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Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias
03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN”
Coleta, Registro e Etnografia: a pesquisa de campo nos estudos de
folclore.
Ana Teles da Silva/PPGSA-UFRJ
O objetivo deste trabalho é discutir a construção de temáticas tidas como
folclóricas e a pesquisa de campo entre os intelectuais identificados com os estudos de
folclore. Para tanto serão analisados alguns artigos e trabalhos publicados na Revista
Brasileira de Folclore (1961-1976) e na 2ª Série dos Cadernos de Folclore (1975-1986).
Assim serão analisados artigos que tenham dados empíricos relacionados ou a pesquisas
de campo ou a reminiscências pessoais dos autores. Nesse sentido serão feitas algumas
perguntas: O que era considerado pesquisa de campo para estes intelectuais dos estudos
de folclore? Como são construídos os temas considerados folclóricos? Qual o papel da
fotografia nestas pesquisas? Pretende-se analisar o fazer do folclorista e compreender
quais as formas de construção de seu objeto seguindo o que Cavalcanti apontou como
“deslocamento analítico da ideia bastante reificada de folclore como um objeto de estudo
e atuação – coisas que existiriam na realidade – para a ideia de folclore como uma
categoria de pensamento” (2012:156).
Dentre as preocupações daqueles intelectuais que interessavam-se pela cultura
popular estava a de seu registro e inventário. A formação para a pesquisa e o trabalho de
campo, no entanto, não era um conhecimento que todos já tivessem de antemão. Uma das
preocupações de Renato Almeida, que durante muitos anos esteve à frente da rede da
Comissão Nacional de Folclore, era a de proporcionar formação para a pesquisa para
aqueles que eram interessados em cultura popular. Talvez pelo fato dos estudos de
folclore nunca terem tido espaço no ambiente universitário este tipo de formação nunca
ocorreu de forma sistemática. Como aponta Vilhena (1997) para que o folclore tivesse
alguma legitimidade enquanto uma ciência social era necessário demonstrar que a
pesquisa folclórica tinha uma orientação científica. Nesse sentido a Campanha de Defesa
do Folclore Brasileiro promovia cursos de formação em Pesquisa.
Os dois primeiros cursos de formação em pesquisa folclórica ocorreram ainda
antes da criação da Campanha de Defesa do Folclore. O primeiro deles ocorreu em 1937,
na Sociedade de Etnografia e Folclore, sendo projeto do Departamento de Cultura do
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Estado de São Paulo, dirigido por Mario de Andrade. O curso Técnicas de Coleta
Etnográfica e Folclorica para folcloristas, foi ministrado por Dina Levi-Strauss, ex-
assistente do Museu do Homem de Paris e esposa de Claude Levi-Strauss. Em 1951, a
convite de Rossini Tavares de Lima, da Comissão Paulista de Folclore, o sociólogo Oracy
Nogueira ministra o curso Introdução aos Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. A
realização do curso foi bastante divulgada pela Comissão Nacional de Folclore.
(Menezes, 2010)
Em 1960 o Conselho da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro determina a
publicação do livro Manual de Coleta Folclórica escrito por Renato Almeida. Sobre as
motivações que o levaram a escrever este livro expressa Almeida, em correspondência,
de 1961, com, o etnólogo português, Jorge Dias:
Não se trata de pesquisa, mas de coleta, feito para uma mentalidade de professora pública
ou agente de estatística, a quem se possa pedir para fazer os levantamentos iniciais, que
orientem as pesquisas gerais... E interessa-nos muito fazer cursos, porque o pessoal
habilitado para pesquisa é pequeno.
É possível então que estes cursos tenham impresso um certo padrão de pesquisas
folclóricas, assim como o livro escrito por Renato Almeida. No entanto, a variada
formação inicial de muitos destes intelectuais e a não institucionalização acadêmica dos
estudos de folclore produziram formas de pesquisar bastante variadas.
O nível de profundidade com que são realizados a pesquisa de campo e a própria
explicitação do trabalho de campo é algo que varia bastante.
Muitos artigos e Cadernos seguem a estrutura de apresentar as origens históricas
de uma determinada manifestação cultural, algum tipo de apresentação sobre a localidade
em que esta ocorre, como dados sócio econômicos, a descrição da origem social dos
brincantes, sua cor, idade e gênero, e uma sequência das etapas seguidas na realização de
um determinado auto ou folguedo. O texto geralmente vem acompanhado de partituras,
versos, esquemas coreográficos e fotografias. Muitas vezes as fotografias são
acompanhamentos ilustrativos dos textos.
