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1 COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA RELATÓRIO FINAL “Tenho constatado em mim um crescente desconforto. É que passei a desconfiar de quem só tem certezas absolutas. Na melhor das hipóteses, este infalível é um despreparado e na pior das hipóteses, mesmo que não queira, é uma pessoa periculosa, porque sua visão é delimitada pelo que pensa que sabe." Edgar Morin (filósofo) Porto Alegre, julho de 2003

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COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

RELATÓRIO FINAL

“Tenho constatado em mim um crescente desconforto. É que passei a desconfiar de quem sótem certezas absolutas. Na melhor das hipóteses, este infalível é um despreparado e na piordas hipóteses, mesmo que não queira, é uma pessoa periculosa, porque sua visão é delimitadapelo que pensa que sabe."

Edgar Morin (filósofo)

Porto Alegre, julho de 2003

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Organizador: Dep. Estadual Giovani Cherini

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MESA DIRETORA

Presidente: Dep. Vilson Covatti (PP) 1ª Vice Presidente: Dep. Ronaldo Zulke (PT)2º Vice Presidente: Dep. Márcio Biolchi (PMDB)1º Secretário : Dep. Paulo Azeredo (PDT)2º Secretário: Dep. Manoel Maria (PTB)3º Secretário: Dep. Paulo Brum (PSDB)4º Secretário: Dep. Cézar Busatto (PPS)

2003

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COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

51º Legislatura

PresidenteDeputado Estadual Giovani Cherini(PDT)

Vice-PresidenteDeputado Adroaldo Loureiro(PDT)

RelatorDeputado Pedro Westphalen(PP)

Deputados titulares Deputados suplentesJussara Cony - PC DO B Bernardo de Souza - PPS Paulo Brum - PSDB Eliseu Santos - PTB Mª Helena Sartori - PMDB Márcio Biolchi - PMDB José Farret - PP Elvino Bohn Gass - PT Fabiano Pereira - PT

Berfran Rosado - PPS Ruy Pauletti - PSDB Edemar Vargas - PTB Gerson Burmann - PDT Paulo Azeredo - PDT Elmar Schneider - PMDB Marco Alba - PMDB Marco Peixoto - PP Telmo Kirst - PP Adão Villaverde - PT

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Coordenador: Eleuthério Antônio Lopes

Secretária : Nydia Christina Souza Fagundes

Colaboradores: Liege Terezinha M. Rivera,

Raimundo Paula Diniz

Carolina Contursi

Toni Missél

Luiz Roberto Dalpiaz Rech

Luiz Roberto de Oliveira Júnir

Edinara Pereira Reginatti

Henrique de Souza Chavaré

Capa : Toni Missel

Fotos : Diretoria de Imprensa da Assembléia Legislativa

Assessoria Jornalística : Luiz Roberto de Oliveira Júnior

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SUMÁRIO

1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1.1– Introdução

1.2- Objetivo

1.3- Duração dos Trabalhos

1.4- Solenidade de Instalação

ATIVIDADES DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

2.1 – Primeira Reunião Ordinária da Comissão de Especial da Bioética “RESENTAÇÃO DAPROPOSTA DO PLANO DE TRABALHO DA COMISSÃO”

2.2 – Segunda Reunião Ordinária da Comissão Especial da Bioética

“ORIGEM CARACTERÍSTICA E FUNDAMENTOS DA BIOÉTICA”.

2.3 - Terceira Reunião Ordinária da Comissão Especial da Bioética

“TRANSGENIA”

2.4 - Quarta Reunião Ordinária da Comissão Especial da Bioética

SEMINÁRIO: “MORTE ENCEFÁLICA, EUTANÁSIA, DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS”

2.5 - Quinta Reunião Ordinária da Comissão Especial da Bioética

“REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA”

2.6 - Sexta Reunião Extraordinária da Comissão Especial da Bioética

“BIOPIRATARIA E A LEI DE ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS”

2.7 – Sétima Reunião Ordinária da Comissão Especial da Bioética

“BIOÉTICA: A ÉTICA A SERVIÇO DA VIDA – UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR”

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1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

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INTRODUÇÃO

A Comissão Especial da Bioética - pioneira num parlamento brasileiro – foi constituídapara tratar com responsabilidade, isenção e profundidade de diversas questões atinentes aBioética.

É inegável que a Biociência, especialmente a genética, evoluiu de modo estupendonos últimos anos. Por outro lado, percebe-se o quanto o conjunto de normas jurídicas – quederivam da ação parlamentar – estão distantes deste rápido avanço científico. Urge, portanto,a formulação de novas leis e a revogação de outras tantas, para que tenhamos uma legislaçãoeficaz e moderna, consoante o progresso da Biociência, de modo a resguardar os interesses dasociedade e de todos os seres vivos que compõem a biodiversidade planetária.

Todos os assuntos que a Comissão Especial da Bioética tratou, são merecedores denossa preocupação e dedicação dos poderes constituídos, especialmente dos parlamentares namedida em que é visível a carência de legislação sobre pontos importantes abordados duranteeste trabalho. Sem dúvida alguma os temas que geraram maior polêmica são a transgenia,doação de órgãos e tecidos – incluindo a questão da morte encefálica – e reprodução humanaassistida.

Na pesquisa, a Bioética quer saber se, de fato, os seres humanos se beneficiarão decertas pesquisas, ou se certos procedimentos que ainda não foram testados podem ou nãocausar algum malefício. Palavras importantes no conceito de Bioética são: ampla abrangência,pluralismo, abertura, interdisciplinariedade e incorporação crítica de novos conhecimentos.

Diante disso, urge a necessidade no aprofundamento de temas polêmicos como:fundamentos da Bioética; a clonagem humana que, como símbolo mais recente nocampo da biotecnologia temos a ovelhinha Dolly, a qual polarizou a questão da clonagem egerou problemas e dúvidas; a reprodução humana assistida gerando objeções religiosas enaturalistas como a questão da clonagem, deixando talvez, de considerar adequadamente oponto de vista segundo o qual a natureza humana é algo dinâmico, susceptível de sermodificado pela própria competência biotecnocientífica em rápida expansão; recursosgenéticos; eutanásia; diagnóstico pré-natal; transgenia, suscitando a dúvida a cerca dosbenefícios ou malefícios dos alimentos transgênicos; filiação de homossexuais (adoção decrianças); biopirataria; doação de órgãos e tecidos, onde dentro do mesmo tema temosa polêmica a respeito da Lei dos Transplantes. Será que estamos assassinando pessoas paratirar os seus órgãos? Como dizem alguns apoiados em fatos que ora são objeto de ações najustiça brasileira.

Esta Comissão foi instalada justamente para que se encontre respostas eencaminhamentos às esferas competentes no sentido de contribuirmos na solução dos conflitosexistentes, não só a partir do avanço da Biociência mas também em problemas decorrentes apartir da legislação vigente sobre doação presumida de órgãos e tecidos.

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1.2 - Objetivo

O Objetivamos com a criação da Comissão Especial da Bioética, promover amplodebate com diferentes segmentos da sociedade sobre os temas propostos: fundamentos daBioética; a clonagem humana, reprodução humana assistida, recursos genéticos;eutanásia; diagnóstico pré-natal; transgenia, filiação de homossexuais (adoção decrianças); biopirataria; doação de órgãos e tecidos.

Desta forma, verificar de que modo poderá a Assembléia Legislativa contribuir naresolução dos problemas suscitados durante os encontros promovidos pela Comissão.

1.3 – DURAÇÃO DOS TRABALHOSFoi instalada no dia 03 de abril de 2003 e tem como data limite para o seu

encerramento o dia 0l de agosto de 2003, contando assim 120 dias regimentais

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improrrogáveis, segundo o Regimento Interno do Código de Ética Parlamentar que regulamentaesta Comissão.

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1.4 - SOLENIDADE DE INSTALAÇÃO

A Comissão Especial para tratar da Bioética foi instalada no dia 03 de abril de 2003 ,no Salão Júlio de Castilhos, pelo Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Vilson Covatti,deputados e autoridades.

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Pela forma atenta e decisiva com a qual a Assembléia Legislativa do RS lida com osproblemas sociais, foi aprovada no dia 01 de abril de 2003 pelo Presidente desta Assembléia oDep. Vilson Covatti a instalação da Comissão Especial para tratar da Bioética. Esta Comissão foiinstalada no dia 03 de abril de 2003, em solenidade no salão Júlio de Castilhos, nesta casa.Neste ato o Presidente da Assembléia Legislativa, empossou os membros da Comissão , tendocomo presidente o Deputado Estadual Giovani Cherini(PDT), vice-presidente Deputado AdroaldoLoureiro(PDT), e relator Deputado Pedro Westphalen(PP). Como membros titulares fazem parteos Deputados: Fabiano Pereira (PT), Deputado José Farret (PPB), Deputado Marcio Biolchi(PMDB), Deputado Eliseu Santos (PTB), Deputado Paulo Brum (PSDB), Deputada Jussara Cony(PC do B), Deputado Bernardo de Souza (PPS), Dep. Maria Helena Sartori (PMDB), DeputadoPedro Wesphalen (PPB), Deputado Elvino Bhom Gass (PT), Deputado Adroaldo Loureiro (PDT) ecomo suplentes os Deputados: Marco Peixoto (PPB), Deputado Elmar Schneider (PMDB),Deputado Paulo Azeredo (PDT), Deputado Osmar Severo (PTB), Deputado Adão Villaverde (PT),Deputado Rui Pauletti (PSDB), Deputado Berfran Rosado (PPS), Deputado Gerson Burmann(PDT), Deputado Marco Alba (PMDB), Deputado Telmo Kirst (PPB).

No momento em que assumiu a presidência da Comissão, 0 Deputado GiovaniCherini explanou os objetivos dos trabalhos a que se destina essa Comissão e a sua satisfaçãoem presidir uma Comissão pioneira neste gênero já instalada em um parlamento brasileiro.

Deixou claro que está ciente de que serão tratados assuntos muito polêmicos e quebuscaremos contar com a presença de cientistas, pesquisadores, médicos, sociólogos,religiosos, eticistas, juristas, filósofos, entidades e instituições ligadas ao campo da Bioética.

O Deputado Giovani Cherini, finalizou seu discurso de posse, após explanar sobrecada tema que será tratado pela Comissão, dizendo que também é preciso avaliar os impactossobre o domínio na acesso e uso dos recursos genéticos. Afirma-se, com freqüência, que oinsumo mais importante para o novo milênio é o conhecimento. É isso que deveremos debaterna Comissão Especial da Bioética que cuja instalação está gerando expectativa em todo o paísconforme atestam os principais órgãos de imprensa. Nossa responsabilidade é muito grandediante disso e a nossa inserção nesta Comissão será um novo desafio. Este desafio serárespondido com resultados, num período de quatro meses de trabalho.

Inspirado em Einstein, o Deputado Giovani Cherini encerrou dizendo que a coisamais bonita que podemos experimentar é o mistério. Ele é a fonte de toda averdadeira arte da ciência.

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2 - ATIVIDADES DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

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PRIMEIRA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

No dia 16 de abril foi a apresentação da proposta do plano de trabalho desta Comissão,conforme ATA nº 01/03 publicada.

TEMA: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DO PLANO DE TRABALHO DA COMISSÃO

DATA: 16 de abril de 2003

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SEGUNDA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

No dia 29 do mesmo mês, a Comissão convidou o Psicólogo, Dr. em Bioética e professor dadisciplina de Bioética , Dr. Antônio Alfredo Veiga da Silva para palestrar sobre o tema –“BIOÉTICA ORIGEM CARACTERÍSTICA E FUNDAMENTOS”.

TEMA: BIOÉTICA, ORIGEM, CARACTERÍSTICA E FUNDAMENTOS

DATA: 29 de abril de 2003

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BIOÉTICA: ORIGENS, CARACTERÍSTICA E FUNDAMENTOS

Dentre as definições diferenciadas para definir Bioética, destacamos algumas:

"Conjunto de considerações que pressupõe a realidade moral dos médicos e biólogos em suas pesquisas teóricas e na aplicação delas. Pode-se também e

defini-la como sendo o estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisão,conduta e normas morais - das ciências da vida e do cuidado da saúde."

Podemos dizer que Bioética é apenas a disciplina que se preocupa em refletir sobreas conseqüências das ações de saúde sobre aqueles que estão sujeitos a elas.

"É também uma disciplina que busca vincar uma consciência crítica e tenta assegurarposturas éticas nas ações do cotidiano da área de saúde, com destaque para as práticasmédicas, e nas experimentações científicas que utilizam seres humanos" (*)

"É um ramo do conhecimento humano que se apóia mais na razão e no bom juízomoral de seus investigadores do que em alguma corrente filosófica ou autoridade religiosa” (*)

(*) Autora Dr. Fátima Oliveira

A Bioética nasce em um ambiente científico, como uma necessidade sentida pelospróprios profissionais da saúde, em seu sentido mais amplo, de proteger a vida humana em seuambiente, tendo seu caráter interdisciplinar, pois junta profissionais da área médica, teólogos,sociólogos, juristas, antropólogos, psicólogos, eticistas, filósofos, etc.

A Bioética possui um fundamento, baseado na Antropologia Filosófica, porque estacompreende o homem na totalidade de suas expressões e na infinidade de sua realização comopessoa.

A idéia de que a ética é apolítica é de uma má-fé extrema, na medida em que, aopé da letra, ética é o consenso possível, temporário e mutável entre diferentes moralidades.Lembrando que consenso não é unanimidade, ou seja, visão única, e que no estabelecimentode um processo podemos afirmar que quem pode mais embora não leve tudo, leva maissempre! (*)

Parte do texto do Dr. Jeremy Rifkin - O SÉCULO DA BIOTECNOLOGIA

"Biotecnologia e Poder Econômico:A concentração do poder é impressionante. As dez mais importantes empresas

agroquímicas controlam 8l% dos 29 bilhões de dólares do mercado agroquímico global. Dezempresas do setor biológico controlam 37% dos l5 bilhões de dólares anuais do mercado globalde sementes. As dez maiores empresas farmacêuticas do mundo controlam 47% dessemercado de l97 bilhões de dólares. Atualmente dez empresas multinacionais controlam 43% do

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comércio farmacêutico veterinário, de 15 bilhões de dólares. Encabeçando a lista do setorbiológico estão dez empresas multinacionais de alimentos e bebidas, cujas vendas combinadasexcederam 211 bilhões de dólares, em 1995.

Algumas das maiores empresas de ciências biológicas estão estratégicamenteposicionadas, de modo a controlar grande parte do mercado bioindustrial global do século.

A revolução biotecnológica afetará todos os aspectos de nossa vida. A forma comonos alimentamos, namoramos e casamos, como temos nossos bebês, como criamos eeducamos nossos filhos, como trabalhamos, como nos envolvemos com a política, comoexpressamos nossa fé, como percebemos o mundo ao nosso redor e nossa posição nele - todasas nossas realidades, pessoais e coletivas serão profundamente tocadas pelas novas tecnologiasdo século biotecnológico. Essas tecnologias tão pessoais merecem, certamente, seramplamente discutidas e debatidas pelo público em geral antes de se tornarem parte de nossavida diária.

A revolução biotecnológica obrigará cada um de nós a espelhar seus valores maisíntimos, levando-nos a ponderar sobre a questão máxima sobre a finalidade e sentido daexistência. Essa pode acabar sendo sua mais importante contribuição. Tudo o mais depende denós."

BIOÉTICA E DIREITOParte do texto do Dr. José Emílio M. Ommati

"O Direito, nos seus mais distintos ramos, pode e deve se valer dos princípiosnorteadores da Bioética como forma de operacionalizar e melhor responder às questões quetanto causam perplexidades à nossa sociedade. Convém ressaltar, entretanto, que as maioresinfluências da Bioética no Direito encontram-se em ramos jurídicos específicos. São eles oDireito Constitucional, o Direito Civil e o Direito Penal.

O Direito Constitucional relaciona-se com a Bioética, pois o profissional da áreajurídica, ao se deparar com as novas indagações surgidas em decorrência das novastecnologias, deve sempre decidir a questão baseado nos princípios constitucionais de dignidadeda pessoa humana, inviolabilidade do corpo humano e direito absoluto à vida. Algumas vezes,sem dúvida, essa decisão tornar-se-á muito difícil, pelo fato de ser aplicável ao mesmo casovários princípios. Deve, entretanto, o juiz decidir qual princípio, no caso concreto, prevalecerá(Dworkin denomina essa situação de "hard case").

É grande a relação do Direito Civil com a Bioética, pois muitas questões tem surgidona área do Direito de Família, necessitando de reformulações em vários institutos nesse ramojurídico. Só para ficarmos com um exemplo, tem-se o caso das novas técnicas de reproduçãoartificial. Se o esperma for do marido, mas o óvulo for de um terceiro, teríamos um filho sendoapenas de metade do casal? E, no caso de utilização de mães de substituição, essa terceirapessoa deve ser remunerada? Pode-se equiparar essa questão jurídica a um contrato? Sãoperguntas que até agora não encontramos respostas satisfatórias.

No caso do Direito Penal, a relação também é íntima. Só para se ficar com o mesmoexemplo já citado, no caso de reprodução artificial, quando da utilização da técnica de

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fertilização in vitro, sempre sobram ovos fecundados que não são aproveitados. O que se devefazer com eles? Se forem jogados fora seria isso um aborto? Mais uma vez são grandes asdiscussões e não há, ainda resposta satisfatória.

Por tudo isso, o Direito deve, o mais rápido possível, apresentar respostassatisfatórias a essas novas situações fáticas, utilizando-se de conceitos e princípios bioéticosque orientem sua linha de ação."

"RECORDANDO ALGUNS CONCEITOS DO MUNDO MÁGICO DA CIÊNCIA DA VIDA"(Dra. FátimaOliveira)

Biologia é a ciência que estuda os seres vivos. Genética é a parte da Biologia queestuda os Genes - "pedaços" de uma molécula chamada DNA (ácido desoxirribonucléico), queestão no interior da célula, em uma estrutura denominada de Cromossomo - constituído poruma única molécula de DNA. É no DNA, mias precisamente nos genes, que está "guardado" osegredo da vida das plantas, dos animais e dos seres humanos. Biotecnologia - é a aplicação datecnologia à biologia... consiste em um conjunto de conhecimentos que possibilita ao serhumano associar, degradar ou sintetizar substâncias que compõe os seres vivos. Abiotecnologia talvez seja tão antiga quanto a humanidade. Desde quando as mulheresinventaram a agricultura, a humanidade vem manipulando genes para garantir a suasobrevivência. Isto é, bem antes da estruturação da biologia enquanto ciência. Clonagem é umabiotecnologia através da qual são produzidas cópias de células ou de genes. É um processo dereprodução assexuada...Engenharia genética é uma biotecnologia que trabalha manipulando ogene"

Nem toda a biotecnologia é engenharia genética, mas a engenharia genética é umabiotecnologia.

Isto é, para que uma biotecnologia seja "enquadrada" como engenharia genética énecessário que ela manipule os genes."

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TERCEIRA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

No dia 8 de maio aconteceu o primeiro debate do tema específico “TRANSGENIA”, tal eventoocorreu na sede da EMBRAPA em Passo Fundo. Como palestrante a Comissão convidou o Dr.Edson Iorczeski, pesquisador do quadro técnico da EMBRAPA.

