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COLEÇÃO ARTHUR RAMOS: DA MUSEALIZAÇÃO À {IN)VISIBILIDADE E AO ESQUECIMENT01 E m sua trajetória de cientista social Arthur Ramos, antropólogo e pesquisador interessado no e tudo das culturas negras no Novo Mundo, do folclore e da Psicanálise, tendo sido considerado por muitos e, em especial, por Roger Bastide? e Donald Pierson>, um expoente das dinâmicas do seu tempo, acumulou um acervo que reflete, ilustra e documenta as pesquisas realizadas ao longo do tempo, que con- formaram a Coleção Arthur Ramos, cujas informações, segundo veremos, espelham a memória e a trajetória científica deste pesquisador. Adquirido pela Uni- versidade Federal do Ceará, em 1959, dez anos após sua morte, pelo professor Antônio Martins Filho, então Reitor da UFC, o acervo foi entregue ao Museu do Instituto de Antropologia (Girão, 1971: 95), Como se formou a Coleção Arthur Ramos? Quais as suas caracte- rísticas? Qual o estado da arte do conjunto documental sob a custódia da instituição que o adquiriu? No momento em que se comemora o Centenário de nascimento de Arthur Ramos é importante procurar, se possível, responder a essas questões, meta principal deste trabalho. Para a consecução de tal objetivo, são analisados, especial- mente, alguns documentos constantes do Arquivo Arthur Ramos, sob a guarda da Biblioteca acional, bem como entrevista, realizada com a pesquisadora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros", doravante denominada BalTOS, uma estudiosa do assunto que generosamente abriu caminhos possíveis para essas e outras fontes de estudo sobre esse pioneiro das pesquisas do negro no Brasil. Arthur Ramos, em suas pesquisas antropo- lógicas, desenvolveu uma concepção de cultura como "uma síntese nova que nos permite a compreensão da personalidade humana de que é inseparável" (Ramos, 1948: 94). Essa noção pode, de alguma maneira, explicar as características de sua Coleção, pois esse estudioso considerava a mudança cultural nos processos de aculturação. esse sentido, entendia a Antropologia como - ICLÉ1A TH1ESEN MAGALHÃES COSTA' RESUMO Em sua trajetória de cientista social, Arthur Ramos acu- mulou um vasto acervo que rellete, ilustra e documenta as pesquisas realizadas ao longo do tempo, que conter- maram a Coleção Arthur Ramos, em parte adquirida pela Universidade Federal do Ceará, em 1959, após sua morte precoce. Como se lormou essa Coleção e quais as suas características? Oual o estado da arte do conjunto do- cumental sob a custódia da instituição que o adquiriu? A oportunidade do seu centenário de nascimento, come- morado em 2003, inspirou a realização deste artigo, que tem por objetivo não apenas homenagear esse estudio- so da cultura negra, mas também divulgar a existência desses materiais da Memória e da História, em seu pro- cesso de acumulação. ABSTRACT In his career as a social scientist, Arthur Ramos accumulated a vast collection which illustrates and documents the research carried out throughout time, and which comprised the Arthur Ramos Collection, partly acquired by the Universidade Federal do Ceará in 1959, lollowing his early death. How was this collection built up and what are its leatures? What is the state 01 the arts 01 this trove 01 documents under the custody 01 the institution which acquired it? The centennial 01 Arthur Ramos' birth, celebrated in 2003, have inspired the wriling 01 this article which aims at not only paying homage to this dedicated scholar 01 Black culture, but also disclosing the existence 01 these National Heritage and History materiais in their collection processo "Doutora em Ciência da Informação, Professora do Curso de História e do Mestrado em Memória Social e Documento da UNIRia _ .. (...) U111.aciéncia do homem e da socie-dade de que ele é integrante", COSTA, ICLÉIA THIESEN MAGALHÃES. 115 COLEÇÃO ARTHUR RAMOS: DA MUSEALlZAÇÃO À (IN)VISIBILlDADE E AO ESQUECIMENTO. p.115 A 128.

COLEÇÃO ARTHUR RAMOS: DA MUSEALIZAÇÃO À … · de seu tempo, pautadas na inferioridade da raça negra, mas também ao ressaltar o valor intelectual do negro. Por outro lado,

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COLEÇÃO ARTHUR RAMOS:DA MUSEALIZAÇÃO À {IN)VISIBILIDADE

E AO ESQUECIMENT01

Em sua trajetória decientista social ArthurRamos, antropólogo e

pesquisador interessado noe tudo das culturas negrasno Novo Mundo, do folcloree da Psicanálise, tendo sidoconsiderado por muitos e,em especial, por RogerBastide? e Donald Pierson>,um expoente das dinâmicasdo seu tempo, acumulouum acervo que reflete,ilustra e documenta aspesquisas realizadas aolongo do tempo, que con-formaram a Coleção ArthurRamos, cujas informações,segundo veremos, espelhama memória e a trajetóriacientífica deste pesquisador.

Adquirido pela Uni-versidade Federal do Ceará,em 1959, dez anos apóssua morte, pelo professorAntônio Martins Filho,então Reitor da UFC, oacervo foi entregue aoMuseu do Instituto deAntropologia (Girão, 1971:95), Como se formou aColeção Arthur Ramos? Quais as suas caracte-rísticas? Qual o estado da arte do conjuntodocumental sob a custódia da instituição que oadquiriu? No momento em que se comemora oCentenário de nascimento de Arthur Ramos éimportante procurar, se possível, responder a essas

questões, meta principaldeste trabalho. Para aconsecução de tal objetivo,são analisados, especial-mente, alguns documentosconstantes do ArquivoArthur Ramos, sob a guardada Biblioteca acional, bemcomo entrevista, realizadacom a pesquisadora LuitgardeOliveira Cavalcanti Barros",doravante denominada BalTOS,

uma estudiosa do assuntoque generosamente abriucaminhos possíveis paraessas e outras fontes deestudo sobre esse pioneirodas pesquisas do negro noBrasil.

Arthur Ramos, emsuas pesquisas antropo-lógicas, desenvolveu umaconcepção de cultura como"uma síntese nova que nospermite a compreensão dapersonalidade humana deque é inseparável" (Ramos,1948: 94). Essa noção pode,de alguma maneira, explicaras características de suaColeção, pois esse estudioso

considerava a mudança cultural nos processosde aculturação. esse sentido, entendia aAntropologia como

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ICLÉ1A TH1ESEN MAGALHÃES COSTA'

RESUMOEm sua trajetória de cientista social, Arthur Ramos acu-mulou um vasto acervo que rellete, ilustra e documentaas pesquisas realizadas ao longo do tempo, que conter-maram a Coleção Arthur Ramos, em parte adquirida pelaUniversidade Federal do Ceará, em 1959, após sua morteprecoce. Como se lormou essa Coleção e quais as suascaracterísticas? Oual o estado da arte do conjunto do-cumental sob a custódia da instituição que o adquiriu? Aoportunidade do seu centenário de nascimento, come-morado em 2003, inspirou a realização deste artigo, quetem por objetivo não apenas homenagear esse estudio-so da cultura negra, mas também divulgar a existênciadesses materiais da Memória e da História, em seu pro-cesso de acumulação.

