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Disciplina de: Psicologia V – Docente: Dra. Celeste Duque 4º CLE Ano – Semestre– 2003-2004 Colectânea de “Trabalhos” dos alunos do 4º CLE, no âmbito da disciplina de PSICOLOGIA V (organização da responsabilidade de Celeste Duque, com base nos ficheiros Word fornecidos pelos alunos) Faro, Maio 2004

Colectânea de Trabalhos Psicologia V - 2

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Colectânea de Trabalhos de discentes, no âmbito da disciplina de Psicologia V (Psicologia da Gravidez e Maternidade/Paternidade) reunida e revisada por Celeste Duque. todos os trabalhos nela constantes são da autoria dos respectivos discentes!

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Disciplina de: Psicologia V – Docente: Dra. Celeste Duque 4º CLE – 3º Ano – 1º Semestre– 2003-2004

Colectânea de “Trabalhos” dos alunos do 4º CLE, no âmbito da disciplina de

PSICOLOGIA V (organização da responsabilidade de Celeste Duque, com base nos ficheiros Word fornecidos pelos alunos)

Faro, Maio 2004

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UNIVERSIDADE DO ALGARVE – ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DE FARO Disciplina de: Psicologia V – 4º CLE – 3º Ano – 1º Semestre – 2003-2004

Índice GRAVIDEZ E ÁLCOOL

Trabalho elaborado por: Andreia Ramos; Gabriela Borges; Martinho Costa; Vera Barbosa ..............................................................................1 I – INT RODUÇÃO .............................................................................................................................................................................................................1 II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO .................................................................................................................................................................................1

1 – ASPECTOS GERAIS DO ÁLCOOL .........................................................................................................................................................................1 1.1. Efeitos orgânicos ..............................................................................................................................................................................................3 1.2. Efeitos psicológicos...........................................................................................................................................................................................3 1.3. Efeitos sociais ...................................................................................................................................................................................................4

2 – ASPECTOS GERAIS DA GRAVIDEZ.....................................................................................................................................................................5 2.1. Aspectos psicológicos da gravidez....................................................................................................................................................................5

3 – EFEITOS DO ÁLCOOL DURA NTE A GRAVIDEZ.................................................................................................................................................6 3.1. Síndrome alcoólico fetal e distúrbios associados ...............................................................................................................................................8

4 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GRÁVIDA ALCOÓLICA...................................................................................................................................10 IV – CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................................................................11 V – BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................................................................................................................12 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Trabalho realizado por: Alexandra Neves; Ana Pinheiro; Daniela Silva; Sara Guerreiro ...............................................................................16 1. INT RODUÇÃO .............................................................................................................................................................................................................16 2. ABORDAGEM CONCEPTUAL DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA .......................................................................................................................16

2.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO ADOLESCÊNCIA.................................................................................................................................................16 2.2. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE GRAVIDEZ.....................................................................................................................................................16 2.3. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA ......................................................................................................................................................................17

3. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: FACTORES P REDISPONE NTES .........................................................................................................................17 3.1. FACTORES BIOLÓGICOS ....................................................................................................................................................................................17 3.2. FACTORE S PSICOLÓGICOS...............................................................................................................................................................................17 3.3. FACTORE S SOCIAIS ...........................................................................................................................................................................................18

4 – GRAVIDEZ: COMO CADEIA DE ACONTECIMENTOS E DECISÕES ........................................................................................................................20 5 - PAI ADOLESCENTE: HOMEN S POSTOS À PARTE .................................................................................................................................................21 6 - INTERVE NÇÃO DO ENFE RMEIRO, COM PAIS ADOLESCENTES ..........................................................................................................................21 6. CONCLUSÕES .............................................................................................................................................................................................................22 7. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................................................................................22

GRAVIDEZ E DIABETES

Trabalho elaborado por: Helena Ribeiro; Isa Máximo; Mónica Carmo; Sofia Coito.........................................................................................23 I – INT RODUÇÃO ...........................................................................................................................................................................................................23 II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...............................................................................................................................................................................23

1. DIABETES MELLITUS ...........................................................................................................................................................................................23 2. CLASSIFICAÇÃO DA DIABETES NA GRAVIDEZ................................................................................................................................................24 3. DIABETES PRÉ-GESTACIONAL ...........................................................................................................................................................................25

3.1. Aconselhamento e planeamento da gravidez .................................................................................................................................................25 4. AVALIAÇÃO .........................................................................................................................................................................................................25

4.1. História da grávida.......................................................................................................................................................................................25 4.2. Exame físico ...................................................................................................................................................................................................26 4.3. Testes laboratoriais........................................................................................................................................................................................26 4.4. Vigilância fetal ...............................................................................................................................................................................................26 4.5. Determinação da data do parto .....................................................................................................................................................................26 4.6. Riscos e complicações......................................................................................................................................................................................26

4.6.1. Riscos e complicações maternas ..........................................................................................................................................................26 4.6.2. Riscos e complicações Fetais/Neonatais .......................................................................................................................................................27 4.7. Cuidados especiais ..........................................................................................................................................................................................27

4.7.1. Antes do parto ...................................................................................................................................................................................27 4.7.1.1. Dieta ...................................................................................................................................................................................27 4.7.1.2. Vigilância dos Níveis de Glicémia...................................................................................................................................28 4.7.1.3. Insulinoterapia ..................................................................................................................................................................28 4.7.1.4. Exercício Físico...................................................................................................................................................................28 4.7.1.5. Supervisão .........................................................................................................................................................................28 4.7.1.6. Hospitalização ...................................................................................................................................................................28 4.7.1.7. Complicações ....................................................................................................................................................................29

4.7. 2. Durante o parto ................................................................................................................................................................................29 4.7.3. Após o parto ......................................................................................................................................................................................29

5. DIABETES GESTACIONAL ....................................................................................................................................................................................30 5.1. Avaliação............................................................................................................................................................................................................30 5.2. Factores de risco ................................................................................................................................................................................................30

5.3. Complicações ..................................................................................................................................................................................................30 5.4. Tratamento ....................................................................................................................................................................................................31 5.5. Prevenção .......................................................................................................................................................................................................31

6. ASPECTOS PSICOLÓGICOS DAS GESTA NTES COM DIABETES .........................................................................................................................32

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III – CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................................................................33 IV – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................................................33 GRAVIDEZ E FAMÍLIA MONOPARENTAL

Trabalho elaborado por: Ana Isabel Costa; Ana Rita Terruta; Lisa Lino; Mónica Bota ...................................................................................34 I – INT RODUÇÃO ...........................................................................................................................................................................................................34 II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...............................................................................................................................................................................34

1 – FACTORES QUE INFLUE NCIAM A ACEITAÇÃO OU NÃO DA GRAVIDEZ ....................................................................................................34 1.1. Personalidade .................................................................................................................................................................................................35 1.2. Família ...........................................................................................................................................................................................................35 1.3. Existência, ou não, de Parceiro fixo................................................................................................................................................................36 1.4. Alterações físicas ............................................................................................................................................................................................37 1.5. Alterações psicológicas...................................................................................................................................................................................37 1.6. Sociedade/Religião ..........................................................................................................................................................................................37 1.7. Condição sócio-económica ..............................................................................................................................................................................38

2 – DIFERE NTES FORMAS DE E NCARA R A GRAVIDEZ ......................................................................................................................................38 2.1. Gravidez como “crise” ...................................................................................................................................................................................38 2.2. Gravidez como “recurso” ...............................................................................................................................................................................38 2.3. Gravidez como “dever”..................................................................................................................................................................................39 2.4. Gravidez como “doença” ...............................................................................................................................................................................39

3 – GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: FAMILIAS MONOPARE NTAIS ..................................................................................................................39 4 – TESTEMU NHOS DE DUAS “MÃES SOLTEIRA S” .............................................................................................................................................39

4.1. Testemunho de uma adolescente grávida com pouco apoio ............................................................................................................................39 4.2. TESTEMUNHO DE UMA ADOLESCENTE GRÁVIDA COM APOIO..................................................................................................................40

III – CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................................................................41 IV – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................................................41 GRAVIDEZ E INFERTILIDADE

Trabalho elaborado por: Ana Rosa; Arminda Batista; Patrícia Coelho, Vera Silva ...........................................................................................42 I – INT RODUÇÃO ...........................................................................................................................................................................................................42 II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...............................................................................................................................................................................42

1 – INFE RTILIDADE .................................................................................................................................................................................................42 1.1. Tipos de infertilidade ......................................................................................................................................................................................43 1.2. Factores de risco .............................................................................................................................................................................................43 1.3. Causas de infertilidade....................................................................................................................................................................................43

1.3.1. Infertilidade feminina ..........................................................................................................................................................................43 1.3.2. Infertilidade masculina ......................................................................................................................................................................44 1.3.3. Infertilidade de causa mista ................................................................................................................................................................46 1.3.4. Infertilidade sem causa aparente.........................................................................................................................................................46

1.4. Diagnóstico ....................................................................................................................................................................................................46 1.5. Tratamento ....................................................................................................................................................................................................48

1.5.1. Técnicas de fertilização .......................................................................................................................................................................48 A) Indução da ovulação ...............................................................................................................................................................48 B) Inseminação Artificial ..............................................................................................................................................................49 C) Fertilização in vitro e Transferência de embriões .................................................................................................................50 D) ICSI – Injecção Intracitoplasmática de um Espermatozóide .............................................................................................50 E) Alternativas para a infertilidade ............................................................................................................................................50

2 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA IN FE RTILIDADE .............................................................................................................................................50 2.1. Impacto psicológico da Infertilidade na Mulher .............................................................................................................................................51 2.2. Impacto psicológico da Infertilidade no Homem ............................................................................................................................................51 2.3. Impacto psicológico da Infertilidade no Casal ................................................................................................................................................52

A) Consciencialização e reconhecimento da possibilidade de infertilidade ..........................................................................52 B) Avaliação e diagnóstico............................................................................................................................................................53 C) Tratamento ...............................................................................................................................................................................53 D) Resolução e aceitação...............................................................................................................................................................53

2.4. Estratégias de “coping” para o casal .............................................................................................................................................................54 3 - PAPEL DO ENFE RMEIRO ...................................................................................................................................................................................54

III – CONCLUSÕES.........................................................................................................................................................................................................55 IV – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................................................55

GRAVIDEZ E PRÉ-ECLÂMPSIA

Trabalho elaborado por: Bernardina Varela; Catarina Santos; Dora Sequeira; Teresa Vieira ..........................................................................58 I – INT RODUÇÃO ...........................................................................................................................................................................................................58 II – Enquadramento Teórico.........................................................................................................................................................................................59

1 – FISIOPATOLOGIA ................................................................................................................................................................................................59 1.1. Sintomatologia ..............................................................................................................................................................................................59

1.1.1 – Tríade sintomática ...........................................................................................................................................................................60 A) Edema........................................................................................................................................................................................60 B) Hipertensão arterial..................................................................................................................................................................60 C) Proteinúria ................................................................................................................................................................................60

1.2. Factores de risco .............................................................................................................................................................................................61

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2– CLASSIFICAÇÃO DA HTA NA GRAVIDEZ .......................................................................................................................................................61 3 - PREVE NÇÃO E TRATAMENTO..........................................................................................................................................................................62 4 – AVALIAÇAO DO BEM-ESTAR F ETAL ................................................................................................................................................................64

4.1. Ecografia obstétrica .......................................................................................................................................................................................64 4.2. Cardiotocografia ............................................................................................................................................................................................64 4.3. Dopllerfluxometria .........................................................................................................................................................................................64

5 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS .................................................................................................................................................................................65 6 – REFLEXÃO ...........................................................................................................................................................................................................67

III – CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................................................................67 IV –BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................................................................................................................68

GRAVIDEZ E PRÉ-HIV

Trabalho elaborado por: ..........................................................................................................................................................................................72 João Lopes; Paulo Martins; Pedro Preto ................................................................................................................................................................72

I – INT RODUÇÃO ...........................................................................................................................................................................................................72 II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...............................................................................................................................................................................72

1 – VIH E SIDA ........................................................................................................................................................................................................72 1.1. Modos de transmissão ...................................................................................................................................................................................73

1.1.1 Transmissão Sexual.............................................................................................................................................................................74 1.1.2. Intercâmbio de sangue .......................................................................................................................................................................74

1.2. Intercâmbio perinatal de fluídos entre a mãe e a criança ................................................................................................................................74 1.3. Prevenção .......................................................................................................................................................................................................75 1.4. Diagnóstico ....................................................................................................................................................................................................75 1.5. Manifestações clínicas ....................................................................................................................................................................................76

1.5.1. Infecção aguda por VIH ....................................................................................................................................................................76 1.5.2. Lesões cutâneas...................................................................................................................................................................................76 1.5.3. Lesões orais.........................................................................................................................................................................................76 1.5.4. Lesões pulmonares ..............................................................................................................................................................................76

1.6. Tratamento ...................................................................................................................................................................................................76 2 – ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO ...........................................................................................................................................................................77 3 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO DOENTE (GRÁVIDA) COM VIH....................................................................................................................78

III – CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................................................................81 IV – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................................................82 GRAVIDEZ E TOXICODEPENDÊNCIA

Trabalho elaborado por: Rute Reis; Sofia Pinheiro; Susana Viegas; Telma Duarte ...........................................................................................82 I – INT RODUÇÃO ...........................................................................................................................................................................................................82 II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...............................................................................................................................................................................83

1 – DROGAS ..............................................................................................................................................................................................................83 1.1. Tipos de consumo ...........................................................................................................................................................................................83

1.1.1. Consumos experimentais ....................................................................................................................................................................83 1.1.2. Consumos ocasionais ..........................................................................................................................................................................83 1.1.3. Consumos habituais ...........................................................................................................................................................................83 1.1.4. Consumos compulsivos ou Toxicodependência....................................................................................................................................84

1.2. Drogas mais consumidas: Consequências na Grávida e no Feto .....................................................................................................................84 1.2.1. Heroína ..............................................................................................................................................................................................84 1.2.2. Cocaína ..............................................................................................................................................................................................85

2 – TOXICODEPENDÊNCIA.......................................................................................................................................................................................85 2.1. Toxicodependência: Evolução histórica ..........................................................................................................................................................85

2.1.1. Modelo unifactorial ............................................................................................................................................................................86 2.1.2. Modelo bifactorial .............................................................................................................................................................................86 2.1.3. Modelo Biopsicosocial ........................................................................................................................................................................87

2.2. Fases da Toxicodependência ...........................................................................................................................................................................87 2.3. Etapas da Toxicodependência ........................................................................................................................................................................88

2.3.1. Lua-de-mel..........................................................................................................................................................................................88 2.3.2. Dependência psicológica .....................................................................................................................................................................88 2.3.3. Dependência Física .............................................................................................................................................................................88

2.4. Problemas resultantes da Toxicodependência .................................................................................................................................................88 2.4.1. Consequências ao nível da saúde........................................................................................................................................................88 2.4.2. Consequências ao nível familiar ..........................................................................................................................................................88 2.4.3. Consequências ao nível escolar............................................................................................................................................................89

3 – PER SONALIDADE DO TOXICODEPENDENTE ..................................................................................................................................................89 3.1. Factores familiares..........................................................................................................................................................................................90 3.2. Factores sociais ..............................................................................................................................................................................................90 3.3. Factores de “pressão de pares” .......................................................................................................................................................................91 3.4 – Personalidade da grávida .............................................................................................................................................................................91

4 – IMPORTÂNCIA DA INTERACÇÃO P RECOCE MÃE-FILHO...............................................................................................................................92 III – CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................................................................93 IV – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................................................93

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FARO

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Gravidez e Álcool

Trabalho elaborado por: Andreia Ramos; Gabriela Borges; Martinho Costa; Vera Barbosa

“o álcool não aquece (...)

o álcool não mata a sede (...) o álcool não dá força (...)

o álcool não ajuda a digestão e não abre o apetite (...) o álcool não é um alimento (...)

o álcool não é um medicamento (...) o álcool não facilita as relações sociais (...)”

(Neto, & Silva, 1999).

I – Introdução O álcool aparece inúmeras vezes associado a tradições seculares e à cultura de diversos povos, no entanto o que por vezes se desconhece são os efeitos nefastos que o seu abuso pode provocar, nomeadamente efeitos orgânicos, psicológicos e sociais.

Sendo o alcoolismo uma doença crónica, caracterizada pela dependência da ingestão do álcool sob a forma de várias bebidas, distingue-se do consumo ocasional e social que muitos indivíduos, nomeadamente mulheres podem apresentar. Em qualquer dos casos deve haver uma consciencialização acerca da ocorrência de uma possível gravidez, para que sejam evitadas as consequências que o consumo de bebidas alcoólicas podem ter para o feto.

A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é a anormalidade produzida no feto, provavelmente mais observada, manifestando-se por deficiências de crescimento e no desenvolvimento, bem como por todo um conjunto de muitas outras anomalias.

O consumo de álcool na mulher grávida, trará também implicações psicológicas dificilmente quebráveis, mas que são entendidas se virmos o álcool como transmissor a curto prazo de um paraíso de sensações imediatas, fortes e deslumbrantes.

Pretende-se com este trabalho dar a conhecer essencialmente os distúrbios que a problemática do álcool pode causar numa gravidez. Ir-se-ão, igualmente, enumerar os efeitos orgânicos, psicológicos e sociais do álcool, desenvolver os aspectos psicológicos da gravidez especialmente quando exacerbados pelo alcoolismo e mencionar algumas das consequências para o feto quando se verifica o consumo de álcool durante a gravidez.

Ao nível do Enquadramento Teórico ir-se-á, num primeiro momento ir-se-ão abordar os aspectos gerais do álcool, onde são abordados os efeitos orgânicos, psicológicos e sociais do álcool. Num segundo momento procede-se à abordagem geral dos aspectos gerais da gravidez, particularmente, os seus aspectos psicológicos. Num terceiro momento, vão-se apresentar alguns dos efeitos do álcool durante a gravidez, nomeadamente o mais conhecido o SAF e distúrbios associados. Por fim, no último momento vai-se dar particular atenção aos aspectos psicológicos específicos da grávida com dependência alcoólica. Após o que são apresentadas as Conclusões do presente trabalho.

A metodologia util izada para a elaboração deste trabalho baseou-se na pesquisa teórica referenciada na bibliografia, tendo-se feito igualmente uma entrevista, informal, com uma enfermeira do Centro de Apoio a Toxicodependentes (CAT) de Olhão e com uma médica e uma psicóloga do Centro de Saúde de Faro.

II – Enquadramento teórico 1 – ASPECTOS GERAIS DO ÁLCOOL

Ana Pérez (1997), é de opinião que quando vulgarmente falamos em álcool nos estamos a referir à substância etanol, sendo este o principal constituinte das bebidas alcoólicas, que se obtêm por fermentação ou destilação, e que vão ser alvo de abordagem neste trabalho, uma vez que constituem um flagelo durante a gravidez (ver Anexo 6).

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Como refere Pérez (1997) desde os tempos mais remotos que se conhece o uso do álcool pelos humanos, nomeadamente data de há milhares de anos, não só a cerveja, como uma substância designada hidromel e que consistia numa mistura fermentada de mel e água.

Figura 1. Bebidas alcoólicas

Existem presentemente peças conservadas, do ano 2200 a.C., que comprovam que era recomendado às mulheres em processo de aleitamento, o consumo de cerveja, constatando-se assim a mudança de pensamento até aos dias de hoje.

Muitos eram os povos que reprovavam e condenavam a sua ingestão. No entanto outros usavam o álcool como objecto de culto, nomeadamente os gregos que prestavam culto a Dionísio, oferecendo bebidas alcoólicas aos seus deuses e soldados imediatamente antes de entrarem em combate, como forma de receberem em troca protecção divina.

Ainda de acordo com esta autora, os romanos são o povo responsável pela divulgação do álcool na Europa e salientam o facto de serem imensas as referências bíbl icas ao álcool, e do seu significado por vezes “religioso, curativo e/ou mágico.” (Pérez, 1997, p. 51). Na Idade Média, por exemplo a ingestão de bebidas alcoólicas estava l igada aos conceitos de bem-estar e de saúde e, só a partir do século XVI, o álcool ganhou essa designação, pois até então era conhecido por aqua vitae.

O álcool “é a droga mais consumida em todos os estratos etários, em ambos os sexos e em quase todos os grupos sociais.” (Peréz, A., 1997, p. 51; ver Anexo 3)

Esta autora refere que, afecta cada vez mais os adolescentes sendo a droga que se consome muito mais do que qualquer outra droga ilegal, o que provoca nestas idades muitas das dependências alcoólicas graves.

De acordo com o site brasileiro, Lardemaria, são várias as causas do alcoolismo: • “hereditariedade: filhos de alcoólatras têm maior probabilidade de se tornarem, também, dependentes de bebida. • factores psicológicos: conflitos emocionais, baixa auto-estima, problemas financeiros, depressão podem dar início ao vício

de beber. • factores sociais: a facilidade de acesso à bebida, o estilo de vida stressante, a aceitação social do vício, o incentivo de

grupos de amigos contribuem para o alcoolismo.”

Como referem Maria José Aragão e Rui Sacadura: “a embriaguez reveste-se por vezes de aspectos psicológicos, com

alucinações, delírios, alterações de conduta e é seguida por vezes de amnésia mais ou menos completa para os factos

ocorridos durante esse período. Ao aspecto repugnante que o indivíduo chega a tomar, junta-se a incoerência das

palavras, a estupidez de propósitos e a perversão dos afectos e instintos.” (2002, pp. 77-78).

Em suma, as consequências gerais de uma ingestão abusiva de álcool, segundo Lardemaria são: • Instabilidade emocional • Perda da capacidade de auto-controle • Descoordenação motora • Amnésia • Confusão mental • Impotência sexual e interrupções dos ciclos menstruais • Alterações cerebrais, neurológicas e cardíacas • Diarreia • Pancreatite • Cirrose hepática

E ainda, segundo Rodriguez-Martos (1989), referido em Rogério Trota et al. (2001), o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, pode desencadear outros problemas e patologias, agudas e crónicas, de carácter psicológico, físico e social, nomeadamente:

• Síndrome de Dependência Alcoólica (SDA) • Doenças neurológicas • Cancro • Acidentes e maus-tratos, suicídio ou tentativa de suicídio, comportamentos sexuais de risco • SAF

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Na opinião de Sérgio Ramos e José Bertolote (1990), apesar de nenhum sinal nem sintoma ser patognomónico do alcoolismo através de um exame físico pode-se chegar a uma conclusão dos mais frequentes, sendo eles:

• Acne rosácea, parótidas aumentadas, aranhas vasculares; • Extra-cistolia, níveis tensionais elevados; • Hepatomegália, esplenomegália, ascite; • Atrofias musculares, hiporreflexia; • Escoriações, contusões, repetidos traumatismos; • Cuidados higiénicos suficientes.

De acordo com Maria Mello et al. (1988), vulgarmente são util izadas expressões inespecíficas, como problemas ligados ao álcool ou problemas de álcool para definir algumas das consequências nefastas mais frequentes da ingestão abusiva do álcool. Estas abrangem não só o indivíduo consumidor de álcool, como também toda a sua família e o meio envolvente. As consequências podem ser físicas, mentais ou sociais, que podem ser originadas por um consumo agudo ou crónico.

1.1. Efeitos orgânicos Como refere Pérez (1997), não é preciso muito tempo para que qualquer quantidade de álcool ingerida seja absorvida para a corrente sanguínea, aqui pode permanecer durante várias horas e partir para a afecção de muitos outros órgãos. De entre os órgãos mais afectados está o fígado, uma vez que é o que tem a função de transformar o álcool noutras substâncias, podendo metabolizar vinte a trinta gramas de álcool por hora.

A actuação do álcool não é como estimulante, mas sim como depressor do Sistema Nervoso Central (SNC), neste sentido, vai provocar uma sensação de euforia e desinibição mas que rapidamente é transformada em sintomas de “sonolência com visão turva, descoordenação muscular, aumento do tempo de resposta, diminuição da capacidade de escutar e compreender, fadiga muscular, etc.” (Peréz, A., 1997, p. 51)

Na opinião de Pérez (1997), pode-se considerar dois tipos de consumo de álcool: • O consumo excessivo de álcool vai por norma produzir acidez no estômago, diminuição da temperatura

corporal, polidipsía (sede), cefaleias, e até vómitos e diarreia. No caso de as doses ingeridas serem muito elevadas poder-se-á dar o caso de intoxicação etí l ica aguda, que poderá levar a depressão respiratória, coma e ocasionalmente a morte.

• O consumo crónico cujas alterações provocadas podem ser muitas e de vária ordem nomeadamente no: o “cérebro: degeneração e atrofia. o sangue: anemia, diminuição das defesas etc. o coração: alterações cardíacas (miocardite) o fígado: o alcoolismo é uma das principais causas de hepetopatia que pode manifestar-se sob a forma de hepatite ou

cirrose. o estômago: gastrite, úlcera, etc. o pâncreas: inflamação e degeneração. o intestino: perturbações na absorção de vitaminas, hidratos e gorduras que provocam quadros carenciais. o o consumo habitual por parte da mulher grávida pode dar lugar ao chamado síndrome alcoólico-fetal caracterizado por

malformações, baixo coeficiente intelectual, etc. o Trata-se de uma droga capaz de originar tolerância e dependência, tanto física como psicológica.” (Peréz, A.,

1997, p. 52) (ver Anexos 1 e 2)

Como refere Pérez (1997), quando o organismo se encontra habituado à presença do álcool, se este for retirado bruscamente, poderá originar uma síndrome de abstinência, o indivíduo necessitará por isso de cuidados especializados. Alguns dos sintomas decorrentes desta abstinência são a inquietação, nervosismo e ansiedade, durante as primeiras horas e nas seguintes, tremores, náuseas, vómitos, cãibras musculares e um quadro de inquietação agravado. Com o prolongar deste período de tempo para dois dias aparecerá quase inevitavelmente o designado “delirium tremens”, que caracteriza por confusão mental/delírio e que tal como o próprio nome indica acompanhada por tremores, sendo frequentes também as alucinações.

1.2. Efeitos psicológicos Como menciona Pérez (1997), no que diz respeito aos efeitos psicológicos, de uma maneira geral sabe-se que, o álcool tem enorme influência a nível dos centros superiores do encéfalo, afectando os sentimentos, as emoções, a memória, a capacidade de atenção e reflexão, interferindo também a nível do controle social. Como é um depressor do SNC, o álcool tem a funcionalidade de bloquear os centros de controle das inibições, fazendo com que o consumidor de bebidas alcoólicas tenha sentimentos de euforia e alegria, associados a uma falta de segurança de si próprio, levando a que muitas vezes tenha atitudes arriscadas.

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De acordo com a mesma autora, os estados de irritação, insónias e delírios, são alterações que os indivíduos consumidores sofrem frequentemente. Nos casos considerados mais graves, há o aparecimento de encefalopat ia com deterioração orgânica.

De acordo com Marilda Urso (s.d.), existem pessoas mais “fortes” ao álcool do que outras, neste sentido as primeiras poderão beber ocasionalmente sem se aperceberem e sem serem percebidas, o que continuamente poderá originar um consumo abusivo. As pessoas mais tristes, com uma auto-estima e auto-controle diminuídos, ou simplesmente porque têm um familiar dependente do álcool são mais predisponentes a ingerirem bebidas alcoólicas em excesso, tornando-se dependentes.

1.3. Efeitos sociais Edwards (1984), referido por Ramos e Bertolote (1990), considera que é erróneo definir ou formular preconceitos acerca da família alcoólica, uma vez que esta não existe, existem sim situações baseadas na personalidade dos seus membros, bem como na fase da história familiar, desde que começaram os problemas com álcool.

Jackson (1954), op. cit. Ramos e Bertolote (1990), menciona que o elevado nível de stress a que o alcoolismo submete uma família irá transformá-la numa família debilitada, onde todos os elementos sofrem consequências, condicionando assim a diminuição da estabilidade. Perante este quadro clínico aparece o isolamento social, são frequentes as disfunções sexuais entre um casal.

Maria Mello, José Barrias e João Breda (2001), afirmam que no meio do seio familiar, a elevada ingestão de álcool condiciona uma perda da responsabilidade, dif iculdades económicas, crises na função e estruturação da família, provocando uma deterioração progressiva do lar e perturbações relacionais, maus-tratos e muitas outras consequências.

Segundo Ramos e Bertolote (1990), sempre que sucedem estes distúrbios, existe uma busca incessante por parte dos outros membros da famíl ia para restabelecer o equilíbrio.

De acordo com Mello, Barrias e Breda (2001), o contacto frequente dos filhos com o álcool, condiciona a um “alcoolismo infantil” cada vez mais precoce. Quando é a figura paterna o consumidor de álcool, existe uma ausência de imagem paterna e autoridade, no entanto se for a mãe existe uma carência de afecto, carinho e abandono.

Estes aspectos têm um papel fundamental no desenvolvimento da criança, de acordo com Armando Rosa (1993), o uso abusivo de bebidas alcoólicas condicionam várias dificuldades escolares, comportamentos de delinquência e tentativas de suicídio.

Hamilton (1974), referido por Ramos e Bertolote (1990) refere que a instabilidade própria de uma família com problemas de álcool, condiciona ao aparecimento de atitudes de luta ou fuga, nas crianças com familiares alcoólicos.

Ramos e Bertolote (1990) referem que sempre que se verificam estes comportamentos, demonstram-se crianças rebeldes, com episódios de agressão física e verbal, e com comportamentos não-aceites. Tornando-se crianças distantes emocionalmente do mundo envolvente, acabando por vezes no isolamento de cada um. Noutra perspectiva são assumidos como crianças competit ivas, autoritárias e que ambicionam ser as melhores, bem como responsáveis no campo intelectual.

Segundo os mesmos autores acima mencionados, dependendo do impacto que os problemas de álcool têm na criança e adolescentes, estes tornam-se indivíduos inseguros com tendência a escolherem erradamente os seus parceiros (frequentemente alcoólicos), ou ainda engravidarem precocemente. Tudo isto como forma de se expandirem da família problemática de origem.

Figura 2. Consequências do uso de álcool

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Como se pode observar na figura 2 as consequências do uso do álcool dependem da dose e da frequência e o passar de “beber sem problemas” para o “alcoolismo” é mediada por alguns interfaces, onde surgem os primeiros sinais de que “o álcool está a ser ingerido de forma descontrolada” (ver Anexo 5).

2 – ASPECTOS GERAIS DA GRAVIDEZ

A gravidez é encarada de forma diferente de mulher para mulher, contudo é uma fase envolta numa panópl ia de sentimentos, uma vez que desde a adolescência faz parte da carga emocional e do imaginário da mulher.

Segundo Mário Mendes (1993), nas últimas três décadas existiram alguns aspectos que vieram mudar a forma pacífica com que a gravidez era encarada, sendo eles:

• o intercâmbio entre culturas e consequente aquisição de novos padrões de comportamento, nomeadamente através da emigração e da televisão;

• o aparecimento dos métodos anticoncepcionais; • a mudança da atitude perante o aborto porque apesar de continuar a ser ilegal, actualmente é vista de maneira

diferente, causando um menor constrangimento; • o facto de os jovens iniciarem cada vez mais cedo a sua vida sexual; • as mudanças sociais que reivindicam os direitos da mulher.

2.1. Aspectos psicológicos da gravidez De acordo com Mendes (1993), “a forma como decorre uma gravidez é a mais poderosa motivação, positiva ou negativa, para uma gravidez seguinte” e, durante a incerteza de uma gravidez, são vários os sentimentos e expectativas que se constroem. Esta pode trazer alegria ou mesmo tristeza, neste caso a mulher pode considerar a hipótese de aborto, acarretando com todas as consequências físicas e psicológicas que daí podem advir (p. 82). Pode ser psicologicamente condenado por:

• se tratar de um acto religiosa ou moralmente condenado; • ser ilegal e visto como algo sujeito a punição; • o medo da descoberta do seu acto por terceiros; • puder trazer consequências clínicas e dolorosas; • ser fonte de conflitos entre o casal.

De acordo com Mendes (1993), a não-aceitação do feto manifesta-se por reacções psicológicas originadas no subconsciente da mulher e que passam a ser notórias, tais como:

• alterações de humor • alterações do paladar e do olfacto (gerando apetites não usuais) • alterações nos laços familiares

Como refere o autor acima mencionado, estas alterações mencionadas acontecem devido ao facto da vida da mulher se transformar radicalmente. A vida profissional, a curto ou a longo prazo, poder-se-á alterar. O aspecto físico e estético será alterado pelas marcas que a gravidez deixará. Segundo Arlene Burroughs (s.d.) a rapidez com que sucedem as alterações corporais complicam a assimilação por parte da mulher. É fundamental acarinhá-las e compreende-las durante a gravidez de modo a que não se sintam inferiores às outras mulheres, relativamente ao aspecto físico. A sexualidade pode ser afectada devido a oscilações da l íbido. Como refere Mendes (1993), devido ao aumento do agregado familiar, a situação financeira poderá ser abalada. Outra das preocupações que condiciona a aceitação da gravidez deve-se à incerteza que a vida desta criança constitui, em termos educacionais e de sobrevivência num mundo cada vez mais cruel e desumano.

Figura 3. Auto-imagem da grávida

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De acordo com Mendes (1993), o equilíbrio emocional só será possível estabelecer quando a grávida aceitar que está a gerar uma nova vida. No entanto, o estado depressivo pode coexistir durante toda a gravidez, podendo atingir um estado de psicose, devido à sua fragilidade emocional.

Como refere o autor acima mencionado, a acrescer a todos os sentimentos vividos durante a gravidez, estão os mais diversos medos que a mesma pode acarretar. A grávida pode sentir medo do desconhecido por se tratar de uma experiência nova e diferente o que se agrava se a mulher teve experiências anteriores negativas. Devido ao facto de a sensibil idade da mulher estar bastante apurada é importante que seja apoiada pela família e amigos, exceptuando situações em que a sua presença seja contraproducente.

Mendes (1993) refere que outro dos medos passíveis de se verificar, é o medo de ter um filho imperfeito, nem sempre a mulher deixa transparecer esta ansiedade, contudo é um receio que permanece sempre com ela.

Segundo o autor acima mencionado, refere ainda outro medo da mulher grávida, sendo este o receio das dores do parto, isto devido a um factor agravante que é a associação que se faz desde os tempos mais remotos entre os termos “parir” e “doer”. Este medo varia de mulher para mulher, da capacidade que esta apresenta de se manter calma e controlada.

Mendes (1993) considera que no pós-parto é de extrema importância para a mãe e o bebé, que se invista no contacto físico estimulando deste modo a comunicação. No regresso a casa, existe toda uma mudança de rotinas devido à existência de um novo membro na família, aumentam as responsabilidades para o agregado famil iar e são muitas as adaptações que estes têm que fazer, nomeadamente a nível do sono. Como consequências mais evidentes, salientam-se os estados depressivos e de melancolia.

3 – EFEITOS DO ÁLCOOL DURANTE A GRAVIDEZ

Como referem Mello, Barrias, Breda (2001), o etanol e o acetaldeído são moléculas pequenas e facilmente diluíveis em água e lípidos, atravessando deste modo, sem grandes dificuldades, a membrana placentar. Assim sendo a difusão do álcool através da barreira placentária estará directamente correlacionada com fluxo sanguíneo placentar, segundo o gradiente de concentração. Figura 4. Efeitos do álcool durante a gravidez

De acordo com os mesmos autores, uma vez que exista níveis de concentração de álcool no sangue da mãe, por menor quantidade que seja, este passará, embora apenas algum tempo depois, para o feto, que, como não tem possibil idade de metabolizar o etanol está dependente da rapidez metabólica da mãe para eliminar o álcool (ver Anexo 4). Só após a diminuição da concentração de etanol no sangue da mãe é que, através da difusão em sentido inverso, a concentração de etanol no feto diminui. Assim sendo, a concentração de etanol na mãe e no feto está directamente relacionada com a dinâmica das trocas sanguíneas entre a mãe e o feto.

Mello, Barrias e Breda (2001) referem que a toxidade do álcool é hoje em dia conhecida mas a sua verdadeira extensão é desconhecida. Os efeitos do álcool fazem-se sentir logo desde o período de gestação e ao longo do decorrer da vida.

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Figura 5. Efeitos imediatos para o feto.

Segundo Streissgutt (s.d.) (op. cit. Mello, Barrias e Breda, 2001), nos últimos quinze anos têm-se desenvolvido estudos prospectivos e longitudinais com a finalidade de adquirir um melhor conhecimento sobre os efeitos de uma exposição do embrião e feto ao álcool. Interessantes ilações têm surgido através desses estudos como:

• “os efeitos da alcoolização pré-natal podem revelar-se em todas as idades; • uma alcoolização aguda e transitória constitui maior risco no início da gravidez do que no 5º mês; • a incidência de perturbações de aprendizagem e de adaptação de crianças, filhas de consumidoras habituais, é superior à

dos outros filhos de mães não bebedoras; • não há comprovação estatística da existência de um “limiar” de alcoolização, abaixo do qual o consumo deixará de

constituir um risco durante a gravidez.” (p. 63)

Como referem Mello, Barrias e Breda (2001), o álcool tem efeitos tóxicos directos no processo de divisão celular, aumentando o risco para a existência de malformações. Este risco é acentuado quando, durante os primeiros meses de gravidez, a alcoolização da grávida se faz por episódios agudos, provocando assim alcoolémias elevadas durante o período embrionário.

De acordo com os autores acima mencionados, os efeitos do álcool processam-se de forma diferente ao longo de todo o período de desenvolvimento do embrião e do feto. O primeiro período ocorre aproximadamente nos três primeiros meses de gestação e é característico nesta fase o aparecimento de anomalias e malformações, uma vez que é neste período que se dá a formação dos órgãos. O segundo período corresponde aos restantes meses e é caracterizado por alterações a nível do crescimento (ex: um nanismo intra-uterino). Deste modo os efeitos do álcool podem-se manifestar, no período pré natal, sob a forma de embriopatia, fetopatia e/ou embriofetopatia (SAF), ou apenas depois do nascimento.

Figura 6. Efeitos do álcool no decurso da gravidez (in Álcool e problemas ligados ao álcool em Portugal).

Como referem Mello, Barrias e Breda (2001), a agravar todo o quadro de complicações provocadas de forma directa pelo álcool, temos os efeitos indirectos deste. Aliados ao alcoolismo da grávida está a má nutrição, carência de folatos, diminuição de reserva em glicogénio, carência na circulação placentária de oligo-elementos, como o zinco, importante para o crescimento celular, o que potencia as alterações que se verificam no filho de uma grávida alcoólica e não alcoólica mas que teve índices elevados e frequentes de álcool.

Segundo Emile Papienik (1990), bastam vários copos de vinho diários para desencadear o SAF, é pois recomendado que não se beba álcool, ou que se limite à quantidade mínima, durante a gravidez. A autora

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alerta ainda que apesar da ciência médica estar tão sofisticada, não pode nunca reconstruir o que a grávida alcoólica destruiu. Todavia, segundo Aragão e Sacadura (2002) “não há consumo de álcool seguro durante a gravidez. A quantidade que podem ser segura para uma mulher pode não o ser para outra mulher”. (p. 82)

3.1. Síndrome alcoólico fetal e distúrbios associados Cristiana Corrêa (s.d.) refere que com a mudança do estatuto da mulher na sociedade, são cada vez mais aquelas que ingerem bebidas alcoólicas socialmente. Esse factor constitui um perigo iminente para os fetos das que engravidam de uma forma não planeada, pois a ingestão por mínima que seja nas primeiras semanas de gravidez, onde pode haver um desconhecimento do estado gestacional, pode aumentar o risco de SAF.

Segundo Mello, Barrias e Breda: “a SAF ou embriofetopatia alcoólica é uma entidade clínica do recém-nascido submetido a uma alcoolização pré-natal, cuja patologia se caracteriza por perturbações do recém-nascido (prematuridade e hipotrofia, dismorfia craneo-facial, malformações associadas e perturbações de adaptação neo-natal) e por alterações do desenvolvimento pós-natal.” (2001, p. 65) De acordo com a Sociedade de Investigação do Alcoolismo dos EUA (s.d.), referido por Aragão e Sacadura (2002) para que se considere que um recém-nascido sofra de SAF é necessário que apresente os três critérios seguintes:

• atraso de crescimento pré ou pós-natal ou ambos; • envolvimento do SNC; • traços dismórficos craniofaciais específicos. (ver Figura 7)

Segundo Marc Schuckit (1998) e Mello, Barrias e Breda (2001) a SAF corresponde a um conjunto de características como:

• abortos espontâneos múltiplos – segundo Aragão e Sacadura (2002), o consumo excessivo de álcool origina um aumento da incidência de aborto no segundo trimestre de gestação, numa proporção de duas a quatro vezes mais.

• recém-nascido com peso inferior ao esperado – segundo Aragão e Sacadura (2002), estes fetos têm uma maior probabilidade de prematuridade.

• malformações da estrutura facial – nomeadamente fissuras palpebrais mais pequenas, cana do nariz achatada, lábio superior fino, maxilar superior alargado, assimetria facial, testa curta e abaulada.

• malformações das mãos e pés. • defeito do septo ventricular cardíaco.

Mello, Barrias e Breda (2001) acrescentam: • malformações a nível renal (rim em forma de ferradura) • anomalias uretrais • hemongiomas • anomalias morfológicas (como microcefaleia) • alterações das articulações

Figura 7. Relação consumo de álcool/EAF (in Álcool e problemas ligados ao álcool em Portugal)

Segundo Aragão e Sacadura (2002), as alterações faciais podem desaparecer ou atenuar-se até à idade adulta, mas a microcefalia tende a persistir mesmo nesta idade.

Como refere Urso (s.d.), existe ainda recusa alimentar por parte das crianças com SAF, uma vez que o acto de comer, em pé de igualdade com o de beber lhes provoca medo e mal-estar.

De acordo com Aragão e Sacadura (2002), existem estudos recentes que referem ainda desordens de audição a quatro níveis, aquando da exposição ao álcool numa fase pré-natal:

• “ atraso de maturação do sistema auditivo;

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• perda de audição sensorial; • perda de audição condutiva entre o ouvido externo e médio; • perda de audição central.” (p. 84)

Figura 8. Características do Síndrome Alcoólico Fetal

Na opinião de Aragão e Sacadura (2002), crianças com SAF apresentam frequentemente distracção, exreferebilidade, problemas de disciplina, autismo e dificuldade de aprendizagem. A maioria destas crianças apresenta também atraso motor, mental e social, através das escalas de desenvolvimento de Bayley e de inteligência de Stanford-Binet.

Como referem Mello, Barrias e Breda (2001), logo após o nascimento o recém-nascido corre perigo de sobrevivência uma vez que o seu índice APGAR é normalmente baixo, com torpor e depressão respiratória consequentes à impregnação pelo álcool.

Ainda, segundo Mello, Barrias e Breda (2001), os efeitos do álcool não se manifestam apenas dentro do ventre materno e logo após o nascimento, onde determinadas características apontam para uma quadro de SAF, mas toda uma vida pode ficar alterada ou condicionada por uma decisão ou indecisão materna. Uma das perturbações que apenas se detecta ao longo do desenvolvimento da criança é a perturbação neuro-comportamental, ou seja, crianças com diminuição do desenvolvimento estatuto ponderal, com carência de desenvolvimento afectivo e intelectual e quocientes intelectuais baixos, ligado muitas vezes a microcefalia.

Mello, Barrias e Breda (2001), op. cit. Lemoine (s.d.), que realizou estudos sobre fi lhos de alcoólicas, descreve perturbações associadas à descendência de mulheres que abusaram de álcool durante a gravidez como:

• atrasos da linguagem – segundo Aragão e Sacadura (2002), as deficiências na linguagem compreendem as alterações na fluência, entoação, que é considerada monótona, disfunções na voz, como a hipernasalidade e voz áspera, desagradável e com fraca articulação.

• dificuldades de aprendizagem escolar • apatia • desinteresse pelas actividades • instabilidade com dificuldade da atenção

Como referem Aragão e Sacadura (2002), os distúrbios do comportamento neurológico podem ser características apresentadas pelos bebés que sofrerem efeito de privação durante o parto ou em bebés de mães, quer grandes quer moderadas consumidoras. Segundo Mello, Barrias e Breda (2001), a privação alcoólica é provocada pela ablação do cordão umbilical, que mantinha a alcoolémia na circulação fetal.

De acordo com Aragão e Sacadura (2002), os que sofreram a privação alcoól ica apresentam os seguintes sintomas que desaparecem ao fim de poucos dias:

• distensão abdominal • cianose • apneia • agitação • tremor • convulsões • perturbações do sono • hipertonia muscular

Como referem os autores acima mencionados, os filhos de mães consumidoras manifestam sintomas que persistem para além do período neo-natal, sendo eles:

• distúrbios de sono

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• acréscimo da actividade corporal • menor habituação a estímulos adversos • menor grau de obediência e atenção

De acordo com Mello, Barrias e Breda (2001), outros tipo de estudos, mais longitudinais desde a infância à idade adulta, foram realizados sobre os quais se constatou perturbações do comportamento, com tendência para o isolamento social, irritabil idade e não raras vezes agressividade. A realidade é que este tipo de estudos são muito complicados de serem elaborados, uma vez que não se pode atribuir estas perturbações a factores teratogénicos, dado que estes estudos também podem ser atribuídos a factores adjacentes, como a influência de um meio famil iar, que pode apresentar:

• alta permissividade de hábitos e elevados consumos • carências materiais e de afecto • maus-tratos

Todos estes condicionalismos podem actuar de forma negativa sobre o equilíbrio biopsicológico potenciando o risco patogénico alcoólico.

Como refere Aragão e Sacadura (2002), dos estudos que foram efectuados em relação ao consumo do álcool em mulheres em fase de amamentação, conclui-se que apesar de apenas uma pequena percentagem do álcool passar para o leite materno, o efeito que produz no bebé é elevado e quase momentâneo. No entanto ainda se desconhece os efeitos a longo prazo deste consumo, durante o período de amamentação, para a mãe e para o bebé.

Figura 8. Amamentação

Mello, Barrias e Breda (2001) mencionam que existem casos de verdadeiro sucesso, relatados pelos alcoólicos anónimos, onde ex-alcoólicas pariram, enquanto alcoól icas, fi lhos com o SAF mas que após a desintoxicação e garantida a contínua abstinência de álcool, tiveram fi lhos perfeitamente saudáveis e sem quaisquer indícios de SAF, comparativamente com os irmãos mais velhos. Todavia, se uma alcoólica mantém os seus hábitos de ingestão, os efeitos fetais são sucessivamente mais graves, podendo os últimos filhos apresentar uma SAF completa.

4 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA GRÁVIDA ALCOÓLICA

De uma entrevista informal com a Enfermeira de serviço, no CAT de Olhão, ficou-se a saber que, os comportamentos de uma mulher alcoólica a tudo se assemelham aos de uma toxicodependente, uma vez que estas dependências, por norma, aparecem associadas. Apesar destas mulheres realizarem esforços para evitarem alguns dos comportamentos que possam ser prejudiciais à gravidez, a dependência muitas vezes fa la mais alto do que instinto maternal.

