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Comentários do código criminal brasileiro-1875

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Abordagem jurídica do século XIX

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  • GiMIilMT AO

    CDIGO CRIMINAL BRASILEIRO

  • A. de Paula Ramos Junior

    C O M E N T R I O AO

    C D I G O C R I M I N A L

    B R A S I L E I R O

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    Tribunal F*

  • HHGBCAO

    Pour le chrtien et pour le philosophe, pour le moraliste et pour l'historien, le tombeau du Christ est la borne qui spara deux mondes : le monde ancien, le mono> nouveau; c'est le point de dpart d'une ide qui a renouvel l 'univers, d'une civilisation qui a tout trans-form, d'une parolo qui a retenti sur tout le globe. Ce torn bean est le spulcre (lu vieux mondo, et le berceau du mondo nouveau.

    A. DE LAMARTINE.

    As legislaes de todos os povos modifico-se e aperfeioo-se no correr das idades.

    Acompanhando providencialmente as rpidas evolues dos costumes e da civilisao, filha di-lecta do homem e de Deus, no dizer de um ele-gante publicista,as instituies penaes liberto-se gradualmente das crenas e sentimentos do pas-sado.

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  • YI

    Desde que o christianismo plantando sobre as ruinas fumegantes do mundo brbaro, na phrase elegante de D. Antonio da Costa,o principio novo e vivificador do direito justo,redemio a humani-dade proclamando bem alto que o homem renas-cia do indivduo, e firmando d'est' arte seus ver-dadeiros destinos moraes, a solidariedade que a grande lei da historia, incumbiu-se de realizar desde logo as esplendidas victorias d'aquella me-morvel e gloriosa revoluo.

    Dissipadas as trevas que envolviam at ento as religies materialistas e as crenas do paganismo, e rasgadas as sanguinrias leis da barbaria pelo

    frreo guante da reaco germnica dirigida pelos conquistadores do norte, o sculo XVII ainda presenciou as reformas legislativas de Catharina II, da Russia, a propagarem-se por toda a Eu-ropa.

    Esquecidas as tradices que mantinho es-tveis e dominadoras as velhas instituies re-pressivasjos princpios, ento modernos, de Mon-tesquieu eBeccariaem materia de penalidade co-mearam a vingar por toda a parte, e o Cdigo Leopoldino,o mais bello dos monumentos de legis-lao criminal d'essa poca publicou-se na Tos-can a em 1795.

    Portugal regia-se nesse tempo pelas Ordena-es Philippinas promulgadas desde o comeo do

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  • VIII

    Ha mais de quarenta e quatro annos vivemos sob o regimen d'esse monumento legislativo de penalidade que honra nossa ptria e seus autores.

    Ser porem chegado o tempo de rever a obra dos sbios de 1830 ?

    Estaremos preparados para to importante tra-balho pelas lices da experincia, e reclamos instantes dos costumes e da civilisao que, se- gundo Bonneville, so as melhores e mais sabias conselheiras de quaesquer modificaes e refor-mas penaes?

    No hesitamos diante da affirmativa. A tendncia irresistivel para a reviso das leis

    criminaes um dos caracteristicos do presente s-culo, como asseguram todos os modernos cri-minalistas.

    Caminhando sempre, apesar de innumeras dif-ficuldades e obstculos, e rompendo com os pre-conceitos das geraes idas, penetrou ella na pro-pria Inglaterra nos dominios da common lato, que hoje tenta-se codificar, depois de rever e ampliar, no satisfeita com as victorias alcana--das sobre o direito statuario na parte relativa ao jury, as bancas-rotas ea outros ramos da lei penal*

    E' facto que a ningum licito contestar ; depois de 1830, poca em que foi promulgado nosso Cdigo, quase todas as naes da Europa

  • IX

    tm trabalhado na reviso completa de sua le-gilao criminal. (1)

    Reformaro seus Cdigos em 1833 a Grcia e a Russia, em 1835 Zurich, em 1837Saxe e as Ilhas Jonias, em 1839 Wurtemberg e Berne, em 1840 Hannover e Brunswick,em 1841 Hes-se,em 1845 Bade,em 1851 Coburgo e a Prus-sia,em 1852Coburgo-Gotha e a ustria,em 1853 e 1855 a Toscana e Modena, e em 1859 a Sardenha, trabalhando Portugal desde 1860 na reviso de seu Cdigo.

    Se pois manifesta a tendncia da poca que atravessamos ; se nosso Cdigo no isento de imperfeies e lacunas, que a experincia alis tem de sobeJG apontado, de crer que os legisla-dores brasileiros no deixaro, quanto antes, de attender a semelhante aspirao nacional.

    Convencido d'isto, e forado pelos inperiosos deveres do cargo de Promotor Publico, que ha cinco annos exero n'esta corte, a dar parecer so-bre variadissimas hypotheses, emprehendi a tare-fa de estudar artigo por artigo o Cdigo Crim. Brasileiro confrontando a theoria com a pratica.

    A'proporao que isso realisava escrevia o re-sultado colhido, procurando ao mesmo tempo

    j[l) Bonnevjlle de Marsangy. De l'amlioration de la loi criminelle.

  • X

    harmonisal-0 com a intelligencia que ao cdigo tm dado juizes e tribunaes.

    As notas tomadas ligeiramente a principio crescero dia a dia, enriquecidas pelas jobjeces que os debates judicirios costumo a despertar. Quase todos os artigos do cdigo haviam sido estudados d'est modo; veio-me entam a ida de methodisar o trabalho feito, dar-lhe uma formaP mais conveniente, e escoimal-o dos innumeros de-feitos que, estou certo, ainda hoje se ho de encontrar em todos as suas partes.

    Dispondo de pouco tempo cheguei entretanto ao fira do tentamen

    Lembrei-me ento, de que no existindo ainda um commentario completo .de nosso cdigo cri-minal, trabalho este que com reconhecida van-tagem encetara ha annos nosso distincto collega Dr. Th o m az Alves Junior, bem podia succder que meu imperfeito estudo servisse de estimulo aos muitos e ruditos mestres da lei que illustro nosso foro, e os trouxesse a discusso, por isso que seu silencio em assumpto de tamanha magni-tude tem sido, a nosso ver, delicto injustificvel.

    D'ahi a idea deplublical-o. Demais por que no communicaria aos que, como eu estudo ainda o direito criminal brasileiro, minhas humildes opinies, e as no sujeitaria a apreciao dos doutos ?

  • XI

    Acaso tenho eu receio de as ver discutidas ? A controvrsia, dizia recentemento Emlio de Girardin em seu notvel livroLe droit de Pu-nir, indispensvel as ideas novas: para se conhecer de sua solidez preciso que resisto ao peso accumulado das objeces judiciosas.

    Escrevendo este trabalho, j o confessei, no o fiz pretenciosamente : pouco importa conse-guintemente que as opinies emettidas n'elle no sejo julgadas pelos doutos nem as melhores nem s mais verdadeiras.

    Bemvindossero portanto todos os antagonistas conscienciosos, se por ventura tiver este livro o mrito de os despertar, por isso que com a discus-so vir a luz e a verdade, e d'est modo concor-rero proficuamente os competentes no s pa-ra xar-se a verdadeira intelligencia das dispo-sies de nosso cdigo, mas tambm para que em tempo opportuno seja elle aperfeioado e corri-gido.

    Se isto conseguir dar-se-ha por satisfeito quem publicando seus estudos nem sonhou glorias, nem deseja outra recompensa.

    Rio 29 de Julho de 1875.

  • NECESSIDADE DE

    Um titulo preliminar sobre interpretao.

    Nunc quid interest null sint an incerta leges ?

    QUINTILIA.NO.

    Vivemos felizmente sob o regimen de leis pe-naes escriptas. So elles, segundo Gustavo Rous-set, as foras moraes que dirigem as naes, o bello social que civilisa os costumes, e faz o bem estar dos povos.

    Outr'ora, nos primeiros tempos da vida da hu-manidade, qnando o mundo estava ainda impre-gnado de poesia, a religio era um cntico e o direito no era escripto, cantavo-no. (I)

    (1) Chassan. De la symbolique du droit Introd. Pag. 9 e 10

  • XIV

    No correr porem das idades, e dissipadas len-tamente as trevas que pezavo sobre o espirito humano, comprehendeu-se que sem leis escriptas era impossvel existir a justia, e menos ain-da a verdadeira liberdade.

    Se o predomnio das theocracias havia implan-tado o respeito cego aos mysterios e aos dogmas; se o culto dos hieroglylios chegara a ser encar recido pelos sacerdotes egypciacos, como obsta-ento que o reinado das leis no escriptas, cor-respondendo as crenas, e imperfeita frma dos governos, se propagasse rapidamente, quando ainda hoje a propria Inglaterra as mantm com supersticioso respeito, que os publicistas contem-porneos no podem desculpar em um dos povos mais illustrados do globo ?

    As leis escriptas, dizia Benthan, so as nicas que podem merecer o nome de leis.

    Se na Inglaterra celebravo os Jurisconsultes sua gloriosa obscuridade, por que outr'ora pro-tegio ellas a liberdade, hoje alli geralmente reconhecido, depois que Beccaria fez a luz a res-peito, que obrigar a humanidade a observar nor-mas desconhecidas, a respeitar limites no traa-dos, ou que podem a todo o instante ser violados, o mais odioso dos attentados, seno a maior das insanias.

    Desde pois que assentado ficou o principio de

  • XV

    que uma lei para ser moralmente considerada tal indispensvel que seja realmente transmittida do pensamento que .a projectou ao pensamento a que deve ser submottida, o direito escripto con-quistou defini ti va lente as adheses de todos os povos, visto que 01 imprio soberano, e uniforme da lei depende essencialmente de sua forma real e durvel e de sua certesa, o que a distancia das controvrsias que a nivellario s opinies, pois como ensinava o sbio Baconleges non debent esse disputantes sedjitbentes.

    Firmado o regimen do direito escripto, e cum-prindo traduzir suas prescripes por palavras que fossem conhecidas d'aquelles a quem obriga-rio, a identidade do pensamento e da palavra tornava-se, na redaco das leis, o mais rigoroso dever dos legisladores.

    Entretanto que longo period o tinha ainda de decorrer antes de alcanar-se aqnelle deside-ratum !

    Montesquieu affrmava que o estylo das leis deve ser simples, claro, e conciso, e Jeremias Benthan completando o programma generica-mente traado por aquelle eminente pensador, no que diz respeito s regras do estylo legislativo, estabelecia princpios que ainda hoje se impem aos publicistas das naes cultas.

    Entretanto apezar dos esforos despendidos

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  • XVI

    para escoimar de antinomias, ambigidades, e impropriedades as leis pnales, no escapo ellas entre todos os povos quelles terrveis adver-arios que, no dizer de Cdrmemn9 fornecem armas a todos os interesses e avtodas os sophismas.

    Uma vez porem que o direito 'penal foi redusido a preceitos escriptos a necessidade de conhecer o verdadeiro sentido de suas disposies, tornadas obrigatrias, fez-se desde logo sen ti r^ Q.a juris-prudncia antiga.

    Reconstruir o pensamento do legislador por meio do estudo aprofundado da palavra escripta, pesquisar sua mais intima expresso afim de evitar o reinado do arbtrio, tal , e deve ser a misso de intreprete.

    Quaes so porem, ou devem ser, as regras de interpretao do direito penal?

    Em nosso Cdigo nenhum principio se encontra relativo a to importante assumpto.

    A necessidade da existncia de um titulo.pre-liminar que regule materia de to transcendente valor para a jurisprudncia, e que ainda hoje absorve a atteno de eruditos escriptores, conseguintemente intuitiva.

