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degusta ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 1 0 D E J U N H O D E 2 0 1 2 EDUARDO AVELAR 2 MUITO prazer RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA Cozinha de corpo e alma A chef paulista Mara Salles, do famoso restau- rante Tordesilhas, em São Paulo, é dessas pessoas curiosas, inquietas. Há 30 anos ela não mede esfor- ços para chegar à perfeição das coisas, e se entrega de corpo e alma ao intento atrás das respostas. Não tem medo de se relacionar, de experimentar, de ousar. Convive, troca experiências e receitas, con- versa com um e com outro, com quem quer que seja para enriquecer o seu – já grande – conheci- mento gastronômico. No ano passado, ela lançou o livro Ambiências, histórias e receitas do Brasil, que trata um pouco sobre as coisas que admira: fei- joada, uma boa farofa, chuchu refogadinho, bucha- da, caldo de mocotó e “um golão de cachaça”. Na sua mais recente empreitada, uma viagem pela Serra da Canastra, região que visitou em mais de uma oportunidade, Mara Salles foi ver de perto como se dá a produção da famosa iguaria mineira: o queijo. Em companhia de João Carlos Leite, presi- dente da Associação de Produtores de Queijo Mi- nas Artesanal da Serra da Canastra (Aprocan), visi- tou alguns produtores, como Zé Mário, que teve o seu queijo considerado o melhor de Minas Gerais no ano passado. Também conheceu o casal Zé Pão e Romilda, pequenos produtores que fazem tudo sozinhos, desde o cuidado com a criação até a reti- rada do leite e a elaboração do queijo; chamam as vacas pelos nomes, de tanta intimidade que têm com elas. Mara dormiu no sítio deles, comeu pão de queijo, trocou receitas e trouxe, na mala, nata, soro e queijo. Com isso nas mãos e muitas horas de experi- mentação na cozinha, definiu o cardápio apresen- tado no jantar que promoveu no último fim de se- mana. Para abrir a noite, em uma queijeira clássi- ca foram apresentados queijos artesanais dos me- lhores produtores da Canastra, servidos com ca- chaças mineiras. Em seguida, foi a vez do lobozó, prático típico da região, que mistura vegetais fres- cos, ovos, queijo, cebolinha e farinha de milho. O ovo caipira pochê, cozido no soro, veio em segui- da, e, depois, talharim de abobrinha ao molho de três queijos, fresco, meia cura e curado (receita nesta página) e mexidinho de miniarroz com queijo bem curado e pimenta-de-cheiro, servido com galinha caipira de panela. Para terminar, a cre- mosa nata com sabor levemente defumado, já que o leite que lhe deu origem foi fervido no fogão a le- nha, encimando uma taça com frutas ao natural e sob a forma de geleia ou xarope (banana, cupuaçu e umbu), servida com uma crocante e dourada cas- quinha rendada, feita com canastra fresco frito. MÍRIAN PINHEIRO Talharim de abobrinha aos três queijos da Canastra 4 abobrinhas médias bem fresquinhas; 100g de queijo fresco ralado fino; 150g de queijo meia cura ralado fino; 200g de queijo curado ralado fino; 1 pitada de noz-moscada ralada; 500ml de creme de leite fresco; 3l de água para o cozimento da abobrinha; 1 colher de sopa rasa de sal; 6 tomates holandeses; 50g de aliche; 4 ramos de manjericão; 6 dentes de alho amassados com a casca; 1/2l de azeite de oliva; 2 folhas de louro; 10 grãos de pimenta-do-reino quebrados e gelo. INGREDIENTES PARA 6 PORÇÕES TALHARIM: corte apenas os pescoços da abobrinha (use a parte de baixo do legume, onde estão as sementes, em outra receita). Rale numa mandolina, formando fios como os de macarrão. Ponha a água para ferver, temperada com o sal. Quando entrar em ebulição, ponha a abobrinha e deixe não mais que um minuto. Escorra e ponha os fios imediatamente sobre gelo para interromper o cozimento. Reserve. MOLHO: aqueça o