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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
JULIA DE OLIVEIRA RUGGI
COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO
SOBRE GÊNERO (2011-2012)
CURITIBA
2015
JULIA DE OLIVEIRA RUGGI
COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO
SOBRE GÊNERO (2011-2012)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná como requisito para obtenção de titulo de Mestre em Ciência Política. Orientador: Prof. Dr. Fabrício Tomio
CURITIBA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
JULIA DE OLIVEIRA RUGGI
COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO
SOBRE GÊNERO (2011-2012)
Dissertação aprovada como requisito para obtenção de titulo de Mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora: Orientador: ______________________________ Prof. Dr. Fabricio Ricardo de Limas Tomio Programa de pós-graduação em Ciência Política, UFPR ______________________________ Prof. Dr. Rodrigo Rossi Horochoviski Programa de pós-graduação em Ciência Política, UFPR _______________________________ Prof. Dr. Rodrigo Luis Kanayama Programa de pós-graduação em Direito, UFPR
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente ao meu marido, Rafael, por acreditar tanto em mim
e estar sempre presente, nosso amor me faz querer sempre ser uma pessoa melhor.
Ao meu filho, Daniel, que esperou a banca de qualificação para nascer e desde
então só tem dado mais sentido para a vida.
Agradeço aos meus pais, que colocaram a minha educação como o norte.
Vocês seguraram a minha mão enquanto eu não conseguia caminhar sozinha e
seguram até hoje porque é mais gostoso caminharmos juntos. Agradeço às minhas
irmãs, Ma e Le, minhas melhores amigas, que ajudam a manter meus pés no chão.
Sou muito grata ao meu orientador, Fabrício Tomio, pela direção,
competência e suporte. Também a todos/as os/as professores/as do programa de
Pós-Graduação em Ciência Política, em especial Rodrigo Horochovski e Sergio
Braga, pelas valiosas sugestões na banca de qualificação.
Agradeço aos colegas do mestrado, pela amizade e cumplicidade,
principalmente para as mulheres fantásticas da turma, que imprimiram um colorido
especial a esta experiência: Ana Paula, Jaqueline, Karolina, Maria Leonor, Mariana,
Nárila, Noeli, Paula e Viritiana.
Agradeço à Petrobrás, pela valorização dos/as empregados/as, e aos
queridos/as colegas de trabalho, pelo apoio e paciência durante a realização dos
créditos do mestrado.
Não posso deixar de agradecer ao meu avô João Vermelho, que ficava
realmente feliz discutindo política. E a minha avó Elza, que com todo o carinho fez a
minha vida mais doce. Agradeço também a Nicinha, que sempre torce por mim. E os
outros tantos amigos/as que me ajudaram nesse trajeto tão desgastante e
compensador.
Cabe uma reiteração de agradecimento às professoras Elza e Lennita, que
foram fundamentais na conclusão deste mestrado, revisando, incentivando e
criticando, sendo verdadeiras inspirações na vida acadêmica (e fora dela também).
Por fim, agradeço a Deus, por ter colocado tanta gente boa ao meu redor.
RESUMO
Este trabalho investiga as Comissões Permanentes na Câmara dos Deputados e
sua atividade legislativa relacionada a mulheres nos anos de 2011 e 2012. O
problema de pesquisa verifica dois pontos principais, que se complementam: a)
como se dá a distribuição de deputadas entre as comissões? b) como e em que grau
esta definição afeta o processo decisório nas propostas legislativas relacionadas a
gênero? Para tanto, averiguamos três conjuntos de dados em cinco comissões
selecionadas: 1- As deputadas e seu histórico partidário, profissional e familiar
relacionado à matéria da comissão de atuação; 2 - Propostas de emenda à
constituição e projetos de lei das deputadas que participaram das comissões; bem
como, a totalidade dos projetos votados pela rejeição ou aprovação nas comissões
estudadas; 3 - Por fim, as audiências públicas realizadas nas cinco comissões nos
anos de 2011 e 2012 e projetos de lei relacionados aos temas debatidos em
audiência. No intuito de responder as duas questões principais, trabalhamos com
modelos neoinstitucionalistas e testamos aspectos da hipótese informacional. Como
resultados da pesquisa, confirmamos a hipótese de que existe maior concentração
de mulheres em determinados temas de comissões e que as deputadas, em regra,
permanecem na mesma comissão por mais de um período legislativo. Por outro
lado, foi observado que a profissão anterior das parlamentares não guarda influência
direta com o assunto de cada comissão, e que as audiências públicas não balizam a
apresentação ou votação das proposições legislativas.
Palavras-chave: Comissões Legislativas. Legislação sobre gênero. Deputadas
Federais.
ABSTRACT
This paper investigates the Standing Committees in the House of Representatives
and its legislative activity related to women in 2011 and 2012. The research problem
verifies two main points, which complement each other: a) how is the distribution of
deputies among the commissions? b) how (and to what extent) this definition affects
the decision-making process in the legislative proposals related to gender?
Therefore, we examine three sets of data: 1 - The deputies and their party,
professional and family history related to the field of the chosen committee; 2 - Bills
proposed by female deputies that participated in commissions, as well as all the
projects that were voted for rejection or approval in the committees; 3 - Finally, the
public hearings held in the five commissions in 2011 and 2012 and bills related to the
issues debated at the reunion. In order to address the two key issues, we work with
neo-institutionalists models and test aspects of the informational hypothesis. As
results of the research, to give examples, we confirm the hypothesis that there is a
higher concentration of women in certain topics of commissions and that deputies
generally remain in the same committee for more than one legislative period. On the
other hand, it was observed that previous profession has no direct influence with the
subject of each commission and that public hearings do not affect the proposal or
vote on bills.
Key words: Legislative committees; legislation on gender; federal female deputies.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 -
DEPUTADAS TITULARES DAS COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DE DEPUTADOS – 2012........................................
39
TABELA 2 - FORMA DE APRECIAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI SOBRE
GÊNERO....................................................................................... 48
TABELA 3 - DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CE, CLP E
CTASP EM 2011 E 2012 E OS SINDICATOS MENCIONADOS NAS BIOGRAFIAS OFICIAIS........................................................
55
TABELA 4 - DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CE, CLP E
CTASP EM 2011 E 2012 E AS ASSOCIAÇÕES/ INSTITUTOS MENCIONADOS NAS BIOGRAFIAS OFICIAIS............................
56
TABELA 5 - DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CE, CLP E
CTASP EM 2011 E 2012 E AS ORGANIZAÇÕES PARA MULHERES MENCIONADAS NAS BIOGRAFIAS OFICIAIS.......
57
TABELA 6 - RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS INFORMACIONAIS........... 58 TABELA 7 - TOTAL DE PLS APRESENTADOS PELAS DEPUTADAS,
RESPECTIVOS PARTIDOS E PL RELACIONADOS A GÊNERO.......................................................................................
61
TABELA 8 - PROJETOS DE LEI SOBRE GÊNERO, DIVIDIDOS POR
TEMAS RECORRENTES.............................................................. 63
TABELA 9 - PROJETOS DE LEI SOBRE GÊNERO SEM PARECER DO
RELATOR, DIVIDIDOS POR TEMAS........................................... 68
TABELA 10 - PROJETOS ANALISADOS PELAS COMISSÕES NO ANO DE
2011............................................................................................... 69
TABELA 11 - PROJETOS ANALISADOS PELAS COMISSÕES NO ANO DE
2012............................................................................................. 69
TABELA 12 - REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NAS COMISSÕES
– 2011-2012.................................................................................. 75
TABELA 13 - AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REQUERIDAS POR DEPUTADAS –
2011-2012..................................................................................... 75
TABELA 14 - COMPARATIVO ENTRE PRESENÇA FEMININA, PROJETOS
ANALISADOS E AUDIÊNCIAS SOBRE GÊNERO....................... 76
TABELA 15 - PARTICIPAÇÃO DO EXECUTIVO NAS AUDIÊNCIAS
PÚBLICAS SOBRE GÊNERO – 2011-2012 79
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 - ANOS DE PERMANÊNCIA NA MESMA COMISSÃO DAS DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CTASP, CE E CLP................................................................................................
52
GRÁFICO 2 - TRAMITAÇÃO ATUAL DOS PROJETOS DE LEI SOBRE
GÊNERO APRESENTADOS PELAS DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CE, CSSF, CLP E CTASP NOS ANOS DE 2011/2012......................................................................................
66
GRÁFICO 3 - PORCENTAGEM DE MULHERES NO TOTAL DA BANCADA
DE CADA PARTIDO...................................................................... 70
GRÁFICO 4 - PLS SOBRE GÊNERO APRESENTADOS PELAS
DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CLP, CE, CTASP E CSSF EM 2011 E 2012, DIVIDIDOS POR PARTIDO...................
71
GRÁFICO 5 - TOTAL DE PLS APRESENTADOS PELAS DEPUTADAS
TITULARES DA CDHM, CLP, CE, CTASP E CSSF EM 2011 E 2012 E OS PL QUE POSSUEM RELAÇÃO COM GÊNERO.......
72
LISTA DE SIGLAS
CCJ Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CDEIC Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio
CDHM Comissão de Direitos Humanos e Minorias
CDU Comissão de Desenvolvimento Urbano
CE Comissão de Educação
CFFC Comissão de Fiscalização Financeira e Controle
CFT Comissão de Finanças e Tributação
CLP Comissão de Legislação Participativa
CREDN Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
CSSF Comissão de Seguridade Social e Família
CTASP Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público
DEM Democratas
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PDC Partido Democrata Cristão
PDS Partido Democrático Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PFL Partido da Frente Liberal
PL Partido Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN Partido da Mobilização Nacional
PP Partido Progressista
PPB Partido Pacifista Brasileiro
PPR Partido Progressista Renovador
PPS Partido Popular Socialista
PR Partido Republicano
PRB Partido Republicano Brasileiro
PRP Partido Republicano Progressista
PRN Partido Republicano Nacionalista
PSC Partido Social Cristão
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSD Partido Social Democrático
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PSP Partido Social Progressista
PT Partidos dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13
2. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E REVISÃO TEÓRICA: “Havendo número
regimental, declaro aberto os trabalhos.” ............................................................ 18
2.1 “NÓS, OS REPRESENTANTES DO POVO”: A Assembleia Nacional
Constituinte e o sistema de comissões permanentes. .......................................... 19
2.2 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA: “... um capítulo novo para a historia
do Brasil – o da collaboração feminina na politica do paiz.” .................................. 22
2.3 “REGRAS DO JOGO”: Revisão do campo teórico neoinstitucionalista sobre
comissões permanentes. ...................................................................................... 28
3. METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DAS HIPÓTESES: “(...) contém
disposições normativas referentes à sua estrutura política, organização e
funcionamento“. .................................................................................................... 39
4. DEPUTADAS E COMISSÕES PERMANENTES: “Homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. ................... 47
4.1 Distribuição das deputadas entre as comissões: “A mulher paga impostos, por
que proibir sua participação em regulá-los?” ........................................................ 49
4.2 PERFIL DAS DEPUTADAS: “Mãe, profissional, esposa. Vaidosa, batalhadora,
sensível.” .............................................................................................................. 52
5. PROPOSTAS LEGISLATIVAS: “...Câmara dos Deputados um centro de
debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos
direitos das mulheres no Brasil e no mundo” ..................................................... 61
6. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: “...não vai responder aos anseios da sociedade se
não ouvir essa sociedade.” ................................................................................... 74
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 86
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 91
13
1 INTRODUÇÃO
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos
Deputados foi objeto de grande polêmica no mês de março de 2013. O motivo da
controvérsia foi a indicação do pastor Marco Feliciano (PSC) para a presidência da
comissão, tendo em vista determinadas declarações públicas do deputado sobre
direitos dos homossexuais, das mulheres1 e questões de raça2. No dia da votação
que elegeu o presidente da comissão, os/as deputados/as Domingos Dutra (PT),
Erika Kokay (PT), Jean Wyllys (PSOL), Luiz Couto (PT) e Luiza Erundina (PSB) se
retiraram da sessão, que terminou com a eleição do pastor Marco Feliciano com
concordância de 11 deputados/as que permaneceram na reunião.