    No esta uma questo de nosses dias. No sculo III as escolas dos Proculianos e dos Sabis nianos por ella se debatio, no admittindo aquella outra interpretao que no a gramma-

  • XVII

    tical, emqoanto esta, acreditando que a razo da lei deve estar acima de seus textos, pugnava heroicamente (1) pelo triumpho completo da interpretao lgica.

    Se estudamos no direito Romano qual foi a regra por elle seguida, fica averiguado e fora de toda a duvida ter vingado o principio adoptado por esta ultima escola, posto que, como o affir-ma Thibaut, (2) seja certo, que textos existem que parecem indicar opinio manifestamente contra-ria. Assim Paulo escrevia a conhecida regrain peaalibus causis benignius ixiterpretandum est. Hermogeneo a reproduzia do seguinte mo-do in interpreted tone leg u m, pn molliend sunt potius quam asperand, e Ulpicmo ensi-nava que in ambiguis rebus, humaniorem senleniiam sequi oportet, bem comosi lUrius-qc leg is crimina objecta sunt, nvitior lex erit sequenda.

    Desde porem que se estuda cuidadosamente semelhantes textos reconhece-se que tinho el-les por objecto no a interpretao das leis pe-naes, mas sim a applicao das penas, o que sem contestao cousa essencialmente diffrente.

    No Digesto porm encontram-se innumeros exemplos da regra firmada pelos Sabinianos, e de

    (1) Waleh in Eckart, Ilermanent, Jnris,p. 18. {;!) Thoii cb l'interprtation des lois, 21.

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  • XVIII

    seus textos logicamente conclue-se que fora ella seguida pela antiga jurisprudncia, posto seja certo tambm que nenhuma distinc fazia-se entre as leis criminaes e as civis, tanto que a umas como a outras seapplicava o seguinte prin-cipio estabelecido por Juliano : neque leges ne-qicesenalus consulta ila scribipossunt ut omnes casus qui qiiandoque inciderint comprehen-dantur : sed sicffieil el ea pier unique accidunt conlineri.

    Tambm na antiga jurisprudncia franceza adoptaram-se aquelles mesmos preceitos, como assegura Faustin Hlie.

    Jousse dizia que a regra fundamental em ma-teria de interpretao era que nos factos duvi-dosos cumpre ao interprete inclinar-se sempre para o lado mais benigno : in dubiis enim beni-(jniora prferenda sunt.

    Quando porm a duvida versava sobre os ter-mos da lei, sem escrpulo elles a completavam, adoptando assim a norma de que permittido supprir por interpretao o silencio da lei : inter-prelalioae statuendum est, como sele nas L. L. 11, 12, e 13 do Dig. de legibus.

    Compulsando os antigos aretistas se encontra grande cpia de decises em virtude das quaes se decretavam penas nos casos em que as chamadas ordenanas-eram completamente silenciosas.

  • XIX

    D'aqui conclue-se irrecusavelmente que o espirito da antiga jurisprudncia franceza era que a lei penal devia ser entendida mesmo alm de seus termos, impedindo d est'arte a impunidade dos delictos, principio este que Menochius seguia absolutamente : cum igitur de delicto puniendo lata interpret alio sumi debent.

    Foi quando os princpios de interpretao em materia criminal eram estes que Montesquieu mal inspirado contra a frma monarchica, dizia que nos estados em que ella imperava : se a lei era precisa, o juiz a seguia, se porm no o era, elle procurava estudar seu espirito ; dando assim occasio a que Beccara mais tarde lan-asse as bases de sua regra, que os juizes do crime no tm o direito de interpretar a lei criminal pela simplicissima razo de no serem elles legisladores. No julgamento de todo o delicto, dizia este illustre escriptor, o juiz deve proceder segundo um raciocnio perfeito. A pri-meira proposio a lei geral : a segunda ex-prime a aco que ou conforme ou coutrara a lei, a conseqncia a absolvio ou condemna-o do accusado. Se o juiz obrigado a fazer outros raciocnios, tudo se transforma em incer-teza e obscuridade. Com effeito, nada mais perigoso que o axioma commum : preciso consultar o espirito da lei. Adoptar este

  • XX

    principio romper todos o 5 diques, e entre-gar a lei a torrente das opinies. Esta verdade se me afflgura demonstrada, posto parea ella paradoxal a espritos vulgares, que se preocu-pam mais de uma pequena desordem actual, que de conseqncias mais longnquas, mas mil vezes mais funestas, de um principio falso. Assim ver-se-hia a sorte de um cidado mudar de face, passando a um outro tribunal, e a vida dos desgraados ficar a merc de um falso raciocnio, ou mesmo do mo humor do seu juiz. Ver-se-hia magistrados interpretando rapidamente as leis, segundo as idas vagas e coufusas que se apre-sentassem a seu espirito. Ver-se-hia os mesmos delictos punidos differentemente, em diversos tempos, pelo mesmo tribunal porque, em lugar de escutar a vz constante e invarivel da lei, olle se entregaria as contingncias e ignadoras das interpretaes arbitrarias. Estas funestas desordens podem ser postas em parallelo com os momentneos inconvenientes que produz algu-mas vezes a observncia littral das leis ?

    Escusado dizer que a nova theoria de inter-pretao ensinada por Beccaria foi acolhida como verdadeira, no lhe tendo comtudo faltado contradictoires. Thibaut a combate fazendo sentir que o juiz no deve lutar contra um texto claro da lei, mas sim animar-se do espirito do legis-

  • XXI

    lador, compenetrar-se dos motivos que dictaram o texto da lei, e no hezitar em executal-a todas as vezes que a interpretao lgica o levar a conhecer seu verdadeiro sentido.

    Mailher de Chasst no adopta doutrina to absoluta : estabelece como principio que a lei penal no susceptvel de extenso, por isso que deve ella ser assimillada as leis derogatorias que se encerram em seus termos.

    Este escriptorfaz comtudo ecxepes as regras que estabelece : assim, por exemplo, quando o caso no previsto na lei conforme em todos os pontos aos casos nella previstos ; quando se trata igualmente de impedir que uma lei se torne illusoria, ou ainda quando se reprimem delictos contrrios a equidade natural.

    Da doutrina seguida por este escriptor no resulta, como elle prprio o diz, qne se no possa dar extenso a lei penal, neste sentido porm, que tudo o que autorisado pelo racioc-nio, pela legitima interpretao das palavras, emfim, pela vontade mesmo da lei, explicita ou implicitamente encerrado em seu enunciado, no deva ser exactamente observado. E' debaixo deste ponto de vista que julga elle fundadas as excepes que estabelece.

    Do pouco que at aqui temos dito, e que nos parece sufficiente para ponto de partida da dou-

  • XXII

    trina que acreditamos verdadeira, fica conhecida no s a diviso da antiga jurisprudncia fran-ceza sobre a interpretao em materia criminal, e seus princpios predominantes no direito ro-mano, bem como a 'reaco operada contra-o programma novo da escola pliilosophica em as-sumpto de tamanho alcance.

    Se nfo possivel aceitar os princpios at agora por nos apontados, dever-se-ha applicar s leis penaes a interpretao littral ou a dou-trinai?

    No hesitamos diante da negativa . Quem estuda com critrio as sciencias moraes

    sabe quanto ainda imperfeita su t linguagem. Os-que por em se dedico s pesquizas attrahentes

    do estudo da legislao comparada, e para isto manuzeo os cdigos penaes de todos os povos, conhecem quanto redao d'elles, por isso que tendem quasi sem excepo a genaralisar suas formulas, falta a preciso que se deve exigir nas prescripes penaes.

    Ora se admittissemos impensadamente a inter-pretao littral como a nica possivel, teria-mos de procurar nos textos da lei, no o sentido verdadeiro que elles encerrassem, mas o sentido que sua construco grammatical exprimisse.

    Seriamos alm disso forados a admiUir que regras geraes fossem desde logo subordinadas a

  • XXIII

    intelligencia, que lhes dessem os ligisladores por-isso que no faltaria quem descobrisse na lei obs-curidades grammaticaes.

    Demais, como pondera doutamente o illustre Faustin Heli, sustentar que a lei penal deva ser minuciosamente circunscripta de modo que cada um de seus termos seja tomado no sentido o mais rigoroso e o mais abosluto, no sra um absurdo revoltante ?

    S os que desconhecem que o direito criminal tem princpios geraes., e textos que, coadunan-do-sese animo e movem-se o influxo de regras pelas quaes a jurisprudncia conhece seu verda-deiro sentido, se animario a sustentar a afirma-tiva. Ainda mais. se vingasse a interpretao littral no s a cada momento descobririamos lacunas em nosso direito escripto, como perderia elle sua qualidade de sciencia, para tornar-se simples tarifa de penalidade, e nomenclatura de factos puni veis, visto que sua applicao,como bem diz o escriptor citado, no passaria de uma opera-o mathematica que consistiria em medir exacta-menteo facto definido com os termos da definio.

    Para demostrar practicamente o que seria a interpretrao littral, se por ventura fosse ella seguida um dia entre ns, confrontemos o art. 388 do Cod. Penal Francez com o art. 124 de nosso Cod. Crim.

  • XXIV

    O indivduo que em Frana tivesse commettido o furto de um cavalo em um campo estaria com-pre hen d ido no art 388 ?

    A lettra d'esse artigo refere-se a caval-los ; os sectrios pois da interpretao littral sustentaro energicamente a negativa, e para que no ficassem impunes semelhantes factos cri-minosos foi preciso que o Tribunal de Cassao firmasse em mais de um aresto a doutrina con-traria, repudiando assim a interpretao littral, e mostrando quanto era fallivel e imprestvel;

    Nosso Cod. no art. 12Ipreceitua que franquear a fugida dos presos por meios astucios )S, crime punido com a pena de priso por 3 12 mezes. Ora se algum, usando d'aquelles meios, franquear a fugida a um s preso estar com-prehendido n'elle ?

    De certo que sim; entretanto a lettra do art. re-pelle semelhante intelligencia, e se vingasse a theoria da interpretao littral no poderia ser acceita.

    Continuemos em nossa demonstrao, e para. chegar ao fim confrontemos ainda o citado art. 388 do Cod. Francezcomo art. l.daLein. 1090 de 1. de Setembro de 1860.

    Tracta o citado art. do Cod. Francez da sub-traco fraudulenta de cavallos e outros animaes de campos. Deixou porem o legislador francez.

  • XXV

    sem definio esta expressocamposde modo que a jurisprudncia coube a tarefa de fixar-lhe o sentido decidindo que por aquella expresso campos se deve entender no s os campos cultivados, mas os bosques, as pastagens e ou-tras propriedades da mesma natureza : ora se alli vingasse o principio da interpretao litt-ral nem poderia ser fixado o sentido de seme-lhante expresso, nem punidas as subtraces de cavallos o outros animaes que tivessem tido lugar nos bosques e pastagens

    Na Lei n. 1090 de 1. de Setembro de I860 tra-ta-se, como no art. 388 do Cod. Francez, do furto de gado vaccina e cavallar nos campos e pastos das fazendas de criao e de cultura. Se porem taes furtos se derem no nos campos e pastos, mas nos curraes ou redis poder-se-ha applical-a aos criminosos?

    Pensamos que sim; ligados entretanto pela in-terpretao littoral seriamos coagidos pela lgica a sustentar a concluso contraria.

