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Quinta-feira, 22 de Março de 2012 Diário Ano XII Nº 2217 € 1,60 Director: Pedro Santos Guerreiro Directores-adjuntos: Helena Garrido, João Cândido da Silva Subdirector: Nuno Carregueiro Administrações da Carris e Metro vão cair Brisa e Soares da Costa reclamam 300 milhões ao Estado com fim do TGV Tribunal de Contas “chumbou” projecto de alta velocidade lançado pelo Governo Sócrates. Empresas querem reaver custos assumidos Empresas 11 Fusão avança já. Silva Rodrigues na calha para presidente. Linhas do Metro vão para a Refer José Silva Rodrigues, actual pre- sidentedaCarris,deveráseropri- meirolíderdaempresaquevaire- sultar da fusão entre a Carris e o Metro de Lisboa. Os órgãos de gestãodasduasempresasvãocair em bloco e, posteriormente, será constituída uma só administra- çãointegradaporquatroelemen- tos. Empresas 12 O guru, a subida da Bolsa e uma economia horrível Redacção Aberta John Authers Colunista sénior do Financial Times esta semana no Negócios. Páginas 4 a 9 Miguel Baltazar Receita extraordinária evita desastre nas contas públicas Economia 28 Fundos começaram a comprar dívida portuguesa “Há uma ‘jihad’ contra as energias renováveis”, diz Carlos Pimenta Ajuda à banca garante receita de 250 milhões por ano ao Estado Empresas 10 Hospitais privados denunciam falta de concorrência com Misericórdias Economia 30 Os juros da dívida pública estão a cair acentuadamente. Investidores estão a comprar. Mercados 16 e 17 Empresário acha que críticas ao sector são “uma loucura” e “chumba” papel do Governo. Empresas 13 Quinta-feira, 22 de Março de 2012 Diário Ano XII Nº 2217 € 1,60 Director: Pedro Santos Guerreiro Directores-adjuntos: Helena Garrido, João Cândido da Silva Subdirector: Nuno Carregueiro www.negocios.pt Greve Arménio Carlos diz que os trabalhadores têm medo Economia 26 e 27 IN Universitários criam projectos para promover o carro eléctrico

começaram CarriseMetrovãocair dívida portuguesa · Quinta-feira,22deMarçode2012 Diário AnoXII Nº2217 €1,60 Director:PedroSantosGuerreiro Directores-adjuntos:HelenaGarrido,JoãoCândidodaSilva

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Quinta-feira, 22 de Março de 2012� Diário � Ano XII � Nº 2217 � €1,60Director: Pedro Santos GuerreiroDirectores-adjuntos: Helena Garrido, João Cândido da SilvaSubdirector: Nuno Carregueiro

Administrações daCarris e Metro vão cair

Brisa e Soares da Costa reclamam300 milhões ao Estado com fim do TGVTribunal de Contas “chumbou” projecto de alta velocidade lançado peloGoverno Sócrates. Empresas querem reaver custos assumidos Empresas 11

� Fusão avança já. Silva Rodriguesna calha para presidente. Linhasdo Metro vão para a Refer

José Silva Rodrigues, actual pre-sidentedaCarris,deveráseropri-meirolíderdaempresaquevaire-sultar da fusão entre a Carris e oMetro de Lisboa. Os órgãos de

gestãodasduasempresasvãocairembloco e, posteriormente, seráconstituída uma só administra-çãointegradaporquatroelemen-tos. Empresas 12

O guru, a subidada Bolsa e uma

economia horrível

RedacçãoAbertaJohnAuthers

Colunista sénior doFinancial Times estasemana no Negócios. Páginas 4 a 9

Miguel Baltazar

Receita extraordináriaevita desastrenas contaspúblicas Economia 28

Fundoscomeçarama comprardívidaportuguesa

“Há uma ‘jihad’contraas energiasrenováveis”, dizCarlos Pimenta

Ajuda à bancagarante receitade 250 milhões porano ao Estado Empresas 10

Hospitais privadosdenunciam faltade concorrência comMisericórdias Economia 30

Os juros dadívida públicaestão a cairacentuadamente.Investidoresestão a comprar.Mercados16 e 17