Segundo J. Palminha (1993) “os comportamentos dos toxicodependentes são manifestações exteriores de conflitos intrapsíquicos (…) e de interacção relacional (…) em que as drogas representam o compromisso possível para estar na vida.” (p. 35)

Como refere J. Adams (1978; op. cit. Palminha, 1993), as drogas ajudavam a ocultar toda a raiva e frustração que a mulher possuía, restabelecendo e harmonizando um “Eu” debilitado. Neste sentido, as drogas poderiam ser vistas, de acordo com D. Winnicott (1974; op. cit. Palminha, 1993), como “mães externas suficientemente boas” que tinham a função de ajudar a camuflar os sentimentos internos destruidores principalmente quando dirigidos para as imagens paternas.

Como refere Eduardo Sá e J. Pitorra , citados em Pais Ribeiro (1997), a gravidez em mulheres alcoólicas tem um potencial de alto risco, quer os efeitos dessa droga, quer na gestação e consequentemente no feto, quer pela inevitável interligação com outros factores e comportamentos de risco, nomeadamente sociais, psicológicos e infecciosos. Por se tratar de um grupo de mulheres que dificilmente cumprem os esquemas básicas de vigilância

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na gravidez, é fundamental que sejam seguidas por um conjunto de profissionais integrados numa equipa multidisciplinar, capazes de ter a flexibil idade e a capacidade de intercomunicação requerem.

Na opinião de Palminha (1993), as dificuldades de relacionamento e os conflitos psicológicos intrínsecos da mulher toxicodependente, fazem pensar acerca do investimento afectivo e emocional destas mães para com os seus filhos, bem como os cuidados básicos a prestar ao bebé. O comprometimento das relações interpessoais não está apenas direccionado para o filho mas também para todo o núcleo familiar.

Manuel Pinto-Coelho (1993) refere que a personalidade de um toxicodependente, nomeadamente alcoólico apresenta características comuns à maioria destes indivíduos. Esteriótipou-se que eles apresentam:

• avultadas dificuldades psicológicas • problemas na inserção, quer familiar quer profissional, bem como uma não-aceitação dos valores sociais

estabelecidos

De acordo com o mesmo autor, as grávidas alcoólicas são consideradas imaturas e equilibradas. Apresentam dificuldades em estabelecer-se profissionalmente, acabando por enveredar por caminhos ilegais e condenáveis moral e socialmente. A acrescer a estes factores, está o facto de provirem, quase na sua totalidade, de meios problemáticos e desunidos onde a figura paternal não foi uma constante.

Como salienta Pinto-Coelho (1993), estas mulheres pouco esperam do futuro e consequentemente da sua gravidez, revestem os planos futuros de angústia e pouca emotividade. É uma pessoa passiva, geralmente com poucas amizades e com uma ideia negativa de si própria, o que justifica a sua negatividade face ao futuro, a sua falta de planos e projectos.

De acordo com o autor acima mencionado, a grávida alcoólica na maioria das vezes caracteriza-se pela instabilidade de comportamentos, inadaptação à vida social e instintos muitas vezes agressivos, o que para o autor constitui um motivo de imprevisibil idade.

Pinto-Coelho (1993) refere a grávida caracteriza-se ainda por possuir um humor impulsivo, sendo este mais um dos aspectos que torna o álcool irresistível, uma vez que funcionará como compensador dos insucessos e da baixa auto-estima da mulher. São mulheres por norma imaturas e que se fascinam por tudo o que é fácil.

IV – Conclusão Após a realização deste trabalho, foi-nos possível concluir que dificilmente um estereótipo ou preconceito formado em relação a um alcoólico, tem um fundo de verdade. Cada ser deve ser entendido como único e diferente de todos os outros, devendo, as suas razões para beber, por exemplo, ser consideradas isoladamente. Contudo as causas do alcoolismo são frequentemente dirigidas para aspectos hereditários, factores psicológicos e sociais.

Mais se conclui que existem dois tipos de consumo de álcool, o consumo excessivo e o consumo crónico, que condicionam o aparecimento de comportamentos e consequências diferentes. No âmbito geral os que mais se verificam são a perda de responsabilidades, as dificuldades económicas, crises nas relações familiares e maus-tratos. Aquando do contacto permanente com familiares alcoólicos e com todo o seu meio envolvente, a criança apresenta uma maior predisposição tanto para o alcoolismo infantil, como para o alcoolismo na idade adulta.

Verif ica-se que a mulher grávida pode estar psicologicamente perturbada e apresentar medos e angústias, nomeadamente medo do desconhecido, de ter um filho imperfeito ou ainda das dores de parto. É de salientar que dependendo do número de gravidezes, a mulher encara de forma diferente as angústias e receios. Podem ainda ter dificuldades na inserção familiar e profissional, bem como na aceitação e cumprimento dos valores social e moralmente correctos.

Constatou-se também que são múltiplos os efeitos orgânicos e fisiológicos produzidos pelo álcool, tanto no feto como na mãe. Por tudo isto, é condição obrigatória a não ingestão de álcool durante a gravidez, assim como o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar ao longo de toda a gravidez.

Por fim, a acrescer a todas as dificuldades inerentes a uma gravidez, a grávida alcoólica ostenta uma panóplia de adversidades inerentes a factores sociais e psicológicos desencadeados pelos seus hábitos. Esta irá enfrentar avultadas dificuldades psicológicas e múltiplos problemas de inserção profissional, social e até familiar. A angústia e a pouca emotividade poderão tomar conta destas mulheres fazendo com que as suas perspectivas para o futuro sejam abaladas, de tal modo que por vezes enveredem por caminhos ilegais e condenáveis moral e socialmente. É de todo necessário dar apoio permanente, por vezes carinho, ternura e amor bastam, para elevar a sua auto-estima e diminuir a ideia negativa que têm de si próprias.

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V – Bibliografia Álcool uma mal na gravidez. URL: http://www.lardemaria.org.br/. Alcoolismo: vício ou doença?. URL: http://www.lincx.com.br/. Aragão, M., & Sacadura, R. (2002). Guia geral das drogas. Lisboa: Terramar. BVS Adolec – notícias. URL: http://www.adolec.br/. Cantarelli, A., et al. (2002) Guia Prático da Chicco de puericultura. Catálogo n.º 54. Barcarena: Artsana. Castelões, L. (s.d.). Com ciência – drogas. URL: http://www.comciencia.br/. Chasnoff, I., et al. (1993). A utilização de cocaína e de outras drogas durante a gravidez; um seguimento feito durante

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implicações terapêuticas. Colecção “O alcoolismo e toxicomanias modernas”, 7. Lisboa: Climepsi Editores. Schuckit, M. (1998). Abuso de álcool e drogas. Colecção “Alcoolismo e Toxicomanias modernas”, 2. Lisboa: Climepsi

Editores. Trota, R., et al. (2001). Guias de educação e promoção da saúde. Espanha: Direcção geral de saúde. Urso, M. (s.d.). Alcoolismo: O caminho de volta é muito mais difícil. http://www.pastoraldacriança.org.br/.

ANEXOS Anexo 1 - Problemas clínicos associados ao uso excessivo do etanol

A – Gastrointestinais e Hepáticos 1 – Hepáticos (hepatite alcoólica, cirrose) 2 – Pancreatite crónica calcificada 3 – Gastrite aguda 4 – Diarreias 5 – Carcinoma (orofaringe, esófago, fígado)

B – Neurológicos e Musculares 1 – Neuropatia periférica 2 – Síndromas cerebrais orgânicos 3 – Encefalopatia de Wernicke 4 – Psicose de Korsakoff 5 – Ataxia cerebelar 6 – Síndromas de privação (menor e/ou convulsões, delirium tremens) 7 – Intoxicação (dificuldade na coordenação psicomotora, raciocínio e reflexo)

C – Hematológicos 1 – Anemia por deficiência de folato 2 – Anemia ferropénica 3 – Leucopenia, função de granulócito prejudicada

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4 – Trombocitopenia 5 – Deficiência dos factores de coagulação em hepatopatia

D – Endocrinológicos/Metabólicos 1 – Hipoglicémia 2 – Hipertrigliceridemia 3 – Hiperlactacidemia e hiperuricemia 4 – Cetoacidose 5 – Hipomagnesemia 6 – Hipofosfatemia 7 – Hipoalbuminemia

E – Pulmonares 1 – Pneumonia por aspiração 2 – Tuberculose e pneumonia bacteriana 3 – Carcinoma da Laringe

F – Dermatológicos 1 – Infestações cutâneas 2 – Úlcera cutânea 3 – Rinofinoma rosáceo

G – Acções Farmacológicas 1 – Interacção droga-álcool

H – Traumáticos 1 – Fracturas 2 – Politraumatismo (acidentes de trânsito)

Anexo 2 – Problemas digestivos no alcoólico e as suas prováveis causas

Sintomas Órgão Causas possíveis

Azia Esófago Refluxo gastroesofágico Esofagite péptica Doença motora

Gases

Estômago Pâncreas Fígado Intestinos

Gastrite aguda Pancreatite crónica Cirrose Síndroma de má absorção Doença motora

Náuseas/Vómitos

Snc Estômago Fígado Pâncreas

Síndroma de dependência do álcool Gastrite/úlcera Hepatite alcoólica Pancreatite crónica

Dor abdominal Estômago Pâncreas Fígado

Gastrite aguda/úlcera péptica Pancreatite crónica Hepatite alcoólica

Diarreia Intestino Fígado Pãncreas

Síndroma de má absorção Cirrose Pancreatite crónica

Disfagia Esófago

Esofagite péptica Doença motora esofágica Carcinoma epidermóide Estenose péptica

Hepatomegália Fígado Hepatite alcoólica Cirrose

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Anexo 3 - Evolução do consumo per capita de álcool puro em Portugal

Anexo 4 – Gráfico representativo da concentração de álcool no sangue materno-fetal

Anexo 5 – Curva de alcoolémia em função da ingestão

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Anexo 6 – Recortes de jornais alusivos ao consumo de álcool

FIM

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GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA1 Trabalho realizado por: Alexandra Neves; Ana Pinheiro; Daniela Silva; Sara Guerreiro

1. Introdução A adolescência é uma das fases mais difíceis da vida do ser humano. Torna-se importante uma primeira abordagem relacionada com a adolescência e a gravidez, afim de se compreender melhor as inúmeras repercussões e dificuldades inerentes a uma maternidade neste período da vida.

2. Abordagem conceptual da gravidez na adolescência

2.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO ADOLESCÊNCIA

O conceito de adolescência é relativamente recente, e tem sido submetido a diversas alterações ao longo do tempo. Actualmente, ainda não existe unanimidade na sua definição, pois varia conforme o contexto social (cf. Miranda, 1999, p. 37). Outro obstáculo para se chegar a um consenso, é o facto de ser difícil estabelecer um l imite etário para o início e termo da adolescência.

Segundo a OMS, é considerado adolescente todo o individuo que tiver idade compreendida entre os 10 e os 19 anos. Não é de forma alguma uma definição estável e concreta, visto existirem muitas outras que delimitam diferentemente o período da adolescência. Como exemplo referimos Melgosa (1999). Este menciona que os psicólogos da adolescência concluíram que nos países mais desenvolvidos, a adolescência não é apenas uma fase de transição mas sim uma fase em expansão.

É com toda a certeza uma delimitação difícil de se concretizar, se tivermos em conta todas as diversidades de h istórias de vida particulares de cada jovem, da qual faz parte, o local onde cresceram, a educação disponibilizada a nível familiar, escolar e social. Sendo assim, faz-se a distinção entre adolescência precoce dos 11 aos 15 anos, adolescência média dos 16 aos 18 e adolescência superior ou tardia dos 18 ou mais anos.

A adolescência é um processo dinâmico caracterizado por profundas transformações fisiológicas, psicológicas, pulsionais, afectivas, intelectuais e sociais, vivenciadas num determinado contexto cultural e social. De uma forma simplista, a adolescência é uma idade de mudança, tal como evidencia a etimologia da palavra: adolescere que em latim signif ica “crescer” (Chipkevitch, 1994, p. 119).

Actualmente, existe uma grande ambivalência no que se refere à adolescência como um período de crise. Alguns autores defendem que este período é de crise, visto que o adolescente está rodeado de sentimentos ambivalentes, como o desejo de “crescer e de regredir, de se sentir ainda criança e já adulto, de autonomia e de dependência, de ligação ao passado e vontade de se projectar no futuro” (Monteiro & Santos, 1998, p. 190). Por outro lado, outros autores defendem que para muitos adolescentes o desenvolvimento nesta fase é tão lento e gradual que até pode passar despercebido. Portanto, a adolescência pode ser uma etapa de vida igual a todas as outras. Apesar de haver mais probabilidade de ocorrer algum acontecimento digno de maior destaque, todas as vivências influenciam o desenvolvimento do indivíduo (Leal, 1997, p. 23).

2.2. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE GRAVIDEZ

A gravidez pode definir-se como sendo o período de tempo que decorre entre a concepção e o parto. Durante este período, decorrem uma série de alterações físicas e vivências psicológicas e sociais muito particulares. (Macedo, 1992, p. 565)

A complexidade da gravidez, está relacionada com a ambivalência de sentimentos e emoções que esta pode gerar, a mulher pode sentir-se, por vezes, envolvida de momentos belos e, outras vezes, de momentos de angústia. A gravidez também é considerada como um desafio à maturidade e à estrutura da personalidade da

1 O texto aqui apresentado refere-se à primeira versão do trabalho. O trabalho definitivo apenas foi apresentado na versão impressa.

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mulher, visto que, esta está exposta a diversos conflitos que requerem, de certa forma, uma resolução, reestruturação e reajustamento aos vários níveis fisiológicos, sociais e psicológicos (Lourenço, 1998, pp. 17-18).

2.3. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Nos dias de hoje, quando a adolescência e a gravidez convergem, considera-se que surgirão consequências, dado o duplo esforço de adaptação interna e a dupla movimentação das duas realidades complexas. A gravidez durante a adolescência vai comprometer a procura e a construção da identidade própria do processo de adolescência (Correia, 2000, p. 13; Lourenço, 1998, p. 30).

Segundo a nossa sociedade, ser mãe na adolescência significa fugir à normalidade, uma vez que esta defende que o normal é ter fi lhos na idade adulta e dentro do casamento (Pais, 1997, p. 31).

Analisando a questão da gravidez na adolescência, verifica-se que no passado não se atribuía uma “conotação negativa” a este fenómeno. “As adolescentes grávidas sempre existiram..." (Lourenço, 1998, p. 20). Muitas das nossas avós e bisavós foram mães adolescentes, mas nem sempre foram alvo de atenção e de cuidados especiais pois os contextos sociais acolhiam uma aceitação cultural. Mas, actualmente tem-se uma visão muito diferente deste assunto, uma vez que a idade para as mulheres terem filhos está relacionada com os mecanismos geradores da sociedade em si. Cada vez mais o assunto “gravidez na adolescência” envolve polémicas e controvérsias.

Segundo Correia Alves (1990), a gravidez na adolescência pode ser vivida com grande sofrimento, surgindo sentimentos de culpa e pecado. Pode ser entendido como um momento desorganizador, exigindo ajustamentos individuais e familiares. Assim, ao trabalhar com adolescentes grávidas é importante saber lidar com:

• O efeito do susto e do inesperado; • A convergência de duas crises (adolescência e gravidez); • Ausência de projectos de maternidade e de relação consistentes; • O desencadear do desequilíbrio familiar; • A necessidade que a jovem tem em tornar o momento o mais adequado nas diversas áreas.

A gravidez na adolescência é sem dúvida um desafio bastante exigente durante o desenvolvimento da adolescente. Esta depara-se com uma dupla crise: “crise da adolescência” e “crise da gravidez”. Toda a situação é geradora de stress pelo que pode prejudicar a nível psicológico a adolescente e também constitui um factor nocivo ao feto. Por um lado, será obrigada a l idar com desafios e tarefas próprias da adolescência e por outro, suportar o stress que implica a gravidez e tudo o que está associado à maternidade. Para além disto, todas estas mudanças ocorrem numa fase em que os recursos pessoais para que a adolescente saiba l idar com o stress, estão em continuo desenvolvimento (Canavarro, 2001; baseado em Passino, et al,1993, p. 360).

3 - Gravidez na Adolescência: Factores predisponentes “Do ponto de vista epistemológico, os modelos teóricos que procuram abordar fenómenos complexos, como é o caso da gravidez na adolescência, tem evoluído, de modelos causais de um só factor, assentes numa causalidade linear, para modelos plurifactoriais, que contemplam efeitos de interacção e interferência de mecanismos mediadores” (Canavarro, 2001, 325).

Chipkevitch (1995, p. 600) organiza os factores predisponentes da gravidez na adolescência em três grupos: factores biológicos, psicológicos e sociais.

3.1. FACTORES BIOLÓGICOS

O principal factor biológico para o surgimento da actividade sexual precoce é o aparecimento da maturação sexual nos jovens mais cedo, ou seja, os caracteres sexuais secundários desenvolvem-se, capacitando o adolescente para uma função reprodutora (Chipkevitch, 1995, p. 600). Contudo, a precocidade da maturação sexual também tem repercussões ao nível do comportamento sexual e psicossocial das adolescentes.

3.2. FACTORES PSICOLÓGICOS

Os factores psicológicos estão intimamente relacionados com as características desenvolvimentistas próprias da adolescência. Estes, podem propiciar alguns comportamentos de risco ligados à gravidez (Lourenço, 1998, p. 57).

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A imaturidade do processo cognitivo dos adolescentes e a sua impulsividade, origina uma certa incapacidade de prever os resultados a longo prazo dos seus actos sexuais, de forma a que possibi l ite ao adolescente prevenir qualquer evento futuro (cf. Chipkevitch, 1995, p. 600).

Os sentimentos de invulnerabilidade e invencibil idade característicos da adolescência dominam os seus pensamentos e consequentemente as suas atitudes, pois os adolescentes raramente colocam a hipótese de correrem certos riscos, neste caso, o de engravidar (cf. Aretaris, 1999, p. 731). Talvez seja por isso que a grande maioria dos adolescentes, quando têm relações sexuais casuais, não sentem grande necessidade de se protegerem. Por exemplo, para a maior parte das adolescentes a repetida util ização da contracepção oral não faz muito sentido (cf. Canavarro, 2001, p. 335).

Muitas vezes a adolescente pretende realmente engravidar mas com outros objectivos, entre os quais, a auto-afirmação da sua sexualidade e identidade, ainda em formação; o casamento, como forma de melhoramento da relação com o parceiro; a independência em relação aos pais; a necessidade de afecto e de ter alguém a quem amar. Nenhum destes objectivos está l igado a qualquer projecto de maternidade (Leal, 2000, 26). Contudo, em vários estudos realizados, concluiu-se que grande parte das adolescentes que engravidam sofreram abuso sexual anteriormente. Este aspecto afectou, de certo modo, o uso de métodos contraceptivos e o domínio das suas experiências sexuais posteriores (Aretaris, 1999, p. 732).

3.3. FACTORES SOCIAIS

Os factores sociais têm um papel extremamente determinante no comportamento dos adolescentes, inclusive no sexual.

A partir da década dos anos 60, houve uma grande revolução nos ideais e atitudes relacionadas com a sexualidade, visto que, ocorreu uma liberação sexual e divulgação dos métodos contraceptivos orais (Lourenço, 1998, p. 51). Assim, a sociedade actual encontra-se progressivamente mais erotizada. Este facto deve-se, principalmente, aos media que levam ao “aumento cultural de conteúdos e estímulos sexuais. É notória a mudança dos valores relativos à sexualidade, aumentando a permissividade e valorizando-se as dimensões comunicacional e do prazer, mais do que a procriativa” (Lourenço, 1998, p. 51).

Durante a adolescência, estando o processo cognitivo numa fase de imaturidade leva a que o adolescente seja, por vezes, incapaz de aval iar certas consequências das suas decisões actuais. Relativamente aos métodos anticoncepcionais têm muitas vezes atitudes de rejeição, admitindo que estes interferem no prazer sexual, tornando o acto em algo não-natural e levando-os a pensar que o parceiro é que é responsável pela contracepção.

Contudo, existem muitos jovens sem informação, pois nem sempre esta é transmitida da melhor maneira e, ao nível escolar, a educação sexual é inexistente ou realiza-se tardiamente. Esta falta de informação e o facto da sexualidade ainda ser um tabu para a sociedade, constroem à volta deste tema vários mitos, principalmente no grupo dos adolescentes, que sentem algum constrangimento em discutir este assunto (Aretaris, 1999, p. 731). Os mais comuns são: que não se engravida na primeira relação; que o coito interrompido evita a gravidez; que por serem jovens não podem adquirir métodos contraceptivos; que a pílula é prejudicial à saúde (Aretaris, 1999, p. 731). Assim, segundo o mesmo autor, estas ideias pré-concebidas, levam muitas vezes à gravidez, devido à incorrecta ou não util ização dos métodos contraceptivos.

A forma como os pais abordam o tema da educação sexual com os adolescentes é muito importante, “os pais que discutem a contracepção, sexualidade e gravidez com os filhos, podem influenciar positivamente o adiamento da iniciação sexual e o uso efectivo de métodos contraceptivos” (Aretaris, 1999, p. 732). Outros aspectos relevantes, relativamente à família, que estão relacionados com o aumento da gravidez na adolescência, são as dificuldades de relacionamento, os conflitos famil iares, a negligência, a violência física e psicológica, o abuso sexual e o fraco suporte familiar (Canavarro, 2001, p. 329).

O grupo de pares começa a ter um papel muito importante durante a adolescência, sendo por vezes a sua opinião mais importante para o adolescente do que a dos próprios pais. Por esta razão, no que respeita à sexualidade, é frequente um início precoce da actividade sexual nos adolescentes, pois estes são inconscientemente pressionados, pelo grupo, a adoptar este comportamento para se sentirem integrados no mesmo ( Chipkevitch, 1995, p. 601).

Frequentemente, a grávida adolescente insere-se num contexto sócio-económico e cultural desfavorecido, onde a taxa de abandono escolar é muito elevada e, por isso, há um défice de informação a todos os níveis e, para além disto, a maioria destes adolescentes apresentam expectativas muito baixas emrelação ao seu futuro, ou seja, não têm um projecto de vida construído tendo como principais consequências o início precoce da actividade sexual, a inadequada ou não util ização de métodos contraceptivos (Canavarro, 2001, p. 328).

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Outros factores associados a esta problemática são o abuso de substâncias, perturbações do foro psiquiátrico e comportamentos delinquentes por parte dos adolescentes (Aretaris, 1999, p. 732).

Segundo outros autores, ainda existem factores, psicológico e sociais que em conjunto poderão influenciar, de outra forma, a gravidez na adolescência.

“A gravidez e a maternidade na adolescência são acontecimentos de vida não-normativos, que vão obrigar a uma reorganização pessoal e relacional que garanta novos modos de expressão e realização adequados à nova situação” (Soares & Jongenelen, 1998, p. 376). Neste sentido, esta real idade pode ser perspectivada como um novo desafio expresso no desencontro entre o timing do nascimento de um filho e as tarefas de desenvolvimento normativas, constituindo, deste modo, um exemplo de uma transição acelerada de papéis (Raeff, 1994; op. cit. por Soares, Jongenelen, 1998, p. 376).

Nesta perspectiva, é importante analisar os aspectos de ordem psico-emocional do percurso educativo e profissional; das relações com a família de origem, com os pares e com o companheiro, no sentido de permit ir uma melhor compreensão das vivências deste desafio.

Numa perspectiva do desenvolvimento individual da adolescente, quando esta é confrontada com a situação de gravidez, tem necessidade de saltar estádios e tarefas desenvolvimentais, porque terá de lidar com tarefas adultas para as quais ainda não se sente psicologicamente e socialmente preparadas. Portanto, ao engravidar a jovem é muitas vezes exposta à perda prematura da condição de adolescente, necessitando de se adequar rapidamente à possível condição de mãe e colocando em causa o seu equilíbrio psicossomático (Lourenço, 1998, pp. 43-44).

As mudanças exigidas pela gravidez e a identificação com o papel materno interferem, naturalmente, com a formação da identidade e características próprias da adolescência (Canavarro, 2001, pp. 340-344). Assim, a gravidez na adolescência, trás dificuldades nas relações com os pares e nas relações amorosas, na escola e actividade profissional, e ainda nos processos de autonomia e afastamento para com a família, típicos desta fase (Canavarro, 2001, pp. 340-344).

A gravidez vai criar dependência de apoio emocional e instrumental da família e um aumento da responsabilidade por parte do adolescente (Canavarro, 2001, pp. 340-344).

As mudanças corporais e sexuais que surgem na gravidez, são também aspectos que vão exigir do adolescente um esforço suplementar para a formação da sua identidade de adolescente (Canavarro, 2001, pp. 340-344).

Tentar perceber se a adolescente engravidou com ou sem planeamento, se assume ou não essa gravidez e a aceita, permite-nos compreender sobretudo as implicações psicológicas e emocionais que poderão surgir.

Assim, as reacções psico-emocionais perante a aceitação da gravidez, têm sido objecto de estudo recente e os resultados são, por vezes, inconclusivos. Grande parte das investigações têm usado uma metodologia comparativa, entre grávidas e/ou mães adolescentes e grávidas e/ou mães adultas, relativamente a variáveis emocionais e psicopatológicas. Segundo Passino, Whitman, Borkowski, Schellenbach, Maxwel l , Keogh e Rellinger (1993), as grávidas e/ou mães adolescentes revelam “maiores níveis de stress e isolamento social”, segundo Peterson et al. (1982) revelam "maiores níveis de tristeza, tensão e risco acrescido de suicídio, e segundo Passino et al. (1993) revelam “maiores níveis de psicopatologias em geral e menos aptidões de resolução de problemas, em particular” (cit. Canavarro, 2001). Outros estudos comparam grávidas e/ou mães adolescentes com jovens sem história de gravidez e revelam, com pouca consensualidade, que as jovens grávidas e/ou mães “apresentam aptidões de resolução de problemas e aptidões sociais mais pobres” (Passino et al., 1993) e apresentam “maior frequência de comportamentos delinquentes” (Wiemann, Berenson, Wagner, & Landwehr, 1996; op. ci t. Canavarro, 2001, p. 340).

A visão da nossa sociedade em relação à gravidez fora do casamento é estigmatizante e marginalizadora, pressionando, uma série de decisões e criando, por vezes, desequilíbrios emocionais e sociais. Este facto, conduz a que muitas jovens casem prematuramente, embora as probabilidades de se divorciarem e de se tornarem mães sozinhas sejam grandes, sendo as suas responsabilidades pelo filho acrescidas (Canavarro, 2001, pp. 345-346).

Os fenómenos sociais são, a par do processo psicológico, determinantes nas vivências da gravidez na adolescência. Neste domínio, o papel da família e da escola, em geral, são as instâncias mais importantes, no caminho que a grávida adolescente percorre.

A família é um sistema complexo, com relações e emoções próprias, na qual se passam sentimentos e comportamentos que, por vezes, não são possíveis de ser estandardizados. Os ciclos de vida familiares são cada vez mais diferenciados. A família nuclear típica é evidente, mas está sujeita a transformação, e toda e qualquer família possui capacidade de se adaptar e mudar. As situações de crise implicam uma necessidade

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de mudança que gera grande stress, tal como afirma Cai l lè (1987) “a crise não solicita a reparação ou substituição de um modelo relacional, o que implica alguns riscos, de patologia ou disfuncionamento se a família rigidificar os seus padrões transaccionais e as suas fronteiras” (Minuchin, 1983; cit. por Lourenço, 1998, p. 83).

Numa situação de crise, como a de uma família aperceber-se que a adolescente está grávida, pode reagir de variadas formas, mas regra geral, respondem com desapontamento, vergonha, sentimentos de culpa ou mesmo violência. Perante este novo desafio, a família precisa de redefinir os papéis pais-fi lhos.

Geralmente, o principal ponto de desagrado da gravidez da jovem é apresentado pela sua mãe, ao mesmo tempo que é, também ela, o seu principal apoio. Este apoio pode ter implicações positivas e negativas. Por um lado as jovens mães ficam menos sobrecarregadas com o seu verdadeiro papel referente àquele novo ser porque, recebem uma maior ajuda e apoio nos cuidados a este. Por outro lado ao ser a mãe da jovem a prestar os cuidados pode fazer com que a jovem perca a sua autonomização no desempenho do seu novo papel, ser mãe. Porém também pode privar o jovem adolescente de ser pai.

Em relação aos pares, as relações estão sujeitas a alterações. A adolescente deixa de se sentir um deles, predominando sensações de diferença física e psicológica em relação aos outros colegas e amigos, limitando-a de os poder acompanhar nas actividades (Corbett, Meyer, & Holland, 1987; Protinsky et al., 1982, Canavarro, 2001, p. 344). A resposta do grupo a esta situação pode variar, dependendo do significado que eles atribuem à gravidez na adolescência, podem, por um lado, dar apoio e camaradagem ou, por outro lado, rejeitarem e marginalizarem (Corbett, Meyer, & Holland, 1987; Protinsky et al., 1982; Canavarro, 2001, p. 344).

As questões relativas aos aspectos educativos e profissionais, ao nível da adolescente grávida, têm sido objecto de grande estudo. Conclui-se que a maioria das adolescentes quando engravidam já não frequentam a escola, e aquelas que ainda a frequentavam acabam por interromper os seus estudos, também porque o nosso sistema de ensino ainda não apresenta condições que permitam às grávidas adolescentes ou às jovens mães prosseguirem os seus estudos ( Xarepe, 1990, p. 435).

Contudo, se o apoio económico e emocional que a famíl ia proporciona for estável, a probabilidade de regresso à escola são mais elevadas (Corbett, Meyer, & Holland, 1987; op. cit. por Canavarro, 2001, p. 343). Após o nascimento do filho os objectivos de vida mudam, passando a ser uma prioridade a aquisição de financiamento imediato, para as necessidades da criança (Gonçalo, 2002, p. 14).

Em termos profissionais, as adolescentes têm menos possibil idades de arranjarem emprego, e quando o conseguem estes são, normalmente, de baixa qualificação o que implica menores rendimentos económicos (Xarepe, 1990, p. 435). Nas situações em que a adolescente abandona a escola e não conseguem ter um emprego, um dos objectivos que parecem encontrar é o de constituir família.

4 – Gravidez: como cadeia de Acontecimentos e Decisões Quando confrontada com a gravidez, a adolescente tem de tomar opções relativamente ao futuro, sendo estas a aceitação da gravidez, o aborto e a adopção.

Se a opção for aceitar a gravidez, a adolescente vê-se confrontada com novas tarefas, como a de aceitar uma outra pessoa – o bebé, e de construir uma identidade materna, continuando também com necessidades relacionadas com a própria adolescência o que implica, muitas vezes, um conflito interno complicado de resolver (Canavarro, 2001, p. 347; e Correia, Alves, 1990, p. 431).

O facto de a adolescente ter um pensamento centrado nela própria, pode diminuir a capacidade desta para resolver problemas de planeamento a longo prazo que, é fundamental na maternidade. Torna-se difícil para a rapariga pôr de parte os seus sentimentos e necessidades para dar prioridade às do seu filho.

Por outro lado, se a decisão for interromper voluntariamente a gravidez, os conflitos psicológicos serão mais complexos, dependendo porém, dos factores que levaram a tomar esta decisão, salientado o facto de ter sido às escondidas da família e amigos, ou não (Almeida, 1987 cit. por Lourenço, 1998, p. 96). As adolescentes que abortam experimentam sensações de tristeza, culpabilidade, castigo, têm crises de choro quando falam no feto e recusam-se a falar sobre o assunto (Almeida, 1987 cit. por Lourenço, 1998, p. 96).

Por último, se a opção for entregar o filho para a adopção, em princípio, na grande maioria das adolescentes, antes da gravidez, já existe um projecto de vida definido, que elas não pretendem ver alterado (Xarepe, 2001, p. 35). Esta opção exige um grande período de reflexão, que pode ser bastante traumático e doloroso devido a sentimentos de culpa e vergonha, resultado da pressão da sociedade e da necessidade de fazer o luto (Xarepe, 2001, p. 35). Como refere Seabra Diniz (1993): “Esta decisão mesmo que com clara motivação, não exclui o sofrimento, é sempre um momento difícil da separação, e emocionalmente forte, que não põe em causa a decisão

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já tomada, nem deve indiciar qualquer recuo.”

5 - Pai Adolescente: homens postos à parte Normalmente, quando se fala em gravidez na adolescência, só se fala na adolescente e trata-se do assunto como algo, único e exclusivo do feminino. Contudo, para além de uma mãe adolescente também existe um pai que, na maioria das vezes, tal como a mãe, também é jovem.

Tanto o pai como a mãe adolescente enfrentam uma crise de desenvolvimento que inclui: completar as tarefas de desenvolvimento da adolescência, realizar a transição para a paternidade e algumas vezes adaptar-se ao casamento.

Os pais adolescentes, com o nascimento de um filho, não vão muito além dos seus estudos e carreiras e o casamento tem maior probabil idade de separação e divórcio.

É por estas razões que os pais adolescentes necessitam de apoio para analisarem as suas respostas emocionais em relação à gravidez.

É comum o pai adolescente reagir à situação, de uma forma distinta comparando com a adolescente grávida. Esta reacção está condicionada com o tipo de relação existente entre os dois antes da concepção. Ao saber da gravidez, grande maioria passa por uma fase de dilemas e conflitos internos que podem ou não ser ultrapassados.

Enquanto que, alguns pais adolescentes tendem a fugir da responsabilidade, pois não se sentem preparados para encarar o papel paternal e de adolescente ao mesmo tempo, outros aceitam a paternidade, e querem estar em contacto com o fi lho, independentemente da relação que mantêm posteriormente com a grávida/mãe adolescente. Um aspecto que pode prejudicar a motivação do pai adolescente para o estabelecimento de uma futura relação com a adolescente e o seu fi lho é o facto da família frequentemente o excluir ou rejeitar (Aretaris, 1999, p. 733). Porém a ausência da figura paterna tem vindo a sofrer alterações talvez, devido a alterações sociais e legais nos últimos tempos.

6 - Intervenção do enfermeiro, com pais adolescentes Cada adolescente é um ser individual, com experiências de vida individuais, famílias diferentes, locais de residência diferentes e projectos de vida muito distintos. Como pessoa que são, os adolescente devem ser respeitados na sua dignidade humana, e as suas ideias devem ser aceites como ideias individuais, fazendo parte de uma fase da vida importante. Eles necessitam de apoio para enfrentar os seus conflitos interiores e os eventuais problemas com os quais se deparam nesta altura do seu percurso.

A gravidez na adolescência é um factor de desequilíbrio na dinâmica do indivíduo e da família. Existe uma necessidade de se promover um novo equilíbrio com a ajuda de uma equipa multidisciplinar, devendo esta desenvolver condições para a adolescente poder expressar todos os sentimentos em relação a si e à gravidez, promovendo a relação com os pais ou outras pessoas da sua confiança.

A intervenção do enfermeiro a nível familiar pode sem duvida conduzir a que a situação de crise seja ultrapassada e aceite por esta. É um processo que exige muito trabalho e despende por vezes muito tempo, mas torna-se gratif icante o atingir harmónico de compreensão entre os vários membros familiares e a importância da mãe adolescente se sentir apoiada e saber que o seu filho é aceite no seio famil iar.

Faz parte da conduta dos enfermeiros, não atribuir “rótulos”, mas sim procurar compreender a situação que a adolescente vive e os sentimentos que esta nos possa expor ou que se encontram implícitos durante o diálogo. Nunca se deve abandonar a adolescente com esta situação e deixá-la sozinha a resolver o seu problema. Deve-se incitá-la a encontrar possíveis caminhos para solucionar o problema e, informá-la de forma adequada.

Bobak et al. (1993, p. 773) foca o importante papel do enfermeiro ao cuidar tanto do pai como da mãe adolescente. Como refere, o enfermeiro deve estar sensibil izado para percepcionar o nível de maturidade dos adolescentes, nunca esquecendo os seus valores culturais. O enfermeiro não deve nunca julgar os adolescentes pela sua posição tomada, pelas suas atitudes ou pelos seus valores.

Aquando da Gravidez, a enfermeira deve logo no inicio, implicar o pai adolescente no processo de acompanhamento da sua companheira, fazendo com que esta compareça e participe na consulta.

O enfermeiro deve dispor de uma comunicação aberta e acessível aos pais adolescentes, em que estes possam desenvolver um clima de confiança para com o profissional. O estabelecimento de uma sólida relação de ajuda torna-se aqui um processo inevitável. Os pais adolescentes devem ser orientados, de forma que eles próprios

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conduzam a sua vida da forma mais correcta, nunca correndo o risco de julgar as suas decisões ou de “atropelar”, impondo os nossos pontos de vista. Levá-los eles próprios a reflectir sobre a sua vida, conduz a um crescimento pessoal interior e à formação da sua maturidade. O pai adolescente é ainda incentivado a participar no futuro de contracepção do casal.

Segundo Miranda (1999, p. 39) “(…) os profissionais que trabalham com adolescentes grávidas devem incentivar a relação precoce mãe/filho, fomentando as atitudes saudáveis, o gostar de si, o aceitar as alterações do corpo como uma necessidade para o bom desenvolvimento do filho (…)”. Ao ser desenvolvido este tipo de trabalho com a jovem mãe, melhor conseguirá encarar esta fase que é vivida com grande instabilidade.

Importante também, é o facto dos pais adolescentes aceitarem a existência de suporte social e a forma como o util izam para seu bem estar e de seu filho.

Este suporte social é antes de mais os avós da criança e restante família. Este sistema de suporte deve ser util izado da forma mais correcta pela adolescente, nunca permitindo que este substitua os seus cuidados.

A mãe adolescente, não deve descurar a sua pessoa e desvalorizar-se pelo facto sucedido. Deve valorizar o seu cuidado pessoal assim como o do seu filho e começar uma vida “nova” com outro olhar.

6. Conclusões

???

7. Bibliografia Bobak, I., Lowdermilk, D., Jensen, M., & Perry, S. (1995). Enfermagem na Maternidade (4ª edição). Loures: Lusociência. Canavarro, M. (2001). Psicologia da Gravidez e da Maternidade. Coimbra: Quarteto Editora.

Leal, I. (1997). Transformações sócio-culturais da gravidez e da maternidade: Correspondente transformação psicológica, pp. 201-214. In J. L. Pais Ribeiro (Ed.), Actas do 2º Congresso de Psicologia da Saúde, Braga. Lisboa: ISPA.

Pais Ribeiro, J. L. (1997) (Editor). Actas do 2º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, Braga – Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde. Lisboa: ISPA.

FIM

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Gravidez e Diabetes2 Trabalho elaborado por: Helena Ribeiro; Isa Máximo; Mónica Carmo; Sofia Coito

“Dizer que todas as pessoas têm os mesmos direitos e que não é por estarem doentes que merecem ser afastadas

é fácil. Mas se alguém da sua família ou circulo de amigo s ficasse infectado com VIH, como reagiria?” (o Grupo, 2004)

I – Introdução No âmbito da disciplina da disciplina de Psicologia V, a decorrer no 3ºano-1º semestre, foi-nos proposto um trabalho sobre a “Gravidez e Diabetes” pela professora Celeste Duque.

O trabalho encontra-se estruturado de acordo com os seguintes itens: introdução, em que apresentamos os objectivos a alcançar, uma exposição do tema proposto e metodologia observada; o desenvolvimento, onde se faz referência aos pontos fulcrais da temática e a conclusão seguida de todas as referências bibliográficas util izadas na sua execução.

A metodologia util izada foi pesquisas bibliográficas e entrevista informal ao enfermeiro José Vieira.

O objectivo geral é tentar apurar quais as consequências físicas e psicológicas que a diabetes pode ter na grávida e no feto. Como objectivos específicos propusemo-nos a definir e classificar a diabetes na gravidez; após uma primeira abordagem ao tema sentimos que seria interessante e importante distinguir a diabetes pré-gestacional de diabetes gestacional; o que nos sensibil izou ainda mais para a necessidade de saber e compreender quais as eventuais repercussões psicológicas da diabetes, no período gestacional.

Se a gravidez é, como se sabe, um processo por muitos considerados como um período de crise, que acarreta mudanças extraordinárias no corpo e mente da mulher, nomeadamente, ao nível da sua auto-imagem, auto-estima, identidade, papéis, que requer obviamente um reajuste e readaptação permanentes, dos quais resulta um maior crescimento pessoal, mas que pode, igualmente, levar a uma maior instabilidade emocional. Imagine-se agora como será quando associada a uma patologia como a diabetes?

Vamos então desvendar a problemática…

II – Enquadramento Teórico

1. DIABETES MELLITUS A Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal define a Diabetes Mellitus (DM) como sendo uma doença crónica caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue, resultante de uma deficiente capacidade de util ização da principal fonte de energia, do organismo humano – a glucose.

Esta patologia é diagnosticada através de sintomatologia manifesta característica da doença: poliúria, polidípsia, polifagia, xerostomia e fadiga; e que é, de resto, confirmada através de análises ao sangue.

Desta forma, o indivíduo diabético será aquele que apresentar valores de glicémia ocasional igual ou superior a 200 mg/dl ou tiver um valor de glicémia em jejum (8 horas) igual ou superior a 126 mg/dl (p. 4).

Sendo evidente a importância do controle dos níveis alterados de glicémia, segundo a Classificação do National Diabetes Data Group, Graça (2000) faz a distinção em três tipos:

• Diabetes Tipo I: ou Diabetes Insulino-Dependente, o pâncreas perde a capacidade de produção de insulina para poder regular os níveis de glucose no sangue e desta forma o diabético vê-se obrigado a administrar terapêutica com insulina, para toda a vida (surge habitualmente em crianças ou jovens);

• Diabetes Tipo II: ou Diabetes Não-Insulino Dependente, o pâncreas ainda produz insulina mas em quantidades insuficientes. Nestes casos, o diabético pode conseguir controlar os níveis de glucose no sangue através de uma dieta cuidada e/ou administrando anti-diabéticos orais (surge maioritariamente em adultos ou idosos obesos com história familiar de DM).

• Diabetes Tipo III: ou Diabetes Gestacional surge em grávidas que desenvolvem, durante a gestação, uma intolerância à glicose.

Analisando as diferentes classificações, constatamos que a Diabetes pode afectar homens e mulheres de diversas idades, independentemente da sua raça ou condição social.

2 Este trabalho é resultado da primeira apresentação em Word. A versão final apenas foi apresentada impressa.

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Em mulheres grávidas a DM pode surgir antes da gravidez – Diabetes Pré-Gestacional ou Diabetes Pré-Gravídica; ou apenas manifestar-se durante a gestação – Diabetes Gestacional ou Diabetes Gravídica. Em ambas as situações é importante que a grávida tome consciência que está perante uma gravidez de risco e como tal será necessário recorrer a profissionais de saúde especializados, capazes de diminuir os riscos que uma gravidez com diabetes implica, não só ao nível da saúde materna como também, ao nível da saúde fetal/neonatal (Graça, 2000, p. 629). Mediante esta perspectiva, Queenan (1987) salienta a importância da mãe zelar pela manutenção dos níveis normais de glucose no sangue, uma vez que a doença não pode ser tratada, só controlada (p. 354).

Dada a ausência de cura para esta doença, a Direcção Geral de Saúde (2000) alerta para que todos os portadores de DM controlem a sua situação de saúde-doença procurando tratamento e controle eficazes dos seus níveis de glicémia, evitando complicações, promovendo uma vida normal e saudável (p. 5).

2. CLASSIFICAÇÃO DA DIABETES NA GRAVIDEZ Sendo a Diabetes uma doença crónica, e a gravidez portadora desta patologia, inerentemente uma gravidez de risco, revela-se de extrema importância o estabelecimento de uma classificação capaz de dividir as grávidas em grupos, adequando-as a um tratamento específico (Graça, 2000, p. 629).

Mendes (1993) fala na existência de diversas classificações possíveis de serem aplicadas na Gravidez com diabetes, mas realça a classificação mais util izada: Classificação de Priscilla White, na qual as diabéticas grávidas são agrupadas por classes (por ordem alfabética de A a T), seguindo critérios relacionados com a idade de início da diabetes e a sua duração, bem como as complicações da diabetes que a mulher possa apresentar aquando a gravidez:

Quadro 1 Classificação de Priscilla White

Diabetes Gestacional - Prova de Tolerância à Glicose Oral (PTGO) anormal, mas valores normais de glicémia são mantidos através da dieta; - Dieta Insuficiente – necessidade de insulina. Diabetes diagnosticada antes da gravidez Classe A

.- Tratamento só com dieta, independentemente da duração da doença ou da idade de início; Classe B

- Idade de início igual ou superior a 20 anos, com duração inferior a 10 anos; Classe C

- Idade de início entre os 10 e os 19, duração da doença de 10 a 19 anos; Classe D

- Idade de início inferior a 10 anos, duração superior a 20 anos, com retinopatia ou Hipertensão arterial; Classe R

- Retinopatia proliferativa/hemorragia do vitreo; Classe F

- Nefropatia com proteinúria superior a 500 mg/dia; Classe RF

- Critérios das classes F e R associados; Classe H

- Doença cardíaca arteriosclerótica clinicamente evidente; Classe T - Transplantada renal prévia.

De acordo com a perspectiva do mesmo autor, a integração nas diferentes classes de P. White não diz respeito ao tipo de diabetes associado à grávida, seja do tipo I ou tipo II, embora este considere que na Classe A só possam integrar situações cl ínicas com DM do tipo II. Este realça ainda, que as possíveis complicações durante a gravidez e a morbilidade perinatal, aumentam proporcionalmente das Classes A a T, principalmente a partir da Classe F (nefropatia com macroproteinúria).

De acordo com a Classificação de P. White e em relação à Diabetes Gestacional, Mendes (1993) manifesta a opinião de que este tipo de Diabetes deve ser considerado à parte, pelas suas características próprias e implicações fetais e neonata is. Dentro da Diabetes Gestacional destingue dois grupos: as mulheres com normoglicémia que efectuam autocontrole com dieta e as que tiveram necessidade de iniciar administração de insulina para obter valores normais de glucose no sangue.

A gravidez nas diabéticas deve ser sempre classificada como uma gravidez de risco, dadas as dificuldades de compensação que decorrem das modificações hormonais próprias da gravidez (pp. 165-166). Daí, que Queenan (1987) realce a importância do controle dos níveis de glucose no sangue, adequando a dieta, a insulina (se for o caso), o exercício físico e o stress, aumentando a qualidade de vida da mãe e do bebé (p. 354).

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3. DIABETES PRÉ-GESTACIONAL “Quando uma mulher já diabética fica grávida, é identificada como uma diabética pré-gestacional; isto é, a diabetes existia antes da gravidez e persistirá após gravidez. A diabetes pré-gestacional pode ser quer do tipo I (insulino-dependente) quer do tipo II (não insulino-dependente), bem como ser ou não complicada por doença vascular, retinopatia, nefropatia ou outras complicações da diabetes. As diabéticas de tipo II são consideradas não insulino-dependentes durante a gravidez, porque os antidiabéticos orais devem ser suspensos devido a potenciais efeitos no feto” (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 648).