ABSTRACTIn his career as a social scientist, Arthur Ramosaccumulated a vast collection which illustrates anddocuments the research carried out throughout time, andwhich comprised the Arthur Ramos Collection, partlyacquired by the Universidade Federal do Ceará in 1959,lollowing his early death. How was this collection builtup and what are its leatures? What is the state 01 thearts 01 this trove 01 documents under the custody 01 theinstitution which acquired it? The centennial 01 ArthurRamos' birth, celebrated in 2003, have inspired the wriling01 this article which aims at not only paying homage tothis dedicated scholar 01 Black culture, but also disclosingthe existence 01 these National Heritage and Historymateriais in their collection processo

"Doutora em Ciência da Informação, Professora do Curso deHistória e do Mestrado em Memória Social e Documento daUNIRia

_ ..

( .. .) U111.aciéncia do homem e dasocie-dade de que ele é integrante",

COSTA, ICLÉIA THIESEN MAGALHÃES. 115COLEÇÃO ARTHUR RAMOS: DA MUSEALlZAÇÃO À (IN)VISIBILlDADE E AO ESQUECIMENTO. p.115 A 128.

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-conjugando ao conceito de cultura aidéia de êthos. Para e/e, "não existe umatipotogia de grupos étnicos, mas compor-tamentos diferenciais em relação comospadrões de cultura. Se estes padrõesmudam, a personalidade se modificacom eles. Há uma dependência estreitaentre o indivíduo e seu meio socio-cultural (Ramos, 1948: 96),

Sendo o homem agente efetivo de todo oprocesso de cultura, quando migra o objeto ouartefato cultural ele "(, ..) adquire nova função,em relação às necessidades básicas do homemdo novo ambiente". E foi esse espírito da culturanegra que Ramos procurou compreender em seusestudos etnográficos.

No final da década de 1930, as pesquisassobre a cultura negra no Novo Mundo foramenriquecidas com três volumes, de leituraautônoma, publicados, respectivamente, em 1934,1935 e 1937. São eles: O negro brasileiro;O folclore negro do Brasil e As culturas negrasno Novo Mundo. Estes são apenas alguns títulosque revelam resultados de seus estudosetnográficos sobre o tema predominante dacoleção formada por este personagem'.

Numa época em que predominava oarianismo nazista, Arthur Ramos inovava comseus estudos afro-brasíleiros, não apenas aoinstituir uma abordagem da teoria da cultura emcontra posição à teoria das raças, contrariando,portanto, as teses vigentes no universo intelectualde seu tempo, pautadas na inferioridade da raçanegra, mas também ao ressaltar o valor intelectualdo negro. Por outro lado, em sua trajetória depesquisador atento à multiplicidade das tribosde origem negra, reunidas no mesmo espaço detrabalho escravo, em terras brasileiras, procuroudistingui-Ias, em suas especificidades ecaracterísticas, para melhor analisá-Ias no âmbitodos fenômenos de aculturação e sincretismoreligioso.

Arthur Ramos, nos seus 46 anos de vida,produziu inúmeros estudos publicados em forma

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de artigos e livros, em matérias de jornais queescreveu por influência de Nilo Ramos, seu diletoirmão. Ministrou diversos cursos, conferências,discursos, comunicações, tendo participado deum grande número de seminários, mesasredondas, congressos, no Brasil e no exterior.Humanista, participou de diversas campanhaspara a construção de instituições médicas, comoum hospital, no Pilar CAL),o manicômio judiciáriona Bahia. Lutou pela paz, pelo fim dos regimestotalitários, tendo assinado inúmeros manifestos,como o Manifesto aos Republicanos Espanhóis(1937), o Manifesto pela Paz e pela Civilização(1938), o Manifesto de profissão de fé demo-crática na luta contra as potências totalitárias(1942). Lançou, ainda, o Manifesto Contra o Racismo,em sessão extraordinária da Sociedade Brasileira deAntropologia e Etnologia, em 1942, por ele fundadaum ano antes, dela tendo sido presidente no períodode 1941-1943.Essa profícua trajetória de pesquisadortomou possível a acumulação de 5.000 documentosconstantes de seu arquivo particular, posteriormenteadquirido pela Biblioteca Nacional, bem como umabiblioteca e um museu. Fragmentos dessa históriaserão aqui reconstituídos.

Um pequeno museu africanista

Estamos em 20 de abril de 1938, no Rio deJaneiro. Em seu apartamento situado na Rua doRussel, no 122 andar, nosso personagemconcedeu entrevista ao jornal A Gazeta de SãoPaulo, intitula da "Da civilização negra àpsychanalyse", em seu gabinete, cercado de livros.Conforme relatado pelos jornalistas, "(i.') uminstrumento estranho chama-nos atenção. ArthurRamos percebe a nossa curiosidade" e explicatratar-se de um tronco do tempo da escravidão;um, dentre muitos objetos que possui, abrindoum armário que contém ata baques, adufos,esculturas negras, amuletos.

Trata-se de um tesouro acumulado pelopesquisador, um lugar de memória, certamente.Mas também testemunho de suas pesquisas quevisavam não apenas denunciar a teoria da

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raças, mas indicar as sobrevivências culturaisafricanas no Novo Mundo, os processos deaculturação, em termos de cultura e não deraça. Sua coleção reflete isso: um clamor contrao esquecimento, ressaltando o valor intelectualdo negro no Brasil.

Às vésperas de fazer uma conferência em SãoPaulo, a convite do Departamento Municipal deCultura, Arthur Ramos explica aos jornalistas que

(. ..) essa iniciativa prende-se às co-memorações do Cinqüentenário daAboliçào, que estão despertando muito:interesse em todo o pais. Mas é precisoque se note um fato muito significativo:outrora festejava-se o 13 de maiocom discursos, hinos epoesias, conside-rando-se apenas o seu aspectopolítico eanedôtico, hoje a data suscita estudos,pesquisas sobre a contribuição donegro em nossa civilização. Mudou amaneira de encarar o fato histórico eisso devemos - diz ele - aos esforços daescola de Nina Rodrigues, que levanta-ra outrora o problema real do negro ...

Por solicitação do Ministro da Educação,conforme relata, Arthur Ramos foi instado adesignar temas de estudos que deveriam serdesenvolvidos por especialistas, "(. ..) numverdadeiro curso de conferências africanistas.Em São Paulo e Minas verifica-se o mesmointeresse ...". Quais foram os temas? O antropólogoestabeleceu dois temas principais, subdivididosem vários itens:

(. . .) o problema da escravidão e oabolicionismo, do qual posso citar osseguintes itens: navios negreiros,história do tráfico, O trabalho escravo,insurreições negras, campanha aboli-cionista, etc.