Empresário achaque críticasao sector são“uma loucura” e“chumba” papeldo Governo.Empresas 13

Quinta-feira, 22 de Março de 2012� Diário � Ano XII � Nº 2217 � €1,60Director: Pedro Santos GuerreiroDirectores-adjuntos: Helena Garrido, João Cândido da SilvaSubdirector: Nuno Carregueiro

www.negocios.pt

GreveArménio Carlos diz que

os trabalhadorestêm medo

Economia 26 e 27

INUniversitárioscriamprojectos parapromover ocarro eléctrico

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4 | Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 22 de Março de 2012.

m não pode ser positivo? Pode. Dependeda forma como for interpretado. O factodo presidente da Fed (Reserva Federalnorte-americana), Ben Bernanke, teranunciadoháduassemanasquenãosejus-tificavaumaterceirarondadeestímulosàeconomia (‘Quantitative Easing 3’) dosEUA,atravésdacompradedívida,acabouporserbemrecebido pelos mercados.

JohnAuthers, colunistaséniordo “Fi-nancialTimes”,queesteveemLisboaestasemana para participar na conferência“InvestidorPrivado2012”promovidapeloNegócios, sublinha a importância do mo-mento. “Os mercados aceitaram que não

haveráum ‘Quantitative Easing3’ (QE3),assistiu-se a um fortalecimento do dólar,aumenfraquecimentodoouroeaumau-mento nas ‘yields’ das obrigações”, inver-tendo o sentimento até aí dominante.

“O que pensei que acontecesse na se-manapassadafoi que quando o mercadopercebessequenãohaveriaQE3asbolsascaíssem. Mas não caíram. Na realidade,até subiram. Isso tem de ser visto comouma boa notícia, para as probabilidadesdeassistirmosaumaretoma,etemdeservisto como uma má notícia para as pes-soasqueforampessimistas,comoeu”,dizAuthers, que durante a Redacção Abertado Negócios fez questão de sublinhar quenão representao “FT”.

Foi com base numa maior solidez daeconomianorte-americanaqueestelicen-ciado em Filosofia, Política e EconomiapelaUniversidadedeOxfordalterouassuasprevisões.“Digoagoraqueasprobabilida-desdeum‘bullmarket’(mercadoemalta)este ano são de 20% e que as hipóteses deum desastre são de 10%. Mas continuo aapostar na lateralidade dos mercados, àqualdouumaprobabilidadede70%.”

Alateralidade, ou “movimento caran-guejo”,comoAutherslhechama,caracte-riza-seporumsobeedescedosmercadosdentro de uma banda de variação estrei-

ta. “Continuo convencido” reforçaAuthers, “de que os EUAnão estão numaretomaassimtãosólidaecontinuoaacharque não estamos perante o início de um‘bull market’”.

JánaEuropa, JohnAuthers consideraqueexistemdoisdadosnovos,emrelaçãoaoiníciodoano,queabremaportaa“gran-des probabilidades de as bolsas estaremmaisaltasnofinaldoanodoquenoinício.O primeiro foi o Banco Central Europeu,através da operação de refinanciamentodelongoprazo,teremprestadodinheiroàbancaatrêsanos,comcondiçõesmuitoge-nerosas,eliminandooriscodecolapso.Umsegundoelementomuitoimportanteparaa“reduçãodoriscodedesastre”relaciona-se com o facto de Mario Draghi ter dadomais tempo ao primeiro-ministro italia-no, Mario Monti, o que permitiu uma re-tomadaconfiança,atéporque“umincum-primentodeItáliapodiasignificarofimdaZonaEuro”.