3.1. Aconselhamento e planeamento da gravidez A gestação de uma nova vida representa uma grande alegria e realização para a mulher. O corpo feminino sofre um conjunto de mudanças que garantem o crescimento do feto e o preparam para o seu nascimento. Em alguns casos as mudanças sofridas podem agravar problemas de saúde já existentes antes da concepção, podendo originar também o surgimento de complicações e doenças, comprometendo a segurança do parto e a saúde do recém-nascido (Diabetes e Gravidez????).

O aconselhamento pré-concepcional deve ser feito a todas as mulheres diabéticas que estão em idade reprodutiva para proporcionar uma gravidez sem complicações. A mulher diabética é aconselhada antes da concepção a:

! Planear a altura ideal para a gravidez; ! Manter o controlo da glicemia antes da concepção; ! Ser avaliada para despiste de complicações vasculares da diabetes.

Numa gravidez com diabetes, a mulher e o seu companheiro devem ter em mente, algumas considerações: um grande esforço e compromisso; um grande controlo da gl icémia; conhecimento adquirido em todas as áreas que estão associadas à diabetes (Gravidez e Diabetes, 2004). Para isso, é necessário um processo de aconselhamento a que devem ter acesso, de forma a aval iar o seu grau de conhecimento sobre os efeitos da gravidez na diabetes e complicações potenciais da gravidez causadas pela diabetes (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 648).

A vigilância da gravidez numa mulher diabética é muito complexa, logo é necessária, a existência de uma equipa multidisciplinar.

O planeamento/aconselhamento também permite identificar as mulheres com contra-indicações para a gestação, e identificar mulheres que tenham diabetes e não o saibam (Graça, 2000, pp. 635-636).

Durante a consulta de planeamento, entre outras actividades, salienta-se a atribuição ou substituição da terapêutica antidiabética, nomeadamente os antidiabéticos orais, os quais podem exercer efeitos teratogénicos no feto devendo ser interrompidos no período pré-concepcional da mulher com diabetes tipo II. A estas mulheres deve ser prescrita a insulina injectável antes da gravidez, quando esta é planeada, e imediatamente quando não planeada (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 648).

Quando é obtido o equilíbrio metabólico e estipuladas as doses correctas de insulina, é permitido à mulher engravidar (Graça, 2000, pp. 635-636).

O planeamento da gravidez é extremamente importante como forma de tornar a gravidez e o parto mais seguros para a mãe e o bebé (Diabetes e Gravidez).

4. AVALIAÇÃO

4.1. História da grávida A uma diabética grávida que requer cuidados pré-natais é realizada uma avaliação completa do seu estado de saúde. È iniciada por uma consulta pré-natal, na qual a enfermeira obtém a história detalhada em relação ao início e decurso da diabetes, bem como a gestão e o grau de controlo da glicémia antes da gravidez. O tratamento da diabetes na gravidez depende do conhecimento e adesão que a mulher tem relativamente a este, logo a enfermeira deverá fazer uma avaliação dos conhecimentos que a mulher tem sobre as possíveis interacções e/ou consequências da patologia (diabetes) na gravidez e potenciais complicações materno-fetais.

Bobak, Lowdermilk, e Jensen consideram que é aconselhável a aval iação do estado emocional da mulher através de uma avaliação à reacção da gravidez associada à diabetes (1999, p. 651).

Segundo o grupo, a gravidez normal já oferece à mãe alguma ansiedade e stress, pelo que, facilmente, se pode imaginar como uma gravidez classificada de “alto risco”, interfere no aumento dos níveis de ansiedade e stress. O medo de complicações maternas e fetais torna-se numa das principais preocupações.

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“É de extrema importância avaliar o sistema de suporte (familiares e amigos da grávida) da mulher de maneira a identificar quais as pessoas significativas e qual o seu papel na vida da mulher. Deve ser feita uma avaliação do conhecimento que as pessoas de suporte têm sobre a doença e cuidados especiais que a grávida deve ter, é necessário avaliar também se cumprem de uma maneira rigorosa o plano de cuidados, que lhe é fornecido no decorrer da vigilância. Os factores sócio-económicos devem ser avaliados para que a grávida diabética possa ter todos os cuidados de que necessita” (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 651).

4.2. Exame físico Nas consultas de rotina é realizado um exame físico para avaliar o estado de saúde da mulher. À mulher diabética são adicionados exames complementares de diagnóstico para aval iar os efeitos da gravidez na mesma: é feito um electrocardiograma para aval iar o estado cardíaco; acompanhamento pelo oftalmologista para a avaliação da retinopatia; a tensão arterial é vigiada cuidadosamente; o aumento do peso é observado em cada visita; é medida a altura uterina para detectar qualquer aumento anormal em tamanho para o tempo gestacional; e as manobras de Leopold são realizadas para verificar o tamanho fetal e possível hidrâmnios (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 651).

4.3. Testes laboratoriais São realizados os testes laboratoriais de rotina na gravidez: é feita uma análise de urina vinte e quatro horas para aval iação da função renal; em cada consulta pré-natal são realizados os testes de urina para detectar infecções urinárias, glicosúria, cetonúria e proteinúria; testes para analisar a função da tiróide; e aval iar o controlo da glicémia (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 651).

4.4. Vigilância fetal São frequentemente feitas técnicas de diagnóstico para vigilância fetal, com o objectivo de avaliar o crescimento e o bem-estar do feto. É feito o despiste de alterações neurológicas por meio de uma avaliação da alfafetoproteína sérica materna. Pode ser realizada uma amniocentese para diagnosticar anomalias congénitas.

Cerca das vinte e quatro semanas é feito o ensino à grávida para controlar os movimentos fetais diariamente. As anomalias cardíacas fetais são analisadas pela ecocardiografia (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, pp. 651-652).

4.5. Determinação da data do parto Actualmente, a maioria das gravidezes, de mulheres diabéticas vão até ao termo, desde que estas tenham mantido normoglicémia. Em grávidas com patologia vascular ou deficiente controlo glicémico a amniocentese deve ser realizada ás trinta e seis ou tinta e sete semanas para aval iar a maturidade pulmonar fetal. Em alguns casos o feto tem maturidade pulmonar e fracos resultados nos testes de vigilância fetal, o parto deve realizar-se imediatamente (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 652).

4.6. Riscos e complicações “O grupo de grávidas com diabetes prévia à gravidez, está sujeito a complicações que podem ocorrer de forma aguda, independentemente da evolução da doença, e outras que são apanágio das formas de longa duração com doença vascular associada. O feto está igualmente sujeito a complicações que obrigam a vigilância apertada com o objectivo de serem detectadas precocemente” (Graça, 2000, p. 630).

4.6.1. Riscos e complicações maternas Uma diabética grávida está em risco de desenvolver complicações. O grau de risco está directamente relacionado com o autocontrolo da glicémia antes da concepção e durante o período de gestação, sendo também influenciado pela presença de complicações diabéticas. As complicações maternas são as seguintes (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 648):

! Aborto espontâneo – está relacionado com um controlo deficiente da glicémia na altura da concepção e nas primeiras semanas de gravidez. (Combs, 1991; Rosenn et al., 1991, op. cit. Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 648).

! Hipertensão induzida pela gravidez ou pré-eclâmpsia – ocorre com uma maior incidência na mulher diabética grávida com alterações vasculares preexistentes relacionadas com a gravidez. (Cunningham et all, 1993; Meyer, 1990, op. cit. Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 648).

! Hidrâmnios – acontece quando o líquido amniótico excede os 2000 ml. O hidrâmnios causa uma distensão exagerada do útero, aumenta o risco de rotura prematura das membranas, trabalho de parto prematuro e hemorragia pós-parto (Graça, 2000, p. 633).

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! Infecções – as mais comuns são as infecções vaginais, em particular a candidíase vaginal, e as infecções urinárias. As infecções numa mulher diabética são muito graves porque causam aumento da resistência à insulina podendo levar à criação da acidose. Com estas infecções poderá haver um parto prematuro (Stamler, 1990; op. cit. Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 649).

! Cetoacidose – pode pôr a vida da mãe e do feto em risco. Frequentemente, ocorre durante o segundo e terceiro trimestres quando o efeito diabetogénico da gravidez é maior à medida que a resistência à insulina aumenta. A cetoacidose acontece como consequência de hiperglicémia não tratada, causada por infecções, doenças maternas ou por doses inadequadas de insulina (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 649).

4.6.2. Riscos e complicações Fetais/Neonatais

A partir da concepção, um fi lho de uma mãe diabética corre um grande risco de complicações que podem ocorrer durante os períodos antenatal, intraparto ou neonatal . Estas complicações classificam-se como ligeiras e transitórias, no entanto, são uma ameaça à vida podendo resultar em morte da criança. A morbilidade e mortalidade do recém-nascido associadas à gravidez diabética podem ser reduzidas com o controlo rigoroso dos níveis de glicémia. As complicações fetais são as seguintes:

• Anomalias congénitas – são muito frequentes em mulheres diabéticas insulino-dependentes, 50% das mortes perinatais de crianças de mães diabéticas são devidas a malformações congénitas. A principal causa destas anomalias é o deficiente controlo da glicémia antes da refeição e nas primeiras semanas de gestação, durante o período de formação dos orgãos.

• Macrossomia – o recém-nascido tem um peso superior a 4000 g. É uma das grandes causas de cesariana nas mães diabéticas. A criança com macrossomia pode apresentar fractura da clavícula, laceração esplénica ou do fígado, lesão do plexo braquial, paralisia facial, lesão do nervo frénico ou hemorragia subdural. A criança, ainda corre o risco de sofrer asfixia grave devido a parto difícil e prolongado.

• Compromisso circulatório uteroplacentário – ocorre quando a mãe teve alterações vasculares. Este compromisso diminui o oxigénio disponível para o feto, podendo contribuir para o atraso do crescimento intrauterino, diminuindo um neonato que é pequeno ou leve para a idade gestacional.

• Doenças da membrana hialina – as crianças de mães diabéticas têm um risco elevado de síndroma dificuldade respiratória relacionado com a doença da membrana hialina. Antigamente, a doença da membrana hialina era maior pelo facto de as crianças nascerem antes do tempo na tentativa de prevenir a morte fetal. Com o avanço das técnicas de vigilância do feto e o melhoramento do controlo da glicémia, o parto prematuro, resultante de dificuldade respiratória tem vindo a diminuir.

• Anomalias metabólicas – são frequentes na transição para a vida extra-uterina. Pode surgir hipoglicémia nos primeiros trinta a sessenta minutos após o nascimento. A hipocalcémia, hipomagnesémia, hiperbilirru-binémia e policitémia ocorrem frequentemente em filhos de mães diabéticas colocando o recém-nascido em risco. (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 650)

4.7. Cuidados especiais A mulher diabética que está grávida passa não só por uma crise de crescimento, mas também por uma crise situacional devido ao elevado risco da gestação. Estas mulheres exigem cuidados de enfermagem individualizados e profundos, tanto durante a gravidez como no pós-parto.

Quando as gravidezes são complicadas pela diabetes é necessário ajudar a mulher a reduzir o stress que a situação lhe causa, pois o aumento deste contribui para a elevação dos níveis de glicose no sangue. Deve por isso, ser ensinado às grávidas técnicas de relaxamento de modo a diminuir essa ansiedade. É necessário também dar privacidade, espaço e tempo para que a mulher e a sua família pensem em toda a situação e consigam revolver os seus problemas.

A enfermeira deve ser capaz de obter um conhecimento geral dos sentimentos positivos e negativos da mulher grávida, de modo a trabalhar com ela no sentido de uma maior motivação e compreensão para o tratamento da diabetes.

Prestando bons cuidados individualizados, baseados na relação de ajuda com a mulher e sua família promove-se o bem-estar físico e emocional. Mas é importante que a mulher se envolva activamente no plano de cuidados elevando assim a sua auto-estima e auto-confiança, sabendo que é capaz de cuidar de si e do seu bebé. Uma comunicação eficaz com os profissionais de saúde facil ita a sua participação no auto-cuidado (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 653).

4.7.1. Antes do parto A mulher diabética durante a gravidez deve tentar dominar conhecimentos sobre o processo de tratamento e estar desperta para as alterações que possam ocorrer, de modo a que se actue no momento certo. Apesar da mulher já possuir conhecimentos sobre os cuidados a ter com a diabetes (dieta, insulina, exercício, observação e vigilância da glicemia), necessita de assistência para compreender o impacto da gravidez na diabetes e assim ser capaz de se auto cuidar de forma eficaz (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 653).

4.7.1.1. Dieta

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Durante a gravidez é necessário que a mulher tenha a preocupação de ajustar as suas necessidades nutricionais, para tal deve ser educada e aconselhada a introduzir as alterações na sua dieta. A gravidez é normalmente um período da vida da mulher em que a motivação se encontra elevada, o que é ideal para que esta consiga uma autogestão dos cuidados. É fundamental que a mulher compreenda a importância de manter os níveis de glicémia dentro dos parâmetros normais durante a gravidez. A dieta deve ser individual izada de modo a que se respeite o aumento das necessidades fetais e metabólicas, tendo em conta determinados factores como: o peso e hábitos dietéticos durante a gravidez, saúde de forma geral, descendência étnica e esti lo de vida, período de gravidez, conhecimento nutricional e tratamento insulínico. O objectivo da dieta é conseguir que a mulher aumente de peso de acordo com uma gravidez normal, prevenir a cetoacidose e minimizar grandes alterações dos valores da glicémia. O valor total de calorias deve ser distribuído por três refeições principais e uma ceia l igeira ou por três refeições principais e pelo menos duas refeições moderadas. As refeições devem ser sempre respeitadas, nunca as suprimindo. As refeições intermédias devem ser bem calculadas de acordo com a medicação insulínica para evitar oscilações nos níveis de glicémia. Deve ser feito um reforço nocturno antes de se deitar, para evitar h ipoglicémia e cetoacidose matinal. O aconselhamento nutricional é normalmente executado por um nutricionista (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 653).

4.7.1.2. Vigilância dos Níveis de Glicémia

As mulheres diabéticas são incentivadas a controlar os níveis de glicémia e a estar despertas para qualquer sinal de hipoglicémia ou hiperglicemia. De acordo com os níveis de glicémia ajusta-se a dosagem de insulina e a dieta, implicando que os testes sejam elaborados com rigor (ver Quadro 2): Quadro 2 Níveis de glicemia (mg/dl) (In Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 654)

Momentos de avaliação Níveis de glicémia (mg/dl) Antes do pequeno-almoço 60 a 90 Antes do lanche, jantar e antes de deitar 60 a 105 Duas horas após as refeições 60 a 120

4.7.1.3. Insulinoterapia

Durante a gestação o único antidiabético que a mulher pode fazer é a insulina, uma vez que os antidiabéticos orais estão contra indicados devido ao seu potencial efeito teratogénico, que ainda não está comprovado, e pelo risco de provocarem hipoglicémia neonatal.

A insulina humana deve ser administrada pelo menos quatro vezes por dia, antes das três refeições principais (insulina de acção rápida) e por volta das onze horas da noite (insulina intermediária). Este método terapêutico deve ser ajustado sempre que haja necessidade, pela grávida e pela equipa de saúde, tendo em conta o aumento progressivo das necessidades insulínicas à medida que a gravidez vai evoluindo (Graça, 2000, p. 637; Mendes, 1993, p. 167).

4.7.1.4. Exercício Físico

O exercício físico deve ser realizado sempre que possível, mas de forma moderada, evitando assim o sendentarismo. Para que a diabética grávida pratique exercício físico sem riscos deve conjugar a dieta com as doses de insulina. A actividade física facil ita a util ização da glicose, por parte do organismo e diminui a necessidade de insulina nas diabéticas gestacionais tipo II.

Nas mulheres diabéticas tipo I é necessário muito cuidado e o exercício deve ser acompanhado de perto pelos profissionais de saúde. Principalmente em grávidas com alterações vasculares já existentes, pois o exercício físico ajuda na redistribuição do fluxo sanguíneo, o que aumenta o risco de acidente isquémico nos órgãos e na placenta (Mendes, 1993, p. 168; Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 655).

4.7.1.5. Supervisão

A diabética grávida deve fazer uma vigilância pré-nata l com maior frequência do que as outras grávidas. Se existir dificuldades em controlar os níveis de glicémia, as consultas de vigilância pré-natal serão no mínimo de quinze em quinze dias nas primeiras trinta e duas semanas e depois, semanalmente, até ao parto (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, pp. 655-656).

4.7.1.6. Hospitalização

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Não é muito frequente hospitalizar-se mulheres diabéticas grávidas para regular a dosagem de insulina e estabilizar os níveis de glicémia, mas existem mulheres que necessitam de ser internadas. Durante o internamento controla-se os níveis de glicémia através de insulinoterapia e aproveita-se para realizar ensinos de educação para a saúde sobre a auto-administração e regulação de glicose sanguínea (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 656).

Queenan (1987) refere que as indicações para hospital ização de grávidas diabéticas são: hiperglicémia incontrolada, cetoacidose, cetonúria persistente, proteinuria, hipertensão, deterioração da função renal, pielonefrite e ganho excessivo de peso.

4.7.1.7. Complicações

Durante a vigilância gestacional a mulher é advertida para a possibilidade de ocorrerem complicações durante a gravidez e incentivada a comunicar o profissional de saúde se surgirem problemas, como náuseas, vómitos e infecções. É também importante que a grávida e sua família estejam despertos para as causas, sintomas, prevenção e tratamento da hipoglicémia e hiperglicémia.

Para evitar complicações a grávida não deve fazer viagens prolongadas sem primeiro contactar o seu médico, se o fizer deverá levar insulina e açúcar (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 656).

4.7. 2. Durante o parto A grávida com diabetes pré-gestacional pode levar a gestação até ao termo, desde que seja feita uma vigilância materno-fetal bastante rigorosa, caso não existam complicações, tais como: evidência de hipóxia fetal; macrossomia; pré-eclâmpsia/eclâmpsia; agravamento da tensão arterial, da retinopatia ou da nefropatia. Mas normalmente, a data do parto é programada para as trinta e oito semanas, preferencialmente após a avaliação da maturidade pulmonar do bebé, por amniocentese.

Como estes partos são programados o colo do útero poderá ser desfavorável, levando à indução do parto. Se a indução não for o método mais viável, opta-se por executar uma cesariana.

A mulher com diabetes pré-gestacional durante o trabalho de parto deve ser acompanhada de perto para se poder evitar complicações relacionadas com a desidratação, hipoglicémia e hiperglicémia, devido à grande quantidade de calorias que consomem durante este momento.

O parto de uma mulher diabética deve ser sempre considerado como sendo de alto risco, devido a problemas acrescidos de traumatismos e asfixia (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 656; Mendes, 1993, p. 170; Graça, 2000, p. 639).

4.7.3. Após o parto No pós-parto imediato as mulheres diabéticas necessitam de uma menor quantidade de insulina, pois a placenta que é a maior fonte de resistência à insulina foi retirada.

Podem ainda surgir algumas complicações no puerpério, como a pré-eclâmpsia/eclâmpsia, hemorragia e infecção.

Estas mulheres são incentivadas a amamentar porque para além do prazer materno a amamentação tem um efeito anti-diabetogénico. Com a amamentação os níveis de insulina vão diminuindo devido à util ização dos glícidos na produção de leite humano.

Depois do parto a mulher necessita de informação sobre o planeamento familiar e contracepção. O planeamento familiar é importante para todas as mulheres, mas é essencial que as mulheres diabéticas cuidem da sua própria saúde e que previnam possíveis complicações em gravidezes futuras.

O casal deve ter conhecimento de que os riscos associados à gravidez aumentam com a duração e gravidade da diabetes e que a gravidez pode contribuir para o aparecimento de alterações vasculares.

A contracepção na mulher diabética é um aspecto importante que deveria ser levado em consideração, não só pelo aspecto social que é evidente, mas, principalmente porque permite planear a gravidez. A maior incidência de malformações fetais e complicações maternas incide sobre as mulheres diabéticas que não programam a sua gravidez, logo se percebe porque é importante que exista uma contracepção.

O método contraceptivo perfeito não deveria apresentar efeitos secundários, sobretudo perigosos para as mulheres diabéticas e deveria ser o mais seguro possível, mas como é de conhecimento de todos não existe nenhum método que nos ofereça estas condições. Por isso a mulher terá de fazer escolhas, com a ajuda do seu

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médico e optar pelo método que para ela seja mais benéfico (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999, p. 657; Mendes, 1993, p. 173).

5. DIABETES GESTACIONAL “A Diabetes Gestacional (DG) define-se como uma intolerância aos hidratos de carbono de grau variável, que é reconhecida ou diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez”. Faz ainda, parte desta definição o grupo de mulheres com diabetes prévia à gravidez mas não reconhecidas como tal até ao momento da gestação (Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, s.a., p. 23).

A intolerância à glicose surge pelo facto do metabolismo materno não conseguir suprimir o aumento da resistência periférica à acção da insulina que ocorre durante a gravidez devido em grande parte ao efeito antagonista das hormonas placentárias (Graça, 2000, p. 640).

Na maior parte dos casos a diabetes gestacional desaparece no final da gravidez, mas existe uma grande probabilidade de esta reaparecer em futuras gravidezes. (Diabetes e Gravidez????????)

5.1. Avaliação

A diabetes gravídica manifesta-se normalmente entre as vinte e oito e trinta e duas semanas de gestação. Por este motivo, todas as gestantes deverão ser submetidas a um exame de rastreio para DG entre as vinte e quatro e vinte e oito semanas de gestação, como meio de despistar qualquer intolerância aos glícidos. O rastreio é feito através da Prova Oral de Tolerância à Glicose. Nas gestantes com dois ou mais factores predisponentes para a diabetes gestacional a prova de tolerância à glicose deverá ser feita entre as onze e treze semanas de gestação.

O diagnóstico de diabetes gestacional é estabelecido se a gestante apresentar mais do que dois valores iguais ou superiores aos valores normais (Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, s.a., pp. 23-24).

O diagnóstico da diabetes gestacional é de extrema importância uma vez que, durante a gestação e sob o ponto de vista materno pode-se: evitar situações de descompensação da diabetes; estabelecer medidas de contracepção futuras, prescrevendo os estro-progestativos considerados diabetogénicos e ainda, determinar normas de segurança para gravidezes futuras. De acordo com o ponto de vista fetal e neonatal, pode-se: reduzir a mortal idade perinatal; vigiar a morbilidade neonatal (h ipoglicémia, hipocalcemia, h iperbilirrubinémia...); evitar o traumatismo obstétrico (macrossomia) e atender a probabilidade de aumento excessivo de peso e de diabetes (Mendes, 1993, pp. 164-165).

5.2. Factores de risco Os factores de risco para o aparecimento da diabetes gestacional, são:

• Obesidade materna; • Idade materna superior a trinta anos; • Etnia negra ou asiática; • História familiar de diabetes mellitus; • História de diabetes gestacional em gravidez anterior; • Antecedentes de morte fetal ou neonatal inexplicada; • Antecedentes de filho com anomalias congénitas; • Antecedentes de feto macrossómico; • Hidrâmnios; • Glicosúria significativa.

As mulheres que apresentem algum destes factores de risco deverão ser informadas para o possível aparecimento de diabetes gestacional em futuras gestações e de um elevado risco de vir a desenvolver diabetes tipo II, pelo que deverão ser motivadas a efectuar uma vigilância médica frequente (Graça, 2000, p. 641)

Antes de engravidar a mulher é aconselhada a normalizar o seu peso e avaliar a sua situação metaból ica (glicémia em jejum ou a qualquer hora), isto para que se possa despistar o aparecimento da diabetes gestacional (Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, s.a., p. 12).

5.3. Complicações O facto de surgir Diabetes durante a gestação pressupõe uma gravidez de risco, pois as complicações que daí podem advir, poderão ter graves repercussões para a mãe, que por algumas semanas será diabética, com todas as consequências que esta patologia acarreta e para o feto, no que diz respeito à sua viabilidade e desenvolvimento.

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Durante a gravidez, as mães com diabetes gestacional apresentam maior probabilidade de vir a contra ir complicações. As mesmas são comuns na grávida com diabetes pré-gestacional, embora nestas, muitas vezes as complicações já existem, devido a todo o historial de diabetes e sofrem apenas agravamento clínico durante a gestação.

A morbilidade e mortalidade perinatais são elevadas em mulheres com diabetes gestacional com antecedentes de nado morto, pré-eclâmpsia e diagnóstico tardio de diabetes (Bobak, Lowdermilk, Jensen, Perry, 1999, p. 661).

A Diabetes durante a gestação pode ampliar a incidência e a gravidade de certas situações patológicas, causando repercussões nefastas no feto: abortos espontâneos, hidrâmnios, parto prematuro, macrossomia, anomalias congénitas, mortal idade perinatal, Síndrome de Dificuldade Respiratória, hipoglicémia neota l, h ipocalcémia, policitémia e hiperbilirrubinémia (Bobak, Lowdermilk, Jensen, & Perry, 1999, p. 661; Mendes, 1993, pp. 166-167; Pupo, 2004).

5.4. Tratamento O tratamento de uma situação de diabetes gestacional deverá ter início logo após o seu diagnóstico. Este tem como principal objectivo, manter o valor de glicémia plasmática dentro dos parâmetros normais, de modo a minimizar as complicações para a mãe e para o feto, que advêm das oscilações das taxas de glicémia. A glicémia é controlada através do estabelecimento de uma dieta adequada e um programa de exercício físico.

O regime alimentar deverá ser individualizado de modo a proporcionar um adequado aporte nutricional ao feto e satisfazer as necessidades da mãe, o aconselhamento de um médico nutricionista é indispensável.

O exercício físico deve ser incentivado (caminhadas, natação e hidroginástica), porque ajuda a baixar os níveis de glicose plasmática e evitam o aumento excessivo de peso.

A auto-vigilância da glicémia deve ser realizada diariamente em jejum e após as três principais refeições.

A prescrição de insulina como auxiliar no controle da glicémia só é instituída caso o regime alimentar e o exercício físico não sejam suficientes para manter a normalidade dos valores de glicemia, ou seja, se em jejum o valor for superior a 105mg/dl, se a glicémia pós-prandial for superior a 120mg/dl ou se em gestações anteriores já houve necessidade da sua util ização. A administração é feita de acordo com as quantidades e horários estabelecidos pelo médico (Equipe ABC da Saúde, 2004; Graça, 2000, p. 642).

5.5. Prevenção No período pré-natal é importantíssimo que todas as mulheres procurem os Serviços de Saúde, para que sejam submetidas a exames e possam ser identificados precocemente quaisquer indícios para a ocorrência de diabetes durante a gestação. O acompanhamento antes do parto é fundamental na prevenção e tratamento de complicações materno-fetais ocorrentes numa diabetes gravídica. Assim podemos garantir uma gravidez controlada e um parto seguro.

Quando na primeira consulta são detectados factores de risco predisponentes a uma diabetes gestacional, a mulher, o marido e os familiares são educados no sentido de estarem alerta para sintomas que possam desencadear essa patologia. Estes são ensinados sobre a maneira de util izar medidas para aval iar a diabetes gestacional.

Na consulta inicial e nas restantes é também importante a aval iação do stress físico e/ou emocional, pois estes são indicadores fortes para o desenvolvimento desta patologia em indivíduos propensos a isso.

Quanto mais cedo for a precocidade do diagnóstico menores serão as complicações (Bobak, I. M., Lowdermilk, D. L., Jensen, M. D., Perry, S. E., 1999, p. 663).

A programação do parto dependerá do estado clínico da gestante, da presença ou não de complicações e da necessidade de este ser induzido ou por cesariana. Se não existirem complicações o parto é programado para as 40 semanas de gestação, tendo em conta o peso do feto (Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, [s.a], p. 28).

Durante o trabalho de parto, quer este seja espontâneo ou induzido, a monitorização é contínua de forma a manter os valores de glicemia em 100mg/dl ou menos. O facto dos valores serem mantidos neste limite faz com que os riscos de hipoglicémia neonatal sejam minimizados. Os soros glicosados apenas serão util izados como meio de manter os valores aconselhados (Bobak, I. M., Lowdermilk, D. L., Jensen, M. D., Perry, S. E., 1999, p. 663).

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Se a grávida está a ser controlada com insulina, esta deverá ser mantida durante o parto de acordo com o esquema que se util iza para a grávida com diabetes prévia à gravidez, no dia do parto não deve ser aplicada a dose de insulina previamente prescrita.

Depois do parto a perfusão do soro glicosado deverá ser mantida assim como toda a vigilância sobre os valores de açúcar no sangue (Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, [s.a], p. 25).

Na maioria das mulheres com diabetes gestacional a situação é revertida para a normalidade. No entanto estas acarretam um risco elevado para desenvolver Diabetes Mellitus tipo II 5 a 15 anos depois da gravidez. Por este motivo é necessário que após 6 a 8 semanas voltem à consulta e sejam submetidas a uma prova de tolerância à glicose (PTGO) com 75g de glicose para serem novamente classificadas segundo os critérios da OMS (Relatório preliminar) ou da ADA/97.

Se o resultado for normal, serão classificadas como tendo uma anormalidade prévia de tolerância à glicose.

Se o resultado estiver alterado, serão classificadas como tendo Diabetes Mellitus ou diminuição da tolerância à glicose, segundo a OMS ou como tendo anomalia da glicemia em jejum, anomalia da tolerância à glicose ou Diabetes Mellitus , segundo a ADA.

Tal como foi referido anteriormente, as mulheres que apresentaram durante uma gravidez uma ocorrência de diabetes, correm maior risco de numa ocasião futura ou até mesmo numa futura gestação desenvolver novamente esta patologia. Assim, a vigilância deverá prosseguir, exigindo que estas façam provas de tolerância à glicose anualmente (Graça, 2000, p. 642 & Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, [s.a] pp. 24-25).

6. ASPECTOS PSICOLÓGICOS DAS GESTANTES COM DIABETES A gravidez é um período de grandes modificações físicas e psicológicas, que irão influenciar a mulher e suas relações.

Quando este período surge acompanhado de quadros cl ínicos que o classificam, como de “alto risco” todas estas mudanças físicas e psicológicas terão um maior impacto na gestante.

Sendo a Diabetes considerada uma patologia que confere um prognóstico de alto risco e mediante as possíveis implicações que esta poderá acarretar na gravidez, é evidente pensar que existem diferentes maneiras de encarar esta situação.

No caso de uma gravidez com diabetes, a ansiedade e o medo tendem a aumentar, devido ao receio que a mãe tem em relação à sua saúde e à do seu bebé nomadamente a possíveis malformações fetais e complicações no parto. Além disso, a precisão de um pré-natal especializado ou de internamentos hospitalares durante a gestação, também podem ser factores de desequilíbrio emocional.

Em diabéticas grávidas, a mudança de administração terapêutica (antidiabéticos orais substituídos pela insulina) pode desencadear medo associado à auto-administração e à dosagem. As próprias oscilações de glicémia, a que estão sujeitas também as tornam mais ansiosas, apesar do investimento no auto-controle. Nestas futuras mães, a auto-estima poderá estar diminuída quando associada a uma gestação de “alto risco”. Em contrapartida, a gestação com prévio conhecimento acerca da patologia, pode gerar motivação e auto-cuidado.

As grávidas diabéticas, tem um primeiro contacto com a Diabetes durante a gravidez, o que num contexto inicial as leva a duvidar e negar que tal possa estar a acontecer. Nestes casos, sentimentos como raiva, insegurança e isolamento são frequentes, podendo ser ultrapassados com um bom acompanhamento profissional e familiar.

Paralelamente a tudo o que ocorre com a grávida, a família também necessita de ser orientada, contribuindo para o tratamento: apoiando e acarinhando a futura mãe, transmitindo-lhe segurança e elevando-lhe a sua auto-estima.

Assim como a família, também os profissionais de saúde desempenham um importante papel junto destas mulheres, incutindo-lhes a ideia de que o acompanhamento ideal deverá ser feito por uma equipa multidisciplinar, constituída por um diabetologista, obstetra, nutricionista, enfermeiro e psicólogo, que interagindo entre si reunirão esforços para que uma gravidez controlada aconteça (Aspectos psicológicos da gestante com diabetes, 2004)

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III – Conclusão Nos últimos anos têm-se verificado avanços notáveis na compreensão e acompanhamento da diabetes na gravidez. Esta evolução nos cuidados permitiu alterações substanciais nos resultados, tanto para o bebé como para a mãe.

A diabetes representa um factor de risco na gestação e no nascimento do bebé, mas o acompanhamento pré-natal nos serviços de saúde e o cumprimento das suas recomendações, por parte da mãe, garantem a redução destes riscos a níveis mínimos e possibil itam à mãe e à criança uma gravidez e um parto normais e o nascimento de uma criança sã.

É importante que a grávida aprenda a conviver com a sua doença, aceitando-a e percebendo que pode lidar de um modo bastante positivo com esta. Para que tal aconteça o apoio familiar é indispensável, na medida em que esta se sente apoiada podendo parti lhar a sua ansiedade e os seus medos transmitindo-lhe segurança e auto-estima.

A gestante pode e deve ter uma participação activa em todo o processo. Como na própria diabetes as coisas mais importantes são a aceitação, a mudança de comportamento e a adesão ao tratamento.

IV – Bibliografia Bobak, I. M., Lowdermilk, D. L., Jensen, M. D., & Perry, S. E. (1999). Enfermagem na Maternidade (pp. 645-663).

Loures: Lusociência.

(s.a.) (2004). Aspectos Psicológicos da gestante com diabetes. URL: http://www.geocities.com/hotsprings/spa /3373/aspectospsicologicosdagestantecomdiabetes.htm

(s.a.) (2004). Gestação e Diabetes. http://guiadobebe.uol.com.br/artigos/diabetesegravidez.htm

(s.a.) (2004). Gestação e Diabetes. http://www.abcdasaude.com.br/artigo

Associação Protectora do Diabéticos de Portugal (s. d.). Uma Alimentação Saudável (p. 4). Verbo.

Direcção Geral de Saúde (2000). Como viver com a diabetes – Autocuidados na saúde e na doença (p. 5), vol. 3. Lisboa.

Graça, L. M. et al (2000). Medicina Materno Fetal – Diabetes associada à gravidez. (pp. 627-642), vol. 2. Lisboa: Lidel.

Mendes, L. M. (1993). Curso de Osbstétricia (pp. 162-174). Coimbra: Livraria Almedina, 1ª edição.

Queenan, J. (1987). Gravidez de alto risco (pp. 354-368). São Paulo: Editora Monde, 2ª edição.

Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. (s. d.). Relatório de Consenso: Diabetes e Gravidez.

FIM

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Gravidez e Família Monoparental

Trabalho elaborado por: Ana Isabel Costa; Ana Rita Terruta; Lisa Lino; Mónica Bota

“Um homem só é pai se quiser. Uma mulher quando decide ser mãe, já não o deixa de ser”. Grupo, 2004

I – Introdução Pretende-se com este trabalho tentar perceber como é vivenciada a gravidez por mães solteiras e/ou famílias monoparentais (mãe-fi lho).

Concordamos com Celeste Duque quando afirma que a gravidez é um período de constantes e intensas mudanças, no que respeita ao nível físico/orgânico e psicológico. Assim, implica uma constante readaptação por parte de quem o vive (principalmente a mulher grávida mas também o pai da criança e restantes membros da família). Uma vez que, uma gravidez é a existência de um novo ser, condiciona a vida de quem o circunda, mais concretamente a mulher grávida que terá de efectuar reformulações no seu estilo de vida, principalmente se tiver por hábito esti los de vida pouco saudáveis (dependência alcoólica, toxicodependência, tabagismo, entre outros). Terá, portanto, de adoptar atitudes/comportamentos que promovam uma maior qualidade de vida.

Nenhuma mulher passa de forma passiva pelo período de gestação e o seu modo de vida anterior jamais permanecerá intacto enquanto o feto se desenvolve.

Toda a mulher grávida tem que, em primeiro lugar, adaptar-se à nova vida que tem dentro de si, “ganha raízes” dentro de si mas que, no entanto, dela se distingue.

De entre os vários temas de trabalho proposto pela psicóloga e docente Celeste Duque, optamos por esta temática porque nos suscitou um grande interesse e curiosidade. Uma vez que o nosso grupo é constituído por mulheres, estamos susceptíveis a que esta situação aconteça. Por este motivo, sentimos necessidade de descobrir todos os factores que podem interferir na aceitação ou não de uma eventual gravidez, e das diferentes formas que essa gravidez pode ser encarada. Uma das grandes curiosidades que tínhamos era contactar directamente com uma “mãe-solteira” e saber quais os sentimentos por ela experienciados aquando a sua gravidez. Daí a necessidade de procurarmos testemunhos reais.

Para cumprir o nosso objectivo optou-se por se estruturar o trabalho em quatro capítulos que abordam nomeadamente:

• Factores que influenciam a aceitação ou não da gravidez; • Diferentes formas de encarar a gravidez; • Gravidez na adolescência; • Testemunhos de duas “mães solteiras”.

O objectivo geral que, subjaz à elaboração deste trabalho, é: a aquisição de um conhecimento, tanto quanto possível, aprofundado de alguns aspectos fundamentais da gravidez em famílias monoparentais. Como objectivos específicos, propusemo-nos compreender o que leva uma mãe solteira a aceitar ou não uma gravidez, as diferentes formas de encarar tal acontecimento e a relação que existe entre adolescência e famílias monoparentais. Como não só de teoria vive a enfermagem, apresenta-se o relato de duas “mães solteiras”. Quem melhor do que elas para nos informar de como é vivida essa experiência…

É importante como futuros profissionais de saúde, que tenhamos consciência dos sentimentos vivenciados por uma “mãe solteira” e respectiva família, de modo a actuar de acordo com as necessidades identif icadas.

Para a elaboração do presente trabalho, contámos com a orientação da Psicóloga e docente Celeste Duque, da Escola Superior de Saúde de Faro, e com o apoio das funcionárias da biblioteca da referida escola.

II – Enquadramento Teórico

1 – FACTORES QUE INFLUENCIAM A ACEITAÇÃO OU NÃO DA GRAVIDEZ

Quando se pensa e planeia ter um filho, imagina-se que o casal que o vai conceber irá tratar e educá-lo. Este caso seria o ideal, o que se prevê que vá acontecer, mas, infelizmente, a realidade, é bem outra e nem sempre as expectativas se confirmam. Nos dias de hoje, é cada vez mais habitual encontrar mulheres que encaram a

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maternidade sem a companhia de um parceiro, o que pode acontecer por diversas razões, tais como: mães que optam por ter o seu filho sozinhas e outras há que são “obrigadas” a tê-lo e sustentá-lo a sós, ou porque foram “abandonadas” pelo parceiro ou porque este faleceu, ou porque o amor terminou e cada um dos membros do casal seguiu o seu caminho, o seu “destino”. A ausência de um parceiro é sentida com maior intensidade nos momentos em que impera o cansaço, e a responsabilidade torna-se pesada para uma só pessoa, existindo assim a necessidade de parti lha-la com alguém.

1.1. Personalidade A personalidade é a organização exclusiva de traços, características e modos de comportamento de um indivíduo que o posiciona diferentemente dos demais indivíduos e, ao mesmo tempo, determina como as outras pessoas reagirão a esse individuo.

A personalidade é a base de apoio que suporta tudo aquilo que o indivíduo é. É a sua identidade pessoal, a sua marca enquanto ser social.

Na personalidade existe uma unicidade: aquilo que nos torna únicos, aquilo que somos na nossa essência e nos é especifico. Mas ao tornar-nos únicos, faz, com que também sejamos diferentes de todos os outros. A personalidade, pela unicidade, confere-nos uma diferenciação, isto é, torna-nos distintos dos outros. Esta permite que nos reconheçamos e sejamos reconhecidos. É uma construção pessoal que ocorre ao longo da nossa vida.

As melhores características que definem a personal idade são a permanência e continuidade (constância, estabilidade, solidez) das características e valores do indivíduo.

Os factores que influenciam a personalidade são: • Hereditariedade; • Meio social; • Experiências pessoais.

A personalidade é uma maneira de ser e de estar. Uma forma constante de relacionamento com o mundo e com os outros.

A mulher pode-se sentir inclinada a recordar o seu passado, no decorrer da sua gravidez.

De facto o passado tem um papel fundamental na constituição da personalidade, pelo que, se torna muito importante, para o ser humano ter e recordar o passado. Este constitui-se como um reservatório de experiências e aprendizagens muitas vezes úteis para a resolução de problemas actuais...

Todas as mulheres grávidas sofrem um processo de mudança de identidade e de personalidade.

Ao familiarizar-se com o estado de grávida, a mulher irá ser capaz de colocar questões que a levam a obter a resposta que realmente necessita, confirmando ou não uma ideia formulada. A sensação de incompreensão e ignorância irá desaparecer e em seu lugar surge o conhecimento, a compreensão, a tomada de consciência de coisas que não conhecia e não compreendia, até ao momento.

1.2. Família A definição de família é muito complexa, uma vez que difere de pessoa para pessoa. Esta resposta nunca poderia ser dada como um sim ou um não, um “isto” ou um “aquilo” em exclusividade.

Segundo a disciplina de enfermagem, família é uma unidade básica da sociedade, na qual se processam os comportamentos humanos conotados com a saúde.

Há quem defina família como um grupo de pessoas que vive na mesma casa e que compartilham de elos de l igação comuns, tais como, cuidados mútuos, elos emocionais, interacções regulares e objectivos comuns.

Por outro lado, há quem defina família como uma unidade básica de crescimento e experiência, desempenho ou falha. É também a unidade básica de doença e saúde (Ackerman, 1986).

Existem quatro tipos de família: • Família nuclear: constituída por mulher, marido e filhos biológicos. • Família mista: constituída por marido, e mulher que têm filhos de casamentos anteriores e os seus próprios filhos

biológicos, vivendo todos em comum. • Família alargada: constituída por marido, mulher, os filhos, os avós e outros parentes consanguíneos, a viverem

todos em comum. • Família monoparental: constituída por um progenitor e um ou mais filhos.

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A família é encarada como um sistema sócio-cultural aberto (mantém trocas com o exterior) num equilíbrio dinâmico entre a sua tendência à homeostase (coesão familiar) e a sua tendência à transformação (individualização dos seus membros). O grau de abertura da família é variável conforme a sua organização: possui um dinamismo próprio que lhe confere, para além da sua individualidade, a sua autonomia. Isto quer dizer que a família no seu funcionamento, integra as influências externas mas não está dependente delas; não é simplesmente reactiva às pressões do meio pois está também sujeita a “forças internas”, possuindo uma capacidade auto-organizativa que dá coerência e consciência neste jogo de equilíbrios dinâmicos.

As famílias têm vindo a sofrer alterações ao longo dos tempos, em consequência das diversas alterações que ocorrem na sociedade. Sabe-se que, em todas as sociedades, a família nuclear continua a ser predominante. No entanto, cada vez mais é possível encontrar famílias monoparentais, uma vez que, a visão da sociedade relativamente a esta situação está mais “aberta”. Independentemente de se tratar de uma gravidez indesejada ou planeada e desejada ou mesmo medicamente assistida (inseminação artificial). Neste período é fundamental o apoio da família.

Cada família é e mantém a sua unicidade, e portanto, reage de diferentes formas aos acontecimentos da vida. Qualquer família está sujeita a processos de transição e mudança e cada família responde a essas mudanças de modo individual.

O apoio da família paterna adquire maior importância quando o pai da criança não pretende assumi-la. Todos eles, avós, primos, t ios e pais, podem e devem prestar todo o apoio possível à mãe e ao filho. No entanto, esta situação nem sempre se verifica.

Um acontecimento tem menor probabilidade de provocar uma crise familiar quando a família o considera compatível com os valores familiares, quando exige pequenas alterações imediatas e quando foi previsto. Logo, tendo em conta o que é socialmente aceite nos dias que correm (e que condiciona os valores familiares) e tratando-se de uma gravidez inesperada, é fácil compreender que tal acontecimento pode conduzir a uma crise familiar, que pode como resultado a ruptura.

Uma família normalmente flexível é capaz de adaptar-se e reestruturar-se a diferentes circunstâncias, mantendo simultaneamente a sua continuidade como sistema, e permitindo o crescimento psicossocial de cada um dos seus membros. Desta forma, é fácil concluirmos que, perante uma situação inesperada (gravidez) este t ipo de família reagiria de forma positiva à situação em causa:

Família aceita gravidez

" Grávida apoiada

" Gravidez mais saudável

1.3. Existência, ou não, de Parceiro fixo É fácil compreender que uma mulher grávida que tem parceiro, terá maior probabilidade de aceitar a gravidez, uma vez que, se sente apoiada e tem ou pensa que tem alguém que lhe confira suporte afectivo, essencial para o estabelecimento de um equilíbrio.

Em contrapartida, a mulher grávida que não tem parceiro facilmente desenvolverá sentimentos de incerteza, que poderão conduzir a um desequilibro emocional. Este abandono levará a mulher a questionar-se se valerá a pena ou não levar adiante a gravidez, uma vez que, a vai enfrentar sozinha. Então, pode surgir o medo da criança não ter um desenvolvimento saudável, uma vez que, a figura paterna se encontra ausente, ou ainda, o medo de estar a prejudicar o filho que ainda não nasceu, o que gera sentimentos de ansiedade e forte culpabilidade. Assim, as preocupações dominantes da mulher serão interrogar-se se será capaz de levar por diante todo o processo de gravidez sem afectar o filho.

Ao encarar a gravidez e maternidade sem um parceiro, a mulher passa por um período marcado pelo sentimento de angústia. Este sentimento é mais intenso nos primeiros meses, nos quais a dor pelo abandono, traição ou mesmo pelo luto, faz com que a mulher não assuma o seu estado.

Quando ocorre o falecimento do parceiro, a mulher pode encarar a gravidez de um modo mais intenso, agarrando-se a este novo futuro como a única ligação que tem com o seu amado. Esta gravidez provoca uma imensa alegria que faz com que o processo de luto fique adormecido. Por outro lado a mulher pode não demonstrar nenhum interesse pelo seu fi lho, não conseguindo sentir-se feliz com a sua chegada, uma vez que a dor causada pela sua perda é superior.

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1.4. Alterações físicas A gravidez é um acontecimento importante na vida de uma mulher, é um estado fisiológico acompanhado por diversas consequências, físicas e psíquicas, mas que nem sempre são “normais”.

Durante os 270-280 dias de gravidez normal o organismo materno sofre inúmeras mudanças.

A primeira mudança é sem dúvida a interrupção da ovulação e da menstruação. Portanto qualquer perda de sangue no decurso da gravidez, é considerada anómala.