Em seguida Ramos fala sobre o segundotema:

. -- ...•-.'.._~.

(. ..) o problema do negro na vida dacivilização brasileira, com os seguintesitens: sobrevivências culturais do negrono Brasil, religiões, folklore, sobrevi-vências artísticas, culinâria afro-brasileira e muitos outros.

Como nosso personagem interessou-sepelo problema do negro? Diante da pergunta dojornalista, Ramos reporta-se à sua experiênciacomo médico legista na Bahia, quando abraçoupesquisas sob as orientações de Nina Rodrigues,explicando

(...) aprioridade dessesestudos modernoscabe a nós, continuadores do mestrebaiano. (. ..) Continuadores de NinaRodrigues, devemos, entretanto, ressalvarque o seguimos apenas no método, naorientação, sem esposarosprincípios queele estabeleceu.

O mais importante princípio negado porArthur Ramos, único mencionado nessaentrevista, é o fato de Nina Rodrigues consideraro negro um elemento inferior. Ramos explica queseu mestre, por dispor de

(. ..)parcas contribuições ao alcance deseu tempo, elefoi levado a esseerro. Nósjá não admitimos tal hipótese, emborafiéis ao método preconizado pelo mestre.

Com as comemorações dos 50 anos daAbolição da Escravatura, em 13 de maio de 1938,Arthur Ramos é entrevistado pelo jornal O Globo,no Rio de Janeiro, então capital do país.Preparando-se para uma série de conferênciasque iria proferir em São Paulo, sobre temas afro-brasileiros, forneceu aos jornalistas apontamentossobre o tema, com o propósito de

(. ..) informar aos leitoressobre episódiose aspectos simultaneamente pitorescose trágicos da escrauidão.

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-Fala sobre castigos, quilombos, negros e

capoeiras na Guerra do Paraguai, exaltando osvalores do negro e sua influência na culturabrasileira. Conforme se lê na entrevista,provavelmente parte das anotações cedidas peloantropólogo, Rui Barbosa, quando Ministro daFazenda nos primeiros meses da República, "(...)mandou destruir nas alfândegas quaisquerdocumentos que lembrassem à posteridade coisasda escravidão". Fato bastante conhecido ecriticado não apenas pelos historiadores e outrosespecialistas, mas uma marca negativa noimaginário e na memória nacional. Tudo indicaque Arthur Ramos, em sua trajetória, faz ummovimento contrário ao do célebre jurista,documentando e divulgando a saga do negroescravizado no Brasil, procurando evidenciar seusatributos e, em especial, seu valor intelectual. Emseu clamor contra o esquecimento, o antropólogoressalta alguns aspecto e heranças dessa cultura:

Muitos engenhos efazendas houve ondeeram os escravos, na maioria de origemislâmica, os únicos que sabiam ler.Eportoda parte, na música, na pintura e nasletras há uma influência negra próximaou remota.

Em suas excursões pelo interior do paísrecolhe, ainda, objetos que representam o ladosombrio da vida negra escrava, entre os quaisinstrumentos de tortura, por ele classificados como"(. .. ) de captura e contenção, suplício eaviltamento". Ramos mostra sua coleção particularaos jornalistas: correntes, gonilhas, gargalheiras,tronco, algemas, viramundo, machos, cepo, peiae corrente. Entre os instrumentos de suplíciocatalogados estão máscaras, anjinhos, palmatórias,etc. Ferro para marcar e placas com inscriçõesconstituem meios de aviltamento.

Ao comparar o negro ao índio, ArthurRamos explica

(. ..) o negro não era inferior ao índiono seu espírito de liberdade (. . .),

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[entendendo que] os africanos forampreferidos justamente pelo seu grau decultura. Eles já se encontravam numestado de civilização mais adiantado:o da lavoura e mineração. Que não erammenos ciosos da liherdade provam-nosos quilombos.

Menciona, dentre outros, Palmares,

(. ..) que se tornou histórico (. ..), o de Riodas Mortes e de Vila Rica, em Minas,os do Maranbão e da Paraiba, os doLeblon e São Cristóvão nesta capital,já nos tempos de maior agitaçãoabolicionista e o ele Serra de Cubatâoem São Paulo.

Entretanto, outros objetos sào reunidos emarmários de seu apartamento, como santos paraarranjar casamento, objetos religiosos daumbanda e do candomblé, gravuras, desenhos epinturas, anúncios de vendas e de leilões deescravos. "Anúncios que prometiam gorjetas aquem descobrisse e entregasse ao senhor negrosfugidos'".

Sobre os quilombos, menciona as confrariasde Nossa Senhora do Rosário e São Benedito,"patronos dos homens de cor no céu". Havia, nasconfrarias, a coleta de dinheiro entre escravos,utilizado para alforriar os habitantes das senzalas.Ramos narra a história de um deles:

Rei no continente negrofoi aprisionadopelos "pombeiros" e trazido para o eitono Brasil. Liberto Iormou O quilombo deVilaRica onde, de acordo com a "histó-ria antiga de Minas", de Diogo de Vas-concelos, encontrara uma mina deouro, explorando-a.

Outras notícias sobre sua coleçào estàdocumentadas em seu arquivo, como umreportagem feita por José Condé, para a revisO Cruzeird', de 30 de outubro de 1937, contend

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-fotografias do casal Ramos com Mário deAndrade, de Arthur Ramos com o autor damatéria, desenho de antigo escravo acorrentado,o quadro "Xangó", de Luiz Jardim, escultura de"Iansà'', e o antropólogo mostrando objetos dotempo da escravidão. A reportagem, logo noinício, menciona a existência da Coleção ArthurRamos:

Possui o autor de O Negro Brasileiro,em seu apartamento, no Flamengo, umavaliosa coleção de tudo que diz respeitoaos estudos afro-brasileiros. ídolosfetichistas, ata baques usados nos can-domblés, objetos do tempo da escravidão,trabalhos de arquitetura de negros,assim como diversas gravuras de valorincontestável. E, uma vasta bibliotecasobre o negro aqui, e no estrangeiro(grifado por mim).

Ao iniciar a entrevista, Arthur Ramos, umavez mais, explica as razões que o levaram aestudar a cultura negra e a abordagem de suaspesquisas:

Criou-se uma vasta literatura. Para oamerindio, tudo: poemas, nomes decidades, de ruas, de monumentos.O negro ficou esquecido. No entanto,não há mais dúvidas hoje em dia, deque sua influência naformação socialdo Brasil foi bem superior à daquele.O indígena, inadaptâuel ao trabalho dalavoura, recuou para o interior do país,enquanto nas fazendas, nas plantaçõesde cana de açúcar, nas minas, enfimem todo o litoralfoi o negro um elementode grande atividade. O maior fatorde solidificaçâo da nossa sociedadecolonial.