creme de leite fresco e vá adicionando os três queijos aos poucos, mexendo para que se fundam. Ponha uma pitada de noz-moscada, coe e reserve. TOMATES CONFITADOS: lave os tomates, preservando os cabinhos. Faça uma incisão profunda na parte inferior de cada um deles e ponha aliche dentro. Coloque-os numa assadeira pequena, de forma que fiquem juntinhos. Salpique com pimenta-do-reino e distribua o louro, os ramos de manjericão e os dentes de alho por cima. Regue com azeite até que chegue a um terço da altura da assadeira (cerca de meio litro). Leve ao forno pré-aquecido a 180 graus por 30 minutos. Na hora de servir, aqueça o molho e envolva os fios de abobrinha nele. Sirva com o tomate confitado e lascas dos três tipos de queijo usados no molho. MODO DE FAZER IARA VENANZI/DIVULGAÇÃO Um domingo diferente Morar em cidade grande e que não tem mar nos faz sentir uma imensa necessidade de pôr os pés no chão, tomar banho de cachoeira ou simplesmente deitar na grama e “quentar sol”. Às vezes, ao chegar o fim de semana não planejado vem a questão: “O que fazer?”. Em época de sol tímido, mesmo acompanhado de um friozinho suportável, em cidades como Nova York a turma corre pro Central Park e a diversão ou a preguiça rolam soltas. Por aqui, também temos os programas tradicionais de domingo, parques pra todo gosto, praças, como a da Savassi, revitalizada, e muito mais. Mas de vez em quando ainda surgem momentos de “queria algo diferente...”. O enorme fluxo de veículos que saem de BH nos fins de semana dão o tom dessa necessidade de buscar programas alternativos, especialmente que ofereçam boa comida em contato direto com a natureza. As cidades próximas recebem milhares de turistas, que movimentam o comércio e, principalmente, os restaurantes de Sabará, Lagoa Santa, Nova Lima, Macacos e da região do Vale do Charme, no entorno da Serra da Moeda. Escondidas nas montanhas e matas, há opções de comida simples e alta cozinha, boas ofertas de vinhos e cervejas artesanais, enfim, ofertas para todos os gostos e bolsos. Ainda há locais cujo valor agregado supera de longe o apetite de quem busca um programa diferente, estabelecimentos cujos donos ficam na linha de frente, como nos bistrôs franceses ou nas trattorias italianas. No entorno da capital temos muitas “comidinhas caseiras” que nos proporcionam momentos de alegria, harmonizando natureza, boa prosa e boa cozinha. Nas encostas da Serra da Moeda há preciosidades escondidas na mata que são conhecidas, a despeito de seus nomes oficiais, como a casa do Abraão, o sítio dos Fábios (pai e filho), a casa do Rodolfo e da dona Vera, a casa velha do casal Fernando e Suely. Essa introdução toda é para contar sobre uma grande descoberta. Depois de ouvir de minha mulher o clássico “Quero fazer algo diferente”, proferido com aquele tom de “sugestão”, no fim de semana passado a levei, sem discutir, para tomar café da manhã num lugar desses, inusitado. Logo abaixo do Condomínio Retiro do Chalé, está escondida a casa de campo do casal Márcia (professora de ioga) e Sérgio (marceneiro), que nos fins de semana descansa carregando pedras para atender no seu Café Jala, sempre sob reserva, pessoas que buscam algo diferenciado. E põe diferencial nisso, pois até parece que quem mais se diverte são eles, tamanha a sua gentileza e competência. Com a maior simplicidade e informalidade, eles começam a preparar, ainda de madrugada, pães artesanais mágicos com recheios orientais ou mediterrâneos, que são servidos acompanhados de sucos de frutas naturais com especiarias, coalhadas e geleias (também naturais), chás, manteigas de ervas, temperos caseiros e prosa agradável. Portanto, num dia desses sem assunto, se sua mulher der aquela “sugestão”, não se aperte. Alternativa é o que não falta.