    Se da interpretao littral passamos a dou-trinai no podemos deixar de reconhecer seus gra-vssimos defeitos, embora contrariemos d'e~te modo a doutrina modernamente sustentada por Haus que pensa ser cila legitima desde que che-ga-se a fixar o verdadeiro sentido dos termos da lei, j estudando-a em seu conjuncto, j consi-

  • XXVI

    derando as disposies que se prendem a mesma materia, e j finalmente ai tendendo ao uso do tempo em que foi a lei promulgada, e aos pare-ceres e discusses a que deu lugar.

    s razes de nossa opinio so as seguintes: Se no Direito Civel que se destina, a regular

    as relaes dos cidades mtre si, podem ser per-mittidas as inducoes na intelligencia dos textos escriptos, por isso que a equidade de um lado e o uso de outro so complementos indispensveis d'elle, maxime sendo indubitavel que as analo-gias e semelhanas dos casos previstos aos no previstos de modo algum podem trazer prejuizo aos letigantes; no Direito Criminal onde tudo que no expressamente prohibido se entende pormittido, onde o Cdigo, corpo de doutrina, no outra cousa seno colleco de regras e prohi-jies, o mesmo no succde.

    Desde que a lei penal tem um caracter essen-cialmente proliibitivo, como o ensino todos os criminalistas, onde a sollicitude e previdncia da lei sedetem, deve se presumir no haver mais perigo social: como pois supprir na lei criminal se ella uma norma de conducta que deve ser ob-servada por todos que com suas prohibies se devem conformar ?

    Se a lei penal no sendo clara e precisa tivesse necessidade, para ser entendida, da interpreta-

  • XXVII

    ao doutrinai, de que modo poderia algum abs-ter-se cia practica.de um acto que julgasse licito e permittido, e como por isso seria punido ? t Demais se todos tem obrigao de conhecer as prohibioes penaes afim de observal-as, como fazol-o, dado o caso de acceitar-se a doutrina da interpretao doutrinai, seno estudando-as to profundamente como os prprios legistas?

    A interpretao que no clara aos olhos de todos, diz Faustin Hlie, deve ser regeitada, porque em materia penal no o juiz que deve interpretar, o cidado mesmo, visto como pelos textos cia lei que lhe cumpre pautar seus actos.

    No sendo por tanto admissvel como legitima a interpretao doutrinai, qual dever ser ac-ceita ?

    Diremos sem hesitar a opinio que seguimos. Em materia de direito criminal a interpreta-

    o restrictiva viria abrir espao a impunidade dos delictos. Uma vez restauradas as velhas m-ximas do Direito Romano o systematismo dos que vem quasi sempre um attentaclo nas medi-das repressivas ganharia desde logo crescido nu-mero de proselytos, em detrimento da ordem publica e dos verdadeiros interesses da justia social. Por outro lado a interpretao extensiva nos parece formalmente banida de nosso direito,

    tu

  • XXVIII

    ex-vi da terminante disposio do art. 1. de nosso Cod. Crim.

    O legislador brasileiro attendendo aos gravs-simos perigos que correrio os accusados se por ventura pudessem estar sujeitos, a incrimina-es vagas e a delictos indefinidos e comprehen-dendo sabiamente que a interpretao extensiva seria quasi que uma lezo direitos muito sa-grados por isso que tudo aquillo que no est expressamente prohibido na lei c: iminal se deve-entender prmittido, escreveu aquella garanti-dora disposio, que honra seu espirito, e de-nota quanto respeito tributava elle a esse inesti-mvel bem - a liberdade.

    A interpretao que nos parece dever ser abraada e seguida, quando se tratar da reviso de nosso Cod. Crim. a declarativa.

    Tem ella por objecto explicar o sentido natu-ral e regular da lei, no a restringindo para alcanar esse fim, visto que restringir a lei , como diz um criminalista, recusar parte de seus effeitos, nem tambm ampliando~a, porque seria isso crear arbitrariamente um delicto e uma pe-na ; busca porm seu sentido directo e verda-deiro pela explicao dos termos obscuros ou in-correctos de que se servio o legislador,e das locu-es ambguas ou equvocas por elle empregadas.

    Seus elementos scientifcos, diz um notvel

  • XXIX

    - escriptor, so a materia da mesma lei, o caracter especial da materia que faz seu objecto, o syste-ma geral de suas disposies, o conjunct o de seus textos, e o valor das palavras empregadas.

    As regras a seguir para chegar a seus fins so simplicissimas, e se acho encerradas em seus prprios princpios.

    Convm entretanto observar que todos estes elementos devem concorrer no para supprir a defficiencia ou obscuridade dos termos da lei, mas somente para os explicar.

    A opinio de que a interpretao declarativa a nica admissivel em direito penal hoje ge-ralmente acceita pelos criminalistas de mais re-putao, sendo igualmente seguida pelos Tribu-naes Francezes.

    Em uns e outros a bebemos Parece-nos en-tretanto que sanccionada pelos poderes compe-tentes seria a interpretao declarativa de im-menso valor, hoje que o ideal de todos os pen-sadores, no dizer de Saint Albin, que a lei no seja outra cousa seno o bom senso formulado, escripto e applicado com inflexivel lgica.

    hh

  • COMMBNTAp

    AO

    ,AJber*tixr*a clo c a r t a s . Veja-se cartas.

    A T b o i r t o . Occasionar aborto por qual-quer meio empregado interior ou exterior-mente com consentimento da mulher pejada.

    P o n a s

    MAXIMO.5 annos de priso com trabalho. MDIO. 3 annos, idem. MNIMO. 1 anno, idem.

  • Z ABO

    j>o c a 5 o cio a i ' t . iO

    MAXIMO.5 anos e 10 mezes de priso. MDIO. 3 annos e 6 mezes, idem. MNIMO. 1 anno e 2 mezes, idem.

    T'orna.-* dei t o n t a t i v a . o c i x s i i p l i o i d a d o

    MAXIMO. 3 annos e 4 mezes de priso com trabalho.

    MDIO. 2 annos, idem. MNIMO. 8 mezes, idem.

    I * o n a s d a c u i p l i e i d a d n a . t o n t a t i v a

    MAXIMO. 2 annos, 2 mezes e 20 dias de priso com trabalho.

    MDIO. 16 mezes de priso, idem. MNIMO. 5 mezes e 10 dias de priso, idem. Se este crime for commettido sem consenti-

    mento da mulher pejada. PENAS dobradas.

    (CDIGO'CRIMINAL ART. 199)

    * *

    O fim do legislador brasileiro tratando to cautelosamente, logo depois do INFANTECIDIO, do crime de ocasionar aborto por qualquer meio empregado interior ou exteriormente com con-sentimento a mulher pejada, foi essencial-

  • ABO 3

    mente moral e legitimo. Proteger seres que ainda nos limbos da vida intra-ufcerina tm en-tretanto sagrados direitos a inviolabilidade de sua existncia, equiparando-os dest'arte aos que j viram a luz da vida, , sem duvida, diz Girard de Vasson, uma das mais tocantes inspiraes do espiritualismo christo dos modernos legisla-dores.

    Mas por isso mesmo que a sociedade muito importa que a vindicta publica se no ache des-armada diante de attentados to graves, cum-pre seja ella demasiado cautelosa em suas pes-quizas, visto como a precipitao viria sacrificar direitos igualmente respeitveis o pudor fe-menil e a honra das familias , sendo demais conhecidamente difficil a completa verificao de semelhante delicto.

    Se a gestao, como a concepo, como vida, como todos os grandes e diiceis problemas que se erguem entre o infinito e a imperfeio hu-mana, se nos revela por phenomenos myste-riosos, de que no descobrio ainda a sciencia o segredo ; se a natureza humana oferece de con-tnuo aos observadores exemplos bizarros e ca-prichosos em relao a concepo e suas phases inconstantes e varias, como tomar inconsidera-damente, e desde logo por um crime, aquillo que pde ser um accidente natural ? Seria uma

  • 4 ABO

    imprudncia criminosa, pois acortadamente diz Faustin Hclie, n'estes delictos com as provas do crime na mo que a justia publica deve marcher sur l'honneur d'une femme.

    Nos antigos tempos, quando o direito canonico predominava soberanamente nas relaes da vida social, no punia elle os abortos occasionados ou mesmo tentados nos quarenta primeiros dias da concepo. Can. 8, causa 32, quosst. 2. Caroline, art. 133. Farinac, qusl. 122 n. 130. A razo de tal disposio, que feliz-mente nem foi seguida por criminalistas de nota, e nem sancctonada pelos cdigos das fraes-cultas, antes mesmo das revises por que pas-saram quasi todos elles de 1833 em diante, era a seguinte :

    Dizia-se que o feto n'aquellas circumstancias no podia ser ainda reputado com vida, e conse-guintcmente com alma. Ora, esta doutrina no devia realmente ser abraada, no s por sua immoralidade, como tambm por confundir ma-nifestamente o aborto com o infantecidio

    Pelo antigo direito francez o aborto era punido com a pena de morte, e sua tentativa com penas arbitrarias, como se l no Edicto de Henrique I, de Fevereiro de 1556.

    Antes cio predominio benfico do cliristianismo. que em luta com as ideas do mundo brbaro as

  • ABO O

    golpeara de morte, modificando o direito preto-riano da antiga Roma, no dizer elegante de D. Antonio da Costa (Trs Mundos), seno tam-bm instituindo para elle uma origem nova, substituindo ao favor o direito, equidade a jus-tia, e tomando abertamenta a natureza pelo nico fundamento da revoluo social, que mais tarde devia realizar, a legislao romana esta-belecia o exilio como pena, desde que se reco-nhecia no ter ainda o feto sido verdadeiramente animado. Dig. L. 48 tit. 8o lei 8. N hypo-thse contraria reputava-se ento um bem ca-racterisado homicdio, e como tal era punido. Big. L. 48 tit. 19, lei 38 5o. - Dig. L. 47 tit. 11, lei 4. Uma vez, porm, triumpiante a grandiosa doutrina, que no conceito de Lamar-tine, fora o sello de um tmulo immensuravel que para sempre separou o mundo antigo do mundo moderno, to monstruoso delicto foi com-batido em nome da natureza, resultando d'ahi o respeito a vida na famlia, conquista sem duvida mais elicaz do que a da penalidade legalizada.

    Na Inglaterra aquelle que faz abortar uma mulher, (to procure miscarriage) fazendo-a to-mar veneno, ou qualquer substancia nociva, ou usando de instrumento ou qualquer meio para conseguir esse resultado, culpado, bem como o que simplesmente aconselha e ajuda o delicto,

  • 6 ABO

    do crime de flonie, e passvel da pena de depor-tao perpetua, ou pelo menos por 15 annos, ou de priso por trs annos (9, G. IV, c. 31, 1, V, c. 85.)

    O primeiro destes estatutos fazia distinco entre o caso de ser o fdo vivel e de o'no ser, sendo punido no primeiro com a pena de morte, e no segundo com a de deportao. Mas o acto 1 V c. 85, supprimio a pena capital assimilando ambas as hypotheses na punio. Da mesma ma-neira nas tentativas de aborto no indispen-svel que a mulher tenha estado gravida.

    Quando esse bill foi levado cmara dos lords, continha a palavragravida, mas em conse-qncia das observaes de lord Lyndhurst, que sustentava que a inteno era a mesma em ambos os casos, e devia por conseguinte ser a mesma a punio, foi ella eliminada.

    O legislador brasileiro inspirando-se talvez na doutrina do art. 317 do Cdigo Penal Francez de 1810, rectificado pela Lei de 28 de Abril de 1832, oecupa-se no art. 199 somente do facto de ocea-sionar aborto por qualquer meio empregado in-terior ou exteriormente, com ou sem consenti-mento da mulher pejada.