TEMA: TRANSGENIA

DATA: 08 de maio de 2003

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TRANSGENIA :

Conceito de Murray (1988)

Animal ou planta transgênico é aquele que possui em seu genoma um DNA estranhointegrado de forma estável e que se transmite à sua descendência de forma mendeliana.

O tema é por demais polêmico, agregando o fato de que a discussão temconcentrado seu foco na cultura da soja e no Estado do Rio Grande do Sul, principlamente.Como se a transgenia só ocorresse na soja e esta só fosse cultivada neste Estado.

Neste sentido, a Comissão Especial de Bioética convidou diversos setores dasociedade - com posições divergentes sobre o tema - para reunião que realizou-se na sede daEMBRAPA de Passo Fundo.

Agregamos a este relatório diversos artigos e textos com enfoques bastante distintossobre a transgenia.

A FAVOR: artigos de jornais (anexos)

Entrevista concedida ao CIB - Conselho de Informações dobre Biotecnologia (ONG)pelo Engº Agrônomo Ywao Miyamoto, presidente da Associação Brasileira dos Plantadores deSoja.

Entrevista com o Engº Agrônomo André Pessoa, sócio diretor da empresaAgroconsult com o título: "É chegada a hora de vencer os preconceitos contra os OGMs"

CONTRA: "O crime dos transgênicos", texto de Heitor Peretti, Consultor ambientaldo IBAMA;

"Suave Veneno" dos transgênicos?, texto de Fátima de Oliveira com resumo deMarilene Rodrigues da Silva

"Varinha de condão ou caixa de Pandora?", texto de Fátima Oliveira, publicado noCaderno de Ética em Pesquisas - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Ano lV, nº 8, agostode 200l, pg. 22 a 25.

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TRANSGENIA

Para o engenheiro agrônomo Ywao Miyamoto, presidente da Associação Brasileirados Produtores de Soja – Aprosoja -, a produção agrícola está intrinsecamente ligada aosavanços da ciência, que mais do que nunca se traduzem em Biotecnologia.

" Aqueles contrários à sua aplicação no campo, estão se opondo aoconceito universal da ciência, que é o do uso de novas descobertas para a melhoriada vida no planeta", afirma. No seu entender, o Brasil está correndo um grande riscode perder esse mercado emergente, pela morosidade de uma definição oficial. "Oschineses, por exemplo, querem que as regras sejam claras, independentemente setemos ou não transgênico, pois eles possuem mercado para soja convencional e GM.Portanto, é fundamental descermos do muro e o Judiciário precisa definir, emcaráter de urgência, sua posição sobre os organismos geneticamente modificados,uma vez que as áreas técnica, cientifica e agrícola já se posicionaramfavoravelmente à Biotecnologia", ressalta. Sobre o novo governo que assume emjaneiro, Miyamoto diz que o setor apoiá-lo como sempre fez no passado. Segundoele, todos os segmentos produtivos do agronegócio brasileiro, congregados em umaentidade maior denominada Rural Brasil, estiveram reunidos dia 11 de novembropassado, em Brasília, e elaborar um documento único que será entregue, em breve,ao presidente eleito. Leia abaixo a íntegra da entrevista:

CIB - Qual o balanço que o senhor faz do mercado da soja ,neste .ano, no Brasil eno mundo?

MIYAMOTO - O mercado da soja em 2002, no Brasil, deve analisado em conjuntocom o cenário mundial. Os Estados Unidos, nos últimos cinco anos, plantaram em média 30milhões de hectares de soja eprbduziriini16 milhões de toneladas do produto ao ano. Devido aoefeito "Farm Bill", os americanos vão diminuir a área destinada a esse plantio, com conseqüentequeda na produção para7t,5milhõesdetone na próxima safra. Para eles, será vantajoso plantaroutras culturas coh1otrigo, milho, algodão, entre outras, - que recebem subsídios de 45% - aplantar a soja, cujo subsídio será de 11%.Já o Brasil, nesse mesmo período -1998 a 2002-apresentou um crescimento na produção da soja de 34 milhões de toneladas para 48 milhõesde toneladas, enquanto a Argentina cresceu, nesse espaço de tempo, de 21 milhões detoneladas para 30 milhões de toneladas do produto. Também nesses cinco anos a produçãomundial de soja Passou de 160 milhões de toneladas para 184 milhões de toneladas, enquantoo consumo mundial apresentou crescimento superior: de 160 milhões de toneladas para 192milhões de toneladas. Ou seja, houve um déficit de oito milhões de toneladas, o que contribuiuainda mais para a diminuição do estoque final mundial do produto, que caiu de 30 para 20milhões de toneladas. Com tanto consumo, fica claro que o momento para o produtor emalguns países é bastante interessante, pelo menos por mais dois ou três anos. Creio que esseperíodo deverá ser o tempo necessário para equilibrar o estoque mundial, o que é excelentepara nações como o Brasil, que deve aumentar sua área de plantio, com conseqüente melhoriana sua produtividade.

CIB - Os subsídios americanos têm atrapalhado muito mercados como o brasileiro ? MIYAMOTO - O subsídio americano é, sem dúvida, uma concorrência desleal, mas

devido ao atual cenário mundial - que necessita de mais produtividade - creio que o mercado

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brasileiro não será afetado nos próximos três anos. O efeito dos subsídios americanos deverãoser sentidos por nós após o equilíbrio do estoque mundial, que deverá ocorrer em três ouquatro anos.

CIB - As pesquisas no Brasil, especialmente com Engenharia Genética, estãoatrasadas ? Para o setor da soja, o que isso tem significado?

MIY AMOTO -As pesquisas no Brasil, no campo de Engenharia Genética, não estãoatrasadas. No campo da Biotecnologia pode até estar ocorrendo alguma lentidão, no que dizrespeito a pesquisas e testes em razão de impedimentos técnicos, burocráticos e judiciários.Mas é preciso ressaltar que no que diz respeito às modificações genéticas da soja, o Brasil nãoestá atrasado, principalmente se considerarmos o produto transgênico, Roundap Red. Esseproduto é largamente plantado nos Estados Unidos e na Argentina. No Brasil, já foi aceito eliberado pela CTNBio, mas ainda encontra-se proibido em razão de impedimento judicial.Entretanto, em fevereiro passado, após estudar e analisar os processos durante três anos, ajuíza relatora proferiu voto favorável para liberação do plantio desse gênero de sojatransgênica. Entretanto, desde então os produtores aguardam o voto do desembargadorAntônio Ezequiel, que solicitou vista do processo. Para nós agricultores, oito meses de espera éum período muito longo, considerando que o último prazo para o plantio de soja deste ano estáse aproximando. Assim mesmo, é sabido que em nome de melhor produtividade e para fugirdas dívidas o campo, milhares de agricultores brasileiros de diversos Estados, do Maranhão aoRio Grande do Sul estão plantando grãos de soja transgênica, sem garantia de germinação,sanidade e pureza. Estas áreas ilegais tendem a aumentar em proporção geométrica nospróximos anos. O plantio ilegal de soja transgênica no Brasil é um fato irreversível. Não existemeio de impedir essa lavoura. Estima-se que varie de 20% a 80 % a área plantada commaterial transgênico, dependendo do estado. Mas, como não são sementes germinação, purezagenética, o que pode acabar disseminando a contaminaçã9de pragas e doenças. Portanto,precisamos com urgência de autorização legal para o plantio de transgênicos brasileiros,testados e recomendados para região. Caso contrário, os agricultores, na busca pelasobrevivência, continuarão cometendo ilegalidades, por falta de melhor opção.

CIB - No seu entender; como o país deveria encarar a Biotecnologia eespecificamente os transgênicos ?

MIYAMOTO - Trata-se de uma ciência avançada, que trará grandes benefícios atodos. Quem é contrário à Biotecnologia ou aos transgênicos é contra a própria ciência. Alémdisso, creio que as pessoas continuam fazendo uma grande confusão entre Biotecnologia - queé a ciência- e a transgenia, que é um sistema técnico e o seu produto: o transgênico. O Brasilprecisa adotar, urgentemente, os benefícios da Biotecnologia e investir bastante nela para nãoficar atrás de outros países na corrida pela ciência. É importante salientar que os produtostransgênicos serão analisados um a um por profissionais especializados, no caso, da CTNBio .

CIB - Como fica o setor de produção de sementes no Brasil face ao plantio da sojatransgênica contrabandeada ?

MIY AMOTO - O setor de produção de sementes do Brasil é um dos melhores domundo e hoje desempenha um papel de fundamental importância como elo entre a pesquisa eos agricultores. Trata-se do setor que tem realizado o papel de difusão de todas as novastecnologias agrícolas necessárias. Sem aumentar significativamente, desde 1991, sua área deplantio - de 37 milhões de hectares -, o Brasil passou de 56 milhões de toneladas de grãos para

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os atuais 100 milhões de toneladas. Além disso, acaba de ser aprovada a nova lei de sementes,que tem a finalidade de melhorar o Sistema Nacional de Sementes, o que inclui pesquisa,produção, normatização e fiscalização. Ou seja, a idéia é levar uma semente cada vez melhorpara os agricultores, que deveriam consumir apenas sementes certificadas, garantindo aqualidade de produção nacional de grãos e a não proliferação de pragas e doenças. Essaconquista da estrutura nacional de produção de sementes, que foi consolidada ao longo de trêsdécadas, e que envolveu vários setores da economia nacional, está prestes a ruir emdecorrência da morosidade para a autorização do uso de transgênicos em território nacional. Oplantio informal de transgênico no Brasil já é uma realidade e não há nenhum meio defiscalização para impedi-lo. Caso o transgênico não for autorizado em tempo, a sociedade e aagricultura brasileira perderá apoio do setor organizado dos produtores de sementes, pois empoucos anos o setor de sementes organizado desaparecerá.

CIB - A soja transgênica deve trazer vantagens ao produtor, caso contrário não seriatão popular no Sul do Brasil.

MIY AMOTO - Certamente, plantar transgênico proporciona vantagens para osagricultores que conseguem menores custos de lavoura; facilidades operacionais na conduçãodesse plantio; possibilidade do cultivo da soja em áreas que tenham ervas daninhas; colheita deprodutos mais limpos, o que evita perdas, além dos ganhos nos trabalhos das colheitadeiras.Tudo isso se resume em menos custo e mais lucro.

CIB - Para o produtor, é bom existir mercados separados, de produtos convencionaise transgênicos ?

MIYAMOTO - Isso é indiferente, porque hoje o mercado paga o mesmo preço paraambos. No futuro, o grão de soja transgênico será um produto comum e os não-transgênicosserão produtos especiais e deverão ser remunerados como tal; O que hoje está ocorrendo éque os europeus e asiáticos importam soja transgênica do UA e da Argentina e querem que oBrasil permaneça como fornecedor de não-transgênico com o mesmo preço. CIB - E para asnossas exportações, é bom que exista essa divisão ?

MIY AMOTO - Para o mercado atual, que pão paga preço diferenciado para osprodutos em separado, não vale a pena, salvo um ou outro contrato que excepcionalmentecontemple um preço justo. Na prática, o Brasil é hoje um país produto( de soja transgênica. Éimportante salientar que estamos preparados para quando os compradores internacionaisestiverem dispostos a pagar preços diferenciados. Temos condições de produzir "ProdutosCertificados e Rastreados" com garantia desde a origem, ao uso de sementes certificadas,acompanhamento do plantio, condução da lavoura, colheita, transporte, e entrega do produto.Caso o mercado internacional esteja disposto a pagar o preço justo, estamos aptos a atendê-los.

CIB - Especificamente com relação às importações chinesas de soja, como fica oBrasil sem uma definição sobre transgênicos ? Corremos o risco de perder esse mercado ?

MIYAMOTO - Podemos perder esse grande mercado emergente pela morosidade deuma definição oficial. Os chineses querem que as regras sejam claras, independentemente setemos ou não transgênico. Eles têm mercado para soja transgênica e não-transgênica,conforme destinação de seu uso. Portanto, mais uma vez fica demonstrada o quanto éimportante o nosso Judiciário definir, em caráter de urgência, esse "voto". Não é mais possívelaguardar e, pelo que todos sabem, as áreas técnica, científica e agrícola já decidiram. A demora

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e a não definição do Judiciário está acarretando grandes prejuízos. O Brasil tem perdido divisas,pois a grande maioria das sementes entra em território nacional contrabandeada da Argentina,proporcionando empregos para o nosso país vizinho. E o mais grave: a demora e a indefiniçãodo Judiciário tem induzido os agricultores a cometer crime de contrabando e de uso de produtonão autorizado no país. Se isso não bastasse, eles pagam mais caro pelos grãos trasgênicossem garantia.

CIB - Qual a relação que o senhor espera que exista entre o setor produtivo e onovo governo que assume em janeiro? Quais as principais reivindicações que já foram ou queestão sendo levadas ao novo presidente ?

MIY AMOTO - O setor produtivo do agronegócio brasileiro vai participar e apoiar onovo governo como sempre fizemos. Todos os setores produtivos do agronegócio brasileiro,congregados em uma entidade maior denominada Rural Brasil, estiveram reunidos dia 11 denovembro passado, em Brasília, e elaboraram um documento único do setor para ser entregueao presidente eleito. Este documento apresenta análises, dados e sugestões do

setor produtivo do agronegócio brasileiro, contemplando, inclusive, o apoio àagricultura familiar, mini e pequenos agricultores e a reforma agrária. O Brasil é nosso e somosresponsáveis por ele. Nós elegemos o novo governo e vamos participar e trabalhar juntos.

É chegada a hora de vencer os preconceitos contra os OGM s"

o engenheiro agrônomo André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, empresa especializada em Análise de Mercados Agrícolas, em entrevista concedida ao CIB

afirma que o mercado de soja, tanto interno quanto de exportação, será cada vez menor paraos produtos não-transgênicos e o consumidor não estará disposto a pagar mais caro para terem casa esse produto. Pessôa, que é conselheiro do CIB, afirma que é chegada a hora devencer medos e preconceitos sobre o tema. "É necessário que o governo tome algumasimportantes medidas no campo do agronegócio para que em menos de 10 anos, o Brasil seja omaior produtor mundial de soja", afirma. De acordo com o consultor a biotecnologia agrícolapoderá, inclusive, contribuir muito com o programa Fome Zero, ao baratear o custo dosalimentos e melhorar a qualidade da produção. Leia abaixo a entrevista na íntegra.

CIB - Muito se discute no país sobre a possibilidade de ficarmos livres dostransgênicos como algo benéfico em termos comerciais. Quem defende essa tese acredita que,dessa forma, o Brasil se tornará um nicho único para quem procura produtos livres dos OGMs.

Qual a sua avaliação sobre isso? Podemos ganhar de algum a forma com essapostura? A

PESSOA - Acho que não. A questão central é saber qual o tamanho do mercadopara

produtos não-transgênicos e quanto os consumidores estariam dispostos a pagar amais por esses produtos. Temos várias evidências atualmente de que esse mercado é bastantereduzido e decrescente. Além disso, os prêmios pagos são pequenos. Tome-se, por exemplo, aUnião Européia, apontada por alguns como um grande mercado que não quer transgênicos eque cairia no colo do Brasil se nós ficássemos livres de transgênicos. A importação de sojaamericana e argentina cresceu no último ano nada mais nada menos que 50%. Como 78% dasoja plantada nos EUA na última safra, segundo o USDA, foi de soja transgênica e, na

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Argentina, esse percentual excede 95%, pode-se concluir que a União Européia está em francoprocesso de elevação da importação e consumo de transgênicos. Vale lembrar que a UniãoEuropéia importa mais de 20 milhões de toneladas de soja em grão por ano, além de mais 21milhões de toneladas de farelo de soja anualmente. Se considerarmos o fato de que nos EU Asão produzidos apenas 15 milhões de toneladas de soja não-transgênica e que, na Argentina,esse total não passa de 1,5 milhão de toneladas, e, além disso, considerarmos também quetoda essa soja é segregada adequadamente e certificada como não-transgênica{na verdademenos de 10% da soja não-transgênica é certificada nesses países), ainda haveria anecessidade de importação de 3,5 milhões de toneladas de grãos de soja não-transgênica porparte da União Européia (sem contar a importação de farelo ), que nesse caso teria apenas oBrasil como fornecedor potencial. Dessa forma, deveríamos ter enfrentado rio último ano umagigantesca pressão sobre a cotação da soja brasileira com prêmios nas alturas, mas não foi issoque vimos. O que vimos foi a União Européia comprando mais e mais soja transgênicaamericana e argentina. Portanto, o bom senso exige uma reflexão desapaixonada de qual é defato o tamanho do mercado de não-transgênicos hoje e no futuro, pois estou convencido deque esse será muito pequeno, apenas um uma opção viável para um país como o Brasil que,em mundial de soja. Estamos apenas perdendo tempo e, em agribusiness, tempo também édinheiro. Estamos penalizando desnecessariamente nossos agricultores a enfrentar, além doprotecionismo dos países ricos, internamente o medo e o preconceito de uma minoriadesinformada e/ou mal intencionada. Como tem dito o presidente Lula, é chegada a hora devencer o medo e os preconceitos.

CIB - Atualmente existe um mercado diferenciado pagando prêmio por commoditiesnão- transgênicas ?

PESSOA- Sim, já existe esse mercado. Mas, como dissemos, o problema é otamanho

desse mercado, que é muito pequeno. Os prêmios nos EUA, onde já existia a práticade segregação de tipos diferentes de produto antes mesmo da existência dos transgênicos, oprêmio pago por produto não-transgênico, segregado desde o plantio, passando pelaarmazenagem e contando com certificação até a chegada ao porto de exportação ou à porta dafábrica, era entre 1,0 e 3,0% no caso da soja, e chega a 6% no caso do milho, sobre o valor doproduto não segregado e não certificado. Ressalte-se que esse prêmio, na maioria dos casos,cobre apenas os custos relativos ao plantio de soja não-transgênica, sua segregação e suacertificação.

CIB - A demora do Brasil em definir regras para cultivos GM tem impedido a Chinade comprar soja brasileira. Como você avalia as conseqüências dessa falta de definiçãoespecificamente no que diz respeito ao comércio internacional dessa commodity no Brasil nocurto e médio prazos ?

PESSOA - Na verdade, o Brasil não está impedido de exportar soja para a China. Oque

houve é que os chineses baixaram uma nova regulação sobre as importações deprodutos transgênicos que exige que o país de origem do produto certifique que o mesmo nãotraz riscos à saúde humana, à saúde animal e ao meio ambiente. Os chineses não queremimpedir a entrada de transgênicos, até porque não faria sentido porque eles próprios sãograndes produtores de transgênicos. O que eles querem é saber exatamente o que estãocomprando. Como o Brasil teoricamente não permite a produção de transgênicos, não haveriaporque certificar seus embarques. Mas, na prática, sabemos que existe uma parcela não

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desprezível da soja cultivada no Brasil que é transgênica ( especula-se que seja entre 15% e20%). Sendo assim, ao testar a soja oriunda do Brasil, os chineses poderiam encontrar umproduto diferente daquele atestado pelo governo brasileiro. Como a decisão

na Justiça brasileira já se arrasta por quatro anos - e não há previsão de chegarrapidamente a uma solução -, o governo brasileiro entrou em acordo com o governo chinêspara emitir um certificado transitório. Este atestará que a soja brasileira é preponderantementenão- transgênica, mas que pode haver contaminação em algumas cargas de soja transgênica eque, se isso ocorrer, será com a soja do tipo Round-upReady, que já recebeu da CTNBio umatestado de que não traz riscos para a saúde humana, animal ou ao meio ambiente- e que é domesmo tipo que os chineses estão importando regularmente dos EUA e da Argentina. Ou seja,graças à habilidade de negociação de nossas autoridades e ao grande interesse dos chinesesem não interromper o fluxo de comércio de soja entre os dois países é que conseguimos, pelomenos temporariamente, impedir prejuízos de cerca de US$ 600 milhões por ano aos nossosagricultores e à balança comercial brasileira. A soja é nosso principal produto de exportação e,a China, nosso principal cliente. Sendo assim, essa questão precisa ser resolvida em definitivoaté 20 de setembro deste ano, prazo máximo que os chineses nos deram. Não se deve contarcom nova prorrogação desse prazo, pois a pressão que os chineses vem essa questão é muitogrande. Os EUA seriam os grandes beneficiados com eventuais dificuldades de exportação desoja brasileira para a China. Essa questão de deveria ser uma prioridade do governo desde já enão ser deixada para ser resolvida no dia 19de setembro. Os Ministérios da Agricultura, MeioAmbiente e justiça têm que se envolver direta e imediatamente na solução dessa polêmicaquestão.