Este episódio chamou grande atenção da mídia e do público em geral para
as comissões parlamentares e seu sistema de funcionamento. O debate girou em
torno da representação ideológica conservadora dentro de uma Comissão que, em
regra, era dominada por partidos com viés de esquerda e se isso representaria
mudanças legislativas desfavoráveis a grupos que sofrem desvantagens estruturais3.
Houve preocupação em verificar a extensão da influência da CDHM na aprovação
de projetos de lei e, consequentemente, a influência do seu presidente dentro da
Câmara dos Deputados.
Este caso, um tanto quanto emblemático, ilustra o primeiro questionamento
para delimitar a presente pesquisa: quais são os parâmetros utilizados para a
composição de comissões que decidirão políticas públicas sem passar pelo
plenário? As indagações, em um primeiro momento, foram de cunho mais
abrangente, sobre o respeito à democracia e à representação política. Já em um
segundo momento, após leituras preliminares, o interesse passou a se fixar nas
1Em declaração dada em junho de 2012, em uma entrevista: “Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos.” Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/marco-feliciano-diz-que-direitos-das-mulheres-atingem-familia-7889259#ixzz3C0hIsQqr Acesso em 30/08/2014 2O deputado utilizou a rede social Twitter para postar a seguinte frase: "Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato.” A publicação ocorreu em março de 2011. 3 Optamos pela expressão utilizada por Young (1990) no lugar do termo “minorias”.
regras internas do Congresso que delegam determinadas competências e poderes
para as comissões. O interesse voltou-se também, para verificar como ocorriam as
votações dentro destes “microcosmos” da Câmara. Assim, por considerarmos que as
“regras do jogo” eram essenciais para o objeto estudado, o enfoque teórico da
pesquisa foi estabelecido com uma abordagem institucionalista.
Outro aspecto de crucial importância que motivou a presente pesquisa é a
questão da representação feminina na Câmara dos Deputados e seu impacto na
produção de legislação que verse sobre gênero. Em primeiro lugar tendo em vista a
diminuta participação de mulheres no legislativo. Segundo Teresa Sacchet (2009),
as vereadoras, deputadas e senadoras não ultrapassavam 15% das composições
legislativas no Brasil. Nas eleições de 2010, a Câmara Federal passou a contar com
43 mulheres, somando 8,7% em um universo de 513 parlamentares.
Na sequência, foi identificada a carência de pesquisas que abordem
comissões e gênero. Apesar de haver vários estudos sobre comissões de matéria,
bem como diversas pesquisas sobre representação política feminina e criação de
legislação voltada a gênero, não é tão comum encontrar trabalhos que pesquisem
esta intersecção. Assim, o esforço aqui será articular as teorias dessas duas
perspectivas da ciência política que não necessariamente dialogam entre si.
Parece igualmente relevante questionar se o grupo de mulheres eleitas
contribui de qualquer forma para a aprovação de leis com vieses feministas ou
pautas relacionadas a gênero. Em uma análise prévia (RUGGI e RUGGI, 2013) foi
possível verificar que há deputadas sem qualquer bandeira ligada aos direitos das
mulheres. O que acabou por intensificar ainda mais as dúvidas sobre como ocorrem
as decisões nos projetos de lei com políticas públicas em temas “femininos”. Quem
propõe? Quem faz a relatoria? Quem argumenta? Quem vota?
Assim, os dois principais interesses de pesquisa – comissões e gênero –
foram unidos para investigar as comissões permanentes na Câmara dos Deputados
e sua atividade legislativa relacionada a mulheres. Buscando delimitar o objeto, foi
estudado o intervalo de anos entre 2011 e 2012 em cinco comissões específicas:
Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF); Comissão de Direitos Humanos e
Minorias (CDHM); Comissão de Educação (CE); Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público (CTASP); e Comissão de Legislação Participativa
(CLP). Este recorte ocorreu por meio de critérios expostos na sessão que versa
sobre metodologia, levando em consideração a maior presença de deputadas
mulheres; bem como, a relevância nas temáticas de gênero.
O problema de pesquisa verifica dois pontos principais, que se
complementam: a) como se dá a distribuição de deputadas entre as comissões? b)
como e em que grau esta definição afeta o processo decisório nas propostas
legislativas relacionadas a gênero? No tocante ao recrutamento dos/as membros/as
das comissões, os principais questionamentos analisados são: se a experiência
anterior na comissão possui relevância nesta escolha? E, se a atividade
desempenhada anteriormente pelo/a congressista influi na decisão? Já no segundo
ponto, a intenção é avaliar o efetivo papel das comissões na Câmara dos
Deputados, se promovem debates sobre gênero, buscam informações e se detêm
poderes de mudança de status quo.
O primeiro capítulo introduz uma perspectiva histórica sobre o momento de
criação do sistema de comissões atual, partindo das atas da Assembleia Nacional
Constituinte de 1987 e 1988. Este momento inicial foi importante para localizar as
principais intenções dos/as congressistas ao estipular poderes em prol das
comissões. O que se observou é que os/as constituintes tencionavam dar mais
agilidade ao processo decisório, bem como, estabelecer uma “expertise” dos
deputados/as em determinados temas, levando a um debate mais técnico.
Após o relato sobre a constituinte, abordaremos – de forma não exaustiva –
a questão da representação política feminina. Esta fundamentação é relevante, pois,
além de ser um dos ensejos da pesquisa, delineia a perspectiva feminista da qual se
parte. Porém, frente ao amplo e profícuo debate feminista sobre representação
política, privilegiamos enfoques que consideram a democracia representativa como
um fato consumado e investigam as possibilidades de expansão da diversidade
intra-instituição política. Como é sabido, esse tema é muito amplo e rende grandes
debates; dentre as autoras dessa vertente, Iris Marion Young oferece alguns dos
mais relevantes princípios teóricos, assim, iremos nos ater às reflexões desta autora.
Ainda no primeiro capítulo, buscamos levantar as discussões teóricas mais
importantes sobre o sistema de comissões. Já se adianta que o congresso norte-
americano é o mais recorrente objeto de análise quando o assunto é comissão
parlamentar, desta feita, utilizamos muitos/as autores/as daquele país, bem como,
análises comparadas entre o caso estadunidense e brasileiro.
Na sequência é abordada a metodologia de pesquisa, explicando como se
deu a escolha das cinco comissões e, consequentemente, das 27 deputadas
estudadas, que juntas somam 58% da representação feminina na 54ª legislatura4.
No mesmo tópico, iremos apresentar as hipóteses de pesquisa. Levando em
consideração a bibliografia que ordinariamente considera que as comissões detêm
pouco poder no Congresso Brasileiro, a primeira hipótese é de que a esmagadora
maioria dos projetos de lei não seria apreciada de forma conclusiva pelas
comissões, mas sim, necessitaria da aprovação do plenário.
O terceiro capítulo apresenta dados sobre as deputadas: a qual partido
pertencem; qual era a ocupação antes de ingressar no congresso; se possuem
relação declarada com associações, sindicatos, movimento feminista, entre outros; e
se foram membras da mesma comissão por mais de ano legislativo. Nossa hipótese
é de que há concentração de mulheres em determinados temas de comissões e que
deputadas pertencentes a partidos de esquerda apresentariam um número maior de
projetos relacionados a gênero.
Após, apresentamos dados sobre os projetos de lei estudados. Optamos por
duas fontes de informações: a primeira abrange todos os projetos de lei e projetos
de emendas à constituição apresentados pelas 27 deputadas, membras titulares das
cinco comissões escolhidas, entre os anos de 2011 e 2012. A segunda fonte é
composta pelos projetos de lei votados no âmbito das cinco comissões no mesmo
período de tempo, tanto as votações pela rejeição como pela aprovação.
Nas duas fontes de dados, separamos os projetos de lei e emendas à
constituição com temática relativa a gênero e os analisamos de forma mais
detalhada, conforme se verá na sequência. Estas proposições legislativas foram
analisadas nos seguintes pontos: quem propôs; quem é o relator/a; qual é o tema;
tramitação até o ano de 2014; qual o resultado de eventuais votações.
No quinto e último capítulo, verificamos todas as audiências públicas
realizadas nas cinco comissões nos anos de 2011 e 2012, separando as que
abordam – ou teriam potencial para abordar – temáticas de gênero. Destas, foram
levantados dados sobre quem fez o requerimento, quais foram os/as participantes
convidados/as, análise do áudio dos discursos, se houve aprovação ou rejeição do
4 46 deputadas eleitas em 2010. Disponível: http://www2.camara.leg.br/a-camara/secretaria-da-mulher/coordenadoria-dos-direitos-da-mulher/a-bancada-feminina. Acesso em: 05.10.2014.
projeto de lei (para os casos em que a audiência especificava a lei em discussão); e
se houve proposta de novo projeto de lei tendo como justificativa o que foi debatido
em audiência. Buscou-se verificar se os/as convidados/as das audiências públicas
defendem o mesmo interesse do/a deputado/a propositor/a sobre determinado
projeto de lei. A nossa hipótese é que as comissões não necessariamente buscam
ampliar o debate dos projetos de lei em análise e não possuem relevância direta nas
votações e apresentação de projetos.
Com os dados apresentados no terceiro, quarto e quinto capítulos,
buscamos contribuir para testes empíricos das teorias sobre comissões e gênero. A
intersecção entre os dados e os aportes teóricos, levando às conclusões da
pesquisa será apresentada na última sessão. De qualquer forma, já se adianta que
as conclusões aqui mencionadas derrubaram determinadas pressuposições, como,
por exemplo, que partidos de esquerda seriam responsáveis pela maior produção
legal sobre gênero. Por outro lado, confirmaram outras teses como maior
concentração feminina em determinados temas. É claro que, por estudar apenas um
período de tempo e deputadas específicas, esta pesquisa não é exaustiva e deve
ser interpretada junto com outras contribuições. Bem como, ainda há muito campo
de trabalho para estudos futuros, já que, como mencionado anteriormente, a relação
entre comissões e gênero foi pouco pesquisada até o momento.
2 ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E REVISÃO TEÓRICA: “Havendo número
regimental, declaro aberto os trabalhos.”5
A primeira escolha metodológica da presente pesquisa foi focar na atividade
legislativa desenvolvida pela Câmara dos Deputados, não adentrando o processo
decisório do Senado. Isto porque, na divisão de atribuições do Congresso Nacional,
a Câmara deve ser composta pelos "representantes do povo", eleitos por sistema
proporcional; enquanto o Senado agrega representantes dos Estados e do Distrito
Federal, eleitos por princípio majoritário (art. 45 da Constituição Federal). Como
analisamos questões que englobam representação política feminina, a Câmara é o
objeto mais lógico.
Atualmente há vinte e uma Comissões Permanentes na Câmara dos
Deputados, cujas funções incluem analisar projetos de lei para parecer prévio ou
votação final. Os/as respectivos/as membros/as são designados/as pelo presidente
da Casa, com indicação das lideranças partidárias. Fica assegurada, “tanto quanto
possível”6, a participação proporcional dos partidos ou blocos parlamentares, sendo
que a Câmara prevê a inclusão de membro/a de minoria partidária, ainda que pela
proporcionalidade não lhe caiba lugar.
Em um primeiro momento, buscamos compreender como funciona o sistema
legislativo de comissões, questionando quais seriam os motivos pelos quais o
plenário abriria mão de parte de seu poder para que frações do número total de
deputados/as tomem decisões definitivas 7 . Para tanto, vamos trabalhar uma
perspectiva histórica do momento de criação das comissões.
5 Frase com a qual normalmente se iniciam as reuniões deliberativas nas comissões estudadas na Câmara dos Deputados. 6 “Art. 23. Na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar.” (Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Brasil, 1989). 7 “There are many aspects of legislative decision-making that, despite being discussed at length in the political science literature, are still not completely understood by scholarly research. One such question is why legislative bodies sometimes tie their own hands and give power to specialized committees, by granting restrictive rules to amending proposals, thereby giving committees agenda-setting power. Another open question is why many committees consist of preference outliers (members whose preferences are strongly biased, relative to the median legislator).1 Given that committees are granted some power, why would the legislature ever appoint preference outliers?” (AMBRUS, 2013, p. 2)
2.1 “NÓS, OS REPRESENTANTES DO POVO”: A Assembleia Nacional
Constituinte e o sistema de comissões permanentes.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988, p. 1).