O início da gravidez é acompanhada por perturbações benignas e inconstantes, embora nem todas as mulheres sintam esses sintomas:

• Problemas de digestão, náuseas especialmente de manhã, vómitos, hipersalivação, prisão de ventre, alterações do apetite;

• Modificação do carácter, nervosismo, irritabilidade, desejos, sonolência, enjoo ou pelo contrário sensação de optimismo, de bem-estar anómalo;

• Perturbações do aparelho urinário, micções frequentes, mas não dolorosas; • Tensão mamária; etc.

1.5. Alterações psicológicas Além das alterações físicas, a mulher grávida vai atravessar profundas alterações psicológicas, muitas das quais inconscientes.

A gravidez é um período que faz renascer contradições, angústias, recordações e conflitos vividos pela mulher desde a sua infância. Consoante a personalidade e temperamento, adquirem maior ou menor importância sendo resolvidos pela grávida da melhor ou da pior forma.

No caso especifico de uma grávida solteira, estes confl itos ainda vão ser sentidos de uma forma mais profunda e mais angustiante.

Na maioria dos casos de “mãe solteira”, o início da gravidez é acompanhado de muita angústia que poderá estar relacionada com:

• Gravidez não planeada; • Medo e/ou vergonha perante a sociedade, família, amigos e pai da criança; • Não ter apoio por parte do companheiro e/ou família; • Dúvidas em relação a levar ou não a gravidez em frente; • Aumento da responsabilidade e o desempenhar um novo papel; • Situação profissional instável ou pelo facto de ainda ser estudante; • Condição sócio-económica.

Se a mulher grávida superar todos os factores que condicionam a sua angústia e/ou ansiedade, começa a aceitar o seu filho criando um forte laço de amor, o que é mais frequente ocorrer no 2º trimestre da gravidez. O início dos movimentos fetais é um marco importante nesta fase. No entanto, a partir deste momento surge o receio da deformação do próprio corpo. No último trimestre a mulher prepara-se para a “separação”, ou seja, para o trabalho de parto. É durante esta fase que surgem os receios de um filho deficiente, incapacitado e o medo do parto.

Psicologicamente, é de grande importância para a grávida a ajuda por parte do pai da criança, da família e amigos. É fundamental que a grávida se sinta amada, acarinhada e apoiada num momento em que, apesar de não planeado, se constituiu num dos momentos vivenciais de maior significado na vida desta mulher.

Quando uma grávida não aceita a gravidez, a sua mãe, e portanto, a futura avó poderá vir a ocupar o lugar de mãe. No entanto, é de extrema importância que as pessoas que rodeiam a grávida nunca deixem de a estimular a aceitar o seu filho.

1.6. Sociedade/Religião A sociedade em que a mulher grávida está inserida, em muito irá influenciar a forma como é encarada a gravidez.

É certo que em todas as sociedades, a gravidez é vista como algo normal, como parte integrante da vida. No entanto, o problema surge quando se trata de uma “mãe solteira”.

Em determinadas sociedades a gravidez está associada ao casamento, ou seja, uma mulher que engravida tem que ser casada e caso isto não se verifique, deve logo que possível casar. Esta situação provoca ansiedade na

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mulher, dado que, sabe que a sua gravidez não vai ser bem aceite socialmente e vão olhá-la como um “desvio à normalidade”.

No entanto, existem outras sociedades em que a existência de “mães solteiras” começa a ser frequente, pelo que, a sociedade foi-se adaptando a esta nova realidade – família monoparental. Nestas sociedades mais permissíveis o que sucede é que a mulher não irá sentir-se pressionada e muito provavelmente conseguirá fortes apoios por parte da sociedade.

Grande parte das sociedades europeias são influenciadas pela religião cristã. Pelo que, a forma como as sociedades encaram as “mães solteiras” é em muito influenciada por essa religião.

A religião católica condena as relações sexuais antes e fora do casamento, e estas devem, tanto quanto possível, ter fins reprodutivos. Assim, uma “mãe solteira” é vista como uma pecadora (associada à depravação sexual). Tendo consciência disso, a mulher pode ter maior dificuldade em aceitar a gravidez.

Dado que este tipo de religião é contra o aborto, a maioria das mulheres crentes que engravidam, levam a gravidez até ao final.

1.7. Condição sócio-económica A gravidez comporta um nível de complexidade que não se limita às alterações psicológicas e fisiológicas da mulher. Temos ainda que considerar os factores socioeconómicos.

Quando uma mulher confirma que está grávida, de imediato é confrontada com uma realidade que implica alterações profundas e drásticas na sua vida: transformações físicas e orgânicas, psicológicas, familiares e económicas.

Assim, se a mulher não se encontrar numa situação profissional estável, rapidamente desenvolve uma crise de ansiedade, uma vez que, ela tem que assegurar ao bebé conforto e bem-estar económico e social. Esta situação agrava-se pelo facto de se tratar de uma “mãe solteira”, que eventualmente poderá não ter o apoio financeiro do pai da criança e nalguns casos, não ter também o apoio da família (caso esta não aceite a gravidez).

2 – DIFERENTES FORMAS DE ENCARAR A GRAVIDEZ

O modo de uma mulher encarar uma gravidez depende, em grande parte das ideias que anteriormente t inha acerca de tal acontecimento da vida. Assim, a gravidez pode-se constituir como uma alegria ou um pesadelo, como o início ou o fim do seu bem-estar…

2.1. Gravidez como “crise” A gravidez, só por si, é uma situação de crise. É um acontecimento novo na vida de qualquer mulher, e como ta l, acarreta mudanças a diversos níveis.

Desta forma, ocorre uma reestruturação da personalidade, do modo como a mulher se vê a si mesma e como passa a ser vista pelos outros. A este reajustamento encontra-se inerente uma nova definição de papéis desempenhados pela mulher, uma vez que abandona o papel de fi lha para ser assumir o papel de mãe.

A partir do momento em que a mulher grávida faz uma reflexão sobre todos os factores que implicam a aceitação ou não da gravidez, o seu estado psicológico sofre alterações. Assim, surgem dúvidas, medos e receios, o que pode eventualmente levar a um estado de crise.

2.2. Gravidez como “recurso” Infelizmente, na nossa sociedade, muitas são ainda as mulheres que consideram que uma gravidez pode assegurar a continuidade de uma relação, ou seja, a existência de um filho poderá vir a fortalecer laços de amor que parecem ter terminado.

Por outro lado, existem casos em que uma mulher engravida, util izando a gravidez como “passaporte” para uma vida independente. Estes casos ocorrem em famílias onde se vive um ambiente extremamente problemático.

Noutros casos, surgem problemas quando os pais referem constantemente e de forma indirecta, que o manter a fi lha se torna um peso económico para o núcleo familiar. São estes sentimentos de repulsa que farão nascer na fi lha a vontade de engravidar, uma vez que, assim deixará de sentir que é um “peso” na família e sentir-se-á independente.

Nalgumas mulheres, a gravidez é tomada como um recurso à vida adulta.

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A vontade de ser “mãe” surge nestas mulheres devido ao distanciamento demonstrado pelos pais, por considerarem que esta não possui maturidade suficiente para o estabelecimento de uma comunicação eficaz. A gravidez leva a fi lha à adquirir o estatuto de mãe, e assim aos olhos dos país pensa que poderá ser encarada como adulta.

2.3. Gravidez como “dever” Uma vez que o aborto não é legalizado no nosso país, muitas são as mulheres que aceitam e levam a gravidez até ao fim, passando a encará-la como um dever a cumprir.

Embora existam poucos casos de inseminação artif icial, é importante referir que algumas mulheres o fazem. Esta escolha pode dever-se à ideia fixa de que a mulher foi criada com o intuito de procriar. Logo, esta situação constitui-se como outra forma de encarar a gravidez, ou seja, como um dever de qualquer mulher.

Noutros casos, algumas mulheres fazem inseminação artif icial com o intuito de manter a continuidade da família, o que encaram como um dever seu.

2.4. Gravidez como “doença” Algumas mulheres encaram o período da gravidez como uma alteração à norma.

Torna-se complicado para a mulher aceitar que todas as alterações físicas e psicológicas que sofre ao longo do período gestacional são consideradas como normais.

3 – GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: FAMILIAS MONOPARENTAIS Na sociedade de hoje, a grande maioria de gravidezes de “mães-solteiras” ocorre numa faixa etária ainda prematura, ou seja, na adolescência.

A gravidez na adolescência, ou seja precoce, é considerada um acontecimento preocupante visto trazer várias consequências para a vida dos adolescentes envolvidos, dos filhos destes e das respectivas famílias.

A gravidez nesta etapa da vida, do desenvolvimento, implica alterações a nível biológico, familiar, emocional, económico e jurídico-social, atingindo a mulher e a sociedade que a rodeia. Quanto mais nova for a adolescente mais grave se torna a situação.

Todos estes aspectos contribuem para que a mulher encare a gravidez de uma forma indesejada, levando-a frequentemente à busca de uma solução drástica, tal como, o aborto e o suicídio. Relativamente à última solução, diversos estudos têm sido feitos, provando que existe um maior número de suicídios em adolescentes grávidas do que nas “não grávidas”.

Devido à sua imaturidade e labil idade a nível emocional, as grávidas adolescentes sofrem grandes alterações a nível psicológico que levam ao aparecimento de sentimentos negativos, como hostil idade, ansiedade e depressão.

É frequente que algumas adolescentes encarem a gravidez como um “porto de abrigo”, como uma forma segura de dar e receber amor. Esta situação ocorre mais frequentemente com adolescentes pertencentes a famílias onde se regista uma elevada carência afectiva.

A gravidez na adolescência pode ocorrer também devido ao sentimento de não inserção no grupo a que pertencem. Esta falta de identif icação com os seus pares despertará nas adolescentes a vontade de se inserirem no grupo dos adultos. Normalmente este tipo de adolescentes distingue-se das restantes, na medida em que apresentam uma personalidade inibida, são pessoas tímidas, reservadas e que tendem a ser submissas nas relações que estabelecem.

4 – TESTEMUNHOS DE DUAS “MÃES SOLTEIRAS”

4.1. Testemunho de uma adolescente grávida com pouco apoio A D. “Joana” é uma mulher de 38 anos, que já experienciou o que é ser uma “mãe solteira”. Através de uma conversa informal, a D. Joana parti lhou connosco o seu testemunho, que apresentamos a seguir:

Iniciada a década de oitenta, Portugal era ainda um país onde se vivia e sentia a necessidade de dar passos mais longos a nível de progresso. Portugal não estava a acompanhar o progresso de outros países europeus. Tal como o progresso em geral, também a mentalidade dos cidadãos se encontrava presa a um modo de pensar demasiado conservador.

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Um dos tantos cidadãos desta época, foi a D. Joana uma rapariga de 18 anos, que residia no coração de Portugal, na bela cidade de Lisboa. A D. Joana não era uma rapariga muito diferente das que conhecemos hoje em dia, era alegre, divertida, extrovertida, simpática, com uma personalidade bem definida. Defendia os seus ideais, as suas convicções, “não tinha papas na língua” sic. Tal como hoje, nessa altura as raparigas não desperdiçavam a oportunidade de dar um “passinho de dança”, e a D. Joana não era excepção.

A D. Joana tinha o seu namorado, com 17 anos de idade naquela altura. Foi uma relação que, com o passar do tempo, dos momentos parti lhados e de muito carinho reciprocamente retribuído, evoluiu para uma relação mais íntima. A partir do momento em que passou a haver relações sexuais sem o uso de método contraceptivo entre a D. Joana e o namorado, o inevitável poderia acontecer, a D. Joana engravidou. A D. Joana que na altura continuava a ser uma rapariga, viu-se de repente num beco sem saída, num caminho sem opções, de onde só queria fugir. Foi no pior momento que o seu namorado a abandonou. De forma cobarde virou costas à situação, negando qualquer tipo de apoio à D. Joana, arranjando como desculpa que esse filho era de certeza de outro.

Foram inúmeros os sentimentos negativos experienciados pela D. Joana Naquele momento sentiu medo, medo da sua família, medo do que iriam pensar os vizinhos, as pessoas que a conheciam, medo das “opiniões”. A raiz desta situação, levou a que a D. Joana se torna-se numa pessoa fechada, vít ima da depressão que a forçava a chorar insistentemente – “quando eu chorava as pessoas perguntavam porque é que chorava e eu respondia sempre que não era nada. Não tinha coragem de afirmar a minha gravidez na cara das pessoas” sic.

Nunca sentiu vergonha. O que sentia era o receio de exclusão, de ser rejeitada pela sociedade, pela sua família, por aqueles que a rodeavam.

Passou todo o período de gravidez escondendo a barriga, sem poder usufruir do apoio de ninguém. A dada altura, sentiu-se disposta a abortar, o seu único impedimento foi a carência económica que não lhe permit ia que tal intervenção fosse possível.

Foram surgindo sentimentos até à data ausentes, como o amor. Amor este dirigido àquele ser que a pouco e pouco se desenvolvia dentro de si, que fazia parte dela e que iria fazer parte para o resto da sua vida.

Era Deus o protagonista das suas orações, era a Ele que pedia ajuda para ter aquele fi lho com saúde, ajuda para enfrentar os país, ajuda para poder viver.

A dada altura, a gravidez já não passava despercebida a ninguém. Nesta altura a D. Joana contou com o apoio de dois irmãos, que às escondidas ajudavam naquilo que podiam. Não se podia saber que estavam a ajudar uma mãe solteira, apesar desta se tratar da sua irmã, mas a verdade é que a pessoa mais preconceituosa foi o seu irmão mais velho, que proibiu aos outros dois irmãos de a apoiarem.

O irmão mais velho da D. Joana era o reflexo da sociedade portuguesa conservadora, preconceituosa, característica daquela época.

A D. Joana foi expulsa de casa, foi então que recorreu às amigas para lhes dar abrigo e apoio a ela e ao ser que ainda levava dentro de si.

Os pais de D. Joana estavam no Algarve e não souberam da notícia pessoalmente, pela voz de D. Joana.

Uma criança sem culpa alguma, que não tinha pedido para nascer, estava agora nos seus braços. Era essa criança agora fonte de forças e coragem para seguir em frente. E ainda hoje, a D. Joana afirma que este acontecimento foi uma benção para a sua vida.

Ao conhecer aquele rebento, fruto da força e esperança de D. Joana, os pais dela não tiveram coragem de não a aceitar e, a partir daí, aquela bebé passou a ser considerada parte da família.

Qualquer mágoa e tristeza sentidas até a altura, não passavam agora de más lembranças depositadas no baú das suas recordações.

Hoje, mãe e fi lha amam-se com o mesmo amor surgido na altura em que tudo parecia perdido na vida de D. Joana.

4.2. TESTEMUNHO DE UMA ADOLESCENTE GRÁVIDA COM APOIO ”estava no princípio de Novembro (2000), tinha 15 anos e estava grávida... Apesar de saber que estava ‘metida numa enrascada’, amei o meu filho desde o momento em que soube da sua existência... ‘Agarrou-se’ com todas as suas forças a mim, e jamais nos iremos separar. Aguentei muito, quis ser e fui forte e corajosa... Chamei as coisas pelos nomes, olhei nos olhos das pessoas, mas também chorei... Uma gravidez é um período muito delicado, e eu era (e ainda sou) uma menina. Carregava um filho na barriga e orgulhava-me disso, nada mais importava: EU IA SER MÃE!!! Os meses custaram a passar, estava ansiosa... O meu filho nasceu numa quente noite de

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verão. Correu tudo bem, a minha mãe esteve sempre comigo, o médico que me acompanhara durante toda a gravidez...E de repente, entre dores (maravilhosas dores!), ali estava ELE, um lindo bebé. Chorei e ri...passei o resto da noite a olhar e falar para ele...Ele é meu, e eu sou dele...para o resto da vida! Ao meu filho eu dedico toda a minha força e coragem. Tenho agora 17anos e o meu filho 9 meses. Sei que não sou a única adolescente com um filho nos braços...A todas as jovens que se encontrem numa situação idêntica eu só quero dizer o seguinte: Eu não era (nem sou) uma rapariga "burra", nem ignorante, não sou uma coitadinha, eu sabia muito bem o que fazer para evitar uma gravidez, mas não o fiz!!! Segui em frente, olhei pra cima, e respiro fundo, muitas vezes!!! Hoje sou muito feliz e adoro o meu filho, e até posso dizer que trato muito bem dele, e que não lhe deixo faltar nada...O meu filho tem pais bastante jovens, mas saberá que pode contar sempre connosco porque o amamos e respeitamos muito, até os avós que parecia que o mundo lhes tinha caído aos pés hoje não imaginam sequer as suas vidas sem o bem mais precioso de todos nós: O NOSSO MENINO.” (Alberto, s.d.)

III – Conclusão Uma gravidez é motivo de alegria e orgulho quando é fruto de uma união assumida e bem aceite aos olhos de todos.

O cenário muda quando a protagonista da gravidez é uma mulher cujo estado civi l continua a ser o de solteira.

As representações que a mulher tem acerca da gravidez e a sua personalidade são influenciadas pela sociedade, cultura, família e religião em que está inserida, o que irá condicionar a aceitação ou não da gravidez.

Assim, a gravidez pode ser encarada por estas mulheres como uma crise, uma doença, como recurso ou como um dever a cumprir.

A mulher tem que se adaptar à mudança de papéis, ou seja, passa da sua condição de mulher sem filhos para a de mãe. No caso de se tratar de uma “mãe-solteira”, surge uma preocupação crescente relacionada com a ausência da figura paterna. A tentativa de ocupar dois novos papéis (mãe e pai), o enfrentar a família, a sociedade e amigos, a aceitar todas as alterações que a gravidez envolve, está longe de ser um processo de fácil adaptação. Daí que toda a mulher grávida e, principalmente, a “mãe solteira”, necessite de apoio e acompanhamento durante este período.

IV – Bibliografia Macy, P., & Falkner, F. (1981). Gravidez e Parto: Prazeres e problemas. Colecção “A Psicologia e Você”. São Paulo:

Harper & Row do Brasil Ltda. Ziegel, E. E., & Cranley, M. S. (1985). Enfermagem Obstétrica. (8ª edição). Rio de Janeiro: Editora Guannabara. Stright, B. , & Harrison, L.-O. (1998). Enfermagem Materna e Neonatal. (2ª edição). Colecção “ Série de Estudos em

Enfermagem”. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Nascimento, A. C. (s.d.). Gravidez – Conflito e mudança de identidade. URL: http://www.dricant.hpg.ig.com.br (1997). A gravidez na adolescência. URL: http://www.geocities.com (1998). Adolescência, gravidez e casamento. URL: http://mulher.sapo.pt (1999). Gravidez na adolescência. URL: http://mulher.sapo.pt (2000). Mamã sem papá. URL: http://mulher.sapo.pt Alberto (s.d.). Testemunhos. URL: http://saúde.sapo.pt Oliveira, N. R. (s.d.). Gravidez e maternidade de adolescentes. URL: http://www.unisantos.br Ackerman, N. W. (1986). Diagnóstico e Tratamento das Relações Familiares (p. 29). Porto Alegre: Artes médicas.

FIM

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Gravidez e Infertilidade: Aspectos Psicológicos

Trabalho elaborado por: Ana Rosa; Arminda Batista; Patrícia Coelho, Vera Silva

“Tudo começa por ter de se fazer ‘amor’ a mando, cumprindo dias para ter relações e dias

para não as ter. A mulher deve tirar a temperatura todos os dias para ver se óvula. A febre

instala-se; cada relação sexual é anotada no gráfico, que se mostrará ao médico, que passa

a ser um parceiro, por demais activo, na vida sexual do casal.” (Canavarro, 2001)

I – Introdução A Inferti l idade afecta entre 10 a 15% da população adulta em Portugal. Em todo o mundo existem milhares de pessoas que querem e não conseguem ter fi lhos. É uma doença que não mata, não provoca incapacidade mas fere o psicológico do ser humano, desencadeando uma dor, por vezes insuportável. A maternidade e a paternidade tornam-se num sonho adiado, após várias tentativas frustradas.

Na sociedade actual, a ambição de uma carreira promissora para o alcance de um bem-estar económico conduz, cada vez mais, ao adiar do nascimento do primeiro fi lho. Desta forma, e tendo em conta que a partir dos vinte seis anos, começa a diminuir progressivamente a probabilidade da mulher engravidar, assistimos a um progressivo aumento dos casais inférteis. Além desta, são várias as causas que levam à inferti l idade, que podem ser femininas, masculinas, mistas e ainda existem causas indeterminadas.

No âmbito da Unidade Curricular Psicologia V, 3ºAno – 1ºSemestre, foi-nos proposta a realização de uma trabalho relacionado com a gravidez e maternidade. Sendo a inferti l idade um assunto actual e problemático, com o qual nos vamos deparar ao longo da nossa vida profissional, decidimos dedicar-nos a este tema.

O objectivo geral deste trabalho é dar a conhecer a importância dos aspectos psicológicos em casais inférteis. E tem como objectivos específicos proceder à distinção entre os conceitos de inferti l idade e esteril idade, identificar e enunciar as causas da inferti l idade, definir os diferentes tipos de tratamentos e técnicas de ferti l ização, e analisar os aspectos psicológicos da inferti l idade, para além de referir o importante papel do enfermeiro durante o acompanhamento de casais inférteis.

A metodologia util izada para a realização deste trabalho baseou-se em pesquisa bibliográfica e pesquisa através de palavra-chave na Internet.

O trabalho encontra-se dividido em quatro partes. Iniciamos com a introdução, seguida do enquadramento teórico, depois apresentamos as conclusões e por fim a bibliografia consultada.

II – Enquadramento Teórico

1 – INFERTILIDADE

Antes de abordarmos a inferti l idade é importante fazermos a distinção entre esta e a esteril idade, visto que estes conceitos, por vezes, são confundidos:

“Esterilidade da mulher significa Impotência concipiendi = incapacidade de conceber, isto é, de ser fertilizada = de engravidar (lat. Sterilis, do gr., stéreos = duro, rígido, certo em sentido figurado, quando se tem em mente o útero duro, pequeno, hipoplástico e os ovários indurados, precariamente vascularizados e insuficientes.” (Pschyrembel, 1975, p. 624)

“Infertilidade da mulher significa Impotência generandi = incapacidade de levar uma gravidez até ao final, com uma criança viável a termo (infertilis de in-fero = não poder levar a termo). A mulher infértil é uma mulher que, na verdade engravida, porém não tem condições de levar a termo a gravidez, pelo facto de mais cedo ou mais tarde ocorrer um aborto.” (Pschyrembel, 1975, p. 624)

Ziegel e Granley (1985) afirmam que a inferti l idade é a incapacidade de um casal conceber uma gravidez, após um ano de relações sexuais frequentes sem protecção.

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Berkow (2003) refere que até 60% dos casais que não conceberam uma gravidez após um ano de tentativas acabam conseguindo com ou sem tratamento (este constitui uma forma de reduzir o tempo necessário para a conceber). Após os 35 anos de idade, são menores as probabilidades de engravidar e de levar a gestação até ao fim, e o tempo que a mulher tem para resolver os problemas de inferti l idade antes da menopausa começa a ser l imitado.

1.1. Tipos de infertilidade Tiago (2004), classifica a inferti l idade em primária, na qual o casal nunca engravidou antes e em secundária, na qual o casal já teve uma gravidez anterior.

1.2. Factores de risco Existem determinados factores que predispõem um casal à inferti l idade, nomeadamente:

• Idade – À medida que a idade aumenta na mulher, a probabilidade desta engravidar diminui, provavelmente devido à alta taxa de anormalidades cromossómicas que ocorrem nos seus óvulos quando a idade aumenta (Lincx Serviços de Saúde, s.d.) No homem, embora o seu período de fertilidade seja prolongado, podem surgir inúmeras patologias e alterações anatómicas que condicionam a fertilidade.

• Obesidade – A Lincx Serviços de Saúde (s.d.), afirma que para o processo de concepção é essencial um balanço hormonal normal. Desta forma, o nível elevado de gordura corporal pode contribuir para a infertilidade, devido à sobrecarga de estrogéneos lançados no ciclo reprodutivo. Por outro lado, as mulheres com distúrbios alimentares ou aquelas em regime de baixas calorias, também são de risco, especialmente se as menstruações forem irregulares.

• Estilos de vida – Dados divulgados pela Lincx Serviços de Saúde (s.d.), revelam que o tabaco contribui para a infertilidade na mulher porque a nicotina danifica os ovários e interfere na produção de estrogénio, a hormona que regula a ovulação. O fumo de tabaco também reduz a produção de espermatozóides no homem. O consumo regular de álcool pode impedir a concepção e provocar efeitos adversos sobre o feto. As actividades sexuais com múltiplos parceiros, sem protecção de preservativo, aumentam o risco de DST, que pode evoluir para uma DIP, e como consequência, levar à infertilidade. O uso de substâncias aditivas e drogas antineoplásicas podem ser responsáveis, no homem, pela produção anormal de espermatozóides e de testosterona pelos testículos.

• Riscos profissionais e ambientais - A profissão da mulher pode afectar a sua fertilidade, se envolver exposição a níveis altos de produtos químicos tóxicos, altas temperaturas, radiação, ou níveis de stress elevados. No homem o contacto com radiações ionizantes (raio-x), a exposição dos testículos a altas temperaturas e o contacto com substâncias como pesticidas e metais pesados comprometem a produção de espermatozóides, podendo também provocar infertilidade.

• Factores emocionais – O stress e outros factores psicológicos podem contribuir para o risco de infertilidade, uma vez que têm efeito directo sobre as hormonas que regulam a reprodução, podendo levar à falta de ovulação na mulher e à menor produção de espermatozóides no homem.

• Outros factores – Como factores passíveis de causar infertilidade na mulher podem-se considerar os traumatismos cirúrgicos. Relativamente ao homem pode-se nomear os traumatismos directos, acidentais ou cirúrgicos sobre os testículos ou epidídimos, por comprometimento da produção dos espermatozóides, por destruição da massa testicular e por afectar a permeabilidade ou função dos epidídimos (Gomes, 2000).

1.3. Causas de infertilidade A concepção exige o envolvimento e empenhamento por ambos os membros do casal. É necessário que na mulher ocorra ovulação regular, captação e transporte do ovócito para o zona de ferti l ização na trompa uterina, transporte do óvulo ferti l izado para o útero, desenvolvimento adequado do endométrio para a implantação e produção de muco cervical a meio do ciclo, o qual deverá ser receptivo aos espermatozóides.

Quanto ao homem é necessário que ocorra produção, transporte e nutrição dos espermatozóides e ejaculação intravaginal do sémen, para que este entre em contacto com o orifício externo do colo, perto da altura da ovulação. O distúrbio de qualquer destes factores conduz à inferti l idade.

Segundo Kleinman (1988), aproximadamente 30% da inferti l idade deve-se a factores femininos, outros 30% a factores masculinos, mais 30% a uma combinação destes e em 10% dos casos não é identificada a causa, embora esta percentagem esteja diminuir com o desenvolvimento de novos métodos de investigação e com o aumento do conhecimento da fisiologia e patologia da reprodução.

1.3.1. Infertilidade feminina

O aparelho sexual e reprodutor feminino é constituído pelos ovários, trompas de falópio, útero, vagina, órgãos genitais externos (vulva) e mamas.

Segundo Seeley, Stephens e Tate (1997), o este aparelho produz óvulos, tendo capacidade de receber os espermatozóides. O aparelho reprodutor da mulher encontra-se intimamente l igado à criação de um novo indivíduo até ao nascimento e, eventualmente, durante ainda algum tempo depois deste.

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De acordo com Pschyrembel (1975), as causas físicas mais comuns da inferti l idade feminina podem ser genitais (ovulatórias, tubar, uterinas, cervicais e vaginais), causas orgânicas extragenitais e causas imunológicas. No entanto, a inferti l idade não se deve apenas a causas físicas mas também a psicológicas. De seguida, abordaremos de forma sucinta, as principais causas da inferti l idade, nomeadamente:

• Causa ovulatória – De acordo com Tiago (2003), a maior incidência na infertilidade feminina deve-se a distúrbios da ovulação. Menstruações irregulares ou amenorreia, geralmente indicam problemas ovulatórios, e podem ser causa de infertilidade. No entanto, uma mulher que tenha períodos menstruais normais pode vir a sofrer deste problema. As causas mais frequentes responsáveis pela ausência de ovulação são: disfunção ou insuficiência hipotálamo-hipofisária, síndrome dos ovários policísticos e hiperprolactinémia.

• Causa tubar – Estas causas incluem a lesão ou obstrução das trompas de falópio, que podem levar a problemas de infertilidade. Berkow (2003) refere que o funcionamento inadequado ou obstrução das trompas se deve a anomalias congénitas, doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica, ruptura do apêndice, cirurgia da região abdominal inferior ou endometriose.

• Causas uterinas – Existem três causas uterinas associadas à infertilidade: malformações do corpo uterino, lesões miometriais e lesões endometriais. Das lesões endometriais a endometriose é a mais comum. Esta afecta mulheres em idade reprodutiva e manifesta-se pela presença de tecido do endométrio nas zonas extra-uterinas. (Tiago, 2004).

• Causas cervicais – A cérvice uterina separa a vagina do útero e forma uma barreira contra os microorganismos estranhos ao mecanismo da reprodução, através das suas secreções. Além disso, na fase folicular, a concentração do estrogénio estradiol aumenta, tornando o muco cervical transparente e elástico, o que permite que o esperma atinja o útero. Se o muco não adquirir estas características torna-se mais difícil a passagem do espermatozóide. Além disso, a incompatibilidade entre o muco e os espermatozóides pode provocar infertilidade.

• Causas vaginais e relacionadas com o coito – Podem ser definidas como um conjunto de circunstâncias que impedem a fecundação, decorrentes de distúrbios associados ao acto sexual. As disfunções sexuais mais frequentes na mulher, são o vaginismo e dispareunia. Para além das disfunções sexuais, problemas ligados à sexualidade humana, como a diminuição do impulso sexual, podem explicar alguns casos de infertilidade, nomeadamente pela diminuição das relações sexuais.

• Causas orgânicas extragenitais da infertilidade – Segundo Pschyrembel (1975) estas estão relacionadas com patologias dos órgãos endócrinos, nomeadamente do pâncreas, tiróide, supra-renais e hipófise, passíveis de causar infertilidade.

• Causas imunológicas – A infertilidade causada por factores imunológicos depende da imunidade celular e humoral, podendo provocar sensibilização quando o esperma entra em contacto com a mucosa vaginal. A resposta imunológica desencadeada interfere em quase todas as etapas da reprodução, desde a ascensão do espermatozóide pelo aparelho genital feminino, até à capacidade deste fertilizar o óvulo. Quando a fertilização ocorre, interfere desde a migração do ovo, até ao seu implante e posterior rejeição.

1.3.2. Infertilidade masculina

A inferti l idade masculina é um problema milenar, embora só actualmente discutido com menos tabus, que tem repercussões não só no homem, mas também no casal sendo por isso crucial a determinação das suas causas, que por vezes são situações reversíveis.

“O aparelho sexual e reprodutor masculino é composto por: testículos, epidídimos, canais deferentes, uretra, vesículas seminais, próstata, glândulas bulbo-uretrais, bolsa escrotal e pénis.” (Seeley, Stephens, & Tate, 1997)

Num homem adulto, a espermatogénese, ou seja, o processo mediante o qual se produzem nos testículos os espermatozóides maduros, é contínua e uma célula não especializada demora aproximadamente 72 a 74 horas para se desenvolver e converter-se num espermatozóide maduro. Posteriormente, o esperma move-se do testículo até ao epidídimo, onde é armazenado até ao momento da ejaculação. Do epidídimo, o esperma é transportado pelos vasos deferentes até ao conduto ejaculatório, onde o líquido produzido pelas vesículas seminais agrega-se ao esperma para formar o sémen, libertado através da uretra no momento da ejaculação.

Segundo Barroso (2001), o sémen normal produzido numa ejaculação costuma conter mais de sessenta milhões de espermatozóides, dos quais cerca de 80% são móveis e morfologicamente normais. Para ser férti l, o homem tem que ser capaz de libertar uma quantidade adequada de esperma normal na vagina da mulher, contudo vários factores podem interferir neste processo, causando inferti l idade.

A temperatura é um factor externo que interfere na produção dos espermatozóides. Assim, um aumento da temperatura dos testículos, devido a febre prolongada ou devido a exposição a calor excessivo pode reduzir o número de espermatozóides e o vigor dos seus movimentos e aumentar a quantidade de espermatozóides anormais no sémen. A formação do esperma é mais eficaz em torno dos 34ºC. Apesar desta temperatura ser l igeiramente inferior à temperatura corporal fisiológica, os testículos e os epidídimos, órgãos de produção e desenvolvimento dos espermatozóides, podem ser mantidos a essa temperatura, uma vez que estão localizados na bolsa escrotal, que se local iza fora da cavidade corporal.

Ziegel e Cranley (1985) e Kleinman (1988) fazem referência a alguns factores masculinos responsáveis pela inferti l idade, nomeadamente:

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• Espermatogénese anormal; • Função anormal dos espermatozóides; • Desordens da função secretora dos órgãos acessórios; • Obstrução do tracto genital; • Secreções anormais e espermatozóides não depositados na via genital feminina de modo a capacitá-los a

alcançar um óvulo fertilizável.

A incapacidade física para depositar espermatozóides na via genital feminina de modo a capacita- los a alcançar um óvulo ferti l izável está relacionada com factores físicos e/ou psicológicos e incluem a incapacidade para produzir ou manter a erecção e anomalias físicas, tais como hipospádias. Segundo Barroso (2001), a hipospádias é uma “malformação congénita em que o orifício da uretra está situado na parte inferior do pénis: pode estar situado na glande (hipospádias da glande), na conjunção da glande com o corpo do pénis ou no próprio corpo do pénis”.

A dificuldade do homem em efectuar a erecção durante o coito define-se por impotência sexual. Sérgio, Coutinho e Marques (2002) apontam como causas prováveis da sua etiologia:

• Alterações psicogénicas; • Alterações neurológicas (degenerescências devidas à ingestão de álcool e à diabetes, esclerose em placas, AVC,

sequelas de intervenções cirúrgicas a nível da bacia, entre outras); • Doenças de adição (álcool, heroína, metadona, etc.); • Alterações vasculares (aterosclerose, hipertensão, diabetes, dislipidémias); • Alterações endócrinas (hipogonodismo, hipopituitarismo, hipotiroidismo, insuficiência córtico-supra-renal); • Alterações por medicamentos (antidepressores tricíclicos; depressores do sistema nervoso central;

hipolipidémicos; anti-androgénios; anti-histamínicos, entre outros).

De acordo com Seeley, Stephens e Tate (1997), várias situações pode provocar lesões nos testículos causando inferti l idade ou ferti l idade reduzida, de entre as quais traumatismos, exposição a radiações, criptorquídia e infecções como a papeira.

Sérgio, Coutinho e Marques (2002) definem criptorquídia como “ausência testicular a nível das bolsas escrotais, devido à retenção dos testículos na cavidade abdominal, por alteração hormonal ou anatómica.” O testículo poderá manter-se no fundo do saco de Douglas, na cavidade abdominal ou no períneo. A partir da puberdade esta situação provoca perturbações na espermatogénese, devida ao aumento da temperatura a que os testículos são submetidos. Este quadro pode evoluir para uma situação de oligospermia ou de esteril idade, devido a degenerescência testicular.

Outra patologia frequentemente mencionada é o varicocelo. Segundo Sérgio, Coutinho, e Marques (2002), este trata-se de uma “dilatação varicosa dos veias do cordão espermático”, estando associado à esteril idade masculina, uma vez que induz perturbações no desenvolvimento dos espermatozóides. Caracteriza-se por uma tumefacção mole, situada por cima e atrás do testículo, que pode estar atrofiado. Esta tumefacção diminui de volume quando o indivíduo se deita e volta a aumentar quando este adopta a posição ortostática.

As infecções do trato genital também afectam a ferti l idade. Caracterizam-se pelo corrimento do pénis ou episódios de disúria, tumefacção do epidídimo e/ou sensibil idade da próstata no exame rectal. A liquefacção da ejaculação é muitas vezes adiada para além do intervalo normal de vinte minutos e a viscosidade do sémen permanece alta. Perante uma observação ao microscópio podem ser observadas bactérias e leucócitos. Na maior parte dos casos o agente infeccioso é a Chlamydia trachomatis (Kleinmann, 1988).

Embora raramente, pode ocorrer uma disfunção que faz com que o sémen siga uma direcção contrária à habitual – ejaculação retrógrada. Desta forma, os espermatozóides não podem chegar à via genital feminina, uma vez que o sémen reflui para o interior da bexiga em vez de ir na direcção do pénis. Este distúrbio é mais comum nos homens submetidos a cirurgia pélvica e nos homens diabéticos.

Embora raramente, o hipogonadismo (diminuição da acção androgénica) pode causar oligospermia ou mesmo esteril idade. Pode ser provocado por causa testicular ou primária que engloba malformações testiculares e/ou das células de Leydig, alterações enzimáticas na síntese de androgénios e patologias do testículo traumáticas ou tumorais. O hipogonadismo pode também ser provocado por causa secundária, ou seja, pela diminuição das gonadoestimulinas hipofisárias – a estimulante do fol ículo (FSH) e a luteinizante (LH) (Sérgio, Coutinho, & Marques, 2002).

Desta forma, podemos afirmar que a inferti l idade masculina pode ser causada por diversos factores externos ou internos ao organismo do homem e que nalguns casos podem ser evitados.

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1.3.3. Infertilidade de causa mista

Perante um casal inférti l, é importante saber qual o membro do casal que é infértil e qual a disfunção que está a causar a inferti l idade. Contudo, verificam-se inúmeros casos em que as causas de inferti l idade são múltiplas.

Kleinmann (1988) nomeia algumas causas de inferti l idade mista: • Interacção espermatozóides-muco; • Capacitação e fertilização defeituosa; • Falha de implantação.

Relativamente à interacção espermatozóides-muco, podem ocorrer irregularidades tanto a nível do muco, como a nível do sémen, que reduzem a penetração dos espermatozóides. A secreção reduzida ou a viscosidade persistente do muco são provocados pela secreção inadequada de estrogénio, pela perda das células cervica is após uma cirurgia ou por uma infecção crónica. A infecção pode dar início a um corrimento muco-purulento e pode ser observada evidência de cervicite crónica, num exame com espéculo. Normalmente o microorganismo patogénico mais frequente é a Chlamydia trachomatis.

Kleinmann (1988) refere que “a capacitação e fertilização defeituosa ocorre quando os espermatozóides migram activamente através do muco cervical, mas são transportados para a zona de fertilização na ampola devido às contracção uterinas e tubárias. Os factores de descapacitação são gradualmente removidos no fluido uterino e os espermatozóides tornam-se capazes de reacção acrossoma. Isto ocorre no oviduto, libertando enzimas que permitem aos espermatozóides passar entre as células de cumulus, ligar-se e penetrar na zona pelúcida e na membrana plasmática do ovócito.” As desordens nestes processos levam à falha da ferti l ização.

Relativamente à falha de implantação Kleinmann (1988) referiu que existe uma “complexa interacção entre o blastocito e o endométrio que está dependente da progesterona, mas pode envolver esteróides embrionários.” Assim, quando existe um desenvolvimento inadequado do endométrio dá-se uma falha na nidação. Verifica-se então que as anormalidades genéticas contribuem para uma elevada perda concepcional em mulheres normais.

Northeup (2000) falou sobre esti los de vida e factores externos que podem influenciar a ferti l idade, sendo eles:

• Exposição à luz artificial e natural; • Factores nutricionais; • Tabaco, drogas e álcool.

A luz natural é descrita por vários autores como importante no ciclo menstrual. As pessoas vivem expostas a luz artif icial sem saírem regularmente para a luz do sol podem ter consequências adversas sobre a ferti l idade, porque a própria luz é um nutriente. Ao caminhar ao sol é também importante que a luz incida directamente sobre a retina (sem óculos nem lentes de contacto) embora não se deve olhar directamente para o sol.

Relativamente aos factores nutricionais é importante para a reprodução humana que os seus níveis estejam equilibrados, uma vez que os nutrientes afectam todas as alterações hormonais do organismo, estando muitas das disfunções alimentares associadas à inferti l idade.

Segundo Northeup (2000) o consumo de tabaco, drogas e álcool foi indicado nalguns estudos como tendo efeitos adversos em todos os aspectos da reprodução, desde a concepção até ao parto. Além disso as mulheres que fumam têm geralmente menor sucesso nos tratamentos de ferti l idade do que as não fumadoras.

Em suma, existem diversos factores internos inerentes a ambos os membros do casal susceptíveis de provocar inferti l idade mista. Paralelamente, existem factores externos que afectam a ferti l idade de ambos.

1.3.4. Infertilidade sem causa aparente

Denomina-se inferti l idade sem causa aparente à situação em que o casal não consegue atingir a concepção após dois anos de relações sexuais desprotegidas e frequentes, apesar dos ciclos serem ovulatórios, o espermograma normal e as trompas apresentarem função adequada (Tiago, 2003).

1.4. Diagnóstico Kleinman (1988) refere que para ocorrer uma avaliação da saúde geral e da aptidão para a gravidez de um casal é necessária uma consulta prévia com o mesmo para o estabelecimento de conselhos, nomeadamente sobre nutrição a consumo de álcool ou de tabaco.

Diz também que, infelizmente, muitos dos casais que recorrem a cuidados de saúde fazem-no por há muito tempo tentarem conceber uma gravidez e não alcançarem sucesso. Daí que, quando chegam à consulta, a

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ansiedade e o sentimento de falha, especialmente quando as pressões famil iares e sociais são grandes, induzem à desarmonia e afastamento do casal.

Após a realização da anamnese (história clínica) e do exame físico, são realizados inúmeros testes para aval iar a inferti l idade.

Segundo Munzer e Loer citados por Pschyrembel (1975) “a possibilidade de concepção corresponde aos 30 anos a 30%, aos 35 anos a 11% e aos 40 anos a 3%”.

É fundamental o levantamento do estado geral, pois podem existir dificuldades de concepção desconhecidas, bem como o diálogo com o casal que proporciona a descoberta da própria informação que o casal tem, no que respeita por exemplo à época mais favorável de concepção – óptimo de concepção. (Pschyrembel, 1975)

Existem inúmeros testes para aval iar a inferti l idade da mulher e do homem.

Pschyrembel (1975) fala que no que respeita à mulher deve fazer-se um exame ginecológico completo, com inspecção, colocação do espéculo, esfregaços citológicos, colposcopia e esfregaço bacteriológico da vagina e do canal cervical. Qualquer suspeita de flora bacteriana contra-indica um exame das trompas (histerossalpingografia), pois produz uma exacerbação de qualquer inflamação não completamente curada.

Antes de qualquer exame efectuado na mulher dever-se-á realizar o exame ao parceiro - Espermograma. O médico requer uma análise ao sémen. No caso de alteração, devem ser pedidos pelo menos dois testes com intervalo de três meses, isto porque, este é o período necessário para o nascimento de uma nova família de espermatozóides. Em alguns casos, um factor ambiental ou medicamentoso poderá alterar temporariamente a qualidade do esperma. É também importante afastar uma provável infecção espermática e até mesmo uma prostatite.

As alterações que o espermograma pode revelar são: • Oligospermia – diminuição da quantidade de espermatozóides no sémen, que pode ser grave ou ligeira (Barroso,

2001); • Astenospermia – deficiente mobilidade dos espermatozóides, cuja principal causa é a produção pelo sistema

imunitário de anticorpos antisperma que se ligam aos espermatozóides, podendo também ser provocada por ejaculações de alta viscosidade, drogas, tabagismo e aumento da temperatura do escroto devido a roupa interior muito justa ou ao refluxo testicular associado a um varicocelo (Seeley, Stephens, & Tate, 1997);

• Teratospermia – deficiências na morfologia dos espermatozóides, como acontece nas anormalidades cromossómicas causadas por factores genéticos (Seeley, Stephens, & Tate, 1997);

• Necrospermia – presença de espermatozóides mortos ou imóveis no sémen (Barroso, 2001); • Azoospermia – ausência total de esperma no líquido seminal, relacionada com a incapacidade da formação de

espermatozóides nos túbulos seminíferos dos testículos ou com a obstrução bilateral dos vasos deferentes (Barroso, 2001).

Pschyrembel (1975) diz que para o exame da função ovariana e da permeabilidade das trompas realizam-se os seguintes testes:

• Curva de temperatura basal – no ciclo ovulatório a curva de temperatura é bifásica, isto porque, a progesterona presente na segunda fase do ciclo causa a elevação da temperatura, mantendo um “platô” térmico de, pelo menos, 10 dias. A progesterona é de fundamental importância para a implantação embrionária no útero;

• Determinação do óptimo de concepção – época limitada em torno da ovulação, cerca de 5 dias do ciclo antes da elevação intermenstrual da temperatura basal (ver anexo #);

• Citologia vaginal – importante para o diagnóstico dos distúrbios hormonais; • Exame do muco cervical – estudo das características do muco cervical (volume, filância, cristalização) no

período ovulatório. O muco cervical é produzido no colo do útero (glândulas endocervicais) sob estímulo estrogénico; e é de fundamental importância para a migração dos espermatozóides até às trompas;

• Biópsia do endométrio – realizada quando há suspeita de amenorréia uterina, na existência de ciclos possivelmente anovulatórios, bem como em casos de suspeita de carcinoma;

• Teste pós-coital (Sims-Huhner) – teste para avaliar a habilidade do espermatozóide em penetrar no muco cervical. Esta análise é realizada no período ovulatório, 6 a8 horas após o coito;

• Ecografia transvaginal – realizada no período ovulatório, avalia a presença e o grau de maturidade dos folículos ovarianos e a espessura da mucosa endometrial;

• Histerossalpingografia – radiografia de contaste, útil na avaliação anatômica do útero e das trompas, visando detectar a existência de obstruções tubárias ou outras anomalias;

• Histeroscopia – visualização da cavidade interna do útero para afastar a presença de sinéquias (cicatrizes) pós curetagem uterina, ou ainda a presença de pólipos endometriais e miomas submucosos, assim como uma possível endometriose que dificultaria a implantação embrionária;

• Laparoscopia – investiga a cavidade pélvica afastando a presença de aderências pélvicas, endometriose, obstrução das trompas, má formação uterina, mioma e doença inflamatória pélvica.

Kleinman (1988) acredita que a “apreciação dos costumes (e tabus) sociais e culturais, e um conhecimento da fisiologia e patologia da reprodução são as principais exigências” a ter antes de se tomar qualquer decisão

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acerca da existência ou não de inferti l idade. Pois muitas vezes são os factores psicológicos, bem como sentimentos pessimistas que conduzem a um estado de stress que dificulta a concepção de uma gravidez.

1.5. Tratamento O Tratamento da Inferti l idade depende da causa que a origina, ou seja, se esta depende apenas da mulher ou do homem, se é mista ou então se não existe uma causa aparente. Após a realização de exames para aval iação e investigação da causa da Inferti l idade o médico deverá informar o casal das diversas possibil idades terapêuticas, directamente dirigidas ao factor identificado como a causa da inferti l idade.

