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degusta ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2 EDUARDO AVELAR 2 MUITO prazer RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA Assunto corrente nas rodas gourmets nos remete às viagens gastronômicas pelo Velho Mundo. As descobertas de pequenas vilas com produtos típicos e sua utilização em receitas inesquecíveis temperam as discussões, geralmente referindo-se ao interior da França, Itália, Espanha ou Portugal. O que impressiona todos é o orgulho com que cada pequeno produtor conta suas histórias e fala de seus produtos. Pois é, amigo da cozinha, não me canso de insistir nesse canto gregoriano ao defender, repetidamente, a necessidade de buscar soluções para nossa história culinária, escrita por pequenos artesãos. A diferença de lá pra cá é a seriedade com que os governos cumprem suas atribuições básicas, especialmente em relação à infraestrutura para o turismo. Estradas ótimas e conservadas, livres de cargas perigosas, que geralmente são transportadas por trens, e também o ótimo transporte ferroviário que nos leva a todas as regiões. Acrescente-se o apoio aos produtores que preservaram suas tradições apesar de todas as pressões contrárias na implantação da zona do Euro. Que bom que, por lá, povo e profissionais reagiram, impedindo o apocalipse gastronômico. Já pensou nossas rodas de gourmets temperadas com ketchup e hambúrgueres macdonaldianos? A colher de pau, os tachos de cobre, os molhos naturais, os queijos crus e tantas iguarias tiveram seus valores culturais reconhecidos por lá. Por aqui, profissionais mal preparados ou talvez sugestionados renegam ou desconhecem suas próprias histórias e história, dificultando a vida dos pequenos produtores ao cumprir cartesianamente portarias no mínimo insensíveis. Temos que colocar essas questões em discussão e esclarecer se portarias federais que ignoram particularidades regionais têm realmente poder de lei e, acima de tudo, precisamos buscar estatísticas confiáveis que possam atestar os objetivos dessas exigências e sua eficácia. Apesar do samba de uma nota só, voltarei a falar do assunto sempre que me deparar com a falta de bom senso, como a que comprovei na última viagem que fiz à região de Divinópolis e Itaúna. Gostaria de saber o porquê de a carne de lata Xavante (iguaria única) ainda não ter autorização para ser comercializada em todo o estado e também fora. Será que os habitantes da região, que podem usufruir do prazer de degustá-la, têm anticorpos diferentes dos nossos? Não dá mais para ficarmos passivos diante dessas arbitrariedades ou perderemos nossa identidade. E por falar dessa belíssima região, descobri por lá nessa viagem uma jovem profissional, chef de cozinha, que a despeito de valores pregados por alguns entendidos nunca passou por restaurantes estrelados do Rio ou São Paulo, mas que depois de estudar no Sul do país e se profissionalizar, espelhando- se em exemplos de culturas fortes, voltou a Itaúna, onde tem brilhado no preparo de deliciosas receitas contemporâneas com sabores dos quintais de sua infância. Vale uma visita para conhecer o trabalho da jovem Mariana Falcão, que estrelou a edição de 23 de maio do nosso Guia Sabores de Minas, e entender, por meio do seu talento, por que Minas sempre esteve na vanguarda das artes no nosso Brasilzão. nota só Samba de uma SÍLVIA LAPORTE Diz a lenda que, apresentadas ao leite condensado durante a Se- gunda Guerra Mundial, as donas de casa brasileiras inventaram um docinho de preparo rápido que logo se tornou muito popu- lar. O nome com o qual foi batiza- do, brigadeiro, teria sido uma ho- menagem ao oficial da Aeronáu- tica Eduardo Gomes, que tinha es- sa patente. Candidato à Presidên- cia em 1945, o aviador de boa apa- rência caiu nas graças de um gru- po de eleitoras, que levantava fun- dos para a sua campanha venden- do os docinhos e gritando o slo- gan: “Vote no brigadeiro, que é bo- nito e solteiro”. Fato ou boato, não importa. Eduardo Gomes perdeu a eleição