante

ao ocorrido na evolução da história da espécie humana (filogênese): antes do pensamento e da

linguagem se associarem existe uma fase pré-linguística do pensamento e uma fase pré-

intelectual da linguagem. Na fase pré-linguística do pensamento e pré-intelectual da fala, está

presente uma espécie de inteligência prática, que permite um certo nível de interação no

ambiente e algumas manifestações verbais para o contato social. Inserida em um grupo

cultural, convivendo com membros mais maduros, a criança dará o salto qualitativo para o

pensamento verbal, quando então adquire a possibilidade de um funcionamento psicológico

mais sofisticado.

A abordagem de Bruner (1969) sobre a linguagem insere-se na discussão que o mesmo

desenvolve do processo de representação. Para este autor, é através da representação que a

criança se liberta da dependência aos estímulos imediatos, conservando a experiência anterior

em um modelo, que a permite recuperar posteriormente esta informação em outra

circunstância na qual este modelo possa se adequar.

Bruner (1969, p. 24) descreve três maneiras “transladar a experiência a um modelo do

mundo”. A primeira é através da ação, ocorre quando não encontramos imagens ou palavras

que possam fazê-lo – também chamada de representação ativa; a segunda forma de

representação baseia-se na organização visual - ou de qualquer outro sentido - e na utilização

de imagens, regendo-se basicamente, pela organização perceptiva e transformações dessa

organização – também chamada de icônica.

A terceira forma de representação é aquela que se dá por palavras, ou linguagem,

caracterizada pela natureza simbólica. Por serem arbitrários, os símbolos não trazem

correspondência direta com a coisa, são quase sempre altamente criadores e sua

compatibilidade permite variadas formas de condensação.

Para Bruner (1969), no processo de desenvolvimento intelectual o ser humano vai tornando-se

apto a comandar esses três tipos de representações, identificando ainda uma gradação ao

tratar-se do sistema simbólico, na tradução da experiência na linguagem. Inicialmente a

Page 53: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

53

criança usa a linguagem com o mesmo objetivo com que indica um determinado objeto ou

pessoa; gradualmente começa a utilizar as palavras para representar objetos ausentes;

continuando em seu desenvolvimento, passa a utilizar as palavras, manipulando-as

gramaticalmente, projetando-as como suporte à resolução de problemas mentais. O passo

seguinte deste processo é tornar as palavras “veículos para penetrar nas categorias do

possível, do condicional, do condicional contra-atual” (1969, p. 28), domínio este em elaborar

de forma complexa, representações do mundo da experiência possível.

Concluindo sua abordagem sobre a influência da linguagem nos processos cognitivos, Bruner

a coloca no centro no desenvolvimento intelectual, posicionando-se de forma critica em

relação às teorias de estímulo e resposta e afirmando que “os russos” (incluindo Vygotsky)

encontraram o caminho certo para a compreensão das representações como mediadoras.

Também Wallon compreende a linguagem como instrumento e suporte ao pensamento, tendo

com este uma relação de reciprocidade: ao tempo em que exprime o pensamento, age como

estruturante do mesmo. Assim, a aquisição da linguagem representa uma mudança radical na

forma da criança se relacionar com o mundo.

Com a linguagem aparece a possibilidade de objetivação dos desejos. A

permanência e a objetividade da palavra permitem à criança separar-se de suas

motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma experiência, antecipar,

combinar, calcular, imaginar, sonhar. (WALLON apud MAHONEY e ALMEIDA,

2002, p. 33)

Para além do foco específico na linguagem, Wallon (2008, p. 88) faz também uma reflexão

interessante sobre a abordagem de Piaget para a sociabilidade. Para este autor, Piaget adota

uma concepção análoga à contraposição Mito e razão - histórica no estudo comparado da

inteligência, ao contrapor também radicalmente o raciocínio da criança ao do adulto. No

raciocínio da criança, explicado pelo termo egocentrismo, ainda para Wallon, Piaget identifica

um pensamento que mistura o real ao desejo, a lógica ao incidente fortuito, a ordem objetiva

aos sentimentos, aos hábitos e ao devir individuais. Piaget deduz então que a evolução do

pensamento infantil para o estágio adulto, através do choque do pensamento egocêntrico com

os pontos de vista opostos ou divergentes, estaria ligada a um progresso de sociabilidade. Ao

perceber a existência das pessoas próximas, a criança aprenderia a sair do seu isolamento

psíquico, sendo capaz de imaginar relações de reciprocidade entre as pessoas e destas deduzir

relações neutras e objetivas entre as coisas.

Page 54: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

54

Neste ponto reside a crítica de Wallon (2008), que acredita ser necessário inverter a ordem

dos fatores, ou seja, conceber a estreita sociabilidade que a criança estabelece desde o início

com o seu ambiente humano, por conta da dependência em relação a este, sem o qual não

pode satisfazer nenhuma necessidade e pelo qual se pautam todas as suas aptidões intuitivas.

Pela concepção Walloniana, o que é necessário à criança em sua evolução não seria um

avanço, mas um recuo de sociabilidade, no qual a criança retome o domínio de si em face dos

outros, em uma delimitação que é efeito da evolução intelectual. E ainda, para cada idade a

sociabilidade adquire a forma que o nível de organização mental permite, não cabendo à

sociabilidade regular as relações que inteligência identifica entre as coisas.

A reflexão de Bruner que pode ser inserida nesta perspectiva de mediação refere-se ao

conceito que de tradução. A hipótese de que qualquer matéria pode ser ensinada a qualquer

pessoa em qualquer idade, implica na ação do sujeito mediador – na construção teórica de

Bruner (1978, p. 31-32) esta tarefa é do professor – “de representar a estrutura da referida

matéria em termos da visualização que a criança tem das coisas”.

2.4. EMOÇÃO E COGNIÇÃO

Neste aspecto da análise dos processos cognitivos, certamente foi H. Wallon quem mais se

debruçou em seus postulados teóricos. Considerando a emoção com um dos campos

funcionais do funcionamento psíquico do indivíduo, este autor traz a abordagem deste

elemento para um status de relevância não atribuído pelos outros dois teóricos aqui

abordados.

Analisando a teoria walloniana, Galvão (1995) considera que o estudo das emoções é um

exemplo da utilização do método dialético na psicologia, posto que esta é uma manifestação

de natureza paradoxal, que se encontra na origem da consciência, operando a passagem do

mundo orgânico para o social.

Buscando evitar as dicotomias e reducionismo no trato das emoções, Wallon (2008) busca

compreender a sua função, defendendo que estas são reações comandadas do sistema nervoso

central, situando-se em uma região específica do cérebro, logo, possuem alguma utilidade.

Além deste argumento, observa ainda que a emoção é comportamento predominante apenas

no primeiro ano de vida, reduzindo-se até a vida adulta, quando aparece de forma minimizada

e controlada pelas funções psíquicas superiores.

Page 55: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

55

Ao focar sua análise para a criança, Wallon afirma “que é na ação sobre o meio humano, e

não sobre o meio físico, que deve ser buscado o significado das emoções.” (GALVÃO, 1995,

p. 59). A sobrevivência do bebê humano depende da proteção e cuidado dos adultos,

entretanto a ação do outro (adulto responsável pelo cuidar) não é só de atender às

necessidades básicas do recém-nascido, mas de acolher e interpretar as suas reações,

comunicando-se com ele.

Desta forma, o que ocorre entre o bebê e o adulto que o cuida é uma comunicação afetiva que

dialoga através de elementos corporais e expressões. À medida que o bebê, na interação com

o outro, vai percebendo a relação entre os seus movimentos e expressões e o ambiente, os

utiliza cada vez mais de forma intencional, até se tornarem mesmo “expressão, afetividade

exteriorizada”.

Wallon (2008) distingue afetividade de emoção, caracterizando a última por ser sempre

acompanhada de alterações orgânicas, visíveis exteriormente e com alto grau de contágio e

potencial mobilizador entre os humanos. A afetividade é considerada um conceito mais

abrangente que inclui várias outras formas de expressão.

A partir da aquisição da linguagem a criança passa a dispor de recursos mais amplos e

diversificados para expressar seus estados afetivos, que não impliquem necessariamente em

alterações corporais visíveis. Assim, no decorrer do desenvolvimento, a afetividade vai

adquirindo independência das expressões corporais.

Nas palavras do próprio Wallon (apud GALVÃO, 1995, p. 63-64):

As emoções podem ser consideradas, sem dúvida, como a origem da consciência,

visto que exprimem e fixam para o próprio sujeito, através do jogo de atitudes

determinadas, certas disposições específicas de sua sensibilidade. Porém, elas só

serão o ponto de partida da consciência pessoal do sujeito por intermédio do grupo,

no qual elas começam por fundi-lo e do qual receberá as fórmulas diferenciadas de

ação e os instrumentos intelectuais, sem os quais lhe seria impossível efetuar as

distinções e as classificações necessárias ao conhecimento das coisas e de si mesmo.

Considerando a emoção como essencialmente social, a teoria walloniana ressalta que as

reações que esta provoca no ambiente atuam como retroalimentação à sua manifestação. Ou

seja, estas se mantêm ou cessam a depender das reações do meio.

Utilizando dados da antropologia Wallon (2008) aponta como o contágio característico da

emoção representa um elemento de agregação de grupos sociais nas sociedades primitivas.

Page 56: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

56

Cerimônias rituais, jogos, danças etc., vivenciados por todos do grupo, estabelecem uma

comunhão, uma sintonia afetiva que funde o grupo em uma mesma emoção, sem que haja

nenhuma relação intelectual. As emoções aparecem então como forma primeira, mas tendem

a ser substituídas quando os grupos sociais dispõem de outros recursos técnicos ou

intelectuais para garantir a coesão do grupo e adaptação ao meio.

Podemos também buscar em Bruner (1978, p. 12) uma perspectiva que se refere a outra esfera

da cognição, para além da visão reducionista que a limita à racionalidade - a ênfase que o

mesmo atribui à intuição: “O pensamento intuitivo, o treinamento dos palpites, é um aspecto

muito desprezado e essencial do pensamento produtivo.”

Compreendendo intuição como “o ato de captar o sentido, o alcance ou a estrutura de um

problema ou situação” (1978, p. 55-56) sem para isto utilizar-se dos recursos do pensamento

analítico (a seguir faremos a sua distinção em relação ao pensamento intuitivo), Bruner

considera a possibilidade da adivinhação, do levantamento de hipóteses como forma de busca

pela conclusão ou resolução da situação problema – ação que o mesmo identifica como

tipicamente de um pesquisador.

Reconhecendo e lamentando o ainda pequeno conhecimento disponível sobre a natureza do

pensamento intuitivo e do que pode influenciá-lo, contribui para este desvelamento,

diferenciando-o do pensamento analítico. O pensamento analítico caminha passo a passo,

cada passo explícito, podendo ser relatado por aquele que pensa, posto que se processa com a

consciência do sujeito sobre as informações e operações implicadas. “Pode envolver

raciocínio cauteloso e dedutivo, (...). Ou pode envolver um processo gradativo de indução e

experimento, empregando princípios de técnica de pesquisa e de análise estatística.”

(BRUNER, 1978, p. 53)

O pensamento intuitivo, diferentemente, não se caracteriza por uma progressão passo a

passo, tendendo aparentemente à utilização de uma percepção implícita do problema total,

alcançando uma resposta, correta ou não, quase sem consciência de como a alcançou, tendo o

sujeito que pensa grande dificuldade em relatar os caminhos que o levaram àquela

determinada resposta. Bruner ressalta, entretanto, que este tipo de pensamento normalmente

ocorre em campos do conhecimento que o sujeito tem maior familiaridade, domínio da

estrutura desse conhecimento, o que o possibilita dar saltos ao pensamento, ultrapassando

certas etapas e utilizando espécies de atalhos.

Page 57: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

57

Reconhecendo o caráter de risco deste tipo de pensamento e a necessidade de comprovação

dos seus resultados, ao tempo em que defende a sua prática como impulsionadora da

aprendizagem e da construção do conhecimento, Bruner (1978, p. 54) defende a natureza

complementar dois tipos de pensamento:

Cremos que deveria ser reconhecida a natureza mutuamente complementar dos

pensamentos intuitivo e analítico. Através do pensamento intuitivo, o indivíduo

poderá, muitas vezes, chegar a soluções para problemas que não conseguiria

alcançar de modo algum ou, quando muito, só mais lentamente, através do

pensamento analítico. Uma vez conseguidas por métodos intuitivos, essas soluções

deverão, se possível, ser verificadas por métodos analíticos, sendo ao mesmo tempo

respeitadas como hipóteses válidas para tal verificação.

3. O olhar da Biologia da Cognição: Maturana e Varela

Defendendo como tese central a perspectiva de que vivemos no mundo, compartilhando com

outros seres vivos o processo vital e por isto fazemos parte dele e somos responsáveis pelo

que lhe ocorre, a Biologia da Cognição nos alerta de que construímos e somos construídos

pelo mundo em que vivemos. Construímos o nosso conhecimento do mundo no percurso da

vida, mas mesmo que não percebamos, somos o tempo inteiro influenciados, modificados

pelo que vemos e sentimos.

Como contribuições à reflexão e entendimento do que seja a cognição, trago deste enfoque

biológico, os conceitos de conhecimento como ação efetiva, organização autopoiética,

acoplamento estrutural, deriva natural, domínios comportamentais, clausura

operacional, comunicação, conduta cultural, domínios linguísticos e consciência

humana.

Ao compreender a vida como um processo de conhecimento, esta perspectiva concebe que é

através da interação com os demais que os seres vivos constroem conhecimento: “Aprendem

vivendo e vivem aprendendo” (MATURANA e VARELA, 2001, p. 12). Como uma

alternativa à posição representacionista, na argumentação desses autores, o conhecimento vai

além do processamento de informações de um mundo que existe antes da experiência do

observador, os seres vivos são autônomos, produzem a si próprios ao interagir com o meio.

Mas ao tempo em que, percebidos isoladamente, os seres vivos são autônomos, se observados

em seu relacionamento com o meio, é obvia a dependência de recursos externos para viver.

Desta forma, autonomia e dependência constroem uma à outra, numa dinâmica circular:

Page 58: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

58

toda experiência cognitiva inclui aquele que conhece de um modo pessoal, enraizado

em sua estrutura biológica, motivo pelo qual toda experiência de certeza é um

fenômeno individual cego em relação ao ato cognitivo do outro, numa solidão que

só é transcendida no mundo que criamos junto com ele. (MATURANA e VARELA,

2001, p. 22)

Não há um mundo (fatos, objetos etc.) que está fora e é captado pelo sujeito, mas cada sujeito,

no ato de conhecer, resignifica o visto/experimentado, construindo um modo único de

perceber o mundo. Assim, a interação de um organismo é um ato cognitivo, viver é conhecer.

Os seres vivos produzem continuamente a si próprios, em uma forma de organização

autopoiética, organização esta que caracteriza o ser humano: “(...) um sistema autopoiético

(...) se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua

própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis”. (MATURANA e

VARELA, 2001, p. 55). O que é mais específico neste tipo de organização é que o sujeito é o

seu produto, não havendo assim separação entre produtor e produto.

A mudança estrutural nos seres vivos é contínua e incessante, ocorrendo simultaneamente e

de formas variadas. Entretanto, é importante ter claro que nos seres vivos, determinação e

acoplamento estrutural ocorrem na contínua conservação da autopoiese, estando tudo

subordinado a esta conservação.

MATURANA e VARELA (2001) trazem para a explicação sobre o conhecimento, o conceito

de ontogenia. Considerada como a história de mudanças estruturais que ocorrem em uma

determinada unidade - garantida a manutenção da sua organização - a ontogenia se constrói

mediante a modificação estrutural contínua na unidade, como consequência das interações

desta com o meio ou como resultado de sua dinâmica interna, em uma transformação que não

cessa até que esta unidade se desintegre.

O acoplamento estrutural ocorre quando duas (ou mais) unidades autopoiéticas estão

acopladas em sua ontogenia, pelo caráter recorrente ou muito estável de suas interações.

Ressalte-se que essas interações da estrutura com o meio embora desencadeiem modificações

estruturais das unidades autopoiéticas, não as determina, assim como não determinam o meio.

A história de mudanças estruturais na interação unidade e meio é de perturbações mútuas e

concordantes, até que ambos se desintegrem. Enquanto existir compatibilidade ou

comensurabilidade entre meio e unidade ambas desencadearão mutuamente mudanças de

estado, em um processo contínuo que caracteriza o acoplamento estrutural. É a estrutura da

Page 59: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

59

unidade que determina sua forma de interação com o meio, de modo que a variação

ontogênica resulta em diferentes maneiras de ser e configurações do mundo.

Cada interação organismo – meio é uma interação específica, na qual o meio atua em contínua

seleção das mudanças estruturais que o organismo viverá em sua ontogenia, da mesma forma

que os seres vivos operam como seletores das mudanças estruturais do meio. É também na

abordagem sobre o acoplamento estrutural que os autores apresentam sua compreensão de

aprendizagem como expressão deste, “que manterá sempre uma compatibilidade entre o

funcionamento do organismo e o meio em que ele ocorre.” (MATURANA e VARELA, 2001,

p. 192)

Neste ponto da argumentação, surge o conceito de deriva natural:

[...] diante desse fenômeno de acoplamento estrutural entre os organismos e o meio

como sistemas operacionalmente independentes - , a manutenção dos organismos

como sistemas dinâmicos em seu meio aparece como centrada em uma

compatibilidade organismo/meio. É o que chamamos de adaptação. Por outro lado,

se as interações do ser vivo em seu meio se tornam destrutivas, de modo que ele se

desintegra pela interrupção de sua autopoiese, diremos que o ser vivo perdeu a sua

adaptação. Portanto, a adaptação de uma unidade a um meio é uma consequência

necessária do acoplamento estrutural dessa unidade nesse meio, [...]. Em outras

palavras: a ontogenia de um indivíduo é uma deriva de modificações estruturais com

invariância da organização e, portanto, com conservação da adaptação.

(MATURANA e VARELA, 2001, p. 116)

Considerando que organismos e meio variam de modo independente, é o jogo entre as

condições históricas em que ocorrem as variações e as propriedades intrínsecas dos indivíduos

que determinará a constância e a variação do resultado Partindo desta compreensão, Maturana

e Varela (2001) consideram forçoso reconhecer que cada situação resulta de variações

aleatórias, e que a descrição do percurso destas variações só é possível a posteriori – como

um barco à deriva. Concluem assim que evolução é uma deriva natural, decorrência da

invariância da autopoiese e da adaptação, todos nós surgimos desta mesma lei que é a

conservação da identidade e da capacidade de reprodução.

Considerando que a previsibilidade nem sempre é possível, seja por nossa limitada capacidade

de observação, déficit conceitual ou mesmo porque há sistemas que mudam de estado quando

observados, precisamos nos reconhecer como observadores incapazes de propor um sistema

explicativo científico para os fenômenos que, em verdade, vemos como aleatórios.

[...] todos os organismos, [...] funcionam como funcionam e estão onde estão a cada

instante, como resultado de seu acoplamento estrutural. [...] Num sentido estrito,

Page 60: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

60

nada é acidental. No entanto, nossa experiência é de liberdade criativa e, do nosso

ponto de vista, o fazer dos animais superiores parece imprevisível. (MATURANA e

VARELA, 2001, p. 139)

Problematizando o papel do sistema nervoso nos domínios comportamentais, esses autores

refletem sobre a visão mais difundida, que o considera como um instrumento do organismo na

obtenção de informações do ambiente, a serem utilizadas posteriormente na construção de

uma representação de mundo. Retomam a perspectiva do sistema nervoso como parte do

organismo - logo, funcionando com determinação estrutural – para afirmar que não pode o

meio determinar suas mudanças, mas apenas desencadeá-las. Consideram que estamos “no fio

da navalha”, por um lado supondo que o sistema nervoso funciona com representações do

mundo – o que nos cega para a compreensão deste como um sistema determinado e com

clausura operacional – e por outro a armadilha de negar o meio circundante, concluindo que

tudo é possível – o que seria “o extremo da solidão cognitiva absoluta, ou solipsismo.”

(MATURANA e VARELA, 2001, p. 150)

Como solução para o que consideram um abismo, propõem ampliar a perspectiva, sem

considerar o comportamento dos seres vivos como uma invenção do sistema nervoso, mas

reconhecendo que sua presença expande as possibilidades de conduta ao dotar o organismo de

uma estrutura versátil e plástica.

A reflexão sobre o sistema nervoso em seu papel no comportamento dos seres vivos traz em

seu bojo o conceito de clausura operacional, ao definir o seu funcionamento como “uma

rede fechada de mudanças de relações de atividade entre seus componentes” de tal forma que

“quaisquer que sejam suas mudanças elas geram outras modificações dentro dele mesmo”.

(MATURANA e VARELA, 2001, p. 183)

Ainda tratando do sistema nervoso, os autores desenvolvem uma crítica à comparação entre o

cérebro e o computador, considerando esta uma metáfora equivocada posto que o sistema

nervoso, como resultado de deriva filogenética, não funciona captando informações do meio,

“(...) ele constrói um mundo, ao especificar quais configurações do meio são perturbações e

que mudanças estas desencadeiam no organismo. (...)” (MATURANA e VARELA, 2001, p.

188). E ainda, sua capacidade de transformação contínua, permanecendo coerente com as

transformações do meio - de cada interação que o afeta - constitui a grande riqueza plástica do

sistema nervoso nos seres vivos.

Page 61: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

61

Para compreender a comunicação nesta perspectiva, faz-se necessário compreender os

fenômenos sociais como acoplamentos estruturais de terceira ordem. Quando organismos com

sistema nervoso interagem de forma recorrente ao longo de sua ontogenia, representando

mútua fonte de perturbações, estabelece-se um acoplamento estrutural – permitindo a

manutenção da individualidade de cada um – de diferentes complexidades e estabilidades.

Este acoplamento estrutural entre indivíduos constitui então um fenômeno social, e dentro

deste, a comunicação é compreendida como “o desencadeamento mútuo de comportamentos

coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social. (...)” (MATURANA e

VARELA, 2001, p. 215).

Criticando também a metáfora da comunicação produzida em um ponto e transmitida para o

outro extremo – o receptor – por meio de um tubo, os autores consideram que:

[...] essa metáfora é fundamentalmente falsa, porque supõe a existência de uma

unidade não estruturalmente determinada na qual as interações são instrutivas [...] a

comunicação não acontece assim: cada pessoa diz o que diz ou ouve o que ouve

segundo sua própria determinação estrutural. [...] sempre há ambigüidade numa

interação comunicativa. O fenômeno da comunicação não depende daquilo que se

entrega, mas do que acontece com o receptor. [...] muito diferente de “transmitir

informação”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 218).

A abordagem sobre domínios linguísticos surge no bojo da compreensão das sociedades

humanas também contendo clausura operacional. Os componentes das comunidades humanas

existem como unidades e a conservação da adaptação do ser humano como organismo exige

que ele funcione nos domínios linguísticos Também os sistemas sociais exigem

comportamentos acoplados estruturalmente em domínios linguísticos, nos quais os

comportamentos possam operar, ampliando as propriedades dos componentes desse sistema.

Como decorrência do conjunto de interações comunicativas, surgem as condutas culturais:

“(...) configurações comportamentais que, adquiridas ontogeneticamente na dinâmica

comunicativa de um meio social, são estáveis através de gerações.” São as interações

comunicativas ontogeneticamente determinadas que permitem uma certa invariância na

história de um grupo, indo além da história particular dos sujeitos que participam deste

grupo, estabelecendo um domínio de condutas comunicativas ou comportamentos

coordenados associados a termos semânticos.

Voltando à discussão da linguagem, para esses autores sua característica-chave é que

“modifica de maneira tão radical os domínios comportamentais humanos, possibilitando

Page 62: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

62

novos fenômenos, como a reflexão e a consciência. (...) permite, a quem funciona nela,

descrever a si mesmo e à sua circunstância”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 232). A

linguagem só existe quando se produz a reflexão linguística, é a partir dela que o domínio

semântico passa a constituir o meio, e os seres humanos a existirem, conservando sua

adaptação a partir deste domínio semântico criado.

É ao modo recursivo de operação da linguagem que a biologia da cognição atribui a

experiência do que chamamos consciência. Da mesma forma que o ser vivo se conserva como

unidade em meio às perturbações do meio e da sua própria dinâmica comportamental, a

coerência e estabilização da sociedade como unidade se processará a partir do funcionamento

e ampliação da linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional é o que

experimentamos como consciência e como “nossa” mente. (MATURANA e VARELA, 2001,

p. 255)

O fenômeno do mental e da autoconsciência só existe em função do aparecimento da

linguagem no homem e do contexto social em que ela surge. A dinâmica de ambos pertence

ao domínio do acoplamento social, no qual “funcionam como seletores do caminho que segue

nossa deriva estrutural ontogênica”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 257)

4. Um olhar sociopolítico: Paulo Freire

Muito conhecido como educador, em verdade Paulo Freire legou à humanidade - como

afirmam muitos “freirianos” - uma Teoria do Conhecimento e uma Filosofia da Educação.

Com uma obra que se constitui basicamente de reflexões sobre práticas efetivamente

vivenciadas, Freire traz significativas contribuições para a compreensão dos processos

cognitivos, em uma abordagem antropológica, epistemológica e acima de tudo política, na

qual teoria e prática são absolutamente indissociáveis. Como afirma Gadotti (1996, p. 77):

“Paulo Freire não pensa pensamentos. Pensa a realidade e a ação sobre ela. Trabalha

teoricamente a partir dela.”

Na busca deste aporte teórico para a discussão sobre cognição, selecionei alguns conceitos

que considero estruturantes a esta construção: Libertação, Conscientização, Diálogo e

Comunicação.

Em sua abordagem essencialmente política, liberdade e libertação constituem a tese central,

condição essencial de humanização de homens e mulheres, objetivo fim de qualquer processo

Page 63: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

63

educativo. A conscientização e o diálogo são o caminho para esta libertação, por sua vez,

condição de autoafirmação do sujeito.

Gadotti ressalta (1996, p. 107): “A dialética hegeliana entre o Senhor e o Escravo está

presente em toda a sua obra. Contudo, ela se encontra como quadro teórico particular de sua

obra principal: Pedagogia do Oprimido”. Imersa no mundo do opressor, a consciência do

oprimido vive uma dualidade: ao tempo em que hospeda em si os valores, as ideias, a visão

de mundo do dominador e teme a liberdade, a deseja, ansiando pela libertação. Para Freire, o

oprimido vive assim uma luta interna, que precisa deixar de ser individual para ser coletiva:

“(...) ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam

em comunhão”. (FREIRE, 1979, p. 42)

Enquanto a tomada de consciência é o momento em que o sujeito se distancia da realidade

para percebê-la criticamente, a conscientização é um passo além, constituindo-se em ação

transformadora. Freire desenvolve o conceito de “consciência transitiva crítica” - a

consciência articulada com a práxis, ao mesmo tempo desafiadora e transformadora, e que só

é alcançada com o diálogo crítico, a fala e a convivência (GADOTTI, 1996).

O conhecido Método Paulo Freire concretiza esta compreensão quando propõe para o

processo de alfabetização (leitura da palavra / leitura do mundo) três momentos dialética e

interdisciplinarmente indissociáveis: a) a investigação temática - educador e educandos

buscam juntos palavras do universo vocabular com significado naquele contexto local

específico, na realidade daqueles sujeitos; b) a tematização – coletivamente, no dialógico

crítico e entre iguais, codificam e decodificam esses temas, seu significado social, adquirindo

uma nova consciência sobre o real; e c) a problematização – consciências livres, construindo

uma visão crítica, buscam a ação transformadora.

“(...) ninguém educa ninguém. Ninguém se educa sozinho. Os homens se educam

juntos, na transformação do mundo”. (FREIRE, 1979, p. 81)

O diálogo horizontal entre sujeitos – educador e educando – que se respeitam, não apenas

como seres humanos, mas no reconhecimento de que são ambos detentores de saberes (saber

científico e saber popular), está presente na compreensão de Freire sobre a construção do

conhecimento. O contexto que provoca a construção do conhecimento tem em si,

necessariamente: o reconhecimento da existência de um saber popular, gerado na prática

social do povo, a participação do sujeito da aprendizagem e o reconhecimento de que a forma

Page 64: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

64

de trabalhar, o processo do ato de aprender é determinante em relação ao próprio conteúdo da

aprendizagem (exemplo: a impossibilidade de aprender a ser democrata com métodos

autoritários).

Freire ressalta, entretanto, que reconhecer e valorizar o saber de todos, não significa

espontaneísmo, deixar os estudantes entregues a si próprios. Ele ressalta o papel do educador

de fazê-los avançar, posto que esta é sua função de educador, que o difere dos educandos.

Registro aqui uma convergência com o papel que Vygotsky também atribui ao professor, de

desafiar o desenvolvimento do sujeito que aprende, indo além do que o mesmo já conhece e é

capaz de desenvolver sozinho.

O diálogo para Freire, sempre em uma relação horizontal, nutre-se de amor, humildade,

esperança, fé e confiança, devendo o educador (ou mediador, em outras circunstâncias) saber

escutar as urgências e opções do educando e exercitar a tolerância, no sentido da convivência

com a diferença.

A relação dialógico-dialética entre educador e educandos, aprendendo juntos, é a base da

concepção problematizadora da educação, posta por Freire em contraposição à concepção

bancária. Na educação bancária o educador é o sujeito do processo, enquanto os educandos

são meros objetos nos quais é “depositado” o saber de quem sabe (o educador). A educação

problematizadora reconhece o educando como alguém que tem toda uma experiência de vida

e por isso também é portador de um saber.

Este foi um aprendizado longo, que implicou uma caminhada, nem toda vez fácil,

quase sempre sofrida, até que me convencesse de que, ainda quando minha tese,

minha proposta fossem certas e em torno delas eu não tivesse dúvida, era imperioso,

primeiro, saber se elas coincidiam com a leitura de mundo dos grupos ou da classe

social a quem falava; segundo, se impunha a mim estar mais ou menos a par,

familiarizado, com sua leitura de mundo, pois que, somente a partir do saber nela

contido ou nela implícito me seria possível discutir a minha leitura de mundo, que

igualmente guarda e se funda num outro tipo de saber. (FREIRE, 1994, p. 24)

Em Pedagogia da Esperança, Freire (1994, p. 26) relata uma experiência que vivenciou ainda

no início de sua vida profissional, falando sobre educação e castigos físicos a pais de alunos

de uma comunidade carente de Recife – PE. Em uma linguagem bem tipicamente sua, Freire

emociona o leitor ao relatar a fala de um pai de aluno que ele diz “enxergar” sempre, em

qualquer outra plateia onde esteja, lembrando-lhe da importância de conhecer o saber

daqueles com os quais se está dialogando:

Page 65: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

65

“Agora eu queria dizer umas coisas ou doutor, que acho que os meus companheiros

concordam”. Me fitou manso mas penetrantemente e perguntou: “dr. Paulo, o senhor

sabe onde agente mora? O senhor já esteve na casa de um de nós ? (...). Falou do

cansaço do corpo, da impossibilidade dos sonhos com um amanhã melhor. Da

proibição que lhes era imposta de ser felizes. De ter esperança.” (FREIRE, 1994, p.

26)

Como exigência existencial, é o diálogo que possibilita a comunicação permitindo que os

sujeitos dialogantes ultrapassem a dimensão da vivência imediata.

Como um ser de relações, o homem é desafiado pela natureza, transformando-a com o seu

trabalho, constituindo assim o mundo. “O mundo da cultura que se prolonga no mundo da

história” (FREIRE, 1985, p. 65). Para Freire, este mundo social e humano só existe a partir da

comunicabilidade, é a intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo

cultural e histórico, estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto.

Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples relação do sujeito

cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação comunicativa entre sujeitos

cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.

(FREIRE, 1985, p. 65)

Tratando de comunicação, neste mesma obra, Freire cita o estudo que Eduardo Nicol

desenvolve sobre as relações constitutivas do conhecimento, afirmando que às três relações já

conhecidas - a gnosiológica, a lógica e a histórica – Nicol acrescenta uma quarta, de

fundamental importância ao ato de conhecer: a relação dialógica. Argumentando que não

existe pensamento isolado, posto que o homem não é isolado, Freire concebe no ato de pensar

a exigência do sujeito que pensa, do objeto pensado (que atua como mediador com o outro

sujeito da comunicação) e da comunicação entre os sujeitos, esta ocorrendo através dos signos

linguísticos.

Deste modo, além do sujeito pensante, do objeto pensado, haveria como exigência

(tão necessária como a do primeiro sujeito e a do objeto), a presença de outro sujeito

pensante (...). Seria um verbo “co-subjetivo-objetivo”, cuja ação incidente no objeto

seria, por isto mesmo, co-participada. (FREIRE, 1985, p. 66)

É na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar, que ocorre a comunicação. Esta

coparticipação é tão estruturante na forma como Freire (1985, p. 66) concebe a educação que

ele chega a negar a existência de um pensar sozinho: “Não há um ‘penso’, mas um

‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário”. Nega também o

objeto como incidência terminativa do pensamento de um sujeito, recolocando-o na função de

mediatizar a comunicação, esta sim, essencial ao pensar, ao conhecer.

Page 66: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

66

A compreensão do pensamento para Freire implica o reconhecimento de sua dupla função:

cognoscitiva e comunicativa. O que caracteriza a comunicação é o diálogo e o diálogo

necessariamente é comunicativo. Não é possível que um conteúdo seja simplesmente

comunicado a um outro sujeito posto que a comunicação implica numa reciprocidade sem a

qual não há “um significado significante mediador dos sujeitos”. (FREIRE, 1985, p. 67). São

os sujeitos que, em uma relação dialógico-comunicativa, se comunicam o seu conteúdo.

Esta comunicação se dá através de signos linguísticos, logo, é indispensável que os sujeitos

comunicantes acordem um significado para estes signos, partilhado entre ambos, de forma a

haver a compreensão. Para Freire, compreensão, inteligibilidade e comunicação, são

processos inseparáveis e simultâneos.

Vê-se assim que a busca do conhecimento que se reduz à pura relação sujeito

cognoscente-objeto cognoscível, rompendo a “estrutura dialógica” do conhecimento,

está equivocada, por maior que seja sua tradição. (FREIRE, 1985, p. 68)

Por fim, reconhecendo na comunicação eficiente a exigência de que sujeitos comunicantes,

mediatizados pela “ad-miração” a um mesmo objeto, expressem-se através de signos

linguísticos comum a ambos - coerente com todo o seu pensar - Freire (FREIRE, 1985, p. 70)

destaca que na comunicação “não pode ser rompida a relação pensamento-linguagem-

contexto ou realidade”.

Ainda na busca de elementos do pensamento freiriano para compreender a cognição,

encontrei em Gadotti (1996) um interessante quadro comparativo das ideias de Freire com

vários pensadores contemporâneos, que complementa, a meu ver, os conceitos acima

trabalhados.

Segundo este autor, com Picho-Riviere - embora seguindo práticas diferentes - Paulo Freire

tem em comum a busca da transformação através da consciência crítica. Em comum com

Célestin Freinet, a crença na capacidade de o aluno organizar sua própria aprendizagem. Com

Carl Rogers existiriam muitos pontos em comum, entre eles: “o respeito à liberdade de

expressão individual, a crença na possibilidade de os homens resolverem, eles próprios, seus

problemas, desde que motivados interiormente para isso.” (1996, p. 90)

Ainda com Rogers, Gadotti (1996) destaca como convergência em Freire a compreensão do

educando como responsável pelo seu processo de aprendizagem possuindo a força do

Page 67: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

67

crescimento e autoavaliação; a educação compreendendo o educando “como pessoa inteira,

com sentimentos e emoções”. (1996, p. 90-91)

Com John Dewey e Anísio Teixeira, Gadotti (1996) destaca a relevância que Freire dá ao

conhecimento da vida da comunidade local, embora com grande diferença na noção de cultura

entre eles, posto que a perspectiva de Paulo Freire é antropológica. A relação teoria e prática,

o trabalho cooperativo, e o método de iniciar o processo educacional pela fala (linguagem)

dos alunos são outros pontos comuns entre estes autores, embora defendam finalidades

diferentes para a educação.

Informando que Freire só teve conhecimento da obra de Lev Vygotsky próximo da

organização daquele livro - 1996 -, Gadotti identifica como convergência entre ambos a

importância da abordagem interacionista. Identifica na obra de Vygotsky a reflexão de que em

“contextos onde o povo começou a transformar sua realidade sociolinguística. Quando o povo

se convence de que pode mudar sua própria realidade social e de que não está mais isolado,

começa a participar”. Esta participação ocorre a princípio pela oralidade, mas logo demanda a

necessidade da escrita. Ou seja, assim como Freire, Vygotsky percebeu a associação entre “a

conquista da palavra à conquista da história.”

Page 68: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

68

CAPÍTULO II

CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO E CONHECIMENTO DO

DESCONHECIMENTO: REVISITANDO CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS

Apresentação

Partindo do pressuposto de que a compreensão da Difusão do Conhecimento implica na

reflexão sobre o próprio conhecimento, neste capítulo me proponho a levantar referenciais

teóricos que subsidiem esta reflexão, tecendo uma rede de contribuições a este campo

conceitual e delimitando a perspectiva epistemológica que pauta a presente pesquisa.

Constituindo-se de elaborações teóricas, este capítulo busca a conceituação/problematização

do conhecimento em suas inter-relações, dialogicidade e dinamicidade, a partir do trabalho

de alguns autores selecionados pela perspectiva da epistemologia da complexidade e da

multirreferencialidade e por uma abordagem crítico-social da Difusão do Conhecimento.

Assim, fundamentam as discussões deste capítulo contribuições de Edgar Morin, Jacques

Ardoino, Humberto Maturana, Ilya Prigogine, Felipe Serpa, Boaventura Santos, Dante

Galeffi, Arnaud de Lima Jr., Teresinha Froes Burnham e Roberto Sidney Macedo.

Em sua forma de apresentação, inicia-se pelas reflexões sobre a incerteza e a crise do

conhecimento científico, desenvolvendo a seguir os princípios de uma nova forma de

compreensão do conhecimento. Na sequência, apresenta diálogos e releituras sobre as

perspectivas fundantes desta nova compreensão do conhecimento, construindo algumas

elaborações conceituais que orientam o olhar investigativo sobre a Difusão do Conhecimento.

A terceira parte deste capítulo tem como foco a relação entre a ação cognitiva de sujeitos e a

difusão do conhecimento, defendendo a perspectiva de que é na condição cognitiva que se

processa a apropriação do conhecimento, a produção de sentido, a contextualização das

informações e sua aplicabilidade, dela derivando outros aspectos como o social, político,

econômico, etc., condição fundamental, que é inerente ao humano e seus modos de expressão

na realidade.

1. A Incerteza e a Crise do Conhecimento Científico

São várias as produções contemporâneas que afirmam o “fim da certeza”, a crise do

conhecimento científico ou ao menos a sua transição. Parece consenso a constatação de que

Page 69: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

69

não há verdades absolutas e de que nenhum método ou elaboração teórica será capaz de

explicar tudo, em todas as situações, e com absoluta precisão.

O que quero dizer é que a humanidade está em transição, não há dúvida, e também

não há dúvida de que a ciência está em transição. (PRIGOGINE, 2003, p. 49)

Para Serpa (1991), estamos em um momento histórico de mudança dos critérios que atribuem

validade à ciência, ao conhecimento científico. O autor traz o conceito de ciclos civilizatórios

de Toynbee10

para situar o momento em que surgiram os critérios de validação que

originaram a ciência contemporânea. Seria então na Europa Ocidental, com o declínio da

civilização medieval e a necessidade de expansionismo da Igreja (detentora de poder naquela

civilização) que nasceu a necessidade de conhecimento dos fenômenos físicos e da

Astronomia, em função do objetivo da conquista do Novo Mundo. O fortalecimento do

conceito de Estado-Nação e a valorização do mercantilismo são outros aspectos e

decorrências deste momento histórico no qual ocorre a “ruptura civilizatória” (p. 14).

Os critérios que validavam o conhecimento na civilização medieval eram, ainda segundo

Serpa (1991), a “essência e a qualidade”, caracterizando assim o ato de conhecer um objeto,

como “explicitar a sua essência, a partir de observações sobre as suas qualidades” (p. 14).

Com esses critérios, a relação do homem com a natureza era meramente contemplativa e a

produção da ciência hierarquizada a partir do conceito de “lugar natural”.

As necessidades da produção do conhecimento na área da astronomia e dos fenômenos físicos

e a ascensão da classe mercantil não eram mais compatíveis com os conceitos teológicos e

teleológicos de lugar natural, hierarquia entre o céu e a terra. Desta forma, a dialética própria

do processo histórico gerou o momento da ruptura e construção dos novos paradigmas e

critérios para a produção do conhecimento.

Serpa (1991) cita a produção do telescópio por Galileu como marco da explicitação dos novos

critérios de “relações do objeto epistemológico com o contexto e a quantidade” (p. 15),

trazendo as observações quantitativas e a necessidade de interligar a natureza e as estruturas

matemáticas. E ainda, a mudança do caráter contemplativo para o manipulativo e da

hierarquia para o relativismo, submetendo então o mundo empírico à razão.

10

TOYNBEE, Arnold: A study of history, Oxford University N. York, 1972 (citado por SERPA, 1991)

Page 70: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

70

Estes, segundo o autor, foram os critérios que, a partir de então, direcionaram a produção do

conhecimento da ciência contemporânea, produzindo historicamente um conhecimento que,

nesses quatro séculos, firmou em nossa civilização o binômio produção-consumo. Estes

novos critérios só chegaram ao domínio das ciências biológicas e das ciências sociais

(enriquecidos em cada caso) a partir do século XIX, sendo o trabalho de Darwin o marco no

campo das ciências biológicas e o de Marx no campo das ciências sociais.

Situemos agora, o momento da crise. Serpa (1991) traz três indicadores de Capra11

e

acrescenta um próprio, para caracterizar o que chama de “crise civilizatória” ou “crise da

totalidade”. São eles: 1. o declínio do patriarcado; 2. a questão do combustível fóssil; 3. a

crise do paradigma e 4. tendência da desestruturação do conceito de Estado-Nação (este

último acrescentado por Serpa).

Focando a abordagem na crise do paradigma, o autor enfatiza o caráter manipulativo deste

paradigma que pautou a produção da ciência contemporânea, apontando como evidentes os

limites do planeta hoje, para esta manipulação. Considerando que a necessidade humana de

transcendência da escassez, historicamente guia as transformações, o autor salienta que as

sociedades mais desenvolvidas apresentam hoje uma outra forma de escassez, a que é definida

pelos limites mesmo do planeta. Como consequência, não se pode mais manter a relação

manipulativa como critério de validação do conhecimento.

Pautando-se nas argumentações até aqui apresentadas, Serpa (1991) afirma que precisamos

hoje de um novo paradigma de critérios para validação dos conhecimentos, salientando já a

presença de um novo racionalismo, distinto do racionalismo da ciência contemporânea: o

racionalismo ecológico.

Diferenciando as duas formas de racionalismo, o autor assim os caracteriza:

a) O Racionalismo da ciência contemporânea: “fundamenta-se no princípio de que é

possível obter a totalidade como uma interação das partes” (p. 17) em consequência

enfatizando a visão sistêmica.

b) O Racionalismo ecológico: “fundamenta-se no princípio de que a totalidade

manifesta-se em cada parte, isto é, na parte encontra-se o todo” (p. 17), logo, homem e

natureza formam uma totalidade.

11

CAPRA, Fritjof: O ponto de mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 1982 (citado por SERPA, 1991)

Page 71: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

71

Este novo racionalismo traria então um novo paradigma de critérios para uma nova forma de

produzir conhecimento, agora pautada numa relação unitária homem-natureza. Serpa (1991)

conclui afirmando que as contingências históricas atuais de mudanças apontam para os

fenômenos biológicos e sociais, tendo como base material a questão da permanência da vida

no planeta, em especial a vida da espécie humana.

Também Prigogine (2003) desenvolve uma argumentação neste mesmo sentido, afirmando

que o espírito do homem moderno não mais se satisfaz com uma perspectiva dualista que

coloca o homem e a vida exteriores estranhos à natureza, porque sentimos necessidade de

fazer parte da natureza de uma forma que nunca sentimos antes. Para este autor, uma das

características do nosso tempo é justamente a de nos unirmos à natureza.

É a partir da compreensão do que chama “O Fim da Certeza” que Prigogine apresenta a noção

de complexidade, afirmando que a mesma desempenha um papel importantíssimo neste

momento em que a ciência se encontra em transição. Para ele, é uma percepção comum a de

que “a complexidade está ligada a multiplicidades de comportamento, a sistemas cujo futuro

não se pode prever” (2003, p. 49-50). Assim, esse desenvolvimento da forma de se fazer e

conceber a ciência traria uma mensagem mais universal, mais conectada a outras tradições,

menos vinculada à tradição europeia do século XVII, e fundamentalmente diversa do que o

autor caracteriza como ciência clássica.

[...] a ciência clássica insistia sobre o repetitivo, sobre o estável, sobre o equilíbrio,

enquanto hoje em dia, por toda parte, vemos instabilidade, evolução, flutuação. E

isso não somente no âmbito do social, mas no âmbito do fundamental.

(PRIGOGINE, 2003, p. 50)

Para Prigogine (2003) esta forma de pensar a ciência ligada ao determinismo, à existência de

causas, que se inicia a partir de Platão, Kant e até René Thom, conduziu a impasses por que a

vida não é determinista, automática. Assim só seria se a vida existisse fora da natureza, não

fazendo parte dela.

A visão complexa de mundo compreende que a realidade é inacabada, eternamente o caótico

fluir. É preciso reconhecer a incompletude, a incerteza da realidade e as múltiplas relações

entre seus componentes. É preciso superar o reducionismo das partes (examinar um elemento

isoladamente) e o reducionismo do todo (examinar o global sem examinar os seus

componentes e os relacionamentos entre eles).

Page 72: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

72

Enquanto a cultura geral admite a possibilidade de se buscar a contextualização de

toda informação ou de toda ideia, a cultura técnica e científica, em nome do seu

caráter disciplinar especializado, separa e compartimenta os conhecimentos, o que

torna cada vez mais difícil a contextualização destes. [...] até a metade do século

XX, a maior parte das ciências tinha a redução como método de conhecimento [...] e

o determinismo como conceito principal. (MORAN, 2003, p. 69)

Para Moran (2003) a especialização retira o objeto do seu contexto e da sua totalidade,

desprezando suas ligações e intercomunicações com o seu ambiente. Esta forma de

inteligência compartimentalizada, mecanicista e reducionista, “destrói a complexidade do

mundo em fragmentos distintos, fraciona os problemas, separa o que está unido,

unidimensionaliza o multidimensional.” (p. 71) impossibilitando assim a compreensão, a

reflexão, um juízo corretivo e uma visão a longo prazo.

Ardoino (2003) respondendo o que se tornou efetivamente a reflexão epistemológica, a partir

das crises e mudanças contemporâneas, em especial nas áreas das Ciências Humanas e

Sociais, lembra que durante muito tempo não se podia questionar os critérios que definem as

condições de produção do conhecimento, e desenvolve uma breve retomada histórica do

processo de transformação deste modo de conceber ciência e conhecimento. Segundo o autor,

até o séc. XIX a ciência ocidental se pretendia única e indivisível, reencontrando-se as regras

do Espírito Científico em todas as disciplinas e áreas do saber, apenas com pequenas

diferenças.

[...] A partir da observação dos fenômenos, por meio de uma metodologia

apropriada, construíam-se “fatos”, permitindo determinar constantes invariantes ou

“leis para integrá-los a seguir num sistema teórico mais amplo, esperando de tal

tarefa possibilidades proféticas, remetendo aos fenômenos dos quais se havia

partido, mas permitindo, daí em diante, por meio de sua inteligibilidade, um certo

“domínio” (mestria), quando não, uma manipulação destes. [...] (ARDOINO, 2003,

p. 30)

Através desta metodologia analítica, que se fundava na hipótese da sempre possível redução

do complexo ao simples, do heterogêneo ao homogêneo, era estabelecida uma fronteira entre

o saber vulgar e os enunciados aos quais se submetia a aplicação da prova ou a coerência

axiomática. Desta forma, as abordagens hermenêuticas, as fenomenologias, as sociologias

críticas, a psicanálise, todas as formas que podiam empregar o imaginário eram consideradas

devaneio, reflexo, ilusão. A opacidade, a complexidade eram consideradas ou como um

estado provisório do objeto ou como passível de redução a elementos mais simples pela

análise; se assim não fosse, este objeto seria abandonado, tido como fora da razão.

Page 73: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

73

A transparência era buscada necessariamente ao caracterizar o objeto do conhecimento,

entendida como “o que pode ser construído, efetiva e fisicamente, em caso de necessidade,

mas, sobretudo, desconstruído (decomposto) e reconstruído da mesma maneira, com todas

suas propriedades, pelo então espírito cognoscente” (ARDOINO, 2003, p. 32).

Denunciando as barbáries da ciência moderna que a tudo quis explicar partindo da crença da

unicidade do conhecimento, Macedo (2005) alerta que este fato histórico “forjou, pela

imposição explicativa, consciências colonizantes e colonizadas.” (p. 113)

Voltando à abordagem histórica feita por Ardoino (2003), este ressalta que em menos de um

século estas concepções foram sendo relativizadas e subvertidas. Nas ciências exatas, teorias

como as da relatividade, as evoluções da física, da termodinâmica, eletromagnética e outras,

questionavam ideias já estabelecidas; a compartimentalização das disciplinas revelou-se

limitada e zonas de intersecção constituíram novos espaços fecundos de pesquisa; um novo

espírito científico se estabeleceu, questionando os valores herdados. Enfim, apesar de todo o

rigor metodológico, para este autor, a ciência surge sempre “impregnada de ideologias mais

ou menos clandestinas” (p. 35) e neste momento já se permite entrever uma opacidade de

alguns fenômenos, resistindo aos propósitos de conhecimento.

Para Galeffi (2009), a racionalidade monológica, nitidamente, não dá mais conta da

complexidade dos fenômenos implicados. Entretanto, para se ultrapassar tal racionalidade é

preciso edificar outra forma de ser-sendo. É uma ingenuidade danosa considerar que se pode

ter o controle dos fenômenos pelas monitorações cada vez mais sofisticadas dos mesmos, para

este autor, empobrecemos nossa possibilidade de ser toda vez que adotamos um determinado

regime normativo como lei da ação.

Especificamente sobre a forma de se fazer ciência e a concepção sobre esta, Galeffi (2012c)

denuncia que a comum dicotomia entre as ciências exatas e as ciências não exatas, com

privilégio das ciências objetivas sobre aquelas ditas subjetivas, ainda regula as formas de

valoração das atividades humanas produtivas, permitindo a desvalorização, ou subserviência,

das investigações que compreendem o ser humano em sua radicalidade, justamente porque

estas não se curvam ao sistema maquínico armado como domínio e dominância.