CIB - Há correntes, tanto do governo quanto do setor empresarial, para oestabelecimento de legislações estaduais para OGMs, facultando aos Estados da federaçãotornarem-se ou não zonas livres de transgênicos. Juristas consideram esse procedimentoinconstitucional, mas como você avalia essa possibilidade para o setor agrícola dos principaisEstados produtores do Brasil?

PESSÔA - Acho que, na prática, não há como fazer valer essa legislação. Se alegislação federal - que entendo superior às eventuais legislações estaduais - não foi capaz deimpedir que o plantio clandestino de soja transgênica avançasse, nos últimos anos, e chegasseà cerca de 20% da área total no país, não vejo como leis estaduais conseguiriam brecar essecrescimento. Só vejo mais custos e mais dificuldades para que os agricultores brasileiros sejammais competitivos que seus concorrentes nessa idéia estapafúrdia. Curiosamente, é exatamentenos estados que pretendem ter ou já tem legislação proibindo o plantio de transgênicos que oplantio desses produtos está mais disseminado, como o Rio Grande do Sul, Paraná e MatoGrosso do Sul.

CIB - Na sua opinião, quais ações deveriam ser tomadas de imediato no Brasil, quepodem impactar diretamente no agronegócio ?

PESSÔA - Acho que a primeira e grande medida do Presidente Lula em relação àagricultura já foi tomada, com a nomeação de uma competente equipe para o Ministério daAgricultura chefiada pelo competente líder Roberto Rodrigues. Essa equipe está apta paradebater com a sociedade, com o Congresso e com o próprio governo os avanços necessáriospara consolidar de vez a posição do Brasil como líder mundial de competitividade agropecuária.As medidas são várias, entre as quais destacaria: revisão da elevada carga fiscal sobre o setorno âmbito da reforma fiscal; revisão da legislação trabalhista no meio rural; revisão dos critériosde avaliação do uso da terra; desenvolvimento de um novo sistema de financiamento agrícola,que dê ênfase ao uso de instrumentos de mercado lastreados na própria produção agrícola;

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implantação de amplo programa de seguro rural; criação de um programa de agregação devalor nas exportações agrícolas; implementação de um rigoroso programa de controle dequalidade dos alimentos produzidos e comercializados no Brasil. Além disso, é importantemelhorar a fiscalização na defesa sanitária vegetal e animal, implementar um amplo programade melhoria das estatísticas oficiais sobre o setor agrícola, promover a liberação do uso dostransgênicos e harmonizar a legislação ambiental com os interesses da a cultura, buscandomais a ótica do desenvolvimento sustentável do que da simples preservação, e enfrentar maisprofissionalmente os desafios para a superação do protecionismo internacional nas suas maisdiversas formas. Fazendo isso tudo – ou pelo menos parte disso -, estaremos caminhando nadireção de consolidar nossa posição como novo celeiro do mundo, trazendo divisas, empregos edesenvolvimento sustentável ao país e, ao mesmo tempo, garantindo a renda dos nossosagricultores.

CIB - Você acha que a biotecnologia agrícola pode ser uma importante ferramentano programa Fome Zero do governo?

PESSOA - Claro. Tudo o que possa contribuir para reduzir o custo e melhorar aqualidade dos alimentos no Brasil ajudará em muito o Programa Fome Zero. Como sabemos, oproblema da fome no Brasil não é a falta de oferta de alimentos, mas sim, uma questão de faltade renda para as pessoas consumirem. Quanto mais baratos ficarem os alimentos, mais genteterá acesso permanente a eles. A biotecnologia permite reduzir custos sem que,necessariamente, se reduza a renda dos agricultores. Isso me parece um bom caminho a serseguido. Mas uma outra questão me vem à cabeça quando penso nos transgênicos e na

fome. A fome está associada não apenas à quantidade de alimentos queconsumimos, mas também à qualidade. E fome, principalmente, quando nos alimentamospouco e mal, está associada à maior parte das enfermidades que afetam nossos irmãos maiscarentes, sobretudo as crianças. Daí, lembro que os transgênicos já são - e serão ainda mais nofuturo -, um ótimo veículo para melhorar a qualidade dos alimentos, pois é possível produzirfrutas, legumes e cereais transgênicos enriquecidos com ingredientes específicos para umadieta equilibrada e saudável. Fico imaginando o consumo de sopas e papinhas por nossascrianças de frutas e legumes que já supram todas as suas carências nutricionais. A minhaesperança é que, a informação cada vez mais difundida do que são transgênicos e quebenefícios eles podem trazer para a sociedade, principalmente num país injusto como o nosso,possa superar o medo e o preconceito que uma minoria mal intencionada insiste emdisseminar. Parafraseando Duda Mendonça: Oxalá, a esperança e a informação vençam o medoe o preconceito.

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Transgênicos e Fome Zero (Jornal do Brasil, RJ, 28/03/2003, Outras Opiniões, Caderno A, pág. 12) Nida Chalegre Coimbra - Consultora ambiental Não conhecemos todos os efeitos da aspirina e, entretanto, continuamos a usá-la

diariamente. Não conhecemos, na totalidade, quais serão os efeitos das ondas do forno demicroondas após anos de exposição e, apesar disso, esse aparelho faz parte do conforto denossos lares. Não temos ainda estudos conclusivos sobre os prováveis males produzidos peloscampos magnéticos das linhas de transmissão da energia elétrica. Nem por isso as linhas detransmissão foram eliminadas. Não conhecemos quais os efeitos da longa exposição em frenteaos nossos computadores e nem por isso deixamos de passar cada vez mais tempo plugados,navegando e nos comunicando com o mundo. Ninguém pensou em proibí-los. Conhecemos sim,todos os males do cigarro e, entretanto, continuamos a plantar o fumo e a comercializá-lo.

A grande maioria dos consumidores parece desinformada, visto que ''transgênicos'',por parecer uma palavra talvez estranha ou amedrontadora, é relacionada com algo ruim. Osenso comum das pessoas termina por interpretar que um ''alimento transgênico'' só pode seralgo dotado de um componente que deve fazer mal. A população não tem conhecimento deque essa técnica consiste apenas em uma modificação genética que pode ''transformar'' oalimento para torná-lo melhor, mais nutritivo, mais substancioso, maior, mais resistente àspragas e, portanto, produzido com maior fartura. Da mesma forma, a medicina estudamanipular ''transgenicamente'' os gens do ser humano com o intuito de livrar a humanidade dedoenças e garantir uma vida mais longa, mais produtiva e com maior qualidade.

Atualmente já existe tecnologia para produzir alimentos enriquecidos como a''superbatata'', contendo doses adicionais de proteína, sem falar no milho, pão e farinha detrigo e no ''arroz dourado'', com mais vitamina A. Vacas ''transgênicas'', na Nova Zelândia,podem produzir leite geneticamente enriquecido, melhorando a sua qualidade e a produção doqueijo.

As necessidades dos países em desenvolvimento são muito diferentes das dos paísesricos. Recentemente Zâmbia (país extremamente pobre, com altos índices de fome) rejeitouuma farta ajuda de alimentos dos Estados Unidos respaldada na alegação de que não aceitariaa doação de alimentos transgênicos porque poderiam prejudicar o meio ambiente e a saúde dapopulação. Pergunto: que saúde? Realmente, é sabido que baixos índices de alimentaçãotrazem carência de proteína, de vitaminas e sais minerais, afetam a capacidade de avaliação,raciocínio e discernimento do povo. Vemos aí um bom exemplo.

A decisão sobre assuntos dessa envergadura deveria sempre se pautar pelo bomsenso da avaliação custo/benefício. Sem emoções ou radicalismos que mascaram o objetivofinal ou possam estar atendendo a interesses individuais. Portanto, espera-se que as decisõesnesse novo milênio, seguindo a tendência de um novo governo popular, devam se basear nobem-estar coletivo. Se o governo do presidente Lula esperar indefinidamente pela comprovaçãoplena de que os transgênicos são seguros, poderá estar perdendo a oportunidade de agregarum poderoso elemento para conseguir sucesso em sua meta do Fome Zero.

Quem defende a espera indefinida pela segurança plena dos ''transgênicos'' deveestar desfrutando das três refeições diárias, enquanto aquele que tem fome fica entregue àdesnutrição e à diminuição da inteligência pela irresponsabilidade daqueles que comem bem epodem se dar ao luxo de invocar o ''princípio da precaução''.

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O crime dos transgênicosUma análise biológica, sociológica e ambiental acerca dos OGMs - *

HEITOR PERETTINo momento em que o Congresso Nacional está a deliberar sobre os transgênicos,

algumas reflexões sobre o tema parecem-me oportunas. A base da ciência genética moderna é a descoberta da hélice dupla de DNA, feita por

Crick e Watson, em 1953 e que lhes valeu o Prêmio Nobel. Eles definiram o ácidodioxirribonucléico (DNA) como o agente molecular da herança genética. Com a descoberta doCódigo Genético feita em 1964 por Niremburg, soube-se, definitivamente, que os genescontidos no DNA têm a função de transmitirem as características dos organismos pai/mãe aosorganismos filhos. Também, que todos os seres vivos têm o DNA muito parecido, o que tornapossível passá-lo de um ser vivo a outro, mesmo que sejam de espécies diferentes. Há poucotempo, o Projeto Genoma Humano mostrou que poucos genes transmitem a complexa herançagenética humana ou das plantas e que não há um gene de DNA como única fonte deinformação genética de uma dada proteína e, portanto, do traço hereditário. O fato é que umgene pode gerar múltiplas proteínas.

EFEITOS INDESEJADOS A bioengenharia ou engenharia genética permite que os cientistas reordenem os

blocos básicos da vida para criar novas variedades de organismos vivos. A produção deorganismos geneticamente modificados (OGMs) envolve a transferência de material genéticoentre organismos que jamais se cruzariam naturalmente ou em ambiente de laboratório. Vastasfronteiras evolucionárias são ultrapassadas, tais como as que dividem filos ou mesmo reinos,em manipulação que envolve misturar a composição genética de organismos que trilharamcaminhos evolucionários distintos, durante milhões de anos. Assim, informações genéticas deseres humanos já foram enxertadas em ratos e genes de escorpiões em cultivares de milho.Essa “mistura” genética é possível porque a informação genética de todos os organismos écarregada pelos mesmos códigos de DNA.

Ora, isso não é o mesmo, como defendem alguns, que foi feito quando se cruzaramtrigo e centeio (triticale), couve e rábano, boi zebu e boi europeu (Santa Gertrudes), galoeuropeu e galo mexicano (galinhas de peito duplo) ou obteve-se porcos com uma costela amais. Essas eram espécies que resultaram de trocas entre seres parentes entre si e geraramhíbridos, o que não é o mesmo que transgenia.

Com os OGMs é diferente. Trata-se de cruzar espécies diferentes, podendo ser trocasentre vegetais, bactérias e animais. Conquanto tais técnicas prometam muitos avanços naagricultura e na medicina, também trazem grandes perigos éticos e biológicos, além de riscos eincertezas que se manifestam de várias maneiras. Ao transferir uma nova informação genéticaao organismo receptor, a manipulação pode desestabilizar a forma como o DNA (dele) sereplica, combina e recombina. Técnicas imprecisas usadas para a inserção das característicasdesejadas de DNA podem causar efeitos indesejados. O acaso sempre presente impede que oscientistas saibam quais as funções regulatórias do organismo que serão afetadas. O resultado éque, assim, os OGMs podem apresentar tendências alergênicas muito maiores, toxicidade ouvalor nutricional alterado. Eles também podem apresentar mutações. Os riscos sãopotencializados quando um produto OGM é introduzido em ambiente natural. A interação doOGM com outros complexos sistemas biológicos (como o corpo humano ou ecossistemas

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naturais) não pode ser prevista em muitos casos e, certamente, não será completamentetestada antes do lançamento comercial. A indústria de cultivares, no entanto, sem que tenhahavido suficiente prova experimental, tem como certo que um gene bacteriano de uma proteínainseticida, por exemplo, transferida para uma variedade de milho, vai produzir exatamente aproteína desejada e nada mais.

Por outro lado, mas não menos importante, há o fato de que todas as variedadesOGM são patenteadas e propriedade de empresas multinacionais e consideradas pelaOrganização Mundial do Comércio “propriedade intelectual”. Com a patente, o objetivo dasmultinacionais é impedir que os produtores reservem parte da colheita para o plantio dopróximo ano, uma prática milenar. Como Monsanto, DuPont e Syngenta (antes AstraZeneca),para citar-se as principais, ainda não podem forçar que os produtores não façam a reserva parasementes, e porque uma fiscalização in loco seria caríssima, desenvolveram uma novatecnologia: os genes Terminator. Essas sementes somente se reproduzirão se certo produtoquímico, vendido pela mesma empresa, for utilizado e os produtores comprometem-se, porescrito, a não as replantar, forçando-se a comprá-las a cada novo plantio. Como,aproximadamente, 1,4 bilhão de indivíduos ao redor do planeta cultivam suas próprias espéciespara subsistência, pode-se imaginar o que resultará se os OGMs patenteados ganharem doscultivares nativos. Nas sociedades onde o mercado é livre, aqueles produtores que nãopuderem pagar o preço pedido pelas sementes serão livres para migrarem para as cidades ondeserão livres para engrossar as fileiras de desempregados e ficarão livres, junto com suasfamílias, para passar fome.

MULTINACIONAIS Além disso, do ponto de vista sócio-político, os OGM são um instrumento de

apropriação, pelas multinacionais de sementes, do patrimônio comum de gerações e geraçõesde camponeses. É a luta pelo controle da cadeia alimentar moderna, cada vez mais afastadados padrões “naturais” e “culturais” do passado, quando os habitantes do mundo antigoconsumiam centenas de variedades de alimentos (hoje, 75% do alimento consumido no planetaé composto de apenas seis cereais, produzidos por pequenos produtores e quem, segundo oIBGE, produz 76% do alimento no Brasil).A realidade aparente é que o uso dos OGMs traz riscos consideráveis para a diversificação doscultivares, geralmente fator considerado positivo do ponto de vista da sustentabilidadeambiental, para a agricultura familiar e de pequena extensão (como a que é praticada nospaíses periféricos), onde exatamente é mais aguda a questão da fome/pobreza; agrava oendividamento externo (aumentado com o fato de que as multinacionais vão vender patentesem moeda forte); e eleva a dependência de tecnologia estrangeira. Vê-se, assim, que apesquisa, produção, comercialização, importação/exportação e rotulagem devem ser vistas comóptica suspicaz. No caso brasileiro, é necessário amplo estudo de impacto ambiental onde, atéagora, houve apenas avaliação de toxicidade aguda para a saúde. Os efeitos crônicos (de longoprazo) não foram considerados.

PRECAUÇÃO Logo, à bioengenharia, mais do que a qualquer ciência, deve-se aplicar o princípio da

precaução. Esse princípio, proposto como diretriz basilar para a tomada de decisões que afetemo meio ambiente, pode ser resumido em quatro componentes fundamentais: ação preventivaface à incerteza; transferência do ônus da prova da inocuidade aos proponentes da ação sobre

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o meio ambiente; exploração ampla das alternativas às ações que possam trazer resultadosadversos ao meio ambiente; aumento da participação da comunidade nos processos de decisão.Esse é o único comportamento capaz de assegurar o direito do ser humano de ter para si epara as gerações futuras um meio ambiente saudável e sustentável.

O princípio da precaução, assim, é a favor da prevenção do perigo, não doimpedimento ao progresso da ciência. Quer-se, com isso, criar laços mais eficazes entre apesquisa/avaliação sobre os perigos e os métodos de prevenção básicos, com opçõestecnológicas mais seguras; ênfase nas abordagens interdisciplinares, com melhor integraçãoentre dados qualitativos e quantitativos; e, métodos de pesquisa inovadores para a análise dosefeitos cumulativos e interativos dos OGMs sobre os ecossistemas e sobre as populaçõeshumanas. É imperiosa a necessidade de não se confundir nenhuma evidência de dano comevidência de dano nenhum, o que, no âmbito da saúde pública, equivale dizer que, em situaçãode risco provável, a ausência de prova não significa a prova de ausência.

* Analista ambiental do Ibama. O título original do artigo é “Por que não àtransgenia”

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“Suave veneno” dos transgênicos?por Marilene Rodrigues Da Silva

EDUCAR NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Cidade do Conhecimento Instituto deEstudos Avançados -USP, Ciência e Tecnologia têm masculino e feminino?, Aula 5: Bioética,Clonagem e Direitos Humanos: Afinal, qual é mesmo o "suave veneno" dos transgênicos?

Texto de Fátima Oliveira -Resumo de Marilene Rodrigues da SilvaO vocábulo transgênico foi usado em 1982, por Gordon e Ruddle. Em 1983 foi feita a

primeira planta transgênica. A transgênese é uma biotecnologia aplicável em animais e vegetaisque consiste em adicionar um gene, de origem animal ou vegetal, ao genoma que se desejamodificar, ou seja, organismos que, por manipulação genética, têm adicionado ao seupatrimônio genético genes de outros organismos e transmitem tais modificações à suadescendência. Denomina-se transgene o gene adicional.

A transgenicidade, como qualquer outra biotecnologia bioengenharia, elimina asfronteiras entre as espécies ao possibilitar que qualquer ser vivo adquira novas característicasou de vegetais, ou de animais ou humanas. Feito de tal monta com certeza provocará inúmerasalterações na vida biológica, social, política e econômica em âmbito mundial, já que é fatoinconteste que as biotecnologlas bioengenhelradas portam um enorme potencial, dedesequilíbrio de micro e macro ecossistemas.

Na pecuária a transgênese é o peso, "fabricação" de substancias úteis, em geralremédios raros e caros, “humanização” de animais para transplantes em seres humanos. Nomundo vegetal as realizações transgênicas de maior vulto são: plantas resistentes aosherbicidas, aos vírus e aos stress abiótico; amadurecimento retardado de frutos; alteração daqualidade de plantas inseticidas; aumento da produção de substâncias úteis; produção deplantas ornamentais exóticas, de plantas biorreatoras e busca de um caminho que elimine anecessidade de adubo.