para Eurico Gaspar Dutra, mas a guloseima passou a ser um item importante do receituário nacio- nal, indispensável nas festas casei- ras. De uns tempos para cá, porém, o velho e bom brigadeiro ganhou ares gourmet e virou até tema de festival, como o que a chocolateria Qoy realiza até o dia 20. Prepara- dos com ingredientes de alta qua- lidade, os bombons de brigadeiro da marca mineira estão disponí- veis nos sabores branco com co- bertura ao leite, branco com coco queimado coberto com chocolate amargo (60% de cacau), capuccino com cobertura ao leite e castanha coberto com chocolate de avelã, além do tradicional brigadeiro com cobertura ao leite e do pão de mel recheado com brigadeiro com gotas de chocolate, como explica a mestre chocolatier Andréia Falci. EMPREENDEDORAS Nascidas em uma família de comerciantes, des- de que se entendem por gente as irmãs Andréia e Flávia Falci inven- tavam formas de ganhar seu pró- prio dinheirinho. “Ainda peque- nas, fazíamos pipoca para ven- der”, lembra Andréia. Na adoles- cência, as duas começaram a ex- plorar o caminho que viriam a se- guir profissionalmente. Andréia tinha 12 anos e Flávia 14 quando, em 1988, passaram a fazer barri- nhas caseiras de chocolate e bom- bom de brigadeiro para vender na escola onde estudavam, o tradi- cional Colégio Zilah Frota. “Foi as- sim que comprei a minha primei- ra mochila da Company”, conta, rindo, a mais nova das irmãs. Com o incentivo da mãe, Cláu- dia Falci, o negócio cresceu. As meninas criaram uma marca, a Doce Cacau, e em pouco tempo já vendiam seus doces para restau- rantes e outros estabelecimentos comerciais. Em 1988, montaram a primeira loja e em 2000 surgiu a primeira franquia. Há dois anos, com a decisão de investir num produto ainda mais diferenciado, veio a mudança de marca. Hoje, a franquia se chama Qoy, palavra que para as civilizações pré-hispânicas, as primeiras a usar o cacau na alimentação, tinha dois significados: “precioso” e “entre- ga”. “O grão de cacau servia de moeda de troca entre os povos na- quela época e o seu suco, energéti- co, sustentava os homens durante as longas caçadas”, conta Andréia. No sentido de entrega, acrescenta, a ideia é se permitir um prazer, em contraposição ao tabu de que cho- colate engorda muito. No fabrico das várias linhas de produtos, que vão de barras de chocolate com 60% a 80% de ca- cau em sabores como aniz-estre- lado, flor de sal, curry com coco queimado e cardamomo, entre outros, a preparados para fondue, passando por bombons tradicio- nais e pipoca coberta com choco- late, é usado um blend exclusivo de cacau brasileiro e equatoriano. Aos leitores do Degusta, An- dréia Falci sugere uma receita muito fácil e saborosa de cupcake que combina superbem com o docinho brasileiro por natureza. Cupcake de castanha em pedaços INGREDIENTES PARA 18 UNIDADES 350g de acúcar refinado; 220g de manteiga sem sal; 4 ovos; 12ml de essência de amêndoa; 220ml de leite; 350g de farinha de trigo sem fermento; 12g de fermento; 2g de sal e 20g de cacau em pó. MODO DE FAZER Bater o açúcar e a manteiga em temperatura ambiente, na batedeira, até virar um creme. Logo em seguida, acrescentar os ovos um a um, com a batedeira ligada, e reservar. Em outra vasilha, misturar a essência de amêndoa e o leite e reservar também. Usando outro recipiente, misturar o fermento, a farinha, o sal e o cacau em pó. Incorporar a primeira mistura (açúcar, manteiga e ovos) aos outros dois preparos, adicionando um pouco de cada vez, de forma alternada, até formar uma massa consistente. Pôr em forminhas e levar ao forno pré- aquecido, na temperatura de 250 graus, por aproximadamente 20 minutos. Esperar esfriar e, com uma faca, abrir um buraco no meio de cada bolinho e rechear com brigadeiro de castanha. Para finalizar, pôr a cobertura de brigadeiro e salpicar castanha picada por cima. Favorito do Brasil De substituto para guloseimas mais elaboradas em tempo de guerra, brigadeiro se tornou item importante do receituário nacional PEDRO MOTTA/ESP.EM/D.A PRESS