Boas notícias, mas insuficientes paravenceremopessimismodeJohnAuthers.“É possível evitar o desastre na Europa eevitarodesastreemtodooladomenosnaGrécia,ondejáaconteceu.Masnãopode-mos evitar uma economia verdadeira-mentehorríveldurantemuitosanos.Issoé inevitável.”

John Authersé um dos maiores“opinion-makers”mundiais eminvestimento emercadosfinanceiros. Écolunista séniordo FinancialTimes e foi

editor global daLex Column,espaço de análisede referênciaà escala mundial.

John Authers

Redacção*Aberta

U“The Fearful Rise of Markets”“O assustador crescimento dos mercados”é uma tradução possível do último livrode John Authers, e nele o jornalista do“FT” apresenta a sua visão sobre as bolhasglobais e os colapsos sincronizados.

“Não podemos evitar umaeconomia verdadeiramentehorrível durante muitos anos”

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Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 22 de Março de 2012 | 5.

“Um dos grandes problemas com a crise da Zona Euroé que os problemas da banca e da dívida soberanaestão bastante correlacionados. Se eliminarmos o riscode um colapso do sistema financeiro – e penso queesse risco desapareceu no curto prazo –, isso reduzsignificativamente os riscos de um desastre.”

John Authers veio a Lisboa para uma conferência do Negócios, na segunda-feira, sobreinvestimento. Mas fez questão de vir à redacção. E, se desse tempo, ao Estádio da Luz,ao lado. Não houve tempo: a visita transformou-se numa Redacção Aberta empolgante,com um dos maiores analistas dos mercados financeiros mundiais. Jornalista, colunistade referência do “Financial Times”, tem formação em História, Filosofia e Economia – e écantor: cantou num coro com Pavarotti. Nos mercados, os demais é que fazem coro comele. Mas ele está pessimista. E vê nos ecrãs das bolsas a lateralidade de um caranguejo...

CELSO FILIPE, ANA LUÍSA MARQUES, ANDRÉ VERÍSSMO, CARLA PEDRO, EDGAR CAETANO, HUGO PAULA E PEDRO SANTOS GUERREIRO (Textos) MIGUEL BALTAZAR (Fotografia)

John Authers: “Temos de aceitar tertaxas de crescimento menores no curtoprazo, em troca de menor volatilidadee de um modelo mais estável definanciamento das nossas economias.”

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6 | Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 22 de Março de 2012.

“Nesta alturapodemos dizer queevitámos uma crisede crédito e a criseda dívida soberanamelhorou.”

RedacçãoAberta

J OH N AU TH ERS

“Não escrevi o que podia ter escrito”quando foi a falência do LehmanJohnAuthersestavaemNovaIorquequan-dooLehmanBrothersfoiàfalência,a15deSetembro de 2008. Dois dias depois, aAIGfoi resgatadapelo Estado. O Reserve Fund(um fundo de investimento privado), queseis semanas antes tinhagarantido de for-ma inabalável que o dinheiro dos investi-doresestavaprotegido,virouodiscursoem180 graus. “Anunciaramque tinhamregis-tado uma perda e não seriam capazes dereembolsar atotalidade do capital investi-do no fundo. E como não tinham acertezadadimensão daperda, não poderiam acei-tarresgates,ouseja,osinvestidoresnãopo-diam levantaro dinheiro”. Os dois aconte-cimentos“provocaramumcompletopâni-co”, evoca.

O próprio Authers saiu dos escritóriosdo “FT” em Nova Iorque para transferirparte do seu dinheiro para outro banco.“Vou ao Citi e ao Chase, que são os maio-res bancos de retalho, com agências uma

aoladodaoutra.Chegoeháumafila...mui-to longa. E todos estão vestidos como eu[fato e gravata], só que de forma mais so-fisticada. Eu ia tirar parte do dinheiro doCiti e pôr no Chase. A gestora de conta, etodas as outras, tinham um cartaz a dizer:“Tem mulher? Crianças? Óptimo. Saibaque pode abrir outras contas e beneficiarda garantia.” O Citi e o Chase, relembra,“concertaram esta estratégia para as pes-soas não andarematiraro dinheiro de umlado parao outro.”