Levantamos nossa voz para restaurar um sentido de “ciência” que diga respeito,

como ação, à aquisição de um conhecimento que nos liberte do jugo imperante da

bestialidade e da rudeza espiritual dominante. Com a palavra ciência está em jogo

nossa própria sorte como ente-espécie-humanidade. Queremos, assim, falar de uma

Page 74: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

74

ciência que se exercita como construção humana de uma sociedade de iguais. Esta é

a maior ciência de todas, justamente porque se ocupa do único ente que necessita de

cuidado e atenção absoluta: o ser humano. (GALEFFI, 2012c, p. 02)

2. Princípios de uma nova forma de compreensão do Conhecimento

A constatação da inexistência de leis determinísticas levou à necessidade da compreensão dos

sistemas não lineares. Para Nussenzveig (2008, p. 16) um dos principais progressos obtidos

nos últimos anos, na compreensão destes sistemas “foi a percepção de que existe caos na

ordem e existe ordem no caos”. A perspectiva da complexidade afirma que pode existir

ordem no que aparentemente é desordem, pois o universo não é uma simples simetria somente

de ordem, monótona e rotinizada que possa ser explicado com leis generalizantes e imutáveis.

Segundo Morin (1999, 2000, 2001, 2003, 2008), a realidade é complexa, caos e ordem

misturam-se, unem-se formando uma nova ordem mais complexa. A realidade é cheia de

paradoxos e contradições da ordem e da desordem, da parte e do todo, do singular e do plural,

que constituem elementos fundamentais para a compreensão dos fenômenos pela ciência.

Como já dito anteriormente neste mesmo texto, a complexidade conduz a uma nova forma de

racionalidade, superando a racionalidade clássica do determinismo e de um futuro já definido.

Trata-se de uma nova racionalidade, de uma ciência na qual as leis da natureza não são

interpretadas como certeza, mas como possibilidade, que o pensamento do incerto é ao

mesmo tempo o pensamento da inovação, das probabilidades.

Burnham (1993, p. 3), assim trata o pensamento complexo: “não é possível observar e

descrever o complexo como um objeto simplificável em suas supostas particularidades,

componentes, linhas de força, articulações naturais, para torná-lo inteligível, através de um

trabalho mental de simplificação e depuração.” Buscando um outro estatuto de análise,

diferente da análise cartesiana, podemos compreender a Complexidade como “o que contém,

engloba (...), o que reúne diversos elementos distintos, até mesmo heterogêneos, envolvendo

uma polissemia notável” (ARDOINO apud BUMHAM, 1993, p. 3)

A Teoria da complexidade mostra que todos os fenômenos estão essencialmente

interdependentes e que o ser humano é apenas um fio de uma rede universal que, como

qualquer rede, é não linear. De acordo com esta teoria, a realidade é definida essencialmente

pelos relacionamentos e pelos processos, assim, as ações e ideias de cada um de nós afetam e

são afetadas por todos os demais.

Page 75: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

75

Esta concepção de realidade implica a aceitação da heterogeneidade que constitui o complexo

e a compreensão de que refletir sobre esta exige ampliar o espectro de referenciais. Citando

Ardoino, Burnham (1993, p. 4) ressalta não ser possível a compreensão deste complexo,

partindo-se de um único referencial de análise ou paradigma específico.

A observação, a investigação, a escuta, o entendimento, a descrição dessa

complexidade, como bem dizem Ardoino (1989) e Barbier (1992a), dá-se por óticas

e sistemas de referência diferentes, aceitos como definitivamente irredutíveis uns aos

outros e escritos em linguagens distintas.

Morin (2003) desenvolve o que chama de sete princípios-guia para pensar a complexidade,

que são complementares e interdependentes. São eles:

O princípio sistêmico, ou organizacional - é a ideia sistêmica, em oposição à reducionista,

que compreende que o todo é mais do que a soma das partes, e igualmente menos que a soma

das partes, posto que suas qualidades são inibidas pela organização do conjunto.

O princípio “hologramático” - evidencia um aparente paradoxo dos sistemas complexos

quando afirma que a parte não somente está no todo, como o todo está inscrito na parte.

O princípio do ciclo retroativo - rompe com o princípio da causalidade linear ao compreender

que não só a causa age sobre o efeito, mas também o efeito age sobre a causa.

O princípio do ciclo recorrente traz a noção de autoprodução e auto-organização superando a

noção de regulação, ao compreender que “trata-se de um ciclo gerador no qual os produtos e

as consequências são, eles próprios, produtores e originadores daquilo que produzem”. (p. 73)

O princípio de autoecoorganização (autonomia/dependência) - como seres auto-

organizadores que se autoproduzem sem cessar, os seres vivos gastam energia para

salvaguardar sua autonomia.

O princípio dialógico (...) une dois princípios ou noções permitindo-nos aceitar racionalmente

a associação de noções contraditórias, mas que são indissociáveis em uma mesma realidade,

para compreender um mesmo fenômeno complexo.

O princípio da reintrodução do conhecido em todo o conhecimento – “(...) todo o

conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/inteligência em uma cultura e em

um tempo determinados.” (p. 75)

Page 76: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

76

A visada Polilógica de Galeffi ressalta a insuficiência da razão monológica para a

investigação dos eventos implicados (acontecimentos fenomenológicos dos entes que

compreendem e agem sobre o mundo natural). Se pretendemos descrever acontecimentos

aprendentes, não nos cabe determinar a priori as categorias da nossa realidade verdadeira, a

tarefa, agora, é justamente de silenciar o acúmulo de representações do sentido, realizando-se,

assim, um retorno radical sobre nós mesmos.

Não compreendemos mais os fenômenos como dados, e sim como campos de forças

conflitantes e interativos, em relação aos quais não se pode nunca explicar, mas

simplesmente dizer o que nunca se deixa paralisar na fixação de uma só face, de um

só sentido, de uma única verdade. (GALEFFI, 2012c, p. 03)

Considerar o fenômeno humano a partir de uma visada polilógica, implica a negação de uma

centralidade onipotente e onipresente, que seria para este autor, obtusa e reducionista, pois

não faz sentido investigar fenômenos específicos fora de suas concretas condições e

circunstâncias.

Ardoino (2003, p. 35) afirma não ser “mais possível desconsiderar uma dimensão

hermenêutica dos fenômenos analisados”, posto que a questão do sentido está presente em

todo momento; os comportamentos humanos, as práticas sociais, pressupõem a criação deste,

decorrendo daí a função de interpretação, a despeito das tentativas positivistas para reduzi-la

ou até eliminá-la. Para este autor, a perspectiva da “compreensão” deve complementar o

procedimento explicativo, o que remaneja inevitavelmente as relações entre Ciência e

Filosofia.

Prosseguindo em sua reflexão, Ardoino (2003) ressente-se da ausência de formação filosófica

em alguns especialistas em Ciências Humanas, o que se traduz, a seu ver, em limitados e até

insignificantes relatos de experiência. Para ele, não causa mais dúvidas no contexto

contemporâneo, o caráter multidimensional das ciências do homem e da sociedade, entretanto,

encontra-se ainda sem progresso significativo as questões que dizem respeito à

homogeneidade ou heterogeneidade, bem como a uma hipotética transparência ou

legitimidade da opacidade.

Defendendo a perspectiva multidimensional e a legítima opacidade, encontramos ainda na

abordagem de Ardoino (2003, p. 37-38) a concepção da negatricidade (“negatricité”):

Se se admite que a pesquisa é, de alguma forma, uma estratégia de conhecimento, é

preciso ainda saber que um tal objeto é sempre capaz , consciente e

Page 77: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

77

inconscientemente, de produzir contra-estratégias apropriadas. Essa capacidade

negatriz, porque é atributo do homem, não poderia nunca ser totalmente eliminada

da metodologia científica que não pode se limitar somente aos comportamentos

observáveis ou às análises estatísticas.

Multidimensionalidade, dimensão hermenêutica, opacidade, negatricidade, elementos de uma

interpretação multirreferencial do mundo, dos fenômenos sociais e da atuação humana, que

Ardoino (1998 e 2003) oferece à perspectiva epistemológica que construímos neste trabalho.

Assunção de que há sentidos, que não podem nem devem ser negados, que há opacidade em

alguns fenômenos, que vai além dos limites de nossos meios de investigação, sendo mais

definitivos, posto que “produzidos, secretados no jogo mesmo dos processos, por agentes, a

partir de agora reconhecidamente providos de autonomia e inteligência própria.” (ARDOINO,

2003, p. 35)

Galeffi (2009) defende a pluricentralidade da construção do sentido, por natureza, polilógico,

polifônico, polissêmico, não existindo fora de concretas condições e circunstâncias.

Considerando inadequada a nossa comum racionalidade na compreensão dos eventos

implicados, posto que nenhuma razão hegemônica pode-se sobrepor ao fluxo imprevisível dos

acontecimentos do sentido, defende que múltiplos são os modos de ser do sentido, por

natureza, tudo é singular e plural, e nada se pode reduzir a um princípio único quantificável.

Nesta medida, muitas são as verdades e muitos são os caminhos (métodos) para realizá-las.

Qualquer ideia, portanto, de exclusividade e superioridade é sinal de dominação ideológica

deliberada.

Ainda na busca pela compreensão desta nova forma de conceber o conhecimento, vejamos

agora algumas reflexões de Maturana (2002), diante da pergunta: “como conhecemos?”. O

autor inicia por afirmar que somos o que somos por sermos seres humanos e na categoria de

seres humanos, só há reflexão se estamos na linguagem.

Quer dizer, somos conhecedores ou observadores no observar, e ao ser o que somos,

o somos na linguagem. Ou seja, não podemos deixar de notar que os seres humanos

somos humanos na linguagem, e ao sê-lo, o somos fazendo reflexões sobre o que

nos acontece. (MATURANA, 2002, p. 40)

Para este autor, só é possível explicar os fenômenos do conhecer e da linguagem se os

compreendemos como fenômenos “que nos envolvem em nosso ser seres vivos porque, se

alteramos nossa biologia, alteram-se nosso conhecer e nossa linguagem.” (p. 40).

Page 78: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

78

Desenvolvendo sua argumentação, ele afirma que há dois caminhos de reflexão sobre a

capacidade de conhecer, que são também dois caminhos de relações humanas: o caminho da

objetividade-sem-parênteses e o caminho da objetividade entre-parênteses.

Pelo caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses, agimos como se o que dizemos

fosse válido em função de sua referência a algo que é independente de nós, que é objetivo,

que é a realidade e não porque seja eu quem o diz. Assim, aceitamos que existe uma realidade

transcendente que valida nosso conhecer e nosso explicar, e que a universalidade do

conhecimento se funda em tal objetividade.

Para este autor, considerar uma experiência como ilusão e erro é desvalorizá-la por estarmos

adotando como referência uma outra experiência, esta sim aceita como válida. Mas se

queremos entender o fenômeno do conhecimento, o sistema nervoso, a linguagem, o que

acontece na nossa convivência, precisamos considerar a nossa incapacidade enquanto seres

vivos, de fazer esta distinção.

O autor com isto não quer dizer que não existam objetos concretos ou que não seja possível

um domínio de referência que existe independente do observador, mas defender que ao

colocarmos a objetividade entre parênteses nos tornamos cientes de que não podemos nos

pretender a capacidade de fazer referência a uma realidade independente de nós.

Assim, quando o observador não se pergunta pela origem de suas habilidades

cognitivas e as aceita como propriedades constitutivas suas, ele atua como se aquilo

que ele distingue preexistisse à sua distinção, na suposição implícita de poder fazer

referência a essa existência para validar seu explicar. (MATURANA, 2002, p. 45)

Maturana (2002) nos convida então a colocar a objetividade-entre-parênteses no processo de

explicar os fenômenos, por uma consciência de que não podemos distinguir entre ilusão e

percepção. Ao nos darmos conta disto, percebemos também que, quando escutamos uma

explicação e a aceitamos, na verdade aceitamos uma reformulação da experiência que contém

elementos que satisfazem algum critério de coerência proposto por nós mesmos, de forma

explícita ou não.

[...] nós nos damos conta também de que depende de nós aceitarmos ou não uma

certa reformulação da experiência a ser explicada como explicação dela, segundo um

critério de aceitação que temos em nosso escutar e, portanto, que a validade das

explicações que aceitamos se configura em nossa aceitação e não

independentemente dela. (MATURANA, 2002, p. 47)

Page 79: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

79

Se o explicar e a explicação estão implicados com aquele que aceita a explicação, é claro

deduzir que há muitos "explicares" diferentes, tantos quantos são os modos de escutar e

aceitar reformulações da experiência.

3. Diálogos e Releituras sobre as perspectivas fundantes desta nova compreensão do

Conhecimento

Os conceitos e reflexões até aqui apresentadas, obviamente não constituem as únicas nem as

últimas abordagens sobre a concepção de conhecimento, entretanto, demarcam um lastro

teórico que hoje fundamenta releituras e diálogos de outros tantos pesquisadores.

Macedo (2005) aponta Morin e Ardoino como “Verdadeiros iconoclastas dos imperialismos

teóricos, filosóficos e metodológicos, dos cânones excludentes da cientificidade.” (p. 18),

afirmando que esses autores representam uma outra atitude, uma outra cosmovisão que vem

desconstruir um pensamento colonizador etnocêntrico. Seminais na possibilidade de fazer

migrar os saberes, essas teoria mobilizam esforços em nome da constituição de uma ética

comunitária, da afirmação do inacabamento humano, da necessidade do cultivo de uma

humildade epistemológica e do afastamento de qualquer intolerância com a pluralidade.

Apontando o ponto fulcral das contribuições desses dois autores ao campo do currículo

Macedo (2005) afirma que:

[...] a crise do conhecimento, da ciência e da educação é uma crise antropolítica, é

uma crise ética, que implica numa significativa crise da política de sentido sobre o

conhecimento e do conhecimento como política [...] (p.19)

Focando sua abordagem na gestão dos saberes, este autor afirma a necessidade de “fundar

intelectual e eticamente a celebração da compreensão como princípio da sapiência, de

convivência e de educabilidade” (p. 113) de modo que esta política de compreensão se torne

um princípio ao tratar-se com a realidade e com os saberes. Ainda de acordo com Macedo

(2005) a adoção desta política vem ao encontro de uma luta histórica contra a hegemonia do

pensamento científico e filosófico que reivindica “para as ciências antropossociais uma

atitude fundada na necessidade de interpretar, compreender e explicitar dialogicamente.” (p.

113).

Explicitando a perspectiva de complexidade que pleiteia em seus estudos, Macedo (2005)

afirma que esta já fora elaborada em estudos que viram o relacional no real e na compreensão

de que “o ser-com-o-mundo, o ser-no-mundo e o ser-com-o-outro são unidades indestacáveis

Page 80: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

80

da realidade dinâmica do mundo dos homens” (p. 114). Afirma a opção de nortear o seu

trabalho, ética e politicamente, por uma noção da gestão de saberes para o desenvolvimento

humano (que visa à qualidade da vida na e pela educação), compreendendo que esta

concepção desconstrói a inumanidade da gestão modernista.

Macedo (2005) considera que esta argumentação põe o foco na importância da dialogicidade e

da comunicabilidade como instrumentos de mediação de um desenvolvimento humano em

todos os níveis, na forma como pensam “a ética da complexidade de Edgar Morin, da ação

comunicativa de Habermans e do cosntrucionismo Vygotskiano.” (p. 115)

Compreendendo o processo de produção do conhecimento e o próprio conhecimento como

teckné, Lima Jr. (2005) reflete sobre o conceito de conhecimento. Apresenta a acepção

tradicional de conhecimento, como leis abstratas que explicam a realidade exterior ao mesmo

tempo em que reduzem e simplificam a realidade a tais estruturas abstratas, “concebidas de

modo fragmentado, quantitativo, sequencial e conceitual” (p. 29), em um modelo de

racionalidade que, embora constituído a partir da revolução científica do século XVI, é ainda

hegemônico no âmbito educacional. Para o referido autor, o rompimento com esta

racionalidade implica na identificação e reconhecimento da racionalidade e inteligibilidade

próprias de outras formas distintas de conhecimento, que convivem no mesmo contexto

histórico-social, cada uma com suas regras e convenções, cumprindo determinadas funções e

gerando possibilidades, apesar das suas limitações e impossibilidades.

Para Santos,

Estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relações entre a

ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós,

sujeitos individuais ou colectivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas

práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso; e temos

finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no

enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo

contributo positivo ou negativo da ciência para a nossa felicidade. (2005, p. 2)

Uma nova concepção de conhecimento emerge na contemporaneidade, que o reconhece como

um processo histórico-social que não está fora do homem e nem da realidade, que é

entremeado de subjetividade posto que “emerge a partir de desejos, interesses, valores, modo

de percepção, linguagens, atribuição de significados, articulados no contexto vivencial e

interno do sujeito.” (LIMA Jr, 2005, p. 33).

Page 81: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

81

Aprofundando a reflexão sobre o paradigma emergente do conhecimento, Lima Jr (2005, p.

38) enfatiza que este agora se instaura como um processo multirreferencial que se caracteriza

pelo diálogo entre as modalidades de conhecimento. Assim, a racionalidade agora significa “a

permanente tessitura de articulações, diálogos entre os tipos de conhecimentos (...).”

Nesta base epistemológica, a produção de conhecimento é um processo contextual e

complexo no qual o ser humano, em seu contexto espacial e temporal é desafiado pela

resolução de suas demandas, necessidades e interesses, em uma relação contínua consigo

mesmo e com os outros (semelhantes e diferentes). Neste processo, ao perceber-se nestas

múltiplas relações, o ser humano comunica a sua percepção em linguagens instituindo assim

saberes diversos e específicos, a partir de fontes subjetivas e objetivas, articulando-os no

contexto, de forma sempre aberta e dinâmica.

Para Galeffi (2012b), só se pode filosofar em língua e linguagem próprias, isto implica em

que precisamos aprender a pensar diretamente, sem necessidade de mediadores autorizados,

aprender a pensar pensando a partir das próprias circunstâncias, a partir de si mesmo. E ainda,

no ato de pensar não cabem compartimentações categoriais, porque o pensar não é um ato que

se pode qualificar de racional – “pensar é permanecer diante do vazio (...). Se pensa quando o

impensável nos captura em sua imensidão vazia.” (2012a, p. 02)

Nesta perspectiva, defende uma Atitude Crítica de Radicalidade, para ele, própria da ciência

fenomenológica, ciência em sentido propriamente filosófico, que pressupõe uma absoluta

liberdade de voo.

Ciência como atividade aprendente de conhecimentos, que dizem respeito ao nosso

comum pertencimento ao ente-espécie humanidade, segundo nossas concretas e

históricas condições existenciais (ambientais, corporais, materiais,

simbólicas). (2012a, p. 02)

As elaborações teóricas aqui apresentadas trazem o suporte para a constituição de uma

perspectiva crítica da concepção redutora e homogeneizante de ciência e conhecimento

científico, reconhecendo seu caráter etnocêntrico e excludente, sua falácia na pretensão de

compreender os fenômenos naturais e sociais por leis universais e generalizantes, sua

inadequação à compreensão de um mundo que se reconhece cada vez mais mutável,

relacional e imprevisível.

Page 82: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

82

A perspectiva que aqui se apresenta é da superação de toda forma de reducionismo e

imposição de um saber único e definitivo, em prol da afirmação de um saber sempre

provisório e relacional, constituído a partir dos contextos e da subjetividade dos sujeitos que o

constroem. Um saber que se compreende desde o seu nascedouro como incompleto, tentativa,

possibilidade de compreensão de fenômenos complexos e incertos, constituintes de uma

realidade sempre inacabada e caótica, cheia de paradoxos e contradições da ordem e da

desordem, da parte e do todo, do singular e do plural.

Compreendendo a realidade como definida essencialmente pelos relacionamentos e pelos

processos, é óbvio reconhecer que as ações e ideias de cada um afetam e são afetadas por

todos os demais, em um processo histórico-social entremeado de subjetividade e que não está

fora do homem e nem da realidade.

Esta perspectiva reconhece a necessidade da constituição de uma ética comunitária, que

reafirme o inacabamento humano, a necessidade de uma humildade epistemológica e o

reconhecimento da pluralidade de saberes e formas de convivência e interpretação do mundo,

reconhecendo a existência de diferentes e diversos conhecimentos, que convivem por vezes

em um mesmo contexto espaço-temporal, em uma relação sempre dialética, complexa,

afetando e sendo afetados mutuamente.

4. Difusão Social de Conhecimento e Modelagem Cognitiva: o lugar fundamental do

dinamismo do sujeito epistêmico e subjetivo12

O caráter social da difusão do conhecimento implica, de um lado, a relativização dos

dispositivos materiais do processo de geração e socialização, no sentido de que as

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) não garantem automaticamente a qualidade

social da geração e difusão do conhecimento. De outro lado, este caráter depende

necessariamente da ação cognitiva, autônoma e criativa dos sujeitos sobre tais condições

materiais e instrumentais, finalizando-as e funcionalizando-as. Assim, podemos compreender

que a difusão social acontece como efeito de processos cognitivos de sujeitos comprometidos

e envolvidos com as dinâmicas epistemológicas, produtivas – hoje baseadas no conhecimento

como infraestrutura produtiva. Em especial, queremos destacar, como provocação, visando

maiores e posteriores aprofundamentos, que a ação cognitiva não se dá sem uma relação

12

Esta seção foi construída em forma de artigo em coautoria minha com o prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Jr e

publicada no livro LIMA Jr., Arnaud Soares de. Educação e Contemporaneidade: contextos e singularidades.

Salvador: EDUFBA, 2012.

Page 83: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

83

fundamental com a subjetividade dos sujeitos. Neste sentido, iremos pontuar aspectos

relacionados com a subjetividade a cada aspecto da modelagem cognitiva do processo de

Difusão Social do Conhecimento (DSC), ao tempo em que, a partir deste Campo (o da

subjetividade), poderemos indicar como vários aspectos desse processo são subvertidos, em

termos de relatividade, contexto e singularidade, criatividade (estética e ética), indicar

também a irredutibilidade da DSC a um mero modelo conceitual, lógico e técnico, bem como

à mera instância tecnológica, uma vez que ligada à condição ontológica do sujeito e ao real de

sua subjetividade (expressividade do eu singular como modo de ser), subjetivando tais

processos e elementos (materiais e simbólicos). Em razão disso, compreendemos que a DSC é

dinamizada tanto por questões econômicas e sociais, políticas e culturais, quanto por

ações/atos de ordem subjetiva, numa microdinâmica autopoiética incessante, infinita;

portanto, aberta, caótica e inacabada; exprimível, mas não esgotável, em qualquer um de seus

aspectos e características fundamentais.

4.1 MODELAGEM COGNITIVA: ALÉM DO TECNICISMO E AS CONSTRUÇÕES DO

SUJEITO EPISTÊMICO E SUBJETIVO

O Campo da Difusão do Conhecimento, em sua abordagem tecnicista, concentra sua

problemática em aspectos instrumentais, técnicos, pragmáticos e até mesmo didático-

pedagógico; em busca de um programa autossuficiente, independente de contextualização,

baseados em uma lógica operacional e conceitual qualquer, tornando-se recorrentes, por

exemplo, questões deste tipo: qual o desenho metodológico que efetivamente provoca a

construção colaborativa em Educação a Distância (EAD)? Até que ponto a mediação

tecnológica representa inovação nas práticas formativas? O que efetivamente constitui

construção colaborativa e como provocá-la e mediá-la? Qual o sentido da organização de

equipes docentes em que um dos papeis – a figura do tutor – aparece em função subordinada?

A estrutura da pergunta revela a estrutura ou padrão em que se pretende fundar a resposta.

Neste caso, EAD, mediação tecnológica, inovação, entre outros, tornam-se objetos passíveis

de redução a um construto lógico-conceitual independente de contextos, de ações ativas e

autônomas de sujeitos e coletivos que estão na base da geração e da atualização desses

processos, a partir de interesses determinados, de necessidades reais, de desejos, de razões de

ser relativas à realidade de cada pessoa inserida nestes dinamismos. Ou seja, não se trata

apenas de constatar e de levar em conta seu caráter social, político, econômico, cultural, mas

também subjetivo. Assim, nesta compreensão, podemos dizer que não há um desenho único,

Page 84: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

84

suficiente em termos absolutos para responder a tais questões. Nem existe uma verdade

absoluta perdida em algum lugar, para ser encontrada ao modo de uma identidade única,

universal, toda coerente e completa, a ser codificada por uma inteligentia pragmático-

metodológica - que não é destituída de uma condição ideológica (HABERMAS, 2007), a ser

apenas reproduzida por todos, os menos versados, consumidores de simulacros da realidade;

apassivados cada vez mais por um processo ou lógica ideológica mais sutil, refinado, que

oblitera a autonomia e a condição mesma do ser-sujeito.

Inscrevem-se aqui a relatividade e aquilo que chamamos de “a ascensão do sujeito”. Tanto o

aspecto metodológico, quanto o instrumental tecnológico, quanto às estruturas lógicas e

organizacionais, são todas instâncias operadas pelo sujeito, com um modo próprio/singular de

ser e de pensar, de estar e ser aí, nisso (nessas estruturas). Na medida em que elas não

garantem tudo, que são incompletas, ideológicas, contraditórias, cheias de buracos, o sujeito –

só assim pode aparecer, manifestar-se, expressar-se e ser aí, com autonomia, inscrevendo aí

seu nome próprio, seu ser, ao tempo em que dinamizando estes processos, tornando-os algo

singular ao nível de sua microdinâmica estético-expressiva – se quisermos adotar um dos

aspectos da razão tratada por Habermas (1987).

Não obstante, também se tornou lugar-comum certo romantismo em torno da noção de

solidariedade; de certo eufemismo em relação à coisa social e à intersubjetividade que, a

nosso ver, exorciza a função primordial da subjetividade nestes dinamismos humanos, sociais,

todos resultantes de um profundo e largo jogo de poder, muitas vezes reproduzido ao nível de

idealizações românticas do pensar e da racionalidade como na recorrência frequente à

reflexão freiriana (1985) sobre uma pretensa função recíproca de convivialidade, na qual o

“nós” expressa uma completude tão absoluta. O que, a uma só vez, elimina a luta e a

possibilidade de um “eu” pessoal e singular se expressar e comunicar-se por um ato de poder,

de conquista, de ascensão a uma condição subjetiva que se autoriza e que entra no jogo social

como ato de expressão (poder ser), como objetivação de si mesmo. Ato do ser que é

negociado, lutado.

Segundo Freire (1985): “O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a

coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‘penso’, mas um

‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário” – (grifos nossos) - (p.

66).

Page 85: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

85

Inverte-se, com isso, simplesmente, o polo da linearidade causa-efeito, deslocando-se a

verticalização do “eu” para o “nós”, agora, do “nós” para o “eu”. Entretanto, não é possível

pensar estes diferentes aspectos/momentos do pensar humano numa relação causal linear,

estabelecendo quem vem primeiro, quem é efeito ou causa. Os dois aspectos são

fundamentais, porque o “pensamos” também é pensado em algum momento singular e

autonomamente, a exemplo do falar e do viver. Para entrar na fala é necessário conviver com

falantes, mas cada um fala de modo único, singular. Cada pessoa vive convivendo, vive com

outros viventes, assim, entra-se no viver por um saber viver, mas de modo singular, que não é

igual aos demais e diferentes viventes. Há uma “soledade” existencial nisso, dizem os

místicos, porque se tem que dar conta do viver por si mesmo! Isto se articula como um saber

viver, saber ser/estar na existência, sem pensar consciente e racionalmente – apoiado numa

verdade lógica e metodológica, ou num conhecimento sobre isto. Pois, trata-se de um ato real

do “ser-sujeito-existente” ou “vivente”! Noutro momento, este ato formaliza-se ou estrutura-

se noutros níveis e instâncias simbólicas e imaginárias.

É, pois, fundamental compreender e admitir a incompletude do pensar e do pensamento

humano, pois só assim podemos enxergar a irredutibilidade e inesgotabilidade desses

processos simbólicos, que se reinscrevem como necessidades incessantes, expressando-se

como resultados transitórios, como intensidades acontecimentais, dentro de contextos sociais,

históricos e culturais, nos quais as subjetividades e singularidades humanas deixam suas

marcas originais, autênticas e autorais, ao modo de registros, construções discursivas,

memórias, arqueologias e ideografias dinâmicas (LÉVY, 1998), cujo mal estaria em

pretender-se definitivo, completo, fixado numa realidade independente, localizada numa

origem alcançável e retornável por uma pragmática racional, com suas pretensas remissões e

indexações exatas, programáveis e controladoras da economia de sentido, dentro de uma

cadeia lógica de significados. Um pensar cartesiano, não resta dúvidas.

Assim, decorre, entre outros, que investigar a Difusão Social do Conhecimento no contexto

contemporâneo implica em problematizar/situar de qual concepção de conhecimento parte a

investigação, e reconhecer o lugar do sujeito na Difusão; sua cognição, individualidade,

historicidade, seu contexto sociocultural, suas implicações relacionais e, sobretudo, o lugar da

subjetividade neste processo. Por outro lado, as Tecnologias da Informação e Comunicação

contemporâneas, já completamente imbricadas com os processos cotidianos de vivência e

construção individual e coletivos, constituem-se elemento indissociável a qualquer análise e

Page 86: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

86

compreensão que se pretenda construir sobre a Difusão do Conhecimento e seus processos, já

que elas partem, exatamente, dos potenciais sociais e individuais que envolvem os sujeitos

desta/nesta Difusão, caso as TIC sejam compreendida fora da ideologia determinista e

tecnicista do industrialismo e da Modernidade (LIMA JR, 2010; 2006; 2005).

Assim, a difusão não implica apenas aparatos instrumentais, lógicos, técnicos, pragmáticos,

mas, especialmente, as ações intencionais e subjetivas que atuam e interferem nestes

aspectos/estruturas a partir de sentidos que os sujeitos lhes atribuem, fundando-os – são

“lugares” do sujeito, onde se expressam e exercem funções de sujeito, resignificando a

difusão e seus instrumentos e pragmáticas, bem como reinventando-os, dinamizando-os,

atualizando-os.

Então, a relação entre a Difusão do Conhecimento e a Modelagem Cognitiva implica menos a

busca por modelos e estruturas conceituais e operacionais já prontos, e mais a compreensão e

construção dos processos cognitivos gerados a partir de sujeitos específicos, dentro de

condições contextuais singulares, permeadas de interesses, necessidades, desejos e, assim,

marcadas também pela subjetividade. Este processo, portanto, é dinâmico, relativo, não

assentado numa identidade formal e universal do que deve ser a difusão, mas na sua geração e

constante construção, desconstrução e reconstrução – sua permanente reinvenção, contando,

entre outros fatores, com o papel e a função específica da ação cognitiva dos sujeitos neste

processo. Além disso, esta é a condição indispensável para uma abordagem social da difusão

do conhecimento (LIMA Jr e PEDROZA, 2010).

Outrossim, isto implica em pensar a modelagem cognitiva como processo criativo ao invés da

proposição vertical de modelos de organização do pensamento, baseados apenas em rigor

formal, lógico-abstrato, a ser assimilado e reproduzido como verdade absoluta e fixada, sem

historicidade, sem intencionalidade e sem subjetivação. Trata-se, portanto, de compreender

como os sujeitos agem cognitivamente dentro de determinados contextos, dos quais é parte

integrante e integrada, criando suas performances, estratégias, relações, elaborações de

sentido e, por meio deste processo simbólico e discursivo, constituem determinada realidade

ou aspecto da realidade, momento onde se dá a criação de si e do mundo, da mundanidade

enquanto resultado do duplo pertencimento material e simbólico da condição humana na

realidade, no cosmus (ARENDT, 2001).

Page 87: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

87

Logo, difusão social do conhecimento e modelagem cognitiva são expressões de fluxos

dinâmicos, contextuais e ao mesmo tempo singulares. Enfatizamos aqui a difusão,

consequentemente, como processo e não só como produto, como criação e poiésis; uma vez

que o produto reinscreve-se sempre em diferentes contextos relacionais que o dinamizam e

modificam-no uma vez mais e continuamente. Daí a necessidade de admitir já nesta

compreensão seu caráter de incompletude, de relatividade, de abertura e inacabamento. Só

nestes termos, também, podemos pensar uma função fundamental tanto para a coletividade

quanto para o sujeito autônomo, sob pena de criarmos o paradoxo de considerarmos

teoricamente o status do sujeito e, na prática, relegá-lo a uma condição objetal desses

processos mais amplos, propostos a partir de políticas de sentido que correspondem aos

variados posicionamentos ideológicos, como já advertira Habermas quanto à invenção da

Ciência e da Tecnologia (2007).

Nos recentes trabalhos desenvolvidos nesta área, torna-se relevante e inovador, portanto,

analisar implicações da singularidade dos processos cognitivos do sujeito para a Difusão

Social do Conhecimento, sobretudo em contextos contemporâneas voltados para as interações

e construções em ambientes com mediação telemática, a fim de desvelar e compreender as

especificidades dos processos cognitivos desenvolvidos nesses ambientes. A partir daí,

compreender que é possível criar formas de mapeamento, de organização e de inventário ou

histórico dessas formas específicas de construção, de acompanhamento e de engajamento

político desses processos, sem, com isso, postular programas universais, verdades absolutas,

políticas de assimilação e reprodução, dado que admitimos desde o início o caráter dinâmico e

relativo destes processos, sua historicidade, a relação entre sua singularidade e

contextualização. Daí ser possível deixar uma fenda necessária para geração de pragmáticas,

funcionalidades, soluções, racionalidades; as mais diversas, negociadas, relativizadas e

construídas. Só nestes termos podemos viabilizar a democratização no Campo da Difusão do

Conhecimento e o papel específico do processo de modelagem cognitiva neste dinamismo

complexo.

Ressaltamos, ainda, que há pouca reflexão sobre a questão da subjetividade nesse processo, o

que por si só justificaria e renderia um artigo específico, sobretudo porque neste campo tudo

muda: a noção de sujeito, de metodologia; a função da linguagem e a forma de localização do

sujeito no simbólico; a relação saber, conhecimento e verdade; a abordagem do objeto; a

necessidade e possibilidade de se romper com a crença no esgotamento da realidade pela

Page 88: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

88

linguagem, bem como com a pretensão da redução do sentido e da infinitude do simbólico

(simbolismo) pela lógica e pelo formalismo conceitual, como fora denunciado, de certa

maneira, por Lacan (1992), Wittgenstein (1994) e Derrida (2004), entre outros.

Em se tratando da subjetividade, teríamos o avesso das proposições abordadas por um viés

estritamente científico e filosófico. O aceno feito é fundamental, mas extrapola o alinhamento

aqui apresentado, que faz um corte para o manejo de abordagens cognitivistas e

epistemológicas. Seria mais pertinente retomar depois esta questão específica da subjetividade

e deixar como provocação e linha de fuga para novas elaborações e para o enriquecimento das

reflexões nessa área, com base nas indicações feitas anteriormente.

4.2. ANÁLISE COGNITIVA E A VALIDAÇÃO DE MODELOS - PRETENSÃO E

CONTRASSENSO

Um caminho possível, e atualmente utilizado no âmbito da pesquisa em difusão do

conhecimento, refere-se ao levantamento de registros em ambientes virtuais diversos, aos

processos de interação e mediação que permeiam o desenvolvimento das atividades; às

formas de produção do conhecimento e os processos cognitivos que ocorrem nestes espaços,

mediados pelas TIC. Numa vertente da Etnometodologia, trabalha-se com a dinâmica da

escuta, além da tradicional análise documental e análise do discurso que, geralmente, são

respaldadas numa teorização a priori; ou, avançando mais um pouco nos contextos

comunicativos e informacionais, são tratados e processados documentos virtuais que

registram este processo, a fim, pretensamente, de poder-se traduzir a ação cognitiva dos

sujeitos, fornecendo indicativos dos caminhos percorridos e das implicações da singularidade

de cada sujeito (historicidade, afetividade, imersão cultural, opções políticas, etc.) nesta ação.

Considerando que, normalmente, em ambientes com mediação telemática há uma vasta gama

de expressão textual, este tipo de investigação dispõe de um amplo leque de indicadores dos

processos, desafios, caminhos e redefinições dialéticas, vivenciados entre e para além do

planejado, de modo que se torna necessário analisar tanto os documentos formais de

comunicação e avaliação quanto os chamados etnotextos excluídos, aqueles que atestam a

construção cotidiana, registrando o vivenciado nos diversos caminhos e recursos de interação,

pelos mais diferentes olhares: participação em fóruns de discussão; bate-papo em chats;

partilhas e socializações de notícias; diários de bordo; enfim, textos produzidos pelos atores

Page 89: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

89

nas mais variadas linguagens e outros que se revelem “tradutores” da ação/operação desses

sujeitos – (MACEDO, 2006, p. 22-23).

Entretanto, convém chamar atenção para um possível paradoxo em tais pretensões

investigativas, uma vez que a abordagem da “escuta” implica em certo rompimento com a

abordagem de “análise”, e com a busca por um mecanismo tradutor, como se tal construto em

si mesmo fosse capaz, sozinho, sem a construção singular dos sujeitos, ligados aos contextos

e às realidades subjetivas, de expressar substitutivamente o sentido construído pela razão de

ser dos próprios sujeitos envolvidos nos processos. Esta razão de ser, por sua vez, deriva

valores e aspectos político, econômico, cultural, social, etc..

Na escuta não cabe uma interpretação a partir de uma teorização de base, mas dar expressão a

voz/sentido do sujeito na instituição do processo/fenômeno, como algo fundamental, não

marginal; como algo irredutível ao lugar teórico de análise, mas que, inversamente, ao

dialogar com este lugar, cria novas condições de reinvenção do processo que está em jogo.

Portanto, trata-se de compreender seu caráter dinâmico, como estrutura flexível, móvel,

aberta. Pois, do contrário, a condição do sujeito estaria obliterada, destinada à permanente

assimilação e reprodução.

Como estes processos também correspondem à dinâmica do poder, aos jogos de interesse e à

correlação de forças sociais, criar tais alternativas significa contribuir para o desmonte do

capitalismo, que procura fazer dos potenciais de difusão do conhecimento e dos potenciais

intelectuais e criativos das pessoas um encaixe automático às novas demandas do capital e do

mercado internacional, agenciados por uma política e mecanismos neoliberais.

No máximo, neste caso, em se tratando de escuta, dá para inventariar indicativos cujos

sentidos residem em última instância na razão de ser dos sujeitos, só podendo ser

dita/falada/expressada por eles mesmos, como condição indispensável ao seu real

posicionamento ético-político, pois a autoria de si mesmo como ser é fundamento das autorias

expressadas em contextos e dinâmicas culturais, sociais, econômicos, etc..

Então, torna-se fundamental perguntar do que trata a construção de um modelo de análise

cognitiva específico para ambientes com mediação telemática; de uma estrutura operacional,

suportada por alguma base material; do processo de construção que varia de pessoa a pessoa

Page 90: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

90

e, com isso, este processo não cessa de não se inscrever, por reinscrever-se sempre como

relatividade, criatividade, dinâmica, construção/desconstrução/reconstrução.

Assim, todo processo de acompanhamento, avaliação e potencialidades dos processos

cognitivos serão válidos dentro de determinadas condições contextuais, relativos às relações

dos sujeitos com seus contextos existenciais; são transitórios e, desta forma, irredutíveis à

uniformidade, à padronização, à representação lógica e conceitual, a uma forma única

experimentada num determinado contexto e assumida como programa ideal de modelagem

para a aprendizagem de sujeitos e, a partir dela, para o processo social da difusão do

conhecimento.

A análise cognitiva é concebida como

[...] duplo campo cognitivo/epistemológico, enfoca o estudo do conhecimento a

partir dos seus processos de construção, transdução e difusão, visando o

entendimento de linguagens, estruturas e processos específicos de diferentes

disciplinas, com o objetivo de tornar essas especificidades em bases para a

construção de lastros de compreensão inter/transdisciplinar e multirreferencial.

(FROES BURNHAM et al, 2010)

Nesta perspectiva entendemos que a validação de uma modelagem refere-se a um processo

que, necessariamente, comporta lacunas, incompletudes em certo “modelo” construído num

dado momento, o que oportuniza seu permanente aperfeiçoamento e, mais do que isso, sua

reconstrução e singularização em cada contexto, fazendo do processo específico de

construção de modelo, um processo dinâmico, abeto e discursivo, voltado, portanto, para a

ação do sujeito sobre aquilo que está disponibilizado e instituído socialmente. Onde se dá a

incompletude permanente do conhecimento, dá-se também a incompletude dos processos que

o geram e das dinâmicas cognitivas internas aos sujeitos que os constroem variando,

inclusive, de acordo com a apropriação de cada sujeito epistêmico/cognitivo.

Em face deste caráter do conhecimento e também dos processos cognitivos, aqui tratados

como “modelagens cognitivas”, vemos a necessidade de um cuidado necessário à construção

de modelos, para que uma determinada construção não seja considerada como “verdade”

válida, em geral, para os processos cognitivos em AV. Ou seja, compreender a modelagem do

conhecimento e constituir tal processo, não implica em legislar e criar uma lei de como deve

ser a modelagem em todos os contextos, como os relacionados aos AV. Isto negaria

exatamente a condição sobre a qual repousa o processo de modelagem, que incide sobre a

dupla autonomia do sujeito, cognitiva e subjetiva. Este por sua vez reúne uma condição social

Page 91: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

91

que, ao mesmo tempo, deriva de uma condição ontológica, de um saber ser/estar nisso. Na

abordagem teórica deste Campo, isto precisar e pode ser assumido de saída, para criar outro

nível compreensível da coerência cognitiva, bem como da própria modelagem.

A incompletude do conhecimento implica a incompletude do método, da modelagem, do

instrumento, etc. É importante considerar que, nesta abordagem, a Epistemologia implica uma

estética (criação a partir da expressividade do ser-sujeito). Nesta fronteira, a ênfase desloca-se

da preocupação com o aprimoramento do modelo para aquilo que o sujeito fará dele,

resignificando-o, atribuindo-lhe função e valor; recriando-o, reinventando-o, adquirindo

autonomia no que se refere à modelagem, à metodização e correspondentes; pois, é

impossível calcular e formalizar antecipadamente as infinitas possibilidades de expressão que

o modelo possa vir a assumir. Do mesmo jeito que em matemática se diz que os números

finitos possuem o infinito, o modelo varia de contexto a contexto, de coletivo a coletivo, de

sujeito a sujeito. Além do que, interfere no processo o ato do eu real do sujeito, que é sua

condição ontológica e discursiva e não conceitual. O que age aí não é o conceito de sujeito,

mas um sujeito real, um eu, que ocupa e que exerce esse lugar como expressividade real.

Sobre as possibilidades de a modelagem permitir identificar, avaliar, acompanhar e

potencializar os processos cognitivos em ambientes com mediação telemática,

compreendemos que estes ambientes já foram modelados e programados, intencionados, mas

os usos sociais e individuais que são feitos a partir deles como dispositivos (modelagem,

programação) variam infinitamente, o que tem a ver com a autonomia do “sujeito aí”. Diante

disto, perguntamos: qual a finalidade de se analisar as performances cognitivas nestes

contextos, já que não são controláveis, variam e são singulares?

Essa inquietação, haja vista que já admitimos as lacunas, inconsistências, incompletudes da

difusão e da modelagem cognitiva, torna-se mais aguda à medida que também podemos supor

que um ato cognitivo de um sujeito dentro de um processo, sistema, modelo - estrutura

qualquer, não decorre de uma pura necessidade cognitiva, embora a implicação cognitiva seja

inevitável. Assim, parece-nos necessário pensar e admitir desde o início aquilo que o modelo

não pode fazer (seus limites), para que na sua lacuna, na sua incompletude, na sua

inconsistência, o sujeito cognitivo possa advir e ascender; posto que, se o modelo/modelagem

fosse pleno não restaria ao sujeito a não ser obliterar-se, reproduzir, isto equivalendo a negar-

se enquanto ser de ação, de não passividade.

Page 92: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

92

É necessário que o ser-sujeito se expresse aí, para, então, saber como isso fica configurado,

transfigurado, transformado. Como exposto, é necessário na modelagem - que tem relação

com a incompletude do método, não querer dizer tudo, prever e calcular tudo, pois isto é

impossível e impotente. Sua dinamização e contínua recriação dependem, entre outros, da

ação cognitiva do sujeito sobre a proposição formal e institucional da estrutura lógico–

operacional informatizada da difusão do conhecimento; sobre o agenciamento sociotécnico

instituído, do qual o sujeito participa como parte integrante e integrada, como agente

instituinte.

4.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, cabem algumas indicações necessárias sobre a relação entre difusão social do

conhecimento e modelagem cognitiva.

Primeiro, vimos que se trata de um processo que implica um duplo dinamismo, que se

reforçam reciprocamente. De um lado, a ação cognitiva de sujeitos efetiva a difusão do

conhecimento e imprime-lhe um caráter social, pois é na condição cognitiva que se processa a

apropriação do conhecimento, a produção de sentido, a contextualização das informações e

sua aplicabilidade, tornando-a e resignificando-a como conhecimento aplicado. De forma que,

podemos dizer que não há difusão de conhecimento, muito menos difusão social do

conhecimento, sem essa condição cognitiva exercida sobre uma base estrutural simbólica

qualquer, disponibilizada a partir de estruturas e suportes comunicativos e informacionais; até

mesmo em face do que significam tanto a natureza comunicativa quanto informacional dos

processos humanos, os quais implicam troca, diálogo, construção, criação e participação real,

autonomia simbólica e discursiva, entre outros. Portanto, dizemos que só há difusão no e a

partir do sujeito.

O conhecimento não se difunde por si mesmo, mas como efeito da ação cognitiva de sujeitos.

Na base, temos que a difusão do conhecimento, agora tecnologizada, objetiva ainda mais o

caráter difusor da própria condição humana, que se inaugura e inscreve-se no processo de

expressão de si mesmo na realidade, objetivação de si mesmo na realidade que funda o mundo

- a mundanidade, no dizer de Arendt (2001).

Parte desse processo é relativo à tomada de consciência de si e de suas ações específicas de

elaboração simbólica da realidade, por sua vez, parte deste processo tem relação específica

com o modo de elaboração cognitiva na fronteira do modo científico de produção de

Page 93: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

93

conhecimento, de organização e de intervenção na realidade ou nos objetos da realidade.

Entretanto, este processo mais amplo e também o mais específico da ciência tem relação

direta com a inscrição do sujeito na linguagem e na estrutura simbólica mais geral e

constitutiva do humano. Nesta fronteira, portanto, compreendemos que o conhecimento, a

difusão, a modelagem são relativos à singularização e à contextualização, são realidades

dinâmicas e ao mesmo tempo relativas.

A condição simbólica e linguística que marca estruturalmente o fenômeno do pensamento e

do conhecimento humano implica, necessariamente, dois elementos fundamentais e primários:

a subjetividade e o saber. Normalmente, as reflexões sociológicas críticas demarcam em suas

fronteiras reflexivas e explicativas as dimensões do jogo social, do poder aí articulado, dos

interesses de classe dentro de um modo de produção material que organiza em termos gerais a

sociedade e, neste sentido, as intencionalidades e sua localização na dinâmica política.

Ulteriormente, vem sendo acentuado o papel da cultura na contextualização desses processos.

Contudo, em cada um e em todos estes aspectos/processos está presente a subjetividade que,

numa escrita freudiana, tem a ver com a expressão do eu, expressão real, de cada sujeito

nessas vivências e práticas sociais.

Há, portanto, este grau de dinamismo na instituição e atualização desses processos que, deste

modo, assumem uma natureza de lugar, de instância simbólica que o ser humano ocupa de um

modo geral e ao mesmo tempo particular, enquanto lhe atribui sentido, valor e atualização,

com intensidade e expressividade.

Este dinamismo independe da aquisição de conhecimentos formais sobre tais objetos ou

processos, mas está relacionado constitutivamente a um saber ser, um saber se expressar

nestes primados, mas de modo inconsciente. A atualização e expressão singulares desses

lugares dependem de um saber, que em parte é inconsciente e em parte consciente. Nem tudo

o que fazemos e somos, com autonomia, sabemos explicar o porquê, ou retornar à origem da

causa primeira, primordial, pois se trata de um fenômeno de mostração, porque não todo

passível de demonstração.

Ter um domínio que permite articular um determinado processo, atualizá-lo, desdobrando sua

realidade, decorre de um ato próprio, singular; de uma autonomia, que é um posicionar-se

fazendo seu nome no processo, sobre as bases estruturais ou os suportes, quer materiais, quer

simbólicos, que lhes confere objetividade ou objetivação. Mas, no nível da expressão

Page 94: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

94

específica ou singular do sujeito no processo, toda objetivação implica também um ato de

subjetivação. Só num segundo tempo/momento, derivadamente, toma-se consciência do ato

que atualiza, subjetivando, todo processo, quando então, aciona-se outra ordem de ação e de

autonomia, o primado cognitivo, entrando em cena o papel fundamental da consciência, dos

conhecimentos, dos níveis e graus de formalização e de representação abstrata, lógico-

conceitual.

Assim, de outro lado, ao se expressar, como condição ontológica e como condição histórica,

acontecimento, que é geral do/no humano, e que é específica em cada pessoa humana, a ação

cognitiva reinaugura e reinscreve estruturas e suportes operacionais e materiais para sua

comunicabilidade e trocas simbólicas. Portanto, de certa forma, podemos dizer que criam

processos e modos difusores, comportando a criação de suportes materiais e imateriais de

difusão; criam um maquinário difusor e um maquinário instrumental de difusão, no sentido de

máquina derridiano (2004), de maquinação, invenção, inventividade humana. Neste processo,

podemos compreender também que a criação e utilização de suportes de difusão geram

potenciais de desempenhos cognitivos, implicando e convocando a condição cognitiva,

porque deriva dela e retorna a ela, sempre.

Neste duplo aspecto, surgem formas de atualização de respostas cognitivas que geram

conhecimentos específicos tanto sobre a modelagem, quanto sobre a difusão, bem como sobre

suas relações e combinações; geram atualização tanto da modelagem quanto da difusão, em

um processo histórico contínuo, como reinscrição e reinvenção da condição humana que é

cognitiva e difusora, no marco de sua expressividade ontológica e de sua objetivação e de sua

subjetivação, que instituem a mundanidade. Deste primado, derivam-se outros aspectos como

o social, político, econômico, etc. Melhor dizendo, estes outros aspectos não se dão sem esta

condição fundamental, que é inerente ao humano e seus modos de expressão na realidade.

No limite do que nos propusemos aqui, concluímos compreendendo algo bem específico e, de

certa forma original, em relação à literatura vigente sobre a relação Difusão Social do

Conhecimento e Modelagem Cognitiva, que é a tese provocativa de que “a ação cognitiva é

condição da difusão do conhecimento”. Nestes termos, podemos compreender também ainda

mais, “a ação cognitiva de sujeitos, bem como o processo onde esta dinâmica se institui,

cumprem um caráter instrumental específico da difusão do conhecimento”. Esta ordem de

instrumentalidade articulada com a instrumentalidade estrita dos suportes matérias da difusão

Page 95: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

95

confere-lhe sentido, dinâmica, relatividade e atualidade. A partir daí, saltam à compreensão,

em consequência, seu caráter político, econômico, cultural, ético, estético, etc.