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Ainda que no Manual1se chame a atenção para a multiplicidade de ângulos e para os
detalhes, seleciona-se, não raro, para “divulgação científica” ou para composição gráfica
– talvez devido ao alto custo da reprodução – a fotografia-síntese que ilustra ou enfeixa a
argumentação textual. (Segala, 1999: 83)
Outra característica destes artigos é denominar o trabalho de campo de
coleta/colheita. Muitos autores não explicitam no artigo a forma como produziram os
dados empíricos que são objeto do artigo outros utilizam o termo coleta, assim informam
que os dados de campo foram coletados numa determinada localidade e/ou período.
Em algum dos artigos a relação do autor com o objeto cultural descrito é bem
próxima, mas poucas vezes no próprio sentido do autor ter sido um brincante, muitas
vezes o objeto cultural é próximo ao autor – seriam muitas vezes seus empregados ou
pessoas de sua família.
Um desses casos de proximidade é o de Maria de Lourdes Borges Ribeiro,
folclorista da Comissão Paulista de Folclore, Borges Ribeiro ao falar sobre o Jongo
(Caderno 34) no Vale do Paraíba remete-se à sua infância onde ela havia convivido com
ex-escravizados que haviam permanecido na fazenda da sua avó. “A mais antiga
recordação que tenho do Jongo é a descrição que dele minha avó fazia ao se referir às
danças dos escravos. ” Ribeiro “cria” a figura do jongueiro a partir de sua imaginação e
experiência do universo da fazenda, ao recordar cenas de sua infância:
Ao imaginar as fogueiras, no terreiro da Fazenda dos Lemes, transformava em jongueiros
os negros centenários que por lá ficaram como agregados e foram um dos encantos da
minha infância: o Ventura, o Adão, a Rosa Lemes, e outros que não moravam mais nas
casas brancas que se alinhavam perto das tulhas.
Neste sentido a referência a algo que o autor viu ou vivenciou na infância é
recorrente.
Muitos foram criados num engenho, numa casa grande. Ao mesmo tempo eram pessoas
que tinham suas amas, amigos e companheiros, empregados, no meio popular. De alguma
forma, eles participavam desses dois mundos de cultura, o Brasil está cheio de figuras
assim, como Celso Magalhães (Maranhão), Théo Brandão (Alagoas), Silvio Romero
(Sergipe) ou Câmara Cascudo (Rio Grande do Norte). (Cavalcanti, 2012:3)
1 Almeida, Renato. Manual de coleta folclórica. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro (Col. Folclore Brasileiro, 1), 1965.
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Conforme nos falam Cavalcanti e Chaves muitos desses folcloristas eram
intelectuais de província e o lugar de que eles falam indica muito de seu bi-culturalismo.
Eram indivíduos de elite que mas que também tinham acesso a um universo cultural
popular próximo. Um desses casos é Théo Brandão. Théo Brandão nasceu em Viçosa,
Alagoas, em 1907. Ele era neto de senhor de engenho e formou-se em medicina. Como
nos informa Chaves a produção de registros da cultura popular de Brandão era
autofinanciada. Talvez este fato tenha contribuído ainda mais para esta relação
pessoalizada com o universo popular.
Théo Brandão escreveu sobre as Cavalhadas em Alagoas. Á diferença da maioria
dos outros folguedos pesquisados, por ele e por outros autores, as Cavalhadas de Alagoas
são apontadas por Théo Brandão como uma prática de elite. Brandão se insere neste
universo da Cavalhada, embora seja um espectador e não um praticante da Cavalhada, o
seu lugar não é junto ao povo, à torcida. Brandão poderia ser um Cavaleiro, como o são
parentes próximos seus. A proximidade é explicitada no texto, seja na fala de seu primo
Sinfrônio Vilela, matinador ao falar das mudanças que estão ocorrendo no
comportamento de Cavaleiros: “Quando eu corria Cavalhada, era matinador o meu pai ou
o seu avô – meu tio Zé Aprígio.” (Caderno 24, pg. 30) Mais uma vez Brandão faz-se
presente no universo das Cavalhadas de Alagoas ao falar de uma recordação e da
promoção de uma Cavalhada: “Recordo-me que, ainda em 1955, promovi, a pedido do
governo do estado, para uma reunião da Juventude Mundial, uma exibição da
Cavalhada...”