As razões desse silêncio são explica das emseguida."Diversos fatores influíram para que seconsumasse essa injustiça: o preconceito de cor,

a 'inferioridade da raça negra', por exemplo. "Adiante, argumenta o sentido do seu

trabalho:

Em nossos trabalhos temos visado de-monstrar a importância das sobre-vivências das culturas africanas nacivilização brasileira, abordando oproblema sem nenhum preconceito de"linha de cor" ou de doutrinas de"inferiorização" antropológica do Negro.

Ramos explica ao jornalista José Condé deque forma vinha abordando o tema dassobrevivências negras no Brasil, refletidas emseus livros. Sobre As Culturas Negras no NovoMundo, diz o autor:

Lancei uma vista de conju nto sobre assobrevivências culturais africanas noNovo Mundo para estabelecer cotejoscorrigindo assim as deficiências dométodo histórico. Mostro, por fim,as resultantes da aculturação, isto é,as conseqüências que, para a nossacivilização aduieram dos contatos deculturas: européia, africana e amerindia.Coloco assim o problema em termos decultura e não de raça, seguindo os maislegítimos métodos contemporâneosde psicologia social e da antropologiacultural.

A importância do negro escravo é por eleevidenciada, em várias oportunidades:

(, ..) base da nossa economia e, talvezassim, osformadores da nacionalidade.Os seus braços garantiram quando outroelemento não existia para o cultivo da"(...) terra boa que nela se plantandotudo se dará" a riqueza do país. Tantona época do açúcar, que se seguiu àindústria do pau brasil, quanto nado café, dos minerais e da pecuária.

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-Nos engenhos, nas buscas do ouro e nasfazendas, o único trabalho era o seu.Daí a campanha abolicionista terencontrado a resistência dos escravo-cratas que a julgavam ruinosa à pros-peridade do Brasil.

Enquanto o antropólogo tecia conside-rações sobre suas pesquisas e diante dos objetosexpostos ao olhar dos que ali freqüentavam, JoséCondé relata que se puseram a recordar umcandomblé: "a tristeza dos negros nas cantigastristes dos atabaques. A noite longa, batuqueritmado".

No entanto, o principal testemunho sobrea existência dessa Coleção encontra-se registradopelo próprio colecionador. Na seção Doeu-mentário, da revista Cultura, editada pelo entãoMinistério da Educação e Saúde, Arthur Ramospublica o artigo "Arte Negra no Brasil", ondeanalisa e discute os processos de aculturação donegro africano, através da sua arte. Descrevevários exemplares de esculturas, objetosoriundos de práticas religiosas, do candomblée da macumba, estatuetas, figas, mencionandoinúmeras vezes a sua Coleção, bem como oslugares onde foram "colhidas" (Ramos, 1948a:200). O antropólogo caracteriza a arte negra dediferentes culturas africanas e aquela jáproduzida no Brasil, quando sofre alteraçõessubstantivas:

As peças de nossa coleção, reproduzidasnas pranchas II e III são três exemplos quedocumentam as sobrevivências de francaestilização africana. Foram colhidas noscandomblés da Bahia, em 1927, mas nãoconseguimos apurar a data da sua feitura.No tempo de Nina Rodrigues, muitas destaspeças vieram da África e foram conservadasreligiosamente no recesso dos candomblés.Depois, o contato com a África foi-se tornandocada vez mais difícil, e as peças começaram a serfeitas na Bahia, pelos velhos negros que ensinaramsua arte aos mais jovens, que a perpetuaram.

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Denuncia o articulista, uma vez mais, ospreconceitos em relação à arte negra, quasesempre categorizada como arte primitiva. RamosC1948a: 189) explica que:

Culturas primitiuas são, na realidade,culturas não-européias, e a expressãoprimitivo, no sentido de anterioridadetemporal e inferioridade especifica, vemindicar a existência do preconceitoeuropôide ou ocidentalôide, que aferiuos ualores culturais e artísticos pelos seusprôprios padrões de civilização. (. . .)O artista africano é coletivista. Sua arteé tribal, está ligada, em essência, aosimpulsos mais profundos da sua vidareligiosa, mágica e cerimonial. Epor issomesmo, como veremos mais adiante, estaarte oscila entre as solicitações da vidainstintiva e emocional e as mais altasexpressões da sua V<1eltanschauung.

Arthur Ramos finaliza seu artigo, cujaproposta é "(. ..) documentar esta sobrevivêncianos costumes afro-brasileiros", com um lamento:

Forma e efigie dos seus deuses, sombrasdo passado, de um passado de contras-tes, de exaltação mitológica e de deses-peros sombrios da captura, do êxodo eda escravidão C1948a: 211).

Ao lado do antropólogo, nos seus afazerescotidianos, encontramos a figura de sua esposa,Luísa Ramos. Em entrevista a Dom Casmurro",de 26 de agosto de 1939, ela fala, com a maisexpressiva humildade, sobre seu papel de mera"auxiliar, secretária apenas" do antropólogo, fatoque não se sustenta no desenrolar da matéria.Ela explica à jornalista que interrompeu

(. ..) um trabalho sobre estatística paraatender a Dom Casmurro. A minha vida,na realidade, é uma preocupaçãoabsorvente pelos estudos do meu marido,

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-e qualquer coisa fora dela são pausasintercaladas.

Insiste em corrigir a jornalista que a elogioucomo "colaboradora preciosa", mas, ao fazê-lo,mostra que vai além das tarefas de datilografia earquivamento dos dados informativos, antesmencionadas:

(. ..Idespacbo a sua enorme corres-pondência do Brasil e do estrangeiro e,o que requer mais paciência e tempo,interpreto os documentos antigos, o queequivale às vezes a uma verdadeira tra-dução.

Luísa fala sobre as dificuldades derealização da pesquisa, em vista da escassez dedados, pois poucos chegaram até nós, graças àdestruição platônica dos abolicionistas quepensaram apagar a mancha da escravidão com adestruição dos documentos referentes ao negro.Para um particular, adquirir material de estudosuficiente é quase impossível devido àsdificuldades financeiras.

A jornalista Zoia de Laet menciona a famado museu de africanologia de Arthur Ramos que,segundo ela, corria o mundo. Luísa explica queo museu, no entanto, "é bem pequeno, sepensarmos no que se perdeu" (grifado por mim).Não vai adiante em seu comentário e, por isso,não se pode saber a que se devem tais perdas,nem o material perdido. Zoia descreve osobjetos colocados em um armário, mostradospor Luísa:

(. ..) originais testemunhos da culturareligiosa do negro brasileiro: estatuetastalhadas em madeira e recobertas depi-che, Exu, Xangô, Iansã, as roupas dasIaôs, colares, amuletos, desde asfigas deGuiné até aspontas de aço para espan-tar Exu, o diabo, e cocares, braceletes,xequerés, espadas trabalhadas em me-talpara Ogun.

Tudo atesta a observação de Calógeras:"O negro é metalurgista nato" (Laet: 1939).