Abrindo mão da reflexão sobre os riscos ecológicos em geral, para o meio ambientee para a saúde humana, a principal decorrência cruel é de ordem econômica, pois se há umaplantação de soja que exige um tipo específico de inseticida que só é fabricado por uma únicaempresa fica óbvio que criou-se um privilégio econômico que se configuara como um "becosem saída", ao beneficiar apenas aquela empresa, que por sua vez terá “todos aos seus pés".

O grande mito que envolve as sementes selecionadas é o da alta produtividade,qualidade que, alega-se, estaria intrinsecamente associada a elas. Nada mais falso! Sua grandeprodutividade decorre da capacidade de absorver três a quatro vezes mais fertilizantes, desdeque devidamente irrigadas. Ou seja, elas não valem nada sem fertilizantes e irrigaçãoabundante. A Revolução Verde foi uma política agrícola elaborada pelos Estados Unidos eexportada para os países pobres e em desenvolvimento. Significou a abertura e a ampliação deamplos mercados – para os norte-americanos – nos setores de sementes, fertilizantes,pesticidas e maquinaria. Foi apresentada ao mundo como um programa de 'ajuda humanitária'da ONU, para aperfeiçoar e aumentar a produtividade agrícola e, assim, combater a fome.Trabalhou-se com a divulgação de plantas melhoradas pela genética convencional.

Apesar de ter gerado conhecimentos científicos importantes, a Revolução Verde noslegou desastres ecológicos e sociais, a diminuição da produção geral de alimentos, o aumento e

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novas variedades de pragas, a extinção de cereais, oleaginosas e leguminosas. Pois assupersementes só alcançam, de fato, uma alta produtividade com o auxílio de adubos químicos,herbicidas e pesticidas. No meio ambiente, as sementes modificadas podem provocardesequilíbrios. Por serem mais resistentes à ação de pesticidas ou doenças, há o risco de queelas, num processo de seleção, eliminem as sementes naturais. Ou mesmo que se misturem aoutras, pela polinização, criando espécies debilitadas ou estéreis.

Os impactos dos transgênicos sobre o meio ambiente e a saúde humana ainda sãouma incógnita.

Transgênicos:"varinha de condão" ou "caixa de Pandora"?1 Para muitas pessoas a genética é uma "varinha de condão". Para outras,

uma "Caixa de Pandora". Não sabemos ao certo o que as biociências, e em particulara genética, estão fazendo. Mas é fato que qualquer "coisa" vinda da genética estáenvolta em um biopoder que deve ser respeitado e temido, logo entender um poucode genética é condição indispensável para o exercício da cidadania na atualidade. Ahumanidade tem sido freqüentemente transformada em expectadora passiva denovas situações, problemas, indefinições e soluções, em diferentes setores da vidasocial, científica e política, que têm a genética, em particular a engenharia genética,como pano de fundo ou, pelo menos, como parte central de muitos cenáriosdecisivos.

As manipulações genéticas contemporâneas consistem em adição,subtração (destruição), substituição, mutagênese, desativação ou destruição degenes. Grande parte da sociedade brasileira nos últimos três anos já ouviu a palavratransgênico, pois o debate sobre organismos, e outros produtos OGM's (OrganismoGeneticamente Modificado) vem aumentando em todo o mundo. Organismostransgênicos são obtidos por uma biotecnologia denominada transgênese outransgenia e resultam da adição de um gene estrangeiro (animal ou vegetal) aogenoma de um animal ou vegetal. Transgene é o gene é o gene adicional, que passaa integrar o genoma hospedeiro e o novo caráter dado por ele é transmitido àdescendência. Ou seja, a transgenia é germinativa! O principal legado da engenhariagenética é a quebra das fronteiras entre as espécies, concretizada na transferênciade genes entre espécies diferentes (transgenia), o que possibilita que qualquer servivo adquira novas características de vegetais, de animais ou de humanos. Eis umpoder incomensurável!

No mundo vegetal as realizações transgênicas de maior vulto são: plantasresistentes aos herbicidas, aos vírus e ao stress abiótico; amadurecimento retardadode frutos; alteração da qualidade nutricional ou do sabor; fabricação de plantasinseticidas; aumento da produção de substâncias úteis; produção de plantasornamentais exóticas,

________________1, OLIVEIRA, Fátima. Publicado, com o título: Transgênicos: dilemas do

biopoder, no Cadernos de Ética em Pesquisa, CONEP - Comissão Nacional de Ética em'Pesquisa, Ano IV, N.º 8, de agosto de 2001, p 22 a 25.

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de plantas biorreatoras e busca de um caminho que elimine a necessidadede adubo. Há porcos, camundongos, carpas e dourados transgênicos de humanoscom o gene do hormônio do crescimento humano. Na pecuária a transgênese érealizada para acelerar o crescimento e aumentar o peso; para a "fabricação" desubstâncias úteis, em geral remédios e para a "humanização" de animais paratransplantes em seres humanos.

A indústria farmacêutica tradicional (química) tem investido muito nas biofábricas. Já"estão na praça" o hormônio do crescimento humano; ovelhas e camundongos que receberamgenes humanos e "fabricam" no leite um remédio para infarto chamado TPA (Ativador doPlasminogênio Tissular); o fator IX da coagulação do sangue (produzido em ovelhas quereceberam genes humanos nas glândulas mamárias). São também transgênicos: a insulinahumana; as interleucinas; os interferons; os fatores de crescimento de glóbulos brancos e aeritropoietina recombinante (substituta das transfusões sangüíneas)...

A transgenia em animais e em vegetais no campo farmacêutico e médico, a exemploda área alimentar, não tem sido monitorada a contento e nem precedida de pesquisas quegarantam biossegurança e inocuidade. As solicitações de monitoramento de efeitos colateraisna saúde humana não são respondidas com pesquisas para dirimir eventuais dúvidas, comoexige uma postura ética, mas com tentativas de desqualificação científica, moral e política dequem apresenta as queixas. O mais danoso é que a indústria farmacêutica adota a prática deexigir reparação financeira por alegados danos morais para qualquer queixa relativa a seusprodutos, o que é um freio ao debate ético.

O caso exemplar de produto OGM de pesquisas quanto aos efeitos colaterais é o dainsulina humana recombinante (IH-r), também chamada de insulina humana transgênica ou GM(Geneticamente Modificada), que até hoje não teve seus alegados efeitos colateraisdevidamente pesquisados por nenhuma das empresas que a fabricam, posto que ainda adotama "verdade", já superada, do começo da década de 1990, que se "uma proteína A natural nãofaz mal, a proteína A artificial também é segura". A insulina humana GM foi o primeiro produtofarmacêutico da engenharia genética que foi comercializado (1987) e é obtida via implantaçãode um gene que produz a proinsulina -substância precussora da insulina - na bactériaEscherichia coli. Sob "pressão da demanda" nenhuma das empresas que a produz realizouestudos clínicos adequados antes da aprovação pela Food and Orugs Administration (FDA) enem após as queixas de efeitos adversos. No caso da insulina humana GM há indícios de que asua meia-vida é mais curta e porta maior probabilidade de causar com maior frequência do quea insulina animal o fenômeno conhecido como "inconsciência da hipoglicemia".

O Informe de Bellagio (1996)² afirma que as discussões sobre a inconsciência dahipoglicemia datam do início do uso da insulina animal (1921), pois trata-se de um efeitocolateral que ela também apresenta imediatamente após a sua aplicação, porém restrito apouquíssimos casos. E, segundo relatos de profissionais de saúde, detectou-se que com autilização da insulina GM ele é muito freqüente e mais severo, o que tem permitido aassociação do uso da insulina humana com a chamada "morte na cama" – jovensaparentemente saudáveis encontrados mortos na cama. Os dados referem-se a cerca de 50(cinqüenta) jovens insulino-dependentes. O fato em si é mais do que suficiente para que

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exijamos mais pesquisas na área. Segundo a British Diabetic Association e o Insulin DependentDiabetes Trust, entre 15-20% das pessoas diabéticas que usam insulina GM relatamhipoglicemia súbita de modo inconsciente. São freqüentes as queixas de artrite, mialgia,aumento de peso, etc. tais evidências corroboram o Informe de Bellagio(www.swissdiabetes.ch/~ffis2/englvers.htm) e embassaram a "Ação de Classe"

promovida, recentemente, por consumidores do Novo México, contra a Eli Lilly e aNovo Nordisk, fabricantes da argumento é o fato de tais empresas terem retirado do mercadotoda a insulina animal, mesmo sabendo que a Insulina humana que fabricam pode causardanos, inclusive colocando em risco a vida de dependentes de insulina. É primeira ação deresponsabilização contra uma indústria farmacêutica por não avaliação adequada de remédiosGM’s.³

Animais transgênicos: humanizados, bizarros e fluorescentes!

Genes humanos têm sido adicionado ao patrimônio genético de animais visando imitar ofuncionamento do organismo humano. Embora tenham demonstrado muita

_________________². A "Informação Científica do Informe de Bellagio (abril 1996) -"Falta de

consciência do padecimento de hipoglicemia em pacientes que utilizaram insulinahumana: Evidências acumuladas do fenômeno" [Rockefeller Study & ConferenceCenter 1-22021 Bellagio (Como), Italy 8 de abril de 1996], foi assinada pelosseguintes cientistas: Prof. Arthur Teuscher, MD (Switerland); Dr. Pier Luigi Barbero,MD (Italy); Nina Bollhalder Sureskumaran (Switerland); Jenny Hirst, FBCO (UK); Dr.Matthew Kiln, MB.BS/DRCOG (UK); Scott King, Editor-in-Chief (USA); Dr. KristianMidthjell, MD (Norway); Dr. Deo Mtasiwa, MD/PhD (Tanzania); Dr. ShivaMurugasampillay, MB.BS/MSc (Zimbabwe, unable to attend); Prof. Malina Petkova,MD (Bulgaria).

³ .FULLER, Colleen. <[email protected]> Medicinas geneticamente modificadas -accion de clase: insulina. Boletin No.54, Quito, 25 de abril de 2001. Red por una America LatinaLibre de Transgênicos. <[email protected]>

utilidade na pesquisa básica, alguns animais transgênicos são bizarros. Por exemplo,Polly (1997), cognominada de a "ovelha humana" - transgênica de humano - é literalmente,uma monstrinha genética que, em si, é uma bomba biológica. As células que a originaramforam, deliberadamente, infectadas com o "mal da vaca louca", a Encefalopatia EspongiformeBovina (BSE), que em humanos recebe o nome de a nova variante da Doença Creutzfeldt-Jacob(cVJD), cuja origem é desconhecida e não se sabe exatamente quais os seus efeitos. Descobriu-se nas pessoas infectadas o príon – uma proteína degenerada, uma substância infecciosa não

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viva, formada por uma molécula protéica auto-replicável, que não gera anticorpos, o quedificulta a sua detecção, só possível no exame da área afetada e através de exame de urina4.Os príons podem ficar anos sem se manifestar, resistem às altas temperaturas , esterilização luzultravioleta e radiações ionizantes. Alba é uma coelha transgênica Nacional de PesquisaAgronômica da França, que recebeu um gene com o código da proteína GFP (proteína verdefluorescente), presente emite luz quando ativada por íons de cálcio. O primeiro ANDi ("DNAinserido"), um macaco rhesus, que recebeu o gene da proteína oriundo de água-viva. Nasceuem outubro de 2000, "fabricado" na Universidade de Ciências Médicas do Oregon. A "tecnologiaANDi" pode ser usada para reproduzir doenças humanas em primatas, tais como: diabetes,câncer de mama e aids, visando encontrar maneira de bloqueá-las geneticamente. Para aUnião contra a Dissecação Animal "usar camundongos já é ruim o suficiente, mas brincar deDeus com os primatas é moralmente repugnante".

Vegetais transgênicos: impactos ambientais e na saúde humana

Enquanto alguns cientistas dizem que os transgênicos em geral não fazem mal, atéhoje nenhum conseguiu comprovar e dar alguma garantia de que eles não prejudicam a saúde.Outros cientistas são mais prudentes e exigem mais pesquisas, pois sabem que há pistas queindicam que os transgênicos podem fazer mal à saúde, além do que “em ciência não estarprovado não significa que não exista"!

____________4. Informações da Dra. Ruth Gabizon, do Departamento de Neurologia da

Universidade Hadassah, Jerusalém, em pesquisa publicada na edição de junho do Journal ofBiological Chemistry que mostra que o teste de urina é capaz de identificar o príon, ou partículaprotéica, antes do aparecimento dos sintomas. www.uol.com.br/folha/reuters/ultl12u3045.shl

No Brasil, o debate público sobre os transgênicos começou com a "soja da Monsato"que possui um gene que a torna resistente ao herbicida RoundUp Ready (RR), produzidoapenas pela Monsanto, aprovada para comercialização, e consequentemente para consumohumano, pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) dispensando Estudo deImpacto Ambiental (ElA)! Desde 18 de junho de 1999 o plantio para comercialização da soja RRestá suspenso em todo o país por determinação do juiz federal Antônio Souza Prudente, atéque o governo defina as regras de biossegurança e rotulagem dos OGM's e a Monsanto realizeEstudo de Impacto Ambiental cujos resultados demonstrem ausência de danos ambientais epara a saúde.

É fato incontestável que os impactos ambientais e na saúde humana dostransgênicos ainda são uma incógnita. Faltam pesquisas suficientes para provar que eles são"do bem" ou do "mal". Mas os perigos são previsíveis. No meio ambiente há probabilidade defenômenos, já comprovado, tais como: transferência horizontal de material genético, erosão epoluição biológica. Em humanos: alergias, toxidades, diminuição da resistência às infecções eaumento da resistência aos antibióticos. Por exemplo, o herbicida RoundUp Ready (glifosato), o

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único que pode ser usado na chamada “soja da Monsanto”, é a terceira causa de adoecimentode agricultores norte-americanos, pois provoca vários tipos de alergias, pneumonias e atéedema agudo de pulmão. Pesquisa realizada em 1998, divulgada em março de 1999, pelolaboratório de Nutrição de York, Reino Unido, constatou aumento de 50% no diagnóstico dealergia à soja. Uma forte hipótese para aumento tão abrupto pode ser o uso da sojatransgênica.

Sabe-se que 2% dos adultos e 8% das crianças apresentam padrões de respostasalérgicas aos alimentos em geral. Ora, como pessoas sabidamente alérgicas a determinadosprodutos animais e/ou vegetais poderão prevenir alergias se os alimentos transgênicos nãopossuírem rótulos que discriminem sua origem e composição? É ético expor as pessoas a"coisas" (como os transgênicos) que podem causar danos à saúde?

Com a resistência a antibióticos, evidenciada em alguns produtostransgênicos (variedades de milho Bt, dentre elas "Event 176", da Novartis), é certoque a ingestão de tais alimentos provocará aumento da resistência aos antibióticos,que hoje é um grave problema cara a medicina. Mas o que dizer de um alimento queproduz isso?

Segurança Alimentar e rotulagem dos trangênicos

Os cientistas estão divididos em pró e contra os transgênicos. Devemos ter medo.

Não é possível ter segurança a respeito de algo que nem os cientistas sabem. Causa

indignação pensar que nos induzem a comer coisas que não sabem se poderão nos dar .is vida

ou se provocarão doenças e até a morte. Diante do "estado da arte", a comprovada

insegurança da ainda rudimentar tecnologia da transgenia, que inclusive ere o transgene "às

cegas" por não saber colocá-lo no lugar que deseja ou precisa; e da a irresponsabilidade de

setores da comunidade científica, comerciantes, industriais e governos, a rotulagem dos

transgênicos é necessária, embora não garanta e nem substitua as questões pertinentes à

segurança alimentar, pois o rótulo não constitui prova de que os alimentos transgênicos não

fazem mal à saúde. A rotulagem dos alimentos é um direito do(a) consumidor(a). A rotulagem

dos alimentos e o certificado de origem, que é uma parte da rotulagem, são grandes conquistas

democráticas, pois asseguram o direito de saber e a liberdade de escolher - pontos essenciais

para a bioética.

A rotulagem dos alimentos bioengenheirados tem um componente ético importante, que é a

necessidade do respeito às convicções:

1. de vegetarianos e grupos religiosos que não comem" produtos de origem animal ou não

comem determinados animais; e

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2. dos grupos que defendem os direitos dos animais, que não os aceitam como alimentos ou

pelo menos, não concordam com a crueldade que em geral a ciência submete suas cobaias

animais. O argumento de que o gene animal não é o animal é apenas uma figura de retórica

pois, como a transgênese é germinativa, ela transfere a informação genética original. Um gene

animal ao ser inserido em um vegetal leva consigo a informação genética animal. Como tenho dito insistentemente, é tendo em conta a ignorância da ciência que nãopodemos permitir que os transgênicos passem a fazer parte de nossa alimentaçãotal como os produtos alimentícios da natureza, sob pena de que talvez sequertenhamos tempo para maldizer o amanhã.

Empresa cria galinha transgênica que sintetiza proteína no ovo da Reuters, em Nova York.

Um grupo de pesquisadores afirma ter criado uma galinha geneticamente modificada capaz de

botar ovos enriquecidos com uma proteína estranha a seu organismo.

Essas galinhas estão sendo exploradas como potenciais "fábricas de remédios" para a produção

em massa de drogas, enzimas ou outras proteínas empregadas no tratamento de doenças

humanas.

No novo estudo, os pesquisadores relatam que suas galinhas transgênicas foram capazes de

produzir uma versão biologicamente ativa da enzima de uma bactéria, As descobertas foram

publicadas na sexta-feira, na edição de abril da revista Nature Biotechnology.

Esse tipo de engenharia genética tem sido usado para produzir proteínas em leite de ratas,

coelhas, porcas, ovelhas, cabras e vacas leiteiras, mas o método do ovo oferece várias

vantagens, de acordo com Ale J. Harvey, da empresa AviGenics, Inc, em Athens (Geórgia), e

seus colegas da Universidade da Geórgia.

"Uma galinha moderna, geneticamente selecionada, do tipo White Leghorn, bota até 330 ovos

por ano, cada um deles contendo 6,5 gramas de proteína," disseram os cientistas.

Essa alta produtividade, associada ao fato de que as galinhas atingem a maturidade mais

rapidamente do que uma vaca ou uma cabra, seria um indício de que elas podem ser utilizadas

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para produzir “drogas de alta dose de baixa potência, como soroalbumina humana e

anticorpos", segundo o estudo.

As galinhas podem começar a semanas de idade.

Já o leite de animais transgênicos é usado na produção de drogas de baixa dose e alta

potência, como fatores de coagulação de sangue humano. O leite também é biologicamente

mais complexo do que os ovos, de modo que a purificação das proteínas torna-se mais simples

quando elas são derivadas de ovos, afirmam os autores do estudo.

No trabalho, os cientistas utilizaram um vírus para introduzir o gene de uma bactéria em

embirões de galinhas. Exames de sangue mostraram que cerca de 10% das galinhas que

nasceram carregavam o gene, que codifica uma enzima chamada beta-lactamase. Os animais

tinham sinais do gene no sangue, mas seus ovos não.

Após isso, por meio de reprodução finalmente chegaram aos animais que excretavam beta-

lacmatase em ovos brancos.

"Os níveis de expressão [produção de proteína] permaneceram constantes durante vários

meses e sucessivas gerações,” afirmaram Harvey e colegas.

* Aula na Cátedra Regional UNESC<P, M,ulheti, Ciência e Tecnologia. Cidade do

Conhecimento/IEA/USP. São Paulo, 22 de junho de 2002.