Théo Brandão apresenta dois artigos sobre as Cavalhadas: um é no Caderno 24
Cavalhadas (edição de 1978) e o outro é um artigo no nº 3 da RBF (1962). Embora
publicado com 16 anos, de distância temporal, os artigos não variam muito em seu
conteúdo. O caderno 24 é uma versão adaptada, com notas elaboradas pelo autor em
dezembro de 1977. Esta versão de 1977 também apresenta uma introdução mais elaborada
sobre as origens ibéricas da Cavalhada. Ambos artigos apresentam as mesmas 3 fotos de
Marcel Gautherot, o artigo da RBF apresenta mais duas fotos de outro fotógrafo, Stubert.
Cavalhadas é para Brandão uma prática de elite. “Assim, são os proprietários
rurais – senhores de engenho, fazendeiros, seus filhos e parentes, negociantes abastados
e de famílias tradicionalmente ligadas ao campo – os principais elementos participantes
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das Cavalhadas. ” A torcida, no entanto, é popular: “Apesar, assim, de praticada por uma
determinada classe da sociedade, a Cavalhada, pelo menos entre nós, nas Alagoas, é um
divertimento do povo, um folguedo que arrasta para assisti-lo uma multidão pertencente
a todas as classes sociais. ”
Brandão justifica que a Cavalhada seja folclórica justamente pelo fato da torcida
ser de populares: “Este fato, portanto, é importantíssimo, a nosso ver, para tornar estes
dois folguedos (Pastoris e Cavalhadas) não somente de uma continuada vivência, mas
para transformá-los realmente em populares, folk, conquanto por suas origens e pelos
executantes não sejam realmente populares. ” (Caderno 24, pg. 15)
Assim, apesar do povo neste caso não estar no papel do observado e sim no de
observador, Brandão de alguma forma inverte esta relação ao transformar novamente o
povo em observado por hipotéticos visitantes:
Folcloristas, escritores, viajantes que assistem em Maceió os nossos autos e folguedos
ficam realmente admirados de encontrar uma certa época do ano – toda uma população
dividida, não em partidos religiosos, políticos ou esportivos, mas em duas cores. (Caderno
24, pg. 15)
As fotos parecem refletir esta primazia de um jogo de elite observado por
populares, que por sua vez também seriam observados. São apresentadas 3 fotos de
Marcel Gautherot: a primeira é uma foto que mostra o cavaleiro passando montado no
seu cavalo pela pista, o cavaleiro está em primeiro plano e, compondo a paisagem, o
público, que torce nas duas margens da pista; a 2ª foto é a de um cavaleiro montado em
seu cavalo, ele olha diretamente para a câmara; sua postura altiva, o olhar direto está bem
descrito na legenda “o garbo e a destreza do homem e do animal se fundem no concorrido
torneio eqüestre.” A legenda aparece na versão posterior, a de 1977; seria uma percepção
retrospectiva de Brandão sobre a foto? Atrás bem ao fundo o que parecem ser
espectadores.
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As outras duas fotos de Gautherot são de dois cavaleiros parados montados sobre
os seus cavalos; esta foto parece ressaltar a fina indumentária de cavalo e cavaleiro. Assim
nesta sequência podemos observar que diferente da maioria dos Cadernos que tratam de
práticas executadas por populares; aqui é a elite a praticante, e nas fotos o olhar altivo que
não desvia da câmara fotográfica, encara-a, contrasta com as muitas fotos de populares
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que tem o rosto na sombra ou um olhar cabisbaixo. As duas fotos de Stubert retratam os
cavaleiros passando em fileira e a uma distância (2 metros aproximadamente) do público,
também em fileira assistindo atentamente.