A esposa do antropólogo conhece emminúcias o trabalho de etnologia desenvolvidopor Arthur Ramos, como pode ser verificado emseu comentário sobre o museu:

Por essesfetiches que Artbur e eu reco-lhemos em nossas viagens pelo nordes-te, pode v. avaliar o sincretismo a quechegaram os cultos negros no Brasil.Além da fusão das religiões bantus,malês e nagôs, veio misturar-se atudo isso a dos índios, resultando os"candomblés de caboclo" tão comunsna Bahia.

Mostrando cultura e erudição, Luísadescreve minuciosamente as guias, suas cores esignificados, assim como estatuetas, suascaracterísticas e valor religioso. Conta que, paramelhor estudar os ritos negros, Arthur Ramos

(. ..) se deixou sagrar "Ogan" (protetordo candomblé), sendo seu orixá o SãoJorge dos negros: Oxóssi. Ao passarempara o gabinete de estudos, amplasestantes cobrem as paredes. (, ..) U111.

amigo dedicado recolheu este rarissimomaterial de suplício do negro em umafazenda do Estado do Rio. São troncosde tortura, algemas, argolas epesosparadificultar o andar dos negrosfugidos.

Mais adiante, Luísa confirma a formaçãoda Coleção do titular e sua metodologia detrabalho etnográfico:

Todoessematerial que aí vêfOi recolhidopor nós em excursões pelo interior doBrasil. Sempre que decidimos umaviagem de recreio ela se transforma logonuma viagem de estudos observantes.E o que se convencionou em ser admi-ração extática da paisagem se modifica

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-numa ânsia de recolher todos os dadosque nosfor possível. Da manhã à noiteé escrever e arquivar.

Ao final da entrevista, Luísa discorre sobreos motivos musicais dos negros, certamentepara explicar objetos pertencentes ao acervo:"( ... ) o rádio está abafando tudo que há deoriginal na música africana. Tudo hoje traz o selodo samba.". jongos, batuques, macumbas sãoouvidos em discos selecionados pela anfitriã.A jornalista comenta que se trata de músicaagreste e selvagem, logo corrigi da por Luísa: "c...)agreste, sim, selvagem é um ponto de vistacivilizado. Primitivo e ingênuo, com certeza.".

A existência da Coleção Arthur Ramos nãopode ser contestada. Testemunham sobre ela esua formação, não apenas seu titular, mas aesposa que vivenciou, em grande parte, a recolhade inúmeros objetos encontrados em excursõese atividades de pesquisa pelo interior do país.Além dos colecionadores, os jornalistas querealizaram as entrevistas antes mencionadasregistram e descrevem parte desse acervodocumental. O conjunto das informaçõesdisponíveis dá conta de que esse acervo é,originalmente, constituído de material biblio-gráfico, museológico, arquivístico e iconográfico.No entanto, esses materiais da memória e dahistória da cultura negra, bem como da trajetóriado antropólogo, guardados nos armários eestantes de sua residência, onde ficaram expostosdurante décadas, para um público restrito eespecializado-", tomam um outro rumo após suamorte, até a institucionalização como Museu noextinto Instituto de Antropologia, na UniversidadeFederal do Ceará.

Conforme veremos, nem tudo que um diaconstituiu, na origem, a Coleção Arthur Ramossobreviveu. Após sair das mãos dos colecio-nadores, o casal Arthur Ramos, esta sofreufragmentações e perdas sucessivas, seja pela açãodo homem, seja por obra das intempéries queassolam as instituições-memória - arquivos,bibliotecas e museus. Para compreender a sua

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identidade é preciso voltar no tempo e tentarrecompor os fatos com elementos do passado quepodem esclarecer o estado da arte desta Coleçào.

A coleção Arthur Ramos:organizar, musealizar e expor.

Após a morte precoce de Arthur Ramos,em 1949, aos 46 anos de idade, sua esposa

(. ..) teve a idéia de vender a Bibliotecae o Museu. (. ..) Como ela tinha oapartamento do Edifício Tupi, na Av.Atlântica, ela venderia também esseapartamento (...) e com esse dinheiroela criaria a Fundação Artbur Ramos(Barros, 2003).

Em seu livro de memórias, o professorAntônio Martins Filho, criador e 1º Reitor daUniversidade Federal do Ceará, a qual dirigiudurante 12 anos 0955-1967), refere-se a umaviagem ao Rio de Janeiro, em 1958, para ultimara compra do Museu Antropológico, Biblioteca ede uma valiosa coleção de gravuras, pertencentesà viúva do eminente antropólogo Artur Ramos.Na compra também haviam sido incluídas apreciosa Coleção de Rendas de Bilros, organizadapela Senhora Luísa Ramos, e mais os direitoautorais sobre a monografia A Renda de Bilro esua aculturação no Brasil, de autoria de Luísa eArtur Ramos. A aquisição foi excelente e serviude base à instalação do nosso Instituto deAntropologia (Martins Filho, 1994: 152).

No ano anterior, o então Reitor da UFCconforme conta na mesma obra (p. 117), emviagem à Cidade do México teve uma impressãomuito forte, motivada pela riqueza do acervoantropológico e das reminiscências dacivilizações indígenas, ali suficientementeexploradas do ponto de vista turístico e tambémna área da pesquisa científica.

Em sua política de expansão cultural, frenteà Reitoria da Universidade, durante quatrogestões, com "(...) a criação e instalação de nova

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Page 9: COLEÇÃO ARTHUR RAMOS: DA MUSEALIZAÇÃO À … · de seu tempo, pautadas na inferioridade da raça negra, mas também ao ressaltar o valor intelectual do negro. Por outro lado,

-unidades de pesquisa" (p. 158), Martins Filhocertamente já planejava impulsionar os estudosantropológicos, pois, em 1957 patrocinou

(. ..) um Curso de Preparação Antro-polôgica, a que compareceram quase150 candidatos, e que se revestiu deabsoluto êxito (p. 131).

Em outro momento de suas memórias, oProfessor lembra que o Serviço de Antropologia,dirigido pelo eminente mestre Thomaz PompeuSobrinho, que, aliás, nunca recebeu a menorremuneração por parte da Universidade, foielevado à categoria de Instituto. PompeuSobrinho ficou muito contente com a minhainiciativa de adquirir, por compra, o acervobibliográfico de Arthur Ramos (p. 158),

O mencionado Instituto de Antropologiateve vida breve e foi a célula inicial do Curso deCiências Sociais da UFC. Em sua entrevista,Luitgarde Barros lembra ter ouvido de MartinsFilho, que em sua visita à Biblioteca acional,para ultimar a compra do Museu Antropológico-tal como estava nomeado naquela instituição-desconhecia a existência do acervo que entãointegrava o referido Museu e, naquela ocasião,estava colocado em caixas amontoadas. "Naquelemomento ele se inspirou em criar o Instituto deAntropologia" (Barros, 2003).