    A primeira considerao que nos oceorre ao 1er este artigo, confrontando-o com a fonte onde sua doutrina foi bebida, que nosso cdigo no

  • ABO 7

    pune seno o aborto occasionado por terceiros, esquecendo-se do provocado pela propria mulher pejada visto como se assim no fora no teria certamente feito a significativa distinco do final desse artigocom ou sem consentimento da mulher.

    Se o legislador brasileiro quizesse punir o aborto provocado pela mulher em si mesma no s no usaria impropriamente do verbooccasionar referindo-se a ella, como teria estatudo especial-mente, acompanhando nesta parte o Cod. Francez, que a mulher pejada que procurasse abortar, ou consentisse em empregar meios interiores ou exteriores para consegu-o, seria punida com taes e taes penas.

    Desde, porm, que no procedeu desse modo, pode-se admittir que o aborto provocado pela propria mulher pejada deva ser punido na frma do art. 199? Pela negativa responderemos a questo, fundados para isso nas seguintes razoes.

    Em primeiro lugar a letra do artigo repelle formalmente aquella interpretao amplativa. Comprehende-se facilmente que se em processo regular ficar devidamente comprovado haver al-gum concertado com uma mulher pejada o plano de provocar um aborto, e empregados meios inte-riores ou exteriores elle se realizar, so ambos os delinqentes passveis das penas estatudas na pri-

    itf.

  • 8 ABO

    meira parte do art. 199. Nem se poderia duvidar um s momento da verdade dessa classsificao porquanto ; se certo que em direito criminal a resoluo e o fado material so os elementos constitutivos do delicto, na hypothse figurada a mulher pejada depois de ser autora na resoluo criminosa, o fora igualmente na execuo. De-mais, as expressesoccasional aborto, visi-velmente copiadas doprocurei* imavortement do Io alina do art. 317 do Cod. Penal Francez, no significam outra couca, tomadas em seu ver-dadeiro sentido, seno fornecer meios de levar o aborto execuo.

    Ora, se esta a verdadeira intelligencia de taes expresses, parece fora de duvida que o art. 199 s trata do aborto obra de terceiro, e em que convm a mulher pejada e no do provocado por ella propria.

    Nem de outro modo se poderia explicar no citado artigo as expresses com consenti*? ment o da 'mulher pejadase ella se refe-risse o verbo occasionar.

    O legislador de nosso Cod. Crim. considerando o aborto neste caso como um attentado dos mais monstruosos, e inspirado talvez pela discusso que no conselho de estado francez em sesso de 26 de Agosto de 1809 se levantara a propsito de deixar-se impune o aborto provocado pela

  • ABO 9

    propria mulher gravida, e em que o illustre conde Berlier dizia que em semelhante materia a natureza das causas prescrevia a impunidade, entendeu que o no devia punir.

    E foi lgico, porque tambm em nenhum ar-tigo do Cod. brasileiro se v reprimido especial-mente o parricidio, como o Cod. francez o faz alis no art. 299, estabelecendo, em relao execuo dos que forem d'elle convencidos, as disposies peculiares de seu art. 13.

    A razo da disparidade na penalidade, que se nota existir entre a Ia e 2a parte do art. 199 do Cod. Crim , indubitavelmente que ha mais im-moralidade em tentar o aborto sem o consenti-mento da mulher pejada do que consentindo ella. Demais o delinqente no primeiro caso ataca audaciosamente no s a vida do feto, como a da propria mi.

    E aqui cumpre observar que, em vista da dou-trina seguida pelo legislador de nosso Cdigo, se o aborto fr provocado pela propinao de subs-tancias venanosas, juridicamente no se poder consid rar aggravante a circumstancia especi-ficada no 2o do art. 16. Neste caso o veneno o instrumento de que se servem os delinqentes para occasionar o aborto : no dever, conse-guintemente, ser jamais considerado circumstan-cia aggravante, mas sim elementar do delicto.

    >

  • 10 ABO

    E isto tanto mais exacto quando no art. 192 tambm se a declara especialmente elementar do crime alli punido.

    J observamos que o legislador de nosso C-digo inspirou-se na doutrina do art. 317 do God. Penal francez sem que entretanto tivesse se-guido a doutrina por elle preceituada. Diversa da nossa igualmente a doutrina do art. 358 do Coei. Penal portuguez, bem como a dos Cods, da Sardenha, arts. 543 e 547, das Duas Seciiias, arts. 395, 398 e 398, e da Hespanha, arts. 328, 329 e 330.

    Todos estes Cdigos incriminam a mulher pe-jada que provoca aborto, sendo que os ltimos sanecionam como attenuao do delicto a consi-derao metaphysica do sentimento da honra, o que no faz nosso Cdigo, nem tambm os da Frana e Portugal.

    Terminando observaremos que nesta capital, durante o periodo de mais do dez annos, um s processo por este delicto no fji trazido ao tribunal do jury.

  • ABO 1 1

    A b o r t o . F o r n e c e r com conhecimento de causa drogas ou quaesquer mios para pro-duzir aborto, ainda que este se no veri-fique.

    MAXIMO. G annos de priso com trabalho. MDIO. 4 annos de priso, idem. MNIMO. 2 annos de priso, idem.

    NTo c a s o d o a r t 4 9

    MAXIMO. 7 annos de priso. MDIO. 4 annos e 8 mezes de priso. MNIMO. 2 annos e 4 mezes, idem.

    Se este crime for commettido por medico, bo-ticrio, cirurgio ou praticante de taes artes.

    I*o :nas

    MAXLMO. 12 annos de priso com trabalho. MKDIO. - 8 annos de priso, idem. MNIMO. 4 annos de priso, idem.

    US'o o a s o d o a r t . 4 9

    MAXIMO.14 annos de priso.

    i

  • 12 ABO

    MEDIO. 9 annos e 4 mezes, idem. MNIMO. 4 annos e 8 mezes, idem.

    (CDIGO CRIMINAL ART. 200).

    *

    Na primeira parte deste artigo o legislador brasileiro pune especialmente o fornecimento de drogas ou quaesquer meios tendentes a provocar o aborto, embora este se no verifique, desde que o fornecedor tem conhecimento de causa.

    Posto seja o aborto, como pensa Girard de Vas-son, um delicto sui generis, podem ser conside-rados complices delle, ex-vi da regra do art. 5o

    de nosso Cod. Crim., os que praticarem os factos especificados no art . 200 ?

    A muitos parece fora de questo a affirma-tiva, desde que o indivduo que fornece a qual-quer mulher pejada drogas e substancias medica-mentosas, sabendo que devem ser empregadas com o fiai manifesto de provocai* um aborto, concorre, sem duvida, directamente para que o facto criminoso se d, sendo conseguintemente cmplice delle, como estatuo nosso Cdigo, e opina o illustre Rossi no cap. 39 do liv. 2 de seu Trait de Droit Penal. Outros, porm, susten-tam opinio contraria, adduzindo para isso as seguintes razes :

  • N*

    !@6BE5 F9>5 =EE97HFOI9? DH9 B 7]@C?=79 CEBIB75 B 89?=7GB CBE =@CH?FB 5779FFBE=B DH9 CBE F= FY ARB CEB8HL 9::9=GB 7B@GH8B 5A5?KF5A8BF9 H@ 7E=@9 DH5?DH9E 7H@CE9 69@ 8=FG=A;H=E B DH9 F9>5@ #%504 13'1#3#5C3+04 13+/%+1+0 &' '8'%6?>0 ' &'-+%50 %0/46..#&0 C5E5 F9 I9E=:=75E F9

  • 14 ABO

    lei ? Demais, se vender - drogas para provocar um aborto, no seno tomar parte nos actos preparatrios deste ; se at o comeo da execu-o pde o droguista arrepender-se e manifestar sua deliberao, procurando evitar o delicto, como se ha de punil-o neste caso ?

    Para melhor comprehender taes argumentos exempliiquemol-os.

    Pedro sendo procurado por Isabel, que lhe pede drogas para provocar o aborto de um feto que traz em seu seio, associa-se ao desgnio cri-minoso de semelhante mi desnaturada vendendo para isso substancias medicamentosas. Em oc-casio azada Isabel as toma, mas no aborta por circumstancias inteiramente independentes de sua vontade.

    Passam-se dias : Isabel dirige-se a outro dro-guista r- Paulo e delle obtm, pela mesma frma, remdios para abortar. Mas, preparan-do-os no momento em que se dispe a tomal-os, arrepende-se do crime e lana fora as substancias compradas. #

    Depois de um longo periodo de indeciso ella procura afinal terceiro droguista Sancho , que, como os dous primeiros, fornece-lhe drogas para provocar o aborto. No dia immediato, po-rm, Sancho arrependido da comparticipao que tomara em to negra resoluo criminosa, insta

  • ABO 15

    com Isabel para que se no sirva das drogas que lhe ministrara. Isabel mantm seu propsito criminoso, e tomando os medicamentos o aborto se verifica. Ora, na primeira hypothse deu-se uma tentativa de aborto, segundo os princi-pes de nosso direito criminal, e dlie cm-plice Pedro.

    Na segunda no ha delicto algum a punir ; conseguintemente seria impossvel a existncia de cumplicidade.

    Na terceira deu-se um crime consummado, e existe um cmplice a punir, isto , um indiv-duo que ifectamente concorreu para que o aborto se realizasse.

    Se, porm, esses trs individuos praticaram os mesmos actos venda de 'drogas que deviam provocar um aborto , devendo -se por esse facto afianar em absoluto, como o faz o illustre Rossi, que concorreram elles directamente para o crime, porque razo escapa responsabilidade legal o segundo, e no os dous outros ?

    Se indiscutvel que o cmplice fica sempre estranho, como diz Le SellyerTrait du Droit Criminei cap. Io n. 29ao facto do crime, sem o que seria autor ; porque na primeira hy-pothse figurada s os actos de principio de execuo praticados pelo agente do delicto ho de determinar a responsabilidade de Pedro, em-

  • 16 ABO

    quanto a absteno dos mesmos actos em relao a Paulo firma a irresponsabilidade deste ?

    Porque Sancho, que como Paulo, se limitara a vender drogas para provocar um aborto, mas em tempo se arrependera, ha de ser punido por factos estranhos sua vontade, e Paulo no pde ser attingido por nenhuma pena ?

    Ainda mais : se lei da responsabilidade hu-mana, como ensinam Chauveau e Helie, que cada culpado s deva ser punido em razo da parte que tomou no delicto ; se regra de justia dis-tributiva que a medida da pena entre os culpa-dos, a culpabilidade relativa de cada uai dlies, como se ha de, pelos mesmos factes, punir a uns e deixar impunes outros ? Como sustentar convencidamente semelhante doutrina, quando contra ella protesta energicamente o principio altamente proclamado pela sciencia da propor-cionalidade das penas com os delictos ?

    Sero de subido valor e procedncia taes ar-gumentos, mas diante do jure constituendo.

    Assim ex-vi dos principios seguidos por nosso Cdigo, embora seja Certo que o cmplice fica estranho ao facto do crime, sendo comtudo in-dispensvel para haver cumplicidade que elle exista, e isto dependa essencialmente do agente do delicto, s verificando-se a tentativa ou crime consummado pde existir cumplicidade, Chau-

  • ABO 17

    veau e Ilelie, Tom. 2o pag. 50 e seguintes, Boi-tord, Cod. Pen. pag. 276, Legraverend, Tom. Io

    pag. 132 e seguinte, e Dallz verb, tentativa, ensinam que no necessrio que o cmplice tenha tido participao no comeo da execuo, ou na execuo para que seja responsvel pelo concurso prestado ao delicto. Demais, se atten-der-se, como, bem pondera Le Sellyer, que a cumplicidade conseqncia de um facto e no um facto, sendo conseguintemente uma questo essencialmente de direito, e sobre a existncia juridica da qual jamais poder ser consultado o jury, como luminosamente o decidio o Supremo Tribunal de Justia por Accordo de 24 de Ou-tubro de 1860 em causa em que era Recorrente Matheus Vieira Cardoso, por seu escravo Joa-quim , ver-se-ha que a cumplicidade existe quando se d o concurso directo para o crime, tornando-se entretanto somente punivel desde que o delicto for tentado ou consummado.