** Fátima Oliveira é médica; Secretaria Executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde e

Direitos Reprodutivos; integrante da Comissão de Cidadania e Reprodução e da União Brasileira

de Mulheres; conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; integrante efetiva do

Comitê de Especialistas em Bioética e Biodireito da Universidade de Alfenas (MG); coordenadora

da Rede de Informação sobre Bioética: bioética & teoria feminista e anti-racista. Co-autora de:

Fundame'7tos da bio~tica (Paulus., 1996!, orgs. IChristian de Paul de Barchifontaine e Léo

Pessinl; Tecnologlas Reprodutlvas: genero e ciência (UNESP, 1996), org, Lucila Scavone;

Ciência e Tecnologia em debate (Moderna, 1998); org. Márcia K.; Questões de Saúde

Reprodutiva (Ford/Fiocruz, 1999), orgs. Karen Giffin e Sarah Hawker Costa; Livro da Saúde das

Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe (Editora Palias, 2000), org. Evelyn White,

Jurema Werneck e Maísa Mendonça; Bioetica y Genética (Ciudad Argentina, 2000), (Mazza

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Edições, 1998); e Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher (Mazza Edições,

2001).

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QUARTA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

SEMINÁRIO:

No dia 20 de maio, a Comissão organizou amplo Seminário para que fosse debatido temasreferentes a “MORTE ENCEFÁLICA, EUTANÁSIA, DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS”.Para a realização de tais debates foram convidados os seguintes painelistas:

Dr. Cícero Galli Coimbra, neurologista, atuando profissionalmente em São Paulo,recentemente recebeu o título de Médico do Ano pela Universidade de Cambridge, participou dorecente Congresso Internacional de Neurologia em Barcelona; Dr. Solimar Pinheiro da Silva, neurologista e coordenador da Câmara Técnica de MorteEncefálica do Conselho Federal de Medicina; Dr. Volnei Garrafa, Doutor em Bioética pela Universidade de Roma, Coordenador do Núcleode Bioética da Universidade de Brasília, Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética,Presidente da Sociedade Latino-americana de Bioética pela UNESCO e Dr. Sandro Schmitz dos Santos, Membro da Cruz Vermelha Brasileira e Assessor da CruzVermelha Belga, membro colaborador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dosAdvogados do Brasil.

Dr. Celso Galli Coimbra, advogado.

LOCAL: Plenarinho da Assembléia Legislativa do RS

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DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS - MORTE ENCEFÁLICA:

De todos os temas atinentes à Comissão de Bioética , certamente este mostrou-se o maisrepleto de controvérsias especialmente no que concerne a questão da morte encefálica. Nestesentido, realizamos um seminário para debater o assunto colocando publicamente e pelaprimeira vez duas posturas antagônicas sobre a morte encefálica.De um lado o Dr. Cícero Galli Coimbra, conceituado neurologista que publicamente temmanifestado sua discordância com relação a Resolução l480 do CFM que trata deste questão ede outro o Dr. Solimar Pinheiro, também neurologista e Presidente da Câmara Técnica de MorteEncefálica do Conselho Federal de Medicina.O exato conteúdo dos pontos divergentes esta contido na completa transcrição do Semináriosendo parte integrante deste relatório.

A ÚLTIMA MERCADORIA : A COMPRA, A VENDA E O ALUGUEL DE PARTES DO CORPOHUMANO (Giovanni Berlinguer e Volnei Garrafa)

Apesar das irregularidades e ilegalidades do mercado de órgãos humanos, os transplantesconstituem uma das maiores conquistas da ciência. Sem dúvida os abusos registrados podemdesacreditar a prática , assim como suscitar repressão a muitos aspectos do progressocientífico.Com crescente frequência, a imprensa internacional vem veiculando notícias sobre a compra evenda de órgãos humanos para transplantes. Existem denúncias até mesmo de sequestro emorte de crianças com a retirada de partes de seus corpos para os mesmos objetivos. Emgeral, trata-se de informações sensacionalistas e pouco documentadas. No entanto, já existemprocessos penais contra médicos que favoreceram esse tipo de comércio, além de substanciosadocumentação sobre agências que colocam órgãos à venda, bem como de pessoas dispostas avendê-los. Fortes discussões sobre a legalidade de tais procedimentos têm sido levantadas emrevistas especializadas como Transplantation Proceeedings e Journal of Mdical Bioethics .Da prática dos transplantes, da compra e venda de órgãos orginam-se fortes controvérsiasfilosóficas e jurídicas que se dividem entre ética e ciência, entre a liberdade e o mercado.

Nos últimos trinta anos os transplantes de órgãos experimentaram um notável progressodevido ao maior conhecimento biológico, às novas técnicas cirúrgicas, ao uso de medicamentosimunossupressores. Os centros internacionais mais qualificados tem obtido resultados desobrevivência de um ano para os pacientes em 90% dos casos de transplantes de rim e depessoas vivas (80% de cadáveres ), em 75% nos casos de fígado, 85% para o coração , 50%para a combinação coração- pulmão . Outros centros apresentam percentuais menores desucesso. De qualquer modo tanto a difusão dos transplantes como a escassa disponibilidade de

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órgãos para atender às necessidades cirúrgicas têm forçado a procura de outras formas deobtenção dos mesmos, além da busca e cessão de cadáveres. Em um congresso realizado em1990 e que teve como tema ética, justiça e comércio nos transplantes' , a TransplantationSocity apresentou cinco possibilidades de doações a partir de pessoas vivas: 1)Doações deparentes; doações de pessoas ligadas sentimentalmente: 3) doações com fins altruísticos; 4)Doações através de pagamento ( rewarded donors); comercialismo crescente( rampantcommercialism). A respeito desta útil classificação, podem ser feitas duas observações. Aprimeira é que a palavra 'doação' é imprópria à possibilidade 4. Não só no emprego usual,como na linha jurídica, a partir da lex cincia de donis et muneribus (204 a.C ) e em todalegislação posterior, a doação exclui qualquer contrapartida e pressupõe , por sua vez, umanimus donandi, uma vontade desinteressada,portanto, o termo mais adequado para definir a quarta situação, ainda que pareça brutal, évenda de órgãos. A outra observação se refere ao comercialismo crescente e também estaexpressão mostra-se açucarada e insuficiente para definir fenômenos diferentes entre si quevão desde a compra-venda em regras, até o roubo de órgãos e assassinatos com a justificativade busca ou procura de matéria-prima para os transplantes, devendo por isso constituir umsexto ponto da classificação proposta.

" Hoje o mercado abrange desde sangue fresco até medula óssea , de córneas a fígados ; deesperma até coração e pulmões. E segundo dizem , até crianças brasileiras inteirinhas ....."

O aspecto principal de todo este contexto, de forma mais avançada que as regras,diz respeito à necessidade de mudanças culturais associadas ao estabelecimento de novasnormas legais. Por exemplo, mesmo que fossem efetivadas as sugestões e orientações queapresentamos nos pontos precedentes, ainda existiria um desequilíbrio entre a demandacrescente e a oferta insuficiente de sangue para transfusões de órgãos para transplantes. Nestesentido existem apenas dois caminhos a serem percorridos e que podem vir a dar resultadosconsistentes mesmo a curto prazo: um é através da doação e o outro por meio da utilizaçãode cadáveres. A primeira opção exige, além de uma rede organizada e eficiente, um apelorealmente motivante à solidariedade. A segunda requer, além disso , uma revisão muitocuidadosa não somente de princípios morais e religiosos, mas também de princípios culturaisque têm raízes profundas na história e no íntimo de quase todas as pessoas. Aceitar a idéia deque o corpo morto seja visto como res nulius e ainda considerá-lo disponível aos transplantesnecessários para salvar outra vida ( reconhecendo, eventualmente em uma fase temporária aobjeção à retirada de órgãos ou estruturas registradas em vida) representa uma mudançaradical na antiga concepção existente sobre o culto ao corpo e requer obviamente, umsistema de garantia e uma "declaração de consentimento" para evitar qualquer abuso . Umatransformação profunda como esta seria utilíssima, não somente para os fins práticos, masprincipalmente para fazer prevalecer o interesse vital da espécie humana e uma nova ética desolidariedade de homens e mulheres para com seus semelhantes, hoje mais necessária do quenunca.

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O MERCADO DE ESTRUTURAS HUMANAS ( A SOFT HUMAN MARKET )GARRAFA. V. O Mercado de Estruturas Humanas (A soft human market). Bioética.Brasília :Conselho Federal de Medicina, Vol. 1 nº 2 , 1993. P. 115-123

O mercado de estruturas humanas é hoje uma realidade. Embora há alguns anos fosse elemencionado somente em algumas obras de ficção literária ou cinematográfica, atualmente jáalcança dimensões concretas e preocupantes no contexto mundial. Em algumas áreasespecíficas do vasto campo ocupado pela medicina atual e de interesse direto da bioética -como aquelas dos transplantes, da reprodução assistida ou outras que têm mostrado relaçãocom as questões da mercantilização humana. A evolução dos fatos obedece a uma velocidadeimpressionante. Neste sentido , justifica-se uma análise mais profunda do assunto, a partir deuma retrospectiva histórica de todo o processo de desenvolvimento da ciência biomédica nosúltimos anos. Para isso, tomamos como referência o primeiro transplante renal, realizado em1954; este significativo episódio marcou apenas início de um dinâmico processo que avançoucontinuamente até os dias atuais e culminou com os extraordinários resultados alcançados ,principalmente nos campos da cirurgia, imunobiologia e imunofarmacologia.

PONTOS DE VISTA CONTÁRIOS AO MERCADO DE ÓRGÃOS

Apesar de todas as manifestações acima apontadas e outras não mencionadas, felizmentelevantam-se vozes corajosas contrárias à avalanche de propostas e sugestões que tentam , detodas as formas, abrir espaço para um procedimento completamente anômalo na práticamédica. Tal procedimento, se vitorioso, poderá mudar radicalmente a abordagem humana quea medicina havia conseguido manter, com justo orgulho, desde os tempos de Hipócrates atéeste final do século xx. Principalmente pelo fato de os temas bioética e comercializaçãohumana extrapolarem as fronteiras da medicina em si mesma, é que os profissionais destaárea devem olhar para o assunto com o cuidado ainda maior. Qualquer erro cometido nopresente poderá acarretar conseqüências futuras imprevisíveis e até mesmo irreversíveis. E,então, os inquestionáveis compromissos do setor serão cobrados pela humanidade. A discussão fundamental com relação à questão mercadológica deve dar-se no campo da ética, com conseqüentes desdobramentos jurídicos e políticos que venham regulamentar as suasconclusões. No livro que estamos escrevendo com o prof. Giovanni Berlinguer mantemos umaposição contrária ao mercado de órgãos humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pôde ser constatados no transcurso deste artigo , as posições individuais e das própriasentidades científicas especializadas vêm lenta e gradualmente se modificando com relaçãoà mercantilização de partes do corpo humano, desde 1972 até os dias atuais. Manifestações ,que eram inicialmente claras e categóricas, passaram a receber um tratamento cada vez mais

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brando e inconclusivo. A clareza foi sendo lentamente substituída pela dubiedade. Atualmentejá são significativos, no contexto internacional, os setores existentes dentro da medicina eoutros campos afins que defendem francamente a implantação de diferentes formas de comprae venda de tecidos e órgãos para atender à demanda clínica. Cabe, no entanto, que a responsabilidade de quem defende a introdução de "incentivos"financeiros para a doação de órgãos talvez não esteja sendo medida e compreendida na suaessência nem pelos próprios proponentes que de criativos promotores de acusação do atualmomento , talvez transformem-se em réus de um novo Nuremberg do século XXI. Poderãoresultar desastrosas as conseqüências de modificações que venham a ser introduzidas comreação a novas formas biológicas legais de controle sobre o nascimento, sobre a vida e sobrea morte do ser humano. O discurso aqui defendido , ao contrário de propor um freio para odesenvolvimento da ciência e da tecnologia, refere-se fundamentalmente à transformação daética da liberdade científica em uma nova ética da responsabilidade científica - proposta pelosfilósofos Hans jonas e Hans Küng - eà analise mais responsável de fatores que possam vir a se constituir em elementos negativos edeterminantes para o futuro da humanidade.Pela própria evolução da ciência neste delicado campo em que se utilizam partes vivas depessoas para salvar outras vidas, o homem encontra-se em uma encruzilhada histórica. E nãopoderá errar o novo caminho, sob pena de causar danos irreversíveis ao própriodesenvolvimento natural de uma humanidade plena de contradições, mas que, apesar de tantosequívocos passados, tem sabido até hoje equilibrar o progresso com preservação da própriaespécie( com um grau maior ou menor de dignidade, é bem verdade...).A condução que será dada aos problemas que o mundo de hoje nos põe à frente - como o quese refere aos transplantes de órgãos e outras questões similares - construíra a base referencialpara o comportamento humano no terceiro milênio. Será que o estabelecimento de ummercado de órgãos para salvar algumas vidas num oceano de mais de 6 bilhões de serescontribuirá para que tenhamos homens e mulheres vivendo melhor, com mais justiça esolidariedade no ano 2000? Se a resposta não for categoricamente positiva, o argumento éinsuficiente e insustentável, pois as conseqüências morais , éticas e comportamentaisresultantes desta transformação serão incomensuravelmente mais negativas que o benefíciorepresentado pelas proporcionalmente poucas vidas salvas. A linha de argumentação aqui defendida vai muito além do raciocínio reducionista que discutede forma isolada a salvação de alguns poucos milhares de vidas humanas ; pela suaimportância e pelos reflexos que certamente acarretará, influenciará diretamente nas formas deviver e de morrer da humanidade e, de certo modo , no futuro da própria humanidade. Aquestão da comercialização de estruturas e órgãos humanos, portanto, permeia um dosprincipais marcos de referencia filosófico-ético-morais dos próximos séculos. Os cientistas edemais defensores da implantação de teorias de mercado neste delicadíssimo campo talvez nãoestejam se dando conta de que as suas palavras e ações de hoje fatalmente interferirão emoutras questões ainda muito mais profundas do que aquelas que se referem somente aostransplantes e doações de tecidos e órgãos humanos . E estas outras questões , quandoexplodirem , estarão fora dos seus insignificantes alcances , mas , mais do que nunca , dentrode suas significativas responsabilidades.

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Jornal do Brasil de 05 de Outubro de 1997

TRANSPLANTE COM VIVOS

Interpelação judicial argumenta que conceito de morte no brasil privilegia comércio de órgãos eé cientificamente ultrapassado.

JOSÉ MICTHELL (jornalista)

PORTO ALEGRE- Uma interpelação judicial inédita na história jurídico - médica do país, feitapelo advogado gaúcho Celso Galli Coimbra, contra os Conselhos Federal e Regional deMedicina, na 1ª Vara Federal desta capital , denuncia que o Brasil usa um conceito"cientificamente ultrapassado de morte", o de morte encefálica , para fazer transplantes, cujadoação de órgãos será compulsória no próximo ano.

Com isso, a extração de órgãos de doadores para transplantes pode significar "o retalhamentode pessoas potencialmente vivas" e que poderiam ser recuperadas pela técnica de hipotermia, (esfriamento do corpo ), segundo afirmou o neurologista Cícero Coimbra, irmão de Celso eprofessor de neurologia experimental da Escola Paulista de Medicina. Cícero é pós- graduadopelo mais importante centro europeu de neurologia, o Neurociências da Suécia , e atualmentetrabalha pela futura instalação da primeira UTI de hipotermia no Brasil no Hospital São Paulo,da Universidade Federal de São Paulo.

Cópia da interpelação de Celso Coimbra será protocolada nesta próxima semana no MinistérioPúblico , já que a instituição " é responsável pela defesa da vida e dos valores sociais " ,lembra o advogado. O objetivo é evitar a aplicação da lei nos termos em que foi aprovada. Umdos pontos centrais da interpelação judicial é o entendimento de que os critérios paradefinição de morte encefálica (falência de atividade elétrica cerebral, metabólica cerebral ouinterrupção de passagem sangüinea) são ultrapassados pelas novidades científica descobertascom hipotermia.

A morte encefálica obedece a dois princípios : perda da função cerebral : e irreversibilidadedeste estado. A perda da função é comprovada por inúmeros testes funcionais ( pupilasdilatadas, ausência de uma série de reflexos etc.). " O grande problema é quanto ao estadoirreversível", observa Cícero Coimbra, exemplificando: "quando pesquisadores de Harvard (USA)criaram o conceito de morte encefálica, não tinham notícias de nenhum caso de recuperação .Mas, com todos os avanços da medicina , esta crença hoje seria anedótica. Hoje exigi-se- paradeclaração de morte - a exigência de uma causa reconhecidamente irreversível". Mas oadvogado Celso Coimbra garante que as células do cérebro não estão necessariamente mortas,mesmo que exames clínicos e eletroencefalograma não detectem atividades. " Já está provadoque, na ausência de funcionamento metabólico _ limitado a 25% do fluxo normal , porevolução do próprio quadro de coma _as células param mas não estão em "sofrimentometabólico (morrendo)". A hipotermia ajuda na reversão do quadro".

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Com inúmeras pesquisas, algumas já aplicadas a pacientes humanos em bem-sucedidostratamentos feitos por médicos europeus , Cícero Coimbra demonstrou que " a hipotermiaderruba conceitos tradicionais de morte encefálica" que , pela nova lei, será a base pararealização de transplantes no Brasil a partir de janeiro de 1998.

Em vez da morte do tecido cerebral entre 5 e 10 minutos após a falta de oxigenação no cérebro_como é aceito pelos meios médicos para caracterizar a morte encefálica _, pesquisascomprovam que a morte dos neurônios é um processo lento , progressivo e que pode durarmuitas horas, explica Cícero . Mais importante: a situação pode ser revertida e a maioria dospacientes ser salva, voltando as atividades normais com uso de técnicas de hipotermia ,acrescenta o especialista.

Pesquisa realizada por ele mostra que , até duas horas após parada cárdio- respiratória de 10minutos, a colocação do paciente a hipotermia moderada (33 graus) por um período de setehoras " permite salvar 100% dos neurônios do corpo estriado, 90% dos neurônios do córtexcerebral e 50% dos neurônios do hipocampo "

Parte de seus estudos ,feitos em laboratório com ratos, foi aplicada com sucesso em humanospor médicos alemães. Esse primeiro relato do uso da hipotermia em pessoas com acidentevascular cerebral, feito por neurologistas da Universidade de Heidelberg ( a mais famosainstituição de ensino alemã), foi publicado em março último pela respeitada revista Neurology.

Outro pesquisador , o neurologista Donald Marion, publicou em fevereiro deste ano no maisrespeitado jornal de medicina do mundo , o New England Journal of Medicine, trabalhorevelando que , de um total de 82 pacientes em coma profundo , 62% tiveram boa recuperação( voltaram às atividades anteriores) pelo tratamento hipotérmico iniciado 10h oras depois dotraumatismo.

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EUTANÁSIA – ASPECTOS JURÍDICOSAutor: Neri Tadeu Camara SouzaAs discussões sobre a validade ou não da eutanásia, dentro da realidade brasileira, por vezestrazem um enfoque abstraindo – sem levar em conta - o enquadramento desta em nossoordenamento jurídico. Isto permite que se faça, neste texto, partindo de conceitos na área daeutanásia, uma projeção e reflexão dos dispositivos legais que se vinculam a estes conceitos.