O que continha então o chamado Museu?Além da coleção de gravuras já mencionada, cujonúmero é desconhecido, havia cerca de 2.000amostras de rendas de bilro, uma vasta Biblioteca,mais de 400 peças de arte negra 11 e, ainda, umacervo contendo mais de 5.000 documentos. Estemontante acaba sendo desmembrado antes deser musealizado, posteriormente, no Instituto deAntropologia, hoje extinto. Em sua entrevista,Barros conta diversos episódios ocorridos nopassado, que podem ilustrar e esclarecer aspectosque dizem respeito à Coleção:

Em. 1973, no Ceará, na primeira vezque eu fui lá pesquisar o Padre Cícero,

eu entrevistei o Doutor Raimundo Girão,que dirigia o Instituto do Ceará e asobrinha dele, a historiadora ValdeliceGirão. Ela cuidava do material que oDr. Martins Filho diz ter comprado daviúva de Artbur Ramos, na BibliotecaNacional. Aqui está a relação dos livrosda Coleção de Artbur Ramos, recebidapelo Proj Francisco de Alencar, já emFortaleza. É a única relação dos livrosque chegaram lá.A relação dos livros, cuja cópia me foientregue durante a entrevista contém 1 72itens, entre os quais livros, enciclopédias,artigos de periódicos, discursos, sepa-ratas, de diversos autores (individuais einstitucionais), em diferentes idiomas.

Uma outra lista a que ela se refere, maisadiante, contém 213 peças museológicas, daColeção Arthur Ramos e 40 amostras de rendasde bilro, da Coleção Luísa Ramos. É bastanteprovável que o acervo mencionado na segundalista esteja hoje na Casa de Cultura José de Alencar,embora incompleta. Se considerarmos as notíciassobre "(...) mais de 400 peças de arte negra",verificamos que apenas a metade chegou aodestino. Mas, também é possível que esse númerodo qual se ouvia falar correspondesse ao somatórioaproximado das duas listas. E a outra possibilidadeé que tenha havido perdas.

Não se pode apurar hoje a exatidão dessatotalidade, pelas razões que veremos a seguir.

Eu não vi no Ceará essas iconogra-fias; não estavam mais no Instituto doCeará em 1973 e muito menos emMessejana depois que Valdelice seaposentou. (Barros, 2003),

Em nossa entrevista, a antropóloga contaque Luísa Ramos foi lesada e o advogado que feza transação com o Governo Federal - os pareceresa favor da compra são de 1952 - não repassoupara ela, senão tantos anos depois que a inflação

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-comeu tudo e ela que pensava ter a Coleçãoíntegra na Biblioteca Nacional...

Mais adiante, Barros comenta, ainda, quenão entendeu qual foi o problema ocorridodurante o processo de venda da Coleção,preservando a sua integridade, pois a transaçãoque parecia ter sido feita entre Luísa Ramos e aBiblioteca Nacional - onde, aliás, estava o acervoquando da sua compra pela Universidade Federaldo Ceará, não se efetivou senão em 1958, dataem que o professor Martins Filho compradiretamente da viúva parte da Coleção ArthurRamos. Ela explica que

(. ..) a sensação que eu tive durante aentrevista que ele me deu é que ela!Luísa Ramos] começou a negociação,pediram para ela entregar o material,ela entregou tudo e o advogado não acolocou com o processo terminado(Barros, 2003).

o então Reitor da UFC escolheu os livrosque constam da relação citada.

No entanto, Luitgarde relata

Dr.Martins Filho dizia que comprou cer-ca de 800 livros, mas a biblioteca doArthur Ramos era de muitos milhares delivros, era muito comentado o tamanhoda biblioteca dele. Ele alugava umapartamento onde coubesse a biblioteca;eles eram um casal sem filhos e nuncamoraram em apartamento menor quetrês quartos. Onde ele viveu tinha umabiblioteca imensa ocupando a casa todae um museu. E a Biblioteca Nacionalrecebeu o museu e a biblioteca toda. (. ..)Mas o tombo original desa-pareceu noCearáporque a bibliotecafoi inundadanum desses anos de chuva (, ..)ODr.Martins Filho era muito cuidadosocom essas coisas e, no entanto, não es-capou e a bibliotecária originária deudepoimento, por telefone, a pedido

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dele, para mÍl11,dizendo isso, que otombo original do que chegou ao Cearádesapareceu.

A existência da lista de livros se deve aoprofessor Francisco de Alencar, que a elaboroue forneceu cópia à Luitgarde em 1973. Os pesqui-sadores da Biblioteca Nacional procuraramsistematicamente o documento de aquisição doacervo, que nunca foi encontrado,

(...) nem as diretoras da Seção de Manus-critos conseguiram encontrar a relaçãodo que entrou na BN. Eu sempre mepreocupo em. localizar isso. A CarmenMoreno teve muita preocupação comisso e não conseguiu ver este tombo(Barros, 2003).

Após a seleção do professor Martins Filho,a Biblioteca Nacional distribuiu os livros querestaram e a Coleção foi desmembrada, exceto osmanuscritos. A aquisição e a organização dessesdocumentos são relatadas por Barros. Em 1972,ela conheceu o coronel Paulo Ramos, sobrinhode Arthur Ramos, que lhe falou sobre Zoé CoelhoNeto, irmã de Luísa Ramos, herdeira de seus bensquando de sua morte. Em 1985, após a morte deZoé, seu filho, o general Ernesto Coelho eto,entra em contato com o coronel Paulo Ramos,informando sobre o material entregue por LuísaRamos a sua irmã, pertencente ao tio, ArthurRamos. Ambos tinham sido expedicionáriosda FEB, na Segunda Guerra Mundial, e secorresponderam com o antropólogo, que tinhasido um dos grandes incentivadores para que oBrasil combatesse os países do Eixo. Após a mortede Zoé, sua casa na Gávea seria vendida e o acervode documentos foi dado a Paulo Ramos que, porsua vez, ofereceu a Luitgarde, por considerá-Iadivulgadora da obra de seu tio. Sem condiçõede receber essa doação, a Professora sugeriu queo acervo fosse doado à Biblioteca Nacional.

Em 1985 dirige-se à diretora da instituição.a escritora Maria Alice Barroso, e com ela negocia

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- B~:t-1-1JFr:P[~~jOC·~CC:~

a doação, sob a condição de que fosse criado oArquivo Arthur Ramos, que não existia. Assimfoi feito e, no ato de assinatura do termo dedoação, ocorreu uma bonita cerimônia.

De 1985 a 2000 foi feito um trabalhoininterrupto de catalogação, tratamentode material, tudo foi perfeitamente orga-nizado e foi feito o catálogo, que aindanão estápublicado (Barros, 2003).

Assim se deu a criação do Arquivo ArthurRamos, disponível para pesquisas, o que permitiurecuperar informações fundamentais para aelaboração deste trabalho.