Nesta ordem, não há como propor modelos nem de difusão e nem de modelagem cognitiva,

no sentido tradicional, da teoria computacional e empresarial administrativa, como um

receituário ou como um conhecimento verdadeiro em razão de um rigor interno ao sistema

lógico e conceitual que o construiu, mas construir e compreender os processos difusores e

modeladores, comunicativos e cognitivos, a partir dos contextos, das ações singulares dos

sujeitos nos contextos, em estados materiais e simbólicos iniciais e específicos, cuja verdade e

validade serão sempre relativos, transitórios e incompletos. Trata-se de gerar condições e

indicadores para que, sempre que necessário, os sujeitos exerçam sua autonomia na recriação

e atualização destes processos, tornando-se assim capazes também de autoria da escrita da

coisa difusora do conhecimento, bem como do estatuto da condição cognitiva que é inerente

ao ser sujeito. Nestes termos, e só nele, poderemos pensar e expressar um caráter social da

difusão do conhecimento.

Page 96: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

96

CAPÍTULO III

AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL/POTENCIAL, MEDIAÇÃO TELEMÁTICA E

DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO

Apresentação

Este capítulo tem como objetivo definir a perspectiva filosófica, epistemológica e política de

compreensão das Tecnologias, em especial as Tecnologias da Informação e Comunicação

potencializadas com a conexão à internet, problematizando a condição de imbricamento e

inter-relação do homem com as TIC. Aborda especificamente as Tecnologias da

Comunicação e Informação em sua implicação dialética com a contemporaneidade –

buscando situá-las em sua relação de imbricamento com o sujeito cognoscente, percebendo as

especificidades, potencialidades e desafios que este imbricamento traz para a Cognição.

Busca resignificar os conceitos de Ambientes Virtuais e Virtualidade, apresentando

elaborações teóricas que sustentam a utilização do conceito de Ambiente Virtual/atual, que

supera a aparente oposição entre o “real” e o “virtual”, como forma de desfazer a imprecisão

conceitual que insiste em opor os dois termos como contrários. Para tanto, reflete

filosoficamente sobre o “virtual” como uma “presença” pela experiência temporal

neuropsíquica, o que implica em investigar a natureza neuropsíquica do Tempo e distinguir a

temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades transcendentes ao

humano.

Trabalha filosófica e epistemologicamente com as TIC em uma compreensão crítica,

concebendo-as como produto cultural, humano - prenhe assim de toda a dialética que compõe

as construções humanas. Buscando superar a visão ingênua que as percebe como

determinantes (necessariamente) de desenvolvimento e evolução e a visão catastrófica que a

teme, como uma arma que potencializa (necessariamente) os males da humanidade, defende

que as duas possibilidades se apresentam, mas não como determinantes e sim como

potencialidades a serem escolhidas pela ação consciente e autônoma do homem.

1. Tecnologias e Digital: A Relação Homem-Máquina na Contemporaneidade

O ambiente comunicacional contemporâneo, redefinido pelas tecnologias digitais interativas,

traz, segundo Silva (2003), uma mudança paradigmática na teoria e na pragmática

comunicacionais, “há uma modificação radical no esquema clássico da informação baseado

Page 97: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

97

na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor” (2003, p. 264), na qual: 1. o emissor não

emite mais uma mensagem fechada, mas um leque de possibilidades à manipulação do

receptor; 2. a mensagem é agora aberta, modificável por aquele que a consulta; 3. o receptor é

convidado a criar livremente, dando sentido à mensagem através da sua intervenção.

Também sobre as mudanças na pragmática comunicacional, Lemos (2003) diferencia a

comunicação de massa da comunicação gerada pelas tecnologias digitais. Para este autor, a

comunicação de massa “vincula forma e conteúdo, suporte e forma de transmissão da

informação” (LEMOS, 2003, p. 35), operando em um fluxo um para todos, garantindo assim

o poder sobre a emissão. Já as tecnologias digitais geram um fluxo que coloca todos para

todos, em uma capilaridade que impede uma edição centralizada e permite a livre circulação

da informação.

Em um modelo comunicacional dialógico e bidirecional, todos são potencialmente agentes

desafiadores, visto que coautores de um processo de construção coletiva que se dá em rede.

Como conceito central às suas reflexões, Silva (2003, p. 262) apresenta a Interatividade:

“disponibilização consciente de um mais13

comunicacional de modo expressamente complexo

presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor, possibilidades de

responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele”.

Para Gadotti (2000, p. 7), se considerarmos a importância dada hoje ao conhecimento em

todos os setores, estamos mesmo vivendo a era do conhecimento ou sociedade do

conhecimento, sobretudo como consequência da informatização e globalização das

telecomunicações a ela associadas. Mesmo que se considere, como o autor faz questão de

ressaltar, que grandes massas da população estejam excluídas deste processo e que

constatemos “a predominância da difusão de dados e informações e não de conhecimentos”.

Compreendendo o processo de produção do conhecimento e o próprio conhecimento como

teckné, Lima Jr (2005) ressalta que este amplo significado materializado nas redes digitais de

comunicação e informação emerge para o pensar em currículo, para os potenciais de mudança

na educação trazidos pelo computador e pelas redes por ele mediadas.

Buscando explicitar as implicações epistemológicas da tecnologia intelectual, este autor

reflete sobre o conceito de conhecimento. Apresenta a acepção tradicional de conhecimento

13 Grifo do autor.

Page 98: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

98

como leis abstratas que explicam a realidade exterior ao mesmo tempo em que reduzem e

simplificam a realidade a tais estruturas abstratas, “concebidas de modo fragmentado,

quantitativo, sequencial e conceitual” (p. 29), em um modelo de racionalidade que, embora

constituído a partir da revolução científica do século XVI, é ainda hegemônico no âmbito

educacional. Para o referido autor, o rompimento com esta racionalidade implica na

identificação e reconhecimento da racionalidade e inteligibilidade próprias de outras formas

distintas de conhecimento, que convivem no mesmo contexto histórico-social, cada uma com

suas regras e convenções, cumprindo determinadas funções e gerando possibilidades, apesar

das suas limitações e impossibilidades.

Para Santos,

Estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relações entre a

ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós,

sujeitos individuais ou colectivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas

práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso; e temos

finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no

enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo

contributo positivo ou negativo da ciência para a nossa felicidade. (2005, p. 2)

Uma nova concepção de conhecimento emerge na contemporaneidade, que o reconhece como

um processo histórico-social que não está fora do homem e nem da realidade, que é

entremeado de subjetividade posto que “emerge a partir de desejos, interesses, valores, modo

de percepção, linguagens, atribuição de significados, articulados no contexto vivencial e

interno do sujeito.” (LIMA Jr, 2005, p. 33).

O potencial de comunicação e construção colaborativa trazido pelas redes mediadas pela

tecnologia digital e a presença destas nos mais diversos processos sociais oportuniza o fluxo

dialético e inter-relacional de troca/produção de informações e conhecimento para além dos

espaços formais e do previsível. Uma concepção de conhecimento que o reconhece como um

processo histórico-social, aliada à percepção dos “espaços” de autonomia cognitiva dos

sujeitos nos processos de troca/produção de informações e conhecimento permite apreender o

potencial de Difusão Social do Conhecimento em ambientes com mediação telemática.

Aprofundando a reflexão sobre o paradigma emergente do conhecimento, Lima Jr (2005, p.

38) enfatiza que este agora se instaura como um processo multirreferencial que se caracteriza

pelo diálogo entre as modalidades de conhecimento. Assim, a racionalidade agora significa “a

permanente tessitura de articulações, diálogos entre os tipos de conhecimentos (...).”

Page 99: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

99

Nesta base epistemológica, a produção de conhecimento é um processo contextual e

complexo no qual o ser humano, em seu contexto espacial e temporal é desafiado pela

resolução de suas demandas, necessidades e interesses, em uma relação contínua consigo

mesmo e com os outros (semelhantes e diferentes). Neste processo, ao perceber-se nestas

múltiplas relações, o ser humano comunica a sua percepção em linguagens instituindo assim

saberes diversos e específicos, a partir de fontes subjetivas e objetivas, articulando-os no

contexto, de forma sempre aberta e dinâmica.

Com esta perspectiva é possível inferir a ampla gama de relações/comunicações/produções

que se desenrola transversalmente aos processos formais de elaboração, partilha e difusão de

informações. O acesso à informação não está mais restrito ao filtro de currículos ou

programas de ensino, nem às mídias de massa controladas pelo poder hegemônico - embora

lamentavelmente estas detenham grande poder nestes processos. Por esta compreensão as

fontes são múltiplas e simultâneas, em um constante ir e vir dialético e dialógico, permeado

de contradições e luta de forças, processos típicos à difusão social do conhecimento.

Para Gadotti (2000, p. 7), está em andamento uma Revolução da Informação, na qual “a

informação deixou de ser uma área ou especialidade para se tornar uma dimensão de tudo,

transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza”. Ainda para este autor,

os novos espaços do conhecimento criados pelas novas tecnologias permitem às pessoas

acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem a distância, buscando resposta às suas

demandas de conhecimento, na informação disponível nas redes de computadores

interligados. Assim, a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas, etc.) está se

fortalecendo também como espaço de difusão de conhecimentos e de formação continuada,

potencializado pelas novas tecnologias e constantes inovações metodológicas.

[...] o planeta tornou-se a nossa sala de aula e o nosso endereço. O ciberespaço não

está em lugar nenhum, pois está em todo o lugar o tempo todo. Estar num lugar

significaria estar determinado pelo tempo (hoje, ontem, amanhã). No ciberespaço, a

informação está sempre e permanentemente presente e em renovação constante. O

ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a aprendizagem. Não há

tempo e espaço próprios para a aprendizagem. Como ele está todo o tempo em todo

lugar, o espaço da aprendizagem é aqui – em qualquer lugar – e o tempo de aprender

é hoje e sempre. A sociedade do conhecimento se traduz por redes, “teias” (Ivan

Illich), “árvores do conhecimento” (Humberto Maturana), sem hierarquias, em

unidades dinâmicas e criativas, favorecendo a conectividade, o intercâmbio,

consultas entre instituições e pessoas, articulação, contatos e vínculos,

interatividade. A conectividade é a principal característica da Internet. (GADOTTI,

2000, p. 8).

Page 100: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

100

Considerando toda a reflexão feita anteriormente, é essencial às elaborações teóricas sobre

Processos Cognitivos e Difusão do Conhecimento, o olhar multirreferencial sobre a

(auto/hetero) formação humana na contemporaneidade. Esta formação vincula-se a questões

políticas: relações entre saber e poder; a questões filosóficas: conceito de homem e suas

relações com o mundo; a questões históricas: interesses e perspectivas hegemônicas e/ou

conflitantes em cada momento específico; a questões epistemológicas: o que é o

conhecimento, como ele é construído, o que o legitima, como as relações de poder o

perpassam, entre outras.

A concepção de formação coerente com os pressupostos que orientam as construções deste

texto, a concebe enquanto um processo que desenvolve sujeitos, autores e atores da sua

prática, capazes de lidar com situações sempre novas e desafiadoras, em um permanente

processo de ação-reflexão-ação, a partir de uma sólida base teórica. Um processo

verdadeiramente formativo fundamenta-se no pensamento autônomo, na reflexão contínua

sobre a prática, na construção de uma práxis de intervenção crítica e propositiva, de um olhar

dialógico e investigativo.

O fluxo comunicacional que caracteriza as relações humanas na contemporaneidade tem

essencialmente presentes na formação de qualquer sujeito, as redes de difusão social do

conhecimento via Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, ou seja, os ambientes

com mediação telemática. Nestes espaços o sujeito acessa, conhece, escolhe, processa, enfim,

constrói sua visão de mundo e participa da construção e difusão de um conhecimento que,

como já dissemos, é histórico, permeado de subjetividades e parte do homem e da sua

realidade.

Os princípios da aprendizagem colaborativa e da autonomia do sujeito são presença nos

ambientes de mediação telemática – livres ou de educação sistemática/ de aprendizagem -

que, de forma síncrona ou assíncrona oportunizam aos sujeitos em seu contínuo processo de

formação a troca, a participação, a hipertextualidade (Lévy, 1993) na sua “leitura de mundo”

(Freire, 1999). Consequentemente, se os sujeitos interagem e produzem conhecimento de

forma cada vez mais dialógica e autônoma, estes são processos de Difusão Social do

Conhecimento, que articulam em redes, diversas e inter-relacionadas, o aprendizado formal e

informal.

Page 101: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

101

Ao pensarmos em uma formação para o futuro ou na “educação do futuro”, é consenso

desejá-la mais democrática e menos excludente. Gadotti (2000, p. 10-11) aponta algumas

categorias frequentes na literatura pedagógica contemporânea que, segundo o mesmo,

sinalizam uma perspectiva da pedagogia da práxis. São elas: “contradição”, “determinação”,

“reprodução”, “mudança”, “trabalho”, “práxis”, “necessidade”, “possibilidade”. Considerando

que estas não podem ser negadas nem desprezadas como categorias ultrapassadas, o autor

propõe que nos ocupemos mais especificamente de outras, segundo ele, “nascidas ao mesmo

tempo da prática da educação e da reflexão sobre ela”: Cidadania, Planetaridade,

Sustentabilidade, Virtualidade, Globalização, Transdisciplinaridade, Dialogicidade,

Dialeticidade.

Especificamente sobre a categoria Virtualidade, o autor considera que ela implica em toda a

discussão contemporânea sobre a educação a distância e o uso dos computadores na escola,

apontando que, nossa inserção definitiva na era da informação, faz emergir questões como:

Quais as conseqüências para a educação, para a escola, para a formação do professor

e para a aprendizagem? Conseqüências da obsolescência do conhecimento. Como

fica a escola diante da pluralidade dos meios de comunicação? Eles abrem os novos

espaços da formação ou irão substituir a escola? (GADOTTI, 2000, p. 10)

Sem a precipitação de descartar o já instituído ou considerar o novo como necessariamente

bom, urge problematizar quais princípios, pressupostos e objetivos se mantêm e quais se

constituirão ou transformarão a partir da interação com as TIC’s e das potencialidades dos

ambientes de mediação telemática, especificamente nesta investigação, no que se refere à

cognição e difusão do conhecimento.

2. Realidade, Virtualidade, Presença e Espaço-Tempo – Compreensões e implicações

Conceitos de aparente domínio do senso comum e tão comumente utilizado nos mais diversos

textos e contextos, os conceitos aqui abordados revelam-se em compreensões as mais diversas

e díspares. A demarcação filosófica e epistemológica do lastro teórico a partir do qual estes

conceitos são compreendidos e utilizados nesta tese, é o objetivo desta seção.

2.1. REAL, ATUAL E VIRTUAL – concepções e demarcações teóricas

Uma das referências mais clássicas na discussão do virtual, Lévy (1996) afirma que o virtual

não se opõe ao real, mas sim ao atual. Buscando a origem etimológica do termo virtual –

virtus – que significa força, potência, ressalta que na filosofia escolástica virtual é o que existe

Page 102: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

102

em potência não em ato (p. 15): “(...) A árvore está presente na semente. (...)”. Fazendo ainda

uma distinção entre o virtual e o possível, afirma que este é exatamente como o real, havendo

entre ambos uma diferença puramente lógica, pois que ao possível só falta a existência.

Considerando o possível como estático e já constituído, Lévy (1996, p. 16) o diferencia do

virtual, que conceitua como: “(...) o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças

que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que

chama um processo de resolução: a atualização (...)”

Por esta compreensão, a atualização é concebida então como a solução de um problema,

criação, invenção de uma nova forma, produção de qualidades novas, transformação das

ideias. Buscando esclarecer, representar esta compreensão o autor cita a interação

homens/sistemas informáticos como um exemplo da dialética do virtual e do atual, afirmando

ainda que o atual responde ao virtual.

Demarcando ainda a compreensão de Virtualização – agora como dinâmica, o autor a define

como uma passagem do atual ao virtual, que transmuta a entidade em direção à resposta da

questão geral à qual esta se relaciona. A virtualização de uma empresa é tomada como

exemplo pelo autor: a questão principal a que a virtualização vai responder é a redistribuição

sempre repensada, das coordenadas espaço-temporais do trabalho, da coletividade e de cada

um dos seus membros, em atendimento a demandas diversas.

Como decorrência da linha de raciocínio defendida pelo autor, a presença é também posta em

questionamento. Embora criticando a associação simples do senso comum que relaciona

virtual a inapreensível e real a tangível, o autor reconhece uma indicação desta abordagem

que não deve ser negligenciada: a não presença do virtual, com muita frequência.

Citando Michel Serres, Lévy ressalta que “(...) A imaginação, a memória, o conhecimento, a

religião são vetores de virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da

informatização e das redes digitais. (...)” Traz ainda o conceito de Heidegger do “ser-ai”

(tradução do alemão Dasein) para afirmar existência independe de pertencer a um lugar

específico e designável, de estar sempre presente. Uma comunidade virtual é apontada como

exemplo. Ao comunicar-se a partir de sistemas de telemáticos, apesar de não ter um lugar de

referência estável, esta comunidade se organiza sobre uma base de afinidade e está contida

por paixões, projetos, conflitos e amizades.

Page 103: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

103

Ao virtualizar-se, uma pessoa, coletividade, ato ou informação se desterritorializam,

reinventando assim o que Lévy chama de “uma cultura nômade”. Mesmo reconhecendo que

não totalmente independentes de um espaço-tempo de referência, posto que necessitam de

suportes físicos a partir dos quais irão se atualizar em outros momentos e lugares, a

virtualização escapa aos lugares comuns, possibilitando, por exemplo, que a unidade de lugar

seja substituída pela sincronização e a unidade de tempo pela interconexão:

[...] unidade de tempo sem unidade de lugar (graças às interações em tempo real por

redes eletrônicas, às transmissões ao vivo, aos sistemas de telepresença),

continuidade de ação apesar de uma duração descontínua (como na comunicação por

secretária eletrônica ou por correio eletrônico). [...] (LÉVY, 1996, p. 21)

Apesar desta desterritorialização, o autor chama a atenção de que o virtual não é imaginário,

exemplificando com os coletivos mais virtuais e virtualizantes do mundo contemporâneo – a

tecnociência, as finanças e os meios de comunicação, que são também os que estruturam a

realidade social.

A virtualização altera também os sentidos de espaço e tempo, possibilitando uma diversidade

de sistemas de proximidade e espaços práticos de registro e transmissão, ao incluir neste jogo

de sentido a subjetividade, a significação e a pertinência. Se “cada forma de vida inventa seu

mundo e, com esse mundo, um espaço de tempos específicos.” (LÉVY, 1996, p. 22), a

dimensão cultural própria dos humanos, amplia em muito esta variabilidade.

Da mesma forma a diversidade dos sistemas de registro e transmissão – tradição oral, escrita,

registro audiovisual, redes digitais, determinam novas velocidades em uma multiplicação de

espaços que nos faz na contemporaneidade um novo estilo de nômades: “(...) saltamos de uma

rede a outra, de um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços se metamorfoseiam e se

bifurcam a nossos pés (...)” (LÉVY, 1996, p. 23). Para o autor, a criação de velocidades

inéditas é o primeiro grau da virtualização da sociedade, em um movimento de tensão em sair

de uma “presença”, do qual participam o aumento da comunicação e a generalização do

transporte rápido.

Por fim, ainda caracterizando o processo de virtualização, Lévy (1996) aborda o que chama

“efeito Moebius” ou passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior, que ocorre em

vários registros: relações entre privado e público, próprio e comum, subjetivo e objetivo,

mapa e território, autor e leitor etc.. Para o autor este processo põe em questionamento a

identidade clássica apoiada em definições, determinações, exclusões, inclusões e terceiros

Page 104: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

104

excluídos, sendo a virtualização sempre um devir outro, processo de acolhimento da

alteridade.

Buscando um outro aporte para esta discussão, trazemos Maldonado (1999), em suas

contribuições para a compreensão do Real e do Virtual. Para este autor, a relação entre a

realidade e suas representações tem sido alvo de interesse renovado, tanto sobre questões já

largamente discutidas quanto em outras inéditas, em função da sofisticação alcançada pelas

técnicas de modelação da realidade e as perspectivas de desenvolvimento ainda mais

prodigioso neste campo. Questões estas que transcendem a tecnologia, em um núcleo

problemático ao qual podem confluir contribuições de diversas áreas: filosofia, comunicação,

história da arte etc..

Justificando como necessidade para uma abordagem adequada desta temática, Maldonado

(1999) coloca sobre análise crítica uma teoria que, segundo o mesmo, tem alcançado êxito em

diferentes esferas do saber: a Teoria da “Desmaterialização” da realidade. Implícita ao

discurso da desmaterialização esta a ideia de que existe uma substância cuja materialidade

pode ser afetada, o que por sua vez, pressupõe uma matéria pré-existente. Se desde o início a

questão da matéria tem dividido os filósofos e os homens da ciência, o que se tem produzido

de novo neste século tem posto abaixo o conceito de matéria como uma coisa simples,

palpável, em especial o impacto desestabilizador dos modernos avanços da física sobre os

pressupostos epistemológicos do conhecimento científico em geral.

Trazida do universo microfísico, hoje sociólogos, engenheiros, filósofos, artistas e outros,

empregam o termo desmaterizalização na escala da macrofísica, ou seja, do mundo como

podem perceber os nossos sentidos. Por esta acepção, ainda segundo o autor, o impacto das

tecnologias nascentes como informática, telecomunicação, bioengenharia, robótica e

tecnologia de materiais avançados levariam a uma progressiva desmaterialização da nossa

realidade, produzindo uma contração do universo dos objetos materiais, que seriam

substituídos por processos e serviços cada vez mais imateriais.

Desenvolvendo ainda a reflexão sobre o tema, Maldonado (1999) cita o físico Alfred Kastler

na afirmação de que na escala dos nossos sentidos estamos acostumados a reconhecer duas

propriedades fundamentais naquilo que chamamos “objetos”: a permanência e a

individualidade, que não existem na microfísica. Provoca então o leitor questionando se estas

duas propriedades fundamentais têm perdido seu valor caracterizante no nosso mundo, para

Page 105: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

105

afirmar que é inegável que algo está ocorrendo. Identifica-se nos países altamente

industrializados a redução na duração da permanência e da individualidade dos objetos,

porém, ainda segundo o autor, este não é um fenômeno recente, trata-se do fenômeno

conhecido como obsolescência. O novo no estado atual do fenômeno seria a abreviação do

ciclo de vida de famílias inteiras de produtos.

A partir destas reflexões, Maldonado (1999, p. 14) pergunta se caberia supor como realidade

futura, um mundo desprovido de materialidade:

Pero ¿ autoriza esta comprobación a hablar, como suele hacerse com harta

desenvoltura, de um proceso efectivo de desmaterialización ? ¿ Es creíble (em El

sentido de verosímil) que nuestra realidade futura llegue a ser um mundo constituído

solo por presencias inefables, um mundo desprovisto de materialidade Y de carácter

físico? ¿ Es razonable pensar que em El siglo XXI tendremos que vérnoslas sólo

com realidades intangibles, com imágenes ilusórias, evanescentes, com algo

semejante a um mundo poblado de espectros, de alucinaciones, de ectoplasmas?

Apesar da provocação, o autor afirma não estar convencido disto, e alerta que esta perspectiva

desconsidera que nossa relação individual e coletiva com o caráter físico do mundo não pode

anular-se como por mágica, que esta relação é parte de nós mesmos, posto que biológica e

culturalmente somos o resultado de um processo filogenético no qual esta relação de

experiência teve um papel determinante, para concluir que, gostando ou não, estamos

condenados como todos os seres vivos, a contar com nosso caráter físico e com o caráter

físico do ambiente.

3. Tudo o que é Real é também Virtual, e tudo o que é Virtual é Real - considerações

sobre a Temporalidade Mediada Telematicamente na Educação Contemporânea14

A partir do surto da Ciência da Natureza desenvolvida na Europa dos séculos XVI e XVII d.

C., assim como de maneira determinante da cosmologia contemporânea se tornou comum

conceber o Tempo a partir de uma origem que remontaria à hipótese do Big Bang. Sem o

Tempo nada pode ser concebido como surgimento, desenvolvimento, multiplicação,

unificação e desaparecimento. Há, pois um processo de surgimento, desenvolvimento,

multiplicação, unificação e desaparecimento em tudo o que se encontra na deriva cósmica,

incluído o planeta Terra e suas espécies. E nós humanos desenvolvemos um diferencial

ontológico associado à nossa biologia neurocerebral inerente ao Tempo que precisamos

14

Esta seção foi construída em forma de artigo em coautoria minha com o prof. Dr. Dante Augusto Galeffi e

publicada no livro LIMA Jr., Arnaud Soares de. Educação e Contemporaneidade: contextos e singularidades.

Salvador: EDUFBA, 2012.

Page 106: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

106

sempre mais estudar para que se possa compreender a dimensão temporal de nossas vidas e

como atualizar, suas potencialidades, virtualidades, possibilidades de maneira criadora e

radicalmente implicada com a totalidade vivente.

Procuraremos no restrito limite deste capítulo investigar de imediato a aparente oposição entre

o “real” e o “virtual”, como forma de desfazer a imprecisão conceitual que insiste em opor os

dois termos como contrários. De fato, o contrário de “real” não é o “virtual” e sim o

inconcebível vazio e absoluta mudez: o “nada”. O contrário de “real” é a sua ausência,

portanto. O “virtual” não é uma “ausência”, mas uma “presença” pela experiência temporal

neuropsíquica. Portanto, é preciso investigar a natureza neuropsíquica do Tempo e distinguir a

temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades transcendentes ao

humano.

É preciso também esclarecer os conceitos de atualização, potencialização e Terceiro,

aproximando o virtual do potencial, a potencialização da virtualização – a ação de

potencializar e virtualizar. Nossa intenção é provocar um questionamento relativo à natureza

da temporalidade humana visando aprender melhor sobre a experiência temporal mediada

telematicamente. O que acontece com o Tempo a partir da interface homem-máquina? É

apropriado opor o “virtual” ao “real”? E por que não é apropriado? É condizente se falar em

Ambiente Virtual de Aprendizagem sem o complemento da Atualização toda vez que ocorra

uma conexão entre um usuário e uma interface/modelagem telemática? A presença, concebida

como experiência temporal neuropsíquica não está muito além da mera presença física em

dado espaço geograficamente situado? É, então, preciso complementar a concepção de AVA

com a de Ambiente Atual de Aprendizagem (AAA), reconhecendo que há “presença” nos

processos de interação e construção mediadas telematicamente. Também queremos provocar

na direção do conceito vigente de educação a distância, intuindo a possibilidade da educação

sem distância mediada telematicamente.

E apesar de o Tempo constituir todas as formações de matéria-energia existentes em

acontecimentos sistêmicos interconectados, no ser humano a temporalidade aparece em sua

função neuropsíquica, que é uma forma de matéria-energia diferenciada das duas outras

formas encontradas na natureza, como a matéria-energia macrofísica e aquela biológica

(LUPASCO, 1994).

Page 107: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

107

Entretanto, antes de se poder alcançar uma clarividência condizente com nossa intenção de

princípio, que é compreender melhor a natureza da temporalidade humana em suas

possibilidades, atualizações e virtualizações, é importante considerar o Tempo em uma

simulação descritiva performática. Pois estaremos nos dirigindo às subjetivações humanas a

partir da experiência existencial própria e apropriada, o que requer de quem lê o processo

semiótico de perceber e traduzir “pacotes” de informação e de conhecimento relativos a

contextos culturais específicos e únicos, como cada flor em seu florescer e fenecer. Estamos,

portanto, tratando de compreender certas condições de princípio que constituem o complexo

humano e suas relações com a Totalidade divisada e indivisa – como quando o som é

percebido em sua jorrância a partir do silêncio, ou quando percebemos as formas visuais a

partir da ausência de luz.

Seguimos o fio condutor de uma concepção de conhecimento que implica em uma

compreensão articuladora dos modos de ser a partir da investigação da matéria-energia

neuropsíquica e sua propriedade de temporalização pela dialógica atualização e

potencialização e pela emergência de um Terceiro termo incluído: as subjetivações humanas

em seu sentido complexo ou sistêmico. O Terceiro aparece como o modo de ser

neuropsíquico que diferencia os seres humanos de outros entes ou entidades sistêmicas da

Natureza. O Terceiro é a temporalização humana como modo de existência fática. Nesta

direção, o “real” é tomado como conceito central para a descrição condizente do possível, do

atual, do potencial e do virtual, o que permite operar cada um dos termos como traços da

temporalidade estruturante da existência humana desde seu aparecimento no Tempo e no

Lugar cósmico no qual estamos.

Seguindo o fio condutor assinalado, temos uma tarefa pela frente que apenas poderá ser

anunciada no presente texto, e, portanto, não intencionamos concluir nada e sim abrir nossos

pensamentos para que possa pensar além do que já se encontra dado e conquistado na saga

humana até o presente momento.

3.1. O TEMPO – POR ONDE COMEÇAR?

Comecemos do início. Mas de qual início? Só pode ser o início no qual a espécie humana

encontra o seu surgimento e desenvolvimento no próprio Tempo cosmológico, a partir de um

complexo de condições que remontam ao suposto início de tudo com o Big Bang, há cerca de

14 ou 15 bilhões de anos atrás. Uma medição feita na medida humana do tempo cronológico

Page 108: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

108

dividido em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, décadas, séculos, milênios. Segundo

este critério de medição do tempo, o planeta Terra teria a idade de 4, 5 bilhões de anos, e os

sistemas biológicos que originam a vida em todas as suas rizomações, teriam encontrado

condições de desenvolvimento há 3,5 bilhões de anos. No reino animal, os hominídeos

datariam de 5 a 7 milhões de anos. A evolução humana, ou antropogênese acontece com o

surgimento do Homo sapiens, como espécie. Muitas outras espécies de Homo desenvolveram-

se e desapareceram, só restando a nossa: Homo sapiens. Diz-se com precisão sempre mais ou

menos imprecisa que a nossa espécie sapiens emergiu entre 400.000 e 250.000 anos atrás,

mas só teria alcançado o seu desenvolvimento considerado moderno no início do Paleolítico

Superior na Europa. O período Neolítico há cerca de 12.000 anos atrás configura o que só vai

eclodir com o início das civilizações por volta do ano 7.000 a. C. A partir da Idade da Pedra

Nova ocorre uma evolução cultural na espécie que já se encontrava em condições biológicas

adequadas, mas ainda não tinha o ambiente propício para acontecer. Pode-se relevar a

importância do aparecimento de uma temporalidade marcada pelas fases lunares nas várias

culturas neolíticas do planeta. Há, assim, também um “tempo” que a espécie adquire

culturalmente e que sempre depende do lugar em que se nasce e em que se vive. A

sedimentação de ciclos alternantes, segundo o movimento lunar percebido, projeta para

possibilidades: a antecipação como o porvir – um acontecimento mental. Há, portanto, uma

temporalidade neuropsíquica que é diversa daquela advinda do ambiente cosmológico. É esta

última temporalidade que nos interessa investigar. Como ela se dá em nossos comuns atos

perceptivos e cognitivos?

Ora, o Tempo pode ser tomado em muitas escalas diversas, mas a temporalidade que

configura nossos atos perceptivos, volitivos e acionais diz respeito ao como existimos

enquanto existimos corporal e mentalmente. Um corpo/cérebro/máquina programado para

quê?

Selecionando uma referência, se em Kant (1984) o tempo aparece como campo constitutivo

da sensibilidade e, portanto, como uma condição prévia do sujeito transcendental do

conhecimento, juntamente com o espaço, é possível abarcar a temporalidade humana muito

além do limite gnosiológico kantiano, compreendendo a temporalidade em suas três ekxtases:

porvir, vigor de ter sido, atualidade (HEIDEGGER, 2009, p.413). Neste ponto não faz

nenhum sentido separar o passado, o presente e o futuro porque está em jogo a temporalidade

como experiência ontológica. A temporalidade humana somente pode ser compreendida na

Page 109: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

109

temporalidade humana. Não interessa nem ao leão e nem ao extraterrestre. É neste âmbito que

aparece a relação adequada entre “real” e “virtual”: tudo o que é real é também virtual, e tudo

o que é virtual é real. Isto é válido somente enquanto se é um corpo-mente-vivente.

É preciso sair da noção genérica do Tempo como uma sucessão de instantes e focar a atenção

na temporalidade neuropsíquica humana. Para tanto, vamos proceder por compreensão, a

partir das ekstases da temporalidade descritas por Heidegger (2009) em Ser e Tempo,

procurando uma conexão para o inusitado: pensar a temporalidade para além da analítica do

Dasein, sem perder de mira aquilo para o qual a analítica aponta: o ser como acontecer-

apropriar projetado em possibilidades fora do controle serial. Quer dizer, algo que é inerente

a todo ser humano como possibilidade em sua antecipação. Pois é próprio do comportamento

neuropsíquico humano antecipar-se ao próprio fim, o que também revela como a percepção

humana acontece como temporalização e como se destaca de tudo o mais que não possui este

modo de ser mental que antecipa o próprio fim.

3.2. DO TEMPO À TEMPORALIDADE HUMANA E SUAS EKSTASES

Pelo fato de sermos um complexus corpomente vivente faz sentido considerar as ekstases do

tempo como os gradientes de nossa existencialidade comum. Referimo-nos à maneira como

existimos na condição de espécie e como subjetivações singulares em sistemas sociais.

Portanto, falamos da experiência da compreensão enquanto existimos na condição de

subjetivação da espécie humana: a temporalidade do nosso comum existir humano. A

temporalidade humana comporta também diferentes extratos e gradientes de intensidade que

se pode descrever por aproximação e por condizência, mas não se pode explicar como uma

coincidência entre os entes externos e o que é percebido nas subjetivações humanas. Toda

percepção humana é um complexo pré-formatado como ekstases temporais.

Adentrando em Heidegger, pontualmente em sua descrição da temporalidade e suas ekstases

(porvir, vigor de ter sido, atualidade), temos,

Porvir, vigor de ter sido e atualidade mostram os caracteres fenomenais do “para si

mesma”, “de volta para”, “deixar vir ao encontro de”. Os fenômenos para..., ao...,

junto a... manifestam a temporalidade como o puro e simples

Temporalidade é o “fora de si” em si e para si

mesmo originário. Chamaremos, pois, os fenômenos caracterizados de porvir, vigor

de ter sido e atualidade de ekstases da temporalidade. Ela, sobretudo, não é um ente

que só sai de dentro de si. Mas a sua essência é temporalização na unidade das

ekstases. (HEIDEGGER, 2009, p. 413)

Page 110: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

110

Importa-nos aqui relevar a dinâmica da temporalidade descrita acima, como apropriada para

compreendermos o nosso modo neuropsíquico de vivência temporal na interface corpo/mente.

Deixando de lado o vai e vem de Heidegger, apanhamos o que importa no momento: o ser

humano existe na medida em que se projeta como porvir a partir do vigor de ter sido,

atualizando suas funções vitais em um desenvolvimento histórico específico. A temporalidade

compreendida como o “fora de si” indica um estado de estranhamento, arrebatamento,

encantamento, admiração, assombro, espasmo, elevação, rapto, suspensão, transporte,

transportamento etc.. O que caracteriza a experiência da temporalidade neuropsíquica.

Estar “fora de si” significa existir temporalmente. Existir temporalmente quer também

simplesmente dizer: existir. Pois, existimos. Estamos no Tempo. Enquanto existimos nos

encontramos projetados “para fora”. As ekstases, assim, são o modo como existimos como

porvir, vigor de ter sido e atualidade. O porvir é o modo de antecipação do projetar-se

existencial. Pressupõe uma mente capaz de perceber seu sentido final como poder-ser mais

pleno. Uma mente que antecipa o que virá a partir do já ter sido, subjetivando-se como

atualidade instante. Na temporalidade humana o passado, o presente e o futuro formam o

acontecimento existencial em seu dinamismo. Ao mesmo tempo somos o que já é o que está

sendo e o que pode vir a ser. Assim, se o “real” é tomado apenas como “atualidade” perde-se

de vista a temporalidade em sua dinâmica existencial. Pois, do ponto de vista da existência

fática não se pode perder de foco a descontinuidade da vida psíquica humana, que oscila entre

estados de vigília, semivigília e sono (desligamento). A própria mente é a emergência da

virtualidade antecipadora por acoplamentos preexistentes e atualizações instantes. O tempo

todo o ser humano se encontra imerso na virtualidade mental e seus acoplamentos

bioquímicos e neuropsíquicos. O sonho é expressão de virtualidades que podem ou não ter

sentido. O ter ou não sentido depende apenas de processos de subjetivação em sistemas

sociais efetivos. E todo processo de subjetivação é um complexo físico, biológico e

neuropsíquico que se conecta a três registros igualmente complementares: o ambiental, o

social e o mental. Instâncias indissociáveis na compreensão do modo como existimos

faticamente.

Então, considerando que a temporalidade humana é ao mesmo tempo o vigente, o instante e a

antecipação, o “virtual” e o “real” compõem os gradientes da percepção humana comum, não

havendo supressão de uma coisa em detrimento de outra e sim “seleção” intencional. Mas é

preciso também considerar o próprio conceito de “real”.

Page 111: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

111

Em uma de suas acepções mais comuns, “real” refere-se ao concreto, ou àquilo que

“realmente existe”, indicando o “fato verdadeiro”, a realidade como ela é. Nesta acepção,

deriva do latim res, rei, que significa “coisa material”, “corpo”, “criatura”. Ora, se o “real” é

identificado como o ”verdadeiro”, tudo o que não é real é, por conseguinte, falso ou irreal,

como o sonho e toda antecipação mental. Mas, será que o “real” se limita a ser o puramente

verdadeiro, nunca sendo irreal? Não é isto o que nos mostra o modo como existimos pela

percepção da temporalidade em sua unidade ekstática. O tempo todo qualquer ser humano

está sendo atravessado pelas ekstases temporais, enquanto existe – é um corpomente vivente

que possui o modo de ser da compreensão mental (neuropsíquica) capaz de reunir as diversas

temporalizações em uma unidade metafísica no mínimo curiosa. Por nossos atos mentais

reunimos todas as temporalidades em um único fluxo existencial: percebemo-nos como seres

inteligentes projetados para possibilidades e amarrados às causalidades materiais em suas

vigências. Mas percebemos mentalmente tudo reunido em uma unidade difusa e até mesmo

confusa e frágil, superficial e oscilante. Mentalmente a nossa temporalidade é uma dinâmica

entre potencialidade e atualidade no âmbito de um Real tecido em diferentes níveis de

Realidade. Um Real que também é um Irreal, um imaterial, um inexistente, um possível, um

potencial. Um Real que se atualiza potencializando e que se potencializa atualizando em uma

dinâmica temporal bem diferente do tempo cronológico.

Assim, vamos deixar de lado esta concepção de “real” associado ao verdadeiro e à coisa

material, e vamos ousar compreender o “real” em seus diferentes níveis de Realidade e de

percepção, incluindo o virtual e o potencial, não somente o atual. Isto para esclarecer como os

meios telemáticos hoje disponíveis não podem prescindir da estrutura temporal do complexo

neuropsíquico humano, sendo imperativo estudar a questão da temporalidade mais a fundo

para se projetar uma educação humana condizente com a potencialidade incorporativa de

agenciamentos maquínicos distintos dos anteriores recursos tecnológicos desenvolvidos pela

humanidade. Entretanto os meios telemáticos podem ser potencializadores de habilidades e

competências cognitivas contextualizadas, mas não são capazes ainda de transformar as

condições prévias do existir enquanto tal. Fato que nos alerta para outra linha de

desenvolvimento compreensivo há cerca do ser que somos como indivíduos, sociedade e

espécie (MORIN, 2005).

Desde sempre a espécie humana se projeta em virtualidades a partir de sua vigência

vital/cultural, compreendendo seus desenvolvimentos heterogenéticos. Os fenômenos mentais

Page 112: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

112

como hoje procuramos conhecer estão presentes na estrutura temporal do ser humano desde o

seu aparecimento como espécie na superfície terrestre. Como fenômenos, eles ocorrem como

emergências da complexidade humana em seus desenvolvimentos genético (biológico) e

cultural (histórico). Por isso não se pode mais ignorar o modo como constituímos os

processos de conhecimento, informação e difusão através de interações sistêmicas que

resultam em comportamentos específicos, e do mesmo modo que aparecem como resultantes

de interações dinâmicas primordiais desaparecem em virtude da desintegração progressiva

homogeneizante. Portanto as formações cognitivas coletivas possuem sempre um acervo de

conhecimentos que inevitavelmente tende a desaparecer pela falta de uso, e se tornam virtuais

como informação sempre presente em toda formação de matéria-energia, requisitando

processos de decodificação ou tradução sempre mais especializados e remotos para serem

atualizados em suas virtualidades. Como ocorre com o acervo material e imaterial das culturas

humanas de todos os tempos e lugares: só faz sentido para os participantes existenciais

daquele contexto, daquelas condições, daquele surgimento, desenvolvimento e

desaparecimento.

A virtualidade telemática hoje já incorporada na sociedade-mundo enquanto interface

homem/máquina – definidora do modo de ser contemporâneo – servirá sempre para o

desenvolvimento humano de capacidades, competências e habilidades dos que dela fizerem

uso incorporado, sendo todo o acervo de conhecimento e informação ai gerado reduzido a

peças museográficas para outros sujeitos humanos que dela não façam parte existencialmente.

Assim, é temerosa qualquer afirmação relativa aos méritos da telemática para o

desenvolvimento humano capaz de superar todos os estágios anteriores das culturas humanas

de todo o planeta, ao modo da dialética hegeliana ou marxista. É preciso redobrar nossa

atenção neste ponto, pois não é nossa intenção baixar a guarda diante da tensão existente, nem

muito menos acabar com a tensão. Pelo contrário, queremos aprofundar a tensão porque isto

pode elucidar de maneira suficiente a falácia da telemática como salto de natureza da espécie

humana. Não! Não acreditamos que a telemática torne o ser humano melhor ou pior do que

tem sido até agora, apesar de sem dúvida torná-lo mais apto a resolver determinadas tarefas

pragmáticas, devido pura e simplesmente a treinamentos, práticas e processos formativos

contextualizados e únicos.

Vejamos. Não há um Real em si, mas conjuntos de sistemas de sistemas formatando

diferentes níveis de matéria-energia. O Real é tecido por diferentes sistemas de Realidade

Page 113: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

113

somente para o ser que percebe, projeta, vê, conecta, interliga, calcula, pensa, antecipa,

reconhece a vigência do vigente. A percepção do “real” está intimamente conectada com a

materialidade e a energia potencial e atual da inteligência criadora. Trata-se de um “mistério”

aparentemente insondável. E é melhor para o ser humano que assim seja, porque ele não tem

estrutura afetiva suficientemente desenvolvida para ser como Deus em sua instantaneidade

sempre ausente de qualquer possível medição e controle. Todo o controle apoia-se no fora de

controle. Toda ordem está deitada no caos. O Real, pois, é o paradoxal como antagonismo e

harmonia de contrários. Ele não é só atual, ou só potencial, ou só virtual. Ele também é

sempre um Terceiro que não é isso nem aquilo mais isso e aquilo e mais aquilo outro, uma

metade de cada parte, sem ser apenas uma das partes. Este Terceiro é a autopercepção da

unidade dos êxtases (ekstases) da temporalidade humana. O Terceiro é um acontecimento da

matéria-energia neuropsíquica. É aqui que se torna possível reconsiderar a dialógica do virtual

e do real, do atual e do potencial no âmbito imaterial do pensar próprio e apropriado.

3.3. O TERCEIRO COMO MEDIADOR INTELIGENTE DO MÁXIMO ANTAGONISMO

DA MATÉRIA-ENERGIA EM TODOS OS SEUS PLANOS DE REALIDADE – QUANDO

O VIRTUAL É TAMBÉM REAL E O REAL É VIRTUAL

Incluir o Terceiro como o pivô da temporalidade humana é compreender o modo como

existimos na cotidianidade de nossas vidas. Assim, tomando como limite de compreensão o

ser que cada um é enquanto existe, é preciso considerar de início o desconhecimento geral em

relação ao modo como existimos. Por exemplo, o que acontece quando percebemos que

percebemos? Ora, acontece que percebemos que percebemos. E daí? Daí que tomamos

consciência da consciência da consciência e da inconsciência e produzimos um conhecimento

do conhecimento e do desconhecimento, como postula Lupasco (1994) para o acontecimento

da matéria-energia neuropsíquica. É neste âmbito que o virtual aparece como traço do real e o

real se mostra em sua contextura virtual como instante de uma dinâmica temporal imaterial.

O virtual é sempre o que existe apenas em potência. Mas o termo se diferencia de potência

por uma elaboração semiótica conceitual advinda de sua derivação latina. Tem o mesmo

sentido de potência como aquilo que já possui as condições de um desenvolvimento, como a

relação entre uma semente e o seu acontecimento como árvore. A potência, portanto, indica a

força a partir da qual algo se atualiza como acontecimento em seu desenvolvimento vital,

“viril”.

Page 114: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

114

Em sua derivação latina, o termo virtual (virtualis) se relaciona de imediato à força corporal,

ao ânimo, ao denodo, à bravura diante do perigo. Assim, o termo é indicativo de uma “força

de espírito”, uma “virtude” como “amor e prática do bem”, ou ainda o poder de eloquência,

como também a castidade feminina. Daí a palavra “virtude” se associar ao feminino na cultura

católica. Por sua vez, vírtus, útis deriva de vir, vìri, que significa “homem”, “varão”, “viril”

em oposição à mulher. Há também uma conexão implícita com o verbo “vir”, como aquilo

que atualiza o viril, o potente, o varão. E o feminino, qual é o seu lugar na virtualidade e na

potência? Seria então preciso se falar complementarmente de ginealização, ou de potência de

ação feminina? Uma provocação linguística.

O virtual é algo, portanto, que poderá vir a existir, acontecer ou praticar-se por meio de uma

atualização temporal. Ele é, assim, inerente ao nosso modo de ser na temporalidade

existencial. Algo próprio do funcionamento neuropsíquico, o que introduz o Terceiro como

termo mediador do acontecimento existencial em sua dinâmica complexa e irredutível a

causas separadas.

Assim, o Terceiro incluído é a lógica de que precisamos para operar com a complexidade

neuropsíquica da temporalidade do ser humano em sua facticidade e finitude. Trata-se de uma

questão ainda muito recente no campo da episteme autorizada, mas que vem ganhando campo

com o fecundo desenvolvimento das chamadas ciências cognitivas atuais. O Terceiro aparece

como um diferencial material e energético que caracteriza os atos mentais da espécie humana,

o que permite articular, pela teoria da complexidade, diversos níveis diferentes de Realidade e

diferentes níveis de percepção da Realidade. Para esclarecer este evento é preciso seguir um

caminho que não está dado e concluído, mas que se encontra em curso de desenvolvimento e

diversificação fora de qualquer controle de uma razão de mão única homogeneizante e

absoluta. Mas, como absoluta se aquilo que é possível ao ser humano perceber não é e não

pode ser absoluto?

Como afirma Nicolescu (1999, p. 23), o maior impacto cultural da revolução quântica é o de

colocar em questão o dogma filosófico contemporâneo da existência de um único nível de

Realidade. Para este autor “realidade” é um termo com significado pragmático e ontológico

simultaneamente. Como diz textualmente (1999, p. 24-25):

Entendo por Realidade, em primeiro lugar, aquilo que resiste às nossas experiências,

representações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas. A física quântica

nos fez descobrir que a abstração não é um simples intermediário entre nós e a

Page 115: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

115

Natureza, uma ferramenta para descrever a realidade, mas uma das partes

constitutivas da Natureza. Na física quântica, o formalismo matemático é

inseparável da experiência. Ele resiste, ao seu modo, tanto por seu cuidado pela

autoconsistência interna como por sua necessidade de integrar os dados

experimentais, sem destruir esta autoconsistência. Também noutro lugar, na

realidade chamada “virtual” ou nas imagens de síntese, são as equações matemáticas

que resistem: a mesma equação matemática dá origem a uma infinidade de imagens.

As imagens estão latentes nas equações ou nas séries de números. Portanto, a

abstração é parte integrante da Realidade.

É preciso dar uma dimensão ontológica à noção de Realidade, na medida em que a

Natureza participa do ser do mundo. A Natureza é uma imensa e inesgotável fonte

de desconhecido que justifica a própria existência da ciência. A Realidade não é

apenas uma construção social, o consenso de uma coletividade, um acordo

intersubjetivo. Ela também tem uma dimensão trans-subjetiva, na medida em que

um simples fato experimental pode arruinar a mais bela teoria científica. [...]

Deve-se entender por nível de Realidade um conjunto de sistemas invariantes sob a

ação de um número de leis gerais: por exemplo, as entidades quânticas submetidas

às leis quânticas, as quais estão radicalmente separadas das leis do mundo

macrofísico. Isto quer dizer que dois níveis de Realidade são diferentes se, passando

de um ao outro, houver ruptura das leis e ruptura dos conceitos fundamentais (como,

por exemplo, a causalidade).

As observações de Nicolescu alertam para a existência de diferentes níveis de Realidade e de

percepção, compreendendo aí o virtual e o abstrato, em sua função imaginativa, como

inerente à própria Natureza em sua dinâmica. Isto acentua o traço fundamental de nossos atos

mentais como dinâmica permanente de atualizações e potencializações. Assim, tudo o que se

atualiza encontra continuidade na potencialização e tudo o que se potencializa aponta para a

atualização. Podemos, então, falar do real macrofísico e do real microfísico, do real potencial

e do real atual, da virtualidade como sendo inerente às dinâmicas interativas e processuais das

medições e dos cálculos, das abstrações e das formulações matemáticas. Tudo o que se

associa ao conhecimento e à informação está sempre na passagem de um estado a outro, de

modo similar à lógica binária dos computadores, que de certa forma imita o modo de

funcionamento neurocerebral. Por exemplo, o “0” e o “1” da linguagem computacional

vigente estão indicando estados potenciais e estados atuais que se alternam no funcionamento

das operações computacionais. Portanto, o virtual construído telematicamente imita as

virtualizações do cérebro em suas sinapses contínuas. Agora, por exemplo, estamos cansados

e vamos dormir. Tudo o que está sendo atualizado através de nossa ação em escrever este

texto se recolherá na potencialização ou virtualização, e amanhã, com energias renovadas,

vamos retomar o fluxo das atualizações aqui encarnadas. A virtualidade está presente toda vez

que um fluxo mental permanece em estado latente, como este livro, que poderá ser atualizado

Page 116: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

116

toda vez que alguém realizar sua leitura, não importa de que forma e com qual intensidade

compreensiva.

Sim, mas em que consiste a lógica do Terceiro incluído e como observá-la faticamente? Só é

possível compreender a lógica do Terceiro a partir do comportamento da matéria-energia

neuropsíquica, o que só pode ocorrer através do acontecimento emergente dos fenômenos

mentais da espécie humana. Portanto, só como humanos compreendemos o estado T: ele se

revela no modo como existimos temporalmente. E se revela para quem se dispuser a

investigar o seu próprio ser no tempo. Procurando melhor apresentar o estado T, recorremos à

indicação de Lupasco (1994) como o formulador da lógica do Terceiro incluído. E como aqui

não é o lugar apropriado para o aprofundamento da questão, apresentamos a sua formulação

essencial, no que se refere ao neuropsiquismo. Como diz Lupasco (p. 61):

O psiquismo, como se viu, é representado pelo estado T de semiatualização e de

semipotencialização dos dinamismos antagônicos macrofísicos e biológicos, do

homogêneo e do heterogêneo, engendrando, por isso, a consciência da consciência e

da inconsciência, bem como o conhecimento do conhecimento e do

desconhecimento.