Nosso primeiro esforço buscando entender o sistema de comissões no
Congresso Nacional é analisar quais as principais motivações externadas pelos/as
constituintes durante a votação da proposição e quais objetivos as citadas
comissões deveriam cumprir no estado de redemocratização. Para avaliar estes
discursos, nos ativemos ao diário da Subcomissão do Poder Legislativo, que
funcionou como parte integrante da Comissão de Organização dos Poderes e
Sistema de Governo, durante a Assembleia Constituinte.
Neste material, observou-se que os argumentos utilizados pelos/as
parlamentares para defender a criação das comissões, se agrupam em torno de
determinadas ideias apontando as comissões como forma de: a) aceleração do
processo legislativo; b) viabilizar o conhecimento técnico da matéria; e, c) equilibrar
os poderes executivo e legislativo. A emenda que deu origem ao sistema atual foi
tida como uma medida de modernização do Congresso, tornando o legislativo mais
eficiente e produtivo (FIGUEIREDO, 2001, p.43).
Os trabalhos da Subcomissão do Poder Legislativo se iniciaram com um
discurso do constituinte relator (o então deputado José Jorge, do PFL/PE)
defendendo que as comissões permanentes precisariam de determinadas
atribuições que fossem capazes de garantir maior participação política. O deputado
sugeriu que elas pudessem pedir informações, inclusive a ministros/as de Estado
(BRASIL, 1987/1988, p. 39). Disso decorreria um avanço no poder das comissões,
pois de acordo com a constituição anterior esta solicitação de informações a
ministérios de Estado só poderia ser autorizada pela mesa da Casa.
Uma vez que as comissões detivessem a função de buscar informações de
forma mais aprofundada, a faculdade de requisitar esclarecimentos seria
fundamental. Assim, o escopo de discussão da subcomissão já estava definido
desde o primeiro discurso, e, com a concordância dos participantes, foi aprovada a
emenda para sugerir que as comissões contassem com o poder de solicitar
informações a quem quer que fosse.
Ainda neste tema, a Subcomissão de Poder Legislativo convocou a Sra.
Sarah Abrão, funcionária da mesa do Congresso por quase 27 anos, para prestar
informações e dar sugestões às proposições constitucionais. Entre as colocações
feitas, a que nos interessa é a que trata da ineficácia dos debates técnicos dentro
das comissões, já que, segundo ela, os pontos mais debatidos eram de cunho muito
mais procedimental do que análise do mérito em si: “(...) as comissões não
examinam muito bem a parte técnica das matérias, ficando mais na parte política.
(...) matérias mais de regimento e não essencialmente do exame intrínseco.”
(BRASIL, 1987/1988, p. 101).
Esta preocupação com a necessidade de discussões mais técnicas também
foi levantada na fala do então ministro do Supremo Tribunal Federal, Célio Borja. Ele
defendeu a descentralização da atividade parlamentar, não apenas para dar maior
celeridade ao trabalho legislativo, mas também para que as comissões se
aprofundassem na matéria debatida. Para tanto, propôs dotá-las de poderes de
investigação. “(...) mas, na verdade, o trabalho das comissões permanentes também
exige investigação. É praticamente impossível, muitas vezes, dar parecer sobre
certos projetos sem que se tenha a possibilidade de examinar em profundidade
aquilo que é proposto.” (BRASIL, 1987/1988, p. 95).
O relator da Subcomissão do Poder Legislativo, ao final da série de debates,
resume todas as propostas apresentadas e, sobre as comissões, coloca, em
primeiro lugar, sua apreensão com o tempo de trâmite dos projetos de lei, dizendo o
seguinte:
É inquietante a realidade atual que exibe, tramitando por longo período de tempo, cerca de dez mil projetos, cuja afluência ao Plenário sobrecarrega-lhe os trabalhos, tornando-se tarefa difícil, se não inviável, a sua tempestiva apreciação. A alternativa proposta visa desobstruir os trabalhos do plenário, imprimindo maior racionalidade e agilização do processo legislativo, da Comissão, e, por via de conseqüência, do Poder Legislativo como um todo. (BRASIL, 1987/1988, p. 154).
Este conceito de tornar o procedimento legislativo mais célere durante o
processo de redemocratização do Estado chama a atenção tendo em vista
justamente os acontecimentos ligados ao cenário imediatamente anterior ao período
ditatorial, após o presidente João Goulart assumir o poder. Entre as inúmeras teorias
que buscam explicar o golpe de Estado, encontra-se a questão da crise da paralisia
decisória, formulada por Santos (2003).
Para este autor, a radicalização ideológica dentre os/as deputados/as e
senadores/as, bem como a inconstância das coalizões da maioria do Congresso,
tornavam muito difícil a aprovação de novas leis. Esta análise empírica sobre a
apresentação e aprovação de projetos de lei foi capaz de “demonstrar
quantitativamente a tendência decrescente da produção legal, que praticamente
inviabilizou a resolução de qualquer assunto importante através de negociações
parlamentares”. (FICO, 2004, p. 45).
Conforme se observou dos discursos proferidos, havia grande preocupação
da subcomissão em acelerar o processo legislativo e, ao final dos trabalhos, foi
concedida uma série de poderes aos membros das comissões, culminando na
redação do artigo 58 da Constituição Federal:
Art. 58 - O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. §1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. §2º - Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições; IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas; V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão; VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer. (BRASIL, 1988).
As prerrogativas que mais interessam para o objeto da presente pesquisa
são as seguintes: a comissão poderá votar projeto de lei que dispensar a
competência do plenário (salvo no caso de recurso de um décimo dos membros da
Casa); e, tem autoridade para realização de audiências públicas e convocação de
qualquer ministro/a ou cidadã/o para prestar informações.
Frisa-se desde logo a questão da busca por informações mais precisas para
subsidiar a decisão dos/as congressistas. Como se verá no tópico próprio, existem
várias teorias que buscam explicar a distribuição de parlamentares pelas comissões,
sendo uma delas a teoria informacional que, em linhas gerais, defende a importância
de buscar o maior número possível de dados técnicos antes da tomada de decisão.
Diante do que se expôs aqui sobre o discurso dos constituintes, a informação era
fator chave na criação deste sistema. Assim, este estudo preliminar nos levou à
hipótese de que os/as deputados/as se concentram em comissões nas quais sua
expertise será útil na avaliação dos projetos de lei.
2.2 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA: “... um capítulo novo para a historia
do Brasil – o da collaboração feminina na politica do paiz.8”
Sem conceituar as mulheres como um grupo de alguma forma, não é possível conceituar a opressão como um processo sistemático, estruturado e institucional. (YOUNG, 1994, p.718. Tradução livre9).
O enfoque de gênero dado a esta pesquisa tem como objetivo ampliar o
debate no campo teórico que trata sobre comissões parlamentares. Entendemos
que, apesar de não ser o nosso tema principal, a discussão sobre representação
política das mulheres é corolária da legislação sobre gênero que será proposta e
aprovada dentro das comissões. Contudo, como já foi dito, há grande número de
análises sobre representação feminina, não sendo o objetivo do presente trabalho
adentrar esta seara de forma aprofundada (seria necessária uma pesquisa
específica sobre o tema). No intuito de limitar o campo, nosso exame irá partir dos
conceitos teóricos mobilizados por Iris Young, uma das principais referências sobre
representação política na teoria feminista.
Um dos pressupostos fundamentais na abordagem de Young enfatiza que a
democracia não pode ser entendida meramente como um processo comunicativo
8 Trecho do discurso de Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada federal, proferido em 13.03.1934. Disponível: http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/camara-destaca/mulheres-no-parlamento/discurso-de-carlota-pereira-de-queiroz Acesso: 21/08/2015. 9 No original: “Without conceptualizing women as a group in some sense, it is not possible to conceptualize oppression as a systematic, structured, institutional process".
com objetivo decisório. A representação, no entendimento da autora, não equivale
nem à "substituição" nem à "identificação". Trata-se, ao contrário, "de um
relacionamento diferenciado entre atores políticos engajados em um processo que
se estende no espaço e no tempo" (YOUNG, 2006, p.142). Isso implica pensar nas
dimensões de autorização e prestação de contas no relacionamento entre
representante e representados, legitimando o afastamento entre ambos como parte
natural e necessária do processo político.
[C]onceitualizar o representante puramente como um delegado com um mandato inequívoco, ou inteiramente como um fiduciário que age tão-somente de acordo com suas próprias luzes, dissolve o significado específico da atividade representativa. A representação eficaz fica entre uma coisa e outra e incorpora ambas. A responsabilidade do representante não é simplesmente expressar um mandato, mas participar das discussões e debates com outros representantes, ouvir suas questões, demandas, relatos e argumentos e com eles tentar chegar a decisões ponderadas e justas. (YOUNG, 2006, p. 154).
A autora argumenta que uma representação socialmente justa deve incluir
grupos sociais diferenciados e defende políticas da diferença para garantir essa
diversidade10. Entende, entretanto, a controvérsia estabelecida entre seu conceito de
representação não-identitário e a legitimidade da reivindicação representativa. "É
necessário que a pessoa que representa a perspectiva de um grupo social num
determinado contexto político seja um membro daquele grupo?" (YOUNG, 2006,
p.179).
Young identifica como uma das principais objeções contra políticas de
representação especial de grupos minoritários a proposição de que tais ações antes
ensejam do que reduzem as diferenças sociais. Por exigir a unificação de uma
identidade, o próprio processo representativo poderia recriar exclusões opressivas.
De fato, a história do movimento feminista é facilmente mobilizável para explicitar
que o "consenso" sobre bandeiras é muitas vezes construído em detrimento de
experiências não hegemônicas (HOOKS, 1989; BUTLER, 1999).
Para sanar esse impasse político-teórico Young elabora uma sutil, mas
crucial, distinção conceitual. Antes de mais nada, ela reconhece que grupos
desfavorecidos não compartilham interesses ou opiniões, mas seu posicionamento
10 “Por políticas de diferença ou politização de diferenças entende-se a inclusão de grupos sociais que sofrem de desvantagens estruturais na sociedade com base em fatores moralmente arbitrários, como, por exemplo, gênero, raça, na esfera pública". (cf. YOUNG, 1990, p. 42).
estrutural e compreensão situada fundamentam uma perspectiva comum, cuja
inclusão na discussão política não é irrelevante.
Interesse seria a mais comum ferramenta analítica da ciência política para
analisar representação política. O termo está relacionado àquilo que é necessário ou
desejado para fins propostos, o que afeta ou é importante para indivíduos ou
organizações. Trata-se, portanto, de metas conscientemente elaboradas como
meios para atingir determinados fins. Em contraste com interesse, opinião se refere
ao conjunto de princípios, valores e prioridades, ou seja, o que fundamenta ou
condiciona os fins que devem ser buscados. Finalmente, perspectiva é o conceito
mobilizado por Young para descrever o caráter compartilhado dentro dos grupos
sociais, que é fruto da sua posição na estrutura social.
Representar um interesse ou uma opinião geralmente envolve promover certos desdobramentos específicos no processo de tomada de decisões, ao passo que representar uma perspectiva geralmente significa promover certos pontos de partida para a discussão. A partir de uma determinada perspectiva social um representante coloca certos tipos de questões, relata certos tipos de experiência, retoma uma determinada linha de narrativa histórica ou expressa um certo modo de olhar as posições de outrem. (YOUNG, 2006, p. 167).
Assim, entendemos que o conceito de perspectiva proposto por Young
possibilita legitimar a inclusão das parlamentares em um grupo, a despeito das
divergências de interesse e opinião dentro dele. Daí porque é importante estudar o
processo legislativo partindo de uma perspectiva de gênero e é isso que buscamos
fazer neste trabalho. Passaremos a descrever algumas pesquisas anteriores que
levantaram a diferença de comportamento entre deputados e deputadas, seja no
momento da escolha da comissão ou durante os debates nas reuniões.