A Coleção Arthur Ramos, tal como foiorganizada e, posteriormente, documentada pelaprofessora Valdelice Carneiro Girão, em separatada Revista de Ciências Sociais, da UniversidadeFederal do Ceará, em 1971, era composta depeças de grande valor etnográfico, tais comoesculturas, máscaras, guias de santos, lequessagrados, capacetes de pais-de-santo, espadas deOgum, flechas, imagens de santos, figas, pulseirasde filhas e mães de santo, búzio , ex-votos, entreoutros objetos, perfazendo um total de 212peças numeradas e descritas de acordo cominformações disponíveis sobre cada uma delas.Em alguns casos, consta a ressalva "c. .. )procedência ignorada". Valdelice relata asdificuldades que encontrou em classificar omaterial adquirido, considerando-se "a falta deinformações precisas" (Girão, 1973: 95).

A classificação e descrição do acervo cons-tante da Coleção Arthur Ramos, institucionalizadacomo Museu e descrita na mesma publicação de1973, obedeceu "(...) critérios já adota dos peloprofessor Arthur Ramos (...)" que, pela lógica deacumulação, vale a pena serem citados:

Série A- Macumbas e candomblés;Série B- Plantas, "banhos", "defumadores", etc,Série C -"Garrafadas", não chegou ao

Museu;Série O - Objetos etnográficos não negros;

Série E - Instrumentos de música e ferroda escravidão;

Série F - Objetos africanos.

No mesmo artigo, informa ValdeliceCarneiro Girão que o Museu pertencente aoextinto Instituto de Antropologia tomou para sia responsabilidade de "(...) zelar pelo patrimônio,assim como divulgar, por meio de publicações,exposições, etc.", por compromisso assumidocom a família Ramos.

Além desse acervo, a UFC adquiriu, namesma data, a chamada Coleção Luísa Ramos,contendo "amostras de rendas e bilros" (Girão,1973: 95), cuja classificação elaborada pela mesmaprofessora Valdelice constituiu, mais de dez anosdepois, um catálogo publicado pela UniversidadeFederal do Ceará12, onde se lê, na Introdução:

As rendas de bilros do Museu ArthurRamos da Universidade Federal doCeará estâo divididas em duas partes:Coleção Luísa Ramos e Coleção Rendasdo Ceará.

Pelo fato de a bibliografia sobre o assuntoser escassa, Girão informa que recorreu

(. ..)a questionários, anotações e, prin-cipalmente, ao trabalho A renda debilros e sua aculturação no Brasil, deLuísa e Arthur Ramos (Girão, 1984: 5).

Em outra oportunidade, 1983, a professoraValdelice publica, pela Universidade Federal do Ceará,Arthur Ramos e sua coleção, onde se encontramcatalogadas 231 peças integrantes do "MuseuArthur Ramos, hoje instalado na Casa de José deAlencar C..)", acrescentando, portanto, 19 itensque não constavam da publicação anterior. Nestapublicação a autora faz a mesma ressalva quanto aoitem "garrafadas", que nunca chegou ao Museu.

O acervo que integra a Coleção ArthurRamos encontra-se hoje exposto na Casa deCultura José de Alencar, em Messejana, de

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-propriedade da Universidade Federal do Ceará.Luitgarde conta que esta casa funcionou,inicialmente, na casa onde nasceu José deAlencar, filho do Presidente da Província doCeará, o Padre Martiniano de Alencar, cujo irmãomorreu na Revolução de 1817 e, em 1824, o PadreMartiniano recebe o perdão de Pedro I e a casahoje está preservada, apenas como memória deonde viveu. Foi construído um prédio imensopara dar abrigo às coisas da cultura do Ceará eaí estão as peças que sobraram do museuantropológico, do qual não tem nenhumantropólogo tomando conta.

Para compreender a formação destaColeção, é preciso conhecer a biografia de ArthurRamos, que acumulou durante sua vida de pesqui-sador objetos museológicos tridimensionais,documentos que refletem sua trajetória e livrosutilizados em seus estudos, materiais damemória coletiva e da História, que poderiamconstituir um lugar de memória para futuraspesquisas.

A paixão de Arthur Ramos pelos livros éparte das lembranças do irmão e do pai:

Mas ainda ouço, e sempre, suas gravesvozes dando-me lições de vida e de ex-periência. Foi com meu pai que apren-di as primeiras lições de coisas,olhando, da calçada de nossa casa,a lagoa a confinar o horizonte ao lon-ge, ou a descobrir constelações no céuclaro do Pilar, nas noites estreladas.Depois, a iniciação nos mistérios da "0U-

tra casa ".Era como chamávamos a suabiblioteca, instalada num corpo sepa-rado do prédio, e onde se alinhavam,ao lado dos livros de medicina, magní-ficas coleções de clássicos da língua eobras de lingüística, de numismática,de folk-lore ... Surgiu daí meu interessepelo estudo das ciências do homem,o que iria determinar posteriormentemeu curso de medicina e a predileçãopelo estudo, mais largo, do comporta-

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mento humano no ambiente social. (. ..)A minha recompensa maior será a deestar ouvindo aquelas vozes queridasque os ventos constantemente me trazemdo Pilar distante para a música do meucoração (Ramos, 1945)

A idéia de Luísa Ramos, no sentido de criaruma fundação, não vingou. As razões do insucessopermanecem obscuras, já que não foi possível, ainda,recuperar um elo da corrente que se partiu. O queocorreu de fato no processo de negociação entrea viúva e a Biblioteca Nacional, que impediu arealização de seu desejo, talvez esteja definitivamenteperdido na noite dos tempos. Como quer queseja, graças ao trabalho e à dedicação de muitospersonagens desta história, o acesso às informaçõessobre o universo de Arthur Ramos, refletidas emseu acervo, foi preservado, mesmo que de formafragmentada. E a idéia de totalidade, antigo sonhoda humanidade, desde a proposta da Biblioteca deAlexandria, uma vez mais se mostra (imjpossível.

O trabalho de preservação da ColeçãoArthur Ramos, pela Biblioteca Nacional,se completou com a catalogação de mais dequatro mil documentos, na Seção de Manuscritos.A dilaceração do patrimônio, que na épocapareceu a Luíza Ramos um óbice à divulgaçãoda obra do antropólogo, paradoxalmente ligou-o à criação dos estudos antropológicos noCeará, por caminhos enviesados, na expressãodo professor Eduardo Diatahy Bezerra deMenezes (2004). Os livros adquiridos porAntônio Martins Filho, saindo do corpo integralda biblioteca de Arthur Ramos, diluíram-seno acervo do Instituto de Antropologia,integrando-se ao acervo maior da bibliotecado Centro de Humanidades, da UniversidadeFederal do Ceará. E desde a instalação doDepartamento de Ciências Sociais destauniversidade, em 1966, e a criação de seu cursode graduação, em 1968, sobretudo seusprofessores e alunos puderam usufruir de partedo patrimônio cultural cuidadosamenteorganizado por Arthur Ramos.