É importante perceber também a importância que o ato de produção e publicação
de imagens tinha na construção deste objeto. Conforme demonstra Segala o ato de registro
das manifestações culturais não é simplesmente o registro de imagens, mas a própria
seleção daquilo que é fotografado contribui para a canonização de certas práticas
populares como sendo folclóricas: “O fotografo alarga esse recorte já consagrado que
essencializa grupos sociais, incluindo figurações novas, tipos de rua, artes e festas
populares, devocionais e profanas. ” (Segala, 2005:74)
O Caderno Quilombo, à diferença do caderno e artigo Cavalhadas de Alagoas é
sobre um Auto Popular, o auto do Quilombo. O auto dos Quilombos é um auto popular
executado principalmente por negros e caboclos. Brandão à diferença da relação com os
praticantes das Cavalhadas não relata ter proximidade de parentesco ou amizade com os
praticantes do Quilombo. No entanto também na descrição deste auto Brandão se coloca
de forma mais pessoal como quando se refere ao Quilombo: “Como na maioria dos nossos
folguedos populares...” Quando refere-se aos nossos Brandão está falando daqueles
folguedos que representam o estado de Alagoas. E assim como nas Cavalhadas, Brandão
também comenta as transformações sofridas no Auto do Quilombos. É interessante
observar a constatação de que o Auto do Quilombo estava perdendo seus espectadores de
classe mais alta:
Com o passar do tempo, entretanto, já não mais há, na maioria do público assistente,
aquela solidariedade que havia outrora entre ele e brincantes de autos populares,
sobretudo porque a antiga assistência de senhores rurais, da aristocracia do interior ou da
burguesia da capital, já não frequenta e assiste, como outrora, os nossos folguedos
populares, sendo substituída por uma população que ou não possui suficiente fortuna, ou
não tem a mesma tradição de premiar os artistas folclóricos.
Assim pode-se observar uma inversão: se as Cavalhadas eram uma prática de elite
assistida por populares; o auto do Quilombo é uma prática popular assistida pela elite.
No caso de Brandão tem-se em Cavalhadas de Alagoas e Quilombo uma forma
pessoalizada de descrever uma prática cultural considerada pelo autor como sendo
folclórica. Embora a relação de proximidade com a população e manifestações culturais
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estudadas apareça em diversos artigos não há praticamente casos em que um participante
seja também o autor de um artigo. Uma exceção é Déoscoredes Maximiliano dos Santos
(Didi) que escreve sobre a Festa da Mãe d’Agua em Ponta de Areia, Itaparica, Bahia, e é
sacerdote do Culto de Egun. Didi é também funcionário da Superintendência de Turismo
de Salvador. Ele explica que iniciou a pesquisa sobre a festa da Mãe D’agua quando
Edison Carneiro solicitou que ele ajudasse uma pesquisadora argentina, ligada a
instituição de pesquisa dos Estados Unidos, a obter entrada no campo das seitas de origem
ou influências africanas. Talvez, então, não fosse pelo papel mediador de Edson Carneiro2
Didi não exerceria simultaneamente os papéis de participante e observador, ou de
folclorista e folclorizado.
Alguns dos artigos além do aspecto da pesquisa apresentam também pontos
programáticos relacionados a ações que os autores recomendam com o objetivo de que
determinada prática cultural seja preservada.
Assim Guilherme Santos Neves em Caderno de sua autoria sobre o auto de
Congos, Ticumbi (Caderno 12), clama às autoridades ações no sentido de preservar o
Ticumbi, considerando que apenas o seu registro é insuficiente para tal propósito.
Em vez da simples descrição – como a que aqui se fez – e a recolha dos elementos para
documentário de arquivo, o que é de importância capital é o estímulo que se deve dar a
esses grupos folclóricos; é o amparo, o auxílio, a colaboração dos poderes públicos, do
clero, do comércio, de todo o conglomerado social, para que esses conjuntos não se
desfaçam, mas – ao revés – possam prosseguir suas belas representações populares, nas
épocas marcadas pelo seu próprio calendário.
Os que se aproximam mais de um trabalho de campo antropológico são os
cadernos de autoria de Sergio Ferreti et al., Beatriz Dantas e Sandra Carneiro. O Caderno
de Carneiro, Balão no céu, alegria na terra. Estudo sobre as representações e a
2 Rossi em sua tese sobre a trajetória de Edison Carneiro aponta para a sua figura de mediador entre o
mundo dos terreiros e o mundo das elites baianas. “A saber, a posição de uma espécie de mediador
exercida em diferentes níveis: de um lado, localmente, entre o povo de santo e as elites baianas, se
convertendo gradualmente em porta-voz e mandatário das demandas políticas e simbólicas dos
candomblés baianos, que Edison encaminhava a um público abrangente na forma de artigos, notícias e
reportagens.” (Rossi, 2011:144)
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organização social dos baloeiros, encerra a série Cadernos e seria o mais antropológico.