Asituação eraóbviae JohnAuthers en-frentouumdilema.“Oqueestáaquiaacon-teceréumacorridaaosdepósitos.Eagora?O que faço eu com esta informação?” Pe-sou-seoassuntonabalançadaconsciência.“Debatemos o assunto. Não escrevi o quepodiaterescrito.Podiaterchamadoumfo-tógrafo para tirar fotografias a um grandenúmero de “wall streeters” bem vestidos afazeremfilanosbancosparatiraremosde-

pósitos.Enuncachegámosaverfotografiasdesses momentos naimprensa. Mais: nin-guém o fez. Eu podia ter escrito na lingua-gemdesapaixonadado‘FT’oqueaspessoasestavam afazere relataro que agestoradecontadissera.Masissoteriacertamenteau-mentadoaprobabilidadedetermosumco-lapsodosistemabancário.Enãotivemos”.

Confessa: “Esse foiumdos dias mais di-fíceis da minha vida profissional. O que équeésupostoeufazer?Ésupostoquealer-te os leitores para os riscos. É suposto querelateaverdadetalcomoavejo.Averdade,comoeuavia,eraqueexistiaumriscomui-to significativo de haver um colapso gene-ralizado dos bancos, com os maiores ban-cos do mundo incapazes de honrar os de-pósitos. Achei que havia uma probabilida-de de um para três de isso acontecer. Fizbememnãoescrevê-locomtodasasletras?Provavelmente fiz. Mas por regra, o meudevercomo jornalistaé relataro que vejo.”

“Tive a enorme sorte de ser o redactorda ‘Short View’, que é a nossa coluna[do “Financial Times”] de opiniãodiária sobre os mercados, a partirde Nova Iorque, quando o Lehman*foi à falência.”*O Lehman Brothers declarou falência, a maior da história dos EUA,a 15 de Setembro de 2008, devido à chamada crise do “subprime”.

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Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 22 de Março de 2012 | 7.

“A China devepreocupar-nos bastante”

Para mais informações consulte www.bes.pt/microcredito ou siga-nos no Facebook

Há seis anos Joana Gonçalves e a sua sócia surpreenderam Peniche

e o País com a abertura de um hostel. Hoje, recebem visitantes de

todo o mundo.

Joana Gonçalves foi uma das pioneiras dos hostels em Portugal.

O surf deu uma ajuda mas o que

contou mais foi o empreende-

dorismo e a experiência de vida

de Joana Gonçalves e Alexandra

Barata. Com muitas viagens na

bagagem e trabalho em organiza-

ções não governamentais, decidi-

ram, em 2005, que era altura de

abrirem em Portugal um hostel,

um tipo de alojamento com pre-

ços acessíveis e que promove o

intercâmbio cultural entre pes-

soas de vários lugares. Joana,

com uma licenciatura em Serviço

Social, estava desempregada e

desiludida com o sector onde se

especializara. Decidiu então fre-

quentar um curso de gestão de

pequenas e microempresas no

Centro de Emprego das Caldas

da Rainha. A sua sócia optou por

fazer um na área do empreende-

dorismo, em Peniche.

Depois, foi pôr o hostel de pé. “Em

2006, quando abrimos, era uma

ideia completamente nova em

Portugal, havia quatro em todo o

País”, conta Joana. O Peniche Hos-

tel Backpackers foi o primeiro na

cidade – onde existem agora mais

cinco. Como era um negócio pou-

co conhecido foi difícil obter todas

as autorizações para funcionar

mas depois de ter aberto as por-

tas, o sucesso foi imparável. Hoje

o hostel é conhecido em todo o

mundo e frequentado por pesso-

as que vêm desde as ilhas Guam,

no Pacífico, até ao Canadá.