    Todas essas objeces desapparecem, porm, diante do seguinte argumento. No so ellas applicaveis ao art.-200 de nosso Cod. Crim., visto como o legislador brasileiro no trata nelle de firmar, o que seja cumplicidade de aborto.

    Nem poderia fazel-o sem a grave pecha de casuistico, pois no art. 5o firmou elle a regra

  • 18 ABO

    geral e invarivel da cumplicidade do todos os crimes.

    Quando, porm, se mostrasse algum refracta-rio luz da evidencia, que cremos ter feito a

    ' este respeito, e tentasse improficuamente sus-tentar que fornecer com conhecimento de causa drogas ou quaesquer meios para provocar um aborto eqivale a concorrer directamente para se commetter esse crime, ahi esto no final do art. 200 as significativas expresses AINDA QUE ESTE SE NO VERIFIQUE excluindo a pos-sibilidade de admittir-se essa opinio, e provando demais que o legislador brasileiro entendeu dever punir especialmente taes factos, como o fez.

    A desproporo no gro de penalidade que se nota na 2a parte do ort. 200 encontra apoio em consideraes valiosissimas.

    O medico, boticrio, cirurgio, ou praticante de taes artes que abusando indignamente de seus conhecimentos fornece drogas a qualquer mulher pejada afim de que aborte, faltando aos sagrados deveres de seu nobilissimo sacerdcio, e pondo ao servio do crime, com incrivel aud-cia o perversidade requintada, sua instruco e experincia, no podia ser punido com a mesma pena com que o quem se- no acha em taes circumstancas, pois desse modo no haveria proporcionalidade na punio dos delictos, sem

  • ABO 19

    contestao o ideal ainda no completamente attingido pelos legisladores de todos os povos.

    A pena em si mesmo, diz o illnstre Rossi, o mal merecido pelo autor do delicto. Sua me-dida pois est, e no podia deixar de estar, na nataresa e gravidade do acto imputavel. Mas a compartecipao dos diffrentes agentes do de-licio nem sempre a mesma, bem como diversos podem ser, e so de ordinrio, os gros de per-versidade d'esses mesmos agentes. Ora isto jus-tamente o que justifica a disposio da 2.a parte do art. 200, visto como ningum ousar negar a perversidade do medico que fornecendo drogas ; ara provocar um aborto concorre calmamente de seu gabinete, para o sacrifcio da vida de um ser indefeso.

    E aqui cumpre-nos investigar se a parteira que praticar esses mesmas actos deve incorrer na sanco da l.a parte d'est artigo, ou na 2a. Nosso Cdigo omisso a este respeito, como tam-bm o o Cod. Francez. A jurisprudncia porm dos tribunaes francezes, e a opinic de notveis criminalistas em favor da afirmativaAresto do Tribunal de Cassao de 10 Dezembro de 1835.Carnot sobre o art. 317 do Cod. Penal, e Bonin comment, ao citado artigo. Nem outra poderia ser a soluo desde que as parteiras se acham em condices idnticas aos mencionados

    4

  • 20 ABO

    na segunda parte do artigo de que nos temos occupado.

    Na hypothse de voriicar-se o delicio, em qual dos dois artigos, 199 ou 200, deve ser com-prehend ido o delinqente?

    ' primeira vista affigura~se difficil a res-posta qe alis nos parece simplicissima. O delicto do art. 200 um delicto sui gnons, e consiste no fornecimento de drogas para que o aborto se verifique. No art. 199 ao contrario o legislador pune facto diversoo aborto consumado.N'este caso o emprego dos meios pde dar em resultado um crime consumado ou tentado. N'aquelle o fornecimento de drogas, quer sejam ou no em-pregadas, constitue por si s a infraco punida.

    A distinco parece-nos bem clara.

    AJbxza i* ou zombar de qualquer culto esta-belecido no Imprio, por meio de papeis im-pressos, lithographados ou gravados, que se distriburem por mais de quinze pessoas, ou por meio de discursos proferidos em publi-cas reunies, ou na occasio e lugar em que o culto se prestar.

    1*011 a s .

    MXIMO.G mezes de priso simples, e multa correspondente metade do tempo.

  • ABU 21

    MEDIO. ~ 3 mezes e 15 dias idem, o multa, idem.

    MNIMO. i niez idem, e mu Ha idem.

    (CDIGO CRIMINAL ART. 211.)

    O sentimento religioso , sem contestao, fatal e irresistvel tendncia da organisao hu-mana. Luz que brilha no intimo da conscincia do homem civilisado, como na do sem i-sol vagem, a natureza derramou-a em ambos providenciai-me.te. Se aqui o polytheismo, que segundo incr-dulos dissertadores fora a primeira religio do gnero humano, apparece em face do sabbeismo e do fetichismo : se alli o pantheismo se desen-volve sob as formas emblemticas em quanto o dualismo de Mai s firma seus princpios crea-doreso o bem e do mal, nem por isso um laocommum os deixa de j>render em suas varia-das manifestaes e encontradas tendncias, visto como os systemas religiosos d'essas seitas fundo-se em dados cosmogonicos, embora falsamente comprehendidos.

    No ha negar : uma lei de unidade prende em sua essncia as religies, emquanto na forma a lei da variedade as domina.

    Se, como diz Lamennais, no existe seno uma

    \ \

  • natureza humana inaltervel, e immutavel; se os indivduos ligados entre si por sua natureza com-mum formo um todo permanente, uma sociedade chamada gnero humano, a Religio no a lei do homem seno por que ella a norma d'esta sociedade permanente ou lei do gnero humano, que representa completamente anatures immu-tavel e inaltervel de que cada homem partecipa indubitavelmente.

    Ora se a religio mais do que uma tendncia, uma lei do homem, e se as leis dos seres intelli-gentes so conhecer a verdade e ella adherir, no podia o legislador de nosso Cdigo Criminal deixar de escrever o art. 277 quando o legislador constitucional compenetrado do dever sagrado que tem todo o homem civilisado de prestar culto de adorao ao creador do Universo depois de esta-belecer como nacional a Religio catholica apos-tlica romana garantira no art. 179 5 de nossa Const. Polit, a liberdade de conscincia, e da f religiosa, firmando demais no art. 5o a tolerncia do culto publico das outras religies em casas para isso destinadas sem forma alguma exterior de templo.

    Desde que cuidou elle de estatuir por esse modo o direito que ao Estado incontestavelmente assis-te em relao polie a dos cultos, bem como de apreciar suas doutrinas, tendncias,edesciplinas,

  • ABU 23

    seria impossvel omittir o artigo de que nos occu-pants. Assegurar o Estado a liberdade de cren-as religiosas, isto em seu Cdigo Politico, tole-rar se estabeleo com suas disciplinas e cultos e deixar impunes os que contra elles attentassem, seria um absurdo revoltante. Por isso no artigo que analysamos se incrimina os que d'elles abu-so e zombo por meio de papeis impressos, litho-graphados, ou gravados, que se distribuem por mais de 15 pessoas, ou por meio de discursos pro-feridos em publicas reunies, ou na occasio em que o culto se prestar

    Convm ligar a devida significao s palavras abusar e zombarque muitos podem parecer essencialmente diffrentes.

    Zombo dos cultos'aquelles que os motejo, es-carnecem, mango e ridiculariso. Zombo ainda dos cultos os que d'elles abuso enganando com falsas apparencias, ou como por jogo e zombaria (S. Luiz verb.ludir,enganar, embair e se-duzir.)

    Assim quem publica um escripto, lithogra-phia, ou gravura n'essas condies contra qual-quer culto permittido pelo Estado, abusa ou zomba d'elle, e incorre por isso na sanco do art. 277. Mas se servindo-se delle, unicamente llude-se a terceiro ignorante dos ritos e cere-imonias de tal culto, fazendo, por exemplo, crer

  • 24 ABU

    que praticados taes ac tos, e feito certo donativo, lhe hade succder um milagre, ou adquirir qualquer poder, e por esses meios obtm para si parte da fortuna alheia, com met ter quem assim proceder o delicto previsto no art. 277, por isso que abusara do culto ?

    Evidentemente no. O crime commettido no o previsto no art que analysamos, visto como no se abusou do culto, mas sim da boa f e ignorncia de quem se deixou colher nas malhas de um bem caracterisado artificio fraudulento, por si s bastante para determinar a responsabi-lidade criminal de seu agente.

    Tambm fora de duvida, ex vi do preceito do 2. do art. 9o do Cod. Crim., que as analyses razoveis d)S princpios, ritos symbolicos, e dis-ciplinas dos cultos permittidos no podeai ser consideradas como um delicto de abuso, especifi-cado no art. 277. No so razoveis, porm, as analyses que envolvem injuria e zombaria, e como taes cahem necessariamente debaixo da alludida sanco penal.

    Se a tolerncia de discusso, permittida pelo 2o do art. 9o, vai at a analyse dos principios da religio do Estado, e a esta no prejudica, pois bellamente dizia em 1857 o padre Ventura tra-tando dos inconvenientes das discusses religio-sas, nesse terreno a religio catholica nada

  • ABU 25

    teme, e antes tem tudo a ganhar em ser co-nhecida e provada pela contradio e combate, da mesma maneira no prejudica aos outros cultos desde que se no firme no terreno do in-sulto, da diffamao, ou ainda no da critica grosseira e brutal. Nem outra poderia ser a in-telligencia desse 2o, desde que a Constituio garantio a liberdade de pensamento por palavras* escriptos e imprensa. Const, art. 179, 4.

    Tambm cumpre observar que a disposio do 6o do art. 2o da Lei de 20 de Setembro de 1830 no est em vigor desde que sua materia foi comprehendida no art. 277.

    Seria impossivel affirmar que semelhante dis-posio no ficou virtualmente alterada pelo Oodigo.

    A lei franceza de 25 de Maro de 1822 no art. Io pune com a pena de priso por 3 mezes

    a 5 annos, e multa de trezentos a seis mil fran-cos os que pordiscursos, grilos, ameaas pro-feridas em lugares ou reunies publicas, por escriptos impressos, desenhos, gravuras, pin-turas o", emblemas ultrajarem ou provocarem irriso contra qualquer religio cujo estabe-lciment > for legalmente reconhecido.

    Comprehendendo a neceasidade de punir os insultos e zombaras contra os cultos permittidos em Frana, deixou entretanto livres as contro-

  • 26 ABU

    versias philosophicas, e theologicas, exacta-mente co;no nosso Cdigo, por isso mes no qua estas, no terreno da decncia e comedimento, de nenhum modo perturbam a segurana e paz publica, como asseverava o illustre Portalis na Cmara dos pares.

    O legislador de nosso Cod crim. considerando altamente importante a punio do delicto pre-visto neste artigo, entendeu que lhe era licito desde logo estabelecer, o que mais tarde fez no Cdigo e leis do p/ocesso, a competncia da accusao por parte da justia publica, eo fez no art. 312.

    Por ultimo cumpre attender que se o abuso ou zombaria contra os cultos permittidos, fr praticado por meio de papeis impressos, litho-graphados ou gravados, no existir cumplici-dade ex-vi da regra do art. 8o do mesmo Cod.