Coluna Muito Prazer

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Coluna Muito Prazer do dia 10 de junho de 2012

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degustaE S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 0 D E J U N H O D E 2 0 1 2

EDUARDO AVELAR

2

MUITOprazer

RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA

Cozinha deccoorrppoo ee aallmmaaA chef paulista Mara Salles, do famoso restau-

rante Tordesilhas, em São Paulo, é dessas pessoascuriosas, inquietas. Há 30 anos ela não mede esfor-ços para chegar à perfeição das coisas, e se entregade corpo e alma ao intento atrás das respostas. Nãotem medo de se relacionar, de experimentar, deousar. Convive, troca experiências e receitas, con-versa com um e com outro, com quem quer queseja para enriquecer o seu – já grande – conheci-mento gastronômico. No ano passado, ela lançouo livro Ambiências, histórias e receitas do Brasil,que trata um pouco sobre as coisas que admira: fei-joada, uma boa farofa, chuchu refogadinho, bucha-da, caldo de mocotó e “um golão de cachaça”.

Na sua mais recente empreitada, uma viagempela Serra da Canastra, região que visitou em maisde uma oportunidade, Mara Salles foi ver de pertocomo se dá a produção da famosa iguaria mineira:o queijo. Em companhia de João Carlos Leite, presi-dente da Associação de Produtores de Queijo Mi-nas Artesanal da Serra da Canastra (Aprocan), visi-tou alguns produtores, como Zé Mário, que teve oseu queijo considerado o melhor de Minas Geraisno ano passado. Também conheceu o casal Zé Pãoe Romilda, pequenos produtores que fazem tudosozinhos, desde o cuidado com a criação até a reti-

rada do leite e a elaboração do queijo; chamam asvacas pelos nomes, de tanta intimidade que têmcom elas. Mara dormiu no sítio deles, comeu pãode queijo, trocou receitas e trouxe, na mala, nata,soro e queijo.

Com isso nas mãos e muitas horas de experi-mentação na cozinha, definiu o cardápio apresen-tado no jantar que promoveu no último fim de se-mana. Para abrir a noite, em uma queijeira clássi-ca foram apresentados queijos artesanais dos me-lhores produtores da Canastra, servidos com ca-chaças mineiras. Em seguida, foi a vez do lobozó,prático típico da região, que mistura vegetais fres-cos, ovos, queijo, cebolinha e farinha de milho. Oovo caipira pochê, cozido no soro, veio em segui-da, e, depois, talharim de abobrinha ao molho detrês queijos, fresco, meia cura e curado (receitanesta página) e mexidinho de miniarroz comqueijo bem curado e pimenta-de-cheiro, servidocom galinha caipira de panela. Para terminar, a cre-mosa nata com sabor levemente defumado, já queo leite que lhe deu origem foi fervido no fogão a le-nha, encimando uma taça com frutas ao natural esob a forma de geleia ou xarope (banana, cupuaçue umbu), servida com uma crocante e dourada cas-quinha rendada, feita com canastra fresco frito.

MÍRIAN PINHEIRO

TTaallhhaarriimm ddee aabboobbrriinnhhaa aaooss ttrrêêss qquueeiijjooss ddaa CCaannaassttrraa

4 abobrinhas médias bem fresquinhas; 100g de queijo fresco ralado fino; 150g de queijo meiacura ralado fino; 200g de queijo curado ralado fino; 1 pitada de noz-moscada ralada; 500ml decreme de leite fresco; 3l de água para o cozimento da abobrinha; 1 colher de sopa rasa de sal; 6tomates holandeses; 50g de aliche; 4 ramos de manjericão; 6 dentes de alho amassados com acasca; 1/2l de azeite de oliva; 2 folhas de louro; 10 grãos de pimenta-do-reino quebrados e gelo.