Segundo Tiago (2004), existem vários factores prognósticos no tratamento para a inferti l idade, entre os quais: • A Infertilidade da mulher, visto que é o factor mais importante para o sucesso dos tratamentos e que após os 40

anos existe uma diminuição significativa da fertilidade da mulher; • O tempo de Infertilidade, o prognóstico será mais positivo quanto menor o tempo de infertilidade, ou seja, é

melhor quando existe a infertilidade há menos de 3 anos, principalmente nos casais com infertilidade sem causa aparente;

• Infertilidade secundária, são os casos de melhor prognóstico considerando como possível outra gravidez uma vez que anteriormente já ocorreu uma concepção.

No entanto podem surgir complicações a nível masculino e feminino que podem impedir que ocorra a concepção. No caso do Homem podem surgir situações que impedem a concepção ou a ferti l idade do mesmo, na sua maioria estas situações possuem solução cirúrgica. O varicocelo constitui uma situação que pode provocar Inferti l idade no homem sendo necessário proceder à laqueação de alguns vasos sanguíneos no pénis, o que possibil itou um aumento significativo no sucesso da concepção.

Segundo Sérgio, Coutinho e Marques, 2002 no caso de hipogonadismo masculino o tratamento corresponde a hormonoterapia substitutiva em casos primários e a estimulação gonádica em casos secundários, podendo também estar indicada a cirurgia. Ainda de acordo estes autores, no caso de critorquidia o tratamento comporta uma fase em que é cumprida a medicação hormonal através da gonadotropina coriónica humana e uma segunda fase em que são recolocados os testículos nas bolsas, designando-se de orquidopexia. Caso este t ipo de tratamento não apresente resultados positivos ao fim de 4 anos de esforços verifica-se a possibil idade de alterações na espermatogénese ou a ocorrência de uma degenerescência cancerosa.

No caso da mulher a Inferti l idade pode ter cauda ovulatória quando ocorrem distúrbios na ovulação, pode ter uma causa tubar quando existe um funcionamento inadequado ou obstrução das trompas de Falópio causada por alterações anatómicas, infecção, endometriose ou aderências, pode ter também uma causa uterina quando ocorrem alterações anatómicas do útero como septos, miomas, pólipos endometriais e infecções uterinas ou ainda causas não aparentes como os distúrbios psicológicos. Na sua maioria estes problemas podem ser tratados através de medicação hormonal, no entanto, outros necessitam de meios de reprodução assistida para que seja possível originar a concepção.

1.5.1. Técnicas de fertilização

As Técnicas de Ferti l ização constituem métodos ou soluções possíveis em relação à questão da Inferti l idade e que podem basear-se em tratamentos hormonais ou em métodos mais complexos e minuciosos que implicam elevados custos económicos, psicológicos e sociais.

a) Indução da ovulação

Segundo Tiago, 2004 esta técnica é util izada quando são detectadas anomalias ao nível da ovulação, consiste na estimulação da ovulação util izando um ou vários tratamentos hormonais.

Segundo Berkow (2003), o fármaco escolhido para a indução da ovulação é seleccionado de acordo com o problema específico. No caso de uma mulher com uma anovulação crónica o fármaco seleccionado é o Clomifeno. No início, a menstruação será induzida com outro fármaco, o acetato de medroxiprogesterona. Seguidamente a mulher efectua a toma do Clomifeno durante 5 dias e geralmente ela ovula, 5 a 10 dias após a interrupção da toma, e menstrua 14 a 16 dias após a ovulação. Se após a realização deste tratamento a mulher não menstruar deverá efectuar o teste de gravidez, caso este não seja positivo as doses subsequentes de Clomifeno deverão ser crescentes até que a ovulação ocorra ou até que a dose máxima seja alcançada. Este ciclo de tratamento deverá ser repetido durante 6 vezes, no mínimo, util izando a dose que o médico determina como indutora da ovulação.

De acordo com Berkow (2003), cerca de 75 a 80% das mulheres que procedem a este tratamento ovulam embora somente 40 a 50% engravidem. Das gravidezes desencadeadas com a util ização deste método 5% são múltiplas, sobretudo gemelares. Relativamente ao uso prolongado do Clomifeno existe a preocupação de que

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este poderá aumentar o risco de desenvolver o cancro do ovário e como tal o médico deverá tomar as devidas precauções avaliando e acompanhando a mulher antes, durante e após este tratamento. Este tipo de tratamento tem como principais efeitos secundários a distensão abdominal, a dor nas mamas, naúseas, distúrbios visuais e cefaleias.

De um modo geral, aproximadamente 5% das mulheres tratadas com Clomifeno desenvolvem a síndrome de h iperestimulação ovárica, no qual os ovários aumentam de tamanho e uma grande quantidade de liquido passa da corrente sanguínea para o interior da cavidade abdominal. Segundo Tiago, 2004 para evitar este acontecimento é necessária a realização de controlo laboratorial e ecográfico da função ovárica, visto que o tratamento deverá ser imediatamente suspenso caso seja detectado algum distúrbio.

De acordo com Tiago, 2004 quando após a realização do tratamento com Clomifeno a mulher não engravida poderá ser uma opção a treapia hormonal com gonadotropinas menopáusicas humanas. Este tratamento é caro e provoca efeitos colaterais graves sendo desaconselhado o seu uso até que a certeza de que a causa da Inferti l idade é um distúrbio da ovulação e não um problema das trompas de Falópio ou relacionado com os espermatozóides.

Segundo Tiago (2004) procede-se à injecção dessas hormonas no músculo estimulando assim a maturação dos folículos ováricos. Como forma de controlar a maturação realiza-se uma ultrasonografia pélvica que possibil ita determinar a concentração de estradiol. As doses a administrar serão ajustadas consoante a resposta da mulher às hormonas. Após o amadurecimento dos folículos é administrada outra hormona diferente, a gonadotropina coriónica humana de modo a que se desencadeie a ovulação.

Segundo Tiago (2004) dentro de uma percentagem de 95% de mulheres que ovulam com esse tratamento apenas 50 a 75% delas engravidam originando 10 a 30% de gestações múltiplas, na sua maioria gemelares. Em cerca de 10 a 20% das mulheres submetidas a este tratamento podem sofrer uma hiperestimulação ovárica, tornando-se imprescindível que esta síndrome seja evitada sendo controlada pelo médico visto que nos casos mais graves pode ser letal.

De acordo com Tiago (2004) existe ainda outro tipo de situações em que a ovulação não ocorre devido à ausência de secreção de gonadotropinas pelo hipotálamo, essas são muito importantes para que decorra a ovulação. Neste tipo de casos é administrada à mulher uma forma sintética da hormona de modo a induzir a ovulação. Nesta situação o caso de hiperestimulação ovárica é baixo e consequentemente o controlo intensivo não é necessário.

Segundo Tiago, 2004 a técnica de indução da ovulação constitui uma importante etapa da Inseminação Artificial e da Ferti l ização in Vitro.

b) Inseminação Artificial

Segundo Ronald e Kleinman, 1988 a inseminação artif icial constitui um tratamento eficaz da Inferti l idade devida a factores que provocam Inferti l idade no marido ou no parceiro masculino embora não se limite a estas situações. De acordo com Tiago, 2004 esta técnica consiste na injecção de espermatozóides vivos dentro do útero, no momento após a ovulação. Esta técnica tem como principais indicações a azoospermia e a oligospermia severas, distúrbios da ovulação (neste casos e procede-se inicialmente à indução da ovulação e procede-se posteriormente à inseminação), a incompatibil idade entre os espermatozóides e o muco cervical e em casos de endometriose que provoca a leve obstrução das trompas de Falópio. Embora seja util izada em todas as situações referidas anteriormente esta técnica tem a sua principal util ização em casos em que a Inferti l idade não tem causa aparente ou determinada.

Nos casos em que existe inferti l idade masculina existem bancos de esperma aos quais é possível recorrer. Ronald e Kleinman, 1988 indicam-nos que os dadores de esperma devem ser seleccionados entre homens saudáveis, com ferti l idade comprovada e com alta densidade e motil idade de espermatozóides devendo ser submetidos a análises e a testes relativos ao HIV, citomegalovírus, Hepatite B e doenças hereditárias. Os dadores são seleccionados de acordo com as características físicas tais como a postura, a altura, a cor dos olhos, a cor dos cabelos, devendo estas assemelhar-se o mais possível das características do marido. A identificação do dador é desconhecida, como é óbvio, e a selecção deverá ser realizada por um técnico especializado. Neste tipo de técnica é essencial que as responsabilidades do dador em relação à criança resultante sejam renunciadas. O sémen que foi doado será mantido congelado durante cerca de 3 a 6 meses sendo este o período de tempo em que pode ocorrer uma sero-conversão sendo assim possível evitar o contágio de patologias como o HIV. O sémen fresco apresenta mais riscos do que o congelado apesar deste último não produzir efeitos tão favoráveis, este tipo de escolha cabe há mulher visto que o sémen fresco contém uma maior percentagem de risco para a mulher e para o feto.

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Segundo Dickason et al. (19??) “as inseminações artificiais utilizando o esperma de um dador levantam questões éticas, legais e morais, no entanto foram estabelecidas mais garantis que possibilitam a protecção do dador”.

c) Fertilização in vitro e Transferência de embriões

De acordo com Dickason e tal a primeira fecunadação in vitro foi realizada na Grã-Bretanha em 1978 e deu origem a Louise Brown e constituiu um fenómeno que marcou o início de uma nova era no que respeitava a questões relativas ao tratamento da Inferti l idade. Segundo Tiago, 2004 esta técnica também designada de FIV ou de “bebé proveta” foi uma grande conquista e está reservada a casais que não tiveram sucesso com outras formas de tratamento naturais ou assistidas.

De acordo com Tiago, 2004 na FIV-TE é realizada uma indução da ovulação através de um método hormonal e posteriormente retiram-se vários óvulos do ovário. A remoção destes óvulos é orientada por ecografia ou util izando o laparoscópio, sob anestesia geral sendo posteriormente puncionado o fundo do saco de Douglas existente na região posterior do útero. Nesse mesmo dia o homem ou o dador deverá colher uma porção de esperma que deverá deixar no laboratório de modo a proceder à fecundação em laboratório. O óvulo e o esperma são introduzidos juntos numa proveta cujas condições de temperatura, acidez, e salinidade mais se assemelham às condições normais existentes no interior da trompa de Falópio quando decorre a fecundação. Periodicamente procede-se à observação do óvulo ao microscópio possibil itando a determinação do momento da fecundação, quando isso ocorre procede-se à implantação do óvulo fecundado no útero com a ajuda de um pequeno catéter de plástico, uma vez fixado à parede uterina este desenvolve-se normalmente. Este procedimento de transferência é indolor e como tal não necessita de anestesia ou analgesia. Após a realização da transferência de embriões a mulher deverá permanecer em repouso durante no mínimo 30 minutos. Segundo Tiago, 2004 esta técnica possibil ita também a oportunidade de uma mulher sem óvulos receber óvulos fecundados provenientes de uma dadora, embora esta questão toque em pontos ético-legais indisponíveis em muitos dos países do mundo.

De acordo com Tiago, 2004 esta técnica possui uma taxa de sucesso semelhante comparativamente com a gravidez na população em geral. Num casal férti l normal, com cerca de 20 anos de idade, mantendo relações sexuais desprotegidas, existe uma probabilidade de engravidar de cerca de 16% em cada mês. Com a FIV-TE a taxa de sucesso em cada ciclo de tratamento é de 20 a 30%. Após 4 a 5 ciclos de tratamento o índice cumulativo de gravidez pode atingir os 50%. Quando a mulher já ultrapassou os 35 anos as probabilidades reduzem-se e após os 40 são quase nulas enquanto que nos homens se existir um espermograma normal a idade não interfere.

d) ICSI – Injecção Intracitoplasmática de um Espermatozóide

Segundo Tiago, 2004 a ICSI consiste numa variante da FIV em que através de micromanipulação apenas um espermatozóide é injectado no óvulo. Para proceder à micromanipulação de gâmetas é necessário um aparel ho micromanipulador onde serão adaptadas duas micropipetas em que uma retém o óvulo e a outra captará o espermatozóide que será injectado.

De acordo com Tiago, 2004 a realização desta técnica possibil ita aos homens com baixa probabilidade de ter fi lhos. Os espermatozóides são obtidos através de colheita natural, aspiração do epididimo ou extraído do testículo – tubo seminífero por biopsia. Com os espermatozóides recolhidos procede-se à injecção dos mesmos no útero através de Ferti l ização in Vitro.

e) Alternativas para a infertilidade

Quando após várias tentativas frustradas de conceber um filho e todas as hipóteses de Técnicas de Ferti l ização falharam o casal pode viver sentimentos de elevada frustração, no entanto se o casal se encontrar unido e com o desejo de levar a cabo a maternidade e paternidade poderá colocar outras hipóteses tais como a adopção, as barrigas de aluguer e um estilo de vida sem filhos.

2 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA INFERTILIDADE

Ao reflectir acerca da problemática da inferti l idade não podemos deixar de considerar as suas dimensões físicas, emocionais e socioculturais.

De acordo com Brazelton (1994), numa sociedade ocidental, regra geral, um casal é obrigado a cumprir determinadas tarefas e, após um ou dois anos de casamento surge a obrigação de ter fi lhos. Se essa obrigação não se cumpre o casal é colocado perante uma situação para a qual não estava preparado – lidar com o insucesso e com todo o sofrimento que tal acarreta. Ter um filho constitui um dos maiores desafios da vida, talvez o maior de todos, porque é uma oportunidade de crescimento e amadurecimento pessoal. Procriar representa uma segurança para a velhice, uma vez que os progenitores vêem nos filhos um suporte que os

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auxiliará na sua debilidade futura, e um meio de prolongar a vida para além da vida, que condena os casais a reconhecer a efemeridade e finitude humana (Sá, 1997). Desta forma, a inferti l idade não é considerada só como uma doença mas também como uma verdadeira catástrofe.

Afim de vencer o obstáculo da inferti l idade, a ciência tem desenvolvido uma série de técnicas de procriação medicamente assistida, contudo é longa e dolorosa a realização do sonho de ter um filho. Não basta querer ter um filho, médico e casal têm que “por todas as cartas na mesa”, “abrir o baralho das emoções”, aval iar até que ponto o casal conseguirá sobreviver às várias tentativas e frustrações para vencer a inferti l idade. Esta é de facto uma prova dura, e independentemente da causa, a inferti l idade é sempre fonte de grande sofrimento, contudo a vivência emocional da inferti l idade depende não só da história prévia do sujeito como de toda uma vivência conjugal, familiar e social.

É importante ter em consideração que homens e mulheres têm diferentes formas de viver esta fase. Como ta l, neste capítulo vamos abordar os aspectos psicológicos da inferti l idade no homem, na mulher e no casal.

2.1. Impacto psicológico da Infertilidade na Mulher A maioria das mulheres cresce com o pensamento de que um dia será mãe. Desde a primeira boneca de brincar, as meninas são rodeadas de imagens e expectativas provenientes da família, religião e até da publicidade dos mass media. Para algumas a maternidade constitui uma grande parte da sua imagem como mulheres, e para outras, é a sua maior ambição. Até as mulheres que não desejam ser mães estão sujeitas às pressões, familiares e sociais, para casar e constituir família.

Segundo Henshaw (2003), quando a mulher se começa a questionar acerca da sua habil idade para conceber, muitas vezes instala-se uma crise de identidade, pois apesar de não se aplicar a todas as mulheres, algumas definem-se parcialmente pelo seu género sexual e pela sua capacidade de reproduzir, e quando esta capacidade está em risco, sentimentos de preocupação e pânico são frequentes. Dependendo da personalidade da mulher está poderá ficar determinada em conceber, tentando recorrer a técnicas de reprodução medicamente assistida, ou deixar-se lentamente submergir numa depressão, como consequência da sua frustração em relação ao facto de não poder ter fi lhos.

A mulher que se submete a um diagnóstico e tratamento da sua inferti l idade, está sujeita a grande sofrimento físico e psicológico adicional. Segundo Brazelton (1999), os exames efectuados no caso de inferti l idade feminina tendem a ser mais dolorosos, invasivos e humilhantes que os referentes à inferti l idade masculina. Cada aspecto do sistema genital, dos ovários e da sua função é estudado em detalhe repetidas vezes. Além disso, as entrevistas a que são submetidas envolvem questões intímas e muitas vezes embaraçosas.

Segundo Earle (2001), alguns dos sentimentos mais comuns evidenciados pela mulher perante a sua inferti l idade são:

• Confusão – a sua feminilidade está ameaçada, ela quer engravidar, no entanto não consegue distinguir esse desejo do de ser mãe.

• Medo – devido às tentativas frustradas, só obtendo respostas precárias, quando tudo o que necessita são respostas definitivas e concretas. A mulher questiona-se sobre quanto tempo isto irá durar, o que irá fazer se nunca conseguir ser mãe, que humilhação irá sofrer, o porquê do seu corpo não lhe obedecer, o porquê de estar a sofrer. Sente medo do seu corpo, dos seus sentimentos e do que o futuro lhe reserva.

• Isolamento e solidão – sente que ninguém compreende a sua situação e o quanto está a sofrer. Devido à sua fragilidade, prefere afastar-se dos outros, pois parece que tudo a magoa.

• Culpabilidade e vergonha – sente-se fracassada e com uma diminuição da auto-estima. Surgem dúvidas quanto à viabilidade da relação perante a situação. A mulher sente-se culpada perante o parceiro, a família por não conseguir engravidar.

• Raiva – neste momento a mulher fica repleta de sentimentos negativos: sente raiva do seu corpo por não lhe obedecer, do parceiro por não sentir o mesmo que ela nos mesmos momentos, dos médicos por parecer que lhe controlam a vida, enfim, tem raiva de todos por não a compreenderem e por não sugerirem soluções rápidas, acessíveis e eficazes.

• Tristeza e falta de esperança – o seu futuro apresenta-se incerto, a esperança parece esvanecer-se. Sente tristeza por o seu casamento estar sob grande tensão, por ter perdido amizades ao afastar-se dos outros. Sente tristeza quando se vê rodeada de crianças, bebés e mulheres grávidas.

2.2. Impacto psicológico da Infertilidade no Homem Segundo Pschyrembel (1975), a grande maioria dos trabalhos de investigação realizados acerca da inferti l idade incide na mulher, no entanto, para o homem não deixa de ser menos complicado, porque para além de não poder ser pai, sente que impede a companheira de realizar um desejo, ser mãe. A tomada de conhecimento, pelo homem do diagnóstico de inferti l idade masculina corresponde a um momento de grande sofrimento, visto que este facto contribui para uma diminuição da sua viril idade, manifestando-se através de um conjunto de reacções psicológicas como depressão, culpa, isolamento, desespero e vergonha.

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Quantas vezes na nossa vida não ouvimos a célebre frase “um homem não chora”? Apesar do homem poder estar a sentir as mesmas frustrações e desilusões que a mulher, muitas vezes sentem que têm que ser o elemento forte, ou podem estar tão habituados a guardar os seus sentimentos, que não identificam o que sentem e não reconhecem que podem pedir ajuda.

2.3. Impacto psicológico da Infertilidade no Casal O impacto da inferti l idade nos casais pode ser profundo. Infelizmente, a atenção muitas vezes, é apenas dirigida aos aspectos físicos da inferti l idade, passando os aspectos emocionais muitas vezes despercebidos, não sendo tratados.

Segundo Canavarro (2001), quando um casal se confronta com a realidade de uma reprodução difíci l, ou inatingível, pode desenvolver uma crise emocional, caracterizada por stress, ansiedade, frustração, desespero e modificações de comportamento que culminam em alterações intrapsíquicas e interpessoais. Desta forma, a harmonia do casal pode sofrer abalos dado que marido e mulher se acusam mutuamente, responsabilizando-se um ao outro. A pressão para ter um filho pode impelir os casais para tratamentos inapropriados, o desespero de tentativas falhadas pode mesmo endividá-los financeiramente, enquanto esgotam todas as alternativas terapêuticas.

Muitas vezes a inferti l idade está relacionada única e exclusivamente com factores psicológicos. Isto verifica-se quando um casal quer muito engravidar e apesar de ter condições ginecológicas e andrológicas para tal, não consegue atingir o seu objectivo. Isto acontece porque as relações sexuais que têm apenas em mente a procriação constituem um “eficiente contraceptivo”. (Sá, 1997)

A inferti l idade afecta todos os aspectos da individualidade dos parceiros e a visão deles sobre o relacionamento. Assim, é uma altura na vida do casal em que é mais reforçada a importância do diálogo entre marido e mulher. É importante que o casal canalize energias para a sua relação, e que saiba detectar a tempo o risco da relação se desmoronar. Muitos casais hesitam admitir os problemas na sua relação, pois sentindo que falharam na mais básica de todas as funções, a reprodutiva, o admitir que têm problemas na relação signif ica que falharam também como casal, não se compreendendo mutuamente. (Geórgia Reproductive Specialists, 2003)

De acordo com o mesmo autor, há, muitas vezes, a esperança inconsciente de que a causa da inferti l idade esteja relacionada com a mulher, e nalguns casos os homens sentem desejo de provar, fora do casamento que a culpa não é deles. O perigo de um caso extraconjugal torna-se uma fantasia constante, mesmo que não seja praticado.

Além disso, o facto de cada um dos membros do casal ter uma forma diferente de vivenciar os acontecimentos, tem também um peso muito grande na comunicação. Estas diferenças podem ser atribuídas às questões de género, formas de lidar com os problemas e a diferença no desejo de cada um em relação a fi lhos. É importante que o casal procure apoio, de forma a poder lidar e compreender os sentimentos de cada um, mantendo a comunicação e apoiando-se mutuamente.

Segundo Geórgia Reproductive Specialists (2003), a mulher sente-se culpada, e fracassada, e enquanto os sentimentos emergem, sente que perde o controlo sobre eles e não sabe como pedir ao companheiro aquilo que realmente precisa. Ela poderá desejar ser acarinhada, e desejar uma interacção emocional com o parceiro num momento, e no outro desejar afastar-se emocionalmente dele sentindo que o desiludiu.

Por outro lado, analisando as relações sociais e famil iares do casal deparamo-nos com pressões por parte da família e dos amigos para ter fi lhos, associando-se a experiências de marginal ização e fracasso em relação aos outros casais, devido à impossibil idade de frequentarem os mesmos locais, de abordarem os mesmos assuntos, impedindo um determinado tipo de interacções sociais.

No âmbito deste tema seria relevante analisarmos as etapas que o casal vive, os sentimentos associados a cada uma e referindo algumas estratégias de coping. De acordo com a Childbirthsolutions,inc existem quatro fases pelas quais passam os casais no processo da inferti l idade, sendo elas as seguintes:

a) Consciencialização e reconhecimento da possibilidade de infertilidade

A maioria dos casais assume que quando chega a altura escolhida por eles para procriar, a gravidez surgirá rapidamente após a paragem dos anticoncepcionais. Contudo, após a passagem de cada ciclo menstrual, agrava-se a preocupação. Os casais sentem-se desmoralizados quando se apercebem que não conseguem conceber tão facilmente como pensavam.

Nesta fase o casal interroga-se acerca da possibil idade de inferti l idade, e surge um leque de sentimentos e dúvidas. Normalmente, é a mulher que primeiro se apercebe que poderão ter um problema, e muitas vezes o homem tem de ser convencido da possível necessidade de intervenção médica (childbirthsolutions.inc., 2003).

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Aqui, surgem sentimentos de frustração, raiva, negação, culpa, auto-miseração, ciúme, vergonha, perda da feminilidade/masculinidade. É também nesta altura que surgem os primeiros desentendimentos entre o casal.

b) Avaliação e diagnóstico

Segundo Childbirthsolutions (2003), durante esta fase, os casais procuram uma resposta para a sua impossibil idade de conceber, recorrendo muitas vezes à ajuda de um médico ou especialista. Apesar de ser uma altura invasiva, stressante e dispendiosa, dá ao casal uma nova esperança de encontrar uma solução.

De acordo com o mesmo autor nesta fase são comuns sensações como: • Perda de controlo: o casal vê a sua vida controlada pelos médicos e testes; • Falta de privacidade devido à natureza invasiva dos testes; • Raiva e desapontamento contra o próprio corpo, o indivíduo questiona-se: “porquê eu?”, “o que fiz para merecer

isto?”; • Surgem ressentimentos. A mulher não consegue evitar olhar para todos os bebés e grávidas que vê na rua, sem

ressentimento por estas não terem tido que passar por todas as dificuldades que ela está passando para conceber;

• Na sexualidade pode diminuir a espontaneidade e prazer, dado que foi substituída por técnicas e monitorizações, não só pelo casal mas pelo médico;

• Sente-se uma necessidade de manter o problema em segredo. Há uma grande dificuldade e vergonha em explicar o problema aos outros, por vergonha, medo de não se compreendido ou por ser um assunto doloroso para quem o vive, o que pode resultar em isolamento dos amigos e família;

• Há sentimentos de falta de compreensão por parte daqueles que supostamente não sabem aquilo pelo que está a passar. Os conselhos e opiniões dos outros podem ser ressentidos;

• Há sentimentos de choque, e alivio quando se chega a um diagnóstico.

c) Tratamento

Por esta altura, a maioria dos casais sente que a inferti l idade está a dominar a sua vida. A liberdade e espontaneidade parecem ser uma coisa do passado.

Esta é uma fase difíci l, em que o casal se sente exausto e frustrado com as exigências do tratamento. Podem sentir-se isolados e incapazes de comunicar, ressentindo-se um contra o outro. O casal enfrenta melhor o stress do tratamento quando conhece as possibil idades de êxito e tem consciência de que este pode falhar e que não pode ser mantido indefinidamente. Nesta fase o aconselhamento e suporte psicológico são muito importantes.

Segundo Women’s Health Interactive (2000), alguns sentimentos do que o casal sente nesta fase são: • Raiva, por a infertilidade ser uma presença constante na sua vida; • Frustração devido aos tratamentos que não dão garantias de obter uma gravidez, e envolvem elevados

dispêndios de tempo, dinheiro, energia; • Stress emocional, podendo acarretar choro, ansiedade, distúrbios do sono e da alimentação e dificuldades de

concentração; • Percepção da actividade sexual como uma tarefa, que está rodeada de sentimentos e emoções negativas; • Sensação de estarem a ser victimizados pelos médicos, tecnologia, e medicação; • Ressentimento contra o parceiro, a família e os amigos; • Desejo de poder controlar a sua vida; • Frustração pelo futuro ser incerto, o que leva à impossibilidade de fazer planos a curto e longo termo; • Auto-punição e culpabilização, que leva a pessoa a pensar que talvez não mereça ter uma criança; • Curiosidade e necessidade de saber tudo acerca da infertilidade, causas e tratamento, custos, taxas de sucesso,

levando a uma incansável pesquisa; • Aparecimento de sintomas da gravidez, resultado do grande desejo de querer engravidar; • Depressão devido ao cansaço de tentar.

d) Resolução e aceitação

Segundo a Childbirthsolutions (2003), esta fase corresponde à aceitação e constitui uma enorme realização. Esta é uma altura em que se reorganizam as prioridades e objectivos de vida. Nem todos os casais conseguem chegar a esta fase, sendo frequentes as separações em fases anteriores. Nesta altura os casais podem experienciar os seguintes sentimentos:

• Aceitação e percepção de que não somos omnipotentes perante a vida; • Maior aproximação entre os parceiros; • Desejo de retomar à vida normal; • Alivio por não ter de se sujeitar a mais tensões emocionais, físicas e financeiras; • Maior habilidade de empatizar com os problemas de outras pessoas; • Percepção de que boas coisas podem vir de más experiências e de que a vida pode ser gratificante mesmo que não

se atinjam todos os objectivos desejados;

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• Consideração de outras opções como a adopção.

Esta é a fase na qual, passado algum tempo, um ou ambos os membros do casal pensam na perspectiva da adopção, ou pensam em alternativas para constituir uma proveitosa e produtiva relação conjugal sem crianças.

No entanto, qualquer que seja a solução escolhida pelo casal, é importante, que esta crise tenha ficado resolvida, e que o casal através desta experiência tenha ganho novas forças, sentindo-se unido, e em acordo.

2.4. Estratégias de “coping” para o casal A inferti l idade é uma situação stressante e debilitante para quem a vive. Não existe forma de evitar os sentimentos que emergem, no entanto existem estratégias, conhecidas por coping, que possibil itam que o indivíduo, ou o casal, ultrapasse esta fase da melhor forma possível.

De acordo com Pisarska (1998), algumas das possíveis estratégias englobam os seguintes passos: • Aceitação – reconhecer que o problema de infertilidade constitui uma crise; • O casal não se deve culpabilizar; • Entreajuda entre o casal – o casal deve ajudar-se mutuamente a ultrapassar esta fase. Isto não significa que

ambos tenham de ter os mesmos sentimentos simultaneamente, mas sim prestar atenção aos sentimentos e emoções um do outro;

• Não minimizar os próprios sentimentos nem os do parceiro - o casal deve reconhecer que cada um enfrenta e expressa as emoções de forma característica, isto não implica que um sofre mais do que outro;

• Pesquisar e informar-se acerca da infertilidade – a procura de informação permite esclarecer dúvidas, obter mais conhecimento acerca da sua situação, dos tratamentos disponíveis, dos custos e das complicações;

• Procurar apoio de profissionais especializados nesta área ou outras pessoas com problemas de fertilidade (grupos de apoio). O apoio psicológico pode ajudar a ultrapassar esta fase, através da estimulação da comunicação entre o casal. A participação num grupo de apoio proporciona ajuda por parte de outras pessoas que passam pela mesma situação, levando à diminuição da sensação de incompreensão, e solidão, através da troca de experiências e entreajuda;

• Equilibrar optimismo e realismo; • Procurar outros interesses e distracções – o casal deve procurar actividades e interesses que ajudem a

descontrair, evitando que a gravidez se torne numa obsessão; • Ser paciente, para conseguir ultrapassar o prolongado processo de tratamento; • Manter a sexualidade e o desejo na relação, que não deve ter como único objectivo a concepção.

3 - PAPEL DO ENFERMEIRO

O enfermeiro faz parte de uma equipa multidisciplinar de saúde, que em conjunto com os outros elementos, desenvolve um trabalho essencial no tratamento e aconselhamento de casais inférteis. Assim, tem como papel principal, aval iar dados relevantes através da entrevista e do exame físico, ou seja, fazer uma colheita de dados, tendo sempre em consideração os dados sobre a religião, cultura e etnia, que são de extrema importância.

Aquando da realização da entrevista, o enfermeiro deve desenvolver a capacidade de escuta, dado que “Escutar é constatar, através do sistema auditivo estimulado, mas é também aceitar o facto de se deixar impregnar pelo conjunto das suas percepções externas e internas. Escutar é portanto um processo activo e voluntário” (Lazure, 1994, p. 15) De acordo com o mesmo autor, o enfermeiro deve ser empático, afastando de si as suas preocupações pessoais, possuindo a capacidade de se inteirar da situação do casal, mantendo sempre presente que a vivência pertence na sua total idade ao casal.

De igual modo, o enfermeiro deverá possuir a capacidade de ser congruente consigo próprio e com o casal, pois só assim existe um equilíbrio dinâmico entre o que ele vive, o que ele viveu e o que ele sente, traduzindo-se conscientemente no seu comportamento, ou seja, para ser capaz de lidar confortavelmente com a sexualidade do casal, o enfermeiro deve sentir-se bem com a sua própria sexualidade. Devem assim ter conhecimento actualizado acerca das práticas sexuais humanas, serem capazes de aceitar preferências e actividades dos outros sem juízos de valor, ter conhecimento das tendências socioculturais e rel igiosas dos casais. Assim, os enfermeiros podem auxiliar mais eficazmente os casais a compreenderem porque é que as relações sexuais, mesmo sendo um acto privado, necessitam ser parti lhadas com o pessoal de saúde (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999).

O enfermeiro deve estar capacitado para desenvolver um plano de cuidados adequado ao casal com inferti l idade. Segundo Bobak, Lowdermilk e Jensen (1999) pretende-se que o casal: Compreenda a anatomia e fisiologia dos sistemas reprodutores;

• Verbalize compreensão sobre o tratamento de qualquer anomalia identificada através dos diferentes exames; • Verbalize compreensão da sua capacidade potencial em conceber;

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• Resolva os sentimentos de culpa e não necessite de atribuir culpas; • Conceba, ou quando tal não é possível, decida uma alternativa que ambos aceitem; • Demonstre aceitação dos métodos para contornar a pressão que podem sentir em relação aos seus pares e

parentes por causa de não terem filhos.

Embora a responsabilidade do ensino seja do principal prestador de cuidados, o enfermeiro deverá auxiliar na identificação dos défices de conhecimento, clarif icando informações e reforçando explicações e instruções. Deverá ter uma atitude e comportamentos calmos, de modo a transmitir confiança e segurança ao casal antes e durante os procedimentos necessários aos exames, tais como:

• facultar a privacidade enquanto esclarece sobre a obtenção de espécimes e mudança de roupas; • encorajar a mulher a urinar; • criar um ambiente físico confortável; • fornecer os instrumentos de mesa de exame; • aquecer o especulo e instruir em relação ao relaxamento.

Seguidamente, o enfermeiro deverá fornecer informações acerca de futuros exames, de forma a ajudar o casa l a ter uma atitude mais calma, mais confiante e menos angustiante (Bobak, Lowdermilk, & Jensen, 1999).

Os cuidados de enfermagem têm como objectivo encorajar o casal a empenhar-se activamente nos cuidados a que são sujeitos, bem como a estabelecer uma comunicação que assegure que o tratamento e aconselhamento são facil itados. O enfermeiro deverá estar capacitado para responder às questões do casal e confirmar a sua compreensão. Deverá, igualmente, ser capaz de informar o casal das possíveis organizações nacionais de apoio a casais inférteis, permitindo, desta forma, que possam a eles recorrer em caso de ser esse o seu desejo.

III – Conclusões Após a realização deste trabalho, foi-nos possível constatar que a inferti l idade se deve a causas físicas e psicológicas. As suas consequências provocam um desequilíbrio psicológico, quer no homem, quer na mulher, que pode vir a destruir a harmonia do casal.

No entanto, é importante referir que cada indivíduo vivencia esta situação de modo diferente. Existem casais que procuram incessantemente engravidar e quando não conseguem atingir esse objectivo, caem numa frustração profunda., Outros optam por recorrer a técnicas de reprodução medicamente assistidas, as quais possuem resultados bastante positivos. Há ainda casais que se, após várias tentativas frustradas de concepção, manifestarem um elevado desejo de ter um filho, optam por outras alternativas, tais como a adopção ou um estilo de vida sem filhos.

Perante a inferti l idade, o enfermeiro tem um papel crucial, uma vez que pode prestar apoio emocional ao casal, assim como transmitir-lhe a informação necessária, que possibil ita a redução da sua ansiedade e angústia.

IV – Bibliografia Amorim, M., & Lamúrias, P. (2004). No Labirinto da Infertilidade. Pais e Filhos, 158, 16-24. Barroso, E. (2001). Infertilidade. Colecção “Saúde de A a Z”, 2. Linda-a-Velha: Abril/Controljornal Edipresso. Berkow, R. (2003). Problemas de saúde na mulher: Infertilidade. URL: http://www.msd-brazil.com/msd43/ Bobak, I., Lowdermilk, D., Jensen, M., & Perry, S. (1995). Enfermagem na Maternidade (4ª edição). Loures: Lusociência. Brazelton, T. (1994). Tornar-se família – O crescimento da vinculação, antes e depois do nascimento (pp. 15-16). Lisboa:

Terramar. Canavarro, M. (2001). Psicologia da Gravidez e da Maternidade. Coimbra: Quarteto Editora. Childbirthsolutions (2003). Emotional Aspects of Infertility. URL: http://www.childbirthsolutions.healthology.com/ Childbirthsolutions (2003). Emotional Aspects of Infertility. URL: www.childbirthsolutions.com/articles/ Earle, J. (2001). Infertility: Helping others understand – A guide for family and friends. URL: http://www.ferre.org/ Gomes, C. (2000). Infertilidade Masculina. URL: http://www.geocities.com/hotsprings/6078/infertil.html Henshaw, J. (2003). Will we ever get pregnant? URL: http://www.familyresourse.com/pregnancy/33/403/ http://www.ferre.org/newbrow/infbroc/helppothr.html Lazure, H. (1994). Viver a Relação de Ajuda. Lisboa: Lusodidacta. Lincx,, Serviços de Saúde (s.d.). Infertilidade Feminina. URL: http://www.lincx,.com.br/lincs/actualizacao/artigos/ Northrup, C. (2000). Corpo de Mulher: Sabedoria de Mulher (pp. 356-360). Lisboa: Gradiva. Pisarska, M. (2002). Infertility: coping strategies. URL: http://www.vhihealthe.com/topic/3935 Pschyrembel, W. (1975). Ginecologia Prática (4ª edição). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

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Sá, E. (1997). Aspectos Psicológicos da Esterilidade e da Infertilidade. A Maturidade e o Bebé. Lisboa: Fim de Século. Seeley, R., Stephens, T. & Tate, P. (1997). Anatomia e Fisiologia (pp. 972-987). Lisboa: Lusodidacta. Sérgio, J., Coutinho, I., & Marques, S. (2002). Fundamentos de Patologia para Técnicos de Saúde (pp. 122-127). Loures:

Lusociência. Tiago, L. (2004). Noções de Fertilidade, Infertilidade e Esterilidade. Apontamentos cedidos na cadeira de Enfermagem

Materno-Fetal. Faro: ESSaF, Universidade do Algarve. Women`s Health Interactive, (2000). Emotional Aspects. URL: http://www.womenshelath.com/health_center Ziegel, E., & Cranley, M. (1985). Enfermagem Obstétrica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara.

Anexos Anexo 1 – Instituições de Apoio ao Casal Infértil

• Serviço Nacional de Saúde: ! Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães. Telef.: 253 512 612 ! Hospital São João, Porto. Telef.: 225 512 100 ! Centro Hospital de Vila Nova de Gaia. Telef.: 223 795 051 ! Hospitais da Universidade de Coimbra Telef.:239 400 400 ! Hospital de Santa Maria. Telef.: 217 901 256 ! Maternidade Alfredo da Costa. Telef.: 213 184 000

• Centros Privados: ! Centro de Estudos de Infertilidade e Esterilidade, Porto. Telef.: 226 062 160 ! Centro de Estudo e tratamento da Infertilidade, Porto. Telef.: 226 076 530 ! Centro de Genética da Reprodução Prof. A. Barros, Porto. Telef.: 225 500 477 ! Ferticentro, Coimbra. Telef.: 239 497 280 ! Ava Clinic, Lisboa. Telef.: 213 245 000 ! Centro de Medicina Reprodução, Lisboa. Telef.: 217 213 482 ! Cemeare, Lisboa. Telef.: 217 801 072 ! Clifer, Lisboa. Telef.: 217 160 735 ! Clindingo, Lisboa. Telef.: 213 582 754 ! Clínica Médica Gerações Mulher e Criança, Lisboa. Telef.: 213 583 910 ! Imoclínica, Lisboa. Telef.: 217 800 157 (in Amorim & Lamúrias, 2004, p.18)

• Linha Informativa: ! Linha Verde da Infertilidade. Telef.: 800 200 191

Anexo 2 – Casos Reais

1º Caso Real: Cecília e Gonçalo Portas Desistir, Nunca! «Para Cecília e Gonçalo Portas os tratamentos e Reprodução Medicamente Assistida (RMA) já fazem parte das suas vidas. “Só tenho pena de nunca conhecer a sensação de engravidar de repente”, lamenta Cecília. A sua filha, Pilar, tem agora três anos, mas foram precisos outros três anos até que Cecília conseguisse engravidar. Há cerca de uma não e meio, o casal decidiu ter o segundo filho, mas o desejo ainda não se concretizou. Aos 27 anos, pareceu-lhes a altura ideal para ter o primeiro filho. Mas após seis meses sem resultados, Cecília e Gonçalo decidiram logo procurar um especialista. Dirigiram-se ao Consultório de Pereira Coelho, pioneiro da fertilização in vitro em Portugal, e descobriram que a causa do problema era um endometriose que dificultava a implantação do embrião no útero. Começaram pela fertilização in vitro, uma vez que o esperma do Gonçalo também não tinha a qualidade necessária. Foram quatro tentativas- uma delas com microinjecção – uma laparoscopia (pequena cirurgia que permite ver o interior do útero e detectar e remover adesões inflamatórias, pólipos, tumores) e um tratamento com injecções para “limpar o útero”. Nada disto resultou. Passou-se então à inseminação intra-uterina. Após três tentativas, Cecília e Gonçalo puderam, finalmente, respirar de alívio: Pilar vinha a caminho. Pelo meio, passaram “três anos que pareceram dez”. Apesar das contrariedades e da enorme despesa que se ia acumulando, o casal nunca pensou em interromper os tratamentos. “Mesmo que quisesse desistir não conseguia. Sempre quis ter filhos e, talvez por isso, não me fui abaixo. Por outro lado, o professor Pereira Coelho nunca me disse para desistir e dava-me sempre esperança”, recorda Cecília. “O pior é estar sempre a ver grávidas e crianças e pensar porquê eu?”. Com tanta demora, Cecília e Gonçalo ainda chegaram a pensar na adopção. “Fomos só à primeira entrevista. Trouxemos os papéis para casa mas nunca os preenchemos...”. E passados três meses confirmou-se a desejada gravidez. Agora, à procura do segundo filho, Cecília garante que enfrenta os tratamentos “com mais distracção”. As ansiedades e exigências a que as técnicas de RMA obrigam já são consideradas como as aspectos normais da gravidez. “para mim, os tratamentos, as injecções, as consultas, é tudo normal. Já estou mentalizada que é assim.”» (Amorim e Lamúrias, 2004, p. 25)

2º Caso Real: Paula e Mário Sousa

Alegria a dobrar

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«Afonso e Francisco têm seis anos e um ar de traquinas próprio a descobrir as maravilhas da vida. “O que é ser gémeo? É que lá na escola todos nos tratam por gémeos”, perguntaram um dia destes aos pais. Mesmo que soubessem o significado da palavra, não admiraria a confusão, já que Afonso e Francisco são “gémeos falsos” e , por isso, pouco parecidos. Os pais, Paula e Mário Sousa, explicaram-lhes que tinham nascido no mesmo dia e guardaram para mais tarde o resto da história. Corria o ano de 1993, Paula e Mário tinham casado em Setembro e três meses depois começaram a pensar ter filhos. “Deixei de tomar a pílula, mas sem pressas”, conta Paula. Os estudos, os empregos e outras ocupações da vida não deixaram que a maternidade se tornasse uma obsessão e só passados três anos o casal decidiu consultar um especialista de infertilidade, Calhaz Jorge. Dirigiram-se logo a uma clínica privada, uma vez que tinham “ouvido falar em dois anos e tal de espera” nos serviços públicos. Na altura, Paula tinha 30 anos. Depois de muitos exames, chegou-se à conclusão que os dois tinham problemas de fertilidade – algo muito natural hoje em dia. Paula descobriu que tinha um problema no útero, ao nível do relevo e das dimensões, que impedia o óvulo de seguir o seu caminho para ser fecundado. Mário ficou a saber que os seus espermatozóides tinham mobilidade reduzida. Nada de muito grave, mas o suficiente para impedir o sonho deste casal. Optou-se por fazer uma fertilização in vitro. Depois da transferência de embriões para o útero é preciso esperar quinze dias para saber se há ou não gravidez.. “Foi a pior parte. Tive todos os sintomas da gravidez, mas não sabia se eram verdadeiros ou psicológicos, por causa da ansiedade”, recorda Paula. Só podiam ser verdadeiros, pois, após quinze dias, confirmou que estava grávida. A alegria foi, como se imagina, imensa. Mas na ecografia a alegria redobrou. “Ó diabo!”, lembra-se Paula de ouvir o médico dizer. Aflita perguntou o que se passava, mas a resposta acalmou-a: “São gémeos!.” Apesar de nunca ter pensado em ter gémeos, sabia que tal seria possível uma vez que lhe tinham sido implantados dois embriões. E, assim, já nem pensa em recorrer a novo tratamento. A gravidez correru normalmente e Afonso e Francisco nasceram no dia 27 de Dezembro de 1997, de parto normal. Esta será a história que os pais vão contar-lhes um dia destes.» (Amorim & Lamúrias, 2004, pp. 25-26)

3º Caso Real: Carmo e Luís Aragão Barros

Nove anos e uma surpresa «“Nunca pedi muito, sempre fui mais de agradecer, mas rezei tanto para ter um filho, tanto, tanto.” Carmo Aragão Barros teve fé em Deus, na ciência e no destino e ao fim de nove anos de persistência consegui realizar o sonho de ser mãe. Por duas vezes, o que nunca esteve nos seus planos. Foi o destino que lhe trouxe o segundo filho, como se o corpo finalmente tivesse aprendido a procriar. Mas até se surpreender com a sua sorte, Carmo esperou muito. Uma endometriose (doença provocada pela existência de endométrio fora o útero) de grau três, diagnosticada pouco antes dos trinta anos, estaria na origem de um longo percurso por consultórios e hospitais, marcado por muitas decepções, mas também por coragem e determinação. Carmo nunca teve dúvidas de um dia seria mãe. “Só a idade me faria desistir”, sublinha. Durante cinco anos realizou mais de dez inseminações intra-uterinas. Tratamentos que faziam renascer a esperança, mas que acabavam por revelar-se um fracasso. Até que um dia entrou no consultório do médico Pereira Coelho e este lhe abriu as portas da fertilização in vitro (FIV), a técnica que mais tarde traria ao mundo o pequeno Manuel. Carmo e Luís submeteram-se a uma primeira FIV, da qual resultou uma gravidez, que, apesar dos esforços, não chegou ao fim. Mas o casal não desistiu e, assim que pode, começa um novo ciclo. Desta vez tudo corre na perfeição. Carmo tinha trinta e sete anos. Engravida de um embrião e mal acredita que as suas preces foram ouvidas. “O nascimento do Manuel foi uma recompensa e um alívio”, recorda. Já nem fala dos muitos tratamentos de estimulação hormonal a que se sujeitou, nem das punções, nem da ansiedade ou da espera. Tudo desapareceu no dia em que soube que estava grávida. Durante nove meses, guardou o seu tesouro, com tal desvelo que se esqueceu um pouco do mundo. E já com Manuel nos braços vira-se de corpo e alma para o seu bebé. Não estava, por isso, preparada para o que haveria de suceder. Suspeitando de uma menopausa precoce, e não acreditando que o mais improvável poderia estar a acontecer, Carmo fez um teste de gravidez depois de um atraso da menstruação. Sem a margem para dúvidas, o dispositivo mostrava a realidade: Carmo estava grávida. Sem FIV, nem estimulação ovárica, nem nada. Grávida, naturalmente grávida como sempre desejou que acontecesse. Meses depois, nasce a Joana. E fecha-se o ciclo.» (Amorim & Lamúrias, 2004, p. 26)

FIM

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Gravidez e Pré-Eclâmpsia

Trabalho elaborado por: Bernardina Varela; Catarina Santos; Dora Sequeira; Teresa Vieira

“Enquanto para umas (crianças nascerem) a estrada em que elas têm que viajar é tranquila e fácil, para outras, está repleta de obstáculos...”. (Varela, Santos, Sequeira, & Vieira, 2004)

Agradecimentos À Dra Celeste Duque pela sua disponibilidade

e colaboração, assim como à Enf.ª Lurdes Tiago pelas informações dispensadas,

permitindo o enriquecimento deste trabalho.