    A razo de semelhante excepo intui-tiva. Desde qua a Constituio politica no ar t . 179 4 estabeleceu ampla liberdade de pensa-mento, e publicidade delle pela imprensa, almit-tir cumplicidade em taes crimes seria contrariar aquelles princpios, e indirectamente sanccionar a censura, adversaria, irreconciliavel de to sa-lutar prerogativa.

  • ABU 27

    A b u s o de liberdade de communcar os pen-samentos. Veja-se Aecusao e Delidos.

    . A J b u s o de autoridade em occasio de ser-vio, ou influencia do emprego militar, no exceptuados por lei que prive o delinqente do foro, ciime militar.

    (PROV. DE 20 OUTUBRO DE 1834.)

    _A_l>xi s o de autoridade. Veja-se Crime con-tra a boa ordem e administrao ; lica.

    . A . l > x i ^ o de confiana no commettimento do crime circunstancia aggravante.

    (COD. CRIM. ART. 16 10 )

    No o abuso de confiana, segundo nosso Cdigo, outra cousa mais que o abuzo da f, isto , da seguridade ou tranqilidade de espirito nascida da opinio em que estamos de que nenhum perigo nos ameaa.

    N'esta parte no seguio o legislador brasileiro Cdigo Francez que no Liv. 3. Tit. 2.seco

    2.a 2. o considera como crime especid, bem como o Cdigo Portuguez no Liv. 2. Tit. 5. Cap. 2. seco 3.a, e classificou-o como circunstancia aggravante.

  • 28 ABU

    O abuso de confiana facilita notavelmente os crimes, visto como as victimas so attacadas e of-fendidas em sua propriedade, e mesmo em sua vida por quem jamais suspeitaram capazes de se-melhantes attentados.

    Temos ouvido sustentar algumas vezes que o abuzo de confiana no circunstancia aggra-vante mas elementar dos delictos previstos nos arts. 258 e 265, 2.a parte do mesmo Cod. Crim. Em verdade desde que a cousa alheia recebida por vontade do dono, e d'elle prprio, aquelle que :>e ar roga o dominio ou uzo d'ella, ou a des-via ou dissipa, no pode certamente ter contra si a circunstancia aggravante do abuso de confian-a, visto como em definitiva nos citid.)s artigos de nosso Cdigo pune-se distinctamente o abuso de confiana como furto no art. 258, e como es tellioMCto no art. 265.

    Em sustentao d'esta opinio invoca-se o art. 408 do Cod. Penal Francez, 161 do Col. da Aus-tria, 635 do Cod. da Sordenha, 430 do Cod. das Duas Sicilias, e todos os modernos Cdigos da Al-iem an ha.

    Se a theoria das circunstancias aggravantes tem por fim, seno a completa soluco do dificil problema da proporcionalidade dis penas aos de-lictos, ao menos a justa descriminio, e apre-ciao das circunstancias que os rodeo e os tor-

  • ABU 29

    no mais ou menos graves, no pode certamente circunstancia que elementar do delicto ser con-siderada aggravante.

    Tambm pensam ainda alguns, e em 13 de Maio de 1874 o decidioo Supremo Tribual de Jus-tia no processo e julgamento do desembargador Jos Cndido de Pontes Visgueiros, que se no pode reconhecer a existncia d'esta aggravante se o oFendido algures mostrou receio de que o delinqente o offendesse. Mantemos opinio ma-nifestamente em contrario, embora acatemos de-vioamente aquelle julgado do Superior Tribunal.

    Se o offendido antes do delicto, e no momento em que elle consumado deposita na pessoa do delinqente f e seguridade, demonstrando isto por palavras ou actos, no ser de certo a cir-cunstancia de um receio, extincto desde muito em seu espirito, que nullificar a aggravante do abuso de confiana, visto como esta ficou desde ento restabelecida, e conseguintemente no se deve juridicamente deixar de computal-a para a medida da punio.

  • 30 ABU

    Aynzo de poder, que consiste no uso do poder (conferido por lei) contra os interesses p-blicos, ou em prejuzo dos particulares, sem que a utilidade publica o exija, julgar-se-h crime ou delicto.

    (COD. ORIM. ART. 2. 3>)

    A' primeira -/ista parecer a quem meditar o 3 do art. 2. que n'elle foi o legislador bra-zileiro redundante visto corno tendo definido no 1. o que crime, e como tal considerado a tentativa no 2., nenhuma necessidade havia de accrescentar a doutrina do de que agora nos occupamos.

    Entretanto assim no . No domnio do antigo direito portuguez sob que

    vivemos, e quando as Ordenaes Phillippinas pu-blicadas no comeo do sculo XVII reflectio na parte criminal toda a severidade dos cdigos de Affonso V, e frmavo a irresponsabilidade dos governos, sabe-se que esta se estendia aos func-cionarios ou agentes da autoridade publica En-to a impunidade das pessoas de maior qyali-dade, na expresso da Ord. L. 5. Tit. 38 era mais que um facto.

  • AB 31

    0 Brazil proclamando em 1822 sua indepen-dncia, e firmando a autonomia de nao livre e independente escreveu desde logo sua Constitui-o Politica, e n'ella, art. 179 18 estatuindo a organisao de um Cdigo Criminal fundado nas slidas bazes da justia e eqicidade, no es-queceu nos arts. 133 3., 156, e 179 29 de decretar a responsabilidade dos ^ninisros, ma-gistrados e mais empregados pblicos pelos de-lidos de abuso de poder. Comprehendeu que a justia social no ligitima, como diz Bonneville, seno porque o reflexo da delegao dajustiade Deus, devendo portanto alei penal ser derivao da lei moral, e sem hasitar, attendendo aos no-vos e vivificadores elementos de sua vida social, abolio a legislao do regimen colonial, e fundou sobre novas bazes as leis penaes que o devio re-ger, estatuindo porem uma regra geral que ser-visse punio de todos os abuzos do poder, sem contestao os mais fortes mantenedores do ve-lho regimen absoluto.

    Em relao s disposies subsfcanciaes do 3. do art. 2. so ellas de fcil comprehenso. De-finindo o que seja abuzo de poder distingue a violao de interesses pblicos ou particulares. De uns e outros ofFerece numerosos exemplos, e fcil ser enumeral-os.

    Em relao aos primeiros encontramos os arts.

  • 32 ABU

    130, 140 o 142: pelo que diz respeito aos segun-dos os arts. 144, 145 e 149.

    Nas expresses.conferido porli,ret-se aos abusos de poderes legtimos, isto reconhe-cidos taes por nossas leis.

    A clausula sem que a utilidade publica o exijadeve ser entendida antes como resguar-dando os interesses, ou melhor os direitos dos particulares, do que como sancionando sua viola-o pelo poder publico sob esse pretexto. A obri-gao que assiste aos funccionarios pblicos de rcspeital-os, exceptuado o caso de colliso com a publica utilidade, e que se encontra no systema geral de nossa legislao a melhor resposta s objeces que essa clausula possa levantar.

    Em relao aos delictos particulares cornmet-tidos por funccionarios pblicos o abuzo de poder ireumstancia aggravanteart. 275 do Cod.

    No Cod. Penal Francez encontra-se a mesma distinco de nosso Cod.abuzo de poder contra particulares e contra a coicsa publica,no como ^ rcgra geral mas como delidos especiaes, e com penalidade proporcionada a gravidade do prejuzo possvel ou realVeja-se Bonin Co-rnent, ao Cod. Pen. Francez n. 318.

    No se poderia em verdade, como ez nosso le-gislador, deixar de considerar delicio o abuzo de poder. So os magistrados essencialmente eacar-

  • ABU 33

    regados de velar no socego, paz publica, e ga-rantias de todos os direitos, e para isso se lhes delega pode res. Se pois os em prego elles em abertamente violal-os, no s contrario de fron-te os fins de sua instituio, como espalho o alar-ma no seio dessa sociedade que d'elles tudo es-pera, e conseguintemente devem ser punidos por esse buzo, ou melhor por esse delicto.

    . A J b i x s o de poder dos empregados pblicos nos delidos particulares considerado cir-cumstancia aggravante.

    ( C D I G O C R I M I N A L A R T . 21O.)

    A razo que determinou o legislador brazileiro a considerar o abuso de poder, nos crimes parti-culares, como circunstancia aggravante de in-contestvel valor e procedncia.

    responsabilidade dos funccionarios que abu-so do poder confiado, em proveito de suas pai-xes, uma necessidade de ordem publica.

    Se, como diz Benthan, a violao da confiana neste caso, se refere uma posio particular, um po ier confiado que impunha ao delinqente obrigao que esqueceu ; se a lei suprema dos

    %\,

  • 34 ABU

    funccionarios pblicos promover os interesses collectives da sociedade, e fazel-os prevalecer so-bre os personalssimos, desde que os empregados pblicos pratico crimes d)s chamados 'particu-lares com abuso de poder, no pode este deixar de ser considerado circu nstancia aggravante.

    Ainda mais: se nos delictos commettidos por funccionarios pblicos o abuso de confiana no circunstancia aggravante, mas sim elementar dos mesmos delictos, sagundo a melhor e mais se-guida opinio, no podia nos crimes particulares deixar nosso legislador de considerar o abuso de poder como aggravante, visto que sendo elles como ensina Benthan, e nosso cdigo nesta parte o seguio, os deledos que prejudico d tal ou taes in lividuos designadamente, alem do pr-prio delinqente,^ bem de vr que s nos crimes public )s o abuso constitue o prprio delicio, sen-do por tanto circunstancia aggravarte de todos os mais.

    No 3- do art. 2.* o legislador brasileiro de-clarou crime o abuso de poder, e como delictos espeeiaes punio violaes d'essa natureza em di-versos artigos, dos quaes mais tarde nos oecupa-remos.

    Em relao porem aos delidos particulares de-clarou-o circumstancia aggravante, visto como encarregados de funees publicas lgico que

  • ABU 35

    sua punio seja aggravada por servirem-se, em proveito do crime, da autoridade que lhes foi confiada para prevenil-o, e at mesmo punil-o. Distinguindo finalmente o abuso do poder como

    Io, e como occasio, justificou a distinco que estatua entre a circurnsaucia aggrava ate e o delido de que se oecupou nos arts. 275 e O Q Q 0

    A c g o ou omisso voluntria contraria s leis penaes, julgar-se-ha crime ou delicto.

    (CDIGO CRIMINAL ART. 2. 1.)

    N'este artigo definio nosso Cdigo de uma ma-neira precisa, o que seja crime ou delicto.

    Affirmando que elle a aco ou omisso vo-luntria contraria as leis penaes, traou a linha divisria dos elementos material e moral do de-l ido.

    D'esde que s crimea aco ou omisso, fica fora de questo que o pensamento delictuoso no constitue facto punivel. E em verdade o pen-

  • 36 ACC

    samento criminoso no podia como tal ser consi-derado. Superior aco dos seres exteriores, na expresso do Dr. Braz Florentino, mysterioso as vezes em sua formao e revelao, irresistvel em seus mpetos, o pensamento no pode, e no punido pela legislao de nenhum povo, por isso que, como dizia o illustre Rossi, escapando a aco material do homem e ao imprio da justia humana, de sua criminalidade s conhece Deus e a conscincia.

    Se algum Cdigo, dizBoitard, pretendesse veri-ficar e punir a resoluo criminosa, lanar-se-hia necessariamente para conseguil-o no caminho das ficoes odiosas, e pesquisas inquesitoriaes, que fa-riam um mal maior do que o bem proveniente da pena.