Coluna Muito Prazer

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Coluna Muito Prazer do dia 03 de junho de 2012

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degustaE S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2

EDUARDO AVELAR

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Assunto corrente nas rodas gourmetsnos remete às viagens gastronômicaspelo Velho Mundo. As descobertas depequenas vilas com produtos típicos esua utilização em receitas inesquecíveistemperam as discussões, geralmentereferindo-se ao interior da França, Itália,Espanha ou Portugal. O queimpressiona todos é o orgulho com quecada pequeno produtor conta suashistórias e fala de seus produtos.

Pois é, amigo da cozinha, não mecanso de insistir nesse canto gregorianoao defender, repetidamente, a

necessidade de buscar soluções paranossa história culinária, escrita porpequenos artesãos. A diferença de lá pracá é a seriedade com que os governoscumprem suas atribuições básicas,especialmente em relação àinfraestrutura para o turismo. Estradasótimas e conservadas, livres de cargasperigosas, que geralmente sãotransportadas por trens, e também oótimo transporte ferroviário que nos levaa todas as regiões. Acrescente-se o apoioaos produtores que preservaram suastradições apesar de todas as pressões

contrárias na implantação da zona doEuro. Que bom que, por lá, povo eprofissionais reagiram, impedindo oapocalipse gastronômico. Já pensounossas rodas de gourmets temperadascom ketchup e hambúrgueresmacdonaldianos? A colher de pau, ostachos de cobre, os molhos naturais, osqueijos crus e tantas iguarias tiveram seusvalores culturais reconhecidos por lá.

Por aqui, profissionais malpreparados ou talvez sugestionadosrenegam ou desconhecem suas própriashistórias e história, dificultando a vidados pequenos produtores ao cumprircartesianamente portarias no mínimoinsensíveis. Temos que colocar essasquestões em discussão e esclarecer seportarias federais que ignoramparticularidades regionais têmrealmente poder de lei e, acima de tudo,precisamos buscar estatísticas confiáveisque possam atestar os objetivos dessasexigências e sua eficácia.

Apesar do samba de uma nota só,voltarei a falar do assunto sempre queme deparar com a falta de bom senso,como a que comprovei na últimaviagem que fiz à região de Divinópolis e

Itaúna. Gostaria de saber o porquê de acarne de lata Xavante (iguaria única)ainda não ter autorização para sercomercializada em todo o estado etambém fora. Será que os habitantes daregião, que podem usufruir do prazer dedegustá-la, têm anticorpos diferentesdos nossos? Não dá mais para ficarmospassivos diante dessas arbitrariedadesou perderemos nossa identidade.

E por falar dessa belíssima região,descobri por lá nessa viagem uma jovemprofissional, chef de cozinha, que adespeito de valores pregados por algunsentendidos nunca passou porrestaurantes estrelados do Rio ou SãoPaulo, mas que depois de estudar no Suldo país e se profissionalizar, espelhando-se em exemplos de culturas fortes,voltou a Itaúna, onde tem brilhado nopreparo de deliciosas receitascontemporâneas com sabores dosquintais de sua infância. Vale uma visitapara conhecer o trabalho da jovemMariana Falcão, que estrelou a edição de23 de maio do nosso Guia Sabores deMinas, e entender, por meio do seutalento, por que Minas sempre esteve navanguarda das artes no nosso Brasilzão.

nota sóSamba de uma

SÍLVIA LAPORTE

Diz a lenda que, apresentadasao leite condensado durante a Se-gunda Guerra Mundial, as donasde casa brasileiras inventaramum docinho de preparo rápidoque logo se tornou muito popu-lar. O nome com o qual foi batiza-do, brigadeiro, teria sido uma ho-menagem ao oficial da Aeronáu-tica Eduardo Gomes, que tinha es-sa patente. Candidato à Presidên-cia em 1945, o aviador de boa apa-rência caiu nas graças de um gru-po de eleitoras, que levantava fun-dos para a sua campanha venden-do os docinhos e gritando o slo-gan: “Vote no brigadeiro, que é bo-nito e solteiro”.