UUUUUmmmmm hhhhoooosssstteeellll eeeemmmmm PPPPeeeeennnniiccchhhhheee nnnnaaasssscccceeeeeuuuu ccooommmmm oooo aaaapppppooooiioooo dddooooo mmmmmiiiccccrrroooooccccrrrééédddddiittooo ddddooo BBBBBEEEEESSSS..Para o sucesso contribuiu não só

o surf – Peniche é hoje uma das

capitais mundiais da modalida-

de – mas também o apelo das

Berlengas, a beleza de Óbidos e

a simpatia das proprietárias. A

fama do Peniche Hostel chegou

até às páginas do jornal britâni-

co “The Guardian” que o consi-

derou, em 2009, o sexto melhor

hostel-boutique do mundo

entre os que estão situados à

beira-mar.

Um elemento importante no

projecto foi o microcrédito do

Banco Espírito Santo (BES).

Com os 7 500 euros do emprés-

timo, Joana comprou todo o

equipamento para o hostel,

desde os computadores à rou-

pa das camas. “O microcrédi-

to foi fundamental para tudo”,

diz. Crescer é o passo natural

das duas empreendedoras, que

também são co-proprietárias

de uma escola de surf, a PH

Surf School, e que está associa-

da ao hostel.

Pub

A China é uma das locomotivas que mais têm puxado pela economiamundial. “Falo hipoteticamente, mas a China é mais importante doque os Estados Unidos e, certamente, mais importante do que aEuropa. Parte da razão para os mercados estarem a ter umdesempenho tão bom nos últimos tempos tem a ver com o facto dealgumas das piores previsões para a China não parecerem estar aconcretizar-se”, observa John Authers.Ainda assim, a China “deve preocupar-nos bastante”. Um conjunto dedados do Deutsche Bank relativos a 2011, em que se avaliaram asacções europeias de acordo com a sua exposição a diferentes regiões,dos EUA à Europa Oriental passando pela América Latina, sustentaeste raciocínio. “Segundo o Deutsche Bank, a determinada altura, asacções europeias mais expostas à China tinham caído mais de 50% noacumulado do ano, ao passo que as expostas à América tinham caídomuito menos. Mesmo que as pessoas não se tenham apercebidodisto, grande parte da queda do ano passado decorreu dos receiosem relação ao crescimento da China”, aponta John Authers.Actualmente, o Império do Meio está a flexibilizar a sua políticamonetária. E a inflação parece estar controlada. Estes indicadorespositivos são, no entanto, insuficientes para que Authers desligue osinal de alerta. “Continuo a ser pessimista”, admite. “Há uma razãopara as pessoas chamarem bolha a uma bolha financeira e não lheatribuírem outra metáfora. É porque as bolhas não esvaziamlentamente. É repentino. Sinto-me céptico perante a possibilidade daChina registar uma contracção global. Um aspecto muito importanteacerca da China é que definamos os nossos termos de aterragemsuave e brusca. O abrandamento está perto do inevitável, já está aacontecer.” E se o mundo se confrontar com uma crise política “queleve a uma real crise económica na China, será uma terrível notíciapara todos”. E isso pode acontecer? Responde Authers: “Não creioque seja muito provável. Aquilo a que muitos chamam de aterragemforçada é algo que o mundo conseguirá aguentar.”

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8 | Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 22 de Março de 2012.

RedacçãoAberta

Zona Euro tem de se moverno sentido de uma“união orçamental”

Asoperaçõesderefinanciamentodelongopra-zo feitas pelo Banco Central Europeu permiti-ramaos líderespolíticoseuropeusganhartem-po. Falta dar o passo seguinte. “Num ambien-te que não seja de crise total, sem que tenhamumaarmaapontadaàcabeça,ospolíticoseoscidadãosdaZonaEurodevemtrabalharnomo-delo a seguir, seja um Ministério das Finançaseuropeu,eurobonds,qualquercoisa.desdequese movam no sentido de uma união orçamen-tal. Isso tem de ser feito”, defende o colunistasénior do “Financial Times”.