Trata-se da publicação resumida de uma dissertação de mestrado defendida num
programa de pós-graduação em Antropologia Social. Com exceção de Rossini Tavares
de Lima não há citação de autores folcloristas na bibliografia. A autora ressalta esta
diferença de seu trabalho para trabalhos anteriores de folcloristas sobre os balões,
considerando que estes tem uma visão romântica e não analisam o contexto social em
torno da baloagem:
...na grande parte dos estudos e artigos publicados sobre o tema não há uma preocupação
maior em analisar o significado que estas festas têm para determinados indivíduos e
grupos específicos. Isto talvez possa ser explicado pelo fato de a maioria dos trabalhos
consultados inscreverem-se em uma vertente de estudos de folclore que tem como suporte
uma idealização romântica da tradição e da procura de maior ou menor autenticidade.
Os três últimos Cadernos são publicados num período em que a direção do
Instituto Nacional de Folclore havia passado de um folclorista, Braulio Nascimento, para
uma museóloga, Lélia Coelho Frota, que buscava dialogar com o campo institucional da
antropologia. Esse caderno não tem fotos, nem na capa.
Beatriz Dantas não tem nenhum artigo publicado na Revista, apenas nos cadernos.
Este fato dá-se porque Dantas entrou em contato com a CDFB apenas no período em que
Braulio (1974-1982) era presidente. Enquanto a RBF vai do período de 1961 a 1976, a
segunda série dos Cadernos de Folclore é de 1975 a 1986. Assim a série Cadernos é mais
representativa deste segundo período de retomada da Campanha e de suas ações.
Dantas escreveu três cadernos. O que pode depreender-se de seus cadernos é que
embora tenha muitas características semelhantes aos cadernos de folcloristas como
partituras, versos, coreografias, o uso do termo coleta e a preocupação em desenvolver a
origem histórica dos autos, por outro lado há também análises sociológicas.
No caderno Chegança, Dantas conclui que há uma relação entre a ordem social e
a hierarquia dos personagens do auto: “No seu todo, a Chegança, através da temática de
mouros e cristãos ou dos motivos de inspiração marítima, seria uma representação
dramática veiculadora de valores que ajudam a manutenção da ordem da sociedade. ”
Também em Dança de São Gonçalo, Dantas observa esta analogia entre a promessa ao
Santo e a estrutura paternalista da sociedade rural: “Tem-se mostrado que, refletindo a
estrutura da sociedade paternalista, os conceitos de “promessa”, “proteção”, “pedido”,
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“milagre”, e “mostrar respeito” são conceitos nucleares nas crenças e práticas religiosas
rurais do Brasil. ”
Em relação às fotos dos Cadernos de autoria de Dantas podemos ver que a maioria
das fotos são complementares ao texto. No caso dos cadernos Taieras as fotos
demonstram as diferentes etapas do cortejo, são fotos que focam-se no movimento, no
momento de execução de cada uma das etapas das Taieras. As fotos aparecem com
legendas indicando a etapa da Taieira que está sendo executada. Assim vemos fotos das
seguintes situações: crianças adornadas caminhando num cortejo, o instante de
“coroação” de uma rainha, os personagens da Taieira diante do altar e duas fotos de
crianças cruzando espadas enfeitadas – momento conhecido como “combate” na dança
das Taieras. Apenas na capa de Taieras temos a foto de Bilina, a organizadora da Taieira
de Laranjeiras, vestida a caráter e situada em plena festa, ao seu lado um rapaz tocando
tambor, tendo os outros participantes ao fundo.
O Caderno Dança de São Gonçalo apresenta também fotos com legendas
ilustrativas das etapas da dança. Nestas fotos são focados principalmente as etapas
seguidas na Dança de Culto à São Gonçalo: o ensaio geral, a procissão, a chegada à
Capela. Na capa aparecem os dançadores numa procissão. Os rostos e a expressão facial
dos integrantes, seja no Caderno Taieras, seja no Caderno Dança de São Gonçalo, são
pouco focados. No caderno Chegança há também fotos das etapas do auto, inclusive a
capa. Este caderno, no entanto, tem uma foto de página inteira em que os personagens da
Cheganças, os Mouros - rei, ministro e embaixadores - posam para a foto.