Fato ou boato, não importa.Eduardo Gomes perdeu a eleiçãopara Eurico Gaspar Dutra, mas aguloseima passou a ser um itemimportante do receituário nacio-nal, indispensável nas festas casei-ras. De uns tempos para cá, porém,

o velho e bom brigadeiro ganhouares gourmet e virou até tema defestival, como o que a chocolateriaQoy realiza até o dia 20. Prepara-dos com ingredientes de alta qua-lidade, os bombons de brigadeiroda marca mineira estão disponí-veis nos sabores branco com co-bertura ao leite, branco com cocoqueimado coberto com chocolateamargo (60% de cacau), capuccinocom cobertura ao leite e castanhacoberto com chocolate de avelã,além do tradicional brigadeirocom cobertura ao leite e do pão demel recheado com brigadeiro comgotas de chocolate, como explica amestre chocolatier Andréia Falci.

EMPREENDEDORAS Nascidas emuma família de comerciantes, des-de que se entendem por gente asirmãs Andréia e Flávia Falci inven-tavam formas de ganhar seu pró-prio dinheirinho. “Ainda peque-nas, fazíamos pipoca para ven-der”, lembra Andréia. Na adoles-

cência, as duas começaram a ex-plorar o caminho que viriam a se-guir profissionalmente. Andréiatinha 12 anos e Flávia 14 quando,em 1988, passaram a fazer barri-nhas caseiras de chocolate e bom-bom de brigadeiro para vender naescola onde estudavam, o tradi-cional Colégio Zilah Frota. “Foi as-sim que comprei a minha primei-ra mochila da Company”, conta,rindo, a mais nova das irmãs.

Com o incentivo da mãe, Cláu-dia Falci, o negócio cresceu. Asmeninas criaram uma marca, aDoce Cacau, e em pouco tempo jávendiam seus doces para restau-rantes e outros estabelecimentoscomerciais. Em 1988, montaram aprimeira loja e em 2000 surgiu aprimeira franquia. Há dois anos,com a decisão de investir numproduto ainda mais diferenciado,veio a mudança de marca.

Hoje, a franquia se chama Qoy,palavra que para as civilizaçõespré-hispânicas, as primeiras a usar

o cacau na alimentação, tinha doissignificados: “precioso” e “entre-ga”. “O grão de cacau servia demoeda de troca entre os povos na-quela época e o seu suco, energéti-co, sustentava os homens duranteas longas caçadas”, conta Andréia.No sentido de entrega, acrescenta,a ideia é se permitir um prazer, emcontraposição ao tabu de que cho-colate engorda muito.

No fabrico das várias linhas deprodutos, que vão de barras dechocolate com 60% a 80% de ca-cau em sabores como aniz-estre-lado, flor de sal, curry com cocoqueimado e cardamomo, entreoutros, a preparados para fondue,passando por bombons tradicio-nais e pipoca coberta com choco-late, é usado um blend exclusivode cacau brasileiro e equatoriano.

Aos leitores do Degusta, An-dréia Falci sugere uma receitamuito fácil e saborosa de cupcakeque combina superbem com odocinho brasileiro por natureza.

CCuuppccaakkee ddeeccaassttaannhhaaeemm ppeeddaaççooss

INGREDIENTES PARA 18 UNIDADES

350g de acúcar refinado; 220g demanteiga sem sal; 4 ovos; 12ml deessência de amêndoa; 220ml de leite;350g de farinha de trigo sem fermento;12g de fermento; 2g de sal e 20g decacau em pó.

MODO DE FAZER

Bater o açúcar e a manteiga emtemperatura ambiente, na batedeira,até virar um creme. Logo em seguida,acrescentar os ovos um a um, com abatedeira ligada, e reservar. Em outravasilha, misturar a essência deamêndoa e o leite e reservar também.Usando outro recipiente, misturar ofermento, a farinha, o sal e o cacau empó. Incorporar a primeira mistura(açúcar, manteiga e ovos) aos outrosdois preparos, adicionando um poucode cada vez, de forma alternada, atéformar uma massa consistente. Pôr emforminhas e levar ao forno pré-aquecido, na temperatura de 250graus, por aproximadamente 20minutos. Esperar esfriar e, com umafaca, abrir um buraco no meio de cadabolinho e rechear com brigadeiro decastanha. Para finalizar, pôr a coberturade brigadeiro e salpicar castanhapicada por cima.

Favoritodo BrasilDe substituto para guloseimas mais

elaboradas em tempo de guerra,

brigadeiro se tornou item

importante do receituário nacional

PEDRO MOTTA/ESP.EM/D.A PRESS