    Nosso God. exigindo para a existncia de um de-licto a de umaaco ou omisso,declarou in-dispensvel a verificao de um facto material, embora no consumado. Assim os actos denomi-nados preparatrios fico, em regra, fora da ac-o da penalidade, e nem como delidos podem ser qualificados por isso que sua propria natureza exclue nosapossibilidadedebem averiguai-os, em vista das regras geraes da imputabilidade cri-minal, mas ainda a de impor-se-lhes penas, o que seria o mesmo que punir o pensamento, principio yerigoissimo e repudiado desde os tempos d

  • ACC 37

    Direito Romano Corjitaiionis pnam neraopa-tityrUlp. L. 18 Dig. de pnls.

    A omisso, que no outra cousa seno a abs-teno deaco, um facto negativo na phrase dos Jurisconsultes; mas nem por isso deixa de de-terminar a existncia do delicto desde que vo-luntria, pois, se o no for escapa a aco da jus-tia social, por que esta s pune as violaes filhas da vontade e intelligeacia que correspondem a direitos ou obrigaes.

    expressovoluntriaque pelo legislador foi empregada com toda a justeza para determi-nar a espontaneidade, condico indispensvel imputabilidade de um facto delictuoso, pareceu ao illustre commentador do Cdigo Penal Portu-guez o Conselheiro Ferro inutil e redundante, embora este Cdigo a empregue tambm em seu art. 1. Entretanto assim no , como passamos a demonstrar.

    A faculdade de querer, fazer, ou no fazer, a que denominamos vontade, no em ultima ana-lyse outra cousa seno a liberdade do ser pensante. Co r> effeito, como diz Ortolan, esse poder de re-soluo com imprio sobre os rgos de nossa acti-vidade, o poder da liberdade ou da vontade. Ora aco a que no presidisse a vontade, e por ella no fosse determinada, no seria aco im~ ptavel e eonseguintemente punivol. O raio que

  • 38 ACO

    fulmina, o irracional que accommette e mata, no praticam actos con voluntariedade, com li-berdade, com imputabilidade na linguagem jur-dica, e por isso no podem ser punidos.

    Demais, como diz Levy Maria Jordo, distincto commentador do Cdigo Penal Portuguez, para que tenha lug ir a puniro mister que o mal produzido, isto , que o resultado da aco ou omisso seja coasequencia da intelligenca e li-berdade do homem.

    Se pois o legislador a tivesse omittido deixaria incompleta a bella difinio doutrinai e scien-tica de crime que nos deu n'este do art. 2.

    As expressescontraria lei penalvieram determinar quaes as leis cuja violao constitue delicto.

    E' aqui o lugar prprio para observar que o nosso legislador no art. 310, exceptuou como de-via, comprehendendo-as como puniveis as ac-es ou omisses no declaradas no Cdigo, e que no so puramente criminaes, s quaes pelos regi-mentos das autoridades e leis sobre o processo es-teja imposta alguma multa ou outra pena, pela falta do cumprimento de algum dever ou obri-gao.

    Por ultimo, muitas outras leis temos que no esto comprehendidas no God. D'ellas nos oceu-paremos opportunamente.

  • ACC 39

    A o a o , criminosa antes do cdigo crimi-nal, mas no declarada nelle como tal, no su-jeita a pena alguma, que j no esteja imposta por sentena, que se tenha tornado irrevog-vel, e de que se no conceda revista; exceptua-das porm as que no sendo puramente crimi-naes, pelos regimentos e leis do processo so punidas com multa ou outra pena.

    (CDIGO CRIMINAL ART. 310.)

    *

    Na primeira parte do art. 310 confirmando o legislador brasileiro a no retroactividade das leis penaes, j por elle prescripta no art. 1. do Cod. e antes d'est, como principio, no 3. do art. 179 de nossa Constituio politiea, e como regra em relao a competncia e penalidade no 11 do citado art., firma de modo irrecusvel a no retroactividade das penas. Se as leis podes-sem ter efeito retroactive, dizia Toullier, no h v ria m.sis segurana nem liberdade.

    ( ) principio da no retroactividade das leis pro-clamado desde muito pela legislao romana na regraubi non est lex, nee preoaricatio. a suprema garantia de todos os direitos, pois se a lei penal retrogadasse a ida de segurana indi-vi lua] desapareceria, e com ella a liberdade,

  • 40 ACC

    bem inestimvel, visto como o abuso e o capricho seriam ento rbitros dos destinos dos cidados.

    No podia conseguintemente o legislador de nosso Cdigo Criminal deixar em 1830 de especi-ficar queas aces ou omisses,que posto cri-minosas pelas leis anteriores no fossem como taes por elle consideradas, no eram passveis de penalidade.

    Exceptuou entretanto a hypothse da existn-cia de imposio de pena. por sentena irrevogx-vel, ou de que se no conceda revista porque en-to dar-se-hia o caso julgado, contra o qual no licito legislar.

    No tem entretanto actual mente valor algum a doutrina da l.a parte d'est artigo, visto ser ella de todo o ponto inapplicavel.

    Em relao a doutrina da excepo, que cons-titue sua 2.a parte, j dissemos que nem todas as aces ou omisses no consignadas especialmente no Cdigo escapam por isso a aco da penalidade. O art 308 em seus refere-se a diversas, exis-tindo tambm muitas outras que como taes so consideradas.

    Accresce ainda, que nossa lei civil reconhece aces e omisses que posto no constituam, espe-cial e formalmente faliando, delidos, entretinto so passveis de punio, na opinio de muitos.

    E' aqui o lugar prprio de descutir a these

  • ACC 41

    sea falta de entrega de deposito civil sujeita o depozitario infiel priso, ou simplesmente a processo crime.

    No Direito commercial nenhuma duvida se po-de levantar, por isso que o art. 2&4 do respectivo Cod. , a respeito d'esta materia, positivo. No succde porm o mesmo no direito civil ptrio.

    N'este assumpto, que alis nos parece simples, os escriptores antigos e mesmo alguns de nossos tribunaes tem constantemente confundido cou-sas essencialmente distinctas.

    E seno vejamos. Em primeiro lugar observaremos que a Ord.

    L. 4o. Tit. 76 5o que dispunha:se alguma cou-su fosse posta em guarda e deposito, e o deposi-tari recuzasse enlregal-aao senhor sem justa e lgitima causa, ou usasse Jella sem vontade expressa do senhor, devia ser preso ate que da cad', entregasse a cousa,no se refere, como se tem entendido, aos depositrios judiciaes, mas sim aos extrajudiciaes. E' prova d'esta nossa proposio a propria pigraphe da citada Ord. que trata especialmente da priso por dividas Ci-vis. m

    Ora se o deposito extrajudicial diffre essen-cialmente do judicial, por isso que um contra-i-lo do qual conhecem os juizes por meio das ac-es competentes, s depois de sentena em pro-

  • 42 ACO

    cesso regular, e por virtude d'ella, poderia ter lugar a priso se esta fosse admittida por nosso direito.

    Em segundo lugar observaremos ainda que, mesmo na hypothse figurada, hoje inadmiss-vel a priso quer do depositrio judicial, quer do extrajudicial, no s pela disposio terminante da Lei de 20 de Junho de 1774 19, e Ass. de 18 de Agosto do mesmo anno, como tambm em vir-tude da doutrina do artigo que analyzamos.

    Se nos arts. 146, 147 e 265 o legislador crimi-nal punio no s os depositrios extrajudiciaes, como osjudiciaes, que no entregam as cousas que lhes so confiadas n'esse caracter, claro que ca-ducou a doutrina da Ord. L. 4o. Tit. 76 5o e tam-bm a do L. 4. Tit. 49 1. que propriamente se referia aos depsitos judiciaes, posto seja in-dispensvel attender que esta Ord. se occupava do caso do haver entrega do deposito qualquer funccionario da justia.

    Se pensamos d'est modo claro que no pode-mos deixar de responder pela negativa a primei-ra parte da these que discutimos, concluindo por tanto que semelhante procedimento dos deposit-rios infiis s pode dar lugar a aco criminal.

    Em relao porem aos desfalques em que fo-rem encontrados os thesoureiros, recebedores, collecterez, almoxarifes, contratadores e rendei-

  • ACC 43

    ros. indiscutvel, ex vi do art. 2. do Decreto n. 657de 5 de Dezembro de 1849, que na Corte o Mi-nistro da Fazenda, e nas Provncias os Inspect >res das Th escuraria-*, podem e devem ordenar a priso administrativa d'aquelles funccionarios, man-dando mesmo formar-lhes culpa pelo crime de peculato, nos casos previstos no art. 6. do citado Decreto.

    A' este respeito no podemos deixar de trans-crever aqui a sentena e accord ao da Relao da Corte proferido sobre o habeas-cor pus n. 429 / , em que era Recorrente o Juiz de Direito da Ci-dade da Vict ria, e Recorrido o tenente Antonio Rodrigues Pereira.

    SENTENA

    Conhecendo-se, pelas deligencas a que proce-di, que o tenente Antonio Rodrigues Pereira, ex-Thezoureiro da Fazenda Provincial, preso no quartel da companhia de infantaria d'esta Cida-de ordem do Inspector da mesma Thozouraria Jos Joaquim de Almeida Ribeiro, soffreu vio-lncia, visto no haver motivos legaes que jus-tifiquem sua priso, por quanto no constando da Ordem de fl 6. e resposta de fl. 15 do refe-lido Inspector, e auto de perguntas de ft\ 13, que antes da priso administrativa do paciento se

  • 44 ACC

    tivesse tomado em sesso, na Thezouraria da Fa-zenda Provincial, a deliberao do que reza o art. 80, com as formalidades exigidas nos arts. 72 e seguintes do Reg. approvado pela lei pro-vincial n. 33 de 4 de Dezembro de 1889, fixando o alcance do paciente para com a Fazenda Pro-vincial, para dar-se ento a providencia recom-mendada pelo 13 art. 3o do mesmo Reg., ainda menos que o paciente deixasse de apresentar no auto do exame nos cofres seu carg ), ou em qualquer outra occasio, as contas, livros, e mais documentos de sua gesto, casos estes em que tambm tem lugar a priso preventiva dos responsveis pelos dinheiros pblicos da Fazenda Provincial, depois do praso marcado para apre-sentao dos livros, contas e tc , segundo o disposto no art. 88 do faliado Reg., est vis-to que ao Inspector da Thezouraria faltava at-trbuio para deprecar, como deprecou, no dia 28 do mez proximo findo, a priso administra-tiva que soffre o paciente. E nem podeai reger o caso em questo os Decretos e mais Inslruc-des e ordens geraes, como nas faltas e omis-ses manda o art. 143 do Reg. Provincial, por isso que esto previstos pelo art. 3. 12 com-binado com o art. 86 do mesmo Reg., os ca-sos em que tem lugar a priso administra-tiva, como fica expendido. Mas, quando fosse ne-

  • ACC 45

    cessario recorrer ao Decrete n. G57 de 5 de De-zembro de 1849, como pretende o inspector da Thezouraria em sua portaria de fl. 6 e resposta de l. 15, ainda assim do art. 2, d'est mesmo Decreto, v-se que os Inpectores das Thesoura-rias s podem ordenar a priso dos Thezoureiros quando forem remissos, ou omissos em fazer as entradas dos dinheiros a seu cargo nos prasos que lhes estiverem marcados : entretanto que o pa-ciente por simples exame bocca dos cofres da Thezouraria. sem liquidao do active o passivo provincial, e antes de se lhe marcar praso para fazer a entrada do alcance que se dizia verifica-do, arbitrariamente preso requisio do res-pectivo Inspector.