Em um dos raros exames que abordam a intersecção entre comissões e
gênero, focando no processo legislativo em alguns países da América Latina (não
incluindo o Brasil), concluiu-se que:
Existem preconceitos de gênero nas atribuições das comissões latino-americanas. Mulheres são atribuídas de forma desproporcional às comissões que se concentram nas questões das mulheres e questões sociais, e freqüentemente são sub-representadas em comitês de poder e em comissões que tratam de economia ou política externa.11 (HEATH, 2005, p. 432).
11 No original: “Gender bias exists in Latin American committee assignments. Women are assigned disproportionately to committees that focus on women’s issues and social issues, and they often are
A respeito da concentração de mulheres em determinados temas, há várias
pesquisas no sentido de demonstrar que as deputadas são vistas como porta-vozes
de segmentos oprimidos12, obtendo credibilidade para a participação em comissões
e políticas de caráter afirmativo. Inclusive, já na fase de campanha, as candidatas
“lançam mão de argumentos referentes a ‘qualidades femininas’ tidas como
essenciais a uma proposta de renovação do poder”. (BARREIRA e GONÇALVES,
2013, p. 9).
Em estudo sobre as audiências realizadas por comitês norte-americanos e a
influência de homens e mulheres, observou-se que os homens possuíam mais
tempo de microfone e realizavam maior número de interrupções durante os
discursos das testemunhas chamadas pelo comitê. Verificou-se que, em audiências
onde as mulheres eram presidentas, a dinâmica da fala dos/as convidados/as era
substancialmente alterada. (KATHLENE, 1994, p. 16).
Em outra pesquisa, Campos e Miguel (2008) apontam que os enfoques
feministas mais acirrados ficam fora do debate para evitar o conflito com os demais
atores, caracterizando verdadeira limitação imposta pelo próprio campo político, já
que as deputadas dependem de alianças com grupos conservadores ou da
manutenção da imagem construída durante a campanha. Os autores argumentam
que a ausência de temas como aborto ou submissão e desigualdades no mercado
de trabalho ocorrem porque as deputadas não querem assumir os riscos políticos de
entrar nestas discussões (CAMPOS e MIGUEL, 2008).
Já na pesquisa realizada por Zaikoski (2012), que analisa as propostas
legislativas sobre gênero na câmara argentina, se concluiu que do crescente número
underrepresented on power committees and committees that deal with economics or foreign affairs.” (HEATH, 2005, p. 432) 12 “Vale mencionar o trabalho de Cíntia Reis (2010) sobre o perfil das deputadas federais brasileiras (1986-2011) o qual demonstrou que as comissões permanentes que mais agregam mulheres são seguridade social e família; educação, cultura e desporto; defesa dos consumidores e direitos humanos e minorias. Também Irlys Barreira e Danyelle Gonçalves (2011), a respeito do trabalho das deputadas e senadoras no Congresso Nacional (2003-2015), afirmam que a atuação mais significativa das parlamentares ocorre nas Comissões de Educação e Cultura e Seguridade Social e Família. Conclusão similar foi apresentada por Janine Santos (2007), referente a estudo da composição da Câmara de Deputados (2003-2006), onde destacou a presença das mulheres nas comissões que apresentavam os temas: família, infância e adolescência e questões de gênero. A pesquisa de Lúcia Avelar (2001) mostrou que os temas priorizados pelas mulheres na legislatura de 1998-2002 na Câmara dos Deputados referiram-se às áreas de trabalho e previdência, saúde, violência e direitos civis, enquanto uma proporção mínima tratou de temas relacionados ao desenvolvimento, à infraestrutura e ao poder (PINHEIRO, 2007)”. (ORSATO, 2013, p.6).
de projetos sobre as problemáticas femininas, são escassos os trabalhos que
avançam em termos “qualitativos”, no sentido de conseguir instalar o enfoque de
gênero de forma consistente e coerente no trabalho parlamentar:
Se observa la reiteración y circularidade nel tratamiento de temas que afectan a las mujeres, sin que al menos se legisle un umbral de derechos sobre el cual construir a posteriori y paulatinamente más y mejores derechos de ciudadanía femenina. Los temas serían importantes como para estar em la agenda legislativa, pero no tanto como para dejar partidismos de lado y obtener consensos institucionales para la sanción de leyes. (ZAIKOSKI, 2012, p. 5).
Diante do que foi constatado pelas pesquisas citadas, parte-se da premissa
que há diferença institucionalizada no comportamento e tratamento de homens e
mulheres dentro do congresso e que esta diferença influencia a proposição de
projetos de lei com temática de gênero, bem como, influencia a discussão e
aprovação dos citados projetos dentro das comissões legislativas.
Um contraponto é apresentado por Htun e Power (2006) indicando que,
apesar da legislação continuar conservadora em muitos aspetos, a opinião dos
legisladores não é tão tradicional assim. Nesta pesquisa, deputados/as e
senadores/as foram convidados/as a responder um questionário sobre suas visões
políticas e os dados demonstraram suporte considerável de regularização do
mercado de trabalho em questões de gênero, bem como, flexibilização das leis
sobre o aborto. Isto indicaria que visões mais progressistas não são impedimento
para deputados/as serem eleitos (HTUN e POWER, 2006,p. 18).
Os escassos trabalhos que buscam dados sobre atuação feminina das
comissões corroboram o enfoque teórico de Young (1990, 1994, 2006), pois
demonstram que não necessariamente há convergência de interesses e de opiniões
entre as parlamentares mulheres. Por outro lado, a atuação de deputadas fica
condicionada a determinados padrões de comportamento feminino, seja na
indicação da comissão de matéria da qual irão fazer parte, seja na matéria legislativa
que irão propor. Assim, voltamos ao argumento do princípio, de que é necessário
conceituar mulheres como um grupo para podermos abordar o processo
institucionalizado de opressão, o que nos leva a estudar o grupo das deputadas
federais.
A ideia original do presente trabalho era pesquisar “políticas públicas para
mulheres”. Contudo, houve grande dificuldade em delimitar este conceito. Para
Farah, “Política pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado,
orientado por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de
interesses.” (FARAH, 2004, p. 48). Ainda, segundo a autora, políticas públicas de
gênero, vão além da identificação de programas que atendam às mulheres.
Stromquist, por sua vez, esclarece que “políticas públicas podem assumir múltiplas
formas: legislação, recomendações oficiais em relatórios de organismos e
departamentos governamentais e resultados apurados por comissões apontadas
pelos governos.” (STROMQUIST, 1995, p. 27).
Diante disso, optamos por delimitar o estudo à legislação sobre gênero, o
que não facilitou o ônus de encontrar uma definição. Longe de constituir critério
óbvio, a rotulação de um projeto de lei como pertinente ou não à "questão feminina"
indica uma das principais dificuldades metodológicas (e epistêmicas) na averiguação
empírica da presença política feminina. A dificuldade de nomenclatura é sugestiva
da tensão conceitual que cerca a representação como possibilidade teórica e
prática. Alternamos, no presente texto, entre termos como leis sobre mulheres,
questões femininas e em relação a gênero.
Los temas de la agenda con perspectiva de género están vinculados con políticas que tomen conciencia de la desigualdad de las mujeres; que otorguen a poyos a su búsqueda de autonomía o que ratifiquen un compromisso com el cambio y mejora de su estatus social. La legislación con perspectiva de género enfrenta el desafío de revertir las inequidades y discriminaciones que sufren las mujeres en todos los ámbitos de la vida social. (ZAIKOSKI, 2012, p. 2).
Em consonância com Zaikoski e Stromquist, defendemos que legislação de
gênero trata de pautas feministas. “Os temas englobados nessas exigências são a
igualdade de status para as mulheres, a remoção da discriminação sexual, a
introdução de regulamentos contra assédio sexual e a introdução de cotas que
garantam a representatividade feminina.” (STROMQUIST, 1995, p. 28). Adicionamos
a estes itens listados por Stromquist a regulamentação da família e direitos sexuais
e reprodutivos, sejam esses projetos de lei apresentados com enfoque feminista ou
não.
Uma vez delimitado o ponto de vista que justificou a escolha do objeto,
podemos agora passar a tratar das teorias que versam sobre comissões legislativas
propriamente ditas.
2.3 “REGRAS DO JOGO13”: Revisão do campo teórico neoinstitucionalista sobre
comissões permanentes.
Com a sistemática atualmente descrita na Constituição e no regimento
interno da Câmara, os trabalhos legislativos se organizam em torno de duas ins-
tituições básicas: as comissões parlamentares e as organizações partidárias. Cada
uma dessas instituições torna possível cumprir as funções básicas da Câmara: a
representativa e a propriamente legislativa, isto é, a produção de leis que vão definir
as políticas públicas (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2004, p. 42). Segundo o site da
Câmara, as comissões:
São órgãos técnicos criados pelo Regimento Interno da Casa e constituídos de deputados(as), com a finalidade de discutir e votar as propostas de leis que são apresentadas à Câmara. Com relação a determinadas proposições ou projetos, essas Comissões se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto, por meio de pareceres, antes de o assunto ser levado ao Plenário; com relação a outras proposições elas decidem, aprovando-as ou rejeitando-as, sem a necessidade de passarem elas pelo Plenário da Casa. A composição parlamentar desses órgãos técnicos é renovada a cada ano ou sessão legislativa. Na ação fiscalizadora, as Comissões atuam como mecanismos de controle dos programas e projetos executados ou em execução, a cargo do Poder Executivo.14
Na produção acadêmica brasileira é possível encontrar estudos que
analisam o tema das comissões, seu recrutamento e fazem comparações com as
teorias norte-americanas que também serão objeto de averiguação no decorrer
desta pesquisa. Contudo, é recorrente que os/as autores/as citem a necessidade de
aprofundamento das análises e sistematização do processo legislativo no Brasil15.
13 “A perspectiva institucionalista da “escolha racional” pressupõe a construção de modelos analíticos fundamentados: na premissa que atribui aos atores uma conduta racional, auto-interessada e instrumental na perseguição de seus objetivos; e na fixação do papel das instituições enquanto constrangimentos às escolhas individuais e que, portanto, moldam as estratégias destes como “regras do jogo” que arbitram e mediam as escolhas derivadas de preferências auto-interessadas definidas fora e anteriormente ao próprio jogo (isto é, preferências formadas de maneira exógena ao processo político orientado por instituições específicas).” (TOMIO, 2007, p. 5). 14 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes Acesso em 10/04/2014 15 “As menções ao Congresso brasileiro serão poucas. As referências serão meramente ilustrativas. No entanto, em que pese a sua ausência, este artigo foi escrito com um olho no Congresso brasileiro. Não são muitos os estudos que o tomam como objeto. Se se pretende alterar esta situação, travar conhecimento com o debate que se desenvolve entre os estudiosos do Congresso mais estudado de todo o mundo me parece um bom começo. É com esta esperança que escrevi este texto.” (LIMONGI, 1994, p. 4).
Carlos Pereira e Bernardo Muller concluem que, apesar de haver grande diferença
entre o modelo brasileiro e o norte-americano, as teorias deste país podem ser
utilizadas para exame do caso nacional, bem como, há uma vasta possibilidade de
pesquisa, que precisa ser explorada (PEREIRA e MULLER, 2000, p. 17).
E para além disso, quando o assunto engloba a questão de gênero, a
escassez de trabalhos é ainda maior, como apontam Chaquetti e Perez: “Sin
embargo, pocos estudios se han preocupado por analizar, de manera sistemática,
las dinámicas de las relaciones de género que operan en el marco de los comités,
aun dentro de las investigaciones específicas en política y género.” (2012, p. 2).