I – Introdução No contexto sócio-cultural em que vivemos, a gravidez reveste-se de uma importância suprema. Isto justif ica-se, por um cada vez menor número de casamentos, pela emancipação da mulher, pela importância atribuída aos estudos académicos, entre outros factores, condicionantes da taxa de natal idade.

Um elevado número de casais num determinado momento da sua vida decidem ter um filho. Para a concretização deste desejo tão especial, a vinda do seu “rebento” tão precioso é planeada ao pormenor. Melhoram-se as condições habitacionais, vivenciam-se novos sentimentos de expectativa, de fantasia do seu fi lho tão desejado, sendo também necessário, que ocorra uma reestruturação/reorganização familiar.

Assim numa gravidez aparentemente normal, tudo parece “conspirar” para a chegada do novo elemento da família quando tudo parece perfeito, eis que surgem as complicações da gravidez que poderão pôr em risco não só a vida materna como também a fetal.

A pré-eclâmpsia é uma das patologias que me põem em risco todo este projecto que inicialmente parece tão sólido, perfeito, apesar de revestido da insegurança característica de todos os intervenientes na concepção do novo ser.

Deste modo para um entendimento mais completo e abrangente desta temática procedeu-se na elaboração deste trabalho à descrição da fisiopatologia.

Os factores de risco envolvidos na gestação são inúmeros, entre os quais se destacam os factores genéticos, primiparidade, desnutrição, obesidade, entre outros. A sintomatologia, edemas, hipertensão arterial (HTA) e proteinúria é muito desgastante e penosa tanto para a mãe como para o feto.

A prevenção é difícil e o tratamento consiste em atenuar os sinais e sintomas, no mínimo, até às 36 semanas de gestação, altura em que se pode provocar o parto. O tratamento eficaz só é possível após o nascimento do feto.

Os aspectos psicológicos com pré-eclâmpsia na grávida são complexos, a ansiedade eleva a tensão e os conhecimentos acerca desta patologia aumentam ainda mais a ansiedade, forma-se o chamado “ciclo vicioso”.

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Psicologia V, 3ºano, 1º semestre, solicitado e orientado pela docente Celeste Duque. A escolha deste tema justif ica-se na referida disciplina, uma vez que o casal afectado por esta patologia, fica emocionalmente fragilizado, sendo necessário compreender o que se passa no seu interior, seus conflitos e dilemas.

A elaboração deste trabalho tem como objectivo geral conhecer de toda a fisiopatologia envolvente na grávida com pré-eclâmpsia e suas repercussões psicológicas.

Para atingir este objectivo geral definiram-se os seguintes objectivos específicos: • Identificar possíveis causas de pré-eclâmpsia • Apresentar sinais, sintomas e principais factores de risco desta patologia; • Reconhecer os principais sistemas de classificação da pré-eclâmpsia;

• Tentar compreender os aspectos psicológicos envolventes no casal afectado pela pré-eclâmpsia.

A metodologia util izada no respectivo trabalho foi de pesquisa bibliográfica e on line. Foi também usado o método de entrevista informal.

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II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1 – FISIOPATOLOGIA Pré-eclâmpsia pode definir-se como uma condição específica da gravidez, na qual a hipertensão se desenvolve após 20 semanas de gestação numa mulher grávida, previamente normotensa.

O desenvolvimento de pré-eclâmpsia instala-se na presença óbvia de uma causa, porém nesta patologia em concreto, não existe uma causa conhecida que justifique a sua manifestação. No entanto existem algumas teorias que tentam explicar a causa da pré-eclâmpsia, embora não tenham sido provadas cientificamente. Podem considerar-se como sendo suposições/hipóteses explicativas da origem/causa deste "fenómeno".

Uma das teorias, que nos parece plausível defende que a pré-eclâmpsia resulta de algum tipo de auto-imunidade, ou de alergia, na mãe, em decorrência da presença do feto, tendo como apoio o facto de que alguns dias após o parto, os sintomas desapareçam. Outra teoria que tenta provar o desenvolvimento da pré-eclâmpsia sustenta que a mesma é causada pela secreção excessiva de hormonas placentárias, no entanto ainda não se encontrou nenhuma prova de base hormonal.

Esta resposta anormal às hormonas surge na 20ª semana porque nas mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia não se dá a segunda parte da formação da placenta, que se completa por volta das 20 semanas.

Segundo Guyton e Hall (2002) cerca de 4% de todas as mulheres grávidas têm rápida elevação da tensão arterial para valores patológicos nos últimos meses da gravidez. Essa elevação associa-se à perda de grandes quantidades de proteínas na urina.

Existe uma retenção excessiva de sal e de água pelos rins maternos, que se traduz num aumento de peso e desenvolvimento de edema, e ainda de hipertensão na mãe. Tanto o fluxo sanguíneo renal como a fi ltração glomerular estão diminuídos (numa grávida normal estão aumentados).

Para além disso ocorre vasospasmo arterial em muitas partes do corpo da mãe, sendo os órgãos mais afectados os rins, cérebro e fígado.

A manifestação mais relevante em todo o processo de pré-eclâmpsia/eclâmpsia, consiste na redução do fluxo sanguíneo útero-placentário, precedente da hipertensão.

Eclâmpsia é o diagnóstico dado às pacientes que têm convulsões tónico clónicas, seguidas de uma situação de coma, devido à pré-eclâmpsia. Porém este sintoma não deve ser considerado como o único elemento de diagnóstico da presença da doença, até porque as grávidas fazem medicação anti-convulsivante para prevenir a sua manifestação. Caracteriza-se, portanto ainda por espasmo vascular extremo em todo o corpo, acentuada redução do débito renal, disfunção hepática, hipertensão frequentemente extrema e condição tóxica generalizada do corpo. É considerada uma das formas mais severas da pré-eclâmpsia, em que cerca de 1% das pacientes com pré-eclâmpsia, têm eclâmpsia (Frederickson, Wilkins-Haug, 2000; Op cit. Day2000).

A eclâmpsia refere-se portanto por ser um grau extremo dos mesmos efeitos observados na pré-eclâmpsia.

1.1. Sintomatologia As alterações fisiológicas que se fazem sentir na gravidez, são consideradas mecanismos de adaptação do organismo feminino a uma nova situação, estas poderão de certa forma condicionar o desenvolvimento da pré-eclâmpsia/eclâmpsia. Abaixo procede-se a uma descrição sintética e de âmbito mais específico, acerca das modificações sofridas.

Segundo Graça (1996), são vários os níveis de intervenção destas alterações.

A nível cardiovascular, estas adaptações causam um aumento do volume de plasma, vasodilatação, diminuição da resistência vascular sistémica, elevação do débito cardíaco, aumento do consumo de Oxigénio, edema fisiológico relacionado com diminuição da pressão osmótica coloidal do plasma e aumento da pressão h idrostática dos capilares venosos.

Relativamente às alterações hematológicas que se fazem sentir, caracterizam-se pelo aumento dos factores de coagulação, havendo predisposição para a coagulação intravascular disseminada e formação de trombos; ocorre também um decréscimo de albumina que provoca diminuição da pressão coloidal e osmótica havendo predisposição para edema pulmonar.

A tríade sintomática característica da pré-eclâmpsia manifesta-se por hipertensão arterial, edema e proteinúria. Assim, os sinais característicos, hipertensão e proteinúria, resultam do aumento da perfusão renal. Estes

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ocorrem devido à tentativa de controlar o volume de sangue que perfunde o rim, inicia-se um vasospasmo renal (mecanismo de defesa), que eventualmente resulta em proteinúria e hipertensão.

Constata-se ainda, que na pré-eclâmpsia, se verifica uma diminuição do volume de plasma circulante, originando hemoconcentração e aumento do hematócrito materno. Estas alterações levam a uma diminuição da perfusão dos órgãos maternos, incluindo o útero, placenta e feto. A isquémia leva ao envelhecimento prematuro da placenta, afectando a oxigenação, nutrição e crescimento, retardando o desenvolvimento intrauterino e podendo provocar morte fetal. As alterações dos vasos do leito placentário, são também responsáveis pela ocorrência de descolamento prematuro da placenta na pré-eclâmpsia. Esta pode ainda levar ao aparecimento de enfartes e outras alterações degenerativas no feto. Os vasospasmos cíclicos agravam ainda mais a diminuição da perfusão nos órgãos, através da destruição dos eritrócitos, o que diminui a capacidade de oxigenação materna. (Graça, 1996)

Para além destes danos, os vasospasmos podem ainda contribuir para o aumento da permeabilidade capilar, o que provoca um aumento do edema, favorece a diminuição do volume intravascular, predispondo assim a doente a edema pulmonar.

A nível hepático as alterações são ligeiras, dando-se o aumento das transaminases e diminuição da síntese proteica, excepto em casos de síndrome de HELLP. Morfologicamente verif icam-se hemorragias na periferia dos espaços portas chegando, em situações mais graves, a ocorrer hemorragias que se manifestam por epigastralgias. (Vieira, 2004)

O Sistema Nervoso Central pode ser sujeito a um aumento súbito da perfusão sanguínea, a edemas, a trombose e a hemorragias, sendo estes os responsáveis pela maioria das mortes maternas.

Sem o acompanhamento e consecutivo controlo, ocorre um agravamento/evolução da pré-eclâmpsia, sequencial, começando por ser moderada podendo atingir o seu estado mais grave (Bobak, et al., 1995).

Para além dos referidos sintomas a grávida pode ainda apresentar um quadro clínico que envolve, cefaleias frontais, perturbações visuais, náuseas e vómitos, h iperactividade reflexa. Todavia poderão verificar-se casos assintomáticos.

1.1.1 – Tríade sintomática

Considerou-se essencial que na abordagem da temática da hipertensão, se apresentassem algumas definições que são fundamentais para um melhor entendimento não só de todo o trabalho, mas mais especificamente a tríade sintomática da pré-eclâmpsia:

a) Edema

De acordo com Graça (1996), apesar da sua frequência, o edema é o sinal menos preciso num diagnóstico de pré-eclâmpsia, mesmo sendo o primeiro a ser identificado. É mais comum nos membros inferiores, contudo dá-se maior relevância ao edema facial e das mãos, especialmente o matutino. Em situações graves pode surgir a anasarca (edemas generalizado) que é identificada pelo aumento de peso súbito (� 2 kg/semana) sem que exista outra situação explicativa ou uma acumulação generalizada de liquido. A grávida pode referir o aperto dos anéis nos dedos ou o edema matutino

b) Hipertensão arterial

É o sinal cardinal da pré-eclâmpsia, pois os seus valores dão-nos a indicação da gravidade da doença (Vieira, 2004).

Define-se como sendo a elevação da pressão sanguínea acima de 140/90 mmHg. Quando se conhecem os valores tensionais da grávida no 1º trimestre, estes são tidos como valores de referência. A partir desta informação pode considerar-se HTA quando há um aumento de 30mmHg na pressão sistólica e 15mmHg na pressão diastólica, sendo assim uma alternativa. Este dado é importante, porque a HTA varia com a idade, estado fisiológico, hábitos dietéticos e hereditariedade.

Para que as avaliações sejam fidedignas, estas devem ser feitas sempre com a grávida sentada e em duas ocasiões com intervalo de seis horas para se poder ter um diagnóstico definitivo.

Quando os valores são de 160/100mmHg, são indicativos de uma pré-eclâmpsia grave. Se os valores forem de superiores a 200mmHg estão associados a HTA crónica e apresenta riscos de acidente vascular cerebral.

c) Proteinúria

É uma manifestação tardia e se ocorrer antes da 20ª semana pode estar associada a outras patologias renais, na pré-eclâmpsia é normalmente ligeira a moderada, desaparecendo de costume nas primeiras duas semanas pós-parto (Mendes, 1991)

Normalmente aparece após os outros sintomas, e indica a extensão a nível renal. A perda de proteínas, principalmente albumina, pode ocorrer alguns dias depois da elevação de TA, no entanto existem muitos casos de pré-eclâmpsia sem proteinúria significativa ou apresentado apenas vestígios.

Define-se proteinúria quando a concentração de proteínas na urina é de 0,1 gr/L (ou � ++ nas fitas de avaliação) ou mais, na análise à urina de pelo menos duas colheitas aleatórias, colhidas com seis horas de intervalo. Numa colheita

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de urina 24 horas a concentração de 0,3gr/L é tida como referência para indicar proteinúria A urina de 24 horas é um exame mais fidedigno do que uma única amostra. O corrimento vaginal contamina a amostra e pode dar falsos resultados. A urina pode estar mais concentrada, com pequeno volume quando a pré-eclâmpsia se agrava (Mendes, 1991).

A intensidade de proteinúria não implica o agravamento da situação clínica.

1.2. Factores de risco A identificação de um grupo de risco na HTA gestacional é uma preocupação dominante por parte dos profissionais de saúde, sendo deste modo mais fácil proceder à prevenção da doença ou a uma detecção mais precoce. Dado o desconhecimento da causa da pré-eclâmpsia pode apenas neste momento ter-se o conhecimento de que existem alguns factores que sozinhos ou associados a outros, predispõem a mulher grávida a maiores riscos de ocorrência de pré-eclâmpsia.

Parafraseando Vieira (2004), “a hipertensão arterial complica cerca de 3 a 8% de todas as gestações”. Apesar de estes valores estatísticos parecerem relativamente baixos e concomitantemente insignificantes, as implicações que a HTA induz tanto na duração da gravidez, como na via do parto e a influência desfavorável sobre o feto são muito relevantes, dai a importância do despiste desta patologia nas consultas pré-natais

Como foi referido anteriormente a causa exacta da pré-eclâmpsia é desconhecida. Segundo Mendes (1991), os factores que podem predispor para o aparecimento de hipertensão arterial durante a gravidez, são principalmente os seguintes:

• Factores genéticos – a incidência da hipertensão arterial na gravidez verifica-se com maior frequência nalgumas famílias, observando-se em mães e filhas;

• Primiparidade – principalmente se a primeira gravidez ocorre em jovens com menos de 18 anos ou em idade superior a 35 anos;

• Desnutrição – mulheres com dieta pobre em proteínas; • Obesidade – quando a mulher durante a gravidez adquire um aumento excessivo de peso (20-30 kg), o risco é

acrescido se este aumento de peso se verifica entre as 20 e as 30 semanas; • Gemelaridade – o risco desta está relacionado com hiperdistensão e consequentemente a isquémia uterina; • Diabetes melitus; • HTA crónica; • Hidrâmnios (excesso de líquido amniótico); • Raça caucasiana; • Aumento do tamanho da placenta.

2– CLASSIFICAÇÃO DA HTA NA GRAVIDEZ As alterações significativas da tensão arterial na gravidez envolvem uma grande variedade de condições das quais se verifica uma HTA materna, com um grau de risco para o bem-estar fetal.

Para poder uniformizar critérios e comparar resultados surgiu a necessidade de coordenar determinados parâmetros e definir determinadas situações, ou seja, surgiu a necessidade de proceder a uma classificação.

A HTA na gravidez é alvo de inúmeras classificações, todavia escolheu-se para a elaboração deste trabalho uma que se encontrou mais difundida na bibliografia consultada e a que se uti l iza mais frequentemente na actualidade (consensus Report, 1990). Assim sendo de acordo com a orientação do American College of Obstetricians and Gynecologists revista em 1990 pelo National High Blood Pressure Education Program Working Group, a HTA arterial na gravidez pode classificar-se de acordo com quatro categorias, que se apresentam no quadro 1, da página seguinte.

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Quadro 1 Classificação da HTA na gravidez proposta pela Comissão de Terminologia do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (1972) (adaptado de Friedman et al., p. 10)

HTA gestacional Hipertensão da 2ª metade da gravidez ou das primeiras 24horas pós-parto, sem outros sinais de Pré-eclâmpsia.

Pré-eclâmpsia/Eclâmpsia Moderada

- Pressão arterial diastólica ! 90 mmHg e <110mmHg Ou Pressão arterial média ! 105mmHg e <130mmHg - Proteinúria de 24 h < 3,0 g/L ou Proteinúria ocasional "++

Grave Presença de qualquer um destes critérios:

- Pressão arterial diastólica ! 110 mmHg ou - Pressão sistólica >160 mmHg em 2 ocasiões com pelo menos 6h de intervalo com a grávida em repouso no leito - Proteinúria de 24h ! 3,0 g/L ou - Proteinúria > ++ em 2 amostras ocasionais com 4horas de intervalo

- Oligúria ( < 400 ml/24h) - Perturbações visuais ou do Sistema Nervoso Central - Epigastralgias - Edema pulmonar ou cianose - Trombocitopénia

Eclâmpsia Qualquer das situações anteriores em que ocorram convulsões (antes ou durante o parto, ou nas primeiras 48 horas pós-parto)

Síndrome de HELLP Hemólise

- esquizocitos no sangue periférico - bilirrubuna total ! 1,2 mg/dl

Enzimas hepáticas elevadas - LDH � 600 UI/l - TGO � 70 UI/l

Trombocitopenia - plaquetas � 100000/mm4

Hipertensão crónica

Hipertensão que ocorre antes da gravidez ou com as primeiras manifestações antes da 20ª semana ou 6 semanas pós parto.

Hipertensão crónica associada a pré-eclâmpsia/eclâmpsia Desenvolvimento de Pré-eclâmpsia/eclâmpsia em mulheres com hipertensão crónica

3 - PREVENÇÃO E TRATAMENTO

A pré-eclâmpsia é considerada uma doença, não passível de ser prevenida em todas as circunstâncias. Considera-se que a mulher cuida da sua saúde, se tiver a preocupação de efectuar a consulta pré-natal, na qual se sinta à vontade para expôr as suas dúvidas e reconhecer as alterações que necessitam de uma vigilância ou aval iação médica. Permitindo assim, mais facilmente o diagnóstico antes que a eclâmpsia se instale.

Deve dar-se primordial importância à vigilância pré-natal na gravidez, sendo a mesma, essencial para melhorar os resultados quer maternos quer perinatais, de forma a identif icar as mulheres de risco, tomando medidas de educação para a saúde, e melhorando também o acesso aos locais de saúde.

A inexistência de testes de diagnóstico de confiança, faz com que a detecção precoce e posterior tratamento da pré-eclâmpsia, sejam cada vez mais tardios.

É importante que em todas as consultas se faça uma vigilância de tensão arterial, proteinúria e peso, registando-os de forma a permitir uma boa continuidade dos cuidados. A aval iação da alteração destes parâmetros não nos dá um diagnóstico completo, pelo que são util izadas alguns exames laboratoriais que permitem aval iar as repercussões noutros órgãos e sistemas. Deve-se ainda questionar a grávida acerca de alguns sinais subjectivos, tais como edemas nas mãos e face, cefaleias ou dor epigástrica (Burroughs, 1995).

O ensinamento a fazer à grávida tem de ter em conta a gravidade dos sintomas, o comprometimento da grávida, a conduta do médico, para que haja um bom controlo da doença hipertensiva.

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O tratamento resume-se ao repouso no leito, nomeadamente em decúbito lateral esquerdo, pois aumenta o fluxo sanguíneo, ter uma dieta rica em proteínas e pouco sal, não são aconselháveis o uso de diuréticos ou h ipertensores (Tiago, 2004).

Normalmente quando a grávida está informada e tem uma orientação cuidadosa não é necessário o internamento hospitalar, caso a doença esteja controlada. No entanto por vezes é necessária a hospital ização para uma observação no sentido de permitir que a gravidez continue até que o feto atinja maturidade e peso para se possibil itar o parto. No hospital, o repouso deve ser num quarto silencioso para proporcionar à grávida um ambiente calmo sem estímulos, reduzindo o risco de convulsão (Burroughs, 1995).

É de salientar a importância do apoio emocional e psicológico a dar à grávida/família para l idarem com a situação.

A actuação clínica para o tratamento desta patologia é específica, sendo necessário um tratamento adequado para as diferentes formas de pré-eclâmpsia.

Perante a pré-eclâmpsia moderada, o tratamento mais eficaz tem como objectivo principal “impedir o agravamento da situação, estabelecer, o mais aproximadamente possível, o tempo da gestação e aval iar a maturidade pulmonar do feto” (Graça, 1996, p.599).

Para além dos cuidados gerais a ter, em que todas as grávidas com este quadro sintomático requerem uma hospital ização, numa grávida que se encontra na 36ª semana, não há necessidade de prolongar a gestação pelo que se deve induzir o parto. Com menos de 36 semanas de gestação, e como normalmente na pré-eclâmpsia o feto tem maturidade pulmonar precoce, deve interromper-se a gravidez no caso de existir maturação fetal e surgir o agravamento do quadro clínico materno e fetal, ou no caso de existirem sinais de deterioração fetal. Se não há maturação fetal, e a situação materno-fetal está estabilizada, deve manter-se o internamento para aval iação da mãe e feto. Se não houver agravamento a gravidez é mantida.

Na pré-eclâmpsia grave “a profilaxia das convulsões, o controlo da hipertensão e o planeamento do parto” (Graça, 1996, p. 600) são os pontos de partida.

A profilaxia das convulsões é feita de acordo com os protocolos existentes em cada instituição, ou de acordo com prescrição médica.

Não se deve proceder à administração repetida de anti-hipertensores para tentar resolver a situação patológica, pois a sua util ização não está comprovada na melhoria da situação da grávida ou na prevenção do aparecimento de convulsões. Assim a sua administração só deve estar reservada para as grávidas com valores de tensão arterial muito elevados, quando os mesmos podem levar a uma hemorragia intracraniana.

O uso de fármacos anti-hipertensivos deve diminuir os valores de tensão arterial para níveis de menor risco, sem provocar hipoperfusão do sistema nervoso materno materno, bem como do tecido útero-placentário.

A terapêutica farmacológica protocolada no serviço de obstetrícia do Hospital Distrita l de Faro é o Labetalol, que é administrado em bólus endovenoso lento na quantidade de 50mg em cerca de um minuto, ou numa perfusão de 500 ml de soro fisiológico com cinco ampolas de Labetalol (500mg), iniciando-se a 20ml/hora (20mg), duplicando o gotejo de trinta em trinta segundos até a tensão arterial estabilizar (diastólica de 80/90mmHg) até um máximo de 100ml/hora (Tiago, 2004).

A única cura para a pré-eclâmpsia, é o parto, mas não se deve terminar uma gravidez sem que a gestação esteja estabilizada, pois aumentaria o risco materno. Mas atrasar o parto por muito mais tempo pode trazer riscos tanto para a mãe como para o feto.

Segundo Graça (1996), se a grávida tem 34 semanas de gestação, a indução do parto deve ser feita depois do início da administração dos anti-convulsivantes e quando a tensão arterial estiver estabilizada.

Caso a pré-eclâmpsia grave se instale no segundo trimestre, então induz-se o parto, pois o tratamento expectante quando as grávidas ainda estão longe de uma gestação de termo, está l igado a uma taxa de mortalidade fetal mais elevada, resultando também em sofrimento materno. Se a gestação está entre as 26 e as 34 semanas deve-se questionar uma atitude conservadora em casos seleccionados.

O tratamento para a eclâmpsia, que é a forma mais grave da HTA na gravidez, segue o mesmo que o protocolado para a pré-eclâmpsia grave, associando-se também o tratamento das convulsões, controlo de h ipertensão e a interrupção da gravidez, assim que a grávida esteja estabilizada, preferindo-se o parto por via vaginal.

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O síndrome de HELLP, pode apresentar um vasto leque de quadros clínicos, no entanto deve seguir-se o tratamento de base, e a indução do parto deve surtir efeito nas 6 a 8 horas seguintes, caso contrário recorre-se à cesariana.

Embora estes sejam os tratamentos de base, cada instituição tem protocolados os quadros de actuação, que seguem na presença destas situações. O tratamento protocolado no serviço de obstetrícia do Hospital Distrita l de Faro, relativamente à HTA induzida pela gravidez (Anexos 1, 2 e 3), tem em conta o tipo de HTA e a aval iação materna e fetal.

Depois, na consulta de puerpério, devem ser avaliados a tensão arterial, peso e fazer o teste de pesquisa de proteinúria, para se ter conhecimento do estado clínico da mulher.

4 – AVALIAÇAO DO BEM-ESTAR FETAL

O feto da mulher grávida com pré-eclâmpsia apresenta um grande risco de ter uma vital idade comprometida durante a gestação, pois há uma perda progressiva da sua função vascular placentária, o que leva a uma baixa perfusão do órgão. Assim, associa-se um significativo atraso de crescimento intra-uterino e sofrimento fetal.

Os recursos existentes para a avaliação do bem-estar fetal já permitem encontrar com garantia as situações de risco no bebe, estes são essencialmente a ecografia obstétrica, cardiotocografia e dopllerfluxometria.

4.1. Ecografia obstétrica A ecografia permite a aval iação do crescimento fetal e determinar o sofrimento crónico do feto. Assim a aval iação morfológica do feto permite afastar anomalias fetais, secundarias ou não o uso de medicações.

Quando a grávida tem a cronologia da gestação definida ou feito a ecografia no primeiro trimestre com posterior datamento, é um bom indicio para controlar o atraso do crescimento intra-uterino a partir do terceiro trimestre. São aval iados os perímetro abdominal e é estimado o cálculo do peso fetal. Para estabelecer o ritmo do crescimento específico fetal realiza-se a ecografia quinzenal. (Tiago, 2004)

4.2. Cardiotocografia Avalia-se primeiramente a frequência cardíaca fetal basal, é consideradsa normal entre 120 e 160 bpm. Posteriormente são aval iadas as oscilações da linha de base, que definidas como variabilidade são quatro (Tiago, 2004):

• “lisa: � 5 bpm, associada a hipoxia fetal grave e ao uso de drogas depressoras do sistema nervovo central; • comprimida: entre 5 e 10 bpm e reflecte depressão do sistema nervoso central por drogas ou hipoxia leve estando

também relacionada ao sono fetal; • ondulatório: variabilidade entre 10 a 25 bpm, sendo considerado o padrão normal; • saltatório: acima de 25 bpm estando associado à movimentação fetal excessiva e/ou compressão umbilical.”

O resultado do CTG pode ser alterado pelo uso de drogas durante a gestação.

Em estudos que foram real izados, provou-se que dos fetos não reactivos apenas 40% estão realmente comprometidos. Quando os fetos não são reactivos e h iporeactivos, deve solicitar-se o Perfi l Biofísico para completar o diagnóstico.

A cardiotocografia não é um bom método para diagnosticar o sofrimento fetal crónico, no entanto é perfei to para o rastreamento do sofrimento fetal agudo.

4.3. Dopllerfluxometria Tem como objectivo o estudo dos vasos uterinos, placentários e fetais. Actualmente é um recurso essencial para o acompanhamento de patologias que podem levar a insuficiência placentária e alterações vasculares, tendo a nível da hipertensão grande ocorrência.

De acordo com Tiago (2004) existem: • Dopller das artérias uterinas – avalia o fluxo materno em direcção à placenta, permitindo diagnosticar

insuficiência placentária. Tem principal importância no primeiro trimestre para instituição de terapêutica profiláctica (aspirina).

• Dopller da artéria umbilical – avalia o fluxo sanguíneo entre o feto e a placenta; realiza-se a partir da 28ª semana com intervalos quinzenais, nas situações de insuficiência placentária.

• Estudo da centralização do fluxo fetal – verifica a existência de aumento do fluxo na área cerebral do feto em associação com a redução do fluxo em áreas periféricas do mesmo. Este mecanismo ocorre quando há comprometimento da vitalidade fetal para tentar priorizar a oxigenação de áreas nobres fetais (cérebro), em detrimento das áreas menos nobres à vida intra-uterina (músculos, órgãos abdominais).

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5 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS Segundo Isabel Leal (1997) actualmente vive-se uma nova contextualização sócio-cultural da reprodução e nascimento. Cada vez mais, o casal primeiro opta pela procura de condições económico-profissionais mais estáveis (entre outros factores condicionantes) e só depois é que surgem os fi lhos. Assim sendo, a mais banal gravidez, é cada vez mais planeada e adiada, tornando-se muito significativa e especial para o casa l, familiares e própria sociedade

Perante um diagnóstico de gravidez, temos reacções variadas; estas poderão ir desde a euforia à depressão; do orgulho à raiva; do contentamento aos receios (McIntyre, Carvalho, & Milhazes; 1997). Estas reacções, dependem de vários factores como o estado civil, recursos económicos, objectivos de carreira, valores pessoais e expectativas em relação à maternidade.

A complexidade do ser humano possibil ita a coexistência de diversos sentimentos, a gravidez ao implicar variadas mudanças (intrapessoais, intrapsíquicas...), vai revestir-se de perdas e ganhos, que por si só justificam a presença de sentimentos opostos, ambíguos (Maldonato, 1976). Assim, e de acordo também com o trimestre de gestação, os sentimentos que estão latentes ao processo de adaptação à gravidez, poderão diferenciar-se.

O primeiro trimestre é um período de adaptação, marcado por um grande desequilíbrio em todos os planos. Se por um lado a sonolência, a fadiga, vómitos, diminuição da l íbido, entre outros, provocam na mulher um mal-estar geral; o medo de eventuais traumatismos ao feto que possam levar ao aborto, afectam a mulher deixando-a ansiosa (Pedro, 1995; op. cit. McIntyre, Carvalho, & Milhazes, 1997).

A ambivalência de sentimentos, poderá estar associada à dúvida entre estar, ou não grávida. “...a alegria, apreensão, irrealidade, em alguns casos rejeição...”(Maldonato, 1976, p. 19),. são muito comuns neste primeiro trimestre de gestação. Também neste período, poderá surgir uma sensação de mal-estar geral, provocada pelas náuseas e vómitos, sintomas que surgem também sob a influência de factores psicológicos (Caplan 1967; op. cit. Maldonato, 1976).

A intensidade destes sintomas está relacionada com o grau de tensão emocional (Rosen, 1955; op. cit. Maldonato, 1976). Segundo Perestrello (1974), tais sintomas visam obter, inconscientemente, mais cuidados e carinhos dos circunstantes, principalmente o marido.

Desejos e aversões, aumento de apetite e de peso, bem como, as oscilações de humor e aumento da sensibil idade, são muito característicos neste trimestre (Maldonato, 1976).

O segundo trimestre, do ponto de vista emocional, é considerado como o mais estável. Do ponto de vista físico, dão-se grandes alterações de imagem, as quais são vividas pelas grávidas de diferentes formas. Se algumas mulheres sentem orgulho na exibição de um corpo grávido, outras sentem-se feias e sexualmente incapazes de atrair alguém (Maldonato, 1976). De acordo com a mesma autora, a depressão e o medo de abandono são muito comuns nas gestantes neste período, sentem uma maior necessidade de afecto e protecção por parte do seu companheiro.

É neste período também, que os movimentos fetais se tornam mais perceptíveis para a grávida, atribuindo-lhes muitas vezes, significados diferentes de acordo com a intensidade e a presença destes movimentos (Maldonato, 1976). De tal forma que, se a mãe não sente os movimentos fetais durante um ou dois dias, fica extremamente ansiosa pela possibil idade de morte do seu bebé.

Estes movimentos constituem também uma forma de comunicação e promovem a relação materno-fetal. É muito antes do nascimento que a interacção mãe-fi lho se inicia, o estabelecimento deste vínculo, dá começo à vida emocional do Ser Humano e transporta consequências para o seu desenvolvimento (Duque, 2004).

É também neste trimestre, que o desempenho sexual surge com maior intensidade, por vezes acontece que algumas mulheres experimentam pela primeira vez o orgasmo e se sentem mais adultas. (Maldonato, 1976)

Apesar de tudo o que foi acima referido, este trimestre é um período que na gestação é caracterizado por relativa tranquilidade e confiança.

O terceiro trimestre, é um período onde a ansiedade se encontra muito presente, relacionada com a proximidade do parto. Manifesta-se como aguda nos dias que antecedem o parto e intensifica-se mais ainda, quando a data prevista é ultrapassada. Os mais diversos medos podem surgir; como o medo de morrer no parto, de ficar com a vagina permanentemente alargada, de não ter leite suficiente, entre outros. Os variados sonhos e fantasias são o reflexo destes medos constantes. Segundo a mesma autora, expressam o temor universal de ter um filho com alguma deficiência, funcionando como uma forma de orientar a ansiedade e tensões crescentes com o aproximar da hora do parto.

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A diminuição da líbido, fadiga, idas constantes à casa de banho e o sono constantemente interrompido pela tentativa de encontrar uma posição confortável (McIntyre, Carvalho, & Milhazes, 1997), entre outros sintomas, encontram-se muito presentes neste trimestre.

Segundo Maldonato (1976), nesta fase, os sentimentos são contraditórios, manifestando-se o desejo de terminar a gravidez e ao mesmo tempo que esta seja prolongada, devido à necessidade de fazer novas adaptações exigidas pela chegada do bebé.

Já no final da gravidez, Prestrello (1974) refere que para a maioria das mulheres o feto deixa de ser um corpo estranho e passa a ser um ente, a quem a grávida está unida. Eis que então, surge o medo da separação, o medo de ao dar à luz perder de certa forma o seu filho; contudo, a primeira mamada atenua o trauma do nascimento, da separação mãe-fi lho.

A ansiedade, definida como “reacção emocional evidenciada por manifestações comportamentais latentes ou manifestas e por alterações fisiológicas relacionadas com o funcionamento endócrino” (Klein, 1964, p. 66; op. cit. Maldonato, 1976) faz parte integrante do Homem, uma vez que tem a função importante de alertar a pessoa para enfrentar o agente responsável pela tensão. Assim, vendo a gravidez como um momento de crise, onde a estabilidade é posta em causa perante a necessidade de adaptação a uma nova condição, que é o nascimento do bebé, a presença de um certo grau de ansiedade faz parte integrante deste processo de adaptação. Contudo, quando esta se torna excessiva e a mulher grávida passa ao uso patológico da ansiedade, poderão daqui decorrer algumas consequências que irão levar a complicações obstétricas fisiopatológicas.

Da patologia, sabe-se que aquando da gravidez, na mulher se verifica um aumento da circulação sanguínea em cerca de um terço; assim, a mulher grávida com a agravante da ansiedade, poderá a vir sofrer de hipertensão arterial no período da gestação.

Se na mulher com uma gravidez de baixo risco, estão presentes constantemente medos e dúvidas, como será afectada psicologicamente a grávida de alto risco?

Sendo a pré-eclâmpsia uma patologia que ocorre na grávida por volta da vigésima semana de gestação, manifestada por hipertensão arterial, edemas e presença de proteinúria; é necessário prestar cuidados adequados, mantendo os níveis de ansiedade no mínimo.

As mulheres que sofrem de pré-eclâmpsia na gravidez, são mulheres que até à gestação sempre apresentaram níveis de tensão normais; contudo seriam demasiado ansiosas. Esta ansiedade poderá ser o resultado de vários factores como: problemas familiares, dificuldades económicas, desemprego, má integração social…

Assim, quando os níveis de ansiedade se mantêm contínuos, o organismo já não tem capacidade para reagir bem a esta; as suas defesas corporais são esgotadas até ao l imite e as pessoas ficam mais vulneráveis, não só fisiologicamente, como também psicologicamente.

As grávidas com pré-eclâmpsia, são mulheres que poderão ficar terrivelmente ansiosas ou deprimidas (Colman & Colman, 1994, op. cit. Leal, 1997). Viverão sentimentos mistos de exaltação e incerteza sobre um pano de fundo, no qual ocorrem constantemente estados de ansiedade e depressão.

Esta patologia pode ser como um ciclo vicioso de grande risco para a mãe e feto. Tendo em conta que a pré-eclâmpsia pode surgir devido a elevados níveis de ansiedade, o seu diagnóstico produzirá também elevados níveis de ansiedade.

Estas grávidas encontram-se numa situação muito especial. A ansiedade patológica de que sofrem tem tendência para aumentar sempre, até ao termo da gravidez.

Conscientes de que a possibi l idade de ocorrer um aborto expontâneo é acentuada, de que é a patologia que mais mortalidade e morbilidade causa na gravidez, que esta patologia só tem cura com o nascimento do feto e que a probabilidade de vir a ter novamente pré-eclâmpsia numa outra gravidez é quase certa; são em si mesmos factores mais que suficientes para aumentar ainda mais os níveis de ansiedade.

O medo da mortalidade, não só da mãe como também do bebé, causa na grávida e no seu companheiro sentimentos de angústia, ansiedade, stress, incerteza; o que agrava ainda mais a situação de risco. Certas investigações, apontam que os elevados valores de ansiedade têm sido responsabil izados por perturbações e complicações do parto com o aumento de morbilidade e mortalidade no bebé e mãe. (Pelechano & Matub, 1990; op. cit. McIntyre, Carvalho, & Milhazes, 1997).

Muitas vezes o diagnóstico desta doença, implica que a grávida passe resto da sua gestação internada, o que poderá ser também um outro factor para aumentar a sua ansiedade. Inúmeros são os sentimentos vivenciados aquando da hospital ização. A solidão devido ao isolamento; a inactividade forçada; a consumação

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inesperada e abrupta do parto, muitas vezes prematuro, em que o medo da morte ou das sequelas decorrentes da prematuridade; e ainda sentimentos de culpabilidade por não ser capaz de ter uma gravidez normal.

O facto de estar fora do seu ambiente familiar, a incerteza do tempo de internamento e a dúvida de sucesso do tratamento são desesperantes para ambos os parceiros e restantes familiares. A necessidade da educação para a saúde e no internamento a promoção de um ambiente seguro e calmo que proporcione o repouso, é vital nos cuidados a estas futuras mamãs, tal como o estabelecimento de uma boa relação de ajuda, apoiando a gestante especialmente a nível emocional. (Tiago, 2004)

Os casais que passam por todo este “pesadelo”, correm um enorme risco de perder o fi lho planeado, desejado, amado e imaginado, é muitas vezes, a concretização de um sonho que cai por terra.

As angústias e ansiedades, fantasias e atitudes, ajustamentos e vivências pelas quais o “casal grávido” passou durante a gestação, acabam como por ser apenas vivências necessárias para a concretização de um projecto de vida a longo prazo, que é a maternidade, que envolve a prestação de cuidados e a dádiva de cuidados e trocas de afectos que irão assegurar um desenvolvimento sadio e harmonioso à criança (Leal, 1991; op. cit. Duque, 2004).

6 – REFLEXÃO

Quando se recebe a notícia que dentro de nós existe um “ser ” a se desenvolver e ganhar vida, os sentimentos vividos são de tal forma que por vezes as lágrimas se misturam com todo o tipo de emoções.

Ocorrem pequenas mudanças que irão dar um novo sentido à vida do casal, todos os dias o corpo da mulher sofre alterações, e o seu ventre desenvolve-se como que dizendo que está presente. Esta transformação, apesar de poder deixar na mulher uma sensação de menos elegância, acaba por ser recompensada, af inal o seu bebé está a crescer todos os dias mais um pouco, a sua presença já é notável, todos os familiares e amigos o notam e perguntam de como está o membro mais novo da famíl ia a passar.

Toda a vida do casal gira em torno da sua vinda, este mesmo antes de nascer já faz parte do quotidiano familiar. Neste momento “um, mais um, não são dois, mas sim três, ou mais...”, o que deixa no casal uma sensação de plenitude, deixando-os maravilhados por esta sua nova condição. A expectativa e ânsia, depositadas nesta nova vida, é mais que muita, tal como a alegria que a envolve.

Nem por um minuto se imagina que poderão surgir complicações durante a gravidez; repletas de incertezas, medos, dúvidas em relação ao bom termo da gravidez.

Quando surgem as complicações e o alerta para os riscos que correm, o mundo parece desmoronar, com a ideia de uma possível perda. Nada mais parece ter importância, a preocupação é constante com o bem-estar do pequeno ser e sua mãe.

Perante o diagnóstico de pré-eclâmpsia, o casal passa por momentos de extrema ansiedade, todos os seus sonhos, todos os planos feitos com este poderão não passar muito além de um sonho.

A transparência de alegria e brilho dos olhos do casal é transformado em tristeza. O medo de perder o filho tão desejado tira o prazer por outras coisas da vida. Tudo gira em torno da incerteza.

Viver com a ideia constante da perda, exige um grande gasto de energia por parte do casal, que está disposto a tudo para que tudo corra da melhor forma e possa ver finalmente o rosto de tão esperado ser...

III – Conclusão A pré-eclâmpsia é caracterizada principalmente pelo aparecimento da hipertensão arterial a partir da vigésima semana de gestação, está também associada ao aparecimento de edema e proteinúria. Esta patologia é uma das causas principais de mortalidade e morbilidade durante a gestação.

A causa da sua sintomatologia concreta, ainda não está cientificamente comprovada. Algumas teorias defendem, que a pré-eclâmpsia resulta de algum tipo de auto-imunidade, ou de alergia, na mãe, em decorrência da presença do feto. Outras porém, fundamentam a sua teoria af irmando que esta é causada pela secreção excessiva de hormonas placentárias, no entanto ainda não se encontrou nenhuma prova de base hormonal. É de salientar ainda outros sintomas que lhe estão associado tais como a ocorrência do vasospasmo arterial em muitas partes do corpo da mãe, sendo os órgãos mais afectados os rins, cérebro e fígado.

O acontecimento mais evidente em todo o processo de pré-eclâmpsia/eclâmpsia, consiste na redução do fluxo sanguíneo útero-placentário, precedente da hipertensão.

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Apesar da incidência praticamente irrelevante (0,3%), possui repercussões na vida materna e feta l, contribuindo para o mesmo a existência de alguns factores de risco.

Concluímos ainda, que para uma grávida com pré-eclâmpsia é essencial um adequado acompanhamento e aconselhamento, uma vez que a cura só é possível com o parto. A nível psicológico é necessário um forte apoio emocional, uma vez que al iada à pré-eclâmpsia são vivênciados os sentimentos que provocam ansiedade, levam à solidão desencadeada pelo possível isoladamente imposto pela manutenção de uma ambiente tranquilo e por vezes uma inactividade forçada decorrente da hospital ização.

Com este trabalho, considerou-se que se atingiram os objectivos estabelecidos inicialmente. Todavia, foram sentidas algumas dificuldades em encontrar dados relativos aos aspectos psicológicos, uma vez que estes são subjectivos, e não foi possível contactar directamente com uma grávida nesta situação, obtendo assim experiências pessoais. Embora tenha havido um empenho por parte do grupo para efectuar uma entrevista informal com uma grávida que padecesse desta patologia, tal não foi possível, por falta de disponibilidade e recusa em dar informações. Por se tratar de algo tão pessoal, e penoso para os intervenientes não se insistiu na execução da entrevista.

IV –Bibliografia (s.a.) (2004) Pré-eclâmpsia. URL: http://www.e-familynet.com/pages.php/pt/000/eclampsia.htm Bobak, I. M., & Perry, S. E. (1995). Enfermagem na Maternidade: Hipertensão, Hemorragia e Infecções maternas. Burroughs, A. (1995). Uma introdução à enfermagem materna. (pp. 327-330; 6ª Edição) Porto Alegre. Cristie, E. (2004) Saúde Publica. URL: http: // www.saudeplena.br/noticias/index_html?opcao=03-0812-

hipertensao Duque, C. (2004). Psicologia da Gravidez e da Maternidade. Texto de Apoio, 4ºCLE. Faro: ESSaF, Universidade do

Algarve. Equipe ABC da Saúde (2004). Gestação e hipertensão. URL: http: www.abcdasaude.com.br/artigo.php?211 Goyton & Hall. (2002) Tratado de Fisiologia medica. (p.890, 10ª edição). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Graça, L. M. (1996). Hipertensão arterial na gravidez (pp. 589-606). Medicina Materno-Fetal – Fundamentos e Pratica

Clínica, vol. I. Lisboa: Quadricor. Leal, I. (1997). Transformações sócio-culturais da gravidez e da maternidade: correspondente transformação

psicológica (pp. 201-214). In. J. L. Pais Ribeiro (Editor), Actas – 2.º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, Braga. Actas. Lisboa: ISPA.

Maldonato, M. T. P. (1976). Aspectos psicológicos da gravidez, do parto e do puerpério (pp. 11–35). Psicologia da Gravidez – Parto e Puerpério. Petrópolis: Editora Vozes.

Maldonato, M.T.P. (1976). Revisão crítica dos estudos sobre os aspectos psicossomáticos da gravidez e do parto. (pp. 66–72). Psicologia da Gravidez – Parto e Puerpério. Petrópolis: Editora Vozes.

McIntyre, T., Carvalho, P., & Milhazes, G. (1997). Ansiedade e depressão no processo gravídico: dados preliminares (pp. 231 - 251). In. J.L. Pais Ribeiro (Editor), Actas – 2.º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, Braga. Lisboa: ISPA.

Mendes, M. L. (1991). Curso de Obstetrícia. (pp.175-182, 1ª edição). Centro Cultural da Maternidade dos HUC: Gráfica de Coimbra.

Perestrello, D. (1974). Aspectos psicológicos do ciclo Grávido – Puerperal (pp. 243 – 248). In J. Rezende (Org.), Obstetrícia (2.ª Edição). Rio de Janeiro:

Queenan, J. (1987). Tratamento da pré-eclampsia e eclâmpsia (pp. 489-493). Gravidez de alto risco. (2ª Edição). São Paulo: Editora Manole.

Rezende, J.; Montenegro, C. A. (1992). Toxemia Gravídica: Pré-Eclâmpsia/Eclâmpsia (pp. 233-245). Obstetrícia Fundamental (6ª edição). Brasil: Guanabara Koogan.

Ribeiro, M. C., & Carvalho Teixeira, J. A. (1997). Intervenção psicológica em programas de saúde materno-infantil no sistema de cuidados de saúde materna. (pp. 399-411). In. J. L. Pais Ribeiro (Editor), Actas - 2.º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, Braga. Lisboa: ISPA.

Vieira, J. (2004) Textos de Apoio, 4ºCLE. Faro: ESSaF, Universidade do Algarve. Ziegel, E. E.; Cranley, M.S. (1985). Gravidez de risco: Complicações Obstétricas (pp.265-280). Enfermagem Obstétrica

(8ª edição). Brasil: Editora Guanabara.