    Pelo que, concedo a pedida ordem de habeas-corpus, e mando que em virtude d'ella se expe-a ordem de soltura em favor de Antonio Rodri-gues Pereira, pagas as custas em trs dobro a fa-vor do paciente, pelo Inspector da Thezouraria Almeida Ribeiro, autor da violncia commettida (art. 18 G. da Lei da Reforma Judiciaria) quem se entregar copia da presente dicizo, e mais pe is d'estes autos para responder no praso de 15 dias pelo abuso de autoridade, nos termos do 3o do art. 18 da citada lei. Recorro ex -officio para o Tribunal da Relao. Victoria, 1G de Setembro de 1873.Luiz Duarte Pereira.

  • 46 Ace

    ACC0RD0 DA RELAO.

    Accordo em Relao, &. Do provimento ao recurso ex-officio interposto do despacho a fl. 16, vistos os autos. Porquanto, attentas as informa-es ofrieiaes fl. 6 e 15 indubitavel que a pri-so do recorrido Antonio Rodrigues Pereira foi regular e legalmente requisitada pelo Inspector da Thezouraiia Provincial do Espirito Santo, ao qual, depois de verificado o desfalque dos 17:7498940, suhtrahidos do cofre a cargo do re-corrido, nos termos do Decreto n 657 de 5 de Dezembro de 1849, cujas disposies no podem ser mais claras, positivas, e terminantes, assistia o restricto e rigoroso dever de requisitar da au-toridade competente a priso do recorrido, que, nas expostas circtimstancas, incontestavelmente se acha indiciado no crime de peculato, sendo evi-dente o nenhum valor e procedncia das razes em que o juiz d quo se baseou no despacho recor-rido de fl. 16 para, contra as expressas disposi-es do cit. Dec. n. 657, e do art. 310 do C-digo Criminal, julgar illegal a requisitada e de-cretada priso do recorrido, que mandam se torne effectiva, instaurando-se desde logo contra o mesmo recorrido o devido processo de formao de culpa pelo crime de peculato, em que se acha indiciado; e assim julgando condemnam o recorri-

  • ACC 47

    do nas custas. Rio, 13 de Fevereiro de 1874. Pereira Monteiro, presidente interinoSayo Lobato Gouvea, vencido/, B. Lisboa.

    Terminando observaremos que subsisie em in-teiro vigor as disposies contidas nos Titulos 3 . - 4 5.--7 e 8. do Alvar de 28 de Junho de 180S, por fora do disposto no art. 88 da lei de 4 de Outubro de 1831, e art. 310 do Cod. Crim. para, na conformidade d'ellas, se pro-ceder no que relativo fscalisao da receita e despeza publica, arrecadao, distribuio, e contabilidade das rendas.Decreto n. 057 de 5 de Dezembro de 18 19 art. i .

    . A O J L O de furto no se dar entre marido e mulher, ascendentes ou descendentes e affins nos mesmos gros, nem por ella podero ser demandados os vivos ou viuvas, quanto s couzasque pertenceram ao cnjuge morto,tendo somente lugar em todos estes casos a aco civil para satisfao.

    (CDIGO CRIMINAL ART. 262.)

    primeira observao que o artigo 262 de nosso Cod. Crim., copiado do art. 380 do Cod. Penal

  • 48 ACC

    Francez, e harmnico com os artigos 408 e 431 dosOodigos Hespanhol e Portuguez, suggre aos que o l.m sem meditar a seguinte. E' elle vi-zivelmente um enxerto por isso que sua materia do dominio das leis de processo.

    No entretanto verdadeira esta arguio. O art. 262 uma excepo estabelecida pelo

    legislador em favor das pessoas n'elle enumera-das, no considerando como delicto o mesmo facto qualificado tal no art. 257, isto , a tirada da cousa alheia contra a vontade de seu dono desde que o o/fensor e offendido sejam marido ou mu-lher, ascendentes ou descendentes, ou affins nos mesmos gros.

    As razes que determinaram o legislador brazi-leiro a consignar no aitigo que analysamos uma tal excepo, alis consagrada j no Direito Ro-mano como teremos occasio de apreciar, foram as mesmas que actuaram no animo do legislador francez do Cod. de 1810.

    s relaes entre essas pessoas (marido e mu-lher etc.) dizia Faure na exposio de motivos do Cod., so to intimas q\ie no convm, por causa de interesses pecunirios, encarregar o ministrio publico de prescrutar os segredos das famlias que talvez no devessem jamais vir publico. E* perigosissimo proseguir em uma accusao sobre negcios em que difficilimo descriminar a linha

  • ACC 49

    que separa a falta de delicadeza do verdadeiro delicio. Emfim se o ministrio publico pedisse por taes factos a imposio de pena, no s lanaria a consternao entre todos os membros da famlia, como poderia ainda ser uma origem eterna de di-viso e de dios.

    Era principio reconhecido e acceito no Direito Romano Inst. de Just, de oblig. qitoe ex delict. nascuntur, 12, que se no dava aco de furto ao pai contra o filho; e a razo era, dizia o mes-mo 12que por nenhuma outra causa podia nascer aco entre elles.

    Paulo na lei 1G Dig. de farils explica essa ra-zo dizendoo que impede que o pai possa inten-tar aco de furto contra o filho, submettido seu poder, no a disposio de direito que as-sim o preceita, mas a natureza mesmo das cou-zas, porque, acerescontava elle, no podemos pro-ceder contra os que esto sob nosso poder, do mesmo modo que contra ns no o podemos fazer.

    Ulpiano na lei 7 Big. cod. tit acerescenta, que aquelle que pde punir por si mesmo, o la-dro no tem necessidade de propor contra elle aco. E' este o motivo, affirmava-o elle, que im-pedia os antigos de concederem a!) pai aco con-tra o filho.

    Em relao esposa, igualmente no era per-mittida a aco do furto, isto por causa o. honra

    iH

  • 50 Ace e do respeito devido ao casamento, e to bem por que &commu>%l\o a tornava co-proprieta-ria dos bas do "marido. Apenas contra ella era licito propor a aco denominadarerum amo-tarum. Paulo L. 1* JDig.de rer. amolaram.

    Do exposto, e de seu confronto com o art. que analysamos. concluimos que nosso legislador no considerou de modo algum como delicto a sub-traco que tiver lugar entre as pessoas n'elle expressamente designadas, e como excepo a consignou no capitulo 1 do Tit 3. da 3.a Parte, {crimes particulares) por que se o no fizesse en-traria elia na regra geral firmada n'esse mesmo Cap. para os delictos contra a propriedade. N'es-ta parte seguindo a opinio de Chauveau nos apartamos da que professa o illustre commenta-dor do Cod. Portug. Levy Maria Jordo quando diz haverem taes subtraces verdadeiro delicto que o legislador por algum molivo no julgou prudente punir.

    Seo art. 282de nosso Cdigo no fosse uma ex-cepo a regra geral firmada n'esse Cap. para os delictos contra a propriedade, mas sim um delicto nas condices expostas pelo illustre commenta-dor, velo-hia-mos figurando no seu art 9. ou 10. E tanto irrecusvel a opinio que susten-tamos, que reconhece elle com os notveis crimi* nalistas Feerbach, Sterling, Si.noni e Achilles

  • (BE=A DH9 858B B 75FB 89 9J=FG=E 9@ G59F 89?=7GBF /.'0=6503 9 H@ %F.1-+%' 89FGT 9FGE5A

  • 52 ACC

    direito successo dos ascendentes, e mesmo dos collaieracs pelo lado paterno, no duvidamos assegurar que o art. 262 no comprehende esta ultima hypothse

    Sustentam alguns que, regularmente, nos casos em que o filho succde ao pai succde o neto ao av, pelo direito de "representao Novell. 118 cap. Io e 3o, e conseguintomente que reco-nhecido o filho natural adquire por isso aquello direito. Como porem a successo de direito ci-vil, e deve ser interpretada comforme os termos restrictos do mesmo direito, no podemos ac-ceitar aquella opinio pelos seguintes funda-mentos.

    A lei de 2 de Setembro de 1847 igualando os direitos dos filhos naturaes dos nobres aos dos plebeos, e regulando os modos de seu reconhe-cimento, no creou direito novo quanto s re-gras da successo. Pela doutrina da Ord. L 4 Tit. 92 pr. os filhos naturaes no eram expres-samente admittidos sucesso dos ascendentes. Logo no se pode admittir semelhante regra como verdadeira quando at segundo o Direito Romano, que se invoca para ligitimal-a, eram os filhos naturaes excludos da successo dos col-lateraes paternos Lei 12 Cod. L. 5o Tit. 27, le natiiralihics liberi-s, disposio esta moderna-mente seguida pelo Cod. Civ. Portuguez art.

  • ACC 53

    2005, e tambm pelo Cod. Civ. Francez art. 75G.

    Ora se o reconhecimento do filho natural um acto exclusivo do pai, no pode ter o effeito de prender por um lao juridico um indivduo uma familia creand relaes de direito entre elle e a familia, a que era estranho, e que no teve parte no reconhecimento. N'este sentido conta a jurisprudncia um Accordo da Relao Rvisera de Maranho na Revista Civil n 8075.

    Se diante do direito civil so estes os fundamen-tos pelos quaes se no pode acceitar a relao jurdica, que segundo alguns, prende o filho natural ao av e collateraes paternos, bem de vr que fundando o art. 262 do Cod. Crim. a ex-cepo que estabelece nos laos de familia, como diz Boitard e j o fizemos sentir, no podia o le-gislador referir-se aos filhos naturaes, e excu-sal-os pelas subtracoes practicadas contra os

    cendntes e collateraes de seu pai. Ainda outra questo no menos importante

    que a precedente suggre o art. de que nos oceu-pamos.

    Pelas expresses aco de furto ficou a excepo restringida a esse delicto, ou esende-se ella ao roubo e estellionato ?

    Embora Le Sellyer e Chauveau e Heli sus-tentem a afirmativa, por isso que o Cod. Fran-

  • 54 AO

    cez usa da expresso genrica subtracf&t ns pensamos que s compreliende ella o crime de furto. Em primeiro lugar o estglliojiato e o roubo so punidos* pop nosso C >d. e:n Cap. e at. Tit. diffrente d > furto, o que bem denota quo o legislador limitou a excepo &$t$ delicto. Se esta no fosse a mente do legislador diria elle de certo no art. 262nos delictos contra a pro-prieda le no sedar aco aUju,nri entra mi-Mdp e mulher % ascen lentes e descendentes, nem mesmo hiver ri'estes casos accusao por par-ie da justia.

    Xo esta entretanto a opiai> d.) Supre no Tribunal de Justi.ii, que na Revista n. 1700, re- i^j correntes Jos Joa [uim Barbos i Serzedello e outro, o recorrida a justia, firmou os seguin-tes princpios:

    Que sendo o estellionato um furto praticado por meios artificiosos, claro que a elle se refere a excepo do art.-282 : Assim tambm no existindo, na hypothse deque" nos occu-parnos, autor do delieto, no se deve.c mo-derar cmplices y e como taes serem proces-sados os estranhas que se manccmmunam com algum dos cnjuges p ira defraudar o outio.

    slste julgado porem no nos dem ;ve da opinio que sustentamos, e que nos parece ser a verda-deira.

  • ACC 55

    s razes que temos para pensar d'est modo so as seguintes, alm das j expendidas.

    E' manifestamente falso que o estellionato seja uma espcie de furto, devendo por tanto estar comprehendido na d( utrina do art. 262. O furto a tirada da cousa alheia contra a vontade de seu dono p