Não podemos deixar de citar as pesquisas no sentido de que as comissões
brasileiras têm seu poder de controle de agenda reduzido pelos líderes partidários
(SANTOS, 2002, p. 239) e de que não teriam um papel muito relevante diante da
concentração de prerrogativas nas mãos do Executivo. Para Silva e Araújo (2013),
da forma como foi desenhado, o sistema político brasileiro assegura um controle da
produção legal, de forma quase imperial, ao Executivo. Os autores verificaram que
pelo menos 80% das leis federais são oriundas de proposições legislativas de
autoria da Presidência da República (2013, p. 2). Por outro lado, em pesquisa
específica sobre a efetividade das comissões da Câmara dos Deputados, observou-
se uma evolução no seu poder conclusivo, já que as comissões foram responsáveis
por 43% da produção legal entre os anos de 2003 e 2007 (SANTOS, 2008, p. 70).
A abordagem norte-americana toma como relevante a organização interna
do legislativo: como ocorre a distribuição dos direitos de propor, emendar,
determinar o ritmo da tramitação das matérias e usar a informação de forma a tornar
as comissões os verdadeiros focos de poder. Este sistema é visto como a resposta
de um Legislativo autônomo, capaz de resistir e se opor ao Executivo (FIGUEIREDO
e LIMONGI, 2004, p. 49).
À luz das teorias positivas da escolha racional e das reformas no interior do
legislativo, começaram a proliferar estudos com o foco direcionado para as
estratégias individuais dos/as deputados/as e para o papel das regras institucionais
como condicionantes destas mesmas estratégias (POLSBY e SCHICKLER, 2002).
Nas pesquisas a respeito do sistema legislativo, mais especificamente sobre o
sistema de comissões, a abordagem neoinstitucionalista produziu três linhas
interpretativas: a distributivista, a informacional e a partidária. “O ponto em comum
entre elas é o peso conferido à estrutura institucional nas estratégias empreendidas
pelos membros do parlamento, mas o que as diferencia é o grau de autonomia com
que os congressistas atuam nas comissões”. (MULLER, 2009, p. 2).
A primeira linha, distributivista, leva em consideração o pressuposto de que
os membros do Congresso têm intenções individualistas, principalmente a reeleição.
Assim, buscam a aprovação do maior número possível de projetos que atendam seu
eleitorado, ou seja, o estabelecimento de leis de cunho clientelista (LIMONGI, 1994).
Por esta teoria, os próprios congressistas escolheriam de quais grupos
gostariam de participar16, com o intuito de ter maior influência na área de interesse
de seus eleitores. Com isto, teríamos que cada deputado/a ou senador/a buscaria o
maior número possível de votos que apoiem decisões de seu interesse e, diante
deste cenário, existiria a troca de votos – é o chamado logroll (troca estratégica de
votos, segundo definição de CARVALHO, 2006) – sendo que o sistema de
comissões na política norte-americana possibilitaria a estabilidade da troca de apoio
legislativo. Inclusive, há pesquisa concluindo que os candidatos brasileiros à Câmara
estruturam suas campanhas individualmente e que utilizam o Congresso como um
trampolim para cargos executivos (SAMUELS, 2003).
Em contraposição, temos a teoria partidária, que defende que os partidos
são elementos estruturadores da atividade legislativa.
Nossa visão é que os partidos na Câmara - especialmente o partido majoritário - são uma espécie de "cartel legislativo". Esses cartéis usurpam o poder, teoricamente residente na Câmara, de fazer regras que regem a estrutura e o processo de legislação. A posse deste poder de criação de regras leva a duas consequências principais. Primeiro, o processo legislativo, em geral - e do sistema de comissões em particular - é acumulado em favor dos interesses do partido majoritário. Em segundo lugar, porque os acordos centrais dos membros do partido majoritário são facilitados pelas regras do cartel e policiados por suas lideranças. (COX, 1993, p. 217).
16 “Sendo assim, legisladores sabem que pertencer à Comissão de Agricultura, para dar um exemplo, é a condição necessária para ser capaz de influenciar a política agrícola. A distribuição dos parlamentares pelas comissões é ditada pelo interesse eleitoral de cada um, com pequena ou nenhuma influência dos partidos. Assim, para continuar com o exemplo, buscam – e conseguem – fazer parte da Comissão de Agricultura os parlamentares eleitos por distritos em que estes interesses são realmente relevantes para seus eleitores. Não seria de se esperar que um deputado eleito por um distrito primordialmente urbano, digamos a cidade de Nova York, queira fazer parte da Comissão de Agricultura”. (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2004, p. 44). 17 No original: “Our view is that parties in the House – especially the majority party – are a species of a ‘legislative cartel’. These cartels usurp the power, theoretically resident in the House, to make rules governing the structure and process of legislation. Possession of this rule-making power leads to two main consequences. First, the legislative process in general – and the committee system in particular
Por esta linha de raciocínio, o partido privilegiaria seus membros com maior
fidelidade partidária. O ponto de importância dentro da teoria partidária é que a
principal fonte de poder de um partido no legislativo é sua capacidade de dominar a
agenda decisória. Sobre este enfoque teórico, em que pese haver indícios claros de
que a Constituição de 1988 procurou fortalecer o sistema de comissões e sua
autonomia, não podemos deixar de levantar uma contradição, pois também
aumentou a “centralização dos trabalhos legislativos a partir de uma agenda
decisória acordada pelos líderes dos partidos”. (FIGUEIREDO E LIMONGI, 2004, p.
51).
No intuito de verificar o funcionamento do Congresso Nacional, Muller (2005)
realizou pesquisa sobre a composição das comissões permanentes na Câmara dos
Deputados entre 1995 e 1999. Ele utilizou comparações com a teoria partidária e
concluiu que os partidos políticos brasileiros recrutam os/as deputados/as com maior
lealdade política para as comissões em assuntos estratégicos.
Tal como ocorre no planejamento de uma batalha, em que antes do combate propriamente dito as posições são ocupadas segundo uma logística, o recrutamento inicial para as comissões foi visto como um planejamento. Nesse ‘planejamento logístico inicial’, os partidos localizam as ‘áreas estratégicas’ para atingir suas metas e enviam os melhores ‘soldados’ para lá. (MULLER, 2005, p. 10).
Sobre a questão partidária, uma pesquisa realizada por Htun e Power, com
foco no Congresso Nacional, concluiu que a grande maioria dos partidos brasileiros
incorporou pautas relacionadas a gênero. Para citar alguns exemplos, as legislações
mais rigorosas para crimes cometidos com violência doméstica e até mesmo as
cotas de mulheres nas eleições. Um apontamento interessante diz respeito ao
comportamento das lideranças partidárias em casos controversos:
Os líderes partidários tendem a não aplicar a disciplina partidária em questões controversas. Durante a votação sobre a legalização do divórcio no cone sul, por exemplo, eles aplicaram o princípio de voto de consciência, liberando cada legislador conforme seu coração e não linha do partido. (HTUN e POWER, 2006, p. 718).
– is stacked in favor of majority party interests. Second, because members of the majority party central agreements are facilitated by cartel rules and policed by cartel´s leadership”. 18 No original: “Party leaders, moreover, tend not to enforce party discipline on controversial issues. During votes on the legalization of divorce in the Southern Cone, for example, they applied the principle of voto de conciencia, freeing each legislator to vote her heart, not the party line.”
Já a teoria informacional, formulada por Krehbiel (1992), considera de
grande importância a especialidade técnica dos membros do Congresso. De acordo
com esta perspectiva, quanto mais informações os membros das comissões
passarem para o plenário, melhor será a decisão sobre determinado projeto. O ideal
é que dentro de uma mesma comissão existam opiniões divergentes, para que as
partes interessadas abram seus conhecimentos para o plenário e não apenas os
assuntos que lhes sejam favoráveis.
A teoria distributivista diverge da informacional em um ponto muito relevante,
que é o postulado da incerteza dos resultados. Para a primeira, os/as congressistas
conseguiriam ter praticamente certeza sobre os efeitos de suas proposições;
enquanto que para a informacional os/as congressistas não sabem ao certo quais
resultados irão alcançar. Levando isto em consideração, todos ganham com o maior
número possível de informações sobre quais efeitos irão atingir caso determinada
política seja a adotada. Para a teoria informacional: “uma organização será dita
eficiente se for capaz de estimular e retribuir a especialização”. (LIMONGI, 1994,
p.22).
Desde 1968, Polsby aponta que a informação é um fator chave para explicar
a organização do congresso norte-americano. Na mesma linha de raciocínio,
Krehbiel (1992) ofereceu modelo formal de tomada de decisão, investigando a
transmissão das informações dentro da estrutura hierárquica da legislatura. Exames
mais atuais para aprimorar o modelo informacional (AMBRUS e outros, 2012),
testam se o plenário utiliza as comissões para comunicações com grupos de
interesse externos. Os autores assumem que um grupo de interesse externo possui
informações relevantes para os/as deputados/as sobre determinado projeto de lei.
As comissões podem ser, assim, intermediários entre os grupos de interesse e a
legislatura. “Mais concretamente, a comissão se comunica com o lobista e então faz
uma proposta ao Legislativo”. (AMBRUS e outros, 2013, p.219).
Analisando a teoria informacional no caso brasileiro, Meireles e Muller (2014)
testaram a hipótese de que parlamentares com expertise e seniority (longa
permanência em uma mesma comissão) seriam privilegiados nas indicações para as
vagas das comissões, já que ajudariam a reduzir os custos de informações pelo
19 No original: “More concretely, the committee communicates to the lobbyist and then makes a proposal to the legislature.”
plenário20. A pesquisa verificou que as probabilidades de pertencer à Comissão de
Agricultura e Política Rural e à Comissão de Seguridade Social e Família,
associadas com ter expertise são de 86% e 95%, respectivamente; concluindo que
critérios informacionais explicam a composição das Comissões na Câmara dos
Deputados: “parlamentares com experiência profissional afim com a área de
jurisdição de sua Comissão ajudam a casa ao reduzir custos de informação e as
incertezas do plenário, ao menos de acordo com os nossos resultados”. (MEIRELES
e MULLER, 2014, p. 11).
Ainda dentro do pensamento informacional, a melhor maneira de compor
uma comissão é fazer com que ela tenha o maior número de interesses divergentes
possível, sendo um verdadeiro microcosmo do plenário. Assim, o plenário delegaria
competências às comissões sem desrespeitar o princípio majoritário. Outro ponto
relevante, que também possui convergência com a teoria informacional, é a questão
da designação de relatoria para os projetos de lei. Para Santos e Almeida (2005,
p.2), “A importância potencial do relator decorre, a nosso ver, de sua função de
agente informacional da comissão, i.e., de sua delegação para coletar e compartilhar
com seus pares informação a respeito das consequências de uma política pública
específica”. Os autores dizem ainda que um/a relator/a que seja moderadamente
contrário à proposta atuará de forma mais informativa do que se fosse favorável ou
totalmente contra.
Em artigo que pesquisa os sistemas legislativos dos países do cone sul,
Rocha e Barbosa partem de um conjunto de três tipos de variáveis para diferenciar
Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. A primeira análise leva em conta questões de
estrutura, ou seja, o número de comissões, quantidade de membros e se há
limitação na quantidade de comissões das quais cada deputado/a poderá participar.
O conjunto de dados demonstra que, dos países pesquisados, apenas no Brasil é
estabelecido que cada parlamentar poderá participar de somente uma comissão
20 “Utilizamos como variáveis independentes a expertise, que consiste em dummies para cada tipo de profissão relacionada à alguma Comissão (e. g. advogado para a CCJ, economista para a CFT, médico para a CSSF, engenheiro para a CVT, etc.). Esta variável busca analisar a hipótese informacional de que experiência prévia não-relacionada com seniority está associada com a probabilidade de ser indicado para determinada Comissão. Sem discriminar entre deputados com experiência legislativa prévia ou não, ela permite avaliar a teoria informacional a despeito das ondas de renovação na Câmara. Em Comissões como a CAPR, ademais, ser agricultor ou fazendeiro também pode ser interpretado como indicador da teoria distributivista”. (MEIRELES e MULLER, 2014, p. 9).
como titular 21 (ROCHA e BARBOSA, 2008, p. 4). Os autores apontam que a
limitação de participação é uma forma de incentivar a especialização dos/as
congressistas e a participação nas discussões de forma mais aprofundada.