Ora, é neste conflito mais intenso da energia que aparecem a noção de morte e a

noção de vida. E é aqui sobretudo que a afetividade se instala sob a forma de

ansiedade, inquietação e, ao mesmo tempo, de euforia, prazer, felicidade.

O estado T é, pois, a coexistência conflitual de dinamismos antagônicos em certos

graus de desenvolvimento respectivos e recíprocos. Há pois graus do estado T,

variações dos estados de potencialização e de atualização que se vão encontrar no

estado T de equilíbrio de semipotencialização e de semiatualização.

O psiquismo, portanto, opera no estado T, o que nos permite compreender a temporalidade em

seu conjunto unitário intuitivo, a partir do modo como existimos. O tempo todo cada um de

nós se encontra temporalizando: atualizando, potencializando, virtualizando,

homogeneizando, heterogeneizando. E tudo através das sínteses conectivas operadas

neuropsiquicamente em estados T. Todas as nossas sinapses em todos os momentos de nossa

existência fática operaram triadicamente pela memória, pela imaginação e pela antecipação,

ora atualizando e ora potencializando processos formadores do fluxo da temporalidade

neuropsíquica. Assim, não há um “real” oposto ao “virtual”, e sim momentos em que o real é

o virtual, e momentos em que o virtual é atualizado como acontecimento. Tudo se passa,

portanto, em um contínuo espaço-tempo no qual o ser humano tem a memória do vigor de ter

sido (o estar-sendo vigente), a imaginação da atualização e a antecipação do porvir. Usando

aqui a imagética das ekstases. Como, então, é possível que os Ambientes Virtuais de

Aprendizagem sejam sempre somente ambientes virtuais? O que acontece, então, com as

Page 117: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

117

atualizações que ocorrem neuropsiquicamente toda vez que tal ambiente telemático é

acessado por um usuário? E o que ocorre com a noção de “distância” quando telematicamente

não há nenhuma distância e sim diferentes registros de temporalidade? Portanto, haveremos

de continuar usando apenas os termos AVA e EaD quando nos referirmos ao uso dos meios

telemáticos que estão mudando os agenciamentos maquínicos de nossa vida contemporânea e

consequentemente de nossa educação pública?

3.4. A PRESENÇA ENQUANTO EXPERIÊNCIA TEMPORAL NEUROPSÍQUICA

RESIGNIFICANDO A COMPREENSÃO DE DISTÂNCIA NOS PROCESSOS

EDUCATIVOS MEDIADOS TELEMATICAMENTE

Na história das políticas públicas e da legislação educacional, a compreensão dos processos

sistemáticos e formais de educação concebe a presencialidade física em um mesmo espaço

geograficamente situado como “educação presencial”. Por esta perspectiva, apenas situados

fisicamente em um mesmo espaço-tempo os indivíduos podem interagir e construir

conhecimento, sob a orientação, controle ou mediação – a depender da perspectiva

epistemológica a partir da qual se compreenda a função docente – de um sujeito mais

experiente, reconhecido como detentor de saberes e competências ainda não desenvolvidas

pelos demais.

As primeiras experiências históricas registradas com a terminologia de Educação a Distância

utilizavam as tecnologias disponíveis naquele momento histórico: o material impresso, o

rádio, a TV etc. Estas tecnologias têm limitações inegáveis em relação às possibilidades de

interação e colaboração, partindo de uma lógica de emissor-receptor (SILVA, 2002) na qual

apenas o emissor fala/publica/apresenta uma dada informação, enquanto ao receptor cabe um

processo passivo e isolado de apreensão e elaboração.

O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, com a conexão em

rede, provocam e possibilitam outros níveis de interação e construções colaborativas, nas

quais são ao mesmo tempo emissores e receptores, todos os sujeitos interligados de forma

síncrona ou assíncrona, não apenas trocando informações, mas construindo colaborativamente

novos saberes à medida que podem efetivamente comunicar-se em formatos nos quais as

restrições materiais não impedem a comunicação polifônica.

Como já colocado acima, não se trata aqui de fazer apologia às TIC, nem muito menos de

conceber a sua utilização em processos formais de educação como a solução/salvação dos

Page 118: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

118

problemas de aprendizagem, das falácias das políticas públicas ou das diversas formas de

exclusão que enfrentam as sociedades contemporâneas. Reconhecendo que as TIC

contemporâneas, assim como todas as demais tecnologias utilizadas pelo homem em seu

percurso de construção histórico-social, são uma “possibilidade” que toma forma e objetiva-se

na ação e intenção humanas, o que se ressalta aqui é a constatação do seu potencial de

superação das restrições geográficas e ampliação dos “espaços” de interação entre os seres

humanos.

Tendo ao seu alcance tecnologias que permitem a comunicação em tempo real, facilitam e

aceleram as consultas a diversas bases do conhecimento estruturado socialmente, organizam e

sistematizam as reflexões, construções, diálogos, discordâncias e conflitos entre os

indivíduos, as metodologias de ensino formal que podem ser desenvolvidas na

contemporaneidade não cabem mais no conceito de “distância”.

A revolução que as descobertas da mecânica e da física quântica provocaram na compreensão

de Realidade – já refletidas neste mesmo texto, implicam também a resignificação da

compreensão de “distância” e de “presença”. Para Nicolescu (1999), o formalismo da

mecânica e da física quântica tentou preservar a noção de causalidade local como conhecida

na escala macrofísica, mas evidentemente trouxe a percepção de outro tipo de causalidade, na

esfera do infinitamente pequeno e do infinitamente breve: a causalidade global.

Figura 2 – Causalidade Global

Adaptação feita pelos autores (NICOLESCU, 1999).

Se no mundo macrofísico a interação entre dois objetos ou entes vai progressivamente

diminuindo à medida que estes se afastam, no mundo quântico a interação entre as entidades

permanece independente de seu afastamento.

Page 119: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

119

[...] A não separabilidade quântica nos diz que há, neste mundo, pelo menos numa

certa escala, uma coerência, uma unidade das leis que asseguram a evolução do

conjunto dos sistemas naturais. (NICOLESCU, 1999)

No campo da economia e da política é obvio reconhecer-se que um processo vivido em uma

parte do mundo (desastres naturais, guerras, revoluções políticas, quebra de paradigmas

teóricos por pesquisas inovadoras etc.) tem impactos em todo o globo, sem que os sujeitos

diretamente vinculados ao fenômeno gerador tenham nenhum contato direto com os demais

sujeitos impactados pelas suas consequências.

Assim, acreditamos que a presencialidade física é uma perspectiva restrita à medida que

concebemos a interação humana a partir do potencial de mediação telemática, reconhecendo

que o sujeito está presente a cada momento em que age/interage/constrói/destrói através da

sua participação nos processos desenvolvidos nos espaços em que o virtual, potencial e atual

se alternam continuamente.

Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a

distância não está determinada. Ressalvamos o caráter não determinístico da distância posto

que esta pode acontecer com ou sem a presença física, a partir da escolha do sujeito em

“ausentar-se” dos processos vividos pelos demais, negando-se à interação e participação,

processo tão comum nas situações formais da chamada educação presencial.

3.5. POR QUE NÃO CONCLUIR?

Precisamos de uma conclusão para este breve capítulo. Todos os textos racionais são

portadores de conclusões consideradas consequentes. Mas nós não temos conclusões e sim

encaminhamentos processuais que possam conduzir ao aprofundamento das questões

levantadas e brevemente argumentadas.

Em primeiro lugar, procuramos problematizar o acontecimento de compreensão do modo de

ser existencial de nossa espécie, com sua temporalidade neuropsíquica diferenciada de outras

configurações de matéria-energia, que também constituem o complexo humano em suas

diversas facetas e planos de Realidade. Esta problematização nos levou a observar as ekstases

da temporalidade humana, percebendo como o conceito de “real” não pode ter apenas a

valência da efetividade, a partir de uma compreensão monológica e limitada a um único nível

de Realidade. O “real”, a partir de uma perspectiva epistemológica complexa, é constituído de

muitas Realidades distintas e no psiquismo humano ocorre como um contínuo espaço- tempo

Page 120: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

120

existencial, não sendo possível compreender a potencialização e a atualização sem o

transcurso da temporalidade moduladora de tudo o que percebemos e pensamos, como seres

humanos finitos.

A temporalidade vivenciada pela espécie humana rejunta as divisões clássicas do tempo:

passado, presente, futuro. Pois, para um corpo/mente vivente o tempo é um fluxo ao mesmo

tempo macrofísico, biológico e neuropsíquico. Mesmo quando dormimos, continuamos

existindo, potencializando ou virtualizando as ações que se atualizarão quando acordarmos. E

mesmo acordados, estamos sempre na virtualidade da existência fática, que não poderia

subsistir sem o tecido complexo do tempo. Assim, não cabe mais separar as diversas ekstases

de nossa temporalidade neuropsíquica/macrofísica/biológica, e sim reconhecer a dialógica

processual que engendra o Real de nossas existências em diferentes níveis de Realidade.

Nosso psiquismo, portanto, permiti-nos hoje desconsiderar as distâncias físicas, metricamente

mensuradas, através da interface mente/cérebro/máquina eletrônica. Deste modo, a educação

contemporânea fica cada vez mais cercada pela incorporação tecnológica digital, não sendo

mais possível deixar de lado ou desconsiderar seus efeitos no desenvolvimento humano.

É assim que não nos cabe apenas considerar os ambientes mediados telematicamente como

sendo exclusivamente virtuais e potencializadores de puras virtualizações. Eles são também

ambientes atuais porque estão sendo usados por seres humanos que possuem a estrutura

triádica de temporalização, e que diante de tais ambientes estão processando atualizações

neuropsíquicas específicas e diferenciadas. Pois, toda virtualização é sempre uma expressão

da dinâmica existencial humana, pressupondo sempre atualizações e potencializações cíclicas,

de modo semelhante ao nosso modo de existir fático.

De forma análoga ao que ocorre com os ambientes com mediação telemática, que são também

e inevitavelmente ambientes a partir dos quais atualizações mentais/cerebrais/corporais

ocorrem em fluxo descontínuo (ora “0”, ora “1” – para usar a linguagem binária dos cérebros

eletrônicos), não é hoje adequado se falar em Educação a Distância (EaD), porque está é uma

expressão adequada para a tecnologia da imprensa e sua forma de difusão, mas inadequada

quando se trata do uso da interface neuropsíquica homem máquina, para a qual a “distância”

não é física e sim temporal: quanto tempo se leva para acessar um ambiente virtual e para

atualizar processos de aprendizagem? Então, se a distância é temporal, o ambiente telemático

é uma interface espacial virtualizante que por homologia ou verossimilhança produz efeitos

de atualização como experiências existenciais. Portanto, vamos começar a pensar a Educação

Page 121: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

121

sem Distância (EsD) e seus desafios nos processos de aprendizagem, sem perdermos de vista

a fundamental importância da presença corpo a corpo, inclusive porque a interface

homem/máquina deve ocorrer com a primazia da humanização e não da mecanização.

Pensemos, então, os enormes desafios que temos pela frente na utilização inteligente e

sensível dos novos meios telemáticos, e fiquemos mais atentos aos processos de

desenvolvimento humano ai engendrados. Isto nos faz pensar que ainda não sabemos usar

adequadamente os novos meios para o engendramento de aprendizagens significativas, a

partir de um equilíbrio inteligente entre os diversos gradientes da temporalidade.

E como não há conclusões, mas pensamentos em processo de expansão e contração pulsátil, a

intenção deste capítulo alcançará o seu sentido se pelo menos provocarmos um pensar

diferenciado sobre as questões levantadas, mesmo de forma inicial, quando se pode perceber

como somos iludidos por nossas crenças e certezas enraizadas e como temos ainda a aprender

sobre nossa maneira de existir. Assim, a educação sem distância - EsD deve agora saber

introduzir a presença humana para poder melhor atualizar sua potência transformadora. Um

desafio que ainda é um grande desconhecimento generalizado, requisitando novas

investigações e novos arranjos inventivos e inusitados.

Page 122: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

122

CAPÍTULO IV

COMPONDO UMA REDE MULTIRREFERENCIAL PARA COMPREENSÃO DOS

PROCESSOS COGNITIVOS

Apresentação

A revisão de contribuições das diferentes perspectivas teóricas selecionadas para composição

deste trabalho - apresentada no Capítulo I - oferece um amplo leque de conceituações e

interpretações dos fenômenos cognitivos. A partir deste lastro teórico, desenvolvo a seguir

diálogos e recortes que buscam compor uma rede multirreferencial e polilógica,

contemplando variados e complexos aspectos da cognição, com vistas à construção de uma

nova visada deste processo, com o desenvolvimento de uma metodologia de Análise

Cognitiva para Ambientes Virtuais/Atuais15

, capaz de compreender o sujeito em sua inteireza,

em sua condição ontológica do ser-no-mundo-com, situado no contexto histórico-cultural a

que pertence e transforma com sua ação-produção.

Desafiada pelo processo de assunção de autoria, ouso neste capítulo fazer recortes e buscar

interfaces que identifico como constitutivas à problemática da cognição. O primeiro recorte

que desenvolvo é da relação entre a Cultura e os atos mentais, partindo da análise feita por

Gertz sobre as construções teóricas de Bruner que o aproximam da Psicologia Cultural, busco

em Vygotsky e Paulo Freire, construções específicas com este foco, tecendo assim um

referencial que permita situar os processos culturais como elementos essenciais à análise

cognitiva proposta neste trabalho.

No recorte seguinte desenvolvo um esforço de diálogo entre conceitos estruturantes da

Psicologia Cognitiva e da Biologia da Cognição, buscando desenvolver as potencialidades de

interface entre estas diferentes leituras teóricas, sempre focada na construção de um lastro

teórico para a proposição da metodologia de Análise Cognitiva desenvolvida neste trabalho.

Após a ampliação do esteio epistemológico desta proposta de Análise Cognitiva, com os

diálogos e recortes sobre cultura e atos mentais e o diálogo entre conceitos estruturantes da

Psicologia Cognitiva e da Biologia da Cognição, apresento uma seleção de conceitos

fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo Freire em uma elaboração própria e

apropriada, que os desenvolve enquanto referenciais para investigar os processos cognitivos

15

A discussão teórica sobre a conceituação de Ambientes Virtuais/ Ambientes Atuais encontra-se no Capítulo III

desta Tese.

Page 123: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

123

em ambientes Virtuais/Atuais, tendo como sentido político a Difusão Social do

Conhecimento.

Tendo estes conceitos como categorias da matriz de análise cognitiva proposta, busco aqui

desenvolver as potencialidades de interface entre estas diferentes leituras teóricas, sempre em

busca de um olhar capaz de ampliar a compreensão dos processos cognitivos, considerando o

sujeito em sua condição ontológica e implicação sociocultural.

1. A Cultura e os atos mentais

1.1. CONSIDERAÇÕES DE GERTZ SOBRE A PRODUÇÃO DE BRUNER

Embora aqui categorizado como Cognitivista, as produções de Bruner a partir da década de 90

indicam uma aproximação do que Gertz vem chamar “Psicologia Cultural”. Partindo de uma

breve biografia de Jerome Bruner, Gertz (2001) o coloca entre os teóricos do campo da

psicologia, “do tipo ágil e adaptável” (2001, p. 167), iniciando sua carreira na década de 40,

no auge do Behaviorismo e transformando-se em um dos líderes da chamada “Revolução

Cognitiva”, que no fim da década de 50 reivindicava como objeto de estudo não os estímulos

e respostas, mas os atos mentais.

Este “espírito irrequieto” veio também a desencantar-se com o que se tornou esta “Revolução

Cognitiva”, salvando-a de si mesma ao distanciá-la do reducionismo de alta tecnologia

(concepção do cérebro como o computador processando informação), levantando mais uma

bandeira a partir da década de 90: a “Psicologia Cultural”.

O que se coloca agora no centro da atenção é o engajamento do indivíduo nos

sistemas estabelecidos de significados compartilhados, nas crenças, valores e

entendimentos dos que já estão instalados na sociedade em que o indivíduo é

lançado. (...) Em vez de uma psicologia que vê mente como um mecanismo

programável, precisamos de uma que a veja como uma conquista social. (GERTZ,

2001, p. 168)

Gertz (2001) situa a preocupação de Bruner com a educação e a política educacional desde os

estudos que desenvolveu ainda em meados dos anos sessenta sobre o desenvolvimento mental

em bebês e crianças muito pequenas, no qual constatou o quanto estes são dotados de

iniciativa e atentos ao mundo imediato ao seu redor antes mesmo de começar a andar e

adquirir a linguagem. Na construção de uma perspectiva de relação da mente com a cultura,

Bruner, ainda segundo Gertz (2001), criticou a hipótese da “privação cultural” que orientou os

Page 124: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

124

trabalhos do Programa Head Start16

quando este, fundamentando-se em uma transferência

mais metafórica que experimental de estudos de laboratório com ratos para a escolarização

das crianças, defendia a necessidade de uma medida que “corrigisse a privação” das crianças

oriundas de meios culturais “empobrecidos”.

Sobre esta hipótese, além do necessário questionamento sobre considerar-se esta privação

como um desvio dos padrões de uma cultura norte americana idealizada de classe média, cabe

ainda refletir sobre a perspectiva da criança como recebendo a cultura de um outro lugar e não

a construindo a partir das sua próprias interações. A crítica de Bruner a esta perspectiva que

considera obsoleta, fundamenta-se na compreensão de que até o bebê e a criança pré-escolar

são agentes ativos na busca de uma forma particular de operar, ser e estar no mundo. Assim o

papel da escola não seria o de dar à criança o que lhe falta, mas de facilitar o desejo que esta

já possui, de atribuir sentido a si mesma e aos outros.

Compreendendo a cultura como um elemento que concentra a mente, Bruner (apud GERTZ,

2001) assim a conceitua: “o modo de viver e pensar que construímos, negociamos,

institucionalizamos e, por fim (depois de tudo acertado), acabamos chamando de ‘realidade’,

para nos consolarmos”. Para Gertz, este interesse de Bruner em compreender como as

crianças utilizam o entendimento externo da sociedade para construir um sentido interno, o

coloca frente a múltiplas questões, normalmente abordadas por outras disciplinas (história,

literatura, direito, filosofia, linguística e principalmente a antropologia), incorporando uma

perspectiva eclética e de vasta ambição que ele opta por buscar respostas através das

narrativas.

[...] formulamos os relatos de nossas origens culturais e das crenças que nos são

mais caras sob a forma de histórias, e não é apenas o “conteúdo” dessas histórias que

nos atrai, mas seu artifício narrativo. Nossa experiência imediata, o que aconteceu

ontem ou anteontem, é formulado dessa mesma maneira historicizada. O que

impressiona ainda mais é que representamos nossa vida (para nós mesmos e para os

outros) sob forma de uma narrativa. (Bruner apud GERTZ, 2001)

Compreendendo que o sujeito cresce entre narrativas (as próprias, dos pais, colegas,

professores e outros) que precisa entender, classificar, verificar, perceber o verdadeiro

sentido, utilizar para descobrir como funcionam as coisas, compreende-se que os seres

16

“Estabelecido em 1965 nos Estados Unidos, esse programa, financiado pelo governo federal, adota uma abordagem

abrangente para a melhoria do aprendizado e o desenvolvimento infantil, oferecendo uma mescla de serviços educacionais,

sociais, nutricionais e de saúde para crianças entre 3 e 5 anos de idade e suas famílias de baixa renda.” HUSTEDT e

BARNETT (2011).

Page 125: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

125

humanos usam o modo narrativo para construir a realidade, sendo as histórias ferramentas,

instrumentos da mente para a atribuição de sentido a si mesmo, aos outros, ao mundo enfim.

Em seu trabalho Bruner inicia investigações sobre o ensino da ciência, a natureza cooperativa

da aprendizagem e a construção infantil de uma “teoria da mente” para explicar e

compreender outras mentes, buscando as implicações desta visão da narrativa enquanto modo

de pensar e expressão de uma cultura. Entretanto, para Gertz (2001) Bruner parece subestimar

o caráter explosivo de suas ideias:

Dizer que a cultura é social e historicamente construída, que a narrativa é um modo

de conhecimento primário [...], que montamos as individualidades em que vivemos

com o material que existe na sociedade a nosso redor e criamos uma “teoria da

mente” para compreender a individualidade dos outros, que não agimos diretamente

sobre o mundo, mas sobre crenças que alimentamos a respeito do mundo, [...].

Considerada em conjunto equivale a adotar uma postura que bem pode ser chamada

de radical, para não dizer subversiva. (GERTZ, 2001, p. 173-174)

Assim, Gertz (2001) afirma que Bruner se colocou em meio a uma revolução ao dar à

“cultura” um papel central, estendendo também um questionamento ao conceito de “mente”

ao buscar ligar as duas, trazendo assim para a psicologia enigmas novos, que se somam aos

que afligem a área desde sempre: “sentido e ação, causalidade social e intenção pessoal,

relativismo e universalismo e, o que talvez seja mais fundamental, diferença e traços

comuns.” (GERTZ, 2001, p. 175).

Comentando agora mais o cerne da Psicologia Cultural que o trabalho de Bruner

especificamente, Gertz (2001) aponta outros trabalhos também a partir da década de 90 que

buscam compreender como pensamos, a partir da compreensão de como atuam conjuntamente

as formas simbólicas, tradições históricas, artefatos culturais, códigos neurológicos, pressões

ambientais, inscrições genéticas e outras. Para este autor, construir uma psicologia cultural é

uma questão de equilibrar reciprocamente disciplinas híbridas: “Nem tudo o que surge precisa

convergir: tem apenas que tirar o melhor proveito de sua incorrigível diversidade.” (2001, p.

177)

1.2. DIALOGANDO SOBRE A CULTURA COM VYGOTSKY E FREIRE

Pensar a cultura como mediadora da relação do homem consigo mesmo, com os outros e com

o mundo é uma perspectiva que também encontro, com alguns nuances de diferença, nas

produções de Lev Vygotsky e de Paulo Freire.

Page 126: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

126

Ao tratar da mediação simbólica através da qual os sujeitos interagem com o objeto, Vygotsky

põe a cultura como o caldo no qual os signos adquirem significado. Enfatizando que a

linguagem e o pensamento têm origens sociais, foi o primeiro na psicologia moderna a

abordar os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa:

[...] Em forma puramente lógica a essência do processo do desenvolvimento cultural

consiste exatamente nisso. [...]. A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em

si, através daquilo que ela antes manifesta como seu em si para os outros. Este é o

processo de constituição da personalidade. Daí está claro, porque necessariamente

tudo o que é interno nas funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os

outros, aquilo que agora é para si. Isto é o centro de todo o problema do interno e do

externo. (VYGOTSKY, 2000, p. 24)

Para Freire o homem, como um ser de relações é constantemente desafiado pela natureza,

transformando-a com o seu trabalho; o resultado desta transformação, que se separa do

homem, constitui seu mundo. “O mundo da cultura que se prolonga no mundo da história”

(FREIRE, 1985, p. 65). Insiste na necessidade do conhecimento da vida e da comunidade

local nos atos educativos, compreendendo que a ação educativa é sempre situada na cultura do

aluno, envolvendo a problemática social, racial e étnica.

Em Freire, o mundo social e humano só existe em função da comunicabilidade, sem a qual

seria impossível dar-se o conhecimento humano. Atribui como característica primordial deste

mundo cultural e histórico a intersubjetividade ou a intercomunicação, atribuindo a estes

processos, função essencial na cognição:

Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples relação do sujeito

cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação comunicativa entre sujeitos

cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.

(FREIRE, 1985, p. 65)

Compreendendo que é através da intersubjetividade que se estabelece a comunicação entre os

sujeitos a propósito do objeto, Freire defende que não há pensamento isolado, posto que não

há homem isolado:

Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o

primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de

signos lingüísticos. [...] O mundo humano é, desta forma, um mundo de

comunicação. (FREIRE, 1985, p. 66)

A teoria sociocultural dos processos psicológicos superiores, construída por Vygotsky é

reconhecidamente uma aplicação do materialismo histórico e dialético para a psicologia. Ele

viu os métodos e princípios do materialismo histórico dialético como solução aos paradoxos

científicos com que se defrontavam seus contemporâneos, sendo um ponto central, estudar

Page 127: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

127

todos os fenômenos como processos em movimento e em mudança. Por este método, o objeto

da psicologia seria “reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e

da consciência” (VYGOTSKY, 2007), compreendendo que todo fenômeno tem uma história,

que se caracteriza por mudanças, quantitativas e qualitativas.

De acordo com Marx “mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem

mudanças na ‘natureza humana’ (consciência e comportamento)”. Sendo o primeiro a

relacionar esta proposta com questões psicológicas concretas, Vygotsky elabora as

concepções de Engels sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos como os meios pelos

quais o homem transforma a natureza transformando a si próprio ao fazê-lo.

A palavra história (psicologia histórica) para mim significa duas coisas: 1)

abordagem dialética geral das coisas – neste sentido qualquer coisa tem sua história,

neste sentido Marx: uma ciência – a história (Arquivo, p. X) 1, ciências naturais =

história da natureza, história natural; 2) história no próprio sentido, isto é a história

do homem. Primeira história = materialismo dialético, a segunda – materialismo

histórico. As funções superiores diferentemente das inferiores, no seu

desenvolvimento, são subordinadas às regularidades históricas (veja o caráter dos

gregos e o nosso). Toda a peculiaridade do psiquismo do homem está em que nele

são unidas (síntese) uma e outra história (evolução + história). [...] (VYGOTSKY,

2000, p. 23)

Para Vygotsky, o desenvolvimento das formas típicas e mais complexas do comportamento

humano se caracteriza por transformações complexas, qualitativas, que não podem ser

adequadamente descritas pela ideia de maturação. Defende que apesar de inteligência prática

e uso de signos poderem operar independentemente em crianças pequenas, é a unidade

dialética desses sistemas no adulto humano que vem a constituir a verdadeira essência do

comportamento humano complexo. Nesta análise, a atividade simbólica tem uma função

organizadora específica que além do uso de instrumentos produz formas verdadeiramente

novas de comportamento.

Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de

contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da

linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas

crianças [...] (Vygotsky, 2007, p. 17-18)

Tendo como premissa que “O signo age como um instrumento da atividade psicológica de

maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho” (Vygotsky, 2007, p. 52), o autor

aborda o processo de internalização das funções psicológicas superiores, deixando claro

que a analogia básica que reconhece entre signo e instrumento encontra-se na função

mediadora que caracteriza a ambos. Traz o conceito de internalização como a “reconstrução

Page 128: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

128

interna de uma operação externa” (p. 56), que consiste numa série de transformações, do

interpessoal para o intrapessoal, concluindo que:

A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente

desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do

salto quantitativo da psicologia animal para a psicologia humana. (Vygotsky, 2007,

p. 58)

Vygotsky (2000) tratou do desenvolvimento cultural especificamente, descrevendo-o como

um processo que passa por três estágios: em si, para outros e para si. Exemplifica a sucessão

desses estágios com a formação do gesto indicativo na criança, que em um primeiro momento

é apenas uma tentativa de agarrar um objeto, em seguida um gesto que marca a ação e após a

interação com a mãe que entende o gesto como indicação, o bebê passa a utilizá-lo como

indicação.

Vygotsky (2000, p. 24) descreve o processo de constituição da personalidade a partir da

lógica de que “(...) A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em si, através daquilo que

ela antes manifesta como seu em si para os outros (...)”. E por esta lógica, compreende que

necessariamente tudo o que é interno nas funções superiores antes foi externo.

Freire, demonstrando uma preocupação especial com a questão da cultura da diversidade,

dedicou reflexões específicas sobre esta nas suas últimas obras, perguntando-se qual tipo de

educação é necessária para a formação dos sujeitos que viverão no próximo século (agora o

século atual), neste mundo tão complexo de globalização capitalista da economia, das

comunicações e da cultura. Respondeu que eles necessitam de uma ética da diversidade e de

uma cultura da diversidade.

Tratando do problema do desinteresse dos alunos pelos conteúdos curriculares, tensionou o

currículo monocultural oficial como um grande desafio, defendendo que os resultados

obtidos com currículos multiculturais, que levam em conta a cultura do aluno, são mais

eficazes para despertar o interesse e provocar o aprendizado. Em sua obra, alertou que

equacionar adequadamente ou não a relação entre identidade cultural e itinerário

educativo, sobretudo para as camadas populares, pode representar a grande diferença na

extensão ou não da educação para todos e de qualidade nos próximos anos.

Page 129: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

129

2. Psicologia Cognitiva e Biologia da Cognição – diálogos possíveis

No esforço do diálogo, busco neste ponto da reflexão traçar possíveis vínculos, interfaces

entre a Psicologia Cognitiva e a Biologia da Cognição, identificando inclusive pontos de

aparente discordância ou não conciliáveis. Tendo a primeira como referência básica formativa

em minha experiência como docente e pesquisadora - e já desenvolvendo aqui um processo de

autoanálise cognitiva - tendo a tomar os conceitos da Psicologia Cognitiva como referência

primeira para traçar estes vínculos e interfaces propostos.

O primeiro eixo estruturante – ou em algumas situações, desestruturante – que a Biologia da

Cognição nos apresenta é a compreensão de que vivemos no mundo, compartilhando com

outros seres vivos o processo vital e por isto fazemos parte dele e somos responsáveis pelo

que lhe ocorre. Embora a Psicologia Cognitiva reconheça a interação do sujeito com o meio,

atribuindo a esta interação uma função essencial na construção do conhecimento e no

desenvolvimento humano, a perspectiva biológica amplia em muito esta compreensão posto

que supera a dicotomia sujeito X meio, defendendo que construímos o nosso conhecimento no

percurso da vida, sendo o tempo inteiro influenciados, modificados pelo que vemos e

sentimos, mesmo que não nos apercebamos disto.

Conceitos como “aquisição de estruturas mentais” e “desenvolvimento das funções

psicológicas superiores” atribuem ao sujeito cognitivo o protagonismo na construção do

conhecimento, reconhecendo, entretanto sua implicação com os elementos culturais do meio.

Ou seja, embora sendo o sujeito autor do seu próprio processo de construção do

conhecimento, as relações sociais e culturais que vivenciou/vivencia em sua trajetória

perpassam intrinsecamente seu processo individual, constituindo-o enquanto constrói o

mundo. Também nesta abordagem, a Biologia da Cognição amplia a perspectiva, ao

considerar que o ato de conhecer vai além do processamento de informações de um mundo

que existe antes da experiência do observador, posto que os seres vivos são autônomos,

produzem a si próprios ao interagir com o meio, em uma dinâmica circular de autonomia e

dependência que constroem uma à outra.

De acordo com a Biologia da Cognição, não há um mundo (fatos, objetos etc.) que está fora e

é captado pelo sujeito, mas cada sujeito, no ato de conhecer, resignifica o

visto/experimentado, construindo um modo único de perceber o mundo. Estamos imersos

Page 130: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

130

num pensar cotidiano que continuamente se afirma na suposição de que há um mundo de

objetos externos, e que sua existência independente de nós. Segundo Maturana (2001)

[...] é necessário recolocar-se o problema conceitual, porque deve-se aceitar que o

modo tradicional de abordar o ato cognitivo tem a ver com a indicação de algo

externo. Esse modo tradicional tem que ser totalmente questionado: é preciso

procurar um espaço explicativo distinto, porque esse modo tradicional não se pode

sustentar. (p. 17-18)

Desenvolvendo esta provocação para mudarmos o nosso modo de ver, nosso olhar, Maturana

afirma que não podermos distinguir entre ilusão e percepção na experiência é uma condição

constitutiva dos seres vivos e define como ponto de partida para explicar o fenômeno do

conhecer, considerar-se o observador observando, e o observar.

Ao inserir como ponto de partida o observador na experiência, Maturana (2001) trata sobre a

linguagem, elemento também considerado pela Psicologia cognitiva como essencial ao ato de

conhecer:

[...] o ser humano é observador na experiência, ou no suceder do viver na

linguagem. [...]. A explicação se dá na linguagem. O discurso que explica algo dá-se

na linguagem. [...] Assim, espero poder lhes mostrar que nós, seres humanos,

existimos na linguagem. (p. 20)

Vygotsky dedica boa parte de sua obra à relação entre pensamento e linguagem, concebendo

esta como estruturante do pensar e atribuindo-lhe papel central na mediação do sujeito

cognoscente com o objeto, sendo o principal signo representativo das formas culturalmente

organizadas para lidar com o real. Identifica duas funções básicas da linguagem: a)

intercâmbio social e b) pensamento generalizante, nesta última a transforma em um

instrumento do pensamento. É ela quem ordena o real, agrupando objetos, eventos e situações

em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o objeto.

Maturana afirma que existimos na linguagem ao convidarmos para desenvolver uma outra

forma de pensar, na qual não existe uma realidade mas a(s) explicação(ções) sobre a

realidade. O explicar é sempre uma reformulação da experiência que se explica, uma

reformulação da experiência aceita por um observador, pois se uma reformulação é proposta e

não aceita, ela não é uma explicação. Apenas quando o outro aceita a reformulação proposta

ela se torna explicação. E a explicação se dá na linguagem.

Page 131: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

131

A Psicologia Cognitiva compreende o Desenvolvimento Humano como um processo contínuo

que evolui para estágios, ou estruturas mentais mais complexas (Piaget), ou ainda para o

surgimento e ampliação das Funções Psicológicas Superiores (Vygotsky). A evolução

humana por esta perspectiva dar-se a partir da ação e interação do sujeito com o meio, tendo o

aprendizado como propulsor do desenvolvimento (Vygotsky) ou o desenvolvimento como

maturação necessária à aprendizagem (Piaget). Bruner defende que o desenvolvimento – que

ele adjetiva ora como mental, ora como intelectual - não é gradual, comparando-o a uma

escada com grandes degraus, uma sucessão de lances de subida e patamares, com avanços

para frente quando inicia-se o desenvolvimento de determinadas aptidões.

Na Biologia da Cognição os seres vivos produzem continuamente a si próprios, em uma

forma de organização autopoiética, na qual o sujeito é o seu produto, não havendo assim

separação entre produtor e produto. Neste processo determinação e acoplamento estrutural

ocorrem na contínua conservação da autopoiese, estando tudo subordinado a esta

conservação. O acoplamento estrutural ocorre quando duas (ou mais) unidades autopoiéticas

estão acopladas em sua ontogenia, pelo caráter recorrente ou muito estável de suas interações.

Para esta explicação sobre o conhecimento é necessário trazer o conceito de ontogenia,

considerada como a história de mudanças estruturais que ocorrem em uma determinada

unidade - garantida a manutenção da sua organização. A história de mudanças estruturais na

interação unidade e meio é de perturbações mútuas e concordantes, até que ambos se

desintegrem.

É na compreensão de acoplamento estrutural que os autores apresentam sua concepção de

aprendizagem como expressão deste, “que manterá sempre uma compatibilidade entre o

funcionamento do organismo e o meio em que ele ocorre.” (MATURANA e VARELA, 2001,

p. 192). Também para os teóricos da Psicologia Cognitiva aprendizagem é compreendida

como a busca do sujeito pela equilibração (Piaget), através da solução de desafios novos e

construção de formas mais complexas (Vygotsky) para lidar com as situações com as quais se

depara.

Ainda buscando interfaces para compreensão do processo de Desenvolvimento/Aprendizado,

para Piaget, não ocorre uma estagnação, mas atingido o grau de maturidade que permite a

realização de operações mentais formais, esta predominará na forma de raciocínio utilizado

pelo adulto, sendo o seu desenvolvimento posterior apenas no sentido da ampliação de

conhecimentos, e não mais na aquisição de novos modos de funcionamento mental. Em uma

Page 132: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

132

tentativa de explicação do desenvolvimento intelectual, reconhecendo que este tem muitas

faces, Bruner levanta entre outros aspectos: a capacidade que o sujeito adquire de

independência imediata ao estímulo do meio ambiente, podendo manter ou alterar uma

resposta independente da estimulação externa direta e a “crescente capacidade para lidar com

alternativas, simultaneamente, atender a várias sequências, ao mesmo tempo, e distribuir

tempo e atenção, de maneira apropriada, a todas essas demandas múltiplas. (...)” (1969, p. 20-

21)

Diferente desta perspectiva, que apresenta uma expectativa de caminho padrão e estado

desejável da capacidade cognitiva “plena” no adulto, a Biologia da Cognição traz o conceito

de deriva natural:

a ontogenia de um indivíduo é uma deriva de modificações estruturais com

invariância da organização e, portanto, com conservação da adaptação.

(MATURANA e VARELA, 2001, p. 116)

Cada situação resulta de variações aleatórias, e a descrição do percurso destas variações só é

possível a posteriori – como um barco à deriva. Os autores concluem assim que evolução é

uma deriva natural, decorrência da invariância da autopoiese e da adaptação.

A Biologia da Cognição traz o conceito de clausura operacional na busca pela compreensão

do sistema nervoso em seu papel no comportamento dos seres vivos. Defini o funcionamento

deste como “uma rede fechada de mudanças de relações de atividade entre seus componentes”

de tal forma que “quaisquer que sejam suas mudanças elas geram outras modificações dentro

dele mesmo”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 183). Como resultado de deriva

filogenética, o funcionamento do sistema nervoso não consiste em captar informações do

meio, mas na construção de um mundo, ao especificar as configurações do meio tidas como

perturbações e as mudanças que estas desencadearão no organismo.

Nesta perspectiva de comunicação, desdobra-se a necessidade de compreender os fenômenos

sociais como Acoplamentos Estruturais de Terceira Ordem. Constituindo-se então o

acoplamento estrutural entre indivíduos como um fenômeno social, a comunicação é

compreendida como “o desencadeamento mútuo de comportamentos coordenados que se dá

entre os membros de uma unidade social. (...)” (MATURANA e VARELA, 2001, p. 215).

cada pessoa diz o que diz ou ouve o que ouve segundo sua própria determinação

estrutural. [...] sempre há ambigüidade numa interação comunicativa. O fenômeno

Page 133: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

133

da comunicação não depende daquilo que se entrega, mas do que acontece com o

receptor. [...] muito diferente de “transmitir informação”. (p. 218)

A Psicologia Cognitiva também ressalta a imersão social e a mediação cultural da linguagem

no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento, embora mantendo a

dicotomia Sujeito X Meio, já abordada acima. Wallon considera o homem um ser

indissociavelmente biológico e social, compreendendo que, mesmo sendo o organismo a

condição primeira do pensamento, não é entretanto suficiente, pois o objeto da ação mental

vem do contexto no qual o indivíduo esta inserido. O homem então é determinado fisiológica

e socialmente, tanto pelas suas disposições internas quanto pela história das situações

exteriores que vivencia no decorrer da sua existência.

Na perspectiva sociocultural do desenvolvimento humano de Vygotsky, é o grupo cultural

que fornece ao indivíduo um ambiente estruturado por elementos carregados de significado. É

a partir da interação social, seja com os outros membros da cultura ou com elementos do

ambiente culturalmente estruturado que se dá o desenvolvimento psicológico do indivíduo.

Neste processo ele identifica dois tipos de elementos mediadores que, embora análogos,

apresentam características bastante diferenciadas: os instrumentos e os signos, que vão

transformando-se ao longo do processo de desenvolvimento de cada indivíduo. Como funções

psicológicas superiores, os processos mediados vão se constituindo na relação do sujeito com

o mundo objetivo e no seu contato com as formas culturalmente organizadas para lidar com o

real.

No confronto/diálogo teórico que busco desenvolver entre as duas perspectivas, percebo que

na Psicologia Cognitiva a relação do individuo com o social se dá em um movimento muito

mais fortemente “de fora para dentro”. Ou seja, uma construção cultural é internalizada pelo

sujeito que a partir desta, torna-se “apto” a interagir, atuar neste meio, utilizando os signos -

principalmente a linguagem – como instrumentos desta interação, seja ela com o outro ou

consigo mesmo. Na Biologia da Cognição percebo uma autonomia maior do sujeito em

relação a esta construção cultural, embora a conservação da sua adaptação exija mudanças e

adequações. Por esta última perspectiva o processo de comunicação que desencadeia

comportamentos coordenados que vêm a constituir acoplamentos estruturais, prevê a

ambiguidade, o que acontece com o receptor da mensagem. É na dimensão da organização

autopoiética, na qual não há separação entre produtor e produto que reside a meu ver, o salto

de autonomia do sujeito em relação às construções socio-históricas.

Page 134: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

134

Especificamente quanto à linguagem, para a Biologia da Cognição, os componentes das

comunidades humanas existem como unidades e a conservação da adaptação do ser humano

como organismo exige que ele funcione nos domínios linguísticos. Também os sistemas

sociais exigem comportamentos acoplados estruturalmente em domínios linguísticos, nos

quais os comportamentos possam operar, ampliando as propriedades dos componentes desse

sistema.

Como decorrência do conjunto de interações comunicativas, surgem as condutas culturais -

interações comunicativas ontogeneticamente determinadas que permitem uma certa

invariância na história de um grupo, indo além da história particular dos sujeitos que

participam deste grupo, estabelecendo um domínio de condutas comunicativas ou

comportamentos coordenados associados a termos semânticos.

Compreender o processo de mediação simbólica na perspectiva de Vygotsky implica

reconhecer o caráter eminentemente cultural da formação desses sistemas simbólicos.

Fornecido pelo grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve, os sistemas de representação

da realidade fornecem ao indivíduo formas de perceber e organizar o real, representando uma

espécie de “filtro” através do qual o homem percebe e opera com o mundo. Aqui reforço a

percepção de que esta perspectiva limita a autonomia do sujeito posto que “o filtro” é dado

pela cultura e a ação interna do sujeito frente aos elementos que constituem este filtro parece

muito restrita.

A linguagem ganha ainda uma função mais ampla para a Biologia da cognição que atribui a

esta uma característica-chave: “modifica de maneira tão radical os domínios comportamentais

humanos, possibilitando novos fenômenos, como a reflexão e a consciência. (...) permite, a

quem funciona nela, descrever a si mesmo e à sua circunstância”. (MATURANA e

VARELA 2001, p. 232). A formação da Consciência, ou mesmo sua existência como um dos

desdobramentos da linguagem no ser humano é uma abordagem que a Psicologia Cognitiva

não apresenta.

É ao modo recursivo de operação da linguagem que a biologia da cognição atribui a

experiência do que chamamos consciência. Da mesma forma que o ser vivo se conserva como

unidade em meio às perturbações do meio e da sua própria dinâmica comportamental, a

coerência e estabilização da sociedade como unidade se processará a partir do funcionamento

e ampliação da linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional é o que

Page 135: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

135

experimentamos como consciência e como “nossa” mente. (MATURANA e VARELA, 2001,

p. 255)

3. Quatro Conceitos Fundantes da Teoria de Paulo Freire e sua apropriação em uma

Epistemologia da Difusão Social do Conhecimento17

3.1. APROPRIAÇÃO DOS CONCEITOS ESTRUTURANTES

A breve apresentação dos conceitos fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo

Freire nos leva a uma consideração apropriativa no âmbito do objeto de estudo que visa

investigar os processos cognitivos em ambientes virtuais/atuais de aprendizagem, tendo como

sentido político a Difusão Social do Conhecimento. A tese em construção agencia

necessariamente um lastro teórico consistente para a investigação dos processos cognitivos

eminentes na presente sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação em rede.

Justamente em Paulo Freire encontramos uma modelagem consistente para se apresentar e

aprender a operar o conhecimento na perspectiva do que podemos chamar de primado social

do ente-espécie humanidade. A Difusão Social do Conhecimento em redes virtuais/atuais de

aprendizagem e de relacionamento é uma emergência de nossa atual era digital. Neste âmbito,

é preciso também colocar os imperativos do conhecimento humano e sua aquisição social e

histórica, sem perder de vista que estamos priorizando o desenvolvimento humano em sua

maior abrangência e tarefa. Há, portanto, um fio condutor que nos conduz da teoria à práxis

formativa humana, a partir dos meios digitais / telemáticos disponíveis. Suspeitamos da

potencialidade de promover uma emancipação humana condizente com a máxima liberdade

que se possa desejar a qualquer um membro da comunidade humana. Esta suspeita a

colocamos no plano de uma hipótese operativa, pois visualizamos a tarefa de uma Difusão

Social do Conhecimento como meio de Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação

na construção de sociedades sustentáveis e evoluídas espiritualmente, sempre a partir de sua

materialidade e naturalidade emergencial como espécie.

Queremos enfatizar como os conceitos de Libertação, Conscientização, Diálogo e

Comunicação encontrados em Paulo Freire podem ser devidamente apropriados para a

consolidação de nosso esteio epistemológico, ao tratarmos do conhecimento como um

processo complexo e plural, mas que pode ser apreendido em sua diversidade dimensional:

17

Esta seção é parte de um artigo em coautoria com o prof. Dr. Dante Augusto Galeffi, para composição de livro

no prelo, com publicação prevista para 2013.

Page 136: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

136

ontológica ética, política, epistemológica e estética. De que maneira, então, nos apropriamos

do núcleo da Teoria do Conhecimento e da Filosofia da Educação de Paulo Freire, e dele

elaboramos uma Teoria da Difusão Social do Conhecimento na perspectiva de emancipação

dos “oprimidos” sociais?

Sabemos como a escrita de Paulo Freire na constituição de uma Teoria do Conhecimento e de

uma Filosofia da Educação é a expressão de práticas efetivamente vividas. É, portanto, pela

sua capacidade de condizência com as estruturas de sentido da experiência humana em geral

que nos interessa retomar Paulo Freire como inspirador de uma parte significativa do lastro

epistemológico em construção na tese. Queremos desenvolver meios operativos para atuar no

processo social de emancipação de nossa sociedade próxima. Percebemos a importância de

uma Teoria do Conhecimento capaz de lidar com as novas emergências tecnológicas e torná-

las amalgamadas ao desenvolvimento humano sustentável. A relação, portanto, dos processos

cognitivos com a mecânica das máquinas naturais e artificiais se torna o meio de operação do

estar no mundo contemporâneo.

Pensar a Difusão Social do Conhecimento como libertação implica necessariamente em um

plano de compreensão do desenvolvimento humano no tempo. As grandes questões atinentes

ao uso de Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem para a difusão do conhecimento se

mostram inusitadas em relação ao acervo passado. A libertação pode ser incorporada como o

primeiro momento da investigação dos processos cognitivos mediados telematicamente.

Como mensurar, entretanto, o caráter da libertação na produção, reprodução e decodificação

cognitiva em rede?

Em primeiro lugar, a libertação é um problema de ordem política e social. Sabe-se, sem mais

delongas, como os meios telemáticos disponíveis permitem também aprendizagens

significativas incorporadas para todos os usuários, não se sustentando nenhum pressuposto

classista ou nenhuma interdição simbólica proibitiva de toda emancipação existencial

concreta. E isto é evidente em meios sociais como o nosso. A libertação pressupõe as

relações afetivas entre os seres humanos e seu meio de existência ecológico. Incorpora-se,

portanto, a implicação política atinente ao cuidado humano em toda a sua extensão e

intensidade. Afinal, os processos cognitivos estão atrelados irremediavelmente ao âmbito do

concreto existir de homens e mulheres, sendo em um projeto político libertador articulado

Page 137: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

137

para instrumentar a emancipação mais complexa pelo fenômeno da conscientização humana

no plano global e mundial.

Conscientização pode ser o imperativo do desenvolvimento de processos cognitivos

mediados telematicamente. Na sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação

os processos cognitivos são requeridos como formas de saber e de fazer, o que reclama uma

modalidade de aprender marcada por atuações de operação cada vez mais conscientes e

controláveis por repetição – finalmente o êxito da tecnociência. Tomar consciência de que os

processos cognitivos estão imbricados em relações complexas estruturantes da produção usual

do conhecimento, implica que há necessariamente um sentido mais elevado para o

desenvolvimento humano comum, sendo então fundamental aprender a pensar outras

possibilidades e aprender a criar outros dispositivos inteligentes a serviço do desenvolvimento

humano mais elevado: a mira Divina – o ser humano alcançando a visada da imagem e

semelhança do considerado criador primordial e único.

Ora, a conscientização diz respeito ao desenvolvimento humano na linha do tempo. Sua

historicidade deve ser sempre evocada, porque tudo é histórico no acontecimento das

sociedades humanas. Atrela-se ao processo de educação vigente nas sociedades históricas e

diz respeito ao âmbito da individuação no seio de uma sociedade marcada pela obrigação

moral. Mas, sobretudo, projeta-se como horizonte de aspiração visando a libertação dos

oprimidos e a erradicação das desigualdades sociais. A conscientização é, assim, um

imperativo de ordem ética e política simultaneamente, pois tem a ver com a realização

concreta dos direitos e deveres de todo ser humano, não importa o seu estado de

desenvolvimento tecnológico. É imperativo conscientizar para o uso inteligente e responsável

de todo conhecimento capaz de operar e mudar as configurações de existência estática,

abrindo-se para a criação de seres humanos conscientes da consciência e da inconsciência,

como também reconhecedores do conhecimento do conhecimento e do desconhecimento.

De imediato, pode-se perceber como os processos cognitivos considerados necessitam de um

movimento incorporado de conscientização das operações em andamento no constructo

humano global. Todo ser que se encontre oprimido precisa deixar de ser um caso esporádico

e particular para se tornar um clamor coletivo em favor da dignidade humana constituída

como apego à vida – vontade de ser – potência desejante e criadora. Só há conscientização

pela transformação e ampliação de potência na comunhão entre os humanos. Ecoa Paulo

Page 138: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

138

Freire em sua capacidade de desvelar a linha de fuga para a emancipação dos oprimidos, quer

dizer, dos cristalizados na máquina de consolidar hábitos em sua dinâmica de repetição

mecânica. A imagem das rodas de uma locomotiva, naturalmente inconsciente de sua

finalidade mecânica.

Como implicação da conscientização visualizada como horizonte de aspiração de toda a

humanidade, não se pode admitir senão o regime de uma democracia aberta e dinâmica em

sua capacidade de transformar a opressão em libertação ontológica criadora. Pela

conscientização pode-se alcançar o que Freire chamou de “consciência transitiva crítica”.

Deste modo, a conscientização constitui um método crítico, como tal, passível de ser

aprendido na práxis. Precisamos, portanto, de um método de conscientização que tenha pelo

menos três linhas de fuga confluentes: a investigação temática, a tematização e a

problematização. Pois não se pode tematizar sem conhecer os termos linguísticos de um

determinado objeto temático e seus sentidos. E somente se chega à problematização quando

algo é reconhecido previamente em seus contornos objetivados na relação com os outros. A

problematização é assim a posse dos meios que permitem que se aprenda no fazer-se. Mas se

a conscientização é um movimento que se realiza em cada um em sua relação com a

coletividade local e global simultaneamente, ela não pode ser atualizada sem o transcurso do

diálogo.

Significa que o diálogo é o meio universal de emancipação das sociedades em

desenvolvimento livre, seguindo o ímpeto do viver plenamente na convivência com a

diversidade e a diferença. O diálogo abre para a diversidade das condições de existência dos

seres humanos e suas formas sociais. Ele torna horizontal qualquer relação de poder desigual,

tal como de patrão e empregado, de senhor e escravo, comandante e comandado. No diálogo

não pode haver antagonismo manipulador de um controle régio sobre os outros dialogantes.