Em entrevista à Cavalcanti, Dantas fala sobre a sua formação, vida profissional e
de como surgiu a ideia da pesquisa sobre as Taieras. Ela foi aluna de Felte Bezerra – que
também é autor de artigos na RBF – e foi segundo ela o fundador da antropologia em
Sergipe. Em 1969, Dantas já dava aula na Universidade de Sergipe e fez o Curso de
Pesquisa em Ciências Sociais no Instituto Joaquim Nabuco. Num curso que dava na
Universidade sobre o folclore do Negro, Dantas ficou sabendo sobre as Taieras através
de um aluno. É interessante observar que Dantas busca orientação sobre como proceder
à pesquisa inicialmente no campo do folclore. Assim ela escreve para a CDFB e passa a
se corresponder com Vicente Salles. Outro personagem da rede de folcloristas que foi
importante para Beatriz é Theo Brandão que lhe deu uma carta de referência. Com esta
carta em mãos Dantas inclusive publicou seu livro sobre as Taieras pela editora Vozes.
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Ainda tecendo relações com a rede de folcloristas, Dantas conhece Braulio Nascimento,
então presidente da CDFB, e este encomenda novos cadernos para ela.
Apesar destas relações traçadas com folcloristas Dantas expressou que tentou
fazer uma monografia de sua pesquisa com as Taieras relacionando uma expressão
cultural religiosa com atores sociais, suas motivações.
Essa interlocução entre os campos da antropologia e do folclore não se deu sem
conflitos como relembra Beatriz Dantas a respeito de sua pesquisa sobre a Taieras, que
dentre outros produtos como uma monografia, resultou também na publicação de um
caderno. Em relação a este trabalho houve o questionamento por parte de Edison Carneiro
pelo fato de Dantas não ter realizado um trabalho suficientemente folclórico e por parte
de Maria Isaura Pereira de Queiroz por não ter feito um trabalho mais sociológico.
Ferreti menciona em entrevista que o Caderno Dança das Taieras de Dantas havia
servido de roteiro para as pesquisas que resultaram nos Cadernos Tambor de Crioula e
Dança do Lelê.
Ferreti chega ao Maranhão no começo da década de 1960 e ainda nesse começo
de década realizou uma pós-graduação em Sociologia do Desenvolvimento na Bélgica.
No final da década de 1960 ingressa na UFMA, não havia um curso de Ciências Sociais,
apenas um Departamento de Sociologia. Ao mesmo tempo em que trabalhava na
Universidade, Ferreti também trabalhava na Secretaria de Cultura e dentro da Secretária
de Cultura no Museu Histórico ligado a esta. Ferreti entra para a Fundação Cultural no
Maranhão no mesmo período em que Domingos Vieira Filho assume a sua presidência,
por volta de 1976. Os dois entram em contato e Ferreti passa a ocupar o segundo cargo
do Departamento de Assuntos Culturais. É um momento de renovação da Comissão
Maranhense de Folclore em que jovens que trabalhavam no DAC, como o próprio Ferreti,
Valdelino Cécio, Joila Morais e Roldão Lima foram chamados para integrar a CFMA,
convite feito por Vieira Filho.
Vieira Filho sugeriu que fizessem uma pesquisa sobre a Dança do Lelê. Braulio
Nascimento foi para o Maranhão algumas vezes e conseguiu levantar junto à CDFB um
pequeno recurso para a pesquisa da dança do Lelê. A ideia da pesquisa da Dança do Lelê
no município de Rosário era “observar, tirar fotografia, filmar e conseguir material para
o futuro Museu do Folclore”. A pesquisa durou três meses, Murilo Santos, cineasta do
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Maranhão, fez um pequeno filme. O irmão dele Joaquim Santos é músico e fez a parte
musical. Não eram pessoas que tivessem treinamento em Ciências Sociais, Joila Moraes
era matemático e Valdelino era formado em Direito e a formação de Ferreti, que é oriundo
do Rio de Janeiro, é em história e museologia.