Já a segunda variável analisa o procedimento pelo qual são escolhidos os
membros das comissões, se a distribuição é de forma proporcional à participação
dos partidos na Câmara e se há atores com a prerrogativa de nomeação, bem como,
se há regras de incentivo para permanência em uma mesma comissão. Sobre esta
variável, há estudo de Pereira e Mueller (2000) demonstrando que há um alto grau
de rotatividade nas comissões brasileiras, o que dificultaria um funcionamento do
ponto de vista da teoria informacional, já que inibiria a especialização; também, não
seria viável a promoção de compromissos para realização de trocas, conforme
descrito na teoria distributivista.
Por fim, a terceira variável trata dos poderes das comissões: iniciar
legislação, emendar projetos do Executivo, poder terminativo e faculdade de
promover debates com a sociedade civil ou membros do governo para buscar
informações. Rocha e Barbosa (2008), após análise comparativa dos vários países,
concluem que não é possível estabelecer uma lógica inequívoca sobre as comissões
brasileiras. Há fatores que favorecem sua atuação, como poder conclusivo e
capacidade de convocar audiências públicas. Porém, também há questões que
dificultam o exercício pleno das funções legislativas, como o tamanho muito grande
das comissões brasileiras (entre 25 e 51 participantes) e a prerrogativa dos líderes
de partidos em pedir urgência de tramitação dos projetos de lei (ROCHA e
BARBOSA, 2008, p. 8).
Inobstante, em comparação com os demais países do cone sul, o sistema
brasileiro apresenta pontos que vão de encontro aos preceitos da teoria
informacional, como é o caso da limitação do número de comissões em que cada
parlamentar pode funcionar; mas também da teoria distributivista, como é o caso do
sistema de lista aberta22. E por fim, da teoria partidária, levando em consideração
que as regras do processo decisório dão grandes poderes aos líderes dos partidos,
21 Esta regra está estabelecida no art. 26, § 1º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 22 “Lista aberta: É uma variante do sistema de eleição proporcional no qual as vagas conquistadas pelo partido ou coligação partidária são ocupadas por seus candidatos mais votados, até o número de cadeiras destinadas à agremiação. A votação de cada candidato pelo eleitor é o que determina, portanto, sua posição na lista de preferência”. Disponível: http://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/lista-aberta. Acesso: 28.08.2015.
como é o caso da faculdade de nomear os membros das comissões (ROCHA e
BARBOSA, 2008, p. 8).
Sobre a busca por informações, não podemos deixar de abordar a questão
de grupos de interesse e lobby. Para Austen-Smith (1992), lobbying é uma forma
estratégica de transmitir informações. A política pública é o meio para um fim, uma
vez que os/as deputados/as se preocupam mais com a sua consequência, seja ela
uma consequência puramente política, como o caso da reeleição; ou técnica para a
qual autor dá o seguinte exemplo: “como a lei sobre ar puro poderá afetar a indústria
de veículos?” Quando os/as deputados/as não têm certeza sobre todas as
consequências possíveis de determinada legislação, as informações tornam-se
extremamente valiosas e quem as possui detém grande influência política.
(AUSTEN-SMITH, 1992, p.2.) Com esta colocação em mente, buscaremos, na
presente pesquisa, averiguar quais são os grupos de interesse que atuam junto às
comissões, principalmente participando de audiências públicas, conforme será
melhor explicado na seção sobre metodologia.
Retomando, no primeiro ponto do presente texto, em nossa análise realizada
sobre os discursos na constituinte, ficou bem claro a grande importância dada à
busca por debates mais técnicos dentro das comissões especializadas e a
requisição de informações de grupos externos. Assim, desde a criação do sistema
de comissões brasileiro, a “informação” é característica chave que justifica, inclusive,
a sua existência. Esta posição também é corroborada pelos estudos mais recentes
de Meireles e Muller (201423) e Rocha e Barbosa (2008), que apontam traços da
teoria informacional no sistema de comissões brasileiro.
Para Pereira e Muller (2000), os três modelos norte-americanos não são
suficientes para explicar o caso brasileiro e os autores propõem um novo modelo
para elucidar o sistema de comissões nacional, denominado de teoria da
preponderância do poder executivo. Esta leva em consideração o extenso poder
legislativo que o executivo brasileiro concentra, destacando a medida provisória, o
23 “Encontramos um primeiro esforço de importação dessas teorias americanas em Pereira e Muller (2000). Segundo os autores, pela possibilidade de editar Medidas Provisórias, solicitar Pedidos de Urgência, além do poder discricionário sobre as Emendas Parlamentares e o orçamento como um todo, as Comissões no país não são tão fortes quanto as americanas (MULLER, 2005; SANTOS, 2003). Deste modo, elas não forneceriam tantos incentivos à auto-seleção, já que cumpririam antes funções informacionais do que, por causa do poder de veto reduzido em suas áreas de jurisdição, distributivo (PEREIRA e MUELLER, 2000; RICCI e LEMOS, 2006; SANTOS e ALMEIRA, 2011).” (MEIRELES e MULLER, 2014, p. 5).
poder de veto e o pedido de urgência. Diante deste contexto, o artigo aponta que o
executivo dispõe de instrumentos para controlar a agenda do Congresso, dando
prioridade para as legislações de seu interesse e bloqueando projetos que lhe sejam
desfavoráveis (PEREIRA e MULLER, 2000, p.3).
Sobre o grande poder do executivo em questões legislativas, Limongi e
Figueiredo (2001, p.72) ressaltam que muitas regras existentes no período de
governo autoritário permanecem até hoje, no que diz respeito à relação entre o
executivo e o legislativo. Uma das consequências disto é o esvaziamento das
comissões. Para os mesmos autores, - em outra pesquisa - o legislativo brasileiro
não se aproxima de qualquer dos modelos clássicos, pois as comissões brasileiras
são mais fracas quando comparadas às comissões norte-americanas. Por outro
lado, não se pode falar em um modelo em que todo o poder de propor é
monopolizado pelo executivo, como é o caso do gabinete inglês (FIGUEIREDO e
LIMONGI, 2004, p. 54).
Em que pese estas colocações sobre o poder do executivo, nos dados
levantados durante a presente pesquisa – legislação relacionada a gênero – não foi
possível observar grande influência do executivo nas comissões. Uma explicação
possível é que leis relacionadas aos direitos das mulheres não estão elencadas no
rol de matérias regulamentáveis por decreto 24 ; nem na lista de atribuições
legislativas privativas da presidência25. Ainda, para a criação de medidas provisórias
a matéria deve ser relevante e urgente, sendo vedada a sua edição para tratar de 24 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (BRASIL, 1988). 25 Art. 61 § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (BRASIL, 1988).
assuntos como cidadania, direitos políticos, direito penal e processo penal (art. 62,
BRASIL, 1988). Dessas proibições já ficam excluídos diversos temas de gênero,
como aborto, violência contra mulher, maior representação política feminina,
homofobia, entre outros.
O único dado relevante observado sobre a “intromissão” do poder executivo
na tomada de decisão das comissões foi a lista de participantes das audiências
públicas, onde em regra havia representante de um dos ministérios ou secretarias
ligadas à presidência. Mas isso não altera o fato de que, de acordo com os dados
levantados neste trabalho, não pareceu haver controle do executivo na tomada de
decisões sobre a legislação de gênero que foi estudada (proposta pelas deputadas
membras das comissões ou que foram votadas nos anos de 2011 e 2012).
Por fim, importante observar que as comissões podem adotar uma
prerrogativa relevante dentro do processo legislativo: o poder de fechar as portas
(gate keeping power). Os projetos de lei de assuntos relacionados à comissão serão
enviados a esta para análise. Caso a matéria abordada seja contrária aos interesses
dos membros da comissão eles podem simplesmente não analisá-la, ou rejeitá-la,
ou manter o projeto de lei em ‘banho-maria’ por longos anos. Significa dizer: uma
minoria poderia, através do controle das comissões, estender o debate
indefinidamente. Em contrapartida, há o poder de agenda, pelo o qual a maioria
conta com os meios institucionais para aprovar as medidas que prefere. “No caso
concreto do Brasil, dois mecanismos são fundamentais: o pedido de urgência e a
Medida Provisória. Recorrendo a um ou outro destes instrumentos, a maioria tem
como forçar a deliberação da matéria.” (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009, p. 22).
Neste ponto, ainda, há uma formulação de Krehbiel (1992) que distingue os
poderes positivos e negativos das comissões. O poder positivo seria o de alterar a
situação existente, aprovando projeto de lei que favoreça os interesses dos
membros da comissão; já o poder negativo seria no sentido de manutenção do
status quo, ou seja, barrar projetos de lei que por ventura afrontem estes mesmos
interesses. Consideramos esta análise interessantíssima, contudo, não fomos
capazes de testar empiricamente esta “não decisão”, mas isso será melhor
explicado no momento oportuno.
Tendo em mente este arcabouço teórico, passamos agora à explicação da
metodologia empregada para a coleta de dados, bem como, a apresentação das
hipóteses e variáveis que investigamos.
3 METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DAS HIPÓTESES: “(...) contém
disposições normativas referentes à sua estrutura política, organização e
funcionamento26“.
A etapa empírica da pesquisa começou com a escolha das cinco comissões
legislativas cujos trabalhos foram avaliados. Para a seleção de tal amostra foram
levados em consideração dois critérios básicos, o primeiro deles foi o número de
deputadas presentes em cada uma das comissões, conforme Tabela 1.
Tabela 1: Deputadas titulares das Comissões Permanentes da Câmara de Deputados - 2012
Comissões Total
membros Deputadas
titulares Representação
feminina
Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural
42 1 2%
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática 42 6 14%
Constituição e Justiça e de Cidadania 66 2 3%
Cultura 20 1 5%
Defesa do Consumidor 21 1 4,7%
Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio 18 1 5,5%
Desenvolvimento Urbano 18 0 0%
Direitos Humanos e Minorias 18 3 17%
Educação 32 4 12,5%
Finanças e Tributação 33 1 3%
Fiscalização Financeira e Controle 20 1 5%
Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia
20 1 5%
Legislação Participativa 18 2 11%
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável 18 2 11%
Minas e Energia 32 2 6,2%
Relações Exteriores e de Defesa Nacional 33 5 15%
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado
20 1 5%
Seguridade Social e Família 36 8 22%
Trabalho, de Administração e Serviço Público 26 4 15%
Turismo e Desporto 21 2 9,5%
Viação e Transportes 30 1 3,3% Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2012.
Foi realizada uma análise quantitativa do número de deputadas e, dentro do
universo das oito comissões com maior número de mulheres, um segundo critério de
escolha foi aplicado: se a matéria designada para aquela comissão tem pertinência
temática com gênero. Assim, uma segunda escolha em relação ao tema deixou de
fora as seguintes comissões: Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática; Relações Exteriores e Defesa Nacional; e Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável.
26 Explicação sobre o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (CARNEIRO, SANTOS E NÓBREGA NETTO, 2014, p. 75).
Entendeu-se que não seria possível trabalhar com as comissões de
Constituição, Justiça e Cidadania e Finanças e Tributação, tendo em vista que
ambas possuem poder terminativo para analisar a admissibilidade jurídica e
financeiro-orçamentária das proposições em geral, ou seja, recebem quase todos os
projetos de lei para análise.
Diante disso, ficou definido que as seguintes comissões serviram como
amostra para o estudo: Comissão de Seguridade Social e Família (22% de presença
feminina); Comissão de Direitos Humanos e Minorias (17%); Comissão de Educação
(12,5%); Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (15%); e
Comissão de Legislação Participativa (11%).
Sobre a Comissão de Legislação Participativa, é importante tecer algumas
observações. Ela foi criada para “facilitar a participação da sociedade no processo
de elaboração legislativa” 27 . Então, essa não é uma comissão “comum”, com
atribuições definidas por matérias legislativas. Ao contrário, a CLP pode receber
pleitos de qualquer entidade civil organizada. Em um primeiro momento,
consideramos não trabalhar com esta comissão específica. Porém, como um dos
nossos intuitos é justamente verificar a presença de grupos de interesses junto ao
Congresso, acreditamos que a análise desta comissão é fundamental. Assim,
apesar de conter diversas particularidades (que serão elucidadas nos capítulos de
apresentação de dados), optamos por manter a CLP em nosso escopo.