John Authers faz esta constatação a partirda perspectiva inglesa, um país que não abdi-ca da sua moeda. “Eu venho do Reino Unido,que é física e mentalmente uma ilha. Há mui-tas boas razões para que as pessoas não quei-ram abdicar da sua soberania. Mas apercebe-mo-nos agora que o projecto da moeda única

implicava uma muito maior perda de sobera-nia do que as pessoas se apercebiam na altu-ra”, ressalva.

Até porque, em seu entender, a Zona Euronoseuconjuntoé“umaentidadeperfeitamen-te solvente”. “Tendo em conta que venho daGrã-Bretanha, não suporto a ideia de alguémem Frankfurt controlar a minha moeda. masverificamosqueémuitodifícil ter todosospaí-sesdaZonaEuroaresponsabilizarem-sefiscal-mente uns pelos outros. Se fizermos progres-sosnaseurobonds,seconseguirmosformasdecriar instituiçõesfinanceiraseuropeiasaumní-vel que o eleitorado alemão aceite e com sub-tracçõesdesoberaniaqueosoutrospaísesacei-tem, isso levaria a que finalmente fossem eli-minadososreceiosquetemosquetemosacer-ca do risco de ‘default’ sobre alguns países”,afirma Authers.

e“assumirmosquePortugalvaiconseguirevi-tarumsegundopacotederesgate,definitiva-menteeucomprariamuitasacçõesportugue-sas”. Aconstatação de John Authers começapor “se” e chegaaele através de outras preo-cupações.

Aprimeiratemavercomosmercados.“To-dos os periféricos estão muito caros se algumEstado-membrovaisairdoeuro.Masnahipó-tesedeconseguiremevitarumincumprimen-to estão baratos. O PSI-20 estáligeiramenteabaixo do valor do início do ano, enquanto orestodaEuropasubiucercade10%a20%.”Ou-tratemavercomosefeitosdaausteridade.“Pa-rece-me que o problemaé que Portugal nãoestáacrescersuficientementerápido.Precisade crescermais rápido e parece-me que o quelhefoipedidofoiprecisamenteocontráriodoquedeveriafazer”,dizAuthers.

Todas estas derivadas têm como pano defundoaquestãoestruturaldesabersePortu-galtemcondiçõesquelhepermitamevitarre-

correraumsegundopedidodeajuda.“Olhan-doapenasparaosmercados–jáquenãoolheiparaas finanças portuguesas –, vendo que astaxasdejuroimplícitasnadívidaportuguesacontinuam a subir enquanto as de Espanhacaíramaseguiràoperaçãoderefinanciamen-to da banca junto do BCE, eu poria as possi-bilidades de Portugal precisar de um segun-do resgate certamente acima de 50%. Paraque o mercado está a fazer neste momentofaça sentido, o mercado tem de estar a assu-mir, de forma implícita, que as probabilida-desdeumsegundoeventoportuguêssãocer-ca de 60% a 70%”, afirma o ex-editor da LexColumndo “FinancialTimes”

Authers, ressalvando que não estáafazerprevisões,massimumainterpretaçãodaqui-loqueosmercadosdizem,sublinha:“estouaolhar para o mercado e para importantesagentesdomercadoeadizer–todossabemos,depois de termos passado pela crise norte-americana,queseomercadodizqueumacoi-savaiacontecer,asprofeciasdomercadopo-demserauto-realizáveis.”