Pelo diálogo¸ ninguém ensina ninguém, mas todos aprendem com todos. Nos processos

cognitivos que estão sendo observados nos Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem

estudados, o diálogo introduz a dimensão do compartilhamento ontológico e funda uma

política para o estabelecimento de uma comunidade que abarque o todo da humanidade.

Na perspectiva da dimensão dialógica não cabem os falsos problemas, pois o que interessa é

sempre a interação entre diferentes dialogantes. Na investigação dos processos cognitivos

operados nos novos meios telemáticos é preciso não perder de vista que é pelo diálogo que se

Page 139: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

139

alcança o trabalho colaborativo gerador de processos de Difusão Social do Conhecimento. O

diálogo é, pois, uma instância de agenciamentos criadores no âmbito coletivo. Mas ainda cabe

o plano da comunicação, sem o qual nem a libertação, nem a conscientização e nem o

diálogo alcançam concretude transformadora. Sem o plano da comunicação não haveria

como conjugar o verbo criador em sua multiplicidade originante. Mas é pelo diálogo que a

comunicação constitui o esteio da comunidade humana planetária. Trata-se, assim, da

comunicação dialógica e não da mera transmissão de mensagem codificada.

É pela comunicação que os sujeitos humanos se dão conta de partilharem de um âmbito

maior indefinido e de um âmbito em que se pode divisar o sentido nuclear de comunidade.

Pois, como postula Freire, só há mundo humano na intercomunicabilidade de seus sujeitos e

objetos entre si. O ato cognoscitivo é necessariamente comunicativo. A comunicação se

define como relação de todos os níveis de constituição do sentido como pensamento-

linguagem-contexto. Ela é uma expressão dos fluxos coletivos do pensamento apropriador:

nunca se encontra estacionada como um carro em uma vaga de shopping, pois é o

acontecimento pontual das interações e sedimentações coletivas.

Se na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar ocorre a comunicação, esta não se dá como

um isolado ato de pensar individual, mas aponta para a produção coletiva em conexão

criadora. Sem coparticipação o “eu penso” da filosofia cartesiana explicaria tudo. A

coparticipação abre-se para o “nós” e os pensamentos só são individuais na ilusão e um “eu”

metafísico que põe e dispõe sobre o mundo em sua ilusão de certeza clara e distinta.

É preciso, então, que se confirme no âmbito da Difusão Social do Conhecimento como os

processos cognitivos têm uma função eminentemente comunicativa, e como a comunicação se

dá através dos signos linguísticos disponíveis em determinado contexto sociocultural ou

realidade existencial específica em fluxo. Portanto, temos diante uma sólida articulação

teórica que nos permite investigar processos cognitivos em Ambientes Virtuais/Atuais de

Aprendizagem, sem que seja necessário abdicar de uma atitude investigativa radical e sem

pretender estabelecer em definitivo seus limites metafísicos.

Apresentamos a seguir uma síntese diagramática das quatro instâncias tiradas da Teoria do

Conhecimento de Paulo Freire, e que sem dúvida também organizam a sua fecunda Filosofia

da Educação. E porque a consideramos fecunda, nos apropriamos de seus elementos

Page 140: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

140

compondo alicerces epistemológicos próprios e apropriados. Afinal, todo conceito se faz ação

quando é incorporado coletivamente. O diagrama abaixo reúne as linhas de fuga iniciais de

nossa tese. Ela intenciona primacialmente a constituição de uma plataforma epistemológica de

criação de meios eficazes para a análise cognitiva implicada com a emancipação dos sujeitos-

sociais históricos envolvidos em processos de formação mediados telematicamente. O

diagrama é apenas sugestivo de um ulterior desenvolvimento metodológico a partir dele, o

que é deliberadamente uma criação nascida das preexistências materiais, sociais, culturais e

psíquicas encontradas em cada dinâmica de aprendizagem significativa, nas múltiplas

dimensões do limite humano.

Figura 3 - Processos Cognitivos nucleares na Analítica da Difusão Social do Conhecimento

Fonte: a autora.

O diagrama acima apresenta uma Forma Descritiva Conjuntiva, e pode ser expresso pela

seguinte proposição circular e dialógica: A libertação está para a conscientização assim

como o diálogo está para a comunicação – a libertação comunica, a conscientização

dialoga – o diálogo liberta, a comunicação conscientiza – libertação, conscientização,

diálogo e comunicação apresentam dimensões suficientes para a análise cognitiva

telematicamente mediada. Temos diante um grande desafio e com paixão e moderação

agenciamos suficientemente a sua modelagem acional: visamos à práxis revelada na

polilógica freiriana apropriada. Cremos também tratar-se de uma política de transvaloração

Page 141: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

141

dos valores opressivos dominantes, pelo projeto de uma humanidade responsável pela criação,

gestão e difusão do conhecimento criador que é sempre uma coletividade pensante emergente

e dotada de poder-ser-apropriador. E tomando Paulo Freire como inspiração não se pode

abdicar da paixão pela realização da ação política emancipadora, liberta, conscientizada,

dialógica e comunicada publicamente. Também uma aventura do espírito inquieto do humano

na deriva cósmica ainda longa.

3.2. ELABORAÇÕES CONCLUSIVAS

Encontra-se nos conceitos de Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação –

estruturantes da epistemologia do conhecimento e da filosofia da educação Freiriana, lastro

teórico consistente para a investigação dos processos cognitivos demandados e

contextualizados na sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação em rede

virtual/atual. Investigando o desenvolvimento destes processos cognitivos tendo em foco a

elaboração de uma Teoria da Difusão social do Conhecimento, que tenha como princípio e

meta a coexistência dialógica e respeitosa de seres livres, pensantes e politicamente

comprometidos com o bem estar coletivo, a modelagem aqui proposta apresenta-se como um

caminho possível e propositivo.

Comprometidos com a construção de meios que permitam operar a emancipação da nossa

sociedade e reconhecendo que interagir cognitivamente com o aparato maquínico disponível

se tornou o modo do estar no mundo contemporâneo, ressaltamos a necessidade de

constituição de uma Teoria do conhecimento capaz de lidar com as novas emergências

tecnológicas, consciente e politicamente, colocando-as em prol do desenvolvimento humano

sustentável, na perspectiva de emancipação dos oprimidos sociais.

Esta Teoria da Difusão Social do Conhecimento, em construção, tem então como

pressupostos:

A tarefa da Difusão como meio de Libertação, Conscientização, Diálogo e

Comunicação na construção de sociedades sustentáveis e evoluídas espiritualmente.

A perspectiva do conhecimento como um processo complexo e plural, mas que pode

ser apreendido em sua diversidade dimensional: ontológica ética, política,

epistemológica e estética.

O desenvolvimento de meios operativos para atuar no processo social de emancipação

de nossa sociedade.

Page 142: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

142

A compreensão do desenvolvimento humano no tempo, reconhecendo o inusitado das

questões atinentes ao uso de Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem, que exigem

construções e operações outras não disponíveis no acervo até então constituído.

A opção clara e inegociável pela libertação, reconhecendo nos meios telemáticos

disponíveis potenciais de aprendizagens significativas para todos.

Compreensão dos processos cognitivos como um projeto político libertador,

instrumentalizador da emancipação mais complexa pelo fenômeno da conscientização

humana.

Reconhecimento da necessidade de que, na sociedade do conhecimento, da informação

e da comunicação, busquemos criar outros dispositivos inteligentes a serviço do

desenvolvimento humano mais elevado. Ou seja, Conscientização pode ser o

imperativo do desenvolvimento de processos cognitivos mediados telematicamente.

É preciso um método de conscientização para o uso inteligente e responsável de todo

conhecimento capaz de operar e mudar as configurações de existência. Este método

precisa ter pelo menos três linhas de fuga confluentes: a investigação temática, a

tematização e a problematização. Esta compreendida como a posse dos meios que

permitem que se aprenda no fazer-se.

A conscientização não pode ser atualizada sem o transcurso do diálogo, meio

universal de emancipação das sociedades em desenvolvimento livre.

Nos processos cognitivos em Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem o diálogo

introduz a dimensão do compartilhamento ontológico; é pelo diálogo que a

comunicação constitui o esteio da comunidade humana planetária - comunicação

dialógica.

No âmbito da Difusão Social do Conhecimento, os processos cognitivos têm uma

função eminentemente comunicativa, ocorrendo a comunicação através dos signos

linguísticos disponíveis em determinado contexto sociocultural ou realidade

existencial específica em fluxo.

Partindo deste lastro teórico, o diagrama apresentado busca constituir uma plataforma

epistemológica para a construção de processos e recursos de uma análise cognitiva implicada

com a emancipação dos sujeitos-sociais históricos em processos de formação em ambientes

virtuais/atuais. Tem caráter sugestivo e demanda um desenvolvimento metodológico

posterior, tendo em vista as especificidades e singularidades de cada dinâmica de

aprendizagem significativa, nas múltiplas dimensões do limite humano.

Page 143: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

143

Por fim, ressaltamos nesta compreensão da Difusão Social do Conhecimento, uma política de

superação dos valores opressivos dominantes, em prol do projeto de uma humanidade

responsável pela criação, gestão e difusão do conhecimento libertador, construído e

comunicado dialogicamente, permitindo e oportunizando a conscientização de sujeitos

sociais livres e comprometidos com o ideal da coletividade sustentável.

Page 144: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

144

CAPÍTULO V

A ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA: CONCEITOS,

INTERFACES E METODOLOGIA

Apresentação

A partir das discussões desenvolvidas nos capítulos anteriores, com os referenciais teóricos

selecionados como suporte às elaborações deste trabalho, apresento a seguir as categorias que

estruturam a Metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta, bem como as interfaces

necessárias a este processo, de forma a permitir uma visada complexa, multirreferencial e

polilógica.

Ressalto tratar-se de uma proposta, entre várias possíveis, que desdobra-se de todo um lastro

de compreensão teórico-filosófico-político-epistemológica de como ocorrem os processos

cognitivos em ambientes com mediação telemática, implicando necessariamente um

recorte/seleção consciente e aqui fundamentado, em relação a vários conceitos que perpassam

este processo. A exemplo: concepção de conhecimento e difusão; compreensão de cognição e

de sujeito cognitivo; conceito de virtual e de ambientes virtuais, concepção de política,

cidadania e sociedade entre outros.

A Matriz para Análise Cognitiva apresentada a seguir, bem como seu desdobramento nas

Fases de Análise propostas, estrutura-se a partir dos conceitos que são elencados neste

capítulo de forma sintética, posto que detalhados e analisados nos capítulos anteriores.

O desenho desta Matriz aconteceu em um mesmo dia, como “um parto” que presenteia aos

sujeitos da concepção o ser na sua inteireza, como se fruto de um milagre. Mas não há apenas

milagre no nascimento de uma criança nem de uma ideia, ambos “nascem” para o mundo ou

para a consciência de quem os concebe em um momento-marco, aparentemente rápido, mas

são o fruto de todo um caminho de junção, divisão, criação, crise, amadurecimento, VIDA.

Foi esta a sensação que tive ao compor a matriz que aqui apresento. Ela veio pronta desde o

primeiro desenho, a sensação foi tão forte que mentalmente exclamei: “está nascendo”!

Obviamente, todo o processo de descrição, detalhamento, explicação, bem como o

desdobramento em fases, resulta de muitas horas posteriores de trabalho, da mesma forma

frutificando das construções e elaborações que antecederam a criação da Matriz,

Page 145: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

145

amadurecidas e sistematizadas no percurso do doutoramento, mas oriundas de toda uma vida

de formação, pesquisa, exercício e reflexão.

Page 146: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

146

Quadro 1 - Matriz para Análise Cognitiva Telematicamente Mediada

Fonte: a autora

AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS /

DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES

PSICOLÓGICAS SUPERIORES

CATEGORIAS ESTRUTURANTES

Internalização e desenvolvimento de sistemas

simbólicos

Pensamento generalizante

Desenvolvimento em três diferentes domínios

Diferenciação/individuação

Domínio dos fundamentos gerais de um dado

campo

Elaboração dos sistemas/técnicas para

processar e representar informações

Qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação

Comandar os tipos de representações

Pensamento intuitivo

ORGANIZAÇÃO AUTOPOIÉTICA

Autonomia / dependência - autoprodução na interação

com o meio

Conhecimento como ação efetiva

Acoplamento estrutural na contínua conservação da

autopoiese

Clausura operacional especificando a identidade

EPISTEMOLOGIA E FILOSOFIA FREIRIANA

Diálogo

Comunicação

Libertação

Conscientização

AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL (AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD)

Temporalidade experienciada humanamente

Emergência de um Terceiro incluído: subjetivações humanas

Diferentes níveis de Realidade e de percepção: virtual, potencial e atual

Tudo o que é real é também virtual, e tudo o que é virtual é real

Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a distância

não está determinada

VISADA POLILÓGICA

Atitude crítica de radicalidade aprendente

Insuficiência da razão Monológica – precipitações

modulares poliformes

Condição ontológica do ser-no-mundo-com –

pluricentralidade do sentido

Desconstrução do ego transcendental – aprendizado da

diferença ontológica

Page 147: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

147

1. Conceitos e Interfaces

1.1. CATEGORIAS ESTRUTURANTES

As categorias que estruturam a metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta decorrem do

diálogo e recorte próprio e apropriado (na perspectiva polilógica) que faço dos Teóricos da

Psicologia Cognitiva: Jean Piaget, Jerome Bruner, Lev Vygotsky e Henri Wallon.

Algumas categorias são claramente características da obra de um ou de outro destes teóricos,

e outras são junções que faço de conceitos utilizados pelos mesmos, por vezes com

nomenclaturas diferentes, mas que compreendo tratarem dos mesmos processos.

Tendo como conceitos amplos e integradores a Aquisição de Estruturas Mentais e o

Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, são definidas nove categorias

estruturantes, conforme descriminado a seguir:

Quadro 2 - Categorias Estruturantes

CONCEITOS AMPLOS

E INTEGRADORES

CATEGORIAS ESTRUTURANTES

AQUISIÇÃO DE

ESTRUTURAS

MENTAIS - construção

de esquemas mais amplos

e flexíveis através do

processo de equilibração.

DESENVOLVIMENTO

DAS FUNÇÕES

PSICOLÓGICAS

SUPERIORES - controle

consciente do

comportamento, a ação

intencional, liberdade em

relação ao momento e

espaço presentes.

INTERNALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE

SISTEMAS SIMBÓLICOS para organizar os signos em

estruturas mais complexas.

PENSAMENTO GENERALIZANTE - ordena o real,

agrupando objetos, eventos e situações em uma mesma

categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com

o objeto.

DESENVOLVIMENTO EM TRÊS DIFERENTES

DOMÍNIOS: afetivo, cognitivo e motor.

DIFERENCIAÇÃO - processo de INDIVIDUAÇÃO

progressiva como caminho da socialização.

DOMÍNIO DOS FUNDAMENTOS GERAIS DE UM

DADO CAMPO - captar as ideias centrais deste campo,

imaginando soluções, buscando intuições e palpites sobre

como resolver determinada situação.

ELABORAÇÃO DOS SISTEMAS/TÉCNICAS PARA

Page 148: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

148

PROCESSAR E REPRESENTAR INFORMAÇÕES,

como fases internas do desenvolvimento.

QUALIDADE LÓGICA, ‘RACIONAL’ DA

CONCEITUAÇÃO - busca de informações, reconhecendo

as regularidades em um meio ambiente normalmente

complexo.

COMANDAR OS TIPOS DE REPRESENTAÇÕES –

elaborar de forma complexa, representações do mundo da

experiência possível.

PENSAMENTO INTUITIVO - o treinamento dos

palpites. Intuição como “o ato de captar o sentido, o

alcance ou a estrutura de um problema ou situação”

(JEROME BRUNER)

Fonte: a autora.

A utilização da matriz e metodologia aqui propostas implica na apropriação pelo analista

cognitivo do referencial teórico que as subsidiam, sendo talvez necessário um estudo ou

processo de formação para uma utilização adequada das mesmas. Neste capítulo, entretanto,

com o objetivo de oferecer um material sintético, de consulta direta para aqueles que já

possuem uma certa apropriação da fundamentação teórica citada, desenvolvo uma descrição

sintética de conceitos basilares à compreensão das categorias que compõem a matriz,

indicando ao final, quando couber, o autor destes conceitos:

o Aquisição das estruturas mentais - processo de aquisição individual que prevê

necessariamente a cooperação, as trocas e intercâmbio entre as pessoas. (JEAN

PIAGET)

o Equilibração - o ser humano vai desenvolvendo esquemas mentais adaptativos a cada

nova situação com a qual se depara na interação com a realidade - construção de

esquemas mais amplos e flexíveis é a consequência desta busca. Implícitos ao conceito

de equilibração estão, na teoria piagetiana, os conceitos de assimilação e acomodação

(JEAN PIAGET)

o Os seres humanos interagem com o ambiente tendo como suporte instrumentos

mediadores chamados signos - esses instrumentos permitem ao ser humano escapar da

influência direta do meio externo, sendo capaz de percebê-lo e representá-lo de

diversas formas. (L. S. VYGOTSKY)

Page 149: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

149

o Desenvolvimento das funções psicológicas superiores - mecanismos psicológicos

mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano e que envolvem o

controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo

em relação às características do momento e do espaço presentes. (L. S. VYGOTSKY)

o Duas mudanças qualitativas fundamentais no uso de signos: o processo de

internalização e o desenvolvimento de sistemas simbólicos para organizar os signos

em estruturas mais complexas. (L. S. VYGOTSKY)

o Duas funções básicas da linguagem: a) intercâmbio social e b) pensamento

generalizante – O pensamento generalizante transforma a linguagem em um

instrumento do pensamento. É ela quem ordena o real, agrupando objetos, eventos e

situações em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o

objeto. (L. S. VYGOTSKY)

o Um projeto de estudo integrado do desenvolvimento precisa contemplar afetividade,

motricidade e inteligência, considerando a criança nas suas relações com o meio.

(HENRI WALLON)

o O desenvolvimento deve ser enfocado em três diferentes domínios: afetivo, cognitivo

e motor - buscando compreender e explicar a complexidade do real, “por uma

perspectiva dinâmica, multifacetada e extremamente original”. (HENRI WALLON)

o Conceito de diferenciação - o processo de socialização é um processo de individuação

progressiva - O conflito eu-outro está presente mesmo na vida adulta, em algumas

situações específicas. (HENRI WALLON)

o O domínio dos fundamentos gerais de um dado campo implica em captar as ideias

centrais deste campo, no desenvolvimento de uma atitude especial em relação à

aprendizagem e à investigação, imaginando soluções, buscando intuições e palpites

sobre como resolver determinada situação. (JEROME BRUNER)

o É necessário reconhecer no desenvolvimento humano três sistemas que funcionam em

paralelo, para processar e representar informações, como fases internas do

desenvolvimento: a) através de manuseio e ação; b) através de organização perceptiva

e de imagens; c) como aparelho simbólico. A elaboração desses três sistemas de

técnicas/três sistemas básicos de instrumentos permite ao organismo maduro o uso

total das próprias aptidões. (JEROME BRUNER)

o Qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação no homem adulto - forma como o adulto

age na busca de informações, reconhecendo as regularidades em um meio ambiente

normalmente complexo, apesar das suas limitações na capacidade para processar os

Page 150: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

150

dados e dos naturais riscos que incorremos em qualquer ato de julgar ou fazer opções.

(JEROME BRUNER)

o Desenvolvimento intelectual - considerações com vistas ao seu entendimento:

Capacidade que o sujeito adquire de independência imediata ao estímulo do

meio ambiente.

Aptidão progressiva para fazer previsões e extrapolações em função de

modelos armazenados a partir da absorção de eventos diversos vivenciados.

Reconhecimento da necessidade lógica, espírito de análise própria da filosofia,

que conduz os seres humanos para além de uma mera adaptação empírica ao

meio. (JEROME BRUNER)

o No processo de desenvolvimento intelectual o ser humano vai tornando-se apto a

comandar os tipos de representações. o último passo deste processo é tornar as

palavras “veículos para penetrar nas categorias do possível, do condicional, do

condicional contra-atual” (BRUNER, 1969, p. 28), domínio este em elaborar de forma

complexa, representações do mundo da experiência possível.

o O pensamento intuitivo, o treinamento dos palpites, é um aspecto essencial, embora

muito desprezado, do pensamento produtivo. O pensamento analítico caminha passo a

passo, cada passo explícito, podendo ser relatado por aquele que pensa, posto que se

processa com a consciência do sujeito sobre as informações e operações implicadas.

(JEROME BRUNER)

o Intuição - “o ato de captar o sentido, o alcance ou a estrutura de um problema ou

situação” (BRUNER, 1978, p. 55-56) sem para isto utilizar-se dos recursos do

pensamento analítico - natureza complementar dos dois tipos de pensamento, o

Analítico e o Intuitivo.

1.2. INTERFACES PARA ANÁLISE

A Metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta pauta-se em uma compreensão complexa,

multirreferencial e polilógica de Cognição, que permita capturar as múltiplas dimensões e

implicações dos processos cognitivos do sujeito humano em sua inteireza, em sua condição

ontológica do ser-no-mundo-com, implicado com este mundo, histórica e culturalmente

situado, transformando-o e transformando-se através de sua atuação contínua, dialógica,

mediada e compartilhada com outros sujeitos. Abandonando a crença de uma razão sempre

Page 151: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

151

lógica e ciente de tudo, em sua forma modular e monoforme de ser, buscar aprender a partir

das precipitações modulares poliformes (GALEFFI).

Nesta perspectiva, as categorias estruturantes que compõem a Matriz de Análise devem ser

utilizadas considerando as interfaces com as dimensões filosófico-político-epistemológicas

selecionadas, buscando a ruptura com as dicotomias construídas historicamente no dito “saber

científico”, que recortam o sujeito como se fosse possível compreendê-lo em separado: mente

e corpo, matéria e psique, individual e cultural, entre outras. Esta metodologia de Análise

busca um pensamento que une e não separa todos os aspectos presentes no universo, que

compreende que tudo está ligado a tudo, a parte está no todo assim como o todo está na

parte; cada parte, por um lado, conserva suas qualidades, mas por outro, contém a totalidade

do real; nada está isolado no Cosmos, mas sempre em relação a algo. (MORIN).

É certo que categorizações, classificações, conceituações detalhadas fazem parte da

construção do conhecimento, entretanto, estas precisam ser compreendidas apenas como

recursos metodológicos explicativos, descritivos, que necessariamente devem ser reunidos,

confrontados, dialetizados, na compreensão dos processos humanos e sociais. No ato de

pensar não cabem compartimentações categoriais, porque o pensar não é um ato que se pode

qualificar de racional; pensar é permanecer diante do vazio: se pensa quando o impensável

nos captura em sua imensidão vazia. (GALEFFI).

Nesta busca, foram selecionadas três dimensões filosófico-político-epistemológicas a serem

consideradas no processo de Análise Cognitiva em suas interfaces com as categorias

estruturantes: Organização Autopoiética (Maturana e Varela), Visada Polilógica (GALEFFI,

Dante) e Epistemologia e Filosofia Freiriana. Além destas três, uma quarta dimensão

compõem o processo de Análise aqui apresentado: a Interface ambiente virtual/atual –

educação sem distância (ESD). Esta última interface se diferencia das demais por não tratar-se

da contribuição de uma determinada teoria filosófico-epistemológica já reconhecida

academicamente, mas de uma construção que ocorre em estreita articulação com a elaboração

desta tese e que sistematiza um olhar próprio e apropriado sobre conceitos basilares ao

universo da telemática: virtual/atual/real, presença e distância, tecnologias e ação humana,

entre outras.

Page 152: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

152

Em formato semelhante ao adotado para apresentação das categorias estruturantes, segue uma

apresentação sintética de alguns conceitos selecionados das construções teóricas referidas,

estes também selecionados de forma “própria e apropriada”, considerando sua pertinência e

relevância para a Análise Cognitiva mediada telematicamente. As três dimensões adotadas

neste método perpassam toda a construção desta tese e são apresentadas e analisadas em

capítulos anteriores.

INTERFACE 1. Organização Autopoiética (Maturana e Varela)

O que é mais específico neste tipo de organização é que o sujeito é o seu produto, não

havendo assim separação entre produtor e produto.

Os seres vivos se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si

próprios, organização esta que caracteriza o ser humano: “(...) um sistema autopoiético se

levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria

dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis” (MATURANA e VARELA,

2001, p. 55).

Os seres vivos são unidades autônomas, capazes de especificar sua própria legalidade, aquilo

que lhe é próprio. O modo, o mecanismo que faz dos seres vivos sistemas autônomos é a

autopoiese. Não há separação entre produtor e produto, o ser e o fazer de uma unidade

autopoiética são inseparáveis.

Autonomia/Dependência

Autonomia e dependência constroem uma à outra, numa dinâmica circular. Autoprodução na

interação com o meio - os seres vivos são autônomos, isto é, autoprodutores – capazes de

produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio: vivem no conhecimento e

conhecem no viver.

Conhecimento como Ação Efetiva

O conhecimento vai além do processamento de informações de um mundo que existe antes da

experiência do observador. Todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer. A

circularidade / encadeamento entre ação e experiência, inseparabilidade entre ser de uma

maneira particular e como o mundo nos parece ser, nos diz que todo ato de conhecer faz

surgir um mundo.

Page 153: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

153

Conhecer é uma ação efetiva, ou seja, uma efetividade operacional no domínio de existência

do ser vivo. Explicação do conhecer:

I. Fenômeno a explicar: ação efetiva do ser vivo em seu meio ambiente;

II. Hipótese explicativa: organização autônoma do ser vivo. Deriva filogenética

e ontogenética, com conservação da adaptação (acoplamento estrutural;)

III. Dedução de outros fenômenos: coordenação comportamental nas interações

recorrentes entre seres vivos e coordenação comportamental recursiva sobre

a coordenação comportamental;

IV. Observações adicionais: fenômenos sociais, domínios lingüísticos,

linguagem a autoconsciência. (MATURANA e VARELA, 2001, p.35)

Assim podemos entender o conhecer como ação efetiva, que permite ao ser vivo, ao fazer

surgir o seu mundo, continuar sua existência em um meio determinado.

Acoplamento Estrutural

Nos seres vivos, determinação e acoplamento estrutural ocorrem na contínua conservação da

autopoiese, estando tudo subordinado a esta conservação. Duas (ou mais) unidades

autopoiéticas podem estar acopladas em sua ontogenia, quando suas interações adquirem um

caráter recorrente ou muito estável.

Cada interação organismo-meio é uma interação específica, na qual o meio atua em contínua

seleção das mudanças estruturais que o organismo viverá em sua ontogenia, da mesma forma

que os seres vivos operam como seletores das mudanças estruturais do meio.

[...] entre a estrutura do meio e a da unidade há uma compatibilidade ou

comensurabilidade. Enquanto existir essa comensurabilidade, meio e unidade

atuarão como fontes de perturbações mútuas e desencadearão mutuamente mudanças

de estado. A esse processo continuado, demos o nome de acoplamento estrutural.

(MATURANA e VARELA, 2001, p. 112)

A ontogenia de um indivíduo é uma deriva de modificações estruturais com invariância da

organização e, portanto, com conservação da adaptação. Considerando que organismos e

meio variam de modo independente, é o jogo entre as condições históricas em que ocorrem as

variações e as propriedades intrínsecas dos indivíduos que determinará a constância e a

variação do resultado. Evolução é uma deriva natural, decorrência da invariância da

autopoiese e da adaptação.

Clausura Operacional

Os seres vivos têm uma clausura operacional em sua organização: sua identidade está

especificada por uma rede de processos dinâmicos, cujos efeitos não saem dessa rede. A

compreensão deste conceito implica na percepção do papel do sistema nervoso nos domínios

Page 154: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

154

comportamentais. Como parte do organismo, logo funcionando com determinação estrutural,

não pode o meio determinar suas mudanças, mas apenas desencadeá-las.

O sistema nervoso, como parte que é de um organismo, funciona com determinação

estrutural. Pode ser definido como dotado de clausura operacional, pois é constituído de forma

tal que qualquer mudança gera modificações nele mesmo, funcionando como “uma rede

fechada de relações de atividade entre seus componentes." (2001, p. 183)

Assim faz-se necessário a ampliação da perspectiva, sem considerar o comportamento dos

seres vivos como uma invenção do sistema nervoso, mas reconhecendo que sua presença

expande as possibilidades de conduta ao dotar o organismo de uma estrutura versátil e

plástica.

Nos sistemas sociais humanos, identifica-se a clausura operacional também em comunidades

humanas, ocorrendo no acoplamento estrutural de seus componentes.

Comunicação

Necessário compreender os fenômenos sociais como acoplamentos estruturais de terceira

ordem. Quando organismos com sistema nervoso interagem de forma recorrente ao longo de

sua ontogenia, representando mútua fonte de perturbações, estabelece-se um acoplamento

estrutural – permitindo a manutenção da individualidade de cada um – de diferentes

complexidades e estabilidades.

Entre indivíduos acoplamentos estruturais constituem então fenômenos sociais, e dentro

destes, a comunicação, compreendida como “o desencadeamento mútuo de comportamentos

coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social. (...)” (MATURANA e

VARELA, 2001, p. 215).

É falsa a metáfora da comunicação produzida em um ponto e transmitida para o outro extremo

– o receptor – por meio de um tubo- “transmitir informação”. Sempre há ambiguidade numa

interação comunicativa. O fenômeno da comunicação não depende daquilo que se entrega,

mas do que acontece com o receptor.

A comunicação é então compreendida como o “desencadeamento mútuo de comportamentos

coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social” (MATURANA e VARELA,

Page 155: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

155

2001, p. 215). Assim, a peculiar característica da comunicação é que ela ocorre no domínio do

acoplamento social.

Conduta Cultural

Os autores a definem como a “estabilidade transgeracional de configurações comportamentais

ontogeneticamente adquiridas na dinâmica comunicativa de um meio social.” (MATURANA

e VARELA, 2001, p. 223). Surgem em decorrência do conjunto de interações comunicativas

ontogeneticamente determinadas que permitem uma certa invariância na história de um grupo,

indo além da história particular dos sujeitos que participam deste grupo.

As condutas culturais estabelecem um domínio de condutas comunicativas ou

comportamentos coordenados associados a termos semânticos: “O cultural é um fenômeno

que se viabiliza como um caso particular de comportamento comunicativo.” (MATURANA e

VARELA, 2001, p. 223)

Domínios Linguísticos

O domínio linguístico de um organismo abrange todos os seus comportamentos linguísticos,

que são em geral variáveis, e modificam-se ao longo das ontogenias dos organismos que os

produzem. Os comportamentos linguísticos humanos ocorrem num domínio de acoplamento

estrutural ontogênico estabelecido e mantido pelos seres humanos, em resultado de suas

ontogenias coletivas.

O ser humano, enquanto observador, “percebe que as descrições podem ser feitas tratando

outras descrições como se fossem objetos ou elementos do domínio de interações.”

(MATURANA e VARELA, 2001, p. 233). Então, somente a partir desta reflexão linguística é

que passa a existir a linguagem, surge o observador, e os organismos participantes de um

domínio linguístico passam a funcionar num domínio semântico. Humanos existem a partir do

seu funcionamento na linguagem, e é a partir dela que conservam sua adaptação no domínio

semântico criado pelo modo linguístico de operar.

Em desdobramento, reconhece-se como característica-chave da linguagem, que esta modifica

radicalmente os domínios comportamentais humanos, possibilitando os fenômenos da

reflexão e da consciência, ao permitir aos sujeitos descreverem a si mesmos e à

circunstância na qual estão inseridos

Page 156: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

156

Consciência Humana

Para a biologia da cognição, o que chamamos consciência só é possível graças ao modo

recursivo de operação da linguagem, posto que, é a partir do funcionamento e ampliação da

linguagem que a coerência e estabilização da sociedade como unidade se processará. Os

fenômenos do mental e da autoconsciência só existem em função do aparecimento da

linguagem no homem e do contexto social em que ela surge. A dinâmica de ambos pertence

ao domínio do acoplamento social, no qual “funcionam como seletores do caminho que segue

nossa deriva estrutural ontogênica”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 257)

A Realidade como Argumento Explicativo - O Fenômeno do Conhecer (Humberto

Maturana)

Com o objetivo de explicar o fenômeno do conhecer, define como ponto de partida o

observador observando, e o observar. Esta ação do conhecer, de como se validam nossas

coordenações cognitivas não é uma coisa trivial, mas pertence à vida cotidiana.

O explicar é sempre uma reformulação da experiência que se explica, só podendo ser

considerada explicação quando esta reformulação da experiência for aceita por um

observador.

Dentre os caminhos explicativos da realidade, adota o da objetividade entre parênteses - toda

explicação é uma reformulação da experiência com elementos da experiência. Nesse instante,

também se faz evidente que o não poder distinguir entre ilusão e percepção é irrelevante. No

caminho da objetividade entre parênteses, minha afirmação cognitiva é válida pelas

coerências operacionais que a constituem.

No momento em que aceito a pergunta pelo observador e pelo observar, descubro que a

realidade é uma proposição explicativa, a realidade é sempre um argumento explicativo há

tantas realidades quantos domínios explicativos, todas legítimas.

INTERFACE 2. Visada Polilógica (GALEFFI, Dante)

POSIÇÕES E PROPOSIÇÕES DE UM FILOSOFAR POLILÓGICO

Um étimo filosófico próprio e apropriado. Compreendo a filosofia como filosofar -

Sem filosofar a filosofia se torna substantiva e monológica, perdendo a articulação

verbal que a torna inventiva e polilógica.

Page 157: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

157

O risco da substantivação monológica consiste na perda de flexibilidade em relação ao

tempo instante (presente) - O perigo da verbalização polilógica é o excesso de

potência, o que acarreta pânico.

Na história do Ocidente, a ênfase excessiva na substantivação excluiu o verbo de sua

potência tônica e átona - A partir desse foco, a racionalidade ocidental considera o

tempo como extensão, desconhecendo sua têmpera tímica intensiva-pulsional.

Vício da substantivação levou os pensamentos dos filósofos ocidentais a se

constituírem em grandes catedrais da inteligência inventiva - inibem o surgimento de

novas catedrais - do sentido próprio ao ente-espécie hominal.

Problema da substantivação excessiva: a pretensão de modular a continuidade da vida

do planeta a partir de princípios forjados por uma racionalidade instrumental

exclusiva.

Nada há de mais volátil do que a substância. Por ser substância, sua identidade é

sempre uma relação com o que passa: é substância porque subsiste, isto é, persiste na

passagem, arde, consome-se.

Fica clara a diferença entre a filosofia como instituição milenar e o filosofar como

abertura para a experienciação - sempre no meio e nunca encontra um fim.

Permite sair da cidadela metafísica da racionalidade instituída, para assumir uma

decisão: filosofar, isto é, um pôr-se a caminho do saber que sabe.

Só se pode filosofar em língua e linguagem próprias - precisamos aprender a pensar

diretamente, sem necessidade de mediadores autorizados - aprender a pensar pensando

a partir das próprias circunstâncias - a partir de si mesmo.

Sem esta atitude de radicalidade, nenhum filosofar pode alcançar a doação do verbo,

enquanto ação criadora livre de dolos e finalidades primeiras e últimas.

No ato de pensar não cabem compartimentações categoriais, porque o pensar não é um

ato que se pode qualificar de racional - pensar é permanecer diante do vazio - Se pensa

quando o impensável nos captura em sua imensidão vazia.

ATITUDE CRÍTICA DE RADICALIDADE - ciência fenomenológica: ciência em

sentido propriamente filosófico, o que pressupõe uma absoluta liberdade de voo.

Ciência como atividade aprendente de conhecimentos, que dizem respeito ao nosso

comum pertencimento ao ente-espécie humanidade, segundo nossas concretas e

históricas condições existenciais (ambientais, corporais, materiais, simbólicas).

A comum dicotomia entre as ciências exatas e as ciências não exatas, com privilégio

das ciências objetivas sobre aquelas ditas subjetivas, ainda regula as formas de

Page 158: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

158

valoração das atividades humanas produtivas, permitindo a desvalorização, ou

subserviência, das investigações que compreendem o ser humano em sua radicalidade,

justamente porque estas não se curvam ao sistema maquínico armado como domínio e

dominância.

Restaurar um sentido de “ciência” que diga respeito, como ação, à aquisição de um

conhecimento que nos liberte do jugo imperante da bestialidade e da rudeza espiritual

dominante, uma ciência que se exercita como construção humana de uma sociedade de

iguais. Esta é a maior ciência de todas, justamente porque se ocupa do único ente que

necessita de cuidado e atenção absoluta: o ser humano.

O que dizemos como ciência é o nosso próprio modo de ser-consciente do que

sabemos fazer com a vida — um saber-fazer com arte. Atitude de radicalidade

aprendente que a fenomenologia procura descrever.

Não compreendemos mais os fenômenos como dados, e sim como campos de forças

conflitantes e interativos, em relação aos quais não se pode nunca explicar, mas

simplesmente dizer o que nunca se deixa paralisar na fixação de uma só face, de um só

sentido, de uma única verdade.

Se pretendemos descrever acontecimentos aprendentes, não nos cabe determinar a

priori as categorias da nossa realidade verdadeira, a tarefa, agora, é justamente de

silenciar o acúmulo de representações do sentido, realizando-se, assim, um retorno

radical sobre nós mesmos. Esta atitude aprendente não se deixa levar pelo argumento

fácil do que se impõe como lei estabelecida excludente

POSIÇÕES E PROPOSIÇÕES

Ponto de partida fenomenológico - Edmund Husserl, em relação a “uma reforma total da

filosofia, para fazer desta uma ciência com fundamentos absolutos” (s/d, p. 10). O retorno

radical sobre nós mesmos — fundamento para construir uma filosofia polilógica

1. A radicalidade do ponto de partida

O ente-espécie humanidade possui a possibilidade do autoconhecimento. Em todos os

tempos e lugares, os seres humanos experienciaram a construção do

autoconhecimento. Das culturas mais arcaicas até aquelas mais aparelhadas

tecnicamente, o fenômeno do autoconhecimento é rasgante. Todo filosofar haverá

sempre de começar pelo autoconhecimento - só filosofa quem se percebe implicado no

pensar.

Page 159: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

159

Esta possibilidade que se abre como filosofar não possui proprietários e muito menos

propriedades - Vê-se aí o signo da individuação humana.

O filosofar é a fundação e a realização do próprio ser-sendo na sua incorrigível

policentralidade, ou melhor, em suas formas singulares de ser-aparecendo-

desaparecendo.

2. A insuficiência da razão monológica para a investigação dos eventos implicados

(acontecimentos fenomenológicos dos entes que compreendem e agem sobre o mundo

natural).

Considerar o fenômeno humano a partir de uma visada polilógica, onde a ideia de

uma centralidade onipotente e onipresente é obtusa e reducionista. Não faz sentido

investigar fenômenos específicos fora de suas concretas condições e circunstâncias.

Abandonada a crença de uma razão sempre lógica e ciente de tudo, em sua forma

modular e monoforme de ser - aprender a partir das precipitações modulares

poliformes.

A racionalidade monológica, nitidamente, não dá mais conta da complexidade dos

fenômenos implicados. Entretanto, para se ultrapassar tal racionalidade é preciso

edificar outra forma de ser-sendo.

O mérito da filosofia não está em sua monoliticidade e sim em sua dinamicidade em

dissolver ideias fixas e fazer fluir o evento inominável - o fim da filosofia é o seu

próprio meio de expressão: a dialogicidade pensante

É uma ingenuidade danosa considerar que se pode ter o controle dos fenômenos pelas

monitorações cada vez mais sofisticadas dos mesmos - empobrecemos nossa

possibilidade de ser toda vez que adotamos um determinado regime normativo como

lei da ação.

É preciso que se aprenda a pensar por conta própria. E este ato não nega aquilo que

nos constitui enquanto seres de relação, seres cuja identidade corresponde à própria

condição concreta de copertencimento a um cosmos extraordinariamente imprevisível

e densamente configurado.

3. A condição ontológica do ser-no-mundo-com.

Não estamos no mundo como algo externo ao nosso modo de ser. O nosso ser é ser-

no-mundo-com. Nossa única saída existencial é partir da condição relacional que nos

constitui ontologicamente.

Page 160: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

160

O pensar mesmo nunca é uma mera representação de uma realidade objetiva ou

subjetiva, muito menos carece de provas e refutações. A exigência destas serve a fins

de dominação ideológica, que impede o acontecimento da pluricentralidade do

sentido.

Todo ser humano é participante de um cosmos todo recolhido em si mesmo e cheio de

virtualidades desconhecidas e veladas. Em sua individuação, cabe-lhe alcançar um

modo de compreensão que o torne artífice de sua própria realização.

Ninguém pode viver a saga única do outro, e toda pretensão de reduzir o outro a algo

que já se conhece não passa de engodo da razão prepotente. O ser-no-mundo-com é

cada um de nós em sua peculiaridade indizível.

4. Esvaziamento da pretensão de exatidão e de neutralidade axiológica na realização de novas

ciências implicadas

Gadamer (1998; 2002): não há razão para se acreditar na hegemonia de uma

racionalidade sempre lógica - por princípio, não há ciência que não pressuponha o ser

capaz de produzi-la e sustentá-la por meio de seu próprio existir coligado.

É preciso, então, que as ciências implicadas sejam independentes umas das outras, tal

independência, entretanto, não exclui a possibilidade da intercomunicação, desde

quando não se queira dominar os outros - somente existe acordo quando há igualdade

nas relações de diferentes.

A pretensão de exatidão para a descrição dos fenômenos implicados é, portanto, um

engodo. Que existimos em um universo perpassado por estruturas prévias e condições

determinadas é algo que não se pode negar Mas que tais estruturas e tais condições

devam ser condenações eternas e imutáveis, isto está fora de toda razoabilidade

inerente ao nosso comum modo de ser-no-mundo-com.

É a abertura ontológica que nos pode permitir CONSTRUIR UM FILOSOFAR PRÓPRIO E

APROPRIADO - NOVA REALIZAÇÃO DO SER-SENDO

Proposição 1: A desconstrução do ego transcendental - ultrapassar o horizonte posto pela

filosofia moderna para o sentido, ultrapassar as novas representações do sentido que se

distribuem pelos meios autorizados de comunicação e produção de conhecimento. Alcançar o

aprendizado da diferença ontológica que nos constitui como seres de passagem e não como

cópias imperfeitas de modelos intangíveis e tirânicos. Justo porque somos indeterminados é

Page 161: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

161

que partilhamos da possibilidade de sempre ser-mais. Somos apenas na medida em que

passamos, em que nos tornamos verbo-instante. Mistério que cada um haverá de realizar por

conta própria, apesar de sempre inevitavelmente constelado e pluriconfigurado.

Proposição 2: A pluricentralidade da construção do sentido - O sentido é, por natureza,

polilógico, polifônico, polissêmico, não existe fora de concretas condições e circunstâncias.

Inadequação de nossa comum racionalidade na compreensão dos eventos implicados, posto

que nenhuma razão hegemônica pode-se sobrepor ao fluxo imprevisível dos acontecimentos

do sentido. Múltiplos são os modos de ser do sentido, por natureza, tudo é singular e plural, e

nada se pode reduzir a um princípio único quantificável, pois tudo o que é possui em si

mesmo a estrutura da diferença ontológica. A única verdade que nos interessa é aquela que

nos diz respeito. Nesta medida, muitas são as verdades e muitos são os caminhos (métodos)

para realizá-las. Qualquer ideia, portanto, de exclusividade e superioridade é sinal de

dominação ideológica deliberada.

Proposição 3: As flutuações singulares como campo atentivo do filosofar - O que importa é o

que está próximo e vem à luz pelas flutuações singulares. É no presente que se filosofa, é para

o presente que o filosofar se oferece como morada do humano. É preciso, antes de tudo, para

se poder filosofar em língua e linguagem próprias, que se possua o sentido polilógico das

possibilidades do ser-sendo em suas precipitações singulares e irrepetíveis. O filosofar é o

caminho para o encontro derradeiro consigo mesmo: um relampejar na história policêntrica do

ser-sendo.

INTERFACE 3. Epistemologia e Filosofia Freiriana

A) Conceitos Básicos

Em sua abordagem essencialmente política, liberdade e libertação constituem a tese central,

condição essencial de humanização de homens e mulheres, objetivo fim de qualquer processo

educativo. A conscientização e o diálogo são o caminho para esta libertação, por sua vez,

condição de autoafirmação do sujeito: imersa no mundo do opressor, a consciência do

oprimido vive uma dualidade: ao tempo em que hospeda em si os valores, as ideias, a visão

de mundo do dominador e teme a liberdade, a deseja, ansiando pela libertação. Para Freire, o

oprimido vive assim uma luta interna, que precisa deixar de ser individual para ser coletiva.

Page 162: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

162

Enquanto a tomada de consciência é o momento em que o sujeito se distancia da realidade

para percebê-la criticamente, a conscientização é um passo além, constituindo-se em ação

transformadora. Freire criou o conceito de “consciência transitiva crítica” - a consciência

articulada com a práxis, ao mesmo tempo desafiadora e transformadora, e que só é alcançada

com o diálogo crítico, a fala e a convivência.

O diálogo horizontal entre sujeitos que se respeitam, não apenas como seres humanos, mas no

reconhecimento de que são ambos detentores de saberes (saber científico e saber popular),

está presente na compreensão de Freire sobre a construção do conhecimento. O contexto que

provoca a construção do conhecimento tem em si, necessariamente: o reconhecimento da

existência de um saber popular, gerado na prática social do povo, a participação do sujeito da

aprendizagem e o reconhecimento de que a forma de trabalhar, o processo do ato de aprender

é determinante em relação ao próprio conteúdo da aprendizagem.

O diálogo para Freire, sempre em uma relação horizontal, nutre-se de amor, humildade,

esperança, fé e confiança; necessariamente deve pautar-se no exercício da tolerância, no

sentido da convivência com a diferença. Como exigência existencial, é o diálogo que

possibilita a comunicação permitindo que os sujeitos dialogantes ultrapassem a dimensão da

vivência imediata. O mundo social e humano só existe a partir da comunicabilidade, é a

intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo cultural e histórico,

estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto.

Argumentando que não existe pensamento isolado, posto que o homem não é isolado, Freire

concebe no ato de pensar a exigência do sujeito que pensa, do objeto pensado (que atua como

mediador com o outro sujeito da comunicação) e da comunicação entre os sujeitos, esta

ocorrendo através dos signos linguísticos. É na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar,

que ocorre a comunicação.

A compreensão do pensamento para Freire implica o reconhecimento de sua dupla função:

cognoscitiva e comunicativa. O que caracteriza a comunicação é o diálogo e o diálogo

necessariamente é comunicativo. Não é possível que um conteúdo seja simplesmente

comunicado a um outro sujeito posto que a comunicação implica numa reciprocidade. Esta

comunicação se dá através de signos linguísticos, logo, é indispensável que os sujeitos

comunicantes acordem um significado para estes signos, partilhado entre ambos, de forma a

haver a compreensão.

Page 163: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

163

Para Freire, compreensão, inteligibilidade e comunicação, são processos inseparáveis e

simultâneos. Reconhecendo na comunicação eficiente a exigência de que sujeitos

comunicantes, mediatizados pela “admiração” a um mesmo objeto, expressem-se através de

signos linguísticos comuns a ambos - coerente com todo o seu pensar, Freire compreende que

na comunicação “não pode ser rompida a relação pensamento-linguagem-contexto ou

realidade”.

B) Apropriação destes Conceitos na Investigação dos Processos Cognitivos em

Ambientes Virtuais/Atuais

o Conceitos fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo Freire nos levam a uma

consideração apropriativa no âmbito do objeto de estudo que visa investigar os

processos cognitivos em ambientes virtuais/atuais de aprendizagem, tendo como

sentido político a Difusão Social do Conhecimento.

o Hipótese operativa: é tarefa uma Difusão Social do Conhecimento como meio de

Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação na construção de sociedades

sustentáveis e evoluídas espiritualmente.

o Os conceitos de Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação são aqui

apropriados para a consolidação de nosso esteio epistemológico, ao tratarmos do

conhecimento como um processo complexo e plural, mas que pode ser apreendido em

sua diversidade dimensional: ontológica ética, política, epistemológica e estética.

o Opção clara e inegociável pela libertação, reconhecendo nos meios telemáticos

disponíveis potenciais de aprendizagens significativas para todos.

o Compreensão dos processos cognitivos como um projeto político libertador,

instrumentalizador da emancipação mais complexa pelo fenômeno da conscientização

humana.

o Reconhecimento da necessidade de que, na sociedade do conhecimento, da

informação e da comunicação, busquemos criar outros dispositivos inteligentes a

serviço do desenvolvimento humano mais elevado. Ou seja, Conscientização pode ser

o imperativo do desenvolvimento de processos cognitivos mediados telematicamente.

o Conscientização com o transcurso do diálogo, meio universal de emancipação das

sociedades em desenvolvimento livre - o diálogo introduz a dimensão do

compartilhamento ontológico; é pelo diálogo que a comunicação constitui o esteio da

comunidade humana planetária - comunicação dialógica.

Page 164: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

164

o Proposição circular e dialógica: A libertação está para a conscientização assim como o

diálogo está para a comunicação – a libertação comunica, a conscientização dialoga –

o diálogo liberta, a comunicação conscientiza.

INTERFACE 4. Ambiente Virtual/Atual – Educação sem Distância (ESD)

Nesta interface localiza-se também a dimensão concreta da Metodologia de Análise Cognitiva

aqui proposta. É neste campo, neste espaço Virtual/atual determinado que ocorrem os

processos cognitivos que se pretende analisar, com as especificidades próprias desta

dimensão, e no qual a análise cognitiva pode ocorrer a partir dos conceitos, interfaces e

relações apresentados e discutidos nesta Tese.

o O “virtual” não é uma “ausência”, mas uma “presença” pela experiência temporal

neuropsíquica.

o O contrário de “real” não é o “virtual” e sim o inconcebível vazio e absoluta mudez: o

“nada”.

o Complementar a concepção de AVA com a de Ambiente Atual de Aprendizagem

(AAA), reconhecendo que há “presença” nos processos de interação e construção

mediadas telematicamente.

o Distinguir a temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades

transcendentes ao humano.

o No ser humano a temporalidade aparece em sua função neuropsíquica, que é uma

forma de matéria-energia diferenciada das duas outras formas encontradas na natureza

- compreender certas condições de princípio que constituem o complexo humano e

suas relações com a Totalidade divisada e indivisa.

o Concepção de conhecimento que implica em uma compreensão articuladora dos

modos de ser a partir da investigação da matéria-energia neuropsíquica e sua

propriedade de temporalização pela dialógica atualização e potencialização e pela

emergência de um Terceiro termo incluído: as subjetivações humanas em seu sentido

complexo ou sistêmico.

o Possível, atual, potencial e virtual - operar cada um dos termos como traços da

temporalidade estruturante da existência humana desde seu aparecimento no Tempo e

no Lugar cósmico no qual estamos.

o Compreendendo a temporalidade em suas três ekxtases: porvir, vigor de ter sido,

atualidade (HEIDEGGER, 2009), não faz nenhum sentido separar o passado, o

presente e o futuro porque está em jogo a temporalidade como experiência ontológica.