Para a coleta dos dados empíricos foram usadas as seguintes fontes: o
Sistema de Informações Legislativas da Câmara dos Deputados (SILEG), onde se
podem verificar informações quantitativas sobre os projetos de lei; o site da Câmara
dos Deputados, no qual constam as pautas das reuniões das comissões e seus
membros; atribuições de cada comissão; além dos ‘currículos oficiais’ dos/as
congressistas e o registro em áudio de diversas audiências públicas.
A ideia de focar em produção legislativa relacionada a questões de gênero
visa delimitar o campo de pesquisa, possibilitando uma análise mais detalhada do
processo decisório. Pelo exposto através das discussões teóricas sobre votação
27 Segundo o site da Câmara dos Deputados: Através da CLP, a sociedade, por meio de qualquer entidade civil organizada, ONGs, sindicatos, associações, órgãos de classe, apresenta à Câmara dos Deputados, suas sugestões legislativas. Essas sugestões vão desde propostas de leis complementares e ordinárias, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). (Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp/conheca-a-comissao/index.html Acesso: 14/10/2014.
parlamentar e representação feminina, foi feita uma análise dos dados empíricos
sobre as deputadas das cinco comissões escolhidas e sobre os projetos de lei com
conteúdo de gênero, possibilitando o teste das hipóteses. Selecionamos as
parlamentares que eram membras titulares das cinco comissões nos anos de 2011 e
2012, totalizando 27 deputadas, correspondente a 58% das deputadas eleitas para
da 54ª legislatura.
A primeira fonte de dados da pesquisa são os projetos de lei (PL) ou projetos
de emenda à constituição (PEC) apresentados por estas deputadas no período de
2011 e 2012. A base de dados da Câmara permite realizar busca por congressista,
tipo de proposição legal e período de tempo. Cruzando estes dados encontramos
uma listagem das ementas de todos os PL e PEC apresentados por determinada
deputada, com link para o texto da proposição e tramitação atual. Esta busca
totalizou 335 projetos de lei e 17 projetos de emendas constitucionais28.
Em regra, da simples leitura da ementa do projeto já foi possível avaliar se o
mesmo possui ou não pertinência de gênero. Por exemplo, o PL 371/2011,
apresentado pela Deputada Manuela D´Ávila (PCdoB/RS), cuja emenda é: “Prevê
punição e mecanismos de fiscalização contra a desigualdade salarial entre homens
e mulheres”29, seguramente tem pertinência para a presente pesquisa.
Em outros casos, a explicação do projeto é esclarecedora, por exemplo, o
PL 2744/2011, proposto pela Deputada Fatima Pelaes (PMDB/AP), em sua ementa
consta: “Acresce o art. 43-A à Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, visando impedir
o uso de contenção em presas nas ocasiões que especifica”30. A ementa, por si só,
deixa dúvidas quanto ao tema. Porém, após a leitura da explicação, fica claro se
tratar de uma legislação com pertinência de gênero, vejamos: “Proíbe o uso de
contenção de presas durante o trabalho de parto e logo após o nascimento”.
Apenas nos casos em que a pertinência de gênero não fosse óbvia no texto
da ementa ou da explicação, procedemos a averiguação do projeto completo, como
foi o caso do PL 3162/2012, proposto pela Deputada Celia Rocha (PTB/AL), pois
sua ementa não é autoexplicativa: “Acrescenta parágrafo ao art. 215 da Lei nº 4.737,
28Requerimentos foram desconsiderados por seu caráter pontual, e relatorias por indicarem apenas perpendicularmente a intenção legislativa das deputadas. 29 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=491824 Acesso: 14.07.2014. 30 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=528038 Acesso: 14.07.2014
de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral)”31. Da leitura do projeto, verificamos se
tratar de proibição de diplomação de candidato quando o mesmo tiver prisão
preventiva decretada por uma série de crimes, entre eles o estupro.
Como já foi dito, esta classificação de “ser ou não ser” projeto com
pertinência de gênero foi uma grande dificuldade metodológica. Entendemos que
qualquer classificação empregada poderá sofrer críticas, pois haverá a exclusão/
inclusão de assuntos que, a depender do entendimento do/a pesquisador/a,
guardam ou não relação com gênero. De todo o modo, foram classificadas como
"questões femininas" projetos de lei e propostas de emendas constitucionais que
nomeassem mulheres como alvo de ação ou que estivessem diretamente
relacionadas com pautas do movimento feminista. Incluímos proposições relativas (i)
à família, como regulamentação de casamento civil hetero e homossexual; (ii) ao
combate à desigualdade e violência contra mulheres, relacionadas ao
funcionamento de serviços públicos especializados ou à regulamentação de
ocupações tipicamente femininas, como empregadas domésticas e profissionais do
sexo; e (iii) a direitos sexuais e reprodutivos, com forte presença de ações relativas à
crianças e adolescentes.
Dos 335 PL e 17 PEC analisados, foram separados 32 PL com pertinência
de gênero e nenhuma PEC. Destes projetos de lei, fizemos estudo sobre quem
propôs, quem era o/a relator/a nomeado/a e qual o andamento atual do projeto. Bem
como, se a proposição terá apreciação conclusiva pelas comissões ou deverá ser
votada pelo plenário. Sobre este último ponto, levando em consideração a
bibliografia que ordinariamente considera que as comissões detêm pouco poder no
Congresso Brasileiro, nossa hipótese é de que a esmagadora maioria dos projetos
de lei não seria apreciada de forma conclusiva pelas comissões, mas sim,
necessitaria da aprovação do plenário.
Outra hipótese sobre os PL e PEC analisados é de que deputadas
pertencentes a partidos de esquerda apresentariam um número maior de projetos
relacionados a gênero. Isso porque, conforme pesquisa de Htun e Power (2006),
sobre o Congresso Nacional, as parlamentares brasileiras – assim como em outros
países – não são um grupo homogêneo. Os interesses, crenças e comportamentos
variam de forma considerável. Para os autores, uma hipótese alternativa de
31 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=534258 Acesso: 14.07.2014
pesquisa seria não focar na política desempenhada pelas mulheres, mas sim, nos
partidos dos quais as deputadas fazem parte. “Enquanto ideologia, classe social e
etnia divide as mulheres, esses mesmos fatores frequentemente une os partidos.”
(HTUN e POWER, 2006, p. 6, tradução livre32). Assim, os partidos, principalmente os
partidos de esquerda com ideologias voltadas à igualdade de gênero, são os
maiores agentes para mudanças legislativas relacionadas a pautas femininas.
Neste mesmo trabalho, os autores verificaram que os grupos de interesse
feministas possuem mais ideologias comuns com os partidos da esquerda do que
com o conjunto total de mulheres deputadas, tendo em vista que muitas
parlamentares são conservadoras. Inclusive a pesquisa demonstra que,
particularmente na América Latina, mulheres políticas em vários casos vêm de
famílias tradicionais e não se identificam com o movimento feminista. Aponta-se
ainda que muitos deputados de esquerda podem ser mais feministas do que as
deputadas da direita. (HTUN e POWER, 2006, p. 7).
Esta questão da posição ideológica dos partidos pode gerar uma série de
polêmicas, que não são objeto da principal discussão deste trabalho. Adotamos as
tabelas comparativas de Tarouco e Madeira (2013); Codato, Costa e Cervi (2013),
também usada no trabalho de Codato e Ferreira (2014). Que classifica os partidos
da seguinte forma: na esquerda PDT, PT, PSB, PSOL, PPS, PCdoB; no centro
PMDB, PSDB, PV; e na direita DEM/PFL, PPB, PP, PRB, PDS, PRN, PDC. PL/PR,
PTB, PSC, PSP, PRP, PMN, PTdoB, PSD, PPR, PTR.
Outra fonte de dados foi o conjunto de projetos de lei votados pelas cinco
comissões nos anos de 2011 e 2012, seja com parecer pela aprovação ou pela
rejeição, um universo total de 275 projetos. Para acessar esses dados, recorremos
aos relatórios anuais de cada comissão. É importante frisar a falta de padronização
dos documentos, uma vez que há grande diferença na forma de apresentação dos
resultados de cada comissão, variando inclusive ano a ano, a depender de quem era
o/a presidente/a. Apesar disso, é possível pesquisar as votações realizadas em
determinado período e verificar se o projeto foi aceito ou rejeitado pela comissão.
O mesmo esforço de classificação das proposições com pertinência de
gênero foi empregado em relação a esta fonte de dados. Vale observar que, no caso
da Comissão de Participação Legislativa, não são aprovados ou rejeitados “projetos
32 No original: “Whereas ideology, social class, and ethnicity divide women, these same factors often unite parties."
de lei” e sim “sugestões”. Entidades da sociedade civil enviam à CLP ideias sobre
legislações e cabe à comissão analisar se isto se transformará em um projeto.
Nossa hipótese era de que, dos PL ou sugestões analisados pelas comissões, a
maioria daqueles com questões de gênero seria rejeitada.
A hipótese que se buscou testar é que o recrutamento para as comissões
estudadas parte de uma perspectiva informacional. Para tanto, analisamos os
currículos oficiais das deputadas, disponíveis no site da Câmara e verificamos a
ocupação anteriormente exercida. Bem como, se as deputadas participaram da
mesma comissão por mais de um período legislativo, no intuito de averiguar se a
regra da seniority poderia ser aplicada para o caso brasileiro. Ainda, se as
deputadas mantêm relacionamento declarado com sindicatos, associações ou
movimentos feministas em seus currículos oficiais.
Ainda sobre as deputadas, foram verificadas as relações familiares
anteriores ao cargo, buscando averiguar se as congressistas são filhas ou esposas
de agentes políticos33. As informações sobre filiação constam nas biografias oficiais
do site da Câmara, em contrapartida, não há dados sobre cônjuge, diante disso,
recorremos a fontes não governamentais, como sites e blogs pessoais. Aqui cabe
uma ressalva: há deputadas, por exemplo, Cida Borghetti34 em que a informação
sobre o cônjuge político consta no respectivo site oficial. Por outro lado, há
congressistas, como Flávia Morais35 que não especifica o casamento com atuante
na política e apenas encontramos esta informação em site elaborado por terceiros36.
De acordo com a previsão constitucional, as comissões possuem como
prerrogativa a abertura de audiências públicas, no intuito de buscarem informações
diretamente com os atores sociais. Assim, parece de vital importância averiguar se,
e como, ocorrem estas reuniões com a sociedade civil, bem como se, e como, as
informações recebidas influem no momento do voto dos/as deputados/as.
Fizemos um levantamento de todas as audiências públicas realizadas pelas
cinco comissões nos anos de 2011 e 2012, somando 233 reuniões, não importando
se quem fez o requerimento era homem ou mulher. Destas, separamos audiências
com pertinência de gênero (e mais uma vez nos remetemos ao problema dessa
classificação). Este recorte totalizou 15 debates com questões relacionadas a 33 Esta pesquisa foi realizada atendendo à valiosa contribuição da banca de qualificação. 34 Disponível: http://www.cidaborghetti.com.br/#v_trajetoria Acesso em 12.08.2015 35 Disponível: http://flaviamorais.com.br/biografia#.VdYT_WPhxVI Acesso em 12.08.2015 36 Disponível: http://www.atlaspolitico.com.br/perfil/2/230 Acesso em 12.08.2015
mulheres, que analisamos nos seguintes aspectos: quem propôs, quem foi
convidado/a, se houve posicionamento divergente e se o que foi debatido em
audiência se converteu em voto ou proposição legislativa.
O portal da Câmara dos Deputados disponibiliza um histórico das audiências
públicas realizadas. Em regra, há notas taquigráficas de tudo o que foi dito em
audiência e o respectivo áudio da reunião completa. Das 15 reuniões sobre gênero,
12 contam com transcrição dos discursos, as outras três possuem o áudio, que
também permite o estudo aprofundado.