A eutanásia (este termo já existe desde o século XVII) em sua visão clássica, consiste em seprovocar a morte de uma pessoa antes do previsto, pela evolução natural da moléstia, um atomisericordioso devido a um padecimento não suportável, decorrente de uma doença sem cura.Esta maneira de causar a morte de outrem pode se dar de uma maneira ativa ou passiva, podese dar de um jeito direto ou indireto, ou como um ato voluntário ou não voluntário do paciente.Não é privativo do médico o crime de eutanásia – não é um crime próprio(Nota 1) - visto poderser realizado por qualquer pessoa – é, pois, um crime comum. É um crime, já que é fato ilícito,típico e culpável, que encontra sua tipificação na Parte Especial, do nosso Código Penal em seuartigo 121, no parágrafo 1º, que diz: "Art. 121. Matar alguém: §1º Se o agente comete o crimeimpelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção,logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a umterço.". Encara o Código Penal como, in verbis: "Caso de diminuição de pena", ou seja , define-o como um crime que a doutrina chama de homicídio privilegiado, mas, ressalte-se, um típicohomicídio doloso(Nota 2). Também tem esse enquadramento legal na Parte Geral(Circunstâncias Atenuantes) do mesmo Código Penal no artigo 65, inciso III, alínea "a", quereza: "Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) III – Ter o agente: a)cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;". Cabe aqui citar a ConstituiçãoFederal brasileira de 1988, que protege a vida em seu artigo 5º, no caput, que nos determina:"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aosbrasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,(...)", nãopermitindo a introdução, em nosso ordenamento jurídico, de qualquer dispositivo legalregulamentando a extinção da vida. A vida é um bem jurídico indisponível, resguardado pornosso direito positivo. E, frise-se, a eutanásia sempre foi encarada pelo direito pátrio como umato ilícito criminal. Inclusive considerada uma ilicitude ética, pelo atual Código de Ética Médicaque em seu artigo 66, reza: "Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida dopaciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal.". Portanto, com razão, ajurisprudência e a doutrina do Direito definem o crime de eutanásia como um homicídio, via deregra, privilegiado (no caso, cometido por motivo de relevante valor moral – o compadecimentopelo penar de outrem) devidamente tipificado, no Código Penal brasileiro, no artigo 121 e seuparágrafo 1º. Seja o crime de eutanásia praticado de uma maneira ativa (por exemplo, omédico administra um fármaco que cause a morte do enfermo - eutanásia direta, positiva) oupassiva (uma manobra terapêutica – até o uso de um medicamento - deixa de ser executada,ou o próprio uso, frise-se, adequado, de um medicamento que abrevie o tempo de vida –eutanásia indireta, negativa), já que no ordenamento jurídico brasileiro o ato criminoso podeser praticado por comissão (ação) ou omissão (inação) e, até mesmo, comissão por omissão,não fazendo diferença para caracterizar, e enquadrar legalmente, o delito penal de eutanásiacomo se caracterizou o agir do agente criminoso. Se tinha a sua conduta – causadora da mortedo paciente - características comissivas ou omissivas, pouco importa na tipificação do crime de

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eutanásia. Se você "deixa alguém morrer" ou se você o "mata", isto é encarado da mesmamaneira, do ponto de vista jurídico, em nosso ordenamento – tanto no aspecto constitucional,como no penal: não é permitido, é crime. Qualquer tentativa de descaracterizar o crime dehomicídio privilegiado, em caso de estarmos frente a um crime de eutanásia, não é corretaquando eivada a conduta do agente do crime de características omissivas, haja vista esteentendimento doutrinário em nosso direito de tratar com igualdade do ponto de vista penalqualquer dos dois tipos de conduta – a comissão (agir) ou a omissão (não agir). Assim, nem umpossível entendimento de que a eutanásia passiva poderia ser encarada como um crime deomissão de socorro (Art. 135 do Código Penal: "Deixar de prestar assistência, quando possívelfazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida,ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro daautoridade pública.") ou de abandono de incapaz (Art. 133 do Código Penal: "Abandonarpessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo,incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: (...) § 2º Se resulta a morte:") quepossuem penas menores para o autor do delito, encontra apoio doutrinário no direito brasileiro,até por caracterizar-se, a eutanásia, na maior parte das vezes como um crime comissivo poromissão ou, também chamado, omissivo impróprio(Nota 3). É o caso da ortonanásia ouparaeutanásia – a eutanásia passiva – executada quando um paciente em situação terminal,isto é por insucesso de qualquer tratamento, que se possa utilizar, se apresente sempossibilidade de cura. Mas, não é o caso quando num paciente com morte encefálica(Nota 4)portanto num quadro de coma irreversível, são deixadas de ser executadas manobrasterapêuticas – de qualquer espécie – que mantenham suas funções vitais em funcionamento –este paciente já está morto, dentro dos critérios, atuais, aceitos pela comunidade médicacientífica e pelos órgãos normativos do exercício profissional no que tange à ética médica.Estamos falando, ao se abordar a ortotanásia (paraeutanásia, eutanásia passiva, indireta,negativa) em um paciente que pode ainda ter um quadro reversível, visto não preencher oscritérios, aceitos atualmente, para ser considerado com morte encefálica. É primordial terconhecimento, com certeza, se o paciente já morreu ou não. Muitas vezes, na prática, poderáhaver uma certa dificuldade, face a um determinado óbito, para estabelecermos se estamos nosdeparando, ou não, com um caso de eutanásia. Mas, não há eutanásia em quem já faleceu.Não temos que aceitar ou ser contra a eutanásia, basta apenas saber se o paciente está vivo ounão. Eutanásia é crime no Brasil. O médico que cometer esse crime, pode ser condenado a umapena de reclusão de 12 a 30 anos, reduzida de 1/6 a 1/3 – é o que prevê o nosso Código Penalpara o homicídio privilegiado – é isso que a eutanásia, geralmente, é, no Brasil, seja ela ativaou passiva, voluntária ou não voluntária, direta ou indireta, positiva ou negativa. Se o pacientejá morreu - não se está meio vivo, nem meio morto – apresenta morte encefálica, não há quese falar em eutanásia e sim em mudança de estado – de vivo para morto. E, se houve óbito,cabe uma comunicação em cartório de acordo com a Lei nº 6.015 – Dispõe sobre os RegistrosPúblicos e dá outras providências - de 31 de dezembro de 1973, em seu artigo 29, incisoIII(Nota 5), e no artigo 9º do Código Civil brasileiro, de 2002, em seu inciso I(Nota 6). Tudoisto obedecendo comando do artigo 6º do mesmo Código Civil que ordena: "A existência dapessoa natural termina com a morte;". Assim, a manutenção vital, de uma determinada pessoa,deve ser mantida até que esta – morte - seja estabelecida cronologicamente, dentro doscritérios científicos e legais vigentes em um dado momento. O evento morte é um fato

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jurídico(Nota 7). Se está vivo, e isto é uma verdade absoluta, tem que ser tratadoadequadamente. A discussão passa a ser – e compete a cada equipe médica, em cada casoclínico que se apresentar, decidir sobre isto junto com o paciente ou seus representantes legais,se for o caso – o que é mais adequado para aquele caso, respeitando os princípios éticos daautonomia, beneficência e justiça, ponderando sobre medidas ordinárias e extraordinárias a seutilizar, em cada caso, sobre o que seja proporcional ou desproporcional quanto à utilizaçãoconcreta num determinado paciente, dentro do estado atual dos conhecimentos médicos(estado da arte) em cada local e oportunidade em que for realizado o atendimento, face aoquadro clínico daquele paciente. Tem que ser levada em consideração a decisão por parte deum paciente, consciente e bem orientado, de não submeter-se à determinada terapêutica.Também não importa para caracterizar-se o crime de eutanásia, se ele foi cometido pelo agenteestando presente uma manifestação voluntária do paciente no sentido de que seja eliminada asua vida, ou que não tenha este paciente se manifestado, voluntariamente, no sentido de quedesejava terminar com sua vida, mesmo que haja consentimento dos familiares deste paciente. Ninguém, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, pode dispor deste nosso patrimônioinestimável – a vida. Ela é indisponível, porque interessa à sociedade proteger este bem – avida. Nós podemos usá-la e fruí-la, como bem entendermos. Mas, ninguém pode dispor dela,nem com nossa autorização ou de quem quer que seja.Nota 1 - Jesus, Damásio de. DIREITO PENAL, 19.ed, Saraiva: São Paulo, 1995, p.166: "Crimepróprio é o que só pode ser cometido por uma determinada categoria de pessoas, poispressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal,(...)".Nota 2 - Código Penal brasileiro: "Art.18. Diz-se o crime:I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;"Nota 3 - Jesus, Damásio de. DIREITO PENAL, 19.ed, Saraiva: São Paulo, 1995, p.170: "Crimesomissivos impróprios (ou comissivos por omissão) são aqueles em que o sujeito, mediante umaomissão, permite a produção de um resultado posterior, que os condiciona. Nesses crimes, emregra, a simples omissão não constitui crime. É o exemplo da mãe que deixa de alimentar ofilho, causando-lhe a morte." Nota 4 - Na morte cerebral está suprimida a vida de relação e na morte encefálica, além desta,a vida vegetativa também está suprimida.Nota 5 - Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – "Dispõe sobre os Registros Públicos e dáoutras providênmcias": "Art. 29. Serão registrados no Registro Civil de Pessoas Naturais: (...)III - os óbitos;Nota 6 - Código Civil brasileiro, de 2002: "Art. 9º Serão registrados em registro público:I- os nascimentos, casamentos e óbitos;".Nota 7 - Mello, Marcos Bernardes de. TEORIA DO FATO JURÍDICO (Plano da Existência), 7. Ed,Saraiva: São Paulo, 1995, p. 88; "É verdade indiscutível que a finalidade precípua do fatojurídico reside na produção de efeitos jurídicos, porque seria até sem sentido, mesmo ilógico,que se imaginassem fatos jurídicos sem qualquer utilidade para a realidade da vida humana noplano de suas realizações interpessoais e que constituíssem meras entidades formais,puramente abstratas.Mas, a constatação dessa verdade não pode eliminar a outra de que há fato que, emboraconcebido para gerar efeitos jurídicos, em certas circunstâncias podem não gerá-los, sem quese descaracterizem, todavia."(sic) .

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NERI TADEU CAMARA SOUZAADVOGADO – DIREITO MÉDICOMédico - Residência em ClínicaMédica/Gastroenterologia - Especialização emAdministração Hospitalar – Especialista emGastroenterologia pela Associação MédicaBrasileira – Coronel Médico RR da Brigada MilitarRua Upamaroti, 649Porto Alegre – RSCEP 90820-140Telefone: 0xx51.32472530E-mail: [email protected] do livro: "RESPONSABILIDADE CIVIL EPENAL DO MÉDICO" – 2003 – Editora LZN –Campinas-SP –Telefone: 0xx19.32135533

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EDITORIAL DO JORNAL DO BRASIL

( 01.03.1999, Caderno Brasil, pagina 08)

MORTE SUSPEITA

(...) Transplantes são técnicas sofisticadas de medicina de ponta , custam caro e um sistema detransplantes, a começar pala captação de órgãos , deve ser tecnicamente coerente de umaponta a outra do processo, para evitar suspeitas de favorecimento corrupção e quebra deética médica.

Quantos hospitais brasileiros têm condições de medir o fluxo do sangue no cérebro de pacienteem coma profundo?

È indispensável, que quando alguém passe a doador potencial , seja avaliado pelos métodosmais modernos de diagnóstico e se não forem conclusivos , indicando lesão irreversível, deve-setentar salvar esse paciente e não considera-lo a priori, por falta de recursos, preguiça ou atéganância desenfreada, simples doador de órgãos.

Além da dúvida médica, cabe lembrar que 80% de todos os transplantes realizados no Brasilsão de rim e que a maioria dos rins pára de funcionar por hipertensão e diabetes, cujaprevenção é fácil e custa relativamente pouco. O governo sancionou lei tornando os brasileirosdoadores automáticos, o que, num país de fortes desníveis sociais , despertou suspeitas não detodo infundidas.

Felizmente as autoridades voltaram atrás por pressão dos médicos e oconsentimento da família do morto voltou a ser necessário.

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EUTANÁSIA

Prof. José Roberto Goldim

O termo Eutanásia vem do grego, podendo ser traduzido como "boa morte"ou "morteapropriada". O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra "Historia vitae etmortis", como sendo o "tratamento adequado as doenças incuráveis". De maneira geral,entende-se por eutanásia quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra queestá mais fraca, debilitada ou em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria utilizada paraevitar a distanásia. Tem sido utilizado, de forma equivocada, o termo IOrtotanásia para indicareste tipo de eutanásia. Esta palavra deve ser utilizada no seu real, sentido de utilizar os meiosadequados para tratar uma pessoa que está morrendo. O termo eutanásia é muito amplo epode ter diferentes interpretações. Um exemplo de utilização diferente da que hoje é utilizadafoi proposta no século XIX, os teólogos Larrag e Claret, em seu livro “Prontuários de TeologiaMoral” publicado em 1866. Eles utilizavam eutanásia para caracterizar a "morte em estado degraça". Existem dois elementos básicos na caracterização da eutanásia: a intenção e o efeito da ação. Aintenção de realizar a eutanásia (eutanásia ativa) ou uma omissão, isto é, a não realização deuma ação que teria indicação terapêutica naquela circunstância (eutanásia passiva). Desde oponto de vista da ética, ou seja, da justificativa da ação, não há diferença entre ambos.Da mesma forma, a eutnásia, assim como o suicídio assistido, são claramente diferentes dasdecisões de retirar ou não implantar um tratamento, que não tenha eficácia ou que gere sériosdesconfortos, unicamente para prolongar a vida de um paciente. Ao contrário da eutanásia e dosuicídio assistido, esta retirada ou não implantação de medidas consideradas fúteis não agregaoutra causa que possa conduzir à morte do paciente. Esta, porém, não foi a interpretação da Suprema Corte de Nova lorque, julgando o caso Quill,em 08 de janeiro de 1997, quando afirmou não haver dierença legais e morais entre nãoimplantar ou retirar uma medida extraordinária e o suicídio assistido. Em junho de 1997 aSuprema Corte Norte Americana, se pronunciou contrariamente a esta posição, afirmando queexistem diferenças entre essas duas decisões, quer do ponto de vista médico quanto legal. A tradição hipocrática tem acarretado que os médicos e outros profissionais de saúde sedediquem a proteger e preservar a vida. Se a eutanásia for aceita como um ato médico, osmédicos e outros profissionais terão também a tarefa de causar a morte. A participação naeutanásia não somente alterará o objetivo da atenção à saúde, como poderá influenciar,negativamente, a confiança para com o profissional, por parte dos pacientes. A AssociaçãoMundial de Medicina, desde 1987, na Declaração de Madrid, considera a eutanásia como sendoum procedimento eticamente inadequado. Jiménez de Asúa L. Libertad para amar y derecho de morir. Buenos Aires: Losada,1942:402-510.deBlois J, Norris P, O'Rourke K. A primer for health care ethics. Washington: Georgetown,1995:175-6,182.

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Admiraal P. Euthanasia and assisted suicide. In: Thomasma DC, Kushner T. Birth to death.Cambridge: Cambridge, 1996:210.

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QUINTA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

No dia 12 de junho, foi realizado o debate sobre “REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA”,tendo sido convidado como painelista o Dr. Eduardo Passos, médico ginecologista, Doutor emReprodução Humana pela Universidade de Milão e Coordenador do Setor de ReproduçãoHumana do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

TEMA:”REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA”

DATA: 12 de junho de 2003

LOCAL: Sala Professor Sarmento Leite

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Reprodução Humana Assistida:

Constatamos que alem das questões éticas, também surge a partir deste procedimento dereprodução uma série de implicações legais que carecem de um ordenamento jurídicoespecifico à questão. Os aspectos éticos mais importantes que envolvem questões de reprodução humanasão relativos a utilização do consentimento informado, seleção do sexo e doação deespermatozóides, óvulos e embriões. O tema abordado esta contido na ata n° 05/03. Seguem-se cópias de algumas lâminas apresentadas pelo Dr. Eduardo Pandolfi Passos em suapalestra nesta Comissão Especial da Bioética quando abordou o tema da reprodução humanaassistida.

Diagnóstico pré- natal :

Desde as primeiras semanas da gravidez já é possível diagnosticar anomaliascromossômicas e, portanto, verificar a realidade de enfermidades hereditárias. O diagnósticopré-natal traz à colação a questão da interrupção da gravidez quando dá concretoembasamento à conclusão de que o nascituro possa nascer com problemas graves eirreversíveis. Os mesmos procedimentos técnicos, que permitem comprovar a presença deenfermidades genéticas graves, podem ser empregados para determinar certas propriedades equalidades não patológicas, dando motivo à montagem de um ser sob medida, ou melhor,permitindo o exercício não ao direito de ter um filho , mas ao absurdo direito "a um certo filho"com características pré- estabelecidas, de encomenda, em suma.

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O NOVO CÓDIGO CIVIL

e a Inseminação Artificial

“A primeira grande indagação a se fazer sobre o tema é a seguinte: pode a mulherdecidir sozinha pela implantação do embrião excedentário posteriormente à dissolução docasamento, compelindo o ex-marido a assumir uma paternidade?”

“A segunda questão, é ainda mais complexa: qual o destino a ser dado aos embriõesexcedentários?”

A palavra inseinação vem de insiminare, que significa a introdução ou do sêmen ou já doóvulo fecundado no útero da mulher. Diz-se que a inseminação é homóloga quando realizadacom sêmen originário do marido e heteróloga quando feita com sêmen de terceira pessoa. Podea inseminação artificiar ser, ainda, post mortem, quando feita com sêmen ou embriãocongelado, após a morte do doador.

As duas principais técnicas de inseminação artificial são o método ZIFT, tambémchamado de fecundação in vitro, vale dizer, fora do corpo da mulher, e o método GIFT, onde ogameta é introduzido artificialmente no corpo da mulher, dentro do qual ocorre a fecundação.

As técnicas de inseminação artificial representam, induvidosamente, realidade científicade amplo alcance social que não poderia ser desconsiderada pelo legislador infraconstitucional.

O novo Código Civil reconhece essa realidade e estabelece, em seu art. 1.597, apresunção de paternidade em favor dos filhos havidos por inseminação artificial mesmo quedissolvido o casamento ou falecido o marido.

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CLONAGEM

Presentemente este é um dos temas mais polêmicos e explosivos da ciência, ou seja, apossibilidade de clonar seres humanos; aberta pelas experiências concretas da criação declones de outras espécies animais.

A clonagem é uma forma de reprodução assexuada, produzida artificialmente e baseada numúnico patrimônio genético. Os indivíduos resultantes deste processo terão as mesmascaracterísticas genéticas cromossômicas do indivíduo doador, ou também denominado deoriginal.

A Lei de Biosegurança veda em seu inciso II, a manipulação genética de células germinaishumanas. Entretanto, as técnicas de clonagem aplicadas em animais poderiam contribuir emmuito nos estudos de diferenciação e envelhecimento celular, no conhecimento dodesenvolvimento embrionário, na determinação com precisão da influência do meio ambienteem suas diferentes características genéticas, na produção de novos medicamentos, naprodução de órgãos destinados a transplantes e na criação de bio modelos experimentais maisconfiáveis.