E no caso de Portugal precisar de um se-gundoresgate,osectorprivadoseráenvolvi-do,talcomosucedeunaGrécia?“Diria,olhan-doparaaquestãocomojornalista,queosen-timentonosmercados,nestaaltura,édequenãohaveráenvolvimentodoscredorespriva-dosemPortugal.Alógicapareceapontarnes-sadirecção e o senso comumsugere que nãohaverá participação dos credores privados.Não acredito que o mercado estejaaapostarque isso vaiacontecer”, avaliaJohnAuthers.

Mercado

“Compraria muitasacções portuguesas”

Este conselho tem um grande “se”.Authers diz que a possibilidade dePortugal precisar de um segundo

resgate está cima de 50%.

SJ OH N AU TH ERS

“Tenho tendênciapara ser pessimistae recebo críticasnegativas por sermuito negativo.Mas recebo muitomais ‘feedback’a agradecer-me porser conservador.”

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Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 22 de Março de 2012 | 9.

“Choque petrolíferoseria mais penalizadorpara os EUA”

O preço do petróleo está em alta e se estemovimento se mantiver “pode ser muitopenalizador para o preço das acções e daeconomia”, comenta John Authers. Estasubida tem efeitos diversos, de acordo coma perspectiva. “Se nos comportarmos comoum ‘hedge fund’ e estivermos preocupadoscom o preço do petróleo provavelmenteapostamos para que coisas más aconteçam.Mas se o fizermos estamos a apostar contraa Europa. Mas se estivermos mesmopreocupados com o preço do petróleo,vamos querer apostar a favor da Europa econtra os Estados Unidos, porque umchoque petrolífero seria muito maispenalizador para os Estados Unidos do quepara a Europa.” Ou seja, em termos dedistribuição de impactos negativos, “seriaexactamente o contrário de uma crise naZona Euro”Para o colunista sénior do “FT”, esteaumento do preço do crude “tem a ver compreocupações genuínas sobre a oferta” ecom “os movimentos que os fornecedoresestão a fazer para lidar com as últimassanções ao Irão”. “Não estou a prever isto,mas se houver uma acção militar no Irãoisso seria extremamente mau para quemestá à espera de uma subida nos mercadosaccionistas”, avalia Authers.

“Por razões políticasnão vejo o Reino Unidoa entrar na Zona Euro”

O primeiro-ministro inglês, DavidCameron, por razões de política interna,“tomou a decisão acertada” ao nãoassinar o pacto orçamental que consta nonovo Tratado europeu. “Nem queroimaginar o que aconteceria se ele tentassea aprovação do Parlamento para isso”, dizJohn Authers.O jornalista do “FT” constata que o“enquadramento político da questão foimuito desagradável”, mas acrescenta nãoencontrar nenhum motivo para que DavidCameron quisesse integrar este pactoorçamental, a menos que quisesse manterem aberto a hipótese do país entrar noeuro. “Por razões políticas não vejo a Grã-Bretanha a entrar na Zona Euro por umageração. Não por razões de ordemeconómica, mas por causa da naturezapolítica do Reino Unido, Não vai acontecere não pode acontecer a menos quedecidamos que já não queremos ser umademocracia. Não imagino que alguémconsiga uma maioria parlamentar paraentrar no euro. Portanto, essa nem sequeré uma questão. Se quisermos discutir aquestão de se o Reino Unido devia ou nãoter essa atitude em relação à moedaúnica, essa é uma longa e interessantediscussão que não vale a pena ter aqui.”

John Authers entrou no “FinancialTimes” em 1990 e foi editor de

mercados e banca nos EUA e chefe dadelegação do jornal no México.

Quando entrou no jornal foi avisadode que havia um título que nunca

poderia escrever: “é esperada umacorrida aos depósitos”.

“O dever de toda a gente nesta salaé relatar a verdade, tal como a vê.Acho que concordamos todos comisso. Tentamos acertar sempre.Mas somos humanos e, por isso, nãovamos acertar sempre. Mastentamos sempre fazer notícias queestão factualmente correctas. E queas nossas opiniões sejam honestasem relação àquilo em que de factoacreditamos.”