Buscamos verificar se os/as convidados/as das audiências públicas
defendem o mesmo interesse do/a deputado/a propositor/a sobre determinado
projeto de lei. Isto porque, em artigo que analisa o congresso americano, Kollman
(1997) verificou que há uma tendência sistemática de que a ideologia dos grupos de
interesse cercando determinada comissão seja similar à ideologia dos deputados
membros daquela comissão. Para o autor, há duas explicações possíveis para este
padrão: a primeira é que os grupos de interesse escolhem fazer lobby em comitês
com preferências similares. Já a segunda, é que os deputados e os grupos de
interesse possuem, em regra, preferências similares e que essas preferências
tendem a uma polarização em relação ao público geral. (KOLLMAN, 1997, p. 22).
A primeira análise é quantitativa, com porcentagens por comissões; quantas
vezes determinada associação foi chamada a apresentar seu ponto de vista (por
exemplo, o presidente do movimento LGBTT esteve presente em X audiências); em
quantas o poder Executivo esteve representado; e em quantas foram convidados
atores que efetivamente se beneficiariam com determinada política pública.
A segunda análise é qualitativa, em relação ao nível de debate de tais
audiências, perquirindo se houve ou não posicionamentos divergentes durante a
reunião. Sobre a escolha de casos a serem estudados, Seawright e Gerring dizem
que, na seleção de caso, o pesquisador deseja ou uma amostra representativa; ou
variações úteis nas dimensões de interesse teórico (2008, p. 296). E a escolha é
orientada pela forma como esses casos estão situados na população de interesse. O
estudo de um caso típico exemplifica uma relação estável e pode ser considerado
um caso representativo. Já o estudo de um caso extremo seleciona um caso tendo
em vista seu valor na variável independente (X) ou dependente (Y), ou seja, ser um
caso totalmente incomum. (SEAWRIGHT e GERRING, 2008, p. 301). Levando isso
em consideração, colocamos no corpo do trabalho alguns trechos de audiências
públicas para indicar tanto casos típicos, como casos extremos do ocorrido nas
reuniões.
Sobre as audiências, também levantamos quantos pareceres sobre projetos
de lei abordam o que foi debatido nas respectivas audiências públicas; e quantos
novos projetos foram frutos das conclusões apontadas durante as reuniões. Neste
último dado, importante esclarecer que a nossa pesquisa apenas levou em conta os
PL apresentados pelos/as deputados/as que requereram a audiência. Por exemplo,
a Deputada Teresa Surita (PMDB/RR) propôs a realização de reunião para debater
o tema gravidez na adolescência no ano de 2011 dentro da Comissão de
Seguridade Social e Família. Fizemos pesquisa em todos os projetos de lei
apresentados pela citada deputada após a realização da audiência buscando pelos
temas “gravidez”, “adolescente” e “adolescência”.
Até aqui foi exposta a metodologia em linhas gerais, alguns outros
esclarecimentos pontuais serão feitos juntamente com a apresentação dos dados
empíricos. Os próximos dois capítulos tratarão da apresentação dos resultados: no
primeiro ponto, iremos focar nos projetos de lei e de emenda à constituição; na
sequência traremos informações sobre as deputadas e, por fim, abordaremos as
audiências públicas.
4 DEPUTADAS E COMISSÕES PERMANENTES: “Homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição37”.
Como explicado, foi feita a escolha de trabalhar com cinco comissões
permanentes da Câmara dos Deputados: Comissão de Seguridade Social e Família
(CSSF); Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM); Comissão de
Educação (CE); Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público
(CTASP); e Comissão de Legislação Participativa (CLP). Pesquisamos todas as
deputadas que participaram como titulares das citadas comissões nos anos de 2011
e 2012, somando um total de 27 parlamentares, que representam 58% das mulheres
eleitas para a 54ª legislatura.
Os primeiros dados apresentados em relação às comissões permanentes
dizem respeito ao seu poder de promover alterações legislativas. Encontramos
estudo defendendo tanto que as comissões brasileiras não teriam um papel muito
relevante (SANTOS, 2002, p. 239); como também, pesquisa mais recente no sentido
de que as comissões foram responsáveis por 43% da produção legal entre os anos
de 2003 e 2007 (SANTOS, 2008, p. 70). Buscamos, então, verificar se as comissões
teriam poder conclusivo nas legislações que versam sobre gênero.
Nosso escopo, primeiramente, são os 32 projetos de lei (PL) envolvendo
questões de gênero apresentados pelas deputadas membras titulares das cinco
comissões, nos anos de 2011 e 2012. Realizamos uma busca no andamento de tais
PL até outubro de 2014, visando verificar se estes projetos seriam analisados
conclusivamente pelas comissões ou se a competência para votação seria do
plenário.
De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, cabe às
comissões permanentes, em razão da matéria de sua competência, discutir e votar
projetos de lei, excetuando as matérias previstas no inciso II do seu art. 2438 e caso
37 Trecho do Art. 5°, I da CF. Na íntegra: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” 38 Art. 24. Às Comissões Permanentes, em razão da matéria de sua competência, e às demais Comissões, no que lhes for aplicável, cabe:(...) II - discutir e votar projetos de lei, dispensada a competência do Plenário, salvo o disposto no § 2º do art. 132 e excetuados os projetos: a) de lei complementar; b) de código; c) de iniciativa popular;
não haja manifestação contrária de um décimo dos membros da Casa; nestas
situações, a competência da votação será do plenário.
Assim, um dos primeiros trâmites após o projeto de lei ser proposto é a
verificação, pela Mesa Diretora, se a proposição se enquadra na alçada de parecer
conclusivo pelas comissões. A Mesa poderá determinar apreciação por mais de uma
comissão, a depender da matéria. Por exemplo, o PL 371/201139, que prevê punição
contra desigualdade salarial entre homens e mulheres, deve receber parecer
conclusivo das seguintes comissões: Desenvolvimento Econômico, Indústria e
Comércio; Trabalho, Administração e Serviço Público; e Constituição, Justiça e
Cidadania.
Tabela 2: Forma de apreciação dos projetos de lei sobre gênero
Total de projetos sobre gênero 32 100%
Análise conclusiva pelas
comissões
14 43,7%
Análise do plenário 16 50%
Ainda não houve definição sobre
forma de apreciação
2 6,2%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.
Temos na tabela supra quase um equilíbrio entre a forma de apreciação dos
projetos de lei que versam sobre gênero: metade deles foi definida pela Mesa
Diretora como de competência do plenário e 43,7% deverão ser analisados de forma
conclusiva pelas comissões. Há dois projetos de lei sem a forma de apreciação
ainda definida. É claro que estes dados são restritos a um escopo muito pequeno:
projetos de lei sobre gênero apresentados pelas deputadas nos anos de 2011 e
2012, portanto, não têm o condão de verificar toda a atividade legislativa da Câmara.
Mas não deixa de ser interessante o fato de ser o mesmo número apresentado por
Santos (2008), que concluiu que as comissões foram responsáveis por 43% da
d) de Comissão; e) relativos a matéria que não possa ser objeto de delegação, consoante o § 1º do art. 68 da Constituição Federal; f) oriundos do Senado, ou por ele emendados, que tenham sido aprovados pelo Plenário de qualquer das Casas; g) que tenham recebido pareceres divergentes; h) em regime de urgência; (BRASIL, 1989). 39 PL 371/2011 proposto pela Deputada Manuela D´Ávila (PCdoB/RS)
produção legislativa entre os anos de 2003 e 2007. Estes dados servem para
reforçar a importância de se estudar as comissões legislativas, então vamos a elas.
4.1 Distribuição das deputadas entre as comissões: “A mulher paga impostos, por
que proibir sua participação em regulá-los?40”
Para definir quais comissões iríamos trabalhar, realizamos um apanhado de
número de mulheres por comissões de matéria. Ao analisar estes dados, chamou
atenção o fato de determinados temas não contarem com a presença de nenhuma
deputada, enquanto outras comissões somavam um número considerável de
representantes do sexo feminino. Sobre isso, retomamos a citação de Orsato
(2013), que faz um apanhado de várias pesquisas sobre a Câmara dos Deputados e
todas apontam no mesmo sentido, de que há concentração feminina nas comissões
que tratam sobre família e questões sociais como saúde e educação:
Vale mencionar o trabalho de Cíntia Reis (2010) sobre o perfil das deputadas federais brasileiras (1986-2011) o qual demonstrou que as comissões permanentes que mais agregam mulheres são seguridade social e família; educação, cultura e desporto; defesa dos consumidores e direitos humanos e minorias. Também Irlys Barreira e Danyelle Gonçalves (2011), a respeito do trabalho das deputadas e senadoras no Congresso Nacional (2003-2015), afirmam que a atuação mais significativa das parlamentares ocorre nas Comissões de Educação e Cultura e Seguridade Social e Família. Conclusão similar foi apresentada por Janine Santos (2007), referente a estudo da composição da Câmara de Deputados (2003-2006), onde destacou a presença das mulheres nas comissões que apresentavam os temas: família, infância e adolescência e questões de gênero. A pesquisa de Lúcia Avelar (2001) mostrou que os temas priorizados pelas mulheres na legislatura de 1998-2002 na Câmara dos Deputados referiram-se às áreas de trabalho e previdência, saúde, violência e direitos civis, enquanto uma proporção mínima tratou de temas relacionados ao desenvolvimento, à infraestrutura e ao poder (PINHEIRO, 2007). (ORSATO, 2013, p.6)41.
Conforme demonstrado na Tabela 1, podemos observar que há sim grandes
diferenças de concentração e distribuição feminina entre as comissões da Câmara,
durante a 54ª legislatura. A Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) é a
40 Justificativa apresentada no PL 102/1919, que pretendia estender o direito ao voto para as mulheres. Disponível http://pt.slideshare.net/Museu-Bertha/projeto-de-lei-102-1919-senador-justo-chermont Acesso em 19.08.2015. 41 Em uma primeira leitura esta citação pode levar a crer que, diferente do que foi dito anteriormente, há vários estudos sobre comissões e gênero. Contudo, cabe esclarecer que as pesquisas citadas possuem como objeto principal o perfil das mulheres nas instituições políticas e não tratam especificamente sobre comissão e gênero.
que possui maior presença de mulheres, com oito deputadas, 22% do total dos 36
membros. Por outro lado, a Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) não
possui nenhuma mulher entre os 18 membros. O que mais chama atenção, contudo,
é a composição das três Comissões que necessariamente irão tratar de dinheiro:
Comissão de Finanças e Tributação (CFT), Comissão de Fiscalização Financeira e
Controle (CFFC) e Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio
(CDEIC), com apenas uma mulher em cada uma das comissões.
Por outro lado, há dados que surpreenderam por não comprovarem os
achados de estudos anteriores, como é o caso da representação feminina na
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), que conta com 15%
de mulheres. Segundo a pesquisa de Heath (2005), haveria uma sub-representação
das deputadas em comitês que tratam de política externa. Contudo, não é o que
observamos na 54ª legislatura, já que a composição da CREDN fica em 3ª lugar nas
comissões com maior porcentagem de representação feminina, empatada com a
Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTAS).
De qualquer forma, os números da CSSF vão de encontro com o que
esperávamos achar no caso brasileiro após os apontamentos das bibliografias
pesquisadas. Não só a CSSF é a comissão com maior percentual de mulheres, é
também a que mais conta com deputadas em números absolutos. Possui 8
parlamentares do sexo feminino, quase 17% das representantes eleitas na 54ª
legislatura.
Outro achado bastante expressivo é o que diz respeito à Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Como já foi dito, esta comissão não é
como as demais, pois praticamente todos os projetos de lei da Casa deverão passar
pelo seu crivo (sua competência, de acordo com o art. 32 do Regimento Interno42 é
42 Artigo 32, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: “a) aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas Comissões; b) admissibilidade de proposta de emenda à Constituição; c) assunto de natureza jurídica ou constitucional que lhe seja submetido, em consulta, pelo Presidente da Câmara, pelo Plenário ou por outra Comissão, ou em razão de recurso previsto neste Regimento; d) assuntos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, à organização do Estado, à organização