Optamos pela transcrição do texto intitulado " Clonagem humana: contras e prós" da DraMayana Zatz. A autora é professora titular de genética, coordenadora do Centro Estudos doGenôma Humano (Departamento de Biologia do Instituto de Biociências) e Presidente daAssociação Brasileira de Distrofia Muscular. Alguns prêmios recebidos pela autora do texto:

Mérito Científico e tecnológico do Estado de São Paulo (2000)

Ordem Nacional de Grã Cruz do Mérito Científico

Prêmio UNESCO/ L'Oreal "Women in Sciences", como melhor cientista da América Latina(2001)

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Clonagem humana: contras e prós

MannaZatz

INTRODUÇÃO

Desde o anúncio do nascimento da ovelha DoIly, em 1997, o assunto de clonagem nãosai da mídia. Entretanto, ele realmente pegou fogo no ano passado com dois anúnciosbombásticos. O primeiro, divulgado pelo médico italiano Salvatore Antinori e pela bioquímicafrancesa Brigitte Boisselier, fala em recrutar casais para clonar seres humanos. O segundo, dolaboratório americano " Advanced CeIl Therapy" , divulga ter conseguido produzir o primeiroclone humano para fins terapêuticos nesse laboratório. A tecnologia de clonagem para gerarcópias de seres humanos - a clonagem reprodutiva -, ou para fabricar tecidos ou órgãos aclonagem terapêutica têm muito em comum. Entretanto, enquanto a primeira é condenadapelos cientistas e pela sociedade em geral a clonagem para fins terapêuticos é apoiada pelamaioria dos pesquisadores. Por que isto? Qual é a diferença entre clonagem reprodutiva eclonagem terapêutica? Quais são os riscos e os possíveis benefícios nos dois procedimentos? Eo que vamos tentar entender a seguir:

O QUE É UM CLONE E QUAL FOI A GRANDE REVOLUÇÃO TRAZIDA PELA DOLLY ?

De acordo com Webber (1903), um clone é definido como uma população de moléculas,células ou organismos que se originaram de uma única célula e que são idênticas à célulaoriginal e entre elas. A clonagem é um mecanismo comum de propagação da espécie emplantas ou bactérias. Em humanos, os clones naturais são os gêmeos idênticos que se originamda divisão de um óvulo fertilizado. A grande novidade da DoIly, que abriu caminho para apossibilidade de clonagem humana foi a demonstração, pela primeira vez, que era possívelclonar um mamífero, isto é, produzir uma c6pia geneticamente idêntica, a partir de uma "célulasomática diferenciada". Para entendermos porque esta experiência foi surpreendenteprecisamos recordar um pouco de embriologia.

Todos n6s já fomos uma célula única, resultante da fusão de um 6vulo e umespermatoz6ide. Esta primeira célula já tem no seu núcleo o DNA com toda a informaçãogenética para gerar um novo ser. O DNA nas células fica extremamente condensado eorganizado em cromossomos. Com exceção das nossas células sexuais, o 6vulo e oespermatoz6ide que tem 23 cromossomos, todas as outras células do nosso corpo tem 46cromossomos. Em cada célula, temos 22 pares que são iguais nos dois sexos, chamadosautossomos e um par de cromossomos sexuais: XX no sexo feminino e XY no sexo masculino.Estas células com 46 cromossomos são chamadas "células somáticas". Voltemos agora a nossaprimeira célula resultante da fusão do 6vulo e do espermatoz6ide. Logo ap6s a fecundação elacomeça a se dividir: uma célula em duas, duas em quatro, quatro em oito e assim por diante.Na fase de 8 a 16 células, as células do embrião se diferenciam em dois grupos: um grupo decélulas externas que vão originar a placenta e anexos embrionários, e uma massa de célulasinternas que vai originar o embrião propriamente dito. Ap6s 72 horas, este embrião, agora com

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cerca de 100 células, é chamado de "blastocisto". É nesta fase que ocorre a implantação doembrião na cavidade uterina. As células internas do blastocisto vão originar as centenas detecidos que compõem o corpo humano. São chamadas de células tronco totipotentes. A partirde um determinado momento estas células somáticas que ainda são todas iguais, começam adiferenciar-se nos vários tecidos que vão compor o organismo: sangue, fígado, músculos,cérebro, ossos etc. Os genes que controlam esta diferenciação e o processo pelo qual istoocorre ainda é um mistério. O que sabemos é que a partir daí " as células somáticas"diferenciadas perdem a capacidade de originar qualquer tecido. As células descendentes deuma célula diferenciada vão manter as mesmas características daquela que as originou, isto é,células de fígado vão originar células de fígado, células musculares vão originar célulasmusculares e assim por diante. Apesar do número de genes e do DNA ser igual em todas ascélulas do nosso corpo, os genes nas células somáticas diferenciadas se expressam de maneirasdiferentes em cada tecido, isto é, a expressão gênica é específica para cada tecido. Comexceção dos genes responsáveis pela manutenção do metabolismo celular (housekrepinggenes) que se mantêm ativos em todas as células do organismo, só irão funcionar em cadatecido ou órgão os genes imponentes para a manutenção deste. Os outros se mantêm"silenciados" ou inativos. A grande notícia da Dolly foi justamente a descoberta que uma célulasomática de mamífero, já diferenciada, poderia ser reprogramada ao estágio inicial e voltar aser totipotente. Isto foi conseguido por meio da transferência do núcleo de uma célula somáticada glândula mamária da ovelha que originou a Dolly para um óvulo sem núcleo.Surpreendentemente, este começou a comportar-se como um óvulo recém-fecundado por umespermatozóide. Isto provavelmente ocorreu porque o óvulo, quando fecundado, temmecanismos para nós ainda desconhecidos, para reprogramar o DNA de modo a tornar todos osseus genes novamente ativos, o que ocorre no processo normal de fertilização.

A diferença entre clonagem para fins reprodutivos e clonagem para fins terapêuticoscomeça agora.

O QUE É CLONAGEM REPRODUTIVA?

Na clonagem reprodutiva, este óvulo agora com o núcleo da célula somática, tem queser inserido em um útero como aconteceu com a Dolly. No caso da clonagem humana, aproposta seria retirar-se o núcleo de uma célula somática, que teoricamente poderia ser dequalquer tecido de uma criança ou adulto, inserir este núcleo em um óvulo e implantá-lo emum útero (que funcionaria como uma barriga de aluguel) .Se este óvulo se desenvolver teremosum novo ser com as mesmas características físicas da criança ou adulto de quem foi retirada acélula somática. Seria como um gêmeo idêntico nascido posteriormente.

Já sabemos que não é um processo fácil. Dolly só nasceu depois de 276 tentativas quefracassaram. Além disso, dentre as 277 células da mãe de Dolly que foram inseridas em umóvulo sem núcleo, 90% não alcançaram nem o estágio de blastocisto. A tentativa posterior declonar outros mamíferos, tais como camundongos, porcos e bezerros, também tem mostradouma eficiência muito baixa e uma proporção muito grande de abonos e embriões mal formados.Outro fato intrigante é que ainda não se tem notícias de macaco ou cachorro que tenha sido

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clonado. Mesmo assim, o italiano Antinori e a francesa Brigitte defende a clonagem humanapara gerar herdeiros para quem não pode ter filhos pelo método natural, um procedimento quetem sido proibido em todos os países. Além disso, a simples possibilidade de clonar humanostem suscitado discussões éticas em todos os segmentos da sociedade. Mas antes de pensar-senos aspectos éticos, vale a pena discutir quais são as dificuldades técnicas, quais são osgrandes riscos, quantas questões ainda não são conhecidas, tais como:

QUAL VAI SER A IDADE DO QONE QUANDO NASCER ? TERÁ A MESMA IDADE DE UMRECÉM-NASODO?

Esta preocupação surgiu ao verificar-se que o tamanho dos telômeros (as extremidadesdos cromossomos que diminuem de tamanho com o envelhecimento celular) estavamencurtados na ovelha Dolly (figura). Recentemente, descobriu-se que Dolly está com artrite,uma doença que só aparece em animais mais velhos confirmando portanto que ela estárealmente com um envelhecimento precoce. Além disso, pesquisadores do Japão acabam derelatar que camundongos clonados também têm vida mais curta e apresentam problemas comolesões hepáticas, pneumonia grave, tumores e baixa imunidade. Outros pesquisadores nãoobservaram uma redução no tamanho dos telômeros em bezerros clonados apesar de que estesanimais ainda não viveram o suficiente para verificar-se possíveis conseqüências da clonagem alongo prazo. De qualquer modo, isto mostra que esta questão, que é extremamente importantecontinua em aberto. Sugere que existem diferenças de acordo com a espécie animal e queportanto não podemos extrapolar achados em modelos animais para os humanos. Imagine-seagora uma criança com aspecto e doenças de um velho! Quem já viu uma criança afetada porprogeria, uma doença genética rara que causa um envelhecimento precoce e morte em médiaaos 13 anos de idade sabe que isto representa uma tragédia.

COMO IRÃO COMPORTAR-SE IS GENES DE IMPRlN11NG, OU SEJA GENES QUE SOFREM UMA EXPRESSÃO DIFERENIE DE ACORDO COM A ORIGEMPARENTAL?

Sabemos que existem alguns genes ou regiões cromossômicas que ficam normalmentesilenciadas (inativas) e que este processo de "silenciamento", que é muito bem controlado,depende da origem parental (às vezes materna e às vezes paterna). Isto é, em relação a estesgenes, o normal é ter-se somente uma cópia funcional e a outra "silenciada" (não funcional).Se, por um erro genético, uma criança receber duas cópias de um só genitor e nenhuma dooutro terá duas cópias não funcionais para esta região e isto poderá causar uma malformaçãoou doença genética. Podemos citar como exemplos, a síndrome de Prader-WIl1i (caracterizadapor distúrbios de comportamento e uma obesidade mórbida) ou a síndrome de Angelman (quecausa um retardo mental profundo e ausência de linguagem) que podem ser causadas se umacriança receber duas cópias do cromossomo 15 de um só progenitor (dissomia uniparental), oque seria de se esperar no caso de uma clonagem. Estima-se que temos cerca de 30 genes quesofrem este processo de imprinting apesar do número exato ainda não ser conhecido.

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SERÁ QUE AS CÉLULAS SEXUAIS FEMININAS NÃO SÃO MAIS PROTEGIDAS CONTRAMUTAÇÕES DELETÉRIAS DO QUE NOSSAS CÉLULAS SOMÁTICAS?

Nossos genes sofrem mutações espontâneas o tempo todo. Estas ocorrem durante areplicação do DNA, antes da divisão celular. Entretanto, como a maioria das nossas célulassomáticas se divide continuamente, esta mutação, se for prejudicial à célula, seráprovavelmente rapidamente eliminada. Além disso, se a mutação ocorrer em um gene que nãose expressa naquele tecido ela permanecerá neutra. Por exemplo, se ocorrer uma mutação emum gene que está em uma célula muscular mas cuja função é fabricar uma enzima hepática,ela será inócua pois não irá interferir no funcionamento do músculo. Entretanto, se esta mesmamutação estiver presente agora em um óvulo fecundado ou "clonado" ela será deletéria porqueirá se espalhar por todos os tecidos inclusive o fígado.

Ao contrário das células somáticas, que se dividem constantemente, isto não ocorre comos óvulos nas mulheres. Elas já nascem com o número total de óvulos apesar de quenormalmente só um amadurece por mês, durante o período reprodutivo A outra diferença emrelação às células somáticas do resto do corpo, aquelas que vão originar os gametas (masculinoe feminino) sofrem um processo chamado "meiose", onde após duas divisões celulares onúmero de cromossomos fica reduzido à metade. Entre o terceiro e quinto mês da vida fetal as"oogonias" (células que vão originar os óvulos) começam a primeira divisão meiótica.Entretanto, após este período entram em um estado de do11l1ência que persiste até apuberdade. Os óvulos só vão completar o processo de meiose (transformando-se portanto emum óvulo maduro) somente após a fertilização pelo espermatozóide. Por isso a pergunta: seráque todo este processo não protege as células reprodutoras contra mutações deletérias?

O DIAGNÓSTICO PRÉ- NATAL PERMITIRÁ QUE SEJAM IDENTIFICADOS FETOSMALFORMADOS OU PORTADORES DE MUTAÇÕES DELETÉRIAS?

Segundo os defensores da clonagem humana será possível identificar fetos defeituososou com mutações patológicas logo no início da gestação e evitar assim o seu nascimento. Defato, a ultrosonografia e a análise dos cromossomos permite hoje identificar a maioria dasmalformações fetais. Entretanto, sabemos que existem mais de sete mil doenças genéticas. Asmalformações congênitas ou as aberrações cromossômicas (no número ou estrutura doscromossomos) representam uma proporção pequena entre elas. A grande maioria das doençasgenéticas é causada por mutações em um ou mais genes e é esta a grande dificuldade. Comodetectar mutações deletérias nos mais de 30 mil genes humanos? Algumas doenças, como afibrose cística, podem ser causadas por cerca de mil mutações diferentes em um único gene!Além disso, existem centenas de doenças graves, como as distrofias musculares progressivas,causadas por mutações gênicas e que só aparecem após o nascimento. Dizer portanto que serápossível evitar o nascimento de crianças com doenças genéticas é uma utopia porque hoje étecnicamente impossível detectar todas estas mutações em um feto.

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E A FERTILIZAÇÃO "IN VITRO" NÃO É A MESMA COISA?

De acordo com Brigitte Boisselier a técnica de fabricar cópias humanas seria um métodoalternativo à reprodução, assim como a fertilização assistida adotada por casais inférteis ouhomossexuais. Os defensores da clonagem humana argumentam que a fertilização invitro,quando iniciada há 20 anos, também gerou protestos mundiais e hoje temos milhares decrianças que nasceram graças a esta tecnologia. Entretanto, a grande diferença entre as duastecnologias é que na reprodução assistida utilizam-se as células sexuais, o óvulo e oespermatozóide que foram programados para esta função e passaram pelo processo dagametogênese (formação de gametas ) e da meiose. A fertilização assistida simplesmentefacilita o encontro do óvulo e do espermatozóide quando isto não ocorre naturalmente e nãopressupõe o uso de outras células, como as células somáticas, que não foram programadaspara gerar um novo ser humano.

Depois de todos estes argumentos contra a clonagem humana, quais são os aspectospositivos? O lado bom é que experiências com animais clonados têm nos ensinado muito acercado funcionamento celular e abrem novas perspectivas terapêuticas.

O QUE É CLONAGEM TERAPÊUTICA ?

Se pegarmos este mesmo óvulo cujo núcleo foi substituído por um de uma célulasomática e, ao invés de inseri-lo em um útero, deixarmos que ele se divida no laboratório,teremos a possibilidade de usar estas células, que são totipotentes, para fabricar diferentestecidos. Isto abriria perspectivas fantásticas para futuros tratamentos porque hoje só seconsegue cultivar em laboratório células com as mesmas características do tecido onde foramretiradas. Por isso, o grande alarde da empresa americana Advanced Cell Therapy quandonoticiou, no fim de 2001, que havia conseguido em laboratório o primeiro clone humano.Infelizmente, a experiência divulgada por estes pesquisadores não foi nenhum sucesso porqueo embrião parou de dividir-se com seis células. É importante que as pessoas entendam que naclonagem para fins terapêuticos serão gerados só tecidos, em laboratório, sem implantação noútero. Não se trata de clonar um feto até alguns meses dentro do útero para depois retirar-lheos órgãos como alguns acreditam.

A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar rejeição se o doa- dor fosse a própriapessoa. Seria o caso, por exemplo, de reconstituir a medula em alguém que se tomouparaplégico após um acidente ou para substituir o tecido cardíaco em uma pessoa que sofreuum infarto. Entretanto, esta técnica tem suas limitações. Ela não serviria para portadores dedoenças genéticas como, por exemplo, um afetado por distrofia muscular progressiva quenecessita substituir seu tecido muscular. Além disso, se houver redução no tamanho dostelômeros as células clonadas teriam a idade do doador e não seriam necessariamente célulasjovens. Uma outra questão em aberto seria o comportamento dos genes de imprinting quepoderiam inviabilizar o processo dependendo do tecido ou do órgão a ser substituído. Emresumo, por mais que sejamos favoráveis à clonagem terapêutica, trata-se de uma tecnologiamuito cara e com limitações importantes. Por este motivo, a grande esperança vem não daclonagem mas da utilização de células-tronco de outras fontes que podem ser obtidas de: a)

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indivíduos adultos; b) sangue do cordão umbilical e placenta; c) embriões não utilizados quesão descartados em clínicas de fertilização. Em relação às células-tronco de adultos e de cordãoumbilical, ainda não sabemos se são totipotentes ou pluripotentes (capazes de gerar algunstecidos mas não todos). Se as pesquisas com células-tronco de cordão derem os resultadosesperados, este será certamente o material ideal porque não envolveria questões éticas. Opróximo passo seria a criação de bancos públicos de cordão. Por outro lado, se células-troncode cordão não forem totipotentes, a saída será o uso de células-tronco embrionárias.

ASPECTOS ÉTICOS

O maior problema ético relacionado hoje com a clonagem reprodutiva é o enorme riscobiológico de que sejam gerados embriões mal formados ou indivíduos com doenças genéticasgraves. Mas imaginemos que estas questões sejam resolvidas e que no futuro seja possível aclonagem reprodutiva humana. Surgem então as questões éticas: .• Por que clonar? • Quem deveria ser clonado? • Que características escolher ? .Quem decide? • O que será feito com os clones que nascerem defeituosos? • Pessoas dispostas a se auto-clonar, a tentar clonar um filho ou um ente querido falecido ou

casais sem filhos estão conscientes acerca do risco enorme de doenças genéticas quepodem aparecer no clone?

• E se ocorrerem problemas mais tarde (na segunda ou terceira década) quem seresponsabiliza?

E em relação à clonagem terapêutica, quais seriam os argumentos contra?

• Isto pode abrir caminho para clonagem reprodutiva humana. .Geraria um comércio deóvulos.

• Haveria destruição de " embriões humanos " e não é ético destruir uma vida para salvaroutra.

Apesar destes argumentos, a clonagem para fins terapêuticos é apoiada pela maioria doscientistas e principalmente pelas pessoas que poderão se beneficiar por esta técnica. Emrelação a abrir caminho para a clonagem reprodutiva, devemos lembrar que existe umadiferença intransponível entre os dois procedimentos: a implantação ou não em um úterohumano. A cultura de tecidos é uma prática comum em laboratório, apoiada por todos. A únicadiferença no caso seria o uso de óvulos (que quando não fecundados são apenas uma célula)que permitiria a produção de qualquer tecido no laboratório.

Quanto ao comércio de óvulos, não seria a mesma coisa que ocorre hoje comtransplante de órgãos? Não é mais fácil doar um óvulo do que um rim? Cada uma de nós podese perguntar: você doaria um óvulo para ajudar alguém? Para salvar uma vida?

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Em relação à destruição de "embriões humanos", novamente devemos lembrar queestamos falando de cultivar tecidos, ou futuramente órgãos, que nunca serão inseridos em umútero. Se pensarmos que qualquer célula humana pode ser teoricamente clonada e gerar umnovo ser, poderemos chegar ao exagero de achar que toda vez que tiramos a cutícula ouarrancamos um fio de cabelo, estamos destruindo uma vida humana em potencial.