Page 165: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

165

o A temporalidade humana somente pode ser compreendida na temporalidade humana.

É neste âmbito que aparece a relação adequada entre “real” e “virtual” : tudo o que é

real é também virtual, e tudo o que é virtual é real.

o É próprio do comportamento neuropsíquico humano antecipar-se ao próprio fim, o que

também revela como a percepção humana acontece como temporalização e como se

destaca de tudo o mais que não possui este modo de ser mental que antecipa o próprio

fim.

o Falamos da experiência da compreensão enquanto existimos na condição de

subjetivação da espécie humana: a temporalidade do nosso comum existir humano. A

temporalidade humana comporta também diferentes extratos e gradientes de

intensidade que se pode descrever por aproximação e por condizência, mas não se

pode explicar como uma coincidência entre os entes externos e o que é percebido nas

subjetivações humanas.

o Toda percepção humana é um complexo pré-formatado como ekstases temporais

(Heidegger: porvir, vigor de ter sido, atualidade). O ser humano existe na medida em

que se projeta como porvir a partir do vigor de ter sido, atualizando suas funções

vitais em um desenvolvimento histórico específico.

o O porvir é o modo de antecipação do projetar-se existencial. Ao mesmo tempo somos

o que já é o que está sendo e o que pode vir a ser. Assim, se o “real” é tomado apenas

como “atualidade” perde-se de vista a temporalidade em sua dinâmica existencial.

o Considerando que a temporalidade humana é ao mesmo tempo o vigente, o instante e a

antecipação, o “virtual” e o “real” compõem os gradientes da percepção humana

comum, não havendo supressão de uma coisa em detrimento de outra e sim “seleção”

intencional.

o Deixar de lado esta concepção de “real” associado ao verdadeiro e à coisa material e

ousar compreender o “real” em seus diferentes níveis de Realidade e de percepção,

incluindo o virtual e o potencial, não somente o atual.

o A virtualidade telemática hoje já incorporada na sociedade-mundo enquanto interface

homem/máquina – definidora do modo de ser contemporâneo – servirá sempre para o

desenvolvimento humano de capacidades, competências e habilidades dos que dela

fizerem uso incorporado, sendo todo o acervo de conhecimento e informação ai gerado

reduzido a peças museográficas para outros sujeitos humanos que dela não façam

parte existencialmente.

Page 166: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

166

o É temerosa qualquer afirmação relativa aos méritos da telemática para o

desenvolvimento humano capaz de superar todos os estágios anteriores das culturas

humanas de todo o planeta - aprofundar a tensão porque isto pode elucidar de maneira

suficiente a falácia da telemática como salto de natureza da espécie humana.

o O virtual é algo, portanto, que poderá vir a existir, acontecer ou praticar-se por meio

de uma atualização temporal. Ele é, assim, inerente ao nosso modo de ser na

temporalidade existencial.

o O Terceiro aparece como um diferencial material e energético que caracteriza os atos

mentais da espécie humana, o que permite articular, pela teoria da complexidade,

diversos níveis diferentes de Realidade e diferentes níveis de percepção da Realidade.

o Nicolescu (1999) alerta para a existência de diferentes níveis de Realidade e de

percepção, compreendendo aí o virtual e o abstrato, em sua função imaginativa, como

inerente à própria Natureza em sua dinâmica. Isto acentua o traço fundamental de

nossos atos mentais como dinâmica permanente de atualizações e potencializações.

Assim, tudo o que se atualiza encontra continuidade na potencialização e tudo o que se

potencializa aponta para a atualização.

o Tudo o que se associa ao conhecimento e à informação está sempre na passagem de

um estado a outro. Portanto, o virtual construído telematicamente imita as

virtualizações do cérebro em suas sinapses contínuas.

o A virtualidade está presente toda vez que um fluxo mental permanece em estado

latente, como este texto, que poderá ser atualizado toda vez que alguém realizar sua

leitura, não importa de que forma e com qual intensidade compreensiva.

o Todas as nossas sinapses em todos os momentos de nossa existência fática operaram

triadicamente pela memória, pela imaginação e pela antecipação, ora atualizando e ora

potencializando processos formadores do fluxo da temporalidade neuropsíquica.

Assim, não há um “real” oposto ao “virtual”, e sim momentos em que o real é o

virtual, e momentos em que o virtual é atualizado como acontecimento.

o A revolução que as descobertas da mecânica e da física quântica provocaram na

compreensão de Realidade implicam também a resignificação da compreensão de

“distância” e de “presença”. Se no mundo macrofísico a interação entre dois objetos

ou entes vai progressivamente diminuindo à medida que estes se afastam, no mundo

quântico a interação entre as entidades permanece independente de seu afastamento.

(NICOLESCU, 1999)

Page 167: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

167

o A presencialidade física é uma perspectiva restrita à medida que concebemos a

interação humana a partir do potencial de mediação telemática, reconhecendo que o

sujeito está presente a cada momento em que age/interage/constrói/destrói através da

sua participação nos processos desenvolvidos nos espaços em que o virtual, potencial

e atual se alternam continuamente.

o Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a

distância não está determinada.

o Não é hoje adequado se falar em Educação a Distância (EaD), porque está é uma

expressão adequada para a tecnologia da imprensa e sua forma de difusão, mas

inadequada quando se trata do uso da interface neuropsíquica homem máquina, para a

qual a “distância” não é física e sim temporal.

o Começar a pensar a educação sem distancia- EsD e seus desafios nos processos de

aprendizagem, sem perder de vista a fundamental importância da presença corpo a

corpo, inclusive porque a interface homem/máquina deve ocorrer com a primazia da

humanização e não da mecanização.

2. Metodologia

2.1 FASES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE COGNITIVA

TELEMATICAMENTE MEDIADA

FASE I

Identificação da situação a ser analisada, do contexto na qual se insere e dos sujeitos

envolvidos na interação cognitiva. Com o objetivo de orientar a realização desta fase de

análise, pode ser utilizado o modelo a seguir, que lista categorias para esta caracterização,

ressaltando que estas se inter-relacionam e complementam, auxiliando a composição de um

campo de sentidos e significados, sempre em uma perspectiva multirreferencial, complexa e

polilógica.

Page 168: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

168

Quadro 3 - Modelo para identificação do contexto de Interação Cognitiva - Fase I

AMBIENTE Descrição do ambiente virtual/atual no qual se desdobra a situação em análise, se rede social,

ambiente formal de aprendizagem ou outro formato, apresentando as características relevantes

para a compreensão do contexto em que se desenvolve a interação cognitiva em análise.

SUJEITOS Identificação dos sujeitos que atuam/interagem cognitivamente na situação em análise,

caracterizando sua condição naquele ambiente específico, que lhes atribua uma identidade,

pertencimento, lugar de participação que influencie na análise da sua atuação. A exemplo:

discentes em formação, especialistas na área em debate, colegas de trabalho em processo de

construção coletiva, cidadãos interconectados que não se conhecem anteriormente àquela

interação etc.

RELAÇÃO Caracterizar a relação que constitui aquela rede de interação em análise, considerando os

aspectos que podem influenciar na atuação/interação cognitiva entre estes sujeitos. A exemplo:

se a relação é horizontal, entre pares, como colegas de turma em formação ou de trabalho; se é

uma relação onde há hierarquia, como a presença do docente, tutor ou chefe no grupo em

interação; se a relação é de disputa, como brigas de poder em determinada organização; se a

relação é simplesmente de troca de ideias, sem nenhuma outra interação entre os sujeitos fora

daquele espaço; outras formas várias de possíveis contextos sociopolíticos.

MOTIVAÇÃO Identificar/descrever a motivação dos sujeitos para interagir cognitivamente naquela situação,

identificando aspectos da situação que podem interferir na atuação destes sujeitos. A exemplo:

se é uma situação de interação livre, na qual as pessoas participam movidas apenas pelo desejo

Page 169: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

169

em participar; se é uma demanda obrigatória de um processo formativo ou do exercício

profissional; se é a utilização do espaço para divulgação/propagação de ideias que interessem a

determinada agremiação política ou grupo social do qual o sujeito participar; ou outras

motivações diversas que podem fomentar participações em situações de interação cognitiva em

ambientes virtuais/atuais.

LOCALIZAÇÃO Descrição de elementos que caracterizam a situação em análise, permitindo alguma localização

espacial e temporal da mesma. Considerando que as situações de interação cognitiva se

localizam em um contexto mais amplo, esta categoria prevê a localização desta interação

especifica em análise, considerando o seu lócus. A exemplo: se uma atividade obrigatória dentro

de um processo formativo; se uma discussão tópica dentro de um grupo de especialistas

formado em uma rede social, se uma discussão sobre questão específica, que se desenrola na

lista de email’s de uma organização; outras possibilidades várias de localização da situação

específica em análise, dentro do contexto que lhe atribui significado.

Ainda no intuito de localização, considero interessante informar o período temporal no qual se

desenrolou aquela situação, ao menos, mês e ano. Considerando que o contexto sociopolítico-

histórico mais amplo certamente influencia a atuação/interação dos sujeitos, a localização

temporal é significativa em uma análise na perspectiva aqui almejada.

Fonte: a autora.

Page 170: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

170

FASE II

Identificação e seleção das categorias estruturantes mais pertinentes para a análise do

processo de AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS / DESENVOLVIMENTO DAS

FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES, pautada no lastro teórico da Psicologia

Cognitiva, e dimensionada pelo diálogo estabelecido nesta proposta, entre as teorias de Piaget,

Vygotsky, Wallon e Bruner. Considerando a AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS /

DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES como definição

macro do processo de aprendizagem/desenvolvimento (nesta perspectiva de influenciação

mútua, própria da Psicologia Cognitiva), as categorias estruturantes selecionadas para

composição da matriz são os indicadores da ocorrência deste processo:

Internalização e desenvolvimento de sistemas simbólicos Pensamento generalizante Desenvolvimento em três diferentes domínios Diferenciação/individuação Domínio dos fundamentos gerais de um dado campo Elaboração dos sistemas/técnicas para processar e representar informações Qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação Comandar os tipos de representações Pensamento intuitivo

Na metodologia aqui proposta, a identificação de duas ou mais destas categorias,

destacadamente presentes na situação de interação cognitiva em análise, é suficiente para

compor o campo da análise relativa ao olhar da Psicologia Cognitiva. Identificadas as

categorias estruturantes a serem utilizadas na análise, considero necessário:

a) Uma retomada sintética deste conceito na Teoria da qual foi apropriado para esta matriz,

como forma de situar os leitores e o próprio analista, no processo de análise em

desenvolvimento.

b) A seleção e recorte de trechos da interação cognitiva que retratam com mais clareza a

presença daquela categoria definida para análise.

c) A descrição da análise em si, explicitando quando, onde e porque o analista identifica a

presença daquela categoria na interação cognitiva em análise.

Este procedimento se aplica a cada uma das categorias selecionadas para a análise, podendo

um mesmo trecho da situação de interação cognitiva ser utilizado para demonstração da

Page 171: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

171

ocorrência de mais de uma categoria, ou vários trechos da interação serem utilizados na

demonstração de uma mesma categoria.

Para as fases II e III, criei um modelo de representação gráfica da análise cognitiva, que vai

sendo preenchido à medida que esta é desenvolvida, constituindo ao final da análise uma

imagem que sintetiza e representa a complexidade e polilógica do processo desenvolvido.

Figura 4 - Modelo de Representação Gráfica – Fase II

Fonte: a autora.

FASE III

Identificação da interface mais pertinente para composição da análise em desenvolvimento,

considerando os elementos presentes na situação de interação cognitiva. Também aqui nesta

fase, a autoria e subjetividade do analista são reconhecidas, posto que do seu olhar será

constituído o mosaico de categorias estruturantes, interfaces de análise e categorias destas

interfaces que comporão a análise.

Cabe também aqui observar que, diferentes analistas farão diferentes análises de uma mesma

situação, mesmo utilizando esta matriz e este referencial teórico aqui proposto, assim como o

mesmo analista pode desenvolver diferentes análises de uma mesma situação, a depender da

seleção que fizer para o caminho analítico: categorias estruturantes, interfaces de análise e

categorias destas interfaces.

As interfaces selecionadas para composição desta matriz o foram em desdobramento do

caminho de construção do marco teórico para compreensão de Cognição e mais

Page 172: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

172

especificamente dos processos cognitivos que se desenvolvem em ambientes virtuais/atuais.

Permitem leituras as mais diversas, como explicitado acima, e a meu ver agregam às

possibilidades de Análise Cognitiva um vasto campo referencial, contemplando os aspectos

que, no olhar que alcanço nesta fase do trabalho, são essenciais e suficientes para uma Análise

Cognitiva que se pretenda complexa, multirreferencial e polilógica.

Foram quatro as interfaces selecionadas, sendo que uma delas - Ambiente Virtual/Atual

(AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD) – tem uma caracterização diferenciada, que

explicitarei a seguir. Para cada interface, foram também definidas categorias que a compõem,

e estas categorias, assim como ocorreu com as categorias estruturantes, podem ser utilizadas

em sua totalidade ou apenas uma delas, para caracterizar e descrever aquela interface na

análise em desenvolvimento:

Quadro 4 - Interface / Categorias / Referencial Teórico - Fase III

INTERFACE CATEGORIAS REFERENCIAL

TEÓRICO

ORGANIZAÇÃ

O

AUTOPOIÉTIC

A

Autonomia / dependência - autoprodução

na interação com o meio

Conhecimento como ação efetiva

Acoplamento estrutural na contínua

conservação da autopoiese

Clausura operacional especificando a

identidade

VARELA,Francisco

MATURANA,

Humberto

VISADA

POLILÓGICA

Atitude crítica de radicalidade aprendente

Insuficiência da razão Monológica –

precipitações modulares poliformes

Condição ontológica do ser-no-mundo-com

– pluricentralidade do sentido

Desconstrução do ego transcendental –

aprendizado da diferença ontológica

GALEFFI, Dante

EPISTEMOLO

GIA E

FILOSOFIA

FREIRIANA

Diálogo

Comunicação

Libertação

Conscientização

FREIRE, Paulo

AMBIENTE

VIRTUAL /

ATUAL

(AVA/AAA) –

Educação sem

Distância (EsD)

Temporalidade experienciada

humanamente

Emergência de um Terceiro incluído:

subjetivações humanas

Diferentes níveis de Realidade e de

percepção: virtual, potencial e atual

Tudo o que é real é também virtual, e tudo

o que é virtual é real

Se há ação humana, cognitiva, social,

HEIDEGGER,

Martin

LUPASCO,

Stéphane

MORIN, Edgar

NICOLESCU,

Page 173: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

173

material, afetiva, há presença, e se há

presença a distância não está determinada.

Basarab

GALEFFI, Dante

Fonte: a autora.

No desenvolvimento das experimentações de Análise Cognitiva a partir desta matriz e

metodologia aqui propostas, adotei a utilização de duas interfaces em cada análise. Assim o

fiz tendo em vista que o objetivo era apenas de demonstração, mas considero que uma análise

mais completa e detalhada pode agregar as quatro interfaces, compondo assim um quadro

bastante amplo e fértil para os mais diversos desdobramentos que esta análise possa trazer.

Como adiantado acima, compreendo que a interface AMBIENTE VIRTUAL / ATUAL

(AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD) se diferencia das demais, posto que trata-se de

uma matriz e metodologia especificamente construídas para análise cognitiva de processos

telematicamente mediados. Assim, esta seria uma interface necessariamente a ser adotada em

qualquer análise. Aproveito este momento para explicar que se não utilizei esta interface em

todas as demonstrações que faço neste trabalho, é por considerar que ficaria repetitivo e o

objetivo das demonstrações é mostrar as diferentes possibilidades de análise que se

desdobram.

Assim como dito na fase I, as interfaces selecionadas e as categorias desta interface que são

utilizadas, compõem a imagem que representa graficamente a análise cognitiva desenvolvida.

Reproduzo a seguir uma imagem criada apenas como exemplo, outras quatro compõem o

capítulo no qual as demonstrações de análise são apresentadas detalhadamente.

Figura 5 - Modelo de Representação Gráfica – Fase III

Page 174: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

174

Fonte: a autora.

CAPÍTULO VI

DEMONSTRANDO/DESMONTANDO A ANÁLISE COGNITIVA

TELEMATICAMENTE MEDIADA – EXERCÍCIOS E EXPERIMENTAÇÕES

Apresentação

Neste capítulo desenvolvo experimentações de utilização da Metodologia de Análise

Cognitiva em ambientes diversos de interação com mediação telemática (formais ou

informais) a exemplo de redes sociais e ambientes virtuais de aprendizagem – AVA’s,

compreendendo estas como experimentações no sentido mesmo da palavra experimentar:

ex.pe.ri.men.tar18

(experimento+ar2) vtd 1 Submeter a experiência; pôr à prova (física ou moralmente);

ensaiar: Experimentar um invento. Estão experimentando nossa paciência. vtd 2 Pôr

em prática; executar: Na assistência médica aos nativos o missionário experimentou

os preceitos evangélicos. vpr 3 Adestrar-se, exercitar-se: Experimentara-se

em contínua autodisciplina. vtd 4 Sentir, sofrer, suportar:Quase não experimentou

dores após a operação. vtd 5 Alcançar, conseguir, gozar: Bênçãos preciosas

experimentamos. vtd 6 Tentar: Experimentemos pedir fiado. vtd 7 Ser vítima de: "Os

que experimentaram a traição tornam-se cépticos" (Morais). (grifos nossos)

Parto do reconhecimento de que não há modelo capaz de abarcar todas as possibilidades de

análise que decorrem das diversas construções possíveis dos/entre sujeitos interagindo em

ambientes virtuais/atuais, constituídos e constituindo quadros sempre complexos, únicos e

provisórios. Com esta compreensão, selecionei para experimentação do modelo de análise

aqui proposto, alguns contextos específicos, caracterizando-os para melhor apreensão do

processo, de acordo com as categorias: AMBIENTE, SUJEITOS, RELAÇÃO,

MOTIVAÇÃO E LOCALIZAÇÃO.

Em busca da percepção da potencial diversidade de processos cognitivos oportunizados,

restringidos ou fomentados/fortalecidos em ambientes com características diferenciadas de

controle e planejamento prévio e de formações grupais, selecionei contextos em redes sociais,

caracterizadas por formações espontâneas e de adesão voluntária, e em espaços de ensino

formal – os chamados Ambientes Virtuais de Aprendizagem - AVA’s, nos quais as relações

são geralmente compulsórias e circunstanciais e as interações sistematicamente controladas.

18

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=experimentar

Page 175: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

175

A plataforma Moodle foi escolhida por tratar-se de um dos Ambientes Virtuais de

Aprendizagem - AVA’s mais utilizados atualmente no Brasil pelas Instituições de Formação,

seja em cursos oferecidos na modalidade EaD19

ou como suporte a atividades dos cursos

presenciais.

Foram selecionados para experimentação quatro diferentes contextos:

1. O curso de Licenciatura em Matemática oferecido na Universidade do Estado da Bahia –

Programa Universidade Aberta do Brasil - UAB, na modalidade à distância, escolhido por ser

oferecido desde o ano de 2009, tendo turmas já concluindo o curso, com um percurso de

interações em ambientes virtuais de quase quatro anos.

2. A disciplina Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC em Educação, oferecida na

modalidade semipresencial no curso presencial de Pedagogia, oferecido no Departamento de

Educação – DEDC XI (Serrinha), da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, escolhido

por convergir teoria e prática na utilização da mediação telemática.

3. Discussão entre especialistas em um grupo temático no facebook.

4. Interação decorrente de campanhas de mobilização social desenvolvidas através das redes

sociais, aqui especificamente selecionada uma discussão de grupo aberto no facebook.

A rede social facebook foi escolhida em função de seu alto nível de inserção social na

contemporaneidade, apresentando neste momento uma interface de recursos de interação e

colaboração que permitem ricas e variadas construções. Em função de seu formato específico,

a formação de grupos dar-se a partir de cada sujeito, alterando-se assim em um grande teia na

qual convergem alguns sujeitos em grupos comuns, mas cada rede de sujeitos é única. Por

este motivo, defini pela escolha de duas situações diferentes, tendo também elementos de

intersecção diferentes, o que caracteriza diferentes redes, sendo a metodologia utilizada na

análise cognitiva dos processos que se desenvolvem entre os sujeitos de uma rede específica.

Em um percurso metodológico de construção no qual fui desenvolvendo a metodologia na

medida em que desenvolvi a análise, percebi claramente que a profundidade de análise e

densidade teórica foram se ampliando a cada análise desenvolvida, o que acredito, se deveu à

19

Apesar da compreensão da Educação sem Distância que estrutura este modelo de Análise, utilizo aqui a

expressão EaD por ser esta a nomenclatura formal que consta na legislação educacional brasileira (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/96).

Page 176: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

176

apropriação que eu fazia, enquanto analista cognitiva, da metodologia que estava construindo,

assim como da habilidade que desenvolvia para o diálogo com o referencial teórico

selecionado. Mesmo tendo percebido isto, optei por manter as demonstrações na forma como

foram construídas originalmente, compreendendo que este ampliar/aprofundar é também uma

demonstração significativa do exercício da análise cognitiva nesta metodologia,

exemplificando também o quanto os aspectos da subjetivação humana interferem nos

resultados da análise.

1. Demonstrações de Análise Cognitiva Telematicamente Mediada – Exercícios e

Experimentações

Utilizando a metodologia descrita no capítulo anterior, apresento a seguir quatro exercícios de

análise cognitiva em interações com mediação telemática, destacando as Categorias

Estruturantes e Interfaces de análise escolhidas para esta demonstração, ressaltando tratar-se

de exercícios apenas, podendo esta mesma metodologia ser aplicada utilizando outras

categorias e interfaces que não as que foram aqui selecionadas, resultando em uma

sistematização/registro diferenciado embora, acredito, com resultados semelhantes. Ou seja,

defendo que, se o analista cognitivo utiliza esta metodologia com a apropriação do referencial

teórico como sustentado neste trabalho, mesmo seguindo diferentes percursos na escolha das

categorias e interfaces que utilizará para a análise, os resultados não serão contraditórios, mas

convergentes.

A apresentação das demonstrações/exercício segue a metodologia descrita no capítulo anterior

e está indicada com subtítulos que caracterizam o contexto de aplicação da mesma.

1.1. CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA OFERECIDO NA MODALIDADE

À DISTÂNCIA

Quadro 5 – Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Curso de Licenciatura em

Matemática a distância

AMBIENTE Plataforma Moodle – Sala Estatística aplicada à

educação do Curso de Licenciatura em Matemática

da UNEB/UAB

SUJEITOS Discentes do curso

RELAÇÃO Colegas de turma

MOTIVAÇÃO Responder a uma questão de cálculo, atividade

obrigatória da disciplina.

Page 177: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

177

LOCALIZAÇÃO Fórum de discussão da disciplina, fevereiro de 2011

Reproduzo a seguir uma sequência de participações em um dos Fóruns de discussão,

mantendo as construções originais na íntegra, substituindo apenas os nomes dos sujeitos por

pseudônimos.

Figura 6 - Sequência de participações em Fórum de Discussão

Re: Questão

5_Dica.

por José CC-

20091-MAT-G5

- segunda, 14

fevereiro 2011,

11:58

Desculpe tutora Isabel, mas não consegui interpretar essa questão. Alguém poderia

dar mais dicas?

Desde já obrigado.

Mostrar principal | Editar | Interromper | Excluir | Responder

Re: Questão 5_Dica.

por Maria.-20091-MAT-G20 - terça, 15 fevereiro 2011, 01:14

Olha só vou tentar explicar...

5. a) Quando vc deriva uma função quadrática, vc encontra uma função afim, ou seja

, com isso se vc igualar essa derivada a zero,

vc terá o xv da função quadrática, ou seja

b) vc terá que fazer esse cálculo para achar o x, depois substiui na função quadrática para achar o y. Por fim faz o gráfico com os pontos (x, y).

Espero ter ajudado.

Mostrar principal | Editar | Interromper | Excluir | Responder

Re: Questão 5_Dica.

por João MAT-TD - terça, 15 fevereiro 2011, 02:18

Page 178: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

178

É bem essa a idéia.Em pontos de máximo ou de mínimo a derivada é nula.

Lucas TD

Mostrar principal | Editar | Interromper | Excluir | Responder

Re: Questão 5_Dica.

por José CC-20091-MAT-G5 - terça, 15 fevereiro 2011, 07:45

Olá Maria, você ajudou muito. Já consegui interpretar essa sua ideia.

Muito obrigado.

Valeu João, pela complementação.

Mostrar principal | Editar | Interromper | Excluir | Responder

Figura 7 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva I

Fonte: a autora.

1.1.1. Categorias Estruturantes Identificadas

Buscando identificar na construção destes sujeitos a Aquisição de Estruturas Mentais -

compreendendo-a como processo de aquisição individual que prevê necessariamente a

Page 179: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

179

cooperação, as trocas e intercâmbio entre as pessoas – e o Desenvolvimento das Funções

Psicológicas Superiores, mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos,

identifico a ocorrência da Internalização e Desenvolvimento de Sistemas Simbólicos para

organizar os signos em estruturas mais complexas, bem como o Domínio dos Fundamentos

Gerais do Campo, com a apreensão das ideias centrais deste campo, e o desenvolvimento de

uma Atitude de Aprendizado e Investigação, imaginando soluções, buscando intuições e

palpites sobre como resolver determinada situação.

Partindo deste lastro conceitual da Psicologia Cognitiva, a análise agora deve ampliar-se para

as interfaces que a potencializam e permitem a visada complexa e polilógica. As interfaces

propostas neste modelo são possibilidades para ampliação do processo de análise, não

necessitando serem todas consideradas em cada análise desenvolvida, e sim incorporadas

quando couberem, uma ou todas, de forma a constituir a análise na perspectiva que

fundamenta este modelo.

1.1.2. Interfaces para Análise

a) Epistemologia e Filosofia Freiriana

Para os processos cognitivos em análise, observados na situação acima, é clara a importância

do Diálogo e da Comunicação, como postos pela EPISTEMOLOGIA FREIRIANA. O

diálogo que abre para a diversidade das condições de existência dos seres humanos e suas

formas sociais, tornando horizontal qualquer relação de poder, posto que ninguém ensina

ninguém, mas todos aprendem com todos. Observa-se com clareza na construção em análise

que um discente pede desculpas à tutora20

, a quem possivelmente atribui o “poder” de ensinar,

e afirma a sua dificuldade com a compreensão e domínio de um determinado campo.

Auxiliado pelos colegas, em um diálogo entre iguais, o sujeito atinge a nova estrutura mental

que lhe permite operar com aquela situação-problema.

Retomando a reflexão desenvolvida nos capítulos anteriores, na investigação dos processos

cognitivos operados nos novos meios telemáticos é preciso não perder de vista que é pelo

diálogo que se alcança o trabalho colaborativo gerador de processos de Difusão Social do

20

No Programa Universidade Aberta do Brasil, o tutor é um docente com funções definidas a depender do

desenho pedagógico de cada curso e/ou componente curricular em desenvolvimento, sendo sempre a figura mais

próxima, na mediação da aprendizagem discente. Nesta situação, é ao tutor que cabe a mediação deste fórum de

discussão e a orientação aos discentes sobre as especificidades do campo do conhecimento em estudo.

Page 180: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

180

Conhecimento. O diálogo é, pois, uma instância de agenciamentos criadores no âmbito

coletivo. Nos processos cognitivos em análise, identifico o diálogo introduzindo a dimensão

do compartilhamento ontológico que constitui o estabelecimento de uma comunidade.

Trazendo agora a dimensão da comunicação - é pelo diálogo que a comunicação constitui o

esteio da comunidade humana planetária, comunicação dialógica e não mera transmissão de

mensagem codificada – destaco a presença da comunicação neste processo de construção,

permitindo a troca real, entre pares que se reconhecem como iguais detentores do

conhecimento e que utilizam uma mesma linguagem. Linguagem aqui concebida não

simplesmente como idioma formalmente estabelecido mas como símbolos apropriados em um

mesmo compartilhamento de sentidos, que permite a real comunicação entre os seres

humanos. Como postula Freire, o ato cognoscitivo é necessariamente comunicativo. A

comunicação se define como relação de todos os níveis de constituição do sentido como

pensamento-linguagem-contexto. Ela é uma expressão dos fluxos coletivos do pensamento

apropriador.

b) Ambiente Virtual/Atual (Ava/Aaa) – Educação sem Distância (Esd)

Desdobrando as interfaces que constituem uma análise complexa e polilógica dos processos

cognitivos apresentados na situação acima, trago a reflexão sobre os conceitos de

virtual/atual/real e de presença. A perspectiva deste modelo é de que a temporalidade

vivenciada pela espécie humana rejunta as divisões clássicas do tempo: passado, presente,

futuro, pois, para um corpo/mente vivente o tempo é um fluxo ao mesmo tempo macrofísico,

biológico e neuropsíquico. É clara esta dimensão na situação apresentada, que não representa

um momento estanque dos sujeitos que ali interagem, mas partes, trechos de um contínuo de

reação/reflexão/operação que se desdobra para além daquela mediação tecnológica e constitui

uma permanente atualização dos processos engendrados pelos sujeitos em sua existência real.

Cabe reconhecer a dialógica processual que engendra o Real de nossas existências em

diferentes níveis de Realidade. Nosso psiquismo, portanto, permiti-nos hoje desconsiderar as

distâncias físicas, metricamente mensuradas, através da interface mente/cérebro/máquina

eletrônica. Os ambientes mediados telematicamente são também ambientes atuais porque

estão sendo usados por seres humanos que possuem a estrutura triádica de temporalização, e

que diante de tais ambientes estão processando atualizações neuropsíquicas específicas e

diferenciadas. Pois, toda virtualização é sempre uma expressão da dinâmica existencial

Page 181: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

181

humana, pressupondo sempre atualizações e potencializações cíclicas, de modo semelhante ao

nosso modo de existir fático.

Fechando esta experimentação de análise, sempre provisória e aberta a outros sentidos - pois o

sentido é, por natureza, polilógico, polifônico, polissêmico, não existindo fora de concretas

condições e circunstâncias – trato agora da questão da presença. A presencialidade física é

uma perspectiva restrita à medida que concebemos a interação humana a partir do potencial

de mediação telemática, reconhecendo que o sujeito está presente a cada momento em que

age/interage/constrói/destrói através da sua participação nos processos desenvolvidos nos

espaços em que o virtual, potencial e atual se alternam continuamente.

A situação apresentada acima é claramente representativa da presença dos sujeitos que ali

interagem, presentes com seus universos de significados e estruturas mentais adquiridas,

compartilhando experimentações e saberes de forma ativa e voluntária. Se há ação humana,

cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a distância não está

determinada.

1.2. DISCUSSÃO ENTRE ESPECIALISTAS EM UM GRUPO TEMÁTICO NO

FACEBOOK

Quadro 6 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Discussão entre especialistas

em um grupo temático no Facebook

AMBIENTE Grupo criado na rede social facebook, com temática

específica (relacionada a cultura digital e formação

docente) para compartilhamento e discussão entre

os membros.

SUJEITOS Membros do grupo

RELAÇÃO Alguns conhecidos, colegas, amigos de outros

espaços e outros desconhecidos entre si

MOTIVAÇÃO Partilhar experiências e discutir temáticas de

interesse voluntário. Adesão livre às diversas

discussões que ocorrem em paralelo no ambiente

LOCALIZAÇÃO Discussão gerada a partir de postagem de um

membro do grupo. Novembro de 2012 Fonte: a autora.

Reproduzo a seguir o registro da discussão no grupo, mantendo este registro em sua íntegra,

omitindo apenas os nomes dos sujeitos, substituindo por uma identificação numérica.

Page 182: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

182

Sujeito 1

Alguém, sei que muitos, ainda tem algo contra o "joguinho"? :-)

http://meiobit.com/111317/estudo-revela-gamers-so-to-bons-com-cirurgia-robtica-quanto-

estudantes-de-medicina/

Curtir · · Seguir publicação · Compartilhar · 18 de novembro às 12:32

2 pessoas curtiram isto.

Exibir todos os 13 comentários

Sujeito 2 Gostei da definição de aprendizagem útil......... Supondo que, entre as

aprendizagens desejadas por um vivente não esteja as da leitura e da escrita, aí já não

sei e indago se também consideraria aprendizagens inúteis? ...........(sujeito 1)! Ok falar

em planejamento e objetivos de aprendizagem, considerando que o sistema de ensino

tem um currículo básico a ser desenvolvido. O *caso* é que me sei ignorante mesmo,

para pensar em como aproveitar os jogos gratuitos, não educacionais... É isso! Mas

*gostaria*, porque sei que é o grande interesse. Apenas, confesso que não sei nem por

onde começar.

18 de novembro às 21:47 · Curtir · 1

Sujeito 3 Deixa ter, ...........(sujeito 1). Ficar tentando iluminar teimoso é gastar fluidos

energéticos à toa. Simbora impulsionar quem tá a fim de crescer e compartilhar as

traquinagens.

E olha só que legal, prá você que tá ficando véio...

http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/11/os-50-sao-os-novos-30.html

Os 50 são os novos 30 revistaepoca.globo.com

Com mais saúde, beleza e dinheiro no bolso, menos responsabilidades e

encanações...Ver mais

18 de novembro às 23:13 via · Curtir · 1

Sujeito 2 Dispensável o comentário antipático, precipitado [visto que não me

conhece], se permite a crítica Sujeito 3? Ainda, teria curiosidade para saber o que

entende por *crescer* e *compartilhar*?! Pode ser?

18 de novembro às 23:24 · Curtir · 1

Sujeito 3 Pode sim, ..........(Sujeito 2) No início fiquei sem entender o seu comentário,

já que não a conheço e nem fiz qualquer comentário antipático direcionado a você ou

outra pessoa. Eu recebo as mensagens em meu e-mail e quando respondi ao

...........(sujeito 1), foi por essa via e me dirigia apenas a ele, tendo como parâmetros

assuntos que nós dois discutimos sobre barreiras e resistências que comumente

enfrentamos como educadores.

Quando entrei no Facebook é que entendi ser uma mensagem compartilhada na lista e

o posicionamento do meu comentário em relação aos de vocês. Não tinha nenhuma

intenção de direcionar a você e aos demais membros da lista um comentário menos

educado, então, desculpe pela confusão e espero ter esclarecido a situação.

Page 183: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

183

18 de novembro às 23:59 via · Editado · Curtir · 2

Sujeito 2 Sou da Paz, e agora entendo sim. Ok! A gente tece coments informais entre

amigos, sei como é. #Falamos!!

19 de novembro às 13:07 · Curtir · 1

Figura 8 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva II

Fonte: a autora.

Diferente da Situação analisada anteriormente, esta interação ocorre em um espaço livre, no

qual não há hierarquia nem responsáveis diretos pela mediação e avaliação, as interações não

são planejadas com objetivos sistemáticos e as diferentes motivações dos sujeitos se

interpenetram em um fluxo dialógico, polifônico, conflituoso ou não, de compartilhamento ou

de negação de saberes.

Refletindo sobre a existência de algum tipo de controle nestes ambientes, estes grupos são

formados pela iniciativa de uma ou mais pessoas, que com senha de organizador convida

outros membros ou acata solicitações de inclusão, podendo excluir aqueles que por algum

motivo prejudiquem os objetivos do grupo. Também o gerenciamento da própria rede

Facebook atua excluindo e denunciando perfis com comportamentos inadequados. Entretanto,

é óbvio que a liberdade de ação/expressão/interação é MUITO maior que nos ambientes de

Page 184: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

184

ensino formal, e até atingir o nível de inadequação que exclui o sujeito, há uma grande

margem de atuação que permite uma expressão mais livre de julgamentos e aceite dos outros.

1.2.1. Categorias Estruturantes Identificadas

A análise da situação apresentada demonstra a construção pelos sujeitos da interação de

esquemas mais amplos e flexíveis e do desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores,

caracterizadas pelo controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade

em relação ao momento e espaço presentes. As categorias estruturantes que identifico como

mais presentes neste processo são: Pensamento Generalizante, Diferenciação, Comando dos

tipos de representações e Pensamento Intuitivo.

O Pensamento Generalizante enquanto ordenação do real, agrupando objetos, eventos e

situações em uma mesma categoria conceitual a mediar a relação do sujeito com o objeto está

claro na primeira fala do sujeito 2, quando, declarando não ter conhecimento sobre o assunto

em discussão – jogos digitais - estabelece uma relação com a utilidades das aprendizagens e o

conteúdo obrigatórios nos currículos básicos para se pronunciar sobre a possibilidade ou não

da utilização desses jogos em processos formais de ensino. Além desta categoria, identifico

ainda no esforço de compreensão deste sujeito e participação na discussão, a presença do

Pensamento Intuitivo. Buscando captar o sentido, o alcance da situação, este sujeito se lança

com palpites sem utilizar o rigor do pensamento analítico.

O Pensamento Generalizante também está presente na atuação do Sujeito 3, que confessa ao

ter recebido por email a mensagem postada na rede pelo sujeito 2, responder com o

pressuposto de tratar-se de postura resistente de educadores à utilização dos referidos jogos,

agrupando então eventos e situações em uma mesma categoria conceitual que passa a mediar

a sua relação com aquela postagem.

A Diferenciação, compreendida enquanto processo de individuação que progressiva também

se manifesta com clareza na atuação dos sujeitos citados, até mesmo com a presença do

conflito eu-outro, que permanece na vida adulta em situações como esta. Os sujeitos 1 e 3,

como relatado na justificativa do sujeito 3 ao seu “comentário antipático”, partilham a

construção de sentido em relação a utilização dos jogos nos processos formais de educação,

pesquisando, experimentando, divulgando o assunto. Esta assunção de posicionamento

Page 185: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

185

conceitual, principalmente tratando-se de tema não consensual, caracteriza o processo de

individuação dos sujeitos frente aos coletivos.

A individuação também está presente na atuação do sujeito 2, tanto ao posicionar-se

refratária às posturas colocadas pelos demais em relação ao assunto, quanto no momento em

que reage ao comentário do sujeito 3, tanto apontando o caráter “antipático” do seu

comentário quanto ao concordar com o fim do embate, afirmando “Sou da PAZ.”

Ao elaborar de forma complexa as representações do mundo da experiência possível, os

sujeitos da interação em análise demonstram desenvolver o Comando dos Tipos de

Representações. O sujeito 1 traz um texto de um outro espaço para ilustrar a difusão que

objetiva fomentar, anexa o link que permite o acesso a esta mensagem e usa a linguagem de

forma irônica – “joguinhos” e com pertinência ao universo da mediação telemática, através do

uso do símbolo “:-)” próprio deste espaço.

O sujeito 2 e sujeito 3 também trazem conteúdos de outros espaços e utilizam símbolos

próprios do espaço virtual/atual, a exemplo: anexar links , incorporar na fala expressões da

língua inglesa - “ coments” - e utilizar gírias, sem a preocupação com a formalidade na

expressão escrita - “Simbora” , “#Falamos”.

1.2.2. Interfaces para Análise

a) Epistemologia e Filosofia Freiriana

No desdobrar das interfaces, é clara a presença da Comunicação como ato cognoscitivo,

como afirma a Epistemologia Freiriana. O diálogo comunicante ou a comunicação dialógica é

característica nesta situação em que sujeitos livres trocam pensamentos e posicionamentos

sobre conteúdos específicos, sem uma relação de hierarquia que oprima ou cale as vozes

conflitantes. Como pares que dialogam em uma linguagem de sentido compartilhado,

constroem seus argumentos com conteúdos da área de educação (são educadores) e da cultura

tecnológica, utilizando expressões simbólicas próprias e compartilhadas em ambientes

virtuais/atuais.

A dimensão da Libertação, também na perspectiva Freiriana, está presente na atuação dos

sujeitos em posicionar-se sobre temas do seu interesse, concordando ou discordando entre si,

mas buscando a garantia do seu direito de pensar/assumir posição sobre estes temas.

Page 186: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

186

b) Organização Autopoiética

Identifico na atuação dos sujeitos em análise, a Organização Autopoiética, conceito da

Biologia da Cognição que amplia a perspectiva, ao considerar que o ato de conhecer vai além

do processamento de informações de um mundo que existe antes da experiência do

observador, posto que os seres vivos são autônomos, produzem a si próprios ao interagir com

o meio, em uma dinâmica circular de Autonomia e Dependência que constroem uma à outra.

A atuação do sujeito 2 provocou uma reação impensada do sujeito 3, que frente ao confronto

instalado a partir do seu “equívoco” de comunicação ao direcionar a um único amigo o

comentário que de fato chegaria para todos do grupo, teve que reestruturar seu

posicionamento, buscando postura mais respeitosa e dialógica, exercitando autonomamente

mecanismo de defesa frente à dependência de uma atitude coletivamente considerada como

adequada a ambientes de discussão como aquele.

A mesma postura cíclica de alternar seus posicionamentos e tons atribuídos aos conteúdos, é

claro nas três participações do sujeito 2, posicionando-se livremente na primeira atuação,

reagindo defensivamente na segunda atuação e pactuando o fim do conflito com um claro

desconforto na situação em que se via, o que a meu ver caracteriza a Autoprodução na

Interação com o Meio e Acoplamento Estrutural. Para a Biologia da cognição, a

aprendizagem é expressão deste acoplamento que mantém permanente compatibilidade entre

o funcionamento do organismo e o meio no qual este atua.

1.3. INTERAÇÃO DECORRENTE DE CAMPANHAS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL

DESENVOLVIDAS ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS

Quadro 7 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva – Interação decorrente de

Campanhas de Mobilização social

AMBIENTE Campanhas de mobilização que circulam nas redes

sociais, com interconexão a diversos outros espaços

da web, através dos compartilhamentos de conteúdo

nestes diferentes espaços.

SUJEITOS Cidadãos do mundo, atuando publicamente através

da web.

RELAÇÃO Sujeitos que dialogam entre iguais sem nenhuma

relação de hierarquia ou necessariamente

conhecerem-se de outros espaços.

MOTIVAÇÃO Manifestar e difundir opinião pessoal ou de grupos

organizados, sobre tema de interesse coletivo,

ligado a movimentos sociais, políticas públicas etc.

LOCALIZAÇÃO Rede social facebook, setembro a novembro/2012

Page 187: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

187

Retomo aqui reflexões postas no capítulo dedicado à discussão sobre o virtual/atual/real,

trazendo para a análise desta situação em foco, contribuições de Marco Silva (2003) e André

Lemos (2003). Reflete Silva (2003) que o ambiente comunicacional contemporâneo,

redefinido pelas tecnologias digitais interativas traz uma mudança paradigmática na teoria e

na pragmática comunicacionais, “há uma modificação radical no esquema clássico da

informação baseado na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor” (2003, p. 264), na

qual: 1. o emissor não emite mais uma mensagem fechada, mas um leque de possibilidades à

manipulação do receptor; 2. a mensagem é agora aberta, modificável por aquele que a

consulta; 3. o receptor é convidado a criar livremente, dando sentido à mensagem através da

sua intervenção.

Também sobre as mudanças na pragmática comunicacional, Lemos (2003) diferencia a

comunicação de massa da comunicação gerada pelas tecnologias digitais, posto que estas

geram um fluxo que coloca todos para todos, em uma capilaridade que impede uma edição

centralizada e permite a livre circulação da informação. Neste modelo comunicacional

dialógico e bidirecional, todos são potencialmente agentes desafiadores, visto que coautores

de um processo de construção coletiva que se dá em rede.

Neste contexto, cidadãos do mundo, livremente, têm utilizado as redes sociais para expressão

individual ou de movimentos coletivos, sobre os mais diversos assuntos, desde questões

altamente nefastas como a pedofilia ou o neonazismo, até as denúncias mais relevantes social

e politicamente em prol dos Direitos Humanos ou da defesa do ambiente e dos grupos

minoritários. São vários os exemplos de campanhas como estas que circulam diariamente na

rede mundial de computadores, alastrando-se sem possibilidade de controle por um órgão

centralizador, em uma velocidade admirável e “contaminando” vários espaços e redes sociais

diferenciadas.

Registre-se que o acesso a esta inserção digital não é igualmente democrático em todos os

lugares do mundo e mesmo nos países com maiores índices de acesso, o exercício real da

cidadania nestes espaços não é a realidade para a maioria. Acessar a informação é apenas o

primeiro passo desta inserção, uma atuação autônoma implica na capacidade de selecionar

estas informações, reconhecer os discursos subliminares, conhecer os caminhos para a busca

de outras informações, outros olhares, enfim, saber “ler” os códigos e símbolos partilhados

neste espaço e por este coletivo. O reconhecimento desta situação não diminui entretanto o

reconhecimento do potencial de comunicação autônoma e difusão de informações,

Page 188: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

188

possibilitado pelas redes sociais da web, constituindo estes espaços, no contexto

contemporâneo, “brechas” para a manifestação de pensamentos discordantes e difusão de

perspectivas outras que não as hegemônicas.

Selecionei alguns exemplos para ilustrar este fenômeno no que tem de similar, mas

desenvolverei análise mais detida de uma destas campanhas em particular. O primeiro

exemplo que trago é da mobilização pela devolução aos pais biológicos de cinco crianças

irregularmente tiradas de sua família de origem – lavradores de extrema condição de pobreza

material, do sertão da Bahia - e entregues em adoção a famílias de classe média de São Paulo.

Figura 9 – Exemplo 1 de Campanha de Mobilização Social

O endereço eletrônico do site oficial de uma rede de comunicação é compartilhado no

facebook, e em um movimento multiplicador por diferentes redes de sujeitos os mais diversos,

este conteúdo vai migrando de uma para outra rede de relações, difundindo um determinado

conteúdo, sensibilizando e mobilizando a opinião pública sobre o tema em foco. A imagem

copiada em 29/11/12 mostra 84.612 (oitenta e quatro mil, seiscentos e doze)

compartilhamentos e 2.136 (dois mil, cento e trinta e seis comentários), que certamente não é

o quantitativo do total de compartilhamentos e comentários que ocorreu em toda a rede, mas

apenas representa um nó desta rede com interconexões variadas.

Page 189: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

189

É certo que esta campanha ganhou força midiática inegável a partir de reportagem transmitida

pelo Programa “Fantástico” da Rede Globo, entretanto, a pressão social e fortalecimento da

opinião pública em relação ao tema, teve também significativa influência das interações

ocorridas nas redes sociais da web.

Sem o apoio da mídia de massa, pode ser citada a campanha mobilizada nas redes sociais pela

garantia do direito da comunidade indígena dos Guarani-Kaiowá permanecerem nas terras que

vivem desde os seus ancestrais, no interior do Mato Grosso do sul. Esta comunidade estava

correndo sério risco de genocídio em função de despejo de suas terras, decretado pela Justiça

Federal e a mídia de massa se omitindo em relação à questão.

Em um site construído especificamente para a coleta de adesão a campanhas online foi

deflagrada a campanha direcionada à Presidência do país, solicitando providências. O

endereço deste site é compartilhado nas redes sociais e em processo semelhante ao

apresentado acima, este conteúdo é partilhado/compartilhado em diferentes redes.

Figura 10 – Exemplo 2 de Campanha de Mobilização Social

Nas situações apresentadas, corrobora-se o potencial de comunicação em fluxo dialógico e

bidirecional oportunizado pela mediação das tecnologias digitais disponíveis na

contemporaneidade, retratando uma atuação que Freire nomeia “consciência transitiva

crítica” - a consciência articulada com a práxis, ao mesmo tempo desafiadora e

transformadora, e que só é alcançada com o diálogo crítico, a fala e a convivência.

Page 190: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

190

Considerando a libertação como condição essencial de humanização de homens e mulheres,

objetivo fim de qualquer processo educativo, Freire aponta a conscientização e o diálogo

como os caminhos para esta libertação, que por sua vez, constitui condição de autoafirmação

do sujeito.

A campanha que selecionei para desenvolver a análise cognitiva mais detidamente, diz

respeito à implantação de cotas21

nas Universidades Públicas. Com o foco das mídias de

massa no Supremo Tribunal Federal em função do julgamento de caso de corrupção

envolvendo nomes importantes da política nacional, e sendo o Ministro Joaquim Barbosa

relator do referido processo, seu nome ganha significativa projeção nas mídias em geral,

sendo sua imagem utilizada em diversas campanhas deflagradas na rede, a maior parte

possivelmente sem seu conhecimento ou consentimento. Aliada a este contexto de projeção, o

fato do Ministro ser negro gerou várias associações com a questão da igualdade étnico-racial

no país e da luta do povo negro pelos seus diretos.

Independente do conhecimento ou consentimento do Ministro, sua imagem foi incorporada

entre outras, a duas campanhas opostas que circularam no facebook no mês de novembro/12,

a primeira associando-o a um caso de sucesso independente das cotas de acesso às

Universidades Públicas e uma outra, claramente em resposta à primeira, lembrando a posição

pública do Ministro em favor das referidas cotas, inclusive com seu voto quando a questão foi

julgada no Supremo Tribunal de Justiça.

Em ambas as situações de interação deflagradas, os sujeitos alternam-se em posturas

favoráveis e contra as cotas, emitindo ainda juízos de valor sobre a figura do Ministro e suas

manifestações.

Transcrevo a seguir o registro na íntegra das duas discussões selecionadas, que foram

desenvolvidas em duas redes diferentes de sujeitos, posto que no facebook as redes se formam

tendo um sujeito como elemento articulador. Para preservar a identidade dos sujeitos,

substitui seus nomes por uma identificação numérica.

21

Reserva de vagas para alunos provenientes de escolas públicas, resguardada a proporção de pertencimento

étnico/racial em cada estado.

Page 191: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

191

Figura 11 – Exemplo 3 de Campanha de Mobilização Social

Sujeito 1

Assinar · 23 de novembro

ELE Ñ PRECISOU DE COTAS. Curtir · Compartilhar

530 pessoas curtiram isto.

23.430 compartilhamentos

Sujeito 2 Teoricamente somos todos iguais, mas na prática é isso que acontece? Pq um entre milhões conseguiu estudar, não significa que a sociedade é

igualitária, isso não justifica perpetuar esse estado de desigualdade social. Sem dúvida ele é um bom argumento para os que são contra os mecanismos de

promoção a igualdade social!

24 de novembro às 15:38 · Curtir · 24

Sujeito 3 . ele é exceção... 1 negro presidindo o STF em quase 100 anos... é claro que precisamos de cotas (e, aliás, o desempenho dos cotistas nas universidades

públicas é MELHOR do que os não cotistas)...http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,desempenho-de-cotistas-fica-acima-da-media,582324,0.htm

24 de novembro às 16:58 · Curtir · 11

Sujeito 3. aliás de novo... o Joaquim Barbosa É A FAVOR das cotas!

24 de novembro às 16:59 · Curtir · 19

.http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-26/voto-de-joaquim-barbosa-e-quinto-do-supremo-favor-das-cotas-raciais-em-universidades

24 de novembro às 17:00 · Curtir · 4

Sujeito 4 Eu acho que o negro que pede cotas não merece minha consideração de irmaõ negro e sim de um derrotado.

24 de novembro às 21:02 · Curtir · 26

Page 192: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

192

Figura 12 – Exemplo 4 de Campanha de Mobilização Social

Sujeito 1 Ministro Joaquim Barbosa AFIRMA que ações afirmativas concretizam princípio constitucional da igualdade

O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ministro Ricardo

Lewandowski, e afirmou que sua manifestação foi tão convincente e abrangente que praticamente esgotou o tema. "O voto de Vossa Excelência está em sintonia

com o que há de mais moderno na literatura sobre o tema", afirmou.