INGREDIENTES PARA 6 PORÇÕES

TALHARIM: corte apenas os pescoços da abobrinha (use a parte de baixo do legume, onde estãoas sementes, em outra receita). Rale numa mandolina, formando fios como os de macarrão.Ponha a água para ferver, temperada com o sal. Quando entrar em ebulição, ponha a abobrinhae deixe não mais que um minuto. Escorra e ponha os fios imediatamente sobre gelo parainterromper o cozimento. Reserve. MOLHO: aqueça o creme de leite fresco e vá adicionando ostrês queijos aos poucos, mexendo para que se fundam. Ponha uma pitada de noz-moscada, coee reserve. TOMATES CONFITADOS: lave os tomates, preservando os cabinhos. Faça uma incisãoprofunda na parte inferior de cada um deles e ponha aliche dentro. Coloque-os numa assadeirapequena, de forma que fiquem juntinhos. Salpique com pimenta-do-reino e distribua o louro, osramos de manjericão e os dentes de alho por cima. Regue com azeite até que chegue a um terçoda altura da assadeira (cerca de meio litro). Leve ao forno pré-aquecido a 180 graus por 30minutos. Na hora de servir, aqueça o molho e envolva os fios de abobrinha nele. Sirva com otomate confitado e lascas dos três tipos de queijo usados no molho.

MODO DE FAZER

IARA VENANZI/DIVULGAÇÃO

Um domingoddiiffeerreennttee

Morar em cidade grande e quenão tem mar nos faz sentir umaimensa necessidade de pôr os pésno chão, tomar banho decachoeira ou simplesmente deitarna grama e “quentar sol”. Às vezes,aochegarofimdesemananãoplanejado vem a questão: “O quefazer?”. Em época de sol tímido,mesmo acompanhado de umfriozinho suportável, em cidadescomo Nova York a turma corre proCentralParkeadiversãoouapreguiça rolam soltas. Por aqui,também temos os programas

tradicionais de domingo, parquespratodogosto,praças,comoadaSavassi, revitalizada, e muito mais.Mas de vez em quando aindasurgem momentos de “queriaalgo diferente...”.

O enorme fluxo de veículosque saem de BH nos fins desemana dão o tom dessanecessidade de buscar programasalternativos, especialmente queofereçam boa comida em contatodireto com a natureza. As cidadespróximas recebem milhares deturistas, que movimentam o

comércio e, principalmente, osrestaurantesdeSabará,LagoaSanta, Nova Lima, Macacos e daregião do Vale do Charme, noentorno da Serra da Moeda.Escondidas nas montanhas ematas, há opções de comidasimples e alta cozinha, boasofertas de vinhos e cervejasartesanais, enfim, ofertasparatodos os gostos e bolsos.

Ainda há locais cujo valoragregadosuperadelongeoapetitede quem busca um programadiferente, estabelecimentos cujosdonos ficam na linha de frente,como nos bistrôs franceses ou nastrattoriasitalianas.Noentornodacapital temos muitas “comidinhascaseiras” que nos proporcionammomentos de alegria,harmonizandonatureza,boaprosa e boa cozinha. Nas encostas

daSerradaMoedahápreciosidades escondidas na mataque são conhecidas, a despeito deseus nomes oficiais, como a casado Abraão, o sítio dos Fábios (pai efilho),acasadoRodolfoedadonaVera,acasavelhadocasalFernando e Suely.

Essaintroduçãotodaéparacontarsobreumagrandedescoberta. Depois de ouvir deminha mulher o clássico “Querofazer algo diferente”, proferidocom aquele tom de “sugestão”, nofim de semana passado a levei,semdiscutir,paratomarcafédamanhã num lugar desses,inusitado. Logo abaixo doCondomínio Retiro do Chalé, estáescondidaacasadecampodocasal Márcia (professora de ioga) eSérgio (marceneiro), que nos finsde semana descansa

carregando pedras para atenderno seu Café Jala, sempre sobreserva, pessoas que buscam algodiferenciado. E põe diferencialnisso, pois até parece que quemmais se diverte são eles, tamanhaa sua gentileza e competência.Com a maior simplicidade einformalidade, eles começam apreparar, ainda de madrugada,pães artesanais mágicos comrecheios orientais oumediterrâneos, que são servidosacompanhados de sucos defrutas naturais com especiarias,coalhadas e geleias (tambémnaturais), chás, manteigas deervas, temperos caseiros e prosaagradável. Portanto, num diadesses sem assunto, se suamulher der aquela “sugestão”,não se aperte. Alternativa éo que não falta.