A pesquisa sobre o Tambor de Crioula teve uma duração de tempo maior do que
a do Lelê, tendo durado um ano e tendo sido realizada com recursos angariados por
Domingos Vieira Filho. Carlos Rodrigues Brandão passou uma semana no Maranhão e
ministrou um curso de folclore para a equipe a pedido deles. Outra pessoa que trabalhava
com Ferreti, Manhães deu um curso sobre Negro para a equipe. A equipe era composta
pelos já referidos estudantes do DAC e por estudantes bolsistas. A equipe fez
levantamento em fontes de jornais do século XIX e XX para encontrar material sobre
perseguições policiais e festas de negros. A preparação e formação para a pesquisa incluía
reuniões semanais da equipe com leituras de Artur Ramos e Roger Bastide. Foram feitas
entrevistas com grupos. Ferreti tinha contato com etnomusicólogos de fora do Brasil e o
músico Joaquim Santos fez um esforço no sentido de fazer partituras adaptadas à música
popular. Uma etnomusicóloga americana, que estava de passagem pelo Maranhão,
Patrícia Sandler, ajudou com o trabalho de Joaquim Santos. Foi feita também o desenho
da dança do Tambor de Crioula, mas não pela mesma pessoa que fizera o da dança do
Lelê. Ferreti escreveu a maior parte do Tambor de Crioula.
Ferreti explica que, embora na época da pesquisa dos cadernos, não fosse mestre
em antropologia, dava aulas de antropologia e tinha interesse no assunto, buscando então
dar um enfoque em antropologia nas pesquisas que deram origem aos cadernos. Ferreti
lembrou-se também de Maristela Andrade, antropóloga, esposa de Murilo Santos e que
acompanhou a pesquisa do Lelê e os debates em torno da pesquisa.
Embora tenha havido uma separação entre os campos da antropologia e do folclore
este fato não se deu de forma igual em todos os lugares. Como aponta Cavalcanti (2012)
em alguns ambientes universitários a constituição de um campo de antropologia não
excluiu o campo dos estudos de folclore, pelo contrário o primeiro campo desenvolveu-
se a partir do segundo. Tanto Dantas quanto Ferreti transitavam por estes dois campos e
seus cadernos refletem este trânsito. A série Cadernos é emblemática da transição de uma
direção “folclórica” de uma instituição para uma direção “antropológica”. Se o último
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caderno é claramente um trabalho antropológico, outros como no caso dos de autoria de
Ferreti et al. e Dantas há uma interlocução entre a antropologia e o folclore.
Ao longo deste trabalho procuramos mostrar como sob a denominação comum de
folcloristas, Cadernos de Folclore e Revista Brasileira de Folclore abrigavam-se
intelectuais com níveis e origens de formação muito distintas e essas diferenças refletiam-
se em distintas formas de fazer pesquisa. É possível observar também a fluidez que houve
entre os campos da antropologia e dos estudos de folclore.
Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias
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Bibliografia:
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Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias
03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN”
Nascimento, Ana Carolina Carvalho de Almeida. O sexto sentido do pesquisador:
a experiência etnográfica de Edison Carneiro. Dissertação de Mestrado defendida no
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ. 2010
Reis, Daniel. Entre arquivose memórias: a respeito de uma narrativa audiovisual
sobre a CDFB Em busca da Tradição Nacional [1947-1964]. Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular (org.) Rio de Janeiro: CNFCP, 2008, pg.7-24.Encarte de CD
Rossi, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”: Edison Carneiro e o
Campo de estudos das relações raciais no Brasil. Tese defendida no Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social. Unicamp, Campinas, SP, 2011.
Segala, Lygia. “Fotografia, Folclore e Cultura Popular.” In: Cadernos de
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Vilhena, Luis Rodolfo da Paixão. Projeto e Missão: o movimento folclorista
brasileiro.(1947-64) Rio de Janeiro: Funarte:Fundação Getúlio Vargas, 1997.
Revista Brasileira de Folclore. Rio de Janeiro: CDFB/MEC, nºs 1-41, 1961-
1976.
Cadernos de Folclore. Rio de Janeiro: Funarte/MEC. nºs 1-35, 1975-1986.
Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias
03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN”
Palestra:
Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. Antropologia e estudos de
folclore em diálogo. Conferência proferida no Seminário Théo Brandão, a
Antropologia e os estudos de Folclore, em 22 de agosto de 2012.
Chavez, Wagner. Antropologia dos estudos de folclore: Notas sobre Théo
Brandão e a documentação sonora dos folguedos populares. Palestra proferida no
PPGSA/IFCS/UFRJ. Rio de Janeiro em novembro de, 2012.
Entrevistas:
Dantas, Beatriz; Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. 2012. DVD.
Ferreti, Sergio. Silva, Ana Teles da. 2013, áudio.