Autor de vários artigos doutrinários sobre a questão, o ministro Joaquim Barbosa reproduziu parte de um texto que escreveu há mais de 10 anos intitulado "O

debate constitucional sobre as ações afirmativas" e fez declarações pontuais para demonstrar o que pensa ser essencial em matéria de discriminação.

"Acho que a discriminação, como componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se de uma roupagem competitiva. O que está em

jogo aqui é, em certa medida, competição: é o espectro competitivo que germina em todas as sociedades. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos

os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o discriminado", afirmou.

Para o ministro, daí resulta, inevitavelmente, que aos esforços de uns em prol da concretização da igualdade se contraponham os interesses de outros na

manutenção do status quo. "É natural, portanto, que as ações afirmativas – mecanismo jurídico concebido com vistas a quebrar essa dinâmica perversa –, sofram

o influxo dessas forças contrapostas e atraiam considerável resistência, sobretudo, é claro, da parte daqueles que historicamente se beneficiam ou se beneficiaram

da discriminação de que são vítimas os grupos minoritários", enfatizou.

O ministro Joaquim Barbosa definiu as ações afirmativas como políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à

neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. "A igualdade deixa de ser

simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade", ressaltou.

O ministro lembrou que as ações afirmativas não são ações típicas de governos, podendo ser adotadas pela iniciativa privada e até pelo Poder Judiciário, em

casos extremos. "Há, no Direito Comparado, vários casos de medidas de ações afirmativas desenhadas pelo Poder Judiciário em casos em que a discriminação é

tão flagrante e a exclusão é tão absoluta, que o Judiciário não teve outra alternativa senão, ele próprio, determinar e desenhar medidas de ação afirmativa, como

ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, especialmente em alguns estados do sul", afirmou o ministro.

Ele ressaltou também que nenhuma nação obtém o respeito no plano internacional enquanto mantém, no plano interno, grupos populacionais discriminados.

"Não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de Nação que tenha se erguido de uma

condição periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de

exclusão, aberta ou dissimulada – pouco importa! Legal ou meramente estrutural ou histórica, pouco importa! –, em relação a uma parcela expressiva da sua

população", asseverou.

FONTE: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/cotas-para-negros/13972-cotas-raciais-o-voto-do-ministro-joaquim-barbosa

Cotas raciais: O voto do Ministro Joaquim Barbosa - Portal Geledés

www.geledes.org.br

O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de Descumpri...Ver mais

24 de novembro às 13:04 · Curtir · 167

Page 193: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

193

Sujeito 2 Sim, teriamos 50% de negros nesse quadro, mas o que importa é a quantidade ou a qualidade? Precisamos de número para aparentar uma igualdade ou

de competentes nos lugares certos para buscá-la? Competência se conquista com esforço, com trabalho e abnegação, não com privilégios. Privilégio come direito.

Segunda às 13:47 · Curtir · 13

Sujeito 3 Cérebro não tem cor..........isso e que importa!

Segunda às 13:50 · Curtir · 17

Sujeito 4 É bom agente lembrar q o ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva manifestou interesse na nomeação do Ministro Joaquim Barbosa, coisa q os

anteriores ex-presidente passaram e nem lembraram de colocar nenhum negro ou negra pra ocupar esse espaço. Agora ñ deixamos de observar, qts situações o

Ministro passou pra chegar até ai, fica pra pensar!.... será q aqueles brancos preconceituosos q estão lá passaram por essas situações, só pra pensar? E é

importante lembra q tem mts Jaoquim Barbosa por ai injustiçado nesse triste belo País.

Segunda às 14:42 · Curtir · 24

Sujeito 5 Leiam e não tentem usar a figura de uma pessoa integra para tentar colocar suas ideias atrasadas e medíocres para opinião pública vão se informar

mais.....

Segunda às 16:09 · Curtir · 10

Sujeito 6 pra mim não foi negro branco ou amarelo que asumio o cargo de presedentedo STJ foi um sidadão chmado Juaquim Barbosa

Segunda às 19:03 · Curtir · 6

Sujeito 7 Só por que o cara é negro, a mídia faz essa festa!

Segunda às 23:52 · Curtir · 1

Sujeito 8 questionável apenas o paradigma de que "lei não se discute, se cumpre"... mas o mérito é de excelente tom!

Terça às 00:12 · Curtir · 10

Sujeito 9 O Ministro age como um déspota quando diz que lei não se discute,se discute sim!!

Terça às 09:08 · Curtir · 8

Sujeito 10 Perdeu meu voto.

Terça às 10:52 · Curtir · 1

Sujeito 11 Os corruptos neste País, sempre são outros e muitos de nós jamais se manifesta como julgadores do voto que não se deveria ser dado, eles continuam

sendo eleitos e protegidos pela Lei. É assim que percebemos como o sujeito Negro neste País, não pode expressar as suas vivências históricas de ausência

constante dos fatores que nos possibilitaríamos ser menos desfavorecidos. Lamentável, que tristeza.

Terça às 12:06 · Curtir · 2

Sujeito 12 vivemos em uma democracia e a opinião de todos merece respeito, mas ainda acredito que se a educação publica sofresse verdadeira melhoria todos,

independente de cor ou dinheiro teriam chances iguais, e nao vejo como eu estar errada. As cotas vao manter a educação publica no mesmo patamar de

mediocridade e ainda causa grande mal estar dentro das universidades.

Terça às 12:34 · Curtir · 15

Sujeito 13 ............, você está muito enganada. Leia um pouco de Munanga e Lilia que você vai perceber além do que você está vendo. Depois, o Reitor da

UFRPE fez uma pesquisa recente e as cotas estão favorecendo e muito aqueles que historicamente são excluídos, segregados e, mais ainda, a evasão está maior

entre os não-cotistas, da mesma forma o desempenho dos cotistas está equiparado aos não cotistas. Leia um pouco mais sobre racismo institucional e nas escolas

que você perceberá o quanto os negrosl são colocados como sub-humanos.

Ontem às 00:03 · Curtir · 10

Sujeito 13 Não, Lei não se discute, depois que se torna Lei em todos os seus trâmites legais, não se discute, são para ser cumpridas. É por isso que temos essa

cultura nojenta em nosso país de leis que pegam e aquelas que não saem do papel. O incrível é que esse estardalhaço todo é apenas por causa de dar mais

oportunidades para os negros. Se a lei beneficiasse mais ainda essa sociedade branca, duvido que alguém questionasse.

Ontem às 00:06 · Curtir · 9

Page 194: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

194

Sujeito 14 O nobre ministro Barbosa,que anda em dúvida entre o Supremo e as artes cênicas,diz que lei não se discute,mas quer alterar as leis que para ele não

são covenientes como a que criou o Tribunal militar e a que escolhe os Ministros do Supremo.

Ontem às 01:27 · Curtir · 3

Sujeito 12 ........, não concordo, não aceito discriminações, sou nordestina e sei que sofremos discriminações, mas temos que ser superiores a tudo isso, e com

toda certeza se tivessemos ensino público no ensino fundamental e médio de boa qualidade todos teriam chances e entrariam nas universidades sem sofrimento,

preparados para enfrentar uma academia, um lugar onde se produz ciência, conhecimento. Manter as cotas significa manter a má qualidade no ensino público

anterior à universidade e isso é um problema gravissimo para qualquer país sério. Quem neste país agora está se preocupando com a educação? O governo calou

a boca dos menos favorecidos com as cotas, esta é a verdade!

Quarta às 18:25 · Curtir · 5

Sujeito 12 E o próximo passo do Governo será jogar as universidades públicas contra a opinião pública, até conseguir acabar de vez com elas. Quem viver verá.

Ontem às 18:27 · Curtir · 5

Figura 13 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva III

Fonte: a autora.

1.3.1. Categorias Estruturantes Identificadas

Buscando as categorias estruturantes que indicam na matriz de análise aqui utilizada, a

AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES

PSICOLÓGICAS SUPERIORES, identifico nos processos cognitivos dos sujeitos das

interações acima: Internalização e Desenvolvimento de Sistemas Simbólicos, Pensamento

Generalizante, Diferenciação/Individuação, e Comando dos Tipos de Representações.

A internalização e desenvolvimento de sistemas simbólicos para organizar os signos em

estruturas mais complexas está claro em muitos trechos da interação, quando os sujeitos

trazem informações e linguagens de outras fontes – a exemplo um site da web ou um

Page 195: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

195

referencial acadêmico, estabelecem uma análise histórica do processo ou buscam o aparato

legal para fundamentar suas colocações:

[...] Pq um entre milhões conseguiu estudar, não significa que a sociedade é

igualitária, isso não justifica perpetuar esse estado de desigualdade social

[...] ele é exceção... 1 negro presidindo o STF em quase 100 anos... é claro que

precisamos de cotas

[...] É por isso que temos essa cultura nojenta em nosso país de leis que pegam e

aquelas que não saem do papel

[...] você está muito enganada. Leia um pouco de Munanga e Lilia que você vai

perceber além do que você está vendo

O Pensamento Generalizante transforma a linguagem em um instrumento do pensamento,

ordenando o real, agrupando objetos, eventos e situações em uma mesma categoria conceitual

que mediará a relação do sujeito com o objeto. Esta estrutura de pensamento está presente nas

interações em análise, quando os sujeitos trazem fatos, conceitos e ideologias já fortemente

consolidadas no pensamento público para fortalecer a sua argumentação:

[...] Competência se conquista com esforço, com trabalho e abnegação, não com

privilégios.

[...] será q aqueles brancos preconceituosos q estão lá passaram por essas situações,

só pra pensar? E é importante lembra q tem mts Jaoquim Barbosa por ai injustiçado

nesse triste belo País

[...] Os corruptos neste País, sempre são outros e muitos de nós jamais se manifesta

como julgadores do voto que não se deveria ser dado, eles continuam sendo eleitos e

protegidos pela Lei

A Diferenciação/Individuação, ação na qual o sujeito se constrói enquanto indivíduo,

diferenciando-se do coletivo e afirmando sua autonomia de pensamento, está presente em

praticamente todas as falas das interações acima, posto que em todas elas os sujeitos se

colocam, defendem pontos de vista e contrapõem pensamentos discordantes. Alguns trechos

são mais ilustrativos deste processo, quando retratam sujeitos que simplesmente exprimem

seu ponto de vista sem nenhuma preocupação de argumento ou convencimento a outrem.

Eu acho que o negro que pede cotas não merece minha consideração de irmaõ negro

e sim de um derrotado.

Só por que o cara é negro, a mídia faz essa festa!

Perdeu meu voto.

Para Bruner, em seu processo de desenvolvimento intelectual, o ser humano vai tornando-se

apto a comandar os tipos de representações, sendo o último passo deste processo, tornar as

palavras “veículos para penetrar nas categorias do possível, do condicional, do condicional

contra-atual” (BRUNER, 1969, p. 28), dominando assim a capacidade de elaborar de forma

complexa, representações do mundo da experiência possível. O texto do Sujeito 1 da

Page 196: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

196

Campanha 2, que lança a provocação/resposta é ilustrativo desta elaboração complexa, tanto

na forma com que o mesmo constrói o texto, selecionando trechos específicos e articulando os

trechos que recorta, quanto no discurso do Ministro, copiado em vários trechos:

O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ministro Ricardo

Lewandowski, e afirmou que sua manifestação foi tão convincente e abrangente que

praticamente esgotou o tema. (...)

O ministro lembrou que as ações afirmativas não são ações típicas de governos,

podendo ser adotadas pela iniciativa privada e até pelo Poder Judiciário, em casos

extremos. "Há, no Direito Comparado, vários casos de medidas de ações afirmativas

desenhadas pelo Poder Judiciário em casos em que a discriminação é tão flagrante e

a exclusão é tão absoluta, que o Judiciário não teve outra alternativa senão, ele

próprio, determinar e desenhar medidas de ação afirmativa, como ocorreu, por

exemplo, nos Estados Unidos, especialmente em alguns estados do sul", afirmou o

ministro.

. (...) nenhuma nação obtém o respeito no plano internacional enquanto mantém, no

plano interno, grupos populacionais discriminados. "Não se deve perder de vista o

fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo

de Nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência

econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no

plano doméstico, uma política de exclusão, aberta ou dissimulada – pouco importa!

Legal ou meramente estrutural ou histórica, pouco importa! –, em relação a uma

parcela expressiva da sua população", asseverou.

FONTE: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/cotas-para-

negros/13972-cotas-raciais-o-voto-do-ministro-joaquim-barbosa

1.3.2. Interfaces para Análise

a) Epistemologia e Filosofia Freiriana

Abrindo o leque das possibilidades de interface na análise destas interações cognitivas,

retomo os marcos teóricos da Filosofia e Epistemologia Freiriana, já inicialmente postos na

análise inicial acima. Para Freire, o mundo social e humano só existe a partir da

comunicabilidade, é a intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo

cultural e histórico, estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto.

Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples relação do sujeito

cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação comunicativa entre sujeitos

cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.

(FREIRE, 1985, p. 65)

Como exigência existencial, é o diálogo que possibilita a comunicação permitindo que os

sujeitos dialogantes ultrapassem a dimensão da vivência imediata. Limitado a sua forma

inicial de concepção sobre o objeto, construída nas interações com o seu contexto vivencial

direto, os sujeitos se abrem a novas dimensões de compreensão do objeto através do diálogo

Page 197: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

197

com os pares. Diálogo comunicativo, que implica no reconhecimento do saber do outro e no

respeito à condição do outro em pensar e deter saberes sobre aquele objeto.

A partir do diálogo e da comunicação, o sujeito chega então à condição última da sua

condição de ser humano: a conscientização. As campanhas de mobilização social e política

através da redes sociais é um exemplo claro de mobilização de sujeitos conscientes do seu

saber e do seu papel no mundo, posto que,enquanto a tomada de consciência é o momento em

que o sujeito se distancia da realidade para percebê-la criticamente, a conscientização é um

passo além, constituindo-se em ação transformadora.

Cabe ainda refletir nesta análise a dimensão da “hospedagem” do mundo do opressor na

consciência do oprimido. Imersa no mundo do opressor, a consciência do oprimido vive uma

dualidade: ao tempo em que hospeda em si os valores, as ideias, a visão de mundo do

dominador e teme a liberdade, a deseja, ansiando pela libertação. Para Freire, o oprimido vive

assim uma luta interna, que precisa deixar de ser individual para ser coletiva:

[...] ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em

comunhão. (FREIRE, 1979, p. 42)

Este olhar amplia a compreensão sobre certas posturas de sujeitos que mesmo vítimas de

situações de subjugo ou exclusão, mantêm a ideologia do opressor em seu olhar sobre o

mundo. Também amplia a compreensão sobre a relevância de ações transformadoras que

nascem do próprio coletivo do qual fazem parte os sujeitos, estas sim com um potencial de

libertação real, pela identificação destes em seu pertencimento social, de gênero, étnico,

religiosa, político etc..

b) Visada Polilógica

Dando continuidade à Análise Cognitiva da situação, buscando outras interfaces, trago agora

a dimensão da Visada Polilógica, especificamente identificando a presença da Atitude crítica

de Radicalidade Aprendente, da Insuficiência da Razão Monológica e da Pluricentralidade do

Sentido.

Compreender a Atitude Crítica de Radicalidade implica em conceber a ciência em sentido

propriamente filosófico, o que pressupõe uma absoluta liberdade de voo. Como atividade

aprendente de conhecimentos, diz respeito ao nosso comum pertencimento ao ente-espécie

Page 198: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

198

humanidade, segundo nossas concretas e históricas condições existenciais (ambientais,

corporais, materiais, simbólicas). Os sujeitos que interagem cognitivamente na situação em

análise, voam livremente em seu filosofar, autorizando-se a declarar o seu conhecer que,

embora individual, é obviamente implicado com as condições existenciais concretas destes

sujeitos:

[...] não concordo, não aceito discriminações, sou nordestina e sei que sofremos

discriminações, mas temos que ser superiores a tudo isso, e com toda certeza se

tivéssemos ensino público no ensino fundamental e médio de boa qualidade todos

teriam chances e entrariam nas universidades sem sofrimento [...] manter as cotas

significa manter a má qualidade no ensino público anterior à universidade [...]

Teoricamente somos todos iguais, mas na prática é isso que acontece? Pq um entre

milhões conseguiu estudar, não significa que a sociedade é igualitária, isso não

justifica perpetuar esse estado de desigualdade social. Sem dúvida ele é um bom

argumento para os que são contra os mecanismos de promoção a igualdade social!

Na Visada Polilógica, ao pretendermos descrever acontecimentos aprendentes, devemos

buscar silenciar o acúmulo de representações do sentido, realizando assim um retorno radical

sobre nós mesmos, em uma atitude aprendente que não se deixe levar pelo que se impõe como

lei estabelecida, excludente. É assim o filosofar como fundação e realização do próprio ser-

sendo na sua incorrigível policentralidade. Considerar o fenômeno humano a partir de uma

visada polilógica, implica na compreensão de que uma centralidade onipotente e onipresente

é obtusa e reducionista; implica ainda em compreender que não faz sentido investigar

fenômenos específicos fora de suas concretas condições e circunstâncias.

O trecho do discurso do Ministro, trazido por um dos sujeitos para fundamentar a sua

argumentação, faz em vários momentos este processo de contextualizar o sentido que define

como Ação Afirmativa e o papel do governo brasileiro frente às populações desfavorecidas ou

excluídas:

(...) Não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era

contemporânea, nenhum exemplo de Nação que tenha se erguido de uma condição

periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena

política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão,

aberta ou dissimulada – pouco importa! Legal ou meramente estrutural ou histórica,

pouco importa! –, em relação a uma parcela expressiva da sua população" (...)

O nosso ser é ser-no-mundo-com. Nossa única saída existencial é partir da condição

relacional que nos constitui ontologicamente. Ninguém pode viver a saga única do outro, e

toda pretensão de reduzir o outro a algo que já se conhece não passa de engodo da razão

prepotente. O ser-no-mundo-com é cada um de nós em sua peculiaridade indizível. Esta

perspectiva está muito clara na atuação cognitiva dos sujeitos em análise, que abdicam muitas

vezes do amparo teórico ou do discurso acadêmico referenciado e se legitimam ao colocar-se

Page 199: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

199

do “seu lugar” sócio-histórico-antropológico: nordestino, negro, brasileiro, que também sofre

discriminação; e deste lugar situar o seu saber, o seu conhecer sobre o tema em discussão.

A pluricentralidade da construção do sentido é percebida ao olhar o todo da construção

coletiva estabelecida por estes sujeitos em um ambiente mediado telematicamente. O sentido

ali construído é polilógico, polifônico, polissêmico, não existe fora de concretas condições e

circunstâncias. Não há uma conclusão final, um consenso nem subjugo de ideias em favor de

outras. A nossa comum racionalidade é inadequada para compreensão dos eventos

implicados, posto que nenhuma razão hegemônica pode se sobrepor ao fluxo imprevisível dos

acontecimentos do sentido.

Na perspectiva Polilógica, temos nesta situação em análise um exemplo da pluricentralidade

do sentido e da Insuficiência da Razão Monológica, posto que aqui, muitas são as verdades

e muitos são os caminhos (métodos) para realizá-las. Qualquer ideia, portanto, de

exclusividade e superioridade seria sinal de dominação ideológica deliberada. Por este olhar,

múltiplos são os modos de ser do sentido, por natureza, tudo é singular e plural, e nada se

pode reduzir a um princípio único quantificável, pois tudo o que é possui em si mesmo a

estrutura da diferença ontológica.

1.4. DISCIPLINA OFERECIDA NA MODALIDADE SEMIPRESENCIAL EM CURSO

PRESENCIAL DE GRADUAÇÃO

Quadro 8 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva – Chat em disciplina ofertada na

modalidade semipresencial

AMBIENTE chat - Atividade síncrona desenvolvida na

plataforma Moodle de disciplina oferecida em

formato semipresencial em curso presencial de

Pedagogia.

SUJEITOS Estudantes da disciplina de formação para o uso das

TIC's na educação

RELAÇÃO Colegas de turma

MOTIVAÇÃO Discutir um texto indicado pela docente,

experimentando o recurso chat na plataforma

Moodle

LOCALIZAÇÃO Atividade obrigatória da disciplina, novembro de

2011

Page 200: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

200

Na mesma linha de experimentação que venho desenvolvendo neste capítulo, escolho agora

um formato de interação diferente dos que foram analisados até aqui, por tratar-se de uma

atividade síncrona, por sua natureza, ágil e com os sujeitos interagindo ao mesmo tempo. A

interação em análise durou 01:13h (uma hora e treze minutos) e teve a participação de nove

sujeitos. Transcrevo a seguir alguns trechos da conversa (a transcrição é feita diretamente do

registro na Plataforma Moodle, sem nenhuma alteração) selecionados pela sua relevância

analítica, mas a transcrição na íntegra encontra-se em documento anexo a este trabalho.

Para preservar a identificação dos sujeitos, suprimi os seus nomes, substituindo-os por uma

identificação numérica. Considerando a agilidade da comunicação instantânea, visando

facilitar a compreensão da análise cognitiva desenvolvida, que exigia a identificação da

atuação dos sujeitos individualmente, marquei com cores diferentes as intervenções de cada

sujeito. No documento em anexo, na íntegra, constam ainda algumas observações originais,

marcadas no próprio documento, que deram origem à análise desenvolvida posteriormente e

apresentada a seguir.

TRECHO 1

14:12 Sujeito 1 Oi Liu!

14:12 Sujeito 1: Boa tarde

14:12: Sujeito 2 entrou no chat

14:12: Sujeito 3 entrou no chat

14:12 Sujeito 4: oi thay, vamos conversar um pouco sobre as tec?

14:13 Sujeito 1: vamos

14:13 Sujeito 3: E aí meninas...

14:13 Sujeito 3: O que acharam do texto?

14:13 Sujeito 4: gostei das reflexões feita pelas as colegas sobre a mesma

14:14 Sujeito 3: Eu achei muito interessante

14:14: Sujeito 5 entrou no chat

Page 201: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

201

14:14 Sujeito 2: oi garotas boa tarde..

14:14 Sujeito 5: Boa tardee =)

14:14 Sujeito 4: oi luana, concordo com vc qd falou do texto: um fio de vantagem..

14:14 Sujeito 1: tambem gostei das reflexoes

14:15 Sujeito 3: Percebi que o texto mostra como a tecnologia está presente em nosso cotidiano

14:15: Sujeito 2 abandonou este chat

14:15 Sujeito 4: tmb fiquei mim perguntando, o q esse texto tem a ver com as tics, só depois da leitura q

pude perceber q o mesmo faz toda uma abordegem a respeito desta, desde os primordios

14:16 Sujeito 5: é meninas, os conteúdos estudados, assim como as reflexões e opiniões traçam um

alinha do tempo muito interessante.

14:16 Sujeito 3: Que a mesma está ligada intimamente ao convivio

14:16 Sujeito 5: uma*

14:16 Sujeito 5: concordo Luana.

14:17 Sujeito 5: as necessidades de cada epoca é o que move o desenvolvimento e as novas criações...

14:17 Sujeito 3: E que é quase impossível ficar sem utilizar esses meios tecnológicos

14:17 Sujeito 1: pudemos ver o quanto é importante voltar ao passado e saberque a tecnologia existe

desde os primordios

14:18 Sujeito 3: O texto 2 retrata também o quanto a tecnologia está presente

14:19 Sujeito 3: E que vivemos numa sociedade de informação

TRECHO 2

14:19: Sujeito 6 entrou no chat

14:19: Sujeito 7 entrou no chat

14:19 Sujeito 5: hoje em dia , por exemplo, o uso das tecnologia é fundamental , desde as atividades

mais simples , como uma pesquisa escolar, ou um pate babo, assim como , na busca de tratamentos

especiais

14:19 Sujeito 6: boa tarde

Page 202: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

202

14:19 Sujeito 5: Cleidianeeeee :P

14:19 Sujeito 7: OI PESSOAL SO PASSEI P´RA DA UM OI ESTOU NO ENCONTRO DO EBEPE

14:19 Sujeito 3: que é fruto do pós-industrialismo

14:19 Sujeito 3: oi queridas

14:20 Sujeito 5: como ta aii???

14:20 Sujeito 7: O TEXTO É BEM INTERESANTE

14:20 Sujeito 3: por sermos mundo totalmente capitalista

14:20 Sujeito 7: ta a cara da riqueza

14:20 Sujeito 7: ta bem

14:20 Sujeito 5: Bate*

14:20 Sujeito 7: tenho q ir

14:20 Sujeito 6: q bom q a tecnologia ta te dando a opt de esta falando

14:20 Sujeito 7: se n

14:20 Sujeito 7: valeuu ...

14:20 Sujeito 3: já

14:20 Sujeito 7: o ncarro me deixa

14:21 Sujeito 4: ao ler o texto de levy, achei muito interessante qd em sua fala ele dizia que: "uma

tecnica não nem boa nem má(isto depende do contexto, dos usos e dos pontos de vista", não se trata de

avaliar seus impactos, mas de situar a irreversibilidade as quais um de seus usos nos levaria, de formular

os projetos que exploraria as virtualidades que ela transposta e de decidir o que fazer dela".

14:21 Sujeito 7: beijooooooo

14:21 Sujeito 6: aoreveite aí menia

14:21 Sujeito 5: ai um exemplo das vantagens da tecnologia, nossa colega está lá em Juazeiro, e pode

está contribuindo

TRECHO 3

Page 203: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

203

14:28 Sujeito 2: os docentes nem sempre sabe manusea-los

14:28 Sujeito 2: com certeza Tay

14:28 Sujeito 3: Esse é grande problema Jack

14:29 Sujeito 5: éé Jackeline, muitos não sabem ultilizar .. outros acham muito trabalho

14:29 Sujeito 3: Mas temos que estar preparados

14:29 Sujeito 4: ai jack é onde nos questionamos muitas vezes o profesor tem a tec. mas não sabe como

usalas ne verdade?

14:29 Sujeito 3: senão ficamos para trás

14:29 Sujeito 1: por isso que é tao importante essa disciplina, para nossa formação

14:29 Sujeito 6: mas sabemos q essa é oportunidade de mudarmos

14:29 Sujeito 4: *professor

14:29 Sujeito 6: e devemos ser diferentes

14:30 Sujeito 5: e em muitos lugares os diretores colocam impecilios

14:30 Sujeito 3: A tecnologia causou uma revolução

14:30 Sujeito 2: concordo com vc cicera

14:30 Sujeito 6: vamos aprender a cada dia para ñ fazer parte desse grupo q ñ sabe usar

14:30 Sujeito 5: é isso ai Ciceraa..

14:31 Sujeito 5: e uma otima oportunidade é a proxima ativiidade da disciplina

14:31 Sujeito 1: tambem concordo com cicera

14:31 Sujeito 3: Pois ela tem o poder de influenciar na comunicação, formacçao de economia e muito

mais

14:31 Sujeito 2: enquanto pedagogas temos q estar a cada dia nos atualizando

14:32 Sujeito 6: ela tem tb o poder de excluir quem ñ sabe vai ficar pra traz no mercado de trabalho

14:32 Sujeito 4: com certeza luana, a quetão é: que as tecnologias ao mesmo tempo que é de suma

importância em nossas vidas é tmb uma forma de exclusão..

Page 204: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

204

14:32 Sujeito 3: Esta disciplina esta nos dando a oportunidade de utilizar a tecnologia a nosso favor e de

maneira correta

14:32 Sujeito 1: e verdade luana, ela é comunicação e muito mais

14:32 Sujeito 3: pois estamos construindo conhecimento

14:32: Sujeito 6abandonou este chat

14:32 Sujeito 2: mis não vai ser o nosso caso amiga cicera kkk...

14:33 Sujeito 1: concordo Liu

14:33 Sujeito 5: E o importante é proporcionar aqueles alunos que não tem condições, porque ainda

existem, os que acessam apenas as redes sociais, mas não sabem pesquisar ou ultilzar as imensas

ferramentas da internet, do computador..

TRECHO 4

14:35 Sujeito 3: Tem uma parte do texto que é bem interessante

14:35 Sujeito 3: que diz assim:

14:36 Sujeito 3: O conhecimento e a informação se convertem em elementos fundamentais de geração de

riqueza e de poder na sociedade

14:36: Sujeito 6 entrou no chat

14:37 Sujeito 6: oi

14:37 Sujeito 4: concordo luana.mas ai fica a ?, e os que não tem acesso a esses conhecimentos, é que

são os excluidos.

14:37 Sujeito 5: Luana, de fato é muito interessante e verdadeiro

14:38 Sujeito 5: pq aquelas pessoas que detem o conhecimento e junto a ele o uso das tecnologias , pode

"ganhar o mundo"

14:38 Sujeito 1: é o sistema captalista

14:38 Sujeito 3: Desta forma a tecnologia está presente mesmo que a gente não aceite

14:38 Sujeito 6: isso é verade luana

14:38 Sujeito 4: isso é verdade luana.

14:39 Sujeito 3: hoje está tão rotineiro

Page 205: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

205

14:39 Sujeito 3: celular com acesso a net

14:39 Sujeito 4: eta cícera combinamos a resposta foi? rsrs

14:39 Sujeito 6: kkkkkkkkkkk

14:39 Sujeito 4: kkkkk...

14:40 Sujeito 3: espera um pouco

14:40 Sujeito 1: e para nao ficarmos para tras somo obrigados a aprender sobre as tecnologias

14:41 Sujeito 4: com certeza tay, e sem falar que o que aprendemos hj lá na frente pode não tem mais

tanta utilidade pois, o mundo esta por constante transformações

14:41 Sujeito 6: é mesmo Tay

14:42 Sujeito 4: o mundo esta passando por onstantes transformações,

Figura 14 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva IV

Fonte: a autora.

1.4.1. Categorias Estruturantes Identificadas

Seguindo o caminhar metodológico que venho desenvolvendo neste capítulo, inicio a análise

pela identificação das categorias de AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS /

Page 206: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

206

DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES predominantes na

situação de interação cognitiva. São estas: Elaboração dos sistemas/técnicas para processar e

representar informações; Pensamento generalizante e Qualidade lógica, ‘racional’, da

conceituação.

Segundo Bruner, no desenvolvimento humano há três sistemas funcionando em paralelo, para

processar e representar informações, como fases internas do desenvolvimento: a) através de

manuseio e ação; b) através de organização perceptiva e de imagens; c) como aparelho

simbólico. Para este autor, é a elaboração desses três sistemas de técnicas/três sistemas básicos

de instrumentos que vai permitir ao organismo maduro o uso total das próprias aptidões. Na

situação em análise, é claro o quanto a maior ou menor familiaridade com a ferramenta de

comunicação instantânea – chat – influencia no nível da participação dos sujeitos, na sua

capacidade real de interagir com os pares e de acompanhar o ritmo e lógica das elaborações

conceituais/construções teóricas que ocorrem.

O ritmo da ferramenta de comunicação instantânea cria uma situação de aparente caos, na qual

algumas intervenções parecem ficar “perdidas”, sem que nenhum outro sujeito interaja a partir

delas, outras intervenções aparecem na tela de visualização coletiva fora do contexto da

discussão por um atraso de segundos em relação às intervenções que chegaram antes, e outras

pessoas ainda travam conversações/interações em paralelo à discussão coletiva, que

“atravessam” esta como se ocorressem em situações de intervenção oral em que os sujeitos não

podem captar todas as mensagens emitidas ao mesmo tempo.

Há situações claras nos trechos destacados, nas quais um sujeito faz duas ou três intervenções

seguidas que se constituem em partes de um mesmo raciocínio, como se desconsiderasse as

intervenções outras que foram aparecendo na tela de visualização coletiva. Ou seja,

estabelecendo um paralelo com uma situação de interação oral, é como se ela continuasse a

falar sem pausa, sem ouvir as intervenções dos demais sujeitos. Em outros trechos, dois ou

mais sujeitos estabelecem conversação paralela e fora da temática, utilizando de forma

inadequada o espaço de interação e a ferramenta, obviamente perdendo aspectos da elaboração

coletiva ali em construção.

Por outro lado, alguns sujeitos deste grupo demonstram uma intervenção qualitativamente

significativa, sendo capazes de uma atuação na qual ao mesmo tempo: respondem a

intervenções individuais, estabelecem relações e retomam intervenções feitas há algum tempo

Page 207: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

207

naquela mesma conversação, trazem trechos do texto em discussão para fundamentar sua

argumentação, contrapõem dialeticamente alguma intervenção, ampliando a perspectiva então

colocada sobre a questão abordada. Estes sujeitos possivelmente convergem um embasamento

teórico maior sobre o tema, uma capacidade de organização do pensamento e uma agilidade na

expressão dos seus pensamentos, sendo que neste contexto de mediação telemática, a

familiaridade com a ferramenta ou com a comunicação síncrona, rápida e de aparente caos, lhes

permite uma participação e elaborações qualitativamente superiores.

Vygotsky traz o conceito de Pensamento Generalizante, que se caracteriza por transformar a

linguagem em um instrumento do pensamento, ordenando o real, agrupando objetos, eventos e

situações em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o objeto.

Em uma situação tão específica como a de comunicação instantânea, a linguagem adquire uma

característica muito própria deste ritmo de comunicação, com uma forte característica de

informalidade, semelhança com a linguagem oral, constantes abreviações, termos e símbolos

construídos no espaço web e que não correspondem à escrita convencional da língua

portuguesa, “erros” ou omissões de letras e pontuação que, entretanto, parecem não

comprometer a compreensão da mensagem pelos demais participantes da interação.

Neste contexto de comunicação específica, a linguagem como principal símbolo que estrutura o

pensamento toma também a forma própria para o ritmo e contexto de elaboração cognitiva que

ali se desenvolve. Ágil, abreviada, com interações paralelas, com expressões próprias porém

compartilhadas pelos sujeitos da interação, esta linguagem estrutura o pensamento, ordenando

a percepção destes sujeitos e sua relação com os objetos/eventos/situações. Também por este

argumento, é possível observar que os sujeitos mais competentes no uso desta linguagem

específica, demonstram uma construção qualitativamente mais ampla, bem como uma interação

maior e mais efetiva com os pares.

A outra categoria identificada nas formas como os sujeitos desta interação adquirem estruturas

mentais e desenvolvem as funções psicológicas superiores, é a Qualidade lógica, ‘racional’ da

conceituação. Como afirma Bruner, esta é a forma como o adulto age na busca de informações,

reconhecendo as regularidades em um meio ambiente normalmente complexo, apesar das suas

limitações na capacidade para processar os dados e dos naturais riscos que incorremos em

qualquer ato de julgar ou fazer opções.

Page 208: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

208

Na interação em análise os sujeitos discutem os textos indicados para a atividade, selecionando

destes as mensagens mais significativas, estabelecendo relações com o contexto de vivência

dos sujeitos em geral e o contexto da atuação docente. Apesar de todos os aspectos já

apresentados e analisados acima e as restrições que se identificam na utilização da forma de

diálogo e construção específicos das ferramentas de comunicação instantânea, o objetivo da

atividade é atingido posto que os sujeitos discutem conceitos e constroem elaborações teóricas

a partir deles.

1.4.2. Interfaces para Análise

Na mesma linha metodológica que venho utilizando nas demonstrações feitas anteriormente,

selecionei duas interfaces para o desenvolvimento da análise desta situação de interação com

mediação tecnológica, selecionadas pela identificação da sua pertinência na análise da situação

específica: ORGANIZAÇÃO AUTOPOIÉTICA e AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL

(AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD).

a) Organização Autopoiética

Na interface com a dimensão da Organização Autopoiética, identifico as categorias Autonomia

/ Dependência - Autoprodução na Interação com o Meio e Acoplamento Estrutural na Contínua

Conservação da Autopoiese.

A organização Autopoiética tem mais específico que o sujeito é o seu produto, não havendo

assim separação entre produtor e produto; os seres vivos,e mais especificamente o ser humano,

se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si próprios. Esta forma de

organização é clara na interação em análise, os sujeitos vão se encontrando, se localizando

naquele contexto de mediação telemática, alternando posturas e formas de intervenção na busca

por produzirem a si próprios como seres adaptados àquele contexto específico. Alguns agem

com grande informalidade, como costumam agir nas interlocuções com os colegas fora dos

ambientes supervisionados, ou até para alguns, como agem nas redes sociais; outros mantém

uma postura mais acadêmica, como conscientes de tratar-se de uma atividade formal e que está

sendo registrada para posterior avaliação; outros ainda parecem “tatear” naquele ambiente

completamente estranho, participando de forma esparsa, com timidez, superficialidade ou fora

do contexto da discussão. Podemos observar ainda que os mesmos sujeitos alternam no

Page 209: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

209

decorrer do chat entre estas formas de interação descritas, em um movimento que, a meu ver,

indica a busca pela forma mais coerente, adaptada, confortável, na percepção destes.

Autonomia e dependência constroem uma à outra, numa dinâmica circular. Os seres vivos são

autônomos, isto é, autoprodutores – capazes de produzir seus próprios componentes ao interagir

com o meio: vivem no conhecimento e conhecem no viver. Esta autoprodução é claramente

perceptível conforme a descrição acima, na circularidade dependência/autonomia. Os sujeitos

se colocam individualmente, fazem intervenções, opinam, alternam os formatos mais ou menos

formal, acadêmico, em um exercício de autonomia, mas obviamente que vão experimentando e

”re-situando” sua atuação a partir das intervenções dos pares. Vale ressaltar ainda nesta análise

que a docente não estava participando da discussão ao mesmo tempo, o que possivelmente dava

aos discentes uma sensação maior de liberdade, posto que interagiam naquele momento apenas

com os pares.

O Acoplamento estrutural na contínua conservação da autopoiese é presente/consequente

no contexto acima descrito e analisado, posto que é parte do processo da organização

autopoiética. Determinação e acoplamento estrutural ocorrem na contínua conservação da

autopoiese, estando tudo subordinado a esta conservação. Cada interação organismo-meio é

uma interação específica, na qual o meio atua em contínua seleção das mudanças estruturais

que o organismo viverá em sua ontogenia, da mesma forma que os seres vivos operam como

seletores das mudanças estruturais do meio. Assim, na medida em que os sujeitos vão

alternando formatos de interação/atuação naquele contexto específico de comunicação

instantânea por mediação tecnológica, autônoma e dependentemente observando, reagindo,

adaptando-se a partir da atuação dos pares, o acoplamento estrutural está acontecendo, na

constante busca do ser vivo (e mais especificamente do ser humano) pela conservação da

autopoiese.

b) Ambiente Virtual/Atual (Ava/Aaa) – Educação Sem Distância (Esd)

A outra interface que seleciono para análise dos processos cognitivos que ocorrem nesta

interação é a dimensão do AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL (AVA/AAA) – Educação sem

Distância (EsD). Especificamente nesta interface, identifico fortemente presentes as categorias

da Temporalidade Experienciada Humanamente, a Emergência de um Terceiro incluído:

subjetivações humanas e a Não Determinação da Presença e da Distância.

Page 210: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

210

A interação por mediação telemática que estamos aqui analisando é clara exemplificação desta

interface, maximizada pelo fato de ser uma interação síncrona, ou seja, na qual os sujeitos

atuam ao mesmo tempo. Como consequência direta deste contexto, torna-se necessário

problematizar, aprofundar, resignificar a concepção da temporalidade, distinguir a

temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades transcendentes ao

humano. A temporalidade humana somente pode ser compreendida na temporalidade humana,

comporta diferentes extratos e gradientes de intensidade que se pode descrever por

aproximação e por condizência, mas não se pode explicar como uma coincidência entre os

entes externos e o que é percebido nas subjetivações humanas.

Quando os sujeitos desta interação encontram-se em um espaço de mediação telemática,

colegas com significativo grau de intimidade gerada na convivência em diferentes espaços

formativos, têm uma tarefa a desenvolver: discutir um texto sugerido pela docente, utilizando a

ferramenta de comunicação instantânea – chat. Paralelo às elaborações teóricas do texto há a

vivência na utilização de uma ferramenta de mediação síncrona, e os sujeitos em formação,

futuros docentes desenvolvendo saberes sobre as TICs e a educação, vivem tudo isto – teoria,

prática, desafio, novidade, estranhamento, reflexão, em um sentido do tempo subjetivamente

percebido, que não pode ser analisado sem considerar todas esta implicações.

A familiaridade que alguns já possuem com a vivência deste tipo de interação, as construções

teóricas anteriores que já compõem as estruturas mentais destes sujeitos, o “lugar de poder” –

liderança, respeito, função de monitoria e outros fatores - que cada sujeito ocupa naquele

grupo, são fatores que exercem forte influência nas percepções dos sujeitos em interação

cognitiva. É clara a diversidade na atuação dos sujeitos desta interação em análise: há aqueles

que assumem a função de mediadores, aqueles que permanecem em um lugar de coadjuvante,

aqueles que “entram” e “saem” do ambiente sem nenhuma participação na discussão, aqueles

que desenvolvem um monólogo, mais preocupados em “cumprir a tarefa” e minimizando a

função da interação com os demais e outros diversos “lugares” de exercício cognitivo e

político. Temos aí a Emergência de um Terceiro incluído: as subjetivações humanas, que

certamente estão presentes em muito mais elementos que estes aqui elencados apenas a titulo

de exemplificação.

Necessário agora retomar a discussão do “virtual”, desenvolvida em capítulo anterior, para

situar mais amplamente as categorias aqui analisadas. O “virtual” não é uma “ausência”, mas

uma “presença” pela experiência temporal neuropsíquica,é algo que poderá vir a existir,

Page 211: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

211

acontecer ou praticar-se por meio de uma atualização temporal. Ele é, assim, inerente ao nosso

modo de ser na temporalidade existencial. Por esta compreensão, defendemos a necessidade de

complementar a concepção de AVA com a de Ambiente Atual de Aprendizagem (AAA),

reconhecendo que há “presença” nos processos de interação e construção mediadas

telematicamente. É neste âmbito que aparece a relação adequada entre “real” e “virtual” : tudo

o que é real é também virtual, e tudo o que é virtual é real.

A revolução que as descobertas da mecânica e da física quântica provocaram na compreensão

de Realidade implicam também a resignificação da compreensão de “distância” e de

“presença”. Se no mundo macrofísico a interação entre dois objetos ou entes vai

progressivamente diminuindo à medida que estes se afastam, no mundo quântico a interação

entre as entidades permanece independente de seu afastamento. (NICOLESCU, 1999)

Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a

distância não está determinada. Como caracterizar prioritariamente pela característica

“distância” a uma interação tão significativa, com os resultados, implicações e presença de

subjetivações já analisadas acima? Os sujeitos estão “presentes” cognitivamente na discussão,

atuam cognitiva e politicamente de formas diversas, experimentando, posicionando-se,

relacionando-se. É interessante observar na situação de interação em análise que a própria

ferramenta da plataforma Moodle utiliza os termos “entrou” e “saiu” para referir-se aos

momentos em que os sujeitos permanecem na interação online, e esta percepção é também dos

sujeitos que em sua interação utiliza expressões como “preciso sair agora”, “depois retorno”.

São todos verbos que na língua portuguesa indicam ações da presencialidade e nesta situação

denotam também este mesmo sentido, mesmo que isto não seja claramente percebido e

assumido pelos que usam estes termos.

Page 212: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

212

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicio estas considerações esclarecendo que embora assim nomeadas, as conclusões aqui

apresentadas são finais a esta etapa da investigação mas provisórias em relação a todo o

percurso ainda a percorrer, não apenas para mim pesquisadora, mas para as áreas diretamente

abordadas como as Ciências da Cognição, a Análise Cognitiva, a Epistemologia, a Difusão do

Conhecimento, etc..

O objetivo geral deste trabalho foi a investigação dos processos cognitivos que ocorrem em

ambientes com mediação telemática, buscando identificar se apresentam características

singulares especificas a estes ambientes, com vistas ao desenvolvimento de uma Metodologia

para Análise Cognitiva em contextos telematicamente mediados. No caminho percorrido na

busca por este objetivo resignifiquei conceitos, assumi posturas, desenvolvi diálogos,

estabeleci interfaces, construindo o lastro teórico-epistemológico que fundamenta as

construções alcançadas, em relação aos eixos estruturantes da problemática: Cognição,

Conhecimento, Ambientes Telemáticos e Difusão do Conhecimento.

O lastro teórico aqui desenvolvido, bem como os diálogos estabelecidos entre os autores

selecionados para a composição deste lastro, me permitem concluir pela compreensão de

Cognição e de Processos Cognitivos com o foco necessariamente voltado para o sujeito, na

forma como este percebe, interage, atua, constrói o conhecimento. Ou seja, na forma como o

sujeito adquire novas estruturas mentais (PIAGET, 1969,1970, 1973) cada vez mais amplas e

complexas na medida em que interage com o ambiente e com os pares e é desafiado por

situações novas, desenvolvendo as funções psicológicas superiores (VIGOTSKY, 1984, 1989

e 2000) próprias do ser humano, em busca contínua pela conservação da autopoiese

(MATURANA e VARELA, 2001), experenciando a construção do autoconhecimento em sua

forma singular de ser-aparecendo-desaparecendo (GALEFFI, 2009, 2011 e 2012) e na

constante busca pela Libertação, que só se alcança através da Conscientização (FREIRE,

1979,1985 e1994).

As elaborações teóricas aqui apresentadas trazem ainda o suporte para a constituição de uma

perspectiva crítica da concepção redutora e homogeneizante de ciência e conhecimento,

reconhecendo seu caráter etnocêntrico e excludente (SANTOS, 2001 e 2004), sua falácia na

pretensão de compreender os fenômenos naturais e sociais por leis universais e generalizantes,

Page 213: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

213

sua inadequação à compreensão de um mundo que se reconhece cada vez mais mutável,

relacional e imprevisível (SERPA, 1991 e 2004).

A perspectiva que aqui se apresenta é da superação de toda forma de reducionismo e

imposição de um saber único e definitivo, em prol da afirmação de um saber sempre

provisório e relacional, constituído a partir dos contextos e da subjetividade dos sujeitos que o

constroem. Um saber que se compreende desde o seu nascedouro como incompleto, tentativa,

possibilidade de compreensão de fenômenos complexos e incertos, constituintes de uma

realidade sempre inacabada e caótica, cheia de paradoxos e contradições da ordem e da

desordem, da parte e do todo, do singular e do plural (MORIN, 1999, 2000, 2001, 2003 e

2008).

Compreendendo a realidade como definida essencialmente pelos relacionamentos e pelos

processos, é óbvio reconhecer que as ações e ideias de cada um afetam e são afetadas por

todos os demais, em um processo histórico-social entremeado de subjetividade e que não está

fora do homem e nem da realidade (MATURANA, 2002).

Esta perspectiva reconhece a necessidade da constituição de uma ética comunitária, que

reafirme o inacabamento humano, a necessidade de uma humildade epistemológica e o

reconhecimento da multidimensionalidade de sentidos, da pluralidade de saberes e formas de

convivência e interpretação do mundo, reconhecendo a existência de diferentes e diversos

conhecimentos, que convivem por vezes em um mesmo contexto espaço-temporal, em uma

relação sempre dialética, multirreferencial e complexa (ARDOINO, 1998 e 2003), afetando e

sendo afetados mutuamente.

Compõe ainda as elaborações decorrentes da discussão teórica empreendida nesta tese22

a

compreensão de que a ação cognitiva é condição da Difusão do Conhecimento. Investigar a

Difusão Social do Conhecimento no contexto contemporâneo implica em problematizar/situar

de qual concepção de conhecimento parte esta investigação e reconhecer o lugar do sujeito na

Difusão; investigar a singularidade dos sujeitos em seus processos cognitivos de construção e

apreensão do conhecimento - singularidades, historicidade, subjetividade, imersão cultural e

política.

22

Estas elaborações compõem também o texto escrito em coautoria com o prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Jr.,

conforme nota constante no capítulo II desta tese.

Page 214: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

214

Nesta ordem, não há como propor modelos nem de difusão e nem de modelagem cognitiva,

no sentido comumente utilizado na teoria computacional e empresarial administrativa, como

um receituário ou como um conhecimento verdadeiro em razão de um rigor interno ao sistema

lógico e conceitual que o construiu, mas construir e compreender os processos difusores e

modeladores, comunicativos e cognitivos, a partir dos contextos, das ações singulares dos

sujeitos nos contextos, em estados materiais e simbólicos iniciais e específicos, cuja verdade e

validade serão sempre relativos, transitórios e incompletos. Trata-se de gerar condições e

indicadores para que, sempre que necessário, os sujeitos exerçam sua autonomia na recriação

e atualização destes processos, tornando-se assim capazes também de autoria da escrita da

coisa difusora do conhecimento, bem como do estatuto da condição cognitiva que é inerente

ao ser sujeito. Nestes termos, e só nele, poderemos pensar e expressar um caráter social da

difusão do conhecimento.

A discussão sobre Ambientes Telemáticos passa pela reflexão filosófica sobre o Real, o

Virtual e o Potencial23

e a necessidade de esclarecer os conceitos de atualização e

potencialização, aproximando o virtual do potencial, a potencialização da virtualização – a

ação de potencializar e virtualizar. Na temporalidade humana o passado, o presente e o futuro

formam o acontecimento existencial em seu dinamismo. Ao mesmo tempo somos o que já é,

o que está sendo e o que pode vir a ser. Assim, se o “real” é tomado apenas como “atualidade”

perde-se de vista a temporalidade em sua dinâmica existencial. Buscando em Heidegger: o ser

humano existe na medida em que se projeta como porvir a partir do vigor de ter sido,

atualizando suas funções vitais em um desenvolvimento histórico específico.

A própria mente é a emergência da virtualidade antecipadora por acoplamentos preexistentes

e atualizações instantes. O tempo todo o ser humano se encontra imerso na virtualidade

mental e seus acoplamentos bioquímicos e neuropsíquicos. Mentalmente a nossa

temporalidade é uma dinâmica entre potencialidade e atualidade no âmbito de um Real tecido

em diferentes níveis de Realidade. Um Real que também é um Irreal, um imaterial, um

inexistente, um possível, um potencial. Um Real que se atualiza potencializando e que se

potencializa atualizando em uma dinâmica temporal bem diferente do tempo cronológico.

Então, considerando que a temporalidade humana é ao mesmo tempo o vigente, o instante e a

antecipação, o “virtual” e o “real” compõem os gradientes da percepção humana comum, não

23

Estas elaborações compõem também o texto escrito em coautoria com o prof. Dr. Dante Augusto Galeffi,

conforme nota constante no capítulo III desta tese.

Page 215: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

215

havendo supressão de uma coisa em detrimento de outra e sim “seleção” intencional. Assim,

vamos deixar de lado esta concepção de “real” associado ao verdadeiro e à coisa material, e

vamos ousar compreender o “real” em seus diferentes níveis de Realidade e de percepção,

incluindo o virtual e o potencial, não somente o atual.