Anexos

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Anexo 1 – Tratamento para a Pré-eclâmpsia moderada protocolado no serviço de Obstetrícia do HDF

Anexo 2 – Tratamento para a Pré-eclâmpsia grave protocolado no serviço de Obstetrícia do HDF

PRÉ –ECLÂMPSIA MODERADA

HOSPITALIZAÇAO OU CONTROLO EM AMBULATÓRIO

Avaliação Materna

Avaliação Fetal

# 37 semanas !37/39 semanas !40 semanas

Hipertensão persistente Proteinúria persistente Testes laboratoriais alterados Crescimento fetal alterado Paciente pouco colaborante

Bishop ! 6 Peso fetal CTG não reactivo Alterações visuais Cefaleias persistentes

Labutalol

PARTO

Internamento hospitalar

Internamento se condições se alteram

Controlo em casa com avaliação frequente de TA e proteinúria

! 34 semanas de gestação

Hemorragia vaginal Rotura prematura de membranas Grávida em trabalho de parto Sinais de “alarme” – cefaleias

persistentes, náuseas, vómitos, dor epigástrica e alterações visuais

PBF alterado Eclâmpsia

Labutalol

PARTO

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PRÉ–ECLÂMPSIA GRAVE

Sofrimento fetal

Sofrimento materno

Alterações da FCFetal

Gravidez 34 !semanas

PARTO

GRAVIDEZ

# 23 semanas 24 – 31 semanas 32 – 33 semanas

Aconselhamento a interrupção da gravidez

Esteróides Anti-hipertensivos Avaliação diária da condição fetal e materna

Esteróides Parto em 48 horas

INTERNAMENTO

Labutalol

Anti-hipertensivos se TA diastólica ! 110

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Anexo 3 – Tratamento para o Síndrome de HELLP protocolado no serviço de obstetrícia do HDF

FIM

SUSPEITA DE SINDROME DE HELLP

Dor epigástrica / dor no hipocôndrio direito Ganho excessivo de peso Hipertensão sistólica recente Hipertensão – Proteinúria – Edema

Trombocitopénia gestacional HELLP muito inicial Púrpura trombocitopénia

Hemograma com contagem de plaquetas

AST / LDH Normal

Plaquetas " 150000/uL Aumentado

Provável HELLP

AVALIAÇAO MATERNA E FETAL

Plaquetas " 100000 / uL Plaquetas $ 100000 - " 150000 / uL

Classe 1 P#50000/uL

Classe 2 P 50 – "100000 /uL

Classe 3 de HELLP

Iniciar Dexametasona 10mg EV 12/12h Monitorizar a progressão da doença

PÓS PARTO Continuar dexametasona na mesma dose até: P$100000/uL Diminuição de LDH Melhoria da Pré-eclâmpsia Depois 5mg de 12/12h – 2 doses

Parto se: 1.Clase 1,2: sem resposta à Dexa. em 12h 2. Idade gestacional ! 34 s ou ! 2400 gr 3. Evidência de compromisso fetal 4. Evidência de compromisso materno

Gravidez 28 – 33 semanas Terapêutica individualizada

Gravidez "27 s ou " 800gr Atrasar o parto para 48h de dexa. Conseguir estimativas de peso ! 800 gr Conseguir um peso ao nascer !600gr

ANTEPARTO

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Gravidez e Pré-HIV

Trabalho elaborado por: João Lopes; Paulo Martins; Pedro Preto

“Dizer que todas as pessoas têm os mesmos direitos e que não é por estarem doentes que merecem ser afastadas

é fácil. Mas se alguém da sua família ou circulo de amigo s ficasse infectado com VIH, como reagiria?” (o Grupo, 2004)

I – Introdução A SIDA é um flagelo perturbador e uma das maiores desgraças dos tempos que “correm”. Pela impotência da Medicina em controlar a sua gravidade clínica, pelos seus modos de transmissão, pela sua explosão recente e brutal, tem vindo a suscitar, em todo o mundo, os mais diversos medos e fantasmas. Qual o motivo para tantos fantasmas em torno de uma doença que mata menos que o cancro e as afecções cardiovasculares? Talvez porque é de rápida expansão, atingindo sobretudo os jovens e porque, tal como a vida, transmite-se pelas secreções sexuais e pelo sangue, podendo mesmo ameaçar o feto no ventre de uma mãe afectada. A transmissão do HIV à criança durante a gravidez é no entanto um acontecimento não muito frequente, e com tendência a diminuir dado o avanço da terapêutica anti-retroviral. nos países industrial izados o risco de uma mulher seropositiva transmitir a infecção ao recém-nascido é de 15 a 20%, enquanto que no continente africano chega a atingir os 40%. Por tudo isto, a relação entre a gravidez e a seropositividade permanecerá um fenómeno quantitativamente importante e em potencial crescimento.

O estigma e a discriminação que assombram os indivíduos com VIH/SIDA está fortemente associada a sólidos tabus existentes na sociedade, porque a maioria das pessoas desconhece o que é a SIDA, como se transmite e associa a doença a comportamentos de risco como o uso de drogas, sexo, doença prolongada e morte.

Um doente – a grávida – ao saber do seu diagnóstico de seropositividade ou de SIDA sofre implicações profundas no seu funcionamento psicológico, são vistos como uma ameaça de morte por si e pelos outros. Esta situação é vivida de maneira diferente pelos sujeitos infectados devido às características individuais de cada um.

No âmbito da unidade curricular Psicologia V, 3º ano 1º semestre que se insere no 4º Curso de Licenciatura em Enfermagem, da Escola Superior de Saúde de Faro, foi elaborado este trabalho que se intitula “A gravidez e o HIV”, de entre os propostos pela Prof.ª Celeste Duque.

Este trabalho tem como objectivo geral aprofundar conhecimentos sobre o VIH e a grávida infectada por este vírus. E os objectivos específicos são obter um maior conhecimento sobre o VIH/SIDA, tentar perceber o impacto do estigma e da discriminação nos indivíduos com esta doença assim como atingir uma maior compreensão dos aspectos psicológicos do doente, grávida, infectada pelo VIH.

A metodologia util izada para a elaboração deste trabalho foi a pesquisa bibliográfica e a consulta de documentos e informações aconselhados pela docente da unidade curricular.

Este trabalho foi estruturado de forma a constituir uma sequência para atingir os objectivos da sua realização e a tornar-se claro para o leitor. Este trabalho em três partes, Introdução, Enquadramento Teórico e Conclusões. Ao nível do enquadramento teórico serão abordados os conceitos de VIH e a SIDA. Em seguida, é referido o estigma e discriminação a que estes indivíduos (infectados) estão sujeitos e terminamos com o estudo dos aspectos psicológicos na doente (grávida) infectada pelo VIH. A conclusão das principais ideias do trabalho, vem estruturada no final. Por fim, as referências bibliográficas que nortearam este trabalho vêm referidas no quinto capítulo.

II – Enquadramento Teórico

1 – VIH E SIDA

Em todo o mundo a disseminação do vírus da imunodeficiência humana (HIV) continua em ritmo alarmante. Essa pandemia criou um impacto dramático e frequentemente devastador em muitos países. Embora se tenha aprendido muito sobre esta doença, não há previsão de cura no futuro imediato, prevendo-se que seja crescente o número de indivíduos infectados com HIV. Uma progressão que comprova o desaparecimento dos grupos de risco e, por consequência, a possibil idade da doença atingir todas as camadas da população.

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O Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) é um lentivírus da família dos retrovírus. É constituído por moléculas de ácido ribonucleico (ARN), com uma única cadeia e possui envelope formado por proteínas.

Existem dois tipos de vírus da imunodeficiência humana, o VIH-1 e o VIH-2. O VIH-1 é o vírus de imunodeficiência humana mais predominante, enquanto o VIH-2 se transmite com menos facil idade e o período entre a infecção e a doença é mais prolongado.

O vírus ao entrar no sistema sanguíneo começa logo a multiplicar-se, mas só passadas algumas semanas é que o organismo consegue produzir anticorpos. Ele infecta e multiplica-se dentro dos linfócitos T4, também conhecidos como células CD4, que fazem parte do sistema imunitário. Ao penetrar na célula, o VIH transforma o seu código genético de ARN em ADN, o que é possível através de uma enzima chamada transcriptase reversa, que lhe permite replicar-se e destruir estas células. Para completar o seu ciclo de reprodução, o vírus util iza ainda outras duas enzimas, a protease e a integrase.

Sob a acção do vírus, a função de defesa fica enfraquecida e deixa a pessoa infectada, ou seropositiva, mais vulnerável em relação à actuação de bactérias e vírus, que provocam as chamadas doenças oportunistas. É o caso de formas raras de pneumonia, toxoplasmoses, candidiasis, meningite criptocócica e cancros como o Sarcoma de Kaposi. Estas doenças são, normalmente, a causa de morte dos seropositivos, sendo bastante raras entre as pessoas que não sofrem de insuficiência imunitária.

As células CD4 são um elemento fundamental do sistema imunitário, porque são estas que informam outras companheiras sobre a necessidade de combater vírus. O VIH destrói as células CD4 e quando a sua contagem baixa, a resposta do organismo torna-se deficiente. O vírus cria, diariamente, dez milhões de novos vírus, destruindo outro tanto de células CD4. Todos os dias o organismo produz quase a mesma quantidade de células CD4 para repor a diferença, mas, a partir de certa altura, não consegue aguentar este ritmo. Se a contagem diminui para menos de 200 unidades por mili l i tro de sangue, diz-se que o seropositivo passou a ter SIDA.

A infecção com o VIH caracteriza-se por três fases diferentes. Ocorre primeiro o período de infecção aguda, até quatro semanas após o contágio e no qual o seropositivo é afectado por diversos sintomas pouco característicos, semelhantes aos de uma gripe, e cuja causa, normalmente, passa despercebida a doentes e médicos. Segue-se um período que pode durar dez a 15 anos (em alguns casos mais em outros menos), no qual, embora o vírus se continue a multiplicar, o seropositivo não apresenta quaisquer sintomas. Nesta fase, apesar de o vírus continuar a matar as células CD4, o organismo consegue repor quase a mesma quantidade de células mortas. A terceira fase, em que o seropositivo passa a ter SIDA, ocorre quando a contagem de células CD4 se torna muito baixa ou quando a pessoa é afectada por outra doença que a leva a um estado de imunodeficiência grave.

A SIDA não se trata, portanto, de uma doença mas de uma síndrome, ou seja, de um conjunto de sinais e sintomas que não dizem respeito apenas a uma doença. É uma síndrome de Imunodeficiência porque o vírus deixa o sistema imunitário deficiente; e é Adquirida, uma vez que resulta da acção de um agente externo do corpo.

1.1. Modos de transmissão O vírus VIH, responsável pela doença da SIDA, apenas pode transmitir-se de uma pessoa a outra se, uma vez presente no sangue ou nas secreções sexuais da primeira, consegue penetrar na circulação da segunda. Daí os principais transmissores da doença serem: o sangue, o esperma, as secreções seminais, o sangue menstrual e as secreções vaginais. A transmissão pode fazer-se de três modos:

• Relações sexuais; • Intercâmbio de sangue; • Intercâmbio perinatal de fluídos entre a mãe e a criança.

Os anticorpos ao VIH surgem 3 a 6 semanas após o contágio, podendo alongar-se até 6 meses, denominando-se este tempo de período de janela.

Em ocasiões excepcionais, o vírus pode ser encontrado numa concentração muito baixa na urina, nas fezes, na saliva e nas lágrimas. Médicos e cientistas põem fora de questão a transmissão do vírus através destes meios.

O VIH não se transmite pelo ar, por picadas de insectos, pela água, pela alimentação, nem pelo contacto com a pele sã.

Se as regras elementares de higiene forem respeitadas, não há qualquer risco em viver ou conviver com os portadores do vírus ou doentes da SIDA.

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1.1.1 Transmissão Sexual

A transmissão sexual é, hoje, o principal modo de contágio. Ela faz-se do homem para a mulher ou da mulher para o homem (relações heterossexuais) e de homem para homem e mulher para mulher(relações homossexuais), através do contacto com uma secreção infectada ou com uma mucosa. A transmissão nas relações heterossexuais é mais comum do homem para a mulher, do que o contrário, porque o sémen é mais virulento do que os fluidos vaginais A mucosa que reveste o pénis, a vagina e o ânus é mais frágil do que a pele que reveste todas as outras superfícies do nosso corpo. Por isso pode permitir, a passagem do vírus VIH para o sangue. Por vezes, existem pequenos ferimentos invisíveis (podendo alguns ser causados por doenças de transmissão sexual) no pénis, na vagina ou no ânus que, igualmente, facil itam a entrada do VIH na circulação. Certas mucosas são ainda mais permeáveis do que outras. A mucosa anal, por exemplo, é mais frágil do que a mucosa vaginal, por isso é a que apresenta mais risco. Tanto o esperma, como as secreções vaginais de indivíduos infectados, pelo facto de conterem linfócitos parasitados pelo vírus, são altamente contagiantes, sempre que há uma relação sexual com penetração. O beijo nos orgãos sexuais comporta um verdadeiro risco tanto relativamente à expulsão de esperma, como à existência das secreções vaginais.

1.1.2. Intercâmbio de sangue

Transmite-se no caso de sangue infectado pelo VIH, entrar dentro do organismo de outra pessoa. A util ização de drogas, por via endovenosa, é uma forma de contágio, sempre que houver troca de seringas e agulhas que serviram para outros toxicodependentes. Estes, quando se injectam com droga, por meio de uma seringa, introduzem a agulha numa veia e aspiram um pouco de sangue que se mistura com a droga. Se passam as seringas e agulhas uns aos outros, ao mesmo tempo que injectam a droga, correm o risco de injectar parte do sangue de quem esteja contaminado pelo vírus. Não é a droga que transmite o vírus, mas sim as seringas e agulhas sujas de sangue contaminado.

Desde 1986, em Portugal, o risco de infecção através de transfusões de sangue ou produtos dele derivados é praticamente inexistente. Nos Centros de Instituto Português do Sangue e em todos os Serviços de Sangue Hospitalares é obrigatória a realização dos testes de detecção do anticorpo contra o vírus VIH-1 e VIH-2 da SIDA, o que implica a rejeição de todos os sangues contaminados.

Nos serviços de saúde houve relatos de infecção por VIH em indivíduos picados por agulhas com sangue contaminado e por entrada directa na corrente sanguínea através de ferimentos na pele e nas mucosas. Calcula-se que o risco de infecção por VIH através de picada de agulha seja aproximadamente de 0,3%.

1.2. Intercâmbio perinatal de fluídos entre a mãe e a criança O VIH pode-se transmitir da mãe para o filho durante a gravidez, o parto e a amamentação.

A transmissão pode ocorrer durante a gestação (no útero), comprovada pela detecção de antigénios víricos em fetos e placentas e isolamento de vírus na altura do nascimento, em bebés infectadas, o que evidencia que a transmissão foi anterior ao parto.

Pode ocorrer durante o trabalho de parto e parto, por troca de sangue materno-fetal e pelo contacto do recém-nascido (RN) com sangue e secreções maternas. A transmissão durante a gestação é menos frequente e, na maioria das vezes, ocorre durante o trabalho de parto e parto. Um dos factores que influencia a transmissão é o estádio da infecção materna, uma vez que quanto mais avançada for a doença maior o risco de transmissão, ou seja, quanto maior a carga vírica plasmática ou uma contagem de células CD4 baixa, mais provável a transmissão. Outros factores que aumentam o risco são se as águas rebentarem pelo menos quatro horas antes do parto, se fizer um parto vaginal em vez de uma cesariana planeada, se o parto necessitar de uma episiotomia ou de forceps e se tiver uma infecção genital (uma doença sexualmente transmitida, como, por exemplo, a sífi l is). Ser infectada pelo VIH durante a gravidez, também aumenta o risco.

A transmissão pode ocorrer também durante a amamentação, uma vez que o leite materno apresenta na sua constituição um elevado número de células infectadas e vírus livres. Apesar de possuir também factores protectores tais como lactoferrina, mucinas, anticorpos anti-VIH e inibidor da protease secretória leucocitária, o tracto gastro intestinal do RN é, no entanto, mais sensível a ingestão de vírus devido à diminuição do muco e da acidez.

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fonte: Knuppel, R., & Drukker, J., 1996

1.3. Prevenção Quando uma mulher pensa em engravidar é necessário que se submeta ao teste do VIH com alguns meses de antecipação, porque existe um período de “janela” de 3 meses e que uma pessoa, pode já estar infectada, mas ainda não desenvolveu os anticorpos anti-VIH. Uma vez que o teste se baseia na detecção destes anticorpos, pode dar um resultado negativo inicial, pelo que deve ser repetido alguns meses mais tarde.

Nos tempos que correm, tem-se dado uma evolução no campo da prevenção, através da substituição do parto vaginal pela cesariana, da amamentação pelo leite artif icial e ainda o tratamento com AZT.

O risco de transmissão diminui se o bebé nascer por cesariana planeada e não através de um parto vaginal. Trata-se de uma “cesariana electiva”, é marcada para a 38ª semana de gravidez, ou realizada antes, se o tratamento de parto tiver início em data anterior. A investigação sugere que o tratamento contra o VIH durante a gravidez, a par com a cesariana planeada, podem reduzir o risco de transmissão a 2% (1 em 50). O parto por cesariana pode constituir risco para a mãe, visto que esta está imunodeprimida, tendo maiores probabilidades de contrair infecções durante a intervenção e ficar particularmente debilitada.

Se a mãe amamentar o filho o risco de infecção aumenta sensivelmente numa proporção de um para três, assim as mulheres são aconselhadas a não amamentar e a uti l izar leite artif icial.

1.4. Diagnóstico Os métodos mais comuns para diagnóstico de infecção por VIH são os testes sorológicos.

O diagnóstico faz-se a partir de análises sanguíneas para detectar a presença de anticorpos ao VIH. Estes anticorpos são detectados, normalmente, apenas três a dez semanas após a fase aguda, não podendo haver uma certeza sobre os resultados nos primeiros três meses após o contágio. As primeiras análises a um infectado podem dar um resultado negativo se o contágio foi recente, por isso, os testes devem ser repetidos três meses após a primeira análise. O período em que a pessoa está infectada, mas não lhe são detectados anticorpos, chama-se «período de janela».

Aos seropositivos realizam-se também testes de carga viral para aval iar o nível de VIH no sangue. Estes, juntamente com os exames para efectuar a contagem de células CD4, são fundamentais para fazer um prognóstico sobre a evolução da doença. Se a carga viral for elevada e a contagem das CD4 baixa, então, se o seropositivo não começar a fazer tratamento, a doença progredirá rapidamente. Os testes à carga viral são, igualmente, importantes para aval iar a reacção do doente aos tratamentos.

Estes exames são, geralmente, repetidos de três em três meses.

No caso dos recém-nascidos, fi lhos de mãe seropositiva, os testes aos anticorpos só têm completa validade ao fim de 18 meses, já que os anticorpos existentes no seu organismo podem ter sido herdados da mãe. Ao fim desse período, se a criança não apresentar anticorpos é porque o VIH não se encontra presente e o bebé torna-se seronegativo. Nestes casos, pode também fazer-se uma análise para detectar a presença de material genético do vírus.

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1.5. Manifestações clínicas Os indivíduos com infecção por VIH desenvolvem um grande número de doenças resultantes da imunossupressão induzida pelo vírus. Após a doença aguda por VIH, predominam as doenças orais, cutâneas e pulmonares nos pacientes na fase inicial e na fase média da doença.

Subsequentemente, nos últimos estadios da infecção os indivíduos frequentemente apresentam infecções oportunistas e/ou tumores malignos que acometem mais frequentemente o sistema respiratório, gastrointestinal e o SNC.

1.5.1. Infecção aguda por VIH

A fase aguda da infecção com VIH ocorre uma a quatro semanas após o momento do contágio. Algumas pessoas apresentam sintomas semelhantes aos de uma gripe como cefaleias, suores, mia lgias, artralgias, dores de estômago, fadiga, disfagia, l infadenopatia e um leve prurido. Por vezes pode ocorrer neste período hepatoesplenomegália e ulcerações da mucosa (oral, vaginal).

Algumas pessoas também perdem peso e outras, ocasionalmente, podem perder a mobilidade dos braços e pernas, mas recuperam-na passado pouco tempo. A fase aguda da infecção com VIH dura entre uma a três semanas. Todos recuperam desta fase, em resposta da reacção do sistema imunitário, os sintomas desaparecem e observa-se um decréscimo da carga viral.

Os seropositivos vivem, depois da fase aguda, um período em que não apresentam sintomas, embora o vírus esteja a multiplicar-se no seu organismo o que pode prolongar-se por diversos anos. É neste período que se encontram, actualmente, 70 a 80 por cento dos infectados em todo o mundo.

1.5.2. Lesões cutâneas

Nos indivíduos infectados ocorre um grande número de doenças: bacterianas, virais e fúngicas.

O sarcoma de Kaposi é provocado por um herpes vírus, apresenta-se com pápulas ou nódulos roxo-avermelhados, podendo surgir em várias regiões da pele. Pode também desenvolver-se em outros sistemas, como nos pulmões ou no tracto gastro-intestinal. O diagnóstico é feito por biopsia da lesão e estudo histológico.

A dermatite seborreica é uma manifestação inicial comum da infecção. É uma infecção fúngica. O diagnóstico é baseado no quadro clínico.

A infecção por herpes zooster pode aparecer em qualquer estádio da infecção e em alguns casos pode ser a primeira manifestação da infecção por VIH, vesículas agrupadas e dolorosas ao longo de um dermátomo.

1.5.3. Lesões orais

A candidíase oral (candida albicans) é muito comum. Os sintomas dependem frequentemente do grau de infecção e podem incluir dor e alteração do paladar.

No estadio final da infecção por VIH também é frequente a infecção oral por HSV, lesões vesiculares nos lábios ou na faringe, lesões ulcerativas da l íngua, gengivas, faringe e palato que não regridem espontaneamente.

1.5.4. Lesões pulmonares

O streptococcus pneumoniae é a causa mais comum de pneumonia grave nos indivíduos infectados.

A pneumonia por Pneumococcus carinii é a infecção oportunista mais comum na SIDA.

1.6. Tratamento Não foi ainda encontrada uma cura, ou seja, um modo eficaz de eliminar totalmente o VIH do organismo.

A primeira droga especif icamente aprovada para tratamento da SIDA foi a Zidovudina (AZT - azidotimidina) – bloqueia a síntese de DNA viral. O AZT é um Anti-infeccioso, Antivírico e Antiretrovírico com actividade específica contra o VIH. Tem como reacções adversas a anemia, neutropénia, leucopénia, naúseas, vómitos, epigastralgias, flactulência, diarreia, anorexia, hepatoesplenomegália, mialgias, cefaleias, ansiedade, depressão, insónia, dispneia, tosse, erupções cutâneas, prurido e urticária.

Actualmente, os tratamentos existentes são compostos, normalmente, por mais do que um medicamento, que reduzem a carga viral e atrasam os danos que o vírus pode provocar no sistema imunológico. Com a toma dos medicamentos existentes, a quantidade de vírus no sangue começa a decrescer ao fim de poucas horas. Na

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maior parte das pessoas que tem acesso ao tratamento, 99 por cento do vírus é eliminado ao fim de quatro semanas e, ao fim de quatro a seis meses, a maior parte passará a ter “VIH não detectável”.

Os medicamentos anti-retrovirais podem ser administrados em qualquer fase da infecção, seja no período sem sintomas, seja mesmo quando o doente já entrou na fase de SIDA. O principal objectivo do tratamento é reduzir a quantidade de vírus até um ponto em que se torna quase imperceptível (20 a 50 por mili l itro de sangue). Quando isto acontece e a quantidade de vírus no sangue é baixa, significa que o vírus se está a reproduzir de forma mínima, que sofre menos mutações (ficando menos resistente aos medicamentos) e que a doença não está a progredir.

Existem três tipos de medicamentos util izados no tratamento da infecção com VIH, que actuam de formas diferentes e em diferentes fases do ciclo de reprodução do vírus. Os medicamentos são, geralmente, util izados em conjunto para a obtenção de resultados mais eficazes e prolongados.

Existem outras situações e razões para começar ou não começar o tratamento. Se as CD4 forem inferiores a 50, o tratamento deve ser iniciado de imediato, porque o sistema imunitário está muito afectado e o organismo bastante vulnerável. E depende também da pessoa estar ou não em condições de iniciar um tratamento médico complexo, que pode envolver a toma de 20 ou mais comprimidos por dia, que têm diversos efeitos secundários, e que poderá ter de ser tomado durante anos ou décadas.

O tratamento não deve ser adiado se as CD4 são inferiores a 200 e, especialmente, se forem inferiores a 50.

O chamado “cocktai l”, conjunto dos diversos medicamentos prescritos, deve ser tomado todos os dias e às horas programadas. Não se deve interromper a toma de determinado fármaco e continuar com os seguintes, porque um dos medicamentos, se tomado isolado, pode prejudicar o organismo.

Os seropositivos têm também de se preocupar com outras infecções que possam surgir e com os efeitos secundários provocados pelos medicamentos anti-retrovirais e tratá-los seguindo as instruções do médico.

Os medicamentos anti-retrovirais provocam diversos efeitos secundários, como náuseas, cansaço, vómitos, diarreia e dores de estômago, de cabeça e musculares. Alguns tratamentos podem também provocar l ipodistrofia (má distribuição de gordura no organismo), aumento da gordura no sangue e diabetes.

Os diversos efeitos secundários devem ser comunicados ao médico e tratados para não enfraquecerem ainda mais o organismo do seropositivo e para que, eventualmente, o tratamento seja alterado.

2 – ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO A preocupação com o estigma e a discriminação nos doentes com VIH/SIDA não é nova, tem raízes longínquas. Tem sido descrito como a qualidade que “desacredita significativamente” um indivíduo aos olhos dos outros. Provoca, também, importantes consequências na forma como o indivíduo se vê a si próprio. O estigma do VIH e da SIDA está relacionado com os profundos tabus existentes na sociedade. Para a maioria das pessoas a SIDA está fortemente associada ao uso de drogas, sexo, doença prolongada e morte, assuntos sobre os quais muitas pessoas têm dificuldade em falar abertamente. “(...)essas pessoas estão assim ou porque são prostitutas, ou porque se drogam. Em toda a minha vida nunca me droguei, nem sequer experimentei fumar um charro. Por causa deste tipo de atitudes é que eu não contei nada à minha família.” (Testemunho: Madalena, 35 anos)

Existem também, em muitas sociedades, grandes níveis de ignorância, medo, rejeição e intolerância, relativamente à doença em si. O estigma e a discriminação nascem da profunda combinação da vergonha com o medo. “É sempre constrangedor ter de dizer à outra pessoa que se é seropositivo, porque se tem medo da reacção do outro, que não nos aceite.” (Testemunho: Manuel, 37 anos). Eles são desencadeados por muitas forças, incluindo a falta de compreensão da doença, os preconceitos, os mitos sobre a forma como o VIH se transmite, a informação irresponsável dos meios de comunicação social acerca da epidemia, a falta de tratamento, o facto da SIDA ser incurável, os receios relacionados com a doença e morte e os receios acerca de drogas il ícitas e da util ização de drogas injectáveis.

Este tipo de sentimentos podem levar os indivíduos que vivem com VIH, ao desespero, falta de auto-estima e à depressão. Quando o medo e a discriminação prevalecem, os indivíduos podem dificultar a prevenção, uma vez que têm medo de saber se estão infectados e receiam a reacção dos outros. Podem, também escolher não tomar precauções para se protegerem, de forma a evitarem ser associados ao VIH. Assim, aqueles que correm o risco de ficarem infectados e também aqueles que já estão infectados, continuam a ter comportamentos de risco, como a manutenção da prática de sexo desprotegido, uma vez que a alteração dos seus padrões de vida poderia suscitar

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suspeitas acerca do seu estado de seropositividade. A discriminação tem sobre estas pessoas um efeito devastador, tem um poder imenso que as consegue relegar para a solidão e para o isolamento. “Eu fechava-me, não falava com ninguém, para me ajudar a senhoria pôs-me tudo na rua, despediram-me, tinha medo...” (Testemunho: Júlia, 35 anos). Uma das formas de discriminação é por vezes a atitude da entidade patronal, uma vez que os despedimentos e as transferências de posto são por demais evidentes. É óbvio que a seropositividade nunca é apresentada como sendo a causa destas decisões, mas o número de casos é elevado demais para ser apenas coincidência. Os patrões alegam razões como incompetência profissional, excesso de pessoal e elevados períodos de ausência do serviço para tratamento. “Durante a gravidez, desde os três meses até ao parto tive que estar de baixa. Quando regressei, o patrão não era o mesmo e apesar de ter justificações dos médicos para a minha ausência, o novo patrão já não me quis receber, sem qualquer argumento, nada.” (Testemunho: Júlia, 35 anos)

Elas vêm-se abandonadas pelos amigos, colegas de trabalho (quando o conseguem manter), por vezes são até rejeitadas pela própria família (“Ainda dizem que não há discriminação, nem estigma. Eu senti, e continuo a sentir, que a discriminação existe(...) Às vezes, até aqueles que nos são mais próximos, têm comportamentos discriminatórios” Testemunho: Madalena, 35anos), companheiros (“Quando ela nasceu, encontrámo-nos e fomos registá-la. Nesse mesmo dia, confessou que não queria viver comigo porque não estava para apanhar a doença. Desde ai, foi-se embora e nunca mais me apoiou.” Testemunho: Júlia, 35anos), o que pode levar em casos extremos ao suicídio – “...nem sei explicar, como é que eu apanhei isto? Só me queria suicidar.” (Testemunho: Júlia, 35anos). Tudo isto cria um ambiente propício a que a doença se propague mais facilmente.

É muito difícil para uma pessoa seropositiva lutar conta a discriminação (no emprego, na escola, no acesso a medicamentos) se estivermos desprovidos de um instrumento legal, que o ajude a conseguir que o seu direito seja salvaguardo. “Após os resultados, as empresas para quem trabalhávamos não nos renovaram o contracto, apesar de nos terem dito que o iam fazer. (...) durante algum tempo, ficámos desempregados.” (Testemunho: Madalena, 35anos). Assim, torna-se necessária a elaboração de legislação contra a discriminação, de modo a proibir que aqueles que estão infectados com VIH ou são doentes com SIDA, tenham um tratamento injusto e discriminatório, uma vez que este tipo de atitudes de que são vitimas, constituem uma violação dos Direitos Humanos. Por outro lado, a educação é, também, um passo importante na luta contra esta problemática , uma vez que grande parte da discriminação se deve à falta de conhecimento sobre esta doença. Educar a sociedade acerca do VIH/SIDA é de extrema importância, permitindo às pessoas compreenderem o impacto do estigma e da discriminação nas pessoas infectadas.

Se as pessoas seropositivas não forem discriminadas sentir-se-ão mais seguras em testar o seu estado serológico. Se infelizmente estiverem infectados poderão obter tratamento adequado, logo que possível, evitando assim espalhar a SIDA. A medicação levará à diminuição da carga viral na pessoa infectada, diminuindo assim a probabi l idade de infectar outros.

A pessoa com VIH usa máscaras, optando por uma vida dupla baseada na mentira, porque correm o risco de serem discriminadas e maltratadas. Ninguém gosta de viver escondido, mas há milhares de pessoas que são obrigadas a esconderem-se porque estão infectadas pelo VIH. A única forma de fazer progressos na luta contra a epidemia é substituir a vergonha pela solidariedade e o medo pela esperança.

O silêncio e a discriminação ajudam a matar!

3 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO DOENTE (GRÁVIDA) COM VIH

O adoecer implica no indivíduo portador de VIH/SIDA um ajustamento psicológico a uma nova situação. Este processo depende das características da personalidade do sujeito, do seu esti lo de adaptação, do significado que o sujeito atribui à doença e das características do suporte familiar e social que este possui. Esta adaptação dá-se em várias fases que são semelhantes a reacções de ajustamento: negação, raiva, agressividade e resignação. Quando o sujeito não consegue lidar com a situação, ocorre um distúrbio de ajustamento.

Um indivíduo aos saber do seu diagnóstico de seropositividade ou de SIDA sofre implicações profundas no seu funcionamento psicológico, uma vez que é visto como uma ameaça de morte por si e pelos outros. Esta situação é vivida de maneira diferente pelos sujeitos infectados, uma vez que é influenciada pelas características da personalidade de cada um e pelo seu sistema de crenças e valores sobre a saúde e a doença, afectando quer ao nível emocional quer do seu comportamento. A aval iação feita pela pessoa portadora do VIH/SIDA é influenciada também pelas diferenças individuais, pela quantidade de stress associada ao acontecimento e pelo conhecimento prévio que a pessoa possui acerca da doença e do apoio social. Estas pessoas infectadas podem apresentar diversas reacções psicológicas ao longo da adaptação á doença, uma vez que esta irá conduzir a uma autêntica revolução na sua vida.

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O sentimento de perda de controlo é normal nos indivíduos infectados visto que a doença é incurável. Por outro lado, o controlo médico regular provoca uma dependência em relação ao serviço e técnicos de saúde. Tudo isto provoca incerteza, uma diminuição do controlo pessoal sobre as opções de vida aliado com vivências de infelicidade, impotência e a limitação da auto-realização e liberdade.

A diminuição da auto-estima e a depressão são também frequentes nas pessoas portadoras desta patologia. Estes sentimentos são vivenciados devido à inevitável diminuição do estado de saúde, à ausência de cura, às l imitações provocadas pela doença ao nível sexual, social e profissional e a sentimentos de culpa associados ao facto da doença provocar estigma e discriminação.

Estes indivíduos na sua maioria são pessimistas e têm uma visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro, vivenciando sentimentos de culpa, insegurança, pensando no suicídio e que não há nada que valha a pena, nem que existe solução. Os sentimentos de culpa podem ser devido a eventualmente ter contagiado outras pessoas ou a uma punição por comportamentos que teve no passado (toxicodependência, violação, homossexualidade).

Por vezes estes indivíduos aumentam o consumo de álcool, drogas e os seus comportamentos sexuais com múltiplos parceiros, como forma de aliviar tensões e emoções insuportáveis. Estes comportamentos são modos de defesa contra a incursão de angústias e a aparecimento da agressividade. Pode eventualmente surgir sentimentos de frustração e raiva, devido à incapacidade para derrotar a doença, às restrições provocadas pela patologia e pela incerteza da evolução.

É muito normal o aparecimento de medos e ansiedade nos indivíduos infectados por VIH/SIDA. Os aspectos psicológicos relacionados com estes sentimentos são diversos:

• “Incerteza do prognóstico e do curso da doença; • Desfiguramento e debilitação; • !Efeitos dos tratamentos; • Isolamento, abandono e rejeição sexual; • Infectar outros ou ser infectado; • Capacidade do parceiro para lidar com a situação; • Perda de capacidades cognitivas, sociais e profissionais; • Disponibilidade e acessibilidade dos tratamentos médicos; • Ser identificado como homossexual ou drogado;

• Perda da confidencialidade e privacidade.” (Carvalho Teixeira, 1993)

As pessoas infectadas com VIH, são vulneráveis aos sentimentos de culpa, ódio de si, rejeição, ostracismo, assim como depressão e raiva. Um alto grau de ansiedade perdura por dois a três meses após o diagnóstico, podendo assumir a forma de crises de pânico, agitação, taquicárdia e comportamentos compulsivos como, por exemplo, ideias suicidas. A doença provoca na pessoa um grande impacto, um choque, que se deve em grande parte ao facto da população, da sociedade, adoptar medidas de repressão relativamente a esta terrível doença.

Existe uma ambivalência entre o sentimento de medo (do futuro, das reacções das outras pessoas, etc.) e esperança. Todos estes sentimentos geram stress emocional.

Os indivíduos portadores desta doença podem sofrer repercussões no funcionamento sexual. É frequente surgir a diminuição da libido, disfunção eréctil e diminuição de contactos sexuais nestes indivíduos.

Em particular, os homossexuais masculinos podem sentir a doença como uma espécie de punição, devido a sentimentos de culpa e angústia, provocando uma alteração profunda no seu esti lo de vida, comprometendo a sua identidade e sentimentos de pertença.

Estas repercussões no funcionamento sexual podem conduzir a comportamentos de risco face à disseminação da SIDA, como nos casos em que os infectados optam por assumir relações sexuais desprotegidas de modo a contaminar propositadamente os outros, tornando-se importante identificar os factores que levam à adopção deste tipo de comportamentos, com o objectivo de prevenir o alastramento desta epidemia. “Ela confessou. Era seropositiva. (...) Quando tivemos relações sexuais perguntei se ela tinha alguma doença. Disse-me que não, que não tinha nada. Perguntei porque é que ela fez o que fez. Respondeu-me que com o preservativo não atinge o orgasmo. (...) Juro que ainda hoje não sei como é que não a matei ali mesmo.” (Testemunho: Henrique, 38 anos). Alguns factores que podem funcionar como explicação são: “ Variáveis demográficas (idade, estatuto sócio-económico), uso de álcool ou drogas, estratégias de coping, suporte social e tomada de decisão que leva ao envolvimento em actividade sexual, entre outros.” (Carvalho Teixeira, 1993)

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A disrupção profissional e social é também sentida pelos indivíduos infectados, uma vez que estes podem ser impedidos de desempenhar com rigor o seu papel profissional e social. Existe um sentimento de dúvida em relação ao que dizer aos colegas de trabalho e amigos e a ameaça de um despedimento.

Muitos indivíduos optam por ficar de baixa ou abandonar o emprego, mesmo que a sua condição física ainda lhes permita trabalhar, optando por justificar a sua ausência com uma doença melhor aceite socialmente, como cancro, leucemia, etc.

As dificuldades são sentidas com maior intensidade em indivíduos com um suporte social reduzido, isolados, que culpam a sua sexualidade e esti lo de vida e que por acréscimo, têm dificuldades económicas ou profissionais.

“O ajustamento psicológico à infecção – VIH, é complexo e pode ser influenciado, não só pelas características próprias da doença em causas, mas também pela personalidade do sujeito, sua problemática, significado que atribui à doença, experiências anteriores de situações de ameaça à vida, antecedentes psicopatológicos suporte social, particularmente da família e do parceiro sexual.” (Carvalho Teixeira, 1993)

A SIDA é uma doença contagiosa, incurável e com mortalidade elevada, provocando num grupo significativo de mulheres infectadas uma problemática psicológica, que tenderá a descompensar com o impacto da seropositividade ou da SIDA declarada. O apoio social tende a ser limitado, quer por um distanciamento inicial da família de origem, quer por pertencer a grupos marginalizados ou pela sua situação provocar sentimentos ambivalentes e atitudes de rejeição por parte da comunidade.

A gravidez na mulher portadora de VIH/SIDA é simultaneamente uma transformação pessoal, biológica e social que coloca a mulher em contacto com sentimentos e significados latentes desde o nascimento, que de repente “vêm ao de cima” por uma mudança física poderosa, reflectindo-se através de todos os níveis psicológicos.

É tendo em conta esta problemática que a mulher grávida infectada pelo VIH terá que demarcar a sua conduta, definido como prioritário o seu bem estar psicológico, o da criança, o da família e onde a angustia, a dor, a felicidade e a alegria a acompanharão.

A gravidez e a maternidade vão obrigar a uma reorganização interna da família, levando assim a uma adaptação planeada ou repentina de todo o funcionamento familiar. A alteração do seu estado de saúde pode influenciar o pleno desempenho da maternidade, tornando-a mais difíci l, relativamente ao esforço físico, isolamento e estigma.

Pelo facto da mulher não poder trabalhar, quer por motivos de saúde quer pela gravidez, pode-se dar uma sobrecarga familiar, provocada pela expectativa de como irá correr o parto, como vai nascer a criança, se esta ficará doente e se a mãe sobreviverá o suficiente para cuidar do filho ou se este ficará entregue aos familiares.

A atitude da mulher seropositiva face à gravidez é um desejo, é uma aposta no futuro, acompanha-se de uma necessidade de ser mulher, fisiológica e socialmente. No caso de uma mulher com VIH/SIDA, esta é colocada em situação de escolha relativamente ao seu futuro e ao da criança, assumindo os riscos da contaminação. “(...) decidimos arriscar. (...) Às vezes, penso que posso estar a ser egoísta, mas o desejo de ser mãe fala tão mais alto...” (Testemunho: Madalena, 35anos)

Segundo Papiernik (2001) “Uma mulher seropositiva para o VIH que decida ter um filho para concretização do seu papel como mulher, reconhecido pela sociedade, dificilmente acompanhará a criança numa das fases decisivas de formação da personalidade, podendo esta coincidir com a infância ou adolescência. No entanto, algumas mulheres seropositivas para o VIH consideram que parir uma criança é condição indispensável à sua própria vida, talvez mesmo uma forma de dar ‘continuidade’ a uma vida que tem uma morte anunciada.”

Nos raros casos em que apesar de a grávida ter aderido às terapêuticas que lhe foram propostas, a infecção acontece na criança, dá-se um desmoronamento de uma esperança que mantiveram durante a gravidez. É uma sensação de perda irreparável, de revolta e de culpa que as poderá levar a desistir de tudo e, em casos extremos a abandonar o próprio fi lho, por acharem que são incapazes ou não merecem tê-lo. Nas mulheres com passado de toxicodependência é uma “boa razão” para retomarem os hábitos antigos.

Apesar do número de mulheres grávidas infectadas pelo VIH ser baixo, a gravidez é o momento ideal para a intervenção na área da educação para a saúde e da prevenção. A receptividade da mulher neste período é bastante favorável, uma vez que esta se encontra mais predisposta à reflexão sobre o seu comportamento sexual e sobre o risco. Nas mulheres seropositivas, a decisão de engravidar é mais influenciada por necessidades afectivas e factores psicossociais do que pela percepção do risco associado ao VIH.

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Segundo Canavarro (2001) “Os filhos são a possibilidade de continuidade de uma família, a possibilidade de transmissão de heranças diversas: genéticas, de costumes, valores e significados, de bens materiais e apelido de família. Significa continuidade, projecção e reparação pessoal no futuro, a possibilidade de transcender a dimensão temporal e enganar a morte encarada como fim, mas também a possibilidade de transmissão de uma herança algo pesada, o VIH.”

Ser mãe de uma criança seropositiva é como ser mãe de outra criança qualquer. Não existe diferença nenhuma, não obstante alguns cuidados adicionais em relação à sua saúde é uma criança como as outras, que gosta de brincar, que quer ser amada.

III – Conclusão O Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) é um lentivírus da família dos retrovírus. Existe o VIH-1 e o VIH-2. O VIH-1 é o vírus de imunodeficiência humana mais predominante, enquanto o VIH-2 se transmite com menos.

A infecção com o VIH caracteriza-se por três fases diferentes. Ocorre primeiro o período de infecção aguda, segue-se um período assintomático e na terceira fase o seropositivo passa a ter SIDA.

A SIDA não se trata de uma doença mas de uma síndrome, ou seja, de um conjunto de sinais e sintomas que não dizem respeito apenas a uma doença. É uma síndrome de Imunodeficiência porque o vírus deixa o sistema imunitário deficiente, e é Adquirida, uma vez que resulta da acção de um agente externo do corpo.

O vírus VIH, responsável pela doença da SIDA, pode transmitir-se de três modos, através das relações sexuais, do intercâmbio de sangue e do intercâmbio perinatal de fluídos entre a mãe e a criança.

A transmissão vertical (da mãe para o filho) pode ocorrer durante a gestação (no útero), durante o trabalho de parto e parto, por troca de sangue materno-fetal e pelo contacto do recém-nascido (RN) com sangue e secreções maternas, e durante a amamentação, uma vez que o leite materno apresenta na sua constituição um elevado número de células infectadas e vírus livres

O risco de transmissão diminui consideravelmente se a grávida três meses antes de engravidar ter começado o tratamento com os anti-retrovirais, se o bebé nascer por cesariana planeada e não através de um parto vaginal e se a mãe não amamentar e util izar leite artif icial.

O estigma do VIH e da SIDA está relacionado com os profundos tabus existentes na sociedade. Para a maioria das pessoas a SIDA está fortemente associada ao uso de drogas, sexo, doença prolongada e morte, assuntos sobre os quais muitas pessoas têm dificuldade em falar abertamente.

Este tipo de preconceitos podem levar os indivíduos que vivem com VIH, ao desespero, falta de auto-estima e à depressão.

A única forma de fazer progressos na luta contra a epidemia é substituir a vergonha pela solidariedade e o medo pela esperança.

O adoecer implica no indivíduo portador de VIH/SIDA um ajustamento psicológico a uma nova situação. Este processo depende das características da personalidade do sujeito, do seu esti lo de adaptação, do significado que o sujeito atribui à doença e das características do suporte familiar e social que este possui.

Esta adaptação dá-se em várias fases que são semelhantes a reacções de ajustamento: negação, raiva, agressividade e resignação. Quando o sujeito não consegue lidar com a situação, ocorre um distúrbio de ajustamento.

Os sentimentos vivenciados pelo doente – a grávida – com VIH são diversos: diminuição da auto-estima, depressão, sentimentos de culpa, insegurança, rejeição, ódio de si, raiva, pensando no suicídio e que não há nada que valha a pena, nem que existe solução, são pessimistas e têm uma visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro.

A gravidez na mulher portadora de VIH/SIDA é simultaneamente uma transformação pessoal, biológica e social que coloca a mulher em contacto com sentimentos e significados latentes desde o nascimento, que de repente “vêm ao de cima” por uma mudança física poderosa, reflectindo-se através de todos os níveis psicológicos.

A gravidez e a maternidade vão obrigar a uma reorganização interna da família, levando assim a uma adaptação planeada ou repentina de todo o funcionamento familiar. A alteração do seu estado de saúde pode influenciar o pleno desempenho da maternidade, tornando-a mais difíci l, relativamente ao esforço físico, isolamento e estigma.

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IV – Bibliografia Árias, F., (1994). Guia Práctica para el embarazo y el parto de alto riesco (2º Edição.) Mosby/Doyma Libros. Knuppel, R., & Drukker, J., (1996). Alto Risco em Obstetrícia – um enfoque multidisciplinar (2º Edição). Porto Alegre:

Artes Médicas. Wynnie, C., (2002). Sangue e Sistema Imunitário (1º Edição). Lisboa: Selecções Reader`s Digest. Casquilho, J., (1998). Um boletim para pessoas infectadas e afectadas por VIH/SIDA (2º Edição). Lisboa: Abraço. Andrade, M., (1992). Entre a SIDA e a Vida. Porto: Porto Editora. Carvalho Teixeira, J. A., (1993). Psicologia da Saúde e SIDA (1º Edição). Lisboa: ISPA. Pais Ribeiro, J. L., (1997). Actas – 2º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, Braga (1º Edição). Lisboa: ISPA.

FIM

Gravidez e Toxicodependência

Trabalho elaborado por: Rute Reis; Sofia Pinheiro; Susana Viegas; Telma Duarte

Agradecemos à docente Celeste Duque pela dedicação e disponibilidade demonstrada ao auxiliar-nos neste

trabalho.

I – Introdução No âmbito da disciplina de Psicologia V, foi-nos proposto pela docente Celeste Duque, a realização deste trabalho sobre Gravidez e Toxicodependência, cujo o objectivo geral é aprofundar o conhecimento relativo a toda a problemática que envolve a tríade mulher – droga – feto/recém-nascido.