Em resumo, é extremamente importante que as pessoas entendam a diferença entreclonagem humana e clonagem terapêutica antes de se posicionar contra as duas tecnologias. Acomunidade Européia, o Canadá e a Califórnia (EUA) acabam de aprovar pesquisas com célulasembrionárias de embriões até 14 dias. É fundamental que nossa legislação apoie também estaspesquisas porque elas poderão salvar milhares de vidas!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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derived from fetal and adult mammalian cells. Nature 385 810-813

Resumo

Desde o anúncio da Dolly, o primeiro mamífero clonado a partir da transferência donúcleo de uma célula somática para um óvulo sem núcleo, assuntos relaciona- dos comclonagem humana 1êm sido publicados constantemente pela imprensa. A maioria dos cientistasé contra a clonagem reprodutiva considerando-se o risco gigantesco de se gerarem fetosanormais ou crianças com doenças genéticas graves. Entretanto, o uso desta tecnologia parafins terapêuticos, a clonagem terapêutica ou tecnologia de transferência de núcleos poderá seraltamente benéfica para tratar inúmeras doenças degenerativas como as distrofias musculares,doença de Alzheinler ou diabete.

Neste artigo estamos explicando de maneira resumida as diferenças entre clonagemreprodutiva e clonagem terapêutica, quais são as diferentes fontes de células-tronco e porque anossa legislação deveria apoiar pesquisas com células-tronco embrionárias para o tratamentode doenças neurodegenerativas .

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SEXTA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

No dia 7 de julho de 2003, foi realizada o debate sobre “BIOPIRATARIA E A LEI DEACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS”, tendo sido convidado como painelista o Dr. EduardoVélez , formado em Biologia pela UFRGS, com mestrado em Ecologia pela UFGS, Diretor doMuseu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do RS e atualmente Diretor doDepartamento de Patrimônio genético do Ministério do Meio Ambiente.

TEMA: “BIOPIRATARIA E A LEI DE ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS”

DATA: 12 de julho de 2003

LOCAL: Sala Professor Sarmento Leite

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BIOPIRATARIA:

Significa toda apropriação irregular de material biológico, independente da finalidade, semconsentimento do detentor ou do país de origem.

No momento tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 7211 para que a biopiratariaseja enquadrada na categoria de crime ambiental.

Pode-se utilizar como exemplo o tráfico de animais e num conceito estrito, seria aapropriação e uso de material biológico sem reconhecimento de origem e sem anuência do localde origem.

O palestrante da reunião que tratou da biopirataria foi o Dr. Eduardo Vélez, Diretor doDepartamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente.

ZH 10/07/2003-08-05

Alemães condenados por pirataria

A Justiça Federal do Amazonas condenou osalemães Dirk Helmut Reinecke e TinoHammel por biopirataria e contrabando. Eleshaviam sido presos no aeroporto de Manaus,em fevereiro, tentando levar para aAlemanha peixes ornamentais cuja venda éproibida.Como os alemães não tinham antecedentes,a pena de um ano e quatro meses de prisãofoi substituída pelo pagamento de 50 saláriosmínimos, além dos custos do processo.Dos 18 espécimes apreendidos, trêspoderiam ser exportados com autorização. Os280 peixes estavam em seis caixas de isoporcobertas com um papel de alumínioinexistente no Brasil, impedindo que o Raio Xdo aeroporto detectasse a irregularidade.

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SÉTIMA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA COMISSÃO ESPECIAL DA BIOÉTICA

No dia 22 do mês de julho, a Comissão convidou o Teólogo, Sr. Antônio Mesquita Galvão parapalestrar sobre o tema : “ BIOÉTICA, a ética a serviço da vida – uma abordageminterdisciplinar.”

TEMA: BIOÉTICA, A ÉTICA A SERVIÇO DA VIDA – UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR

DATA: 22 DE JULHO DE 2003-07-24

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CONCLUSÃO

A Bioética apresenta intensa discussão, por vezes dramática, por algo que muitoschamam de mercado de órgãos humanos. Neste sentido, não se discute que os transplantestrazem benefícios às pessoas. Mas, este avanço de tecnologias médicas e da biociênciacertamente trouxe consigo contradições e outras necessidades à humanidade.

No que concerne, ao tema “reprodução humana assistida” existe muitas indagaçõessob o aspecto legal, por exemplo:

Pode a mulher decidir sozinha pela implantação do embrião excedentárioposteriormente à dissolução do casamento, compelindo o ex-marido a assumir umapaternidade?

Qual o destino a ser dado aos embriões excedentários?

Não menos importante é o debate concernente à transgenia, eutanásia, biopiratariae reprodução humana assistida, temas que fazem parte da bioética, sendo portanto, objeto dediscussão nesta pioneira Comissão Parlamentar criada na Assembléia Legislativa do Rio Grandedo Sul para discutir a ética da vida. Deste modo, recomendamos:

Encaminhar expediente à Comissão Permanente de Saúde e Meio Ambiente destaAssembléia Legislativa, objetivando dar seqüência ao debate aprofundado dos temas: doaçãode órgãos e tecidos, transgenia e reprodução humana assistida.

Agilizar a aprovação do Projeto de Lei nº 02/2003 (anexo) do Deputado GiovaniCherini que cria a Comissão Estadual de Bioética e Biosegurança.

Enviar cópia deste relatório ao Conselho Federal de Medicina objetivando a revisãoda Resolução l480/97, deste Conselho, com alterações no seu conteúdo e revogação do seuartigo que permite ao médico à adoção do teste da apnéia sem consentimento familiar, bemcomo da revogação do artigo 133 do Código de Ética Médica que proíbe os médicos de veicularconhecimentos científicos fora dos meios competentes.

Apoiar a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito , proposta já em estudona Câmara Federal, no sentido de investigar o tráfico de órgãos no Brasil.

Pelo acima exposto, e ainda pela qualificação dos painelistas, importância dostemas abordados, e pela constatação de que o estupendo avanço da biociência não foidevidamente acompanhado por um ordenamento jurídico compatível com este avanço,percebemos uma espécie de “vácuo” legal, quer pela inexistência de leis quer pela ineficácia deoutras, também recomendamos o envio deste relatório à bancada gaúcha de DeputadosFederais e Senadores.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VALLE, Silvio e TELLES, José Luiz; - Bioética & Biorrisco,abordagem Transdisciplinar; Editora Interferência; 2003 / RJ.

SÉGUIN, Élida;- BIODIREITO – Editora Lumen Júris Ltda.,2001;

RJ.GARRAFA, V. ; - O Mercado de EstruturasHumanas. – Bioética. rasília: Conselho Federal de Medicina, Vol. 1 nº 2, 1993. P. 115-123

GIOVANNI, Berlinguer e GARRAFA , Volnei. – A última mercadoria: A compra, avenda e o aluguel de partes do corpo humano. – Humanidades (8), pg. 315 a 326 -1992.

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ANEXOS

PROJETO DE LEI N° 2/2003 - Deputado Giovani Cherini Cria a Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança doRio Grande do Sul e dispõe sobre a pesquisa, a produção,o plantio, a comercialização, o armazenamento, otransporte, a manipulação e a liberação no meio ambientede organismo geneticamente modificado (OGM) e deproduto que contenha ou tenha utilizado OGM emqualquer fase de seu processo produtivo no Estado, e dáoutras providências.

Art. 1° – É criada a Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança, órgão consultivo, normativoe deliberativo, com jurisdição em todo o Estado do Rio Grande do Sul, composto por membrosefetivos e suplentes designados pelo Governador do Estado, e constituído, paritariamente, porrepresentantes do poder público e da sociedade civil nas áreas de saúde, agricultura, pecuária,meio ambiente, biotecnologia, bioética, biossegurança, recursos genéticos, defesa doconsumidor, segurança alimentar, doação de órgãos e tecidos, clonagem, reprodução humana,diagnóstico pré-natal, transgenia, eutanásia e filiações em uniões homossexuais.

Art. 2º – A Comissão de que trata o artigo anterior terá as seguintes competências:

I – analisar e emitir parecer sobre temas que envolvam a vida, em qualquer de suas formas,em face de questões como a transgenia, a clonagem, a fertilização artificial, a gestação, afiliação em uniões homossexuais, a eutanásia, a doação de órgãos e tecidos, os alimentostransgênicos, biopirataria e outros;

II – analisar e emitir parecer sobre a produção, a comercialização, o armazenamento, otransporte, a manipulação e a liberação no meio ambiente de organismos geneticamentemodificados (OGM) ou produto que contenha ou tenha utilizado OGM em qualquer fase de seuprocesso produtivo;

III – colaborar com a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) nas matérias desua competência;

IV – recomendar aos órgãos de vigilância sanitária a cassação ou a suspensão do registro deOGM ou produto que contenha ou tenha utilizado OGM em qualquer fase de seu processoprodutivo que não atenda ao disposto na legislação pertinente;

V – propor e divulgar normas técnicas de segurança alimentar, ambiental e de saúde relativas àpesquisa, à comercialização, à manipulação e à liberação no meio ambiente de OGM ou produtoque contenha ou tenha utilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo;

VI – propor e divulgar normas técnicas a respeito de qualquer matéria de sua competência,

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ademais do previsto no inciso anterior;

VI – promover e divulgar estudos e pesquisas sobre matéria de sua competência;

VII – apresentar subsídios à regulamentação técnica necessária à implementação desta lei;

VIII – escolher e sugerir ao Poder Executivo os órgãos estaduais competentes para autorizar aexecução de atividades que envolvam questões de sua competência.

Parágrafo único: É facultado à Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança a constituição deum Grupo Técnico Assessor, com função consultiva, formado por profissionais com reconhecidoconhecimento técnico-científico nas áreas de competência da Comissão.

Art. 3º – A pesquisa, a produção, o plantio, a comercialização, o armazenamento, o transporte,a manipulação e a liberação no meio ambiente de OGM -ou de produto que contenha ou tenhautilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo observarão, além do estabelecido nalegislação federal em vigor, as normas fixadas nesta lei.

Art. 4° – Para a consecução dos objetivos previstos nesta lei, o Poder Executivo manterácadastro das instituições que exercem as atividades descritas no Art. 3° e fiscalizará qualqueratividade ou projeto realizados no Estado que envolvam OGM ou produto que contenha outenha utilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo.

Art. 5° – O experimento de campo que envolva OGM ou produto que contenha ou tenhautilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo depende de Estudo e Relatório deImpacto Ambiental (EIA/RIMA) e do respectivo licenciamento no órgão competente.

§ 1° O EIA/RIMA referente a atividade ou projeto desenvolvido por instituição pública ouprivada de ensino ou pesquisa poderá ser realizado pela própria entidade, desde que habilitadapelo órgão estadual competente.

§ 2° Ficam dispensadas do licenciamento de que trata o caput deste artigo as atividades depesquisa científica que envolvam OGM desenvolvidas por instituições que detenham oCertificado de Qualidade em Biossegurança, de que tratam o § 3° do Art. 2° da Lei Federal n°8.974, de 5 de janeiro de 1995, e o Art. 8° do Decreto Federal n° 1.752, de 20 de dezembro de1995;

§ 3º – Todo projeto, mesmo enquadrado na hipótese prevista no parágrafo anterior, deverá serencaminhado à Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança.

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Art. 6° – O projeto de pesquisa que envolva OGM ou produto que contenha ou tenha utilizadoOGM em qualquer fase de seu processo produtivo, observados o disposto no Art. 3° e asnormas de biossegurança, será precedido de:

I – inscrição no cadastro de que trata o Art. 4° desta lei;

II – parecer favorável da Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança;

III – autorização das Secretarias de Estado da Agricultura e Abastecimento, do Meio Ambiente,da Saúde e da Ciência e Tecnologia, diante das especificidades do projeto, conforme definição eindicação da Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança.

Parágrafo único Fica dispensada da autorização a que se refere o inciso III deste artigo ainstituição de pesquisa científica que detenha o Certificado de Qualidade em Biossegurança,mencionado no § 2° do Art. 4° desta lei.

Art. 7° – Para produzir, armazenar, transportar, manipular ou liberar no meio ambiente OGM ouproduto que contenha ou tenha utilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo, emescala industrial ou comercial, as entidades e instituições, públicas ou privadas, observarão asseguintes exigências:

I – comprovação do registro do produto no órgão competente;

II – inscrição no cadastro de que trata o Art. 4° desta lei;

III – apresentação dos resultados de análise de risco à saúde humana, a ser obtido junto aestabelecimento técnico autorizado pela Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança;

IV – parecer favorável da Comissão Estadual de Bioética e de Biossegurança;

V – autorização das Secretarias de Estado da Agricultura e Abastecimento, do Meio Ambiente,da Saúde e da Ciência e Tecnologia, no âmbito de suas respectivas competências, conformedefinição e indicação da Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança.

Art. 8° – O descumprimento do disposto nesta lei constitui infração administrativa e sujeita seusresponsáveis às seguintes penalidades, que poderão ser cumulativas, sem prejuízo de outrassanções cíveis e penais cabíveis:

I – apreensão de produtos, máquinas e equipamentos;II – suspensão da atividade;III – interdição de área;

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IV – multa;

V – reparação de danos.

Art. 9° – Compete às Secretarias de Estado acima designadas, dentro de suas competências eobservado parecer técnico conclusivo da Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança:

I – manter cadastro atualizado de OGM ou produto que contenha ou tenha utilizado OGM emqualquer fase de seu processo produtivo e das pessoas físicas e jurídicas que desenvolvamatividades a eles relacionadas, observado o disposto nos arts.6° e 7° desta lei;

II – fiscalizar e monitorar a pesquisa, a produção, o plantio, a comercialização, oarmazenamento, o transporte, a manipulação e a liberação no meio ambiente de OGM ou deproduto que contenha ou tenha utilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo;

III – autorizar a realização de projeto ou atividade que envolva OGM ou produto que contenhaou tenha utilizado OGM em qualquer fase de seu processo produtivo, nos termos do dispostonos arts.6° e 7° desta lei;

IV – aplicar as penalidades previstas nesta lei e nas Lei federais n° 8.974, de 5 de janeiro de1995, e n° 9.605, de 12 de fevereiro de1998, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Art. 10 – A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Rio Grande do Sul -(FEPAGRO)destinará recursos orçamentários específicos para o financiamento de projetos, atividades,treinamento e capacitação do corpo técnico do Estado relacionados com as pesquisas queenvolvam matérias de competência da Comissão Estadual de Bioética e Biossegurança.

Parágrafo único Os recursos provenientes da aplicação e cobrança de multas previstas no artigo8º, retro, serão utilizados no custeio das atividades que envolvam as matérias de que trata estalei, especialmente no treinamento e capacitação de servidores que trabalhem com bioética ebiossegurança junto às Secretarias de Estado acima nominadas.

Art. 11 – As empresas que já exercem atividades relacionadas com OGM ou produto quecontenha ou tenha utilizado OGM, ou outras matérias de interesse desta lei, em qualquer fasede seu processo produtivo, têm o prazo de cento e oitenta dias, contados da publicação destalei, para se adaptarem às suas exigências.

Art. 12 – Esta lei será regulamentada pelo Poder Executivo, ouvida a Comissão de Bioética eBiossegurança.

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Art. 13 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Sessões, 17 de fevereiro de 2003.

Deputado Giovani Cherini – PDT

JUSTIFICATIVA

Poucos temas se revestem de atualidade, relevância e, por que não dizer, de enigma, confusãoe até medo, como os relativos à genética nos tumultuados dias de hoje – é clonagem, éreprodução assexuada, é filiação de casais homossexuais, é transgênicos, é organismosgeneticamente modificados – enfim, uma série de questões a desabar todos os dias sobrenossas cabeças, especialmente pelos meios de comunicação social, a nos preocupar a todos,parlamentares, educadores, religiosos, pais de família, cidadãos em geral.

Não é possível que não tenhamos, ainda, um órgão realmente preparado para o enfrentamentodestas questões e que nos subsidie a todos, que permitam a nós todos tomar conhecimentodestes acontecimentos todos sob todos os seus aspectos, não só o espetaculoso, que é o quegeralmente chama a atenção e é explorado ad exaustum pela mídia, e toma conta de nossasrodas de conversa, mas, muito especialmente, do ponto de vista científico e MAIS: DASEGURANÇA E DA ÉTICA!

A capacidade humana de avançar nos mais variados campos da ciência e da cultura, deestabelecer conexões antes inimaginadas entre os mais distintos segmentos da técnica,desenvolvendo, assim, de forma assombrosa, novos conceitos e novas tecnologias, chegandoao espantoso caso de desenvolver a própria vida a partir de qualquer segmento de qualquer servivo – de uma única célula, até mesmo, reconstituindo ou, melhor dizendo, constituindo umnovo ser, em tudo semelhante à matriz original!

E o que pensar, dizer e decidir sobre tudo isso?

Na verdade, estas questões são, sob certos aspectos, nem tão novas assim, se verificarmos quealgumas civilizações, ou povos, há milênios praticam uma espécie de seleção natural com aspróprias mãos, às vezes sob o manto eufemístico do ritual religioso, de modo a eliminar seres

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gerados defeituosamente, ou, o que nos parece ainda mais repugnante, para assegurar umprimeiro filho varão, fato que até hoje se dá em certo recônditos do Planeta, como, porexemplo, entre tribos aborígenes australianas e neo-zelandesas.

No mundo vegetal, estas experiências foram tocadas celeremente, ao ritmo das necessidadesde produção, de comercialização e de transporte, em nome da lei intocável do lucro maior aomenor custo.

Hoje, contudo, o tema da manipulação dos genes e da própria vida, enfim, nos causadesconforto, para dizer o mínimo. E não são, nem serão, poucos os que se travestem e setravestirão de profetas de um novo mundo, quem sabe com alguma razão, quem sabe semnenhuma, a pretender conduzir nosso entendimento, nossas convicções e nossos destinosneste novo e empolgante milênio, por estas sendas até então jamais percorridas, de clonagens,de transplantes, de eutanásia, de aborto, de fertilização artificial, de filhos de uniões não-heterossexuais etc etc.

Julgamos mais do que tempo de se constituir, no Estado, sempre pioneiro, um organismo quenos auxilie tecnicamente nestes temas. Com este projeto, queremos formar uma Comissão dealto nível, integradas por eminentes cidadãos das áreas pública e privada, dotados de saber, desensibilidade, de visão, de afeto e de profundo amor à vida, capazes, portanto, de tomarconhecimento, de aprofundar, de ampliar, de debater e de definir posicionamentos em relaçãoa cada um destes complexos assuntos ligados à genética, à reprodução da vida, à família, àalimentação, ao meio ambiente, sempre sob o ponto de vista inafastável da Segurança e daÉtica.

Creio, verdadeiramente, que, com a aprovação desta iniciativa, para o que conto com o apoio ea contribuição de todos os meus colegas Parlamentares, o Rio Grande do Sul, por este colendoParlamento, não só estará agregando ao seu dia a dia um importantíssimo órgão de consulta,de deliberação, como estará prestando, outra vez, inestimável serviço a toda a Nação brasileirae, por que não, ao Mundo inteiro, tamanha a relevância da matéria a ela confiada.

Sala das Sessões, 17 de fevereiro de 2003.

Deputado Giovani Cherini – PDT

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Os Deputados abaixo firmados aprovam o Relatório Final destaComissão Especial

Sala das Sessões, em 1º de agosto de 2003.

Deputado Giovani Cherini - PDT

Presidente.

Deputado Pedro Westphalen Deputado Adroaldo Loureiro - PDT

Relator Vice-Presidente.

Deputado Márcio Biolchi - PMDB Deputado Marco Alba (Suplente)

Deputado Eliseu Santos - PTB Deputado Paulo Brum - PSDB