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-Notas

1 Versão original deste trabalho foiapresentada no Centenário de Arthur Ramos,organizado pela professora Luitgarde OliveiraCavalcanti Barros, na UERJ, Rio de Janeiro, 10-12de novembro de 2003. Devo-lhe a oportunidadede estudar o assunto, bem como as pistas paraencontrar as fontes utilizadas. Agradeço, ainda, aAna Cristina Roque, pelo minucioso trabalho detranscrição dos documentos sob a custódia daBiblioteca Nacional. Em especial, agradeço aoprofessor Eduardo Diatahy B. de Menezes pelascríticas e sugestões feitas a este artigo.

2 Nos excertos de opiniões, constantes deseu Curriculurn vitae, Arthur Ramos (945)menciona o de Bastide, publicado na RevueIruerruuionale de Sociologie, janeiro-fevereiro de1939: "c. ..) Les souvenirs d'enfance se reveillentet le désir de dire Ia beauté des noirs chantantparmi les cannes à sucre ou courant sur les quaisdes villes du littoral: désormais, il va consacrersa vie à deux taches, révéler aux Brésiliens lesdoctrines psychanalytiques, surtout dans leursapplications aux problémes d'éducation et tracerle tableau le plus exact et le plus véridiquepossible des afro-brésiliens".

3 Sobre seu livro O Negro Brasileiro, Piersonafirmou: "(. ..) °mais adequado relato até agorapublicado sobre o culto afro-brasileiro." In:Boletim Bibliográfico, v. 1, n. 3, São Paulo, abril-maio, 1944.

4 Entrevista concedida a Idéia ThiesenMagalhães Costa, em 13 de outubro de 2003. Aprofessora Luirgarde publicou diversos artigossobre Arthur Ramos, bem como o livro ArthurRamos e as dinâmicas sociais de seu tempo, pelaEditora da Universidade Federal de Alagoas, em2000, fruto de seu trabalho de pós-doutoramento(UNICAMP).

5 Para se ter uma idéia mais abrangente desua vasta produção intelectual, ver Arthur Ramos:Curriculurn vitae - 1903-1945, elaborado peloantropólogo, em maio de 1945, por exigênciado concurso para professor catedrático de

Antropologia e Etnologia da Faculdade Nacionalde Filosofia. Sua obra reúne, nesta data, 1234títulos, 432 livros e artigos, 96 cursos econferências, 57 entrevistas, conforme registroutambém Antonio Carlos Vilaça, em "O africanistaArthur Ramos", publicado no Jornal do Brasil,Caderno B, em 31 de outubro de 1974, porocasião dos 25 anos da morte do cientista.

6 Na transcrição de um desses anúncios,publicado no Monitor, de 13 de maio de 1842, lê-se o seguinte: "Fugiram dois escravos a CaetanoDias da Silva, da vila de Itapemirim, os quaisestavam na fazenda do Limão; um chama-seManoel Paulo e tem em ambas as pás ou ombros,pelas costas, a seguinte marca: c.P.S., entrelaça das.O outro de nome Luciano tem a mesma marcanas duas pás e em ambos os peitos; dá-se 25$000de alvíssaras a quem os pegar."

7 Condé, J. "Ouvindo uma geração". Riode Janeiro, O Cruzeiro, 30 de outubro de 1937.

8 " ou esposa de um escritor". Entrevistaconcedida a Zoia de Laet. Rio de Janeiro, DomCasmurro, 26 de agosto de 1939.

9 Em entrevista concedida à autora desteartigo, a professora Luitgarde Oliveira CavalcantiBarros menciona a existência do Museu ArthurRamos, na residência do antropólogo, conhecidocomo Museu Afro ou de Arte Africana, quando ocientista era vivo, dando conta, ainda, de que há"(. .. ) correspondências onde estudiososestrangeiros que vieram ao Brasil e se encantaramcom aquelas peças do Museu c.. .)"

10 Esse número de peças foi mencionadona entrevista com a professora Luitgarde:"A coleção não está íntegra porque as notíciaseram de mais de 400 peças c...) estive lá e nãotem mais 212 peças, mas cento e poucas. Umasse quebraram, outras desapareceram e não háum tombamento passando de um diretor paraoutro, da Casa de Messejana. O inventário queexiste é esse feito por Valdelice, chamado"Coleção Arthur Ramos".

11 Girão, Valdelice Carneiro. "Renda debilros: coleção do Museu A rthur Ramos".Fortaleza, Edições Universidade do Ceará,

COSTA, ICLÉIA THIESEN MAGALHÃES. 127COLEÇÃO ARTHUR RAMOS: DA MUSEALlZAÇÃO À (IN)VISIBILlDADE E AO ESQUECIMENTO. P .115 A 128.

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1984. 445p. A autora explica, na obra, o conteúdodas coleções, bem como as prováveis origens darenda de bilro, no Brasil, possivelmente trazidapor mulheres portuguesas, posteriormenteaculturadas e difundidas, no século XVII, "(. ..)nas zonas do litoral e do sertão, e através damulher do povo, tornando-se uma cultura de folk''(p. 5). Técnicas de fabrico, nomenclatura, centrosde produção e decadência são itens queantecedem os itens descritos no catálogo,divididos em O) Coleção Luísa Ramos, contendoa divisão "brasileira", separada por estados;"estrangeira", por países, e "procedênciaignorada" e (2) Coleção Rendas do Ceará,organizadas por cidades de origem. Esta últimacoleção, "(...) ainda em início, virá complementaro nosso estudo sobre o artesanato tão difundidono Nordeste brasileiro e mui principalmente noCeará, que se destacou, entre os Estados daFederação, como centro rendífero" .

Referências Bibliográficas

BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. ArtburRamos e as dinâmicas sociais de seu tempo.Maceió: Editora da Universidade Federal deAlagoas, 2000.

BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Entrevistaconcedida a Icléia Thiesen Magalhães Costa.Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2003.

CONDE, J. "Ouvindo uma geração". Rio de Ja-neiro, O Cruzeiro, 30 de outubro de 1937,p.35 / 6.

DA CIVILIZAÇÃO negra à psychanalyse: umapalestra com Arthur Ramos, um dos nossosmaiores cultores de psicologia social. A Ga-zeta de São Paulo. São Paulo, 20 de abril de1938.

GIRÃO, Valdelice Carneiro. "A Coleção ArthurRamos". Rev. C. Sociais, v.2, n.1. Fortaleza,1971.

128 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 35 N. 1

GIRÃO, Valdelice Carneiro. Artbur Ramos esua coleção. Fortaleza: Universidade Federaldo Ceará, 1983.

GIRÃO, Valdelice Carneiro. Renda de bilros: cole-ção do Museu Artbur Ramos. Fortaleza:Edições Universidade Federal do Ceará, 1984.445p.

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MARTINSFILHO, Antônio. Memórias: maioridade,lI. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 1994.

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ME EZES, Eduardo Diatahy Bezerra de. Corres-pondência com a autora deste artigo, viaInternet, em 3 de maio de 2004.

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