Os objectivos específicos são: dar a conhecer os diferentes tipos de consumos; enumerar efeitos que as drogas podem causar no organismo do indivíduo que as consome; mostrar os efeitos que as drogas podem causar na grávida, feto e bebé; esclarecer alguns conceitos relacionados com droga e toxicodependência; enumerar/ /descrever as três fases da dependência; indicar os principais problemas decorrentes da toxicodependência; esclarecer a dimensão psicossocial do toxicodependente, dar a conhecer a importância da interacção mãe-bebé.

Quando se fala em droga, pensa-se num termo impreciso e vago com inúmeras definições, no entanto todos conhecemos o flagelo que este tema constitui na sociedade em que nos encontramos inseridos. O tema das drogas nem sempre apresentou a conotação que lhe é atribuída hoje, recuando ao passado, várias são as culturas que recorriam ao uso de drogas com fins afrodisíacos, religiosos e terapêuticos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) droga: “é toda a substância que, introduzida num organismo, pode modificar uma ou mais funções deste, provoca dependência, caracterizada pela necessidade de consumo compulsivo de um modo continuado, afim de obter os seus efeitos e, por vezes, para evitar o mal-estar que provoca a sua falta”.

Uma vez que o tema deste trabalho é gravidez e toxicodependência, irão ser abordados alguns conceitos relacionados com o tema da droga; referenciar as drogas mais consumidas no país em que vivemos, bem como as suas consequências na grávida e no feto.

O consumo de drogas pode começar como uma simples brincadeira, como uma curiosidade dos efeitos que a substância pode causar no organismo. A partir desse momento, pode o indivíduo não voltar a consumir drogas, ou por outro lado pode continuar até chegar a uma situação de toxicodependência. Até chegar à situação de toxicodependência, o indivíduo passa por diferentes fases de consumo.

Manuel Pinto-Coelho (1993), considera que um indivíduo que procura as drogas pode fazê-lo por duas razões: ou porque existe algum problema em si mesmo (por exemplo, pode apresentar características congénitas frágeis), ou então fá- lo como sinal de rejeição ao meio ambiente em que vive. Contudo, estas duas razões podem frequentemente surgir associadas.

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Existe um consenso entre vários autores, que os indivíduos mais dependentes são indivíduos cuja personalidade apresenta maior dificuldade de adaptação social, pessoas que demonstram grandes problemas a nível de carências afectivas.

Neste trabalho serão abordadas características da personalidade do toxicodependente, bem como os factores psicológicos, sócio-culturais e ainda da pressão dos pares. Será também salientada, a influência que estes factores têm sobre a personal idade do adicto.

Por último, será abordada a relação precoce mãe-bebé, bem como a importância desta no desenvolvimento social e afectivo.

A metodologia usada neste trabalho foi a pesquisa bibliográfica e on-line e entrevista informal.

II – Enquadramento Teórico

1 – DROGAS

Quando se fala em drogas, pensa-se num termo um pouco impreciso e vago com inúmeras definições. Segundo a OMS droga “é toda a substância que, introduzida num organismo, pode modificar uma ou mais funções deste, provoca dependência, caracterizada pela necessidade de consumo compulsivo de um modo continuado, afim de obter os seus efeitos e, por vezes, para evitar o mal-estar que provoca a sua falta”.

Funes (1988), citado por SPTT (1999) a droga é, “qualquer das múltiplas substâncias que o homem utilizou, utiliza ou inventará ao largo dos séculos, com capacidade para modificar as funções de um organismo vivo que estejam relacionadas com a sua conduta, o seu juízo, o seu comportamento, a sua percepção ou o seu estado de ânimo.” (p. 11)

É frequente que os consumidores não consumam apenas um tipo de droga. Existe uma preferencial, no entanto, na sua falta outro tipo pode ser consumido. Por vezes, associa-se o consumo de drogas aos adolescentes, a alguém sem responsabilidade, na verdade as coisas não são assim tão simples. Muitas grávidas também consomem estes produtos, sendo estas já adultas.

1.1. Tipos de consumo De acordo com o tipo de consumo que é realizado, podem-se classificar os consumidores em diferentes categorias. Assim, a SPTT (1999) distingue os consumos: experimentais, ocasionais, habituais e compulsivos ou toxicodependências.

1.1.1. Consumos experimentais

Correspondem segundo a SPTT (1999), a “situações de um contacto inicial com um ou mais tipos de substâncias” (p. 13). Estes consumos podem passar a uma situação de abandono ou podem ser continuados, evoluindo para um dos outros tipos de consumo atrás referenciados. Segundo Funes (1988), este tipo de consumo inicia-se como: uma situação de curiosidade; uma pressão do grupo em que o indivíduo se encontra inserido; uma atracção pelo risco e pelo proibido; ou ainda, uma procura de prazer e do desconhecido.

Por vezes, tudo começa com a procura do desconhecido, o conhecer os efeitos que estas substâncias podem causar no organismo, o comparar as sensações descritas por colegas do grupo em que o indivíduo se encontra inserido. Não nos podemos esquecer, que este tipo de consumo apresenta uma grande incidência na adolescência, onde se procura descobrir o desconhecido e enveredar por caminhos que são proibidos, ou situações que não são bem aceites pela sociedade em que se vive (SPTT, 1999).

1.1.2. Consumos ocasionais

São definidos pelo SPTT (1999), como correspondendo “ao uso intermitente de uma(s) substância(s) sem qualquer periodicidade fixa e, normalmente, com intervalos bastante amplos de abstinência.” (p. 14)

Neste tipo de consumo, o indivíduo já conhece os efeitos e reacções que a substância causa no seu organismo. Consome, mas não de uma forma continuada, registam-se períodos de abstinência. Estas substâncias são “utilizadas como um meio de facilitar a comunicação, uma procura de prazer, e um transgredir a lei” (SPTT, 1999, p. 14).

1.1.3. Consumos habituais

Já é frequente a util ização de uma substância. Neste caso, o consumo pode ser realizado em grupo ou individualmente, conhecendo o indivíduo os efeitos da substância no seu organismo. O indivíduo consome como

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uma forma de obter esses mesmos efeitos, tem a noção que ainda exerce algum controlo sobre o seu organismo, acreditando que não se encontra ainda dependente da droga e que consegue parar quando quiser (SPTT, 1999).

São diversas as motivações que levam a este tipo de consumo, segundo SPTT (1999): “aumentar sensações de prazer; sentimentos de pertença a um grupo, e necessidade de reconhecimento no interior deste; reduzir a solidão, o aborrecimento, a ansiedade; reafirmar a sua independência ou a sua rejeição à sociedade; reduzir a fome, o frio, a fraqueza ou o cansaço” (p.14)

1.1.4. Consumos compulsivos ou Toxicodependência

De acordo com o autor anteriormente referido, nos consumos compulsivos ou toxicodependentes, “o indivíduo necessita da substância, desenvolvendo-se toda a sua vida em volta desta mesmo com todas as complicações que esta situação pode provocar” (p. 15). Todas as suas energias se encontram canalizadas para o consumo desta substância.

Segundo o SPTT (1999), alguns indicadores de aval iação podem definir esta forma de consumo: • “utilização da substância em maior quantidade ou por um período de tempo mais amplo do que o

consumidor pretende; • consciencialização de que é cada vez mais difícil controlar o uso das substâncias; • consumir a maior parte do tempo em actividades relacionadas com a obtenção da(s) substância(s) e o

consumo da(s) mesmas(s); • considerável redução ou abandono de actividades sociais, laborais ou recreativas; uso continuado da(s)

substância(s) apesar de ter consciência dos problemas que esta(s) estão a provocar em si próprio e no meio envolvente;

• presença do fenómeno da tolerância; • frequentemente o consumo já não é pelo prazer mas para aliviar o desprazer provocado pela falta da(s)

substância(s)” (adaptado de SPTT, 1999, p. 15)

É do conhecimento de todos, que as drogas causam dependência por parte de quem as consome, acarretando estas, alguns problemas. Estas substâncias causam no organismo efeitos que parecem agradáveis ao indivíduo, mas que no entanto, lhe são altamente prejudiciais. Uma vez que o tema deste trabalho é gravidez e toxicodependência, seguidamente irão ser abordadas algumas das drogas mais consumidas e descritos os efeitos que estas provocam, não só no organismo da grávida como no feto.

1.2. Drogas mais consumidas: Consequências na Grávida e no Feto O consumo de drogas durante a gravidez apresenta consequências adversas não só para a mãe, como também para o feto e o recém-nascido.

Nas mulheres toxicodependentes, é frequente o aparecimento de amenorreia, o que conduz a um aumento de inferti l idade durante o período de consumo. Fátima Peralta (2002), refere que “a diminuição da actividade sexual ligada directamente ao efeito da droga sobre o sistema hormonal e/ou ao deslocamento do investimento psíquico para a procura e o prazer da droga é também habitual.” (p. 105).

Os efeitos que as diferentes drogas podem provocar no feto dependem sobretudo da dose, do tempo de exposição e frequência com que a droga é tomada.

1.2.1. Heroína

A heroína é uma das principais drogas consumidas no nosso país. O nome heroína deriva da palavra alemã “heroish” que significa poderoso, heróico (SPTT, 1999). Os efeitos que esta droga pode provocar numa fase inicial do consumo não vão ser iguais aos que se sentem numa fase de dependência; à medida que o tempo de consumo vai aumentando também a necessidade de aumento da dose se verifica.

De acordo com SPTT (1999), os efeitos imediatos sentidos pelo indivíduo, são “intensa sensação de prazer; sedação e alguma euforia; alívio de qualquer mal-estar ou tensão” (p. 36). A nível físico verif ica-se “secura da boca; miose (diminuição do tamanho da pupila); depressão do Sistema Nervoso Central, alterações no trânsito intestinal e diminuição da temperatura do corpo” (p. 37). A longo prazo, esta substância pode provocar alterações da nutrição que levam a um enfraquecimento extremo, afecções gastrointestinais, alterações psicológicas e na mulher, patologias a nível ginecológico – situações de amenorreia, problemas relacionados com a ovulação. (SPTT, 1999)

Segundo J. Martins Palminha (1993), a heroína administrada a uma grávida passa rapidamente para a placenta, estando o feto em contacto directo com esta substância. De acordo com o mesmo autor, o consumo de heroína durante a gravidez conduz a situações de partos prematuros, verificando-se também com elevada

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frequência um baixo peso dos recém-nascidos. Estes recém-nascidos são muitas vezes sujeitos a manobras de reanimação ao nascer; apresentam também alguns sinais como irritabilidade, choro em grito agudo, diarreia, h ipertermia e agitação – estes sinais são descritos como Síndrome de Privação (Palminha, 1993).

Graça Alves (2003) refere que muito raramente se tenta proceder à desintoxicação de uma grávida heroínodependente, uma vez que “o síndrome de abstinência materno pode ser associado ao neonatal, para além do risco de asfixia neonatal e aborto espontâne.” (p. 28). A maioria destas mulheres adere a um programa de substituição por metadona.

Para Schechner (2003), “os efeitos no feto exposto a metadona durante a gravidez incluem: baixo peso ao nascer, comprimento e perímetro cefálico, transtornos do sono, depressão da conduta interactiva, escassa capacidade para se acalmar por si, tremores” (p. 29; op. cit. Alves, 2003).

1.2.2. Cocaína

A cocaína é um estimulante do Sistema Nervoso Central que provoca alterações de humor, como a euforia, a h iperactividade, a excitação e alucinações. (Burroughs, s.d. , p. 102).

Burroughs (s.d.), descreve uma lista de efeitos secundários que esta droga pode provocar a quem a consome: h ipertensão arterial, taquicárdia, insuficiência cardíaca e respiratória, convulsões e morte.

Para Palminha (1993), a actividade da colinesterase – enzima responsável pela degradação da cocaína – apresenta valores mais baixos durante a gravidez, logo o consumo desta substância durante este período torna-se mais nocivo para o feto. Esta é responsável por malformações fetais a nível intestinal, a nível cardíaco, cerebral; defeitos nos membros e alterações do crescimento fetal (diminuição do crescimento fetal intra-uterino).

Peralta (2002), refere que mesmo pequenas doses consumidas durante a gravidez “foram relacionadas com o aparecimento de um significativo número de crianças com dificuldades de aprendizagem, que podem necessitar de ensino especial” (p. 106).

Alves (2003), descreve que “as mulheres que tomem cocaína durante a gravidez, têm maior risco de nados mortos e abortos espontâneos” (p. 27), devido à vasoconstrição dos vasos da placenta provocado pela droga. O uso de cocaína pode provocar, de modo repentino, contracções uterinas fortes e o parto precipitado. De acordo com Peralta (2002), “a cocaína foi associada a baixo peso ao nascer, atraso de crescimento intra-uterino, parto pré-termo, tremores, convulsões, irritabilidade, hipertensão, alterações do comportamento, diminuição das capacidades interactivas, síndrome de morte súbita e atraso do desenvolvimento nas crianças nos primeiros seis meses e os dois anos de vida.” (p. 106)

2 – TOXICODEPENDÊNCIA

Quando se fala em toxicodependência, é importante fazer a distinção de alguns vocábulos util izados perante esta temática. Serão definidas palavras como apetência, tolerância, toxicodependência e dependência física e psíquica.

A apetência pode ser definida segundo Maria Purificação Bagagem (2000), como uma inclinação, desejo, necessidade para consumir o produto. Esta pode ser ligeira, forte ou irresistível.

A tolerância é definida segundo a mesma autora como uma “habituação crescente ao produto e a necessidade de doses cada vez mais elevadas de modo a obter os mesmos efeitos” (p. 41).

A toxicodependência é definida pelo SPTT (1999), como “um estado psíquico e também quase sempre físico, resultante da interacção entre o organismo vivo e uma droga, estado esse que se caracteriza por modificações do comportamento associado a um mal estar muito penoso, forte desprazer, fazendo com que as pessoas que se drogam passem a utilizar a droga compulsivamente duma forma contínua ou periódica a fim de reencontrarem os seus efeitos e evitar o mal estar da privação” (pp. 41-42).

A dependência física e psíquica será desenvolvida no capítulo seguinte, como fazendo parte integrante da toxicodependência.

2.1. Toxicodependência: Evolução histórica É inegável que ao longo dos tempos o uso das drogas sofreu uma evolução. Maria Baptista (1995), refere que “…os objectivos a alcançar através dos consumos sofreram uma mudança radical. Paralelamente e por múltiplos factores, o seu uso deixou de ser uma actividade lícita para passar a ser ilícita” (p. 15).

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Recuando ao passado, várias são as culturas que recorriam ao uso de drogas com fins afrodisíacos, religiosos, terapêuticos. Por exemplo, “…na Índia e no Egipto, desde tempos imemoriais que se consome o haxixe (cannabis). Os iogis e outros monges contemplativos tomam-no para evitar distracções e para concentrar os seus pensamentos num transe abstracto” (Baptista, 1995, p. 14). Além deste exemplo, existem muitos outros, nomeadamente se fizermos uma breve passagem pela h istória de povos da Grécia Antiga, da Pérsia, ate mesmo na obra de Homero – Odisseia.

Contudo, o que se tem verificado actualmente é que as drogas têm tomado proporções assustadoras na sociedade actual. Basta olharmos para o caso dos soldados que combateram na Ultramar, que util izavam droga como meio para diminuir tensões, e que posteriormente, se tornaram dependentes da mesma.

É pois, neste contexto evolutivo, que iremos abordar as três grandes fases da dependência. Estas fases, baseiam-se em modelos explicativos bastantes distintos, de acordo com o período histórico e contexto sócio-legal em que surgiram.

Segundo Sérgio Inácio (2004), “… mesmo que a nível clínico a dependência física esteja perfeitamente definida, a crescente utilização e valorização da dependência psicológica na concepção das toxicodependências acaba por introduzir um alto grau de subjectividade ao conceito lato de dependência, dando deste modo poder à sociedade para atribuir de forma arbitrária a classificação de comportamento dependente aos comportamentos recorrentes que são desviantes da norma dominante”.

Segundo o mesmo autor, as fases da dependência são: • Fase Unifactorial; • Fase Bifactorial; • Fase Biopsicossocial.

2.1.1. Modelo unifactorial

Este modelo foi introduzido por Benjamim Rush, no final do século XVIII e prolongou-se até meados dos anos 30. A concepção na qual se baseia pode ser traduzida pelo mote: “a droga faz o drogado que faz o crime”. Em suma, este modelo defendia que a formação de uma dependência é apenas derivada do seu consumo: “… a dependência é gerada por via de mecanismos de aprendizagem, cujas respostas associadas ao uso vão ter um efeito de reforço” (Inácio, 2004).

Figura 1. Representação esquemática do modelo unifactorial

2.1.2. Modelo bifactorial

Este modelo sucedeu ao anterior e distinguia-se dele, pelo facto de defender que a dependência estava directamente relacionada com o homem, que era visto como portador de uma patologia, que o levava a um consumo compulsivo de determinado produto: “… a dependência surge como resultado de dois factores: o homem e a substancia, estando o ênfase depositado no primeiro”. Contudo, este modelo só considerava como caso patológico, alcoólicos, aplicando-se a toxicodependentes a denominação de delinquente e não de doente” (Inácio, 2004)

Figura 2. Representação esquemática do modelo bifactorial

Inácio (2004), refere que neste período que surge o conceito de “dangerous classes” que englobava minorias étnicas, e que não eram bem vistas pela sociedade elit ista da época sendo frequentemente associadas a práticas criminosas: “… visto sobre o prisma da ênfase do indivíduo, que para consumir uma substância têm de violar a lei, logo pratica um delito, que poderia evitar já que o indivíduo pode escolher, tornar-se um delinquente que tenta escapar à norma social imposta pela legislação”.

É, no entanto, curioso constatar que, em meados dos anos 70, se observa uma reviravolta de mentalidades, voltando de novo ao modelo unifactorial. Como refere Inácio (2004), “… o consumidor até então indubitavelmente delinquente, vai passar cada vez mais a ser observado como um doente, que recorre ao crime devido á sua doença”.

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Neste período surgem inúmeras campanhas. Em Portugal, a título de exemplo surgiu o grande lema: “Droga – Loucura – Morte”.

2.1.3. Modelo Biopsicosocial

Este é o modelo que na actualidade é considerado o mais adequado e que considera: “…as toxicodependências como uma doença causada por vários factores de ordem biológica, psíquica e social”. Contudo há uma ligeira discrepância entre aquilo que este modelo defende e o que, efectivamente é posto em pratica pelo poder polít ico e legislador, que continua a recorrer ao modelo unifactorial.

Os esquemas abaixo demonstram bem esta diferença. No primeiro caso, é somente a substancia que determina o comportamento do indivíduo. No segundo caso, é um conjunto de factores que vai influenciar comportamentos e consequentemente o problema.

Figura 3. Representação esquemática do modelo bio-psico-social

Dentro deste modelo, existem vários pontos, dos quais não poderíamos deixar de falar. Um deles, refere-se às teorias psicanalít icas, que têm um papel fundamental, para a compreensão do conjunto de comportamentos que um indivíduo toxicodependente tem.

Estas teorias introduzem o conceito de “fase infantil precoce”, referenciando-a como uma fase em que se procura o prazer e satisfação imediata de necessidades e onde há uma ambiguidade de sentimentos. Além do indivíduo, vários são os factores considerados fundamentais nesta problemática: a substância, problemas internos do indivíduo e satisfação de pulsões.

Ainda segundo este autor: “… esta teoria (…), completa as teorias comportamentalistas, admite o reforço positivo e negativo, e afirma a existência de factores internos ao indivíduo, quer de risco que podem facilitar o seu desenvolvimento da toxicodependência, e factores que podem dificultar ou inibir esse mesmo desenvolvimento”.

Após termos feito uma breve referência à evolução histórica da toxicodependência e de termos abordado os vários modelos que foram surgindo à medida que a sociedade se ia transformando, falaremos agora das diferentes fases da toxicodependência.

2.2. Fases da Toxicodependência Segundo Inácio (2004), o percurso do toxicodependente compreende três fases. Contudo há que ter em conta que nem todos passam obrigatoriamente pelas três etapas e nenhuma delas é totalmente estanque e independente. Há sim uma interacção entre todas as fases. O contexto onde o indivíduo está inserido e factores de risco ou protectores associados ao mesmo, podem ou não condicionar a passagem para a fase seguinte.

Mas antes de descrever as diferentes fases, consideramos indispensável, abordar alguns conceitos pertinentes, e que se relacionam com esta problemática e que podem ajudar a responder a uma grande questão: “Como se instala a toxicodependência?”

Dois aspectos que já foram referidos anteriormente, são o reforço positivo que está relacionado com a procura de prazer e de sensações agradáveis e o reforço negativo que se refere à tentativa de eliminação de mau estar físico ou psicológico e de sensações desagradáveis, através do consumo de droga.

De referir ainda a natureza da toxicodependência. Uma delas é a dependência psicológica “… a mais vulgar e menos destrutiva, (…) ligada aos mecanismos de reforço positivo.” A outra, é a dependência física, sem duvida a mais problemática e a que causa maiores danos e que está relacionada com o reforço negativo. Enquanto que no primeiro caso, o indivíduo recorre ao uso da droga para se sentir bem e “a sua determinação é bastante subjectiva, é um conceito posterior ao da dependência física”, no segundo caso, há uma adaptação fisiologia à droga e, se esta não for consumida regularmente, há a manifestação de sintomas, que revelam a falta da mesma: “…sintomas característicos do síndroma de abstinência específicos da substancia em causa” (Inácio, 2004).

E refere igualmente que “…é ainda necessário ter em consideração as propriedades especificas da substancia, o carácter e o estado emocional do consumidor, e o contexto em que o mesmo está integrado, os quais podem surgir como factores de risco ou protectores” (Inácio, 2004).

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2.3. Etapas da Toxicodependência De seguida iremos apresentar as três etapas da toxicodependência propostos por baptista, em 1995. São elas:

• Lua-de-mel; • Dependência psicológica; • Dependência Física.

2.3.1. Lua-de-mel

Nesta fase não há dependência física nem psicológica, o indivíduo consome esporadicamente, no intuito de se sentir bem, num estado superior. Neste caso funciona o reforço positivo. Esta fase é “…caracterizada pela percepção dos efeitos positivos das drogas e pela ausência quase total de efeitos negativos”. (Inácio, 2004)

2.3.2. Dependência psicológica

Como o próprio nome indica, nesta fase já há uma dependência psicológica. Aqui há que distinguir duas situações distintas: no consumo de cannabis há a predominância de reforços positivos, mas o consumidor de heroína, já começa a consumir para “… mitigar o sofrimento”. O reforço negativo emerge! O consumo, começa pois a tornar-se cada vez mais regular, no sentido de tentar obter boas sensações e minimizar os efeitos negativos e o mau estar sentido. (Inácio, 2004)

2.3.3. Dependência Física

Nesta etapa o reforço negativo impõem-se, há uma necessidade extrema de consumo porque o sentimento de angustia instala-se no indivíduo, levando-o ao sofrimento. Aqui a dependência física é notável, os indivíduos são facilmente identificados pelo seu aspecto físico, muitas vezes debilitado. A síndrome de abstinência é muito frequente nesta fase: “… está instalado o círculo da dependência característico dos sistemas que reagem de forma compulsiva aos efeitos negativos, que curiosamente também transformam as teses proibicionistas numa dependência”. (Inácio, 2004)

2.4. Problemas resultantes da Toxicodependência Como seria de esperar, do problema da toxicodependência advêm inúmeros problemas em diferentes áreas, tanto em termos de saúde, como familiares, de trabalho/escola e até mesmo justiça. Chegadas aqui, propomo-nos apresentar uma breve e sucinta descrição dos problemas mais comuns, para fornecer uma melhor compreensão das consequências que daí podem advir.

2.4.1. Consequências ao nível da saúde

Relativamente à saúde, a toxicodependência pode intervir a nível físico e mental. Baptista (1995) refere que, ao nível físico, a maioria dos toxicodependentes apresenta uma progressiva degradação física, acompanhada de emagrecimento, também ele progressivo, com aparecimento abcessos nos locais de injecção e profunda degradação do estado dos dentes devido a sucessivas cáries dentárias.

Como consequência desta enorme debilidade física, os toxicodependentes estão mais expostos a diversas infecções e principalmente, mais sujeitos às doenças infecto-contagiosas, tais como a SIDA, a Hepatite e a Tuberculose.

No que se refere ao estado psicológico e mental, Baptista (1995), considera que se podem desencadear alterações do foro psiquiátrico tais como: como depressões e psicoses, que podem, inclusive, culminar em suicídio.

2.4.2. Consequências ao nível familiar

No âmbito familiar o que é mais comum acontecer é a ruptura, causada pela deterioração dos laços familiares e pelo sucessivo desgaste psicológico. As famílias têm muita dificuldade em lidar com esta situação devido à complexidade desta doença que é a toxicodependência.

Habitualmente as suas posições oscilam entre a permissividade e a intolerância. Assim é de extrema importância que as famílias que, face a esta problemática, sejam informadas e sensibil izadas para que possam lidar com a situação de uma forma mais adequada, e deste modo, possam evitar recaídas, as quais são muito frequentes.

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2.4.3. Consequências ao nível escolar

No âmbito da escola, é muito raro que o toxicodependente consiga conciliar os estudos com o consumo, consequentemente, acabam por ficar com níveis de escolaridade muito baixos, não investem na sua formação profissional o que, como consequência, os deixa sem capacidade para desempenhar um oficio especifico.

Baptista (1995), considera que em situações particulares é possível encontrar toxicodependentes com uma profissão, mas que devido à sua dependência da substância, acaba por lhe ser muito difícil manter a sua actividade profissional.

Outra situação que se verifica é o de o patrão o rejeitar, ao saber da sua situação, por ter medo do que poderá eventualmente acontecer.

Os toxicodependentes que trabalham apresentam as seguintes características: absentismo, fraco investimento e rendimento ao nível do trabalho.

São, relativamente frequentes os pequenos furtos não só à empresa como aos colegas e mau relacionamento com os colegas, pelo que, facilmente, nos apercebemos que todas estas qualidades são pouco abonatórias a favor da toxicodependência.

A reinserção, social e profissional, de um toxicodependente só é possível quando a sociedade está preparada e informada. Pelo que é extremamente importante a sensibil ização sistemática das entidades patronais (Baptista, 1995).

Os toxicodependentes assumem muitas vezes uma vida de marginalidade em que se destaca os roubos e o tráfico, o que os leva a ter inúmeros problemas com as autoridades policiais e judiciais. A lei portuguesa apenas condena quem comete crimes, o consumo de droga não é punido por lei, no entanto, se o toxicodependente é encontrado de posse da dose ele é condenado a uma pena de prisão.

De acordo com o autor anteriormente referenciado, um jovem que chegue a este estádio só com a ajuda de profissionais especial izados é que poderá recuperar desta fase complexa dolorosa e penosa, bem como a sua família.

Baptista (1995), afirma que “por todas estas razões e para evitar os custos demasiado elevados tanto para a sociedade como para o indivíduo, que é conduzido a uma situação de ruptura, à degradação moral e física, à destruição dos laços familiares, à marginalidade acentuada, a sociedade dever-se-ia unir com o propósito de desenvolver medidas e estratégias de prevenção primária e terciária, no sentido da promoção da saúde e da educação das populações.” (p. 22).

3 – PERSONALIDADE DO TOXICODEPENDENTE

A palavra personalidade apresenta a sua origem no termo latino “persona” que significa máscara. Quando falamos em personalidade referimo-nos a uma construção pessoal que decorre ao longo de toda a nossa vida.

Manuela Monteiro e Milice Santos (1999) definem a personalidade como ”elemento relativamente estável da conduta de uma pessoa, a estrutura que subjaz à constelação das características de cada um de nós. É o que nos torna unos e únicos, distinguindo-nos de todos os outros” (p. 296). A personalidade diz respeito a um conjunto de características pessoais.

Segundo Manuel Pinto-Coelho (1993), um indivíduo que procura as drogas pode faze-lo por duas razões, ou porque existe algum problema em si mesmo, por exemplo pode apresentar características congenitamente frágeis, ou então fá-lo como sinal de rejeição ao meio ambiente em que vive. Contudo, estas duas razões podem frequentemente surgir associadas.

No entanto, as opiniões sobre a questão de “quem procura as drogas” é muito variável, existem autores, como por exemplo, Olievenstein, que considera o toxicodependente como uma pessoa em dificuldade. Por sua vez, Dollard Cormier, considera a toxicodependência um estilo de vida. (op. cit. Pinto-Coelho, 1993, p. 73)

De uma forma generalizada, os toxicodependentes apresentam sempre dificuldades psicológicas acentuadas e “grandes dificuldades de inserção na vida familiar e ou profissional, além de em maior ou menor grau apresentarem ainda uma rejeição dos valores sociais propostos.” (Pinto-Coelho, 1993, p. 73)

Parece igualmente importante salientar as patologias da personalidade, uma vez que são bastante comuns entre os toxicodependentes. Aqui também as opiniões divergem. De acordo com Morel et al. (2001), actualmente, muitos autores (Hendricks, Schubert, Zimmerman) util izam como referência o Manual do Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, estabelecido pela Associação Psiquiátrica Americana, associando assim as condutas de dependência às personalidades “anti-sociais”. Estas condutas podem ainda ser associadas às personalidades dependentes ou esquizofrénicas, embora mais raramente.

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Morel et al. (2001), consideram que autores como Deniker, De Jong e Bergeret referenciam como “personalidades patológicas” mais frequentes as psicopatias, estados limites e personalidades histéricas.

Os indivíduos que apresentam as dependências mais pesadas são aqueles cuja personalidade teve mais dificuldades de adaptação social, particularmente as resultantes de carências afectivas precoces.

Todas estas perturbações psicopatológicas favorecem o consumo abusivo e dependente de drogas, ainda que muitas vezes este consumo seja iniciado e sentido como autoterapia. Precisamente por isso, é de extrema importância a prevenção e o reconhecimento dos grupos de risco, tendo em atenção não só as perturbações de personalidade mas também os estilos de vida e a relação com o meio.

Existem diversos factores que vão influenciar a personal idade de um toxicodependente, ainda que não sejam os únicos determinantes para o levar ao consumo e toxicodependência. Abordaremos aqui os factores psicológicos, sociais e culturais e ainda da pressão dos pares.

De acordo com Pinto-Coelho (1993), o toxicodependente habitualmente é imaturo e desequilibrado, raramente tem uma profissão estável, recorrendo por isso frequentemente a actividades remuneradas ilegais.

3.1. Factores familiares Segundo Pinto-Coelho (1993), o meio familiar muitas vezes é desunido, havendo uma profunda carência da imagem paternal. Morel et al. (2001), defendem que existe muitas vezes uma grande “cegueira” dos pais face aos comportamentos inquietantes dos filhos. Por vezes surgem também separações precoces e aculturações (quando o individuo muda de área de residência, por exemplo), que geram no indivíduo conflitos de valores, alguns são vítimas de maus-tratos durante a infância, os hábitos de consumo excessivo dos pais também pode influenciar o filho. A inadaptação e os fracassos escolares podem levar ao absentismo escolar, através da angústia que criam, levando o indivíduo a ter comportamentos de risco.

Pinto-Coelho (1993), afirma que, alguns toxicodependentes revelam insatisfação relativamente ao seu passado, falando dele sem qualquer emotividade e mostrando défice de interiorização. Muitas vezes tiveram uma infância feliz, contudo na adolescência começaram os problemas, que criaram insatisfação com ele próprio e com o meio, fazendo com que o indivíduo se feche sobre si, tornando-se habitualmente numa pessoa pacífica com grande fragilidade de identidade. Devido a este passado recente o toxicodependente encara o futuro com angústia e pessimismo.

3.2. Factores sociais Muitos autores são da opinião que cerca de 30% dos toxicodependentes apresentam desde muito cedo uma grande instabilidade de comportamento, tornando-se inadaptados à vida social e com instintos agressivos e imprevisíveis, ou seja, uma personalidade psicopata (Pinto-Coelho, 1993).

Os toxicodependentes são ainda caracterizados por apresentarem um humor lábil e impulsivo, por serem por vezes cínicos e fanfarrões.

De acordo com Porot, referenciado por Pinto-Coelho (1993), uma grande percentagem de toxicodependentes são incluídos no grupo dos pré-psicóticos, sendo estes equiparados a pequenos esquizofrénicos insaciavelmente ávidos do obscuro, do incerto, inventores eméritos de problemas.

A droga pode tornar um ligeiro psicopata num psicopata permanente. Esta pode reactivar problemas da personalidade que ainda não se tinham revelado Pinto-Coelho (1993).

As condições sociais dos dias de hoje, favorecem a formação de grupos de jovens marginais, sendo estes grupos fundamentalmente e biologicamente agressivos. Os jovens procuram nestes grupos estabelecer uma posição social e estabelecem uma sociedade privada, vedada ao exterior. Cada vez mais se observa o “síndroma de carência de autoridade”, segundo Sutter, referenciado por Coelho (1993), este é caracterizado por fraqueza e inconsciência da personalidade sendo esta desprovida de estrutura e comandada pela ocasião e pelo capricho, surge assim um sentido de moralidade bastante deficiente; por isolamento afectivo; e por insegurança e angústia que leva ao suicídio motivado por pequenas situações banais.

Existem actualmente uma grande diversidade de fenómenos que provocam um profundo mal-estar e um enormíssimo ponto de interrogação, como por exemplo as interrogações dos estudantes face ao futuro, e a sua inserção na vida profissional, sobre a dúvida da util idade da formação que lhe é dada, a angústia dos jovens trabalhadores relativamente à reconversão permanente dos métodos e flutuações de produção consoante as necessidades económicas do momento.

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Os jovens muitas vezes reagem a estes fenómenos isolando-se, tornando-se passivos e aborrecidos, refugiando-se na droga, usando-a como paliativo. Frequentes vezes, o jovem apenas pretende é passar desapercebido, que ninguém “o chateie”, nem que para isso, recorra à mentira e minta muito. (Pinto-Coelho, 1993)

Pinto-Coelho é ainda da opinião que a droga também pode servir como válvula de escape à angúst ia, passando à violência e à marginalização, numa atitude de repúdio pelo ambiente que o envolve.

O toxicodependente recusa todo um modo de vida que é muitas vezes o de seu pai: trabalho-dinheiro-consumo. O adolescente não tolera a sociedade em que vive. Por ser impaciente exige satisfação imediata, ou seja, não tem calma para aguardar que o futuro lhe traga as compensações para os seus actuais sacrifícios. É então neste contexto que se entrega ao paraíso das satisfações imediatas, fortes e deslumbrantes que a droga lhe proporciona. (Pinto-Coelho, 1993)

Pinto-Coelho (1993), apresenta ainda outra motivação dos jovens que recorrem à toxicodependência e que consiste em “uma tentativa de obtenção de um melhor conhecimento de si, de uma estimulação intelectual, ou de uma maior criatividade” (p. 77).

Pode igualmente tratar-se de apenas um desafio à sociedade ou ainda da influência nefasta de um grupo, sendo a droga o cimento do grupo, também situações de desemprego ou oferta de droga pura por traficantes para arranjarem novos clientes são razões que por vezes levam ao abuso de drogas.

3.3. Factores de “pressão de pares” Uma outra situação frequente é a pressão dos pares. Se durante a infância a criança era influenciada pelos pais e adultos agora são os amigos que o fazem, podendo até ultrapassar a importância destes. Ainda que o modelo dos pais não seja demasiado frágil, impreciso, ou rígido, face à realidade exterior e à família , os novos modelos podem sempre exercer uma atracção tal que se tornam reveladores de um sentido de vida, reforçando os conflitos e apoiando as rupturas. Certos perfis psicológicos individuais e certos contextos familiares favorecem a influência dos grupos de pares, principalmente durante a adolescência, havendo no entanto grupos mais estruturados que outros quanto a estas identificações comportamentais (Morel et a l., 2001).

Morel e os seus colaboradores, “quer a causa preponderante desta influência grupal se situe na fragilidade do sujeito quer na influência exercida pelo grupo sobre os seus membros, a questão está em saber como, de uma maneira geral e em situações precisas, tornar os indivíduos mais resistentes, mais críticos face à pressão do grupo. Noutras circunstâncias, esta pressão pode também jogar a favor de condutas de protecção” (2001, p. 162).

3.4 – Personalidade da grávida A personalidade é uma construção pessoal que decorre ao longo de toda a nossa vida.

Mais do que desejar ter um filho, é importante que a mulher tenha o desejo de ser mãe. Celeste Duque faz a distinção entre gravidez e maternidade onde, a gravidez transcende o momento da concepção tal como a maternidade transcende o momento do parto. Só assim, se verif ica uma preparação eficaz a nível psicológico – as adaptações necessárias – que a gravidez exige. Durante a gravidez iniciam-se processos, como a formação do vínculo materno-fi l ia l e a restruturação da rede de comunicação da família.

É durante o período de gravidez que a mulher ensaia papeis e tarefas maternas, e se adapta a mais um elemento na família. Cria fantasias de como será o seu filho, qual o seu futuro; tenta incorporar o seu filho na família mesmo antes deste ter nascido. É nestas fantasias criadas pela mãe que se estabelece a primeira relação mãe-bebé, a mãe aprende a aceitar e amar o seu filho tal como ele é, um ser com necessidades e desejos próprios.

O recém-nascido depende da sua mãe para sobreviver, só esta poderá satisfazer as suas necessidades. Verif ica-se uma necessidade da mãe se adaptar ao seu fi lho, bem como o filho se adaptar à mãe. Esta interacção entre mãe e fi lho, bem como todas as adaptações que são exigidas durante a gravidez só ocorrem de forma saudável e eficaz se a mulher se encontrar bem consigo mesma, o que no caso de uma mãe toxicodependente não acontece. Pois esta apresenta problemas psicopatológicos associados à toxicodependência. A toxicodependente é uma pessoa cuja a relação precoce mãe-bebé possivelmente falhou, este é uma pessoa insegura, pouco autónoma e com grandes dificuldades de se relacionar com os outros, como tal o toxicodependente procura na droga a solução para os seus problemas. O facto de haver falta de disponibilidade afectiva da mãe para com o seu bebé pode influenciar a interacção precoce mãe-fi lho.

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4 – IMPORTÂNCIA DA INTERACÇÃO PRECOCE MÃE-FILHO

Tradicionalmente, pensava-se que a ligação afectiva mãe-bebé se iniciava na altura do nascimento. No entanto, é hoje consensual que esta ligação afectiva se inicia e começa a estruturar, alguns autores consideram mesmo que esta se inicia antes da própria concepção.

Para haver um bom desenvolvimento emocional da criança é importante que se estabeleça um vínculo de qualidade com os pais e o bebé.

A vinculação do bebé à mãe permite o desenvolvimento social, esta relação está na base de todas as relações sociais futuras.

Pedro Strecht (2002) cita Bowlby, assegurando que a vinculação é a capacidade inata dos bebés se ligarem aos objectos cuidadores.

De acordo com Palminha (1993), a segurança da vinculação é aval iada pelas atitudes da criança face à separação curta da mãe, seguida do reencontro com a mesma.

Ainda segundo este autor, as crianças com uma vinculação segura, exploram o mundo envolvente de uma forma l ivre e espontânea quer seja na presença da mãe ou na ausência dela. Quando a criança reencontra a mãe exterioriza uma grande alegria.

Uma criança que na presença da mãe se sente pouco segura para explorar o meio envolvente, e procura constantemente o contacto físico com ela, significa que esta apresenta uma vinculação insegura-ansiosa. Estas mostram-se inconsoláveis durante a ausência do objecto cuidador, quando reencontram a mãe têm comportamentos de revolta (Palminha, 1993).

Segundo Palminha (1993), existem também crianças com vinculação insegura-evitante, ou seja estas não se mostram perturbadas com o afastamento da mãe, ignoram e evitam o contacto com a mesma após o seu regresso.

O bebé quando nasce possui competências sensoriais e motoras que lhe permitem interagir com a mãe. Desde do nascimento que o bebé e a mãe interagem com cumplicidade, através de uma comunicação marcada por sucessivos feedbacks que conduzem ao desenvolvimento adequado da criança, ou seja ocorre uma interacção adequada.

Na interacção adequada existem “ padrões de sinalização mútua variados, ricos do ponto de vista afectivo e em que existe uma sincronia mãe-bebé.” (Palminha, 1993, p. 119)

No caso de não haver afecto no contacto com o bebé pode levar uma mãe emocionalmente perturbada a afastar-se da criança, o que pode levar a que esta desenvolva uma interacção insuficiente ou até inadaptada.

Na interacção insuficiente existem “padrões de sinalização mútua monótonos, pobres do ponto de vista afectivo. Embora exista sincronia mãe-bebé, observa-se uma persistência das respostas maternas às necessidades físicas do bebé, sendo as trocas afectivas e a estimulação do interesse pelos objectos externo pobres.” (Palminha, 1993, p. 119)

Este autor defende igualmente que, na interacção inadaptada se verif ica uma ausência de sincronia na relação mãe-bebé. A mãe faz interpretações distorcidas dos sinais enviados pelo seu bebé, sendo por isso a troca de afectos ambivalente. Assim o bebé vai sentir-se frustrado e progressivamente vai deixando de investir na relação.

Uma mulher que tenha tido perturbações no vínculo inicial com o seu objecto cuidador irá possivelmente ter dificuldade em interagir com os seus filhos, estabelecendo uma vinculação ineficaz. Gleitman (1999), faz referência a estudos realizados por Godfab, (1955); Provence e Lipton (1962); Dennis (1973) onde os bebés eram criados em orfanatos que forneciam a alimentação, cuidados físicos adequados, mas muito pouca estimulação sensorial e social. Este estudo demonstrou que estas crianças se tornaram pessoas mais agressivas, delinquentes e indiferentes aos outros.

Os estudos de Harlow (1972), com os macacos resus reforçam a ideia referida anteriormente. Ele concluiu com este estudos, que as macacas afastadas da sua mãe na infância, adoptaram comportamentos maternos falhados. Ou seja, enquanto mães estas macacas mostraram-se indiferentes, agressivas com as suas crias (Gleitman, 1999).

Reportando os estudos feitos para a realidade da mulher toxicodependente, pode dizer-se que esta apresenta dificuldades em ligar-se afectivamente ao seu filho, devido às situações psicopatológicas que apresentam, pertencentes à própria toxicodependência. (Palminha, 1993)

Palminha esclarece que “os filhos das mães toxicodependentes colocam-nos à partida vários problemas: relativos, por um lado, às próprias crianças, às suas competências e reactividade, por outro lado às capacidades das mães como dadoras

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de cuidados, e ainda a existência de carências de ordem socio-económica, todos eles constituindo por si só factores de risco para a doença mental, e que se potenciam mutuamente” (p. 34).

Os filhos de mães toxicodependentes estão sujeitos a condições adversas durante toda a gravidez e no período perinatal. Estas condições irão, provavelmente, influenciar a capacidade de adaptação precoce, que é fundamental para o estabelecimento da relação mãe-fi lho (Palminha, 1993).

Segundo o autor mencionado anteriormente, o internamento destes bebés é prolongado e o interesse das mães para os visitarem é mínimo na maioria dos casos, o que leva a um afastamento precoce entre a mãe e o bebé. Este facto dificulta ou atrás o processo de vinculação.

Quando a relação mãe-bebé não é bem conseguida poderá haver repercussões na vida futura da criança adulta, de carácter psicótico ou neurótico.

A detecção precoce de situações de risco facil ita a intervenção oportuna, por parte dos técnicos de saúde, a todos os níveis de dinâmica familiar, com todos os benefícios que daí podem advir.

III – Conclusão O consumo de drogas tem atingido proporções drásticas na sociedade actual. A toxicodependência é vista como um grave problema, mais grave ainda quando associado à gravidez.

Verif icou-se que são várias as drogas consumidas durante a gravidez, no entanto neste período raramente se realiza uma desintoxicação, pois apurou-se que este facto podia causar asfixia no feto ou mesmo aborto. Apreendemos que a mãe toxicodependente deve ser submetida ao programa de substituição da metadona, para evitar a síndrome de abstinência, ou mesmo a recorrência às drogas.

Constatou-se ao longo do trabalho que esta problemática está relacionada com alguns factores, nomeadamente os psicológicos, sócio-culturais e a pressão dos pares. Estes factores influenciam a personalidade do indivíduo, tornando-o numa pessoa insegura, com dificuldade para parti lhar afectos e se adaptar socialmente.

Tendo em conta a personal idade do toxicómano conclui-se também que uma mulher toxicodependente tem dificuldade em estabelecer uma relação precoce com o seu filho.

A mãe toxicodependente é uma pessoa cuja a relação precoce com a sua mãe possivelmente falhou, esta é uma pessoa insegura, pouco autónoma e com grandes dificuldades de se relacionar com os outros. Este facto vai influenciar de certa forma a relação precoce da mãe-fi lho, podendo daí advir consequências graves.

É importante estarmos despertos para esta problemática, pois pode ter consequências graves a longo prazo. Para tal, os técnicos de saúde assumem um papel de grande importância, na detecção precoce de situações de risco, intervindo oportunamente a todos os níveis da dinâmica familiar.

A realização deste trabalho foi muito enriquecedor, pois fez-nos perceber melhor qual a personalidade do toxicodependente e a forma como essa personalidade influência a relação precoce mãe-fi lho.

IV – Bibliografia Bagagem M. P. (2000). Droga: A desintegração Familiar e Social dos Jovens. Colecção “Ambientes Sociais”. Lisboa: Instituto de

Sociologia e Etnologia das Religiões da Universidade Nova de Lisboa. Baptista, M. (1995). A Prevenção das toxicodependências: A Importância da Escola. Lisboa: Texto editora. Gleitman, H. (1999). O desenvolvimento social (pp. 715-730). Psicologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Morel, A. et al. (2001). Prevenção das toxicomanias. Colecção “Alcoolismo e Toxicomanias Modernas”, 5. Lisboa: Climepsi

Editores. Palminha, J. M., et al. (1993). Efeitos das Drogas na Grávida e no Recém-nascido (pp. 25-32). Os Filhos dos Toxicodependentes.

Grande Prémio Bial de Medicina 1992, 11 – Prémio de Medicina Clínica. Porto: Bial. Palminha, J. M., et al. (1993). Interacção Precoce Mãe-Filho (pp. 32-34). Os Filhos dos Toxicodependentes. Grande Prémio Bial

de Medicina 1992, 11 – Prémio de Medicina Clínica. Porto: Bial. Palminha, J. M., et al. (1993). Perfil psicológico da mulher toxicodependente (pp. 35-36). Os Filhos dos Toxicodependentes.

Grande Prémio Bial de Medicina 1992, 11 – Prémio de Medicina Clínica. Porto: Bial. SPTT (1999). A Informação geral para Prevenção das Toxicodependências. Algarve: Direcção Regional do Algarve do SPTT. Strecht, P. (2002). Interiores: Uma Ajuda aos Pais sobre a Vida Emocional dos Filhos. Lisboa: Assírio & Alvim.

FIM