É assim que não nos cabe apenas considerar os ambientes mediados telematicamente como

sendo exclusivamente virtuais e potencializadores de puras virtualizações. Eles são também

ambientes atuais porque estão sendo usados por seres humanos que possuem a estrutura

triádica de temporalização, e que diante de tais ambientes estão processando atualizações

neuropsíquicas específicas e diferenciadas. Pois, toda virtualização é sempre uma expressão

da dinâmica existencial humana, pressupondo sempre atualizações e potencializações cíclicas,

de modo semelhante ao nosso modo de existir fático. Nesta compreensão se fundamenta a

substituição do termo “Ambiente Virtual” por “Ambiente Virtual/Atual”, como utilizado na

Matriz de Análise Cognitiva que compõe a metodologia proposta nesta tese especificamente

para ambientes com mediação telemática.

Em consequência, compõe ainda as elaborações desta tese, especificamente no que se refere

aos meios telemáticos hoje disponíveis, a compreensão de que estes não podem prescindir da

estrutura temporal do complexo neuropsíquico humano. A virtualidade telemática hoje já

incorporada na sociedade-mundo enquanto interface homem/máquina – definidora do modo

de ser contemporâneo – servirá sempre para o desenvolvimento humano de capacidades,

competências e habilidades dos que dela fizerem uso incorporado, sendo todo o acervo de

conhecimento e informação ai gerado reduzido a peças museográficas para outros sujeitos

humanos que dela não façam parte existencialmente. Assim, é temerosa qualquer afirmação

relativa aos méritos da telemática para o desenvolvimento humano capaz de superar todos os

estágios anteriores das culturas humanas de todo o planeta, ao modo da dialética hegeliana ou

marxista.

Ainda em decorrência desta mesma linha de argumentação, concluo nesta tese que o modo

como a presencialidade física vem sendo compreendida é uma perspectiva restrita à medida

que concebemos a interação humana a partir do potencial de mediação telemática,

reconhecendo que o sujeito está presente a cada momento em que

age/interage/constrói/destrói através da sua participação nos processos desenvolvidos nos

espaços em que o virtual, potencial e atual se alternam continuamente. Se há ação humana,

cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a distância não está

Page 216: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

216

determinada. Ressalvamos o caráter não determinístico da distância posto que esta pode

acontecer com ou sem a presença física, a partir da escolha do sujeito em “ausentar-se” dos

processos vividos pelos demais, negando-se à interação e participação, processo tão comum

nas situações formais da chamada educação presencial.

Logrei ainda neste trabalho a construção de uma proposta metodológica para Análise

Cognitiva específica para ambientes com mediação telemática, descrita e demonstrada

experimentalmente nos capítulos anteriores, definindo para esta: Categorias Estruturantes,

Interfaces para Análise e Fases de Desenvolvimento da Análise. São estas as construções que

busco agora sistematizar e articular em forma de conclusões, sempre provisórias e abertas às

reelaborações e resignificações.

Algumas importantes constatações a que cheguei, na construção do problema de pesquisa e da

metodologia que utilizei, me permitiram situá-los na forma como conclui este trabalho. Em

primeiro lugar, reconhecer que necessariamente há processos cognitivos diferenciados em

ambientes de mediação telemática porque os processos cognitivos são sempre diferenciados

de uma situação para outra, de um contexto para outro. Como processos internos de

indivíduos singulares, que se desenvolvem em estreita articulação de autonomia e

dependência em relação ao meio, cada indivíduo é único, únicas são as redes nas quais os

processos se desenvolvem, obviamente são únicas também as formas como estes se

desenvolvem em cada contexto, com cada individuo e com cada rede.

A partir desta constatação ajustei o meu foco para investigar se os processos cognitivos que

ocorrem em ambientes com mediação telemática apresentam características singulares

especificas a estes ambientes. Neste momento me deparei com a segunda constatação que teve

um efeito imediato na construção metodológica desta tese: seria impossível levantar

empiricamente um quantitativo de registros e análise de processos cognitivos que

representasse todas as formas como estes podem acontecer em ambientes de mediação

telemática, porque além da infinita diversificação dos processos cognitivos em si, como posto

acima, também são infinitamente diversos os contextos de ambientes telemáticos que podem

interferir nestes processos.

Há ambientes de associação livre e ambientes aos quais os sujeitos estão vinculados em

função da sua condição de estudante, profissional, membro de uma determinada organização

social, religiosa ou política; há ambientes de associação livre como as redes sociais, nas quais

Page 217: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

217

os sujeitos interagem, produzem, trocam, difundem conteúdo em uma relação horizontal,

como pares, sem agente mediador ou objetivos, cronogramas a serem cumpridos; há

ambientes nos quais os sujeitos se associam livremente mas com esta associação fazem

também sua adesão a determinado objetivo de construção que pode ter cronograma, temática

definida, atores com papeis definidos; no outro extremo há os ambientes formais nos quais os

sujeitos se vinculam em decorrência da sua condição em um determinado contexto, como

educação formal ou grupos empresariais, nos quais esta mesma condição permanece na forma

como os sujeitos se posicionam, interagem, permanecem ou se afastam das interações etc.

Estes são apenas exemplos de contextos nos quais ocorrem processos cognitivos com

mediação telemática, mas muitos outros poderiam ser aqui elencados para ilustrar a

constatação de que a categoria ambientes telemáticos deve ser concebida e investigada em

sua complexidade, reconhecendo este como um outro ambiente qualquer de interação social,

no qual inúmeros fatores históricos, culturais, políticos e outros, atuam em permanente tensão

dialética. É obvio entretanto, reconhecer que os ambientes têm características marcantes que

permitem agrupá-los em algum grau de similaridade, a exemplo: ambientes de lazer e

ambientes de trabalho, ambientes rurais e ambientes urbanos, ambientes familiares e

ambientes públicos, ambientes presenciais e ambientes de mediação telemática etc.

Refletindo sobre a contribuição desta tese para a investigação que me propunha, concluí que

a mais adequada e pertinente que caberia neste trabalho seria oferecer aos interessados em

compreender os processos cognitivos em ambientes telemáticos, um lastro teórico consistente

e que permitisse a percepção da diversidade de fatores que atuam nestes processos,

culminando este lastro com uma matriz e metodologia para Análise Cognitiva que contemple

a problemática da mediação telemática concebida com as implicações do contexto

contemporâneo.

A construção desta matriz, com a definição do referencial teórico a pautar a Análise

Cognitiva, a abertura deste olhar analítico para as interfaces filosófico-epistemológicas

selecionadas na mesma, assim como as categorias estruturantes que devem nortear a análise

em cada uma das suas fases, permitem visualizar o leque de processos cognitivos que

identifico como singulares e comuns a ambientes com mediação telemática.

A definição do referencial epistemológico da complexidade, multirreferencialidade e

polilógica levou esta construção necessariamente ao diálogo entre diferentes olhares e

Page 218: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

218

perspectivas que leio como complementares, que ampliam e complexificam a leitura sobre o

problema de investigação, permitindo ainda a elaboração de análises mais consistentes e

fundamentadas. Esta definição teórico-metodológica deve-se à percepção de que os processos

cognitivos singulares que comumente ocorrem em ambientes com mediação telemática são

complexos, agregando às características comuns às interações humanas, o diferencial do

infinito potencial de conexões em redes e a rapidez com que a circulação de conteúdos pode

acontecer, “linkando”24

uma diversidade de sujeitos, povos, culturas, histórias etc.

Estes elementos citados acima tornam estas interações complexas, multirreferenciais e

polilógicas, posto que: a) as diversas formas de circulação e construção de conteúdos são

infinitamente ampliados nos ambientes com mediação telemática, atingindo sujeitos e

contextos diversos; b) as interações humanas neste ambientes ganham um potencial político

de conflitos, dialéticas, convergências, alianças etc., que extrapolam os limites da localização

geográfica dos sujeitos e da presencialidade física; c) a convivência da multiplicidade – em

especial nos ambientes não formais e de adesão voluntária, confronta o sujeito de forma

intensa e contínua a repensar ou reafirmar suas crenças e valores ; d) à dimensão do local, do

contexto imediato no qual se insere o sujeito, incorpora-se a dimensão do global, ampliando a

percepção destes sobre a sua localização e pertencimento cidadão; e) uma nova gama de

saberes necessários à “habitação/navegação” nestes espaços é incorporada às exigências

contemporâneas para o exercício da cidadania.

Na construção da Matriz de Análise Cognitiva, optei por manter o lastro teórico que me

constituía desde antes do doutoramento, a partir da Psicologia Cognitivista, aprofundando a

leitura de Piaget, Vygotsky e Wallon, e ampliando este grupo com o estudo aprofundado das

contribuições de Jerome Bruner. Reconheço nesta opção a dimensão subjetiva do caminhar da

pesquisadora, mas a mantive por identificar neste lastro, categorias que chamo de

estruturantes dos processos cognitivos e que permitem a análise destes processos em

interações com as características específicas que decorrem da mediação telemática.

Do diálogo dialético entre estes autores, selecionei algumas categorias que, de acordo com a

construção teórica desenvolvida nesta tese, contemplam a grande maioria dos processos

24

Neologismo derivado da expressão em inglês “link”, utilizada na linguagem computacional para designar as

conexões entre um ponto e outro do documento digital , que podem estar em uma mesma mídia, em uma rede

interna de uma instituição ou por toda a web. A tradução da palavra “link” remete às expressões em português:

ligação, vínculo, elo, conexão, articulação, entre outras, sendo este o sentido do neologismo da utilização da

expressão “link” ou seus derivados: (“linkar”, “linkando”, etc.,).

Page 219: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

219

cognitivos, reunindo assim conceitos dos quatro teóricos citados, em um mesmo quadro ao

qual postulo coerência e complementaridade. Necessariamente de cada teoria, alguns

conceitos foram escolhidos, outros substituídos ou considerados de pouca relevância para a

análise cognitiva que se pretende, sempre considerando a especificidade dos ambientes com

mediação telemática. Os conceitos Aquisição de Estruturas Mentais (PIAGET) e

Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (VIGOTSKY), são tomados em

conjunto como conceitos amplos e integradores, representando o desenvolvimento mesmo

dos processos cognitivos, que se verifica através da ocorrência de um ou mais dos processos

aqui considerados CATEGORIAS ESTRUTURANTES: Internalização e desenvolvimento de

sistemas simbólicos; Pensamento generalizante; Desenvolvimento em três diferentes

domínios; Diferenciação/individuação; Domínio dos fundamentos gerais de um dado campo;

Elaboração dos sistemas/técnicas para processar e representar informações; Qualidade lógica,

‘racional’, da conceituação; Comandar os tipos de representações; Pensamento intuitivo.

A identificação da ocorrência dos processos considerados estruturantes indica que o

Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores ou a Aquisição de Estruturas Mentais

está ocorrendo, caminhando assim o indivíduo no processo de desenvolvimento cognitivo

permanente e sempre inacabado, até o estágio mais complexo ou superior que suas

experiências/vivências em ambientes determinados e com sujeitos específicos, possam lhe

oportunizar.

Este lastro teórico da Psicologia Cognitiva, embora estruturante, não permite sozinho o

desenvolvimento de uma Análise Cognitiva complexa, multirreferencial e polilógica como

aqui pretendida. Assim, as quatro interfaces que compõem a matriz de análise são propostas

como caminhos que o analista pode percorrer no desenvolvimento da análise, desde que

sempre considerando a existência das demais interfaces, de maneira a não perder de vista a

dimensão complexa da análise. Os referenciais filosófico-epistemológicos Freirianos, da

Biologia da Cognição e da Polilógica compõem juntos uma rede de elementos que permitem

capturar, interpretar, descrever os processos cognitivos. Até então, pode-se dizer que esta

matriz permite a Análise Cognitiva em qualquer ambiente, não apenas naqueles

telematicamente mediados. É verdade, esta matriz e a metodologia proposta, podem ser

utilizadas em qualquer ambiente, entretanto, ressalto que a escolha destas interfaces deveu-se

à necessidade de contemplar as características específicas da mediação telemática, e é este

propósito que transversaliza a definição destas interfaces bem como das categorias que as

Page 220: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

220

constituem, que faz desta uma matriz e uma metodologia indicadas para Análise Cognitiva

nestes ambientes.

Como adiantado acima, cada uma destas interfaces é composta também por categorias que,

assim como as categorias estruturantes do lastro Cognitivista, indicam e caracterizam os

processos cognitivos, servindo como indicadores para identificação da ocorrência destes e

ampliação/complexificação da análise cognitiva como aqui pretendido. A busca constante

pela organização autopoiética em permanente processo de autonomia e dependência

(MATURANA e VARELA, 2001), caracteriza também os processos cognitivos com

mediação telemática, considerando o quanto estes ambientes provocam/desafiam os sujeitos

em interação, colocando-os todo o tempo em contextos diferenciados pela multiplicidade de

sujeitos e celeridade na circulação de conteúdos, ampliando a percepção do local, exigindo

novos saberes, confrontando multiplicidade.

A dupla função: cognoscitiva e comunicativa do pensamento e a dimensão de Libertação só

possível pela Comunicação Dialógica (FREIRE, 1979,1985 e1994), são também identificadas

neste trabalho como características singulares comum aos ambientes com mediação

telemática, embora obviamente, estejam também presentes em outros ambientes.

Considerando que o mundo social e humano só existe a partir da comunicabilidade, é a

intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo cultural e histórico,

estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto. Os ambientes com

mediação telemática e as interações humanas que ali ocorrem, estruturam-se a partir da

comunicação e da Linguagem (escrita, oral, sensorial, imagética, artística etc.),

caracterizando-se especificamente pelo registro e possível compartilhamento de todas as

comunicações ali desenvolvidas, constituindo um lócus tão específico que dá lugar à

formação de uma linguagem própria. Embora usualmente utilizando como referencial básico

o idioma oficial, outras formas de expressão, com sentidos compartilhados especificamente

por aqueles sujeitos, são construídos coletivamente e passam a mediar as interações ali

desenvolvidas.

Em desdobramento desta argumentação, a característica da Libertação em função da

Comunicação Dialógica é ampliada na especificidade dos ambientes com mediação

telemática: a) pelo seu potencial de circulação de conteúdos, capaz de burlar os mais severos

regimes ditatoriais de cerceamento da liberdade e, ao mesmo tempo, de disseminar e persuadir

a adesão a ideais e valores os mais diversos; b) pela possibilidade que oferece ao sujeito para

Page 221: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

221

“habitar/navegar” os mais diversos espaços, formados pela multiplicidade de outros sujeitos e

contextos socioculturais e políticos dos quais se originam; c) pela ampliação do leque de

saberes necessários ao exercício da cidadania na contemporaneidade, que habilitam para

atuação nesta rede interconectada telematicamente.

A quarta interface que compõem a Matriz de Análise Cognitiva aqui proposta, é

especificamente voltada para ambientes telemáticos e não caberia na análise de situações que

ocorram sem mediação telemática. O posicionamento desta interface em local diferenciado

das demais, na matriz que representa graficamente a metodologia de análise cognitiva, busca

representar este lugar de necessariamente ser considerada, independente de ser utilizada

como um caminho de análise. Ressaltando um aspecto metodológico da proposta de Análise

Cognitiva aqui apresentada, as interfaces são caminhos possíveis ao analista, que pode optar

por qualquer um destes caminhos, ou alguns, ou todos, mas sempre considerando a existência

dos demais no desenvolvimento da sua análise; em ambientes com mediação telemática a

interface Ambiente Virtual/Atual (AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD) deve de

forma especial, transversalizar a identificação dos processos cognitivos e sua análise, mesmo

que não escolhido como caminho para mergulho detalhado e registro da análise.

As experimentações desenvolvidas no decorrer da construção da proposta metodológica de

Análise Cognitiva permitem também apreender algumas conclusões (provisórias). Como em

qualquer processo de investigação e construção humana, a subjetividade do analista está

presente e influencia fortemente o resultado da análise, desde a escolha das categorias

estruturantes a serem identificadas, passando pelo(s) caminho(s) de interfaces possíveis, até os

diálogos e relações que se estabelecem entre estas. É certo que a subjetividade humana está

presente, no que diz respeito aos posicionamentos filosófico-epistemológicos e políticos, e

está também presente no que se refere à formação do analista, sua apropriação dos conceitos

que fundamentam esta matriz e metodologia de análise, bem como sua familiaridade com

estas. Como autora desta proposta, percebi claramente o quanto a análise que eu desenvolvia

ia se aprofundando e complexificando a cada nova experimentação, a tal ponto que reler a

primeira experimentação depois de desenvolver a última me fez perceber fragilidades e

superficialidades nesta primeira experiência. Por opção metodológica de exemplificação,

mantive no capítulo VI o registro das análises como ocorreram originalmente, ilustrando

também este desenvolvimento da analista e seus resultados na análise.

Page 222: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

222

As experimentações de Análise Cognitiva desenvolvidas neste trabalho como percurso para

construção da proposta Metodológica, possibilitaram ainda apreender algumas características

de processos cognitivos as quais, por sua ocorrência nestes espaços e contextos analisados,

pode indicar maior probabilidade de ocorrência em outros espaços e contextos que tenham em

comum a mediação telemática.

Page 223: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

223

REFERÊNCIAS

ARDOINO, Jacques. Para uma pedagogia socialista. Brasília: Plano Editora, 2003.

_________________. Abordagem Multirreferencial (plural) das situações educativas e

formativas. In: BARBOSA, Joaquim G. (Org.). Multirreferencialidade nas Ciências e na

Educação. São Carlos, EdUFSCAR, 1998. Cap. 1, p. 24-41.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

BRUNER, Jerome. Uma nova teoria da aprendizagem. Rio de Janeiro: Edições Bloch,

1969.

________________. O processo da educação. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1978.

________________. A Cultura da Educação. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

DERRIDA, J. Papel-máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

FIALHO, Francisco Antonio Pereira. Introdução às Ciências da Cognição. Florianópolis:

Ed. Insular, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1979.

_____________. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1985.

_____________. Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.

Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1994.

FROES BURNHAM, Teresinha; MICHINEL, José Luis; LAGE, Ana Lúcia. Abordagens

Epistemológicas da Cognição: A análise Cognitiva na investigação da Construção do

Conhecimento. Anais do IV Colóquio Internacional Saberes e Práticas. Salvador:

REDPECT/UFBA, 2010.

FROES BURNHAM, T. COMPLEXIDADE, MULTIRREFERENCIALIDADE,

SUBJETIVIDADE: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar. In:

Em Aberto. Brasília, ano 12. n.58. abr./jun. 1993.

GADOTTI, Moacir (org.) Paulo Freire – Uma Biobibliografia. São Paulo: Cortez: Instituto

Paulo Freire; Brasília, DF: UNESCO, 1996.

GALEFFI, Dante. O rigor nas pesquisas qualitativas: uma abordagem fenomenológica em

chave transdisciplinar In: MACEDO, Roberto (org.). Um rigor outro – sobre a questão da

qualidade na pesquisa qualitativa. Salvador: EDUFBA, 2009. Cap. 1, p. 13-73

_______________. Filosofar e Educar. Salvador: Quarteto, 2003.

Page 224: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

224

_______________. Posições e Proposições de um Filosofar do Educar Polilógico.

Disponível em <http://www.rascunhodigital.faced.ufba.br/ver.php?idtexto=424> Acesso em:

09/05/2012 (a).

_______________. Epistemologia do Educar: um caminhar construtivo comum-pertencente.

In: GALEFFI, MODESTO e SOUZA (orgs). Epistemologia, construção e difusão do

conhecimento – Perspectivas em Ação. Salvador, EDUNEB, 2011. Cap. 07, p. 177-199

________________. Filosofia para Todos e para Ninguém: da Periculosidade do Filosofar e

suas Implicações com Revoluções Insuspeitadas. Disponível em

<http://www.rascunhodigital.faced.ufba.br/ver.php?idtexto=425> Acesso em: 09/05/2012 (b).

________________. Delineamentos de uma Filosofia do Educar Polilógica: no Caminho

de uma Ontologia Radical. Disponível em:

<http://www.rascunhodigital.faced.ufba.br/ver.php?idtexto=93> Acesso em: 09/05/2012 (c).

GALVÃO, I. Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, RJ: Vozes,

1995.

GARDNER, Howard. A nova Ciência da Mente. São Paulo: Ed. da Universidade de São

Paulo, 2003.

GERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

HABERMAS, J. Técnica e Ciência como ideologia. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2007.

_____________. Teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante Schubach.

4 ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

HUSTEDT. Jason T.; BARNETT, W. Steven. Política Head Start. Enciclopédia sobre o

Desenvolvimento na Primeira Infância ©2011 Centre of Excellence for Early Childhood

Development Hustedt JT, Barnett WS.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1985.

LIMA Jr, A. S. Tecnologias Inteligentes e Educação: currículo hipertextual. Rio de Janeiro:

Quartet; Juazeiro, BA: FUNDESF, 2005.

LUPASCO, Stéphane. O Homem e suas Três Éticas. Tradução de Armando Pereira da

Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

LACAN, J. O Seminário – livro 17: o avesso da psicanálise, 1969 – 1970. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 1992.

LEMOS, André. Cibercultura – Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto

Alegre, Sulina, 2004.

LÉVY, P. Ideografia dinâmica: rumo a uma imaginação artificial? São Paulo: Loyola, 1998.

Page 225: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

225

__________. O que é o virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996

__________. A Inteligência Coletiva – Por uma antropologia do Ciberespaço. São Paulo:

Loyola, 2011.

__________. As Tecnologias da Inteligência – O futuro do Pensamento na era da

informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993.

LIMA Jr, Arnaud S de. O impossível da comunicação e a metáfora da linguagem: uma

compreensão alternativa da relação entre as Tecnologias de Informação e Comunicação e os

Processos Formativos tecida no contexto da prática profissional. In: AMORIM, A; LIMA Jr,

Arnaud S. de; MENEZES, Jaci (Orgs). Educação e Contemporaneidade: processos e

metamorfoses. Rio de Janeiro: Quartet, 2010, p. 15-54. Série Educação e Contemporaneidade.

LIMA Jr, Arnaud S. de; CUNHA, Francisco J. A. P. Por uma perspectiva crítica da análise

cognitiva de processos de aprendizagem a partir das redes sociais. In: AMORIM, A; LIMA Jr,

Arnaud S. de; MENEZES, Jaci (Orgs). Educação e Contemporaneidade: processos e

metamorfoses. Rio de Janeiro: Quartet, 2010, p. 267-296. Série Educação e

Contemporaneidade.

LIMA Jr, Arnaud S de; HETKOWSKI, Tânia M. Educação e Contemporaneidade: por uma

abordagem histórico-antropológica da tecnologia e da práxis humana como fundamentos dos

processos formativos e educacionais. In: LIMA Jr, Arnaud S de; HETKOWSKI, Tânia M.

(Orgs). Educação e Contemporaneidade: desafios para a pesquisa e a pós-graduação. Rio

de Janeiro: Quartet, 2006, p. 29-46.

MACEDO, Roberto Sidnei. Crysallis, currículo e complexidade: a perspectiva crítico-

multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2005.

_______________________. Etnopesquisa Crítica, Etnopesquisa-Formação. Brasília:

Liber Livro Editora, 2006.

_______________________. Por uma Epistemologia Multirreferencial e Complexa nos

meios educacionais. São Carlos: EdUFSCAR, 1998.

MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (orgs.). Henri Wallon – Psicologia e Educação. São

Paulo: Loyola, 2000.

MALDONADO, Tomás. Lo real y ló virtual. Barcelona, Espanha: Gedisa Editorial, 1999.

MATURANA, H. Emoções e Linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed.

UFMG, 2002.

______________. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social – Teoria, método e criatividade.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

Page 226: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

226

MORIN, E. A necessidade de um pensamento complexo. In: Representação e

Complexidade. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003.

__________. Introdução ao Pensamento Complexo. 3ª ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

__________. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez;

Brasília, DF: UNESCO, 2000.

__________. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

__________. O Método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 2008.

__________. O Método 5. A humanidade da humanidade. A identidade humana.

Tradução de Juremir Machado da Silva. 3ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MORAN, Jose Manuel. Ensino e Aprendizagem Inovadores com Tecnologias Audiovisuais e

Telemáticas. In: MORAN, MASETO e BEHRENS. Novas Tecnologias e Mediação

Pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000. Cap. 1, p. 11-63

NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Tradução de Lúcia Pereira

de Souza. São Paulo: TRIOM, 1999.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizagem e desenvolvimento, um processo sócio-histórico.

São Paulo: Scipione, 1997.

PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1970.

_________. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1969.

_________. A Linguagem e o Pensamento da Criança. Rio de Janeiro: Ed. Rio de Janeiro,

Fundo de Cultura, 1973.

PRIGOGINE, I. O Fim da Certeza. In: Representação e Complexidade. Rio de Janeiro:

EDUCAM, 2003.

RAPPAPORT, Clara Regina; FIORI, Wagner da Rocha; DAVIS, Claudia. Psicologia do

Desenvolvimento – conceitos Fundamentais. Vol. 1, São Paulo: EPU, 1981.

SALVADOR, C. C. A Teoria Sociocultural da Aprendizagem e do ensino. In: Psicologia do

Ensino, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. Cap. 14, p. 258-266

________________. A Teoria Genética da Aprendizagem. In: Psicologia do Ensino, Porto

Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. Cap. 13, p. 249-257

SANTOS, Boaventura de Souza. Seis Razões para pensar. In: Por que Pensar ? Revista Lua

nova, no. 54, 2001.

_________________________. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das

emergências. In: SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Conhecimento Prudente para uma

Vida Decente. São Paulo, Cortez, 2004. Cap. 34, p. 777-813

Page 227: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

227

SERPA, L. F. P. Ciência e Historicidade. Salvador: EDUFBA, 1991.

_____________. Rascunho Digital: Diálogos com Felipe Serpa. Salvador, EDUFBA, 2004.

SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2002.

VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. A mente incorporada:

Ciências Cognitivas e Experiência Humana. Porto Alegre: Artmed, 2003.

VARELA, Francisco; MATURANA, Humberto R. A Árvore do Conhecimento – as bases

biológicas da compreensão humana. São Paulo: Ed. Palas Athena, 2001.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

_______________. Pensamento e Linguagem. (2ª. Ed). São Paulo: Martins Fontes, 1989.

_______________. Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho /

2000.

WALLON, Henri. Do Ato ao Pensamento: Ensaio de Psicologia Comparada. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2008 (Coleção Textos Fundantes de Educação).

WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. 2a. ed. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 1994.

Page 228: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

228

ANEXO A – Chat na Íntegra

Turma de Pedagogia – DEDC XI - Serrinha

• AVA

• / ► 2011.2-PROGRAD-TICSER • / ► Chats • / ► Atividade 2 - Conversando sobre o uso das tecnologias na contemporaneidade • / ► Sessões de chat

segunda, 14 novembro 2011, 14:07 --> segunda, 14 novembro 2011, 15:20

14:07: SUJEITO 1 SER-20111-LIB-G5 entrou no chat

14:11: SUJEITO 4 SER-20112-TIC entrou no chat

14:12 SUJEITO 1: Oi Liu!

14:12 SUJEITO 1: Boa tarde

14:12: SUJEITO 2 SER-20112-TIC entrou no chat

14:12: SUJEITO 3 SER-20112-TIC entrou no chat

14:12 SUJEITO 4: oi thay, vamos conversar um pouco sobre as tec?

14:13 SUJEITO 1: vamos

14:13 SUJEITO 3: E aí meninas...

14:13 SUJEITO 3: O que acharam do texto?

14:13 SUJEITO 4: gostei das reflexões feita pelas as colegas sobre a mesma

14:14 SUJEITO 3: Eu achei muito interessante

14:14: SUJEITO 5 SER-20121-LIB-G24 entrou no chat

14:14 SUJEITO 2: oi garotas boa tarde..

14:14 SUJEITO 5: Boa tardee =)

14:14 SUJEITO 4: oi luana, concordo com vc qd falou do texto: um fio de vantagem..

14:14 SUJEITO 1: tambem gostei das reflexoes

Page 229: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

229

14:15 SUJEITO 3: Percebi que o texto mostra como a tecnologia está presente em nosso cotidiano

14:15: SUJEITO 2 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:15 SUJEITO 4: tmb fiquei mim perguntando, o q esse texto tem a ver com as tics, só depois da leitura q pude perceber q o mesmo faz toda uma abordegem a respeito desta, desde os primordios

14:16 SUJEITO 5: é meninas, os conteúdos estudados, assim como as reflexões e opiniões traçam um alinha do tempo muito interessante.

14:16 SUJEITO 3: Que a mesma está ligada intimamente ao convivio

14:16 SUJEITO 5: uma*

14:16 SUJEITO 5: concordo Luana.

14:17 SUJEITO 5: as necessidades de cada epoca é o que move o desenvolvimento e as novas criações...

14:17 SUJEITO 3: E que é quase impossível ficar sem utilizar esses meios tecnológicos

14:17 SUJEITO 1: pudemos ver o quanto é importante voltar ao passado e saberque a tecnologia existe desde os primordios

14:18 SUJEITO 3: O texto 2 retrata também o quanto a tecnologia está presente

14:19 SUJEITO 3: E que vivemos numa sociedade de informação

14:19: SUJEITO 6 SER-20112-TIC entrou no chat

14:19: SUJEITO 7 SER-20121-LIB-G24 entrou no chat

14:19 SUJEITO 5: hoje em dia , por exemplo, o uso das tecnologia é fundamental , desde as atividades mais simples , como uma pesquisa escolar, ou um pate babo, assim como , na busca de tratamentos especiais

14:19 SUJEITO 6: boa tarde

14:19 SUJEITO 5: Cleidianeeeee :P

14:19 SUJEITO 7: OI PESSOAL SO PASSEI P´RA DA UM OI ESTOU NO ENCONTRO DO EBEPE

14:19 SUJEITO 3: que é fruto do pós-industrialismo

14:19 SUJEITO 3: oi queridas

14:20 SUJEITO 5: como ta aii???

Page 230: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

230

14:20 SUJEITO 7: O TEXTO É BEM INTERESANTE

14:20 SUJEITO 3: por sermos mundo totalmente capitalista

14:20 SUJEITO 7: ta a cara da riqueza

14:20 SUJEITO 7: ta bem

14:20 SUJEITO 5: Bate*

14:20 SUJEITO 7: tenho q ir

14:20 SUJEITO 6: q bom q a tecnologia ta te dando a opt de esta falando

14:20 SUJEITO 7: se n

14:20 SUJEITO 5: valeuu ...

14:20 SUJEITO 3: já

14:20 SUJEITO 7: o ncarro me deixa

14:21 SUJEITO 4: ao ler o texto de levy, achei muito interessante qd em sua fala ele dizia que: "uma tecnica não nem boa nem má(isto depende do contexto, dos usos e dos pontos de vista", não se trata de avaliar seus impactos, mas de situar a irreversibilidade as quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que exploraria as virtualidades que ela transposta e de decidir o que fazer dela".

14:21 SUJEITO 7: beijooooooo

14:21 SUJEITO 6: aoreveite aí menia

14:21 SUJEITO 5: ai um exemplo das vantagens da tecnologia, nossa colega está lá em Juazeiro, e pode está contribuindo

14:21: SUJEITO 8 SER-20112-TIC entrou no chat

14:21: SUJEITO 7 SER-20121-LIB-G24 abandonou este chat

14:21 SUJEITO 6: é verde

14:21 SUJEITO 8: olá galera

14:22 SUJEITO 8: cm vão vcs

14:22 SUJEITO 6: td bem e vc

Page 231: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

231

14:22 SUJEITO 3: É eu estava comentando sobre isso pela manhã

14:22 SUJEITO 8: Estou aqui na maior correria

14:22: SUJEITO 2 SER-20112-TIC entrou no chat

14:22 SUJEITO 4: é verdade Elma.. comcordo é sem falar que esse é um ponto possitivo das tics

14:22 SUJEITO 5: Liumara, acho qe esse trecho descreve bem op que representa a tecnologia....

14:22 SUJEITO 8: Estamos ótimas

14:22 SUJEITO 5: tudo depende para que se ultiliza..

14:22 SUJEITO 8: tirando as muriçocas

14:22 SUJEITO 8: do tamanho do jegue

14:22 SUJEITO 8: kkkkk

14:23 SUJEITO 8: tchau galera

14:23 SUJEITO 4: é achei super interessante essa fala de Levy.

14:23 SUJEITO 8: vmos ir ao s. francisco[

14:23 SUJEITO 8: bj

14:23 SUJEITO 6: um ponto positivo tb é estarmos falando e aprendento atrevés tasd tec

14:24: SUJEITO 8 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:24 SUJEITO 5: sim sim ..

14:24 SUJEITO 3: E quando se fala em comunicação a tecnologia tem influenciado muito

14:24 SUJEITO 4: concordo colega cícera.

14:24 SUJEITO 3: pois estamos na era da informação

14:24 SUJEITO 1: é verdade

14:25 SUJEITO 2: concordo Luana

Page 232: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

232

14:25 SUJEITO 3: oi Jack

14:25 SUJEITO 5: o interessante é além de proporcionar o acesso dessas tecnologias a todos, é tbm enquanto educadores ultiliza-las em sala de aula

14:25 SUJEITO 1: comunicação e tecnologia estao andando juntas cada vez mais

14:25 SUJEITO 4: com certeza tay

14:26 SUJEITO 3: Mas é importante lembrar que devemos ter cuidado quando tivermos utilizar esse meios

14:26 SUJEITO 6: isso mesmo Elma pq os alunos estão sempre conectados

14:26 SUJEITO 3: vc tem razão Tay

14:26 SUJEITO 1: concordo com voce luana

14:27 SUJEITO 4: tay lembra em nosso artigo q construimos de Maria Amelia, onde falavamos da importancia dos professoores usarem as tics em sua metodologia.

14:27 SUJEITO 5: No III Seminário Paulo Freire, estive assistindo a apresentação de trabalho sobre tecnologias.. e os relatos eram impressionantes... A existencia de equipamentos tecnologicas nas escolas é real, contudo.. a ultilização desses equipamentos é praticamente inexistentes.. A ficam os questionamento o porq??ue

14:27 SUJEITO 3: O no texto diz que quando não estamos conectados na rede, é como se não existissemos economicamente

14:27 SUJEITO 1: temos que saber utilizar a tecnologia do jeito certo para ue assim ela tenha seus ontos positivos

14:28 SUJEITO 3: pois vivemos num mundo capitalista

14:28 SUJEITO 1: lembro sim Liu

14:28 SUJEITO 2: os docentes nem sempre sabe manusea-los

14:28 SUJEITO 2: com certeza Tay

14:28 SUJEITO 3: Esse é grande problema Jack

14:29 SUJEITO 5: éé Jackeline, muitos não sabem ultilizar .. outros acham muito trabalho

14:29 SUJEITO 3: Mas temos que estar preparados

14:29 SUJEITO 4: ai jack é onde nos questionamos muitas vezes o profesor tem a tec. mas não sabe como usalas ne verdade?

14:29 SUJEITO 3: senão ficamos para trás

[k1] Comentário: Embora dentro da discussão, responde a uma pergunta apenas retórica, com uma participação irrelevante

Page 233: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

233

14:29 SUJEITO 1: por isso que é tao importante essa disciplina, para nossa formação

14:29 SUJEITO 6: mas sabemos q essa é oportunidade de mudarmos

14:29 SUJEITO 4: *professor

14:29 SUJEITO 6: e devemos ser diferentes

14:30 SUJEITO 5: e em muitos lugares os diretores colocam impecilios

14:30 SUJEITO 3: A tecnologia causou uma revolução

14:30 SUJEITO 2: concordo com vc cicera

14:30 SUJEITO 6: vamos aprender a cada dia para ñ fazer parte desse grupo q ñ sabe usar

14:30 SUJEITO 5: é isso ai Ciceraa..

14:31 SUJEITO 5: e uma otima oportunidade é a proxima ativiidade da disciplina

14:31 SUJEITO 1: tambem concordo com cicera

14:31 SUJEITO 3: Pois ela tem o poder de influenciar na comunicação, formacçao de economia e muito mais

14:31 SUJEITO 2: enquanto pedagogas temos q estar a cada dia nos atualizando

14:32 SUJEITO 6: ela tem tb o poder de excluir quem ñ sabe vai ficar pra traz no mercado de trabalho

14:32 SUJEITO 4: com certeza luana, a quetão é: que as tecnologias ao mesmo tempo que é de suma importância em nossas vidas é tmb uma forma de exclusão..

14:32 SUJEITO 3: Esta disciplina esta nos dando a oportunidade de utilizar a tecnologia a nosso favor e de maneira correta

14:32 SUJEITO 1: e verdade luana, ela é comunicação e muito mais

14:32 SUJEITO 3: pois estamos construindo conhecimento

14:32: SUJEITO 6 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:32 SUJEITO 2: mis não vai ser o nosso caso amiga cicera kkk...

14:33 SUJEITO 1: concordo Liu

14:33 SUJEITO 5: E o importante é proporcionar aqueles alunos que não tem condições, porque ainda existem, os que acessam apenas as redes sociais, mas não sabem pesquisar ou ultilzar as imensas ferramentas da internet, do computador..

[k2] Comentário: Responde à colega mas em uma diferença de segundos, sua resposta fica desconectada com duas outras inserções que entraram antes na conversa.

[k3] Comentário: Continua o seu raciocínio anterior, ignorando o último diálogo entre duas outras colegas.

[k4] Comentário: Inicia um diálogo informal, fora da discussão temática

[k5] Comentário: Retoma a discussão anterior, ignorando a conversa “em paralelo” que aconteceu entre outras duas participantes

Page 234: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

234

14:33 SUJEITO 4: principalmente no mercado de trabalho...

14:33 SUJEITO 3: É Jack ets disciplina está nos desafiando em termo de tecnologia

14:34 SUJEITO 4: é isso mesmo Ilma.

14:34 SUJEITO 2: com certeza lu

14:35 SUJEITO 2: pricipalmente para mim q ñ sou tão exper nelas

14:35 SUJEITO 3: Tem uma parte do texto que é bem interessante

14:35 SUJEITO 3: que diz assim:

14:36: SUJEITO 2 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:36 SUJEITO 3: O conhecimento e a informação se convertem em elementos fundamentais de geração de riqueza e de poder na sociedade

14:36: SUJEITO 6 SER-20112-TIC entrou no chat

14:37 SUJEITO 6: oi

14:37 SUJEITO 4: concordo luana.mas ai fica a ?, e os que não tem acesso a esses conhecimentos, é que são os excluidos.

14:37 SUJEITO 5: Luana, de fato é muito interessante e verdadeiro

14:38 SUJEITO 5: pq aquelas pessoas que detem o conhecimento e junto a ele o uso das tecnologias , pode "ganhar o mundo"

14:38 SUJEITO 1: é o sistema captalista

14:38 SUJEITO 3: Desta forma a tecnologia está presente mesmo que a gente não aceite

14:38 SUJEITO 6: isso é verade luana

14:38 SUJEITO 4: isso é verdade luana.

14:39 SUJEITO 3: hoje está tão rotineiro

14:39 SUJEITO 3: celular com acesso a net

14:39 SUJEITO 4: eta cícera combinamos a resposta foi? rsrs

14:39 SUJEITO 6: kkkkkkkkkkk

[k6] Comentário: Mais uma vez assume o papel de articuladora/mediadora da discussão e traz um referencial teórico para enriquecer o debate.

[k7] Comentário: Postura crítica, análise dialética da fonte

Page 235: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

235

14:39 SUJEITO 4: kkkkk...

14:40 SUJEITO 3: espera um pouco

14:40 SUJEITO 1: e para nao ficarmos para tras somo obrigados a aprender sobre as tecnologias

14:41 SUJEITO 4: com certeza tay, e sem falar que o que aprendemos hj lá na frente pode não tem mais tanta utilidade pois, o mundo esta por constante transformações

14:41 SUJEITO 6: é mesmo Tay

14:42 SUJEITO 4: o mundo esta passando por onstantes transformações,

14:42 SUJEITO 4: constantes*

14:42 SUJEITO 1: é verdade Liu

14:42: SUJEITO 9 SER-20112-TIC entrou no chat

14:43 SUJEITO 4: principalmente em relação as tecnologias, tendo como melhor exemplo o computador..

14:44 SUJEITO 9: concordo plenamente

14:44: SUJEITO 6 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:44 SUJEITO 1: e as TVs que antes a mais avançada era a de plasma e agora ja tem ate 3D rsrss

14:44 SUJEITO 4: oi geisi, e ai o que achou dos textos?

14:45 SUJEITO 9: Olá Liú, achei ótimos e vc?

14:45 SUJEITO 5: Meninas, eu estava dando uma olhada no fórum da primeira atividade , e percebi uma coisa

14:46 SUJEITO 3: não sabemos até que ponto a tecnologia vai avançar

14:46 SUJEITO 4: tmb. no inicio um pouco complexo mas depois mim encontrei..

14:46 SUJEITO 4: rsrs

14:46 SUJEITO 3: quando a gente pensa que já foi além do limite

14:46 SUJEITO 5: as vezes as pessoas e nós mesmo, achamos qe as trecnologias só são aqueles equipamentos sofisticadissimos..

14:46 SUJEITO 3: aparece outras coisas para nos impressionar

[k8] Comentário: Duas alunas fazem comentários idênticos ao mesmo tempo, percebem posteriormente e se divertem com a situação

[k9] Comentário: Percepção da outra dimensão da presencialidade – avisa que vai se afastar da discussão por um período de tempo

[k10] Comentário: Entra na discussão 40 minutos depois

[k11] Comentário: Assume a função de mediadora, situando na discussão a colega que chegou atrasada

[k12] Comentário: Respostar evasivas e sem autoria. Falta embasamento ou está pouco a vontade com a tecnologia?

[k13] Comentário: Responde diretamente à pergunta a ela dirigida, sendo então a terceira participação seguida que parece desconectada com as anteriores.

[k14] Comentário: Informalidade? Naturalidade com a ferramenta ou o situação ?

[k15] Comentário: Três colocações seguidas, que formam um raciocínio, desconsiderando as intervenções outras, postas Tb neste mesmo intervalo de tempo.

Page 236: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

236

14:46 SUJEITO 4: é verdade luana

14:47 SUJEITO 5: mas quando na verdade, coisas simples, como por exemplo, utilizar o aparelho de som na sala de aula, ou um filme, para que os alunos consigam perceber de uma forma mais divertida os conteudos, tbm estamos fazendo uso da tecnologia

14:48 SUJEITO 9: pois é, acredito q a mente humana é brilhante e sempre terá novos inventos

14:48 SUJEITO 1: é verdade Elma

14:48 SUJEITO 4: é Ilma mas ao lermos um fio de vantagens pudemos perceber que as tecnologias de uma certa forma já existiam desde os primordios, mesmo sendo em sua forma simples.

14:48 SUJEITO 3: E atecnologia diz o texto que a mesma tem um poder impactante sobre os meios de comunicações

14:49 SUJEITO 5: e retoma um pouco daquilo que Liumara falou no inicio: que o que importa da tecnica ( independe de qual seja) é uso que se faz dela

14:49 SUJEITO 9: o livro é um exemplo básico de tecnologia

14:49 SUJEITO 3: E assim vem resultando numa crescente globalização no mundo dos audio-visuais

14:49 SUJEITO 9: hj considerado comum, foi novidade para mto durante anos

14:50 SUJEITO 3: temos aí o livro em PDF

14:50 SUJEITO 5: éé sim Liumara, mas quando alguem nos pergunta sobre tecnologia. A primeira coisa que nos vem a cabeça é INTERNET E COMPUTADOR

14:50 SUJEITO 5: Não é verdade?

14:50 SUJEITO 4: é isso mesmo Elma

14:50 SUJEITO 3: É verdade Elma

14:50 SUJEITO 5: Inclusive qnd comecei a ler o texto.. demorou um pouco ate fazer um link com a tecnologia

14:51 SUJEITO 3: Mais existe muito mais do que isso

14:51 SUJEITO 4: tmb Elma..

14:51: SUJEITO 10 SER-20112-TIC entrou no chat

14:51 SUJEITO 3: também Elma

14:51 SUJEITO 3: foi um pouco díficil

[k16] Comentário: Mesmo procedimento de Luana, analisado aqui no comentário anterior.

[k17] Comentário: Mantém o padrão de participação genérica, que não revela conhecimento teórico do tema em discussão.

[k18] Comentário: Amplia o raciocino, traz elementos para enriquecer a percepção.

[k19] Comentário: Percebe a relação com uma ideia já exposta na discussão e retoma a mesma, fazendo um link

[k20] Comentário: Repete o padrão de dar sequência ao seu raciocínio, desconsiderando as inserções das demais colegas naquele mesmo intervalo de tempo.

[k21] Comentário: Mesmo padrão de Luana, analisado no comentário anterior.

[k22] Comentário: Dá seguimento ao raciocínio da colega, ampliando a complexidade da análise

[k23] Comentário: Estas duas participantes assumem a função de mediação/articulação da discussão em todo o decorrer da mesma

[k24] Comentário: Traz o depoimento pessoal para exemplificar, fortalecer as considerações teóricas feitas

[k25] Comentário: Entra no ambiente 50 minutos depois da discussão iniciada

Page 237: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

237

14:51 SUJEITO 9: pois é mas para mim o conceito de tecnologia é tudo q ajuda a comunicação

14:52 SUJEITO 4: meninas a conversa ta muito produtiva mas vou ter que sair..

14:52 SUJEITO 3: Mas depois quando vc faz uma leitura com mais atenção vc entende o que o autor quer dizer

14:52 SUJEITO 5: valeu Liumara,.. ate a proxima

14:52 SUJEITO 4: xau e até quarta..

14:52: SUJEITO 2 SER-20112-TIC entrou no chat

14:52 SUJEITO 9: eu tmb, depois retorno

14:52 SUJEITO 4: bom feriado a todas!!!

14:52 SUJEITO 5: verdade Luana

14:52 SUJEITO 3: valeu querida

14:52 SUJEITO 9: bjs e saudades!!!

14:52 SUJEITO 1: viu Liu, ate mais

14:52 SUJEITO 4: até..

14:52 SUJEITO 3: também vou sair

14:53 SUJEITO 9: tchau!!

14:53 SUJEITO 1: viu geise, bjs

14:53 SUJEITO 3: jack ainda não consegui colocar a foto

14:53 SUJEITO 5: é sim Geise, a comunicação é esta diretamente ligada a tecnologia

14:53: SUJEITO 2 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:53 SUJEITO 1: tambem vo ter que sair

14:53: SUJEITO 9 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:53 SUJEITO 3: vá fazendo suas contribuições

[k26] Comentário: Perspectiva de presencialidade: “sair”

[k27] Comentário: Repete o padrão já comentado em participações anteriores

[k28] Comentário: Perspectiva de presencialidade: “retorno”

[k29] Comentário: Retoma a discussão da temática, após ter se despedido da colega.

[k30] Comentário: Continuam a despedir-se da colega, enquanto a outra participante retoma o fio da discussão. A diferença entre uma e outra intervenção é de segundos.

[k31] Comentário: Insere uma outra discussão, direcionada a uma única colega, ainda ignorando a tentativa de uma da participantes de retomar a temática do chat.

[k32] Comentário: Segunda iniciativa da mesma participantes de retomar a discussão do tema, agora retomando a contribuição de uma colega feita há 02 minutos atrás.

Page 238: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

238

14:54 SUJEITO 5: o radio, a tv, o jornal impresso ( pq ate ele chegar as mãos dos leitores passa um processo que depende ta tecnologia)

14:54 SUJEITO 3: É pessoal

14:55 SUJEITO 3: o papo tá bom, mas vou ter que sair

14:55 SUJEITO 3: fui

14:55 SUJEITO 3: Bjos!!...

14:55: SUJEITO 4 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:55 SUJEITO 1: muito intressante a nossa conversa

14:56 SUJEITO 1: ate mais meninas

14:56 SUJEITO 1: Bjoss

14:56: SUJEITO 3 SER-20112-TIC abandonou este chat

14:57: SUJEITO 1 SER-20111-LIB-G5 abandonou este chat

14:58 SUJEITO 10: qual o texto que vçs estavam discutindo

14:59 SUJEITO 5: na verdade Simone

14:59 SUJEITO 5: estavamos falando do Um fio de vantagem]mas não estavamos presas a eles

14:59 SUJEITO 5: ele*

14:59 SUJEITO 10: ok

15:00 SUJEITO 5: Estamos falando da importancia do uso das tecnnolgias

15:00 SUJEITO 5: tecnologias*

15:00 SUJEITO 5: e sua diversidade.

15:02 SUJEITO 10: o que vç achou do texto um fio de vantagem elma

15:03 SUJEITO 5: Simone, o texto pra mim no incio pareceu um pouco chato, rsrsrs

15:03 SUJEITO 5: mas qndo comecei a estudar outros textos e voltei a ele com mais calma

[k33] Comentário: Mesmo procedimento de dar sequência a um raciocino, ignorando as intervenções feitas no intervalo de tempo

[k34] Comentário: Participantes vão despedindo-se e saindo do ambiente

[k35] Comentário: Tenta se integrar na discussão, por ter chegado com muito atraso.

[k36] Comentário: Com a saída das duas participantes que assumiam a função de mediação, esta outra assume esta função.

[k37] Comentário: Depoimento pessoa, risos caracterizando naturalidade, informalidade

Page 239: COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – … · the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human

239

15:04 SUJEITO 10: eu tbm achei chato no início, mas a medida que a leitura foi avançando eu gostei

15:04 SUJEITO 5: percebi o link que ele faz entre as inovações tecnologicas, as necessidades do homem e sua criatividade

15:05 SUJEITO 5: podemos observar , da epoca dos primitivos, e durante a evolução quanto coisa mudou a partir da necessidade e curiosidade do homem

15:06 SUJEITO 5: antes da invenção da televisão, toda noiticia, toda trasmissão era atraves do radio

15:06 SUJEITO 10: é verdade ele mostra como o homem desde o início precisou construir instrumentos que lhe possibilitassem continuar sobrevivendo

15:07 SUJEITO 5: e antes desde, somente era o telegrafo

15:07 SUJEITO 5: e hoje em dia, o homem é capaz de explorar o universo, dar esperanças a quem não pode andar, ouvir e ate mesmo enxergar

15:08 SUJEITO 10: e a medida que o tempo foi passando novas tecnologias foram sendo criadas

15:08 SUJEITO 5: transmissão*

15:08 SUJEITO 10: isso é verdade

15:09 SUJEITO 10: e bom quando o homem usa suas capaciads para fazer o bem

15:10 SUJEITO 5: concordo !!

15:11 SUJEITO 5: existem muitas pessoas que se aproveitam para tirar vantagens, como por exemplo, os Hackres

15:12 SUJEITO 10: isso é realmente lamentável

15:12 SUJEITO 5: aham!!

15:13 SUJEITO 10: porque nós devemos utilizar as tic de forma responsável

15:14 SUJEITO 10: colega agora vou ter que sair, até mais

15:15 SUJEITO 5: Até mais Simonee

15:15 SUJEITO 5: otimo feriado!

15:16: SUJEITO 10 SER-20112-TIC abandonou este chat

15:20: SUJEITO 5 SER-20121-LIB-G24 abandonou este chat

[k38] Comentário: Identifica os aspectos centrais do texto, estabelecendo relações deste com outras leituras realizadas anteriormente.

[k39] Comentário: Prossegue na argumentação, desenvolvendo seu raciocino com coerência e fundamentação.

[k40] Comentário: Inclui uma reflexão de cunho sócio-filosófico

[k41] Comentário: Dá continuidade à reflexão filosófica

[k42] Comentário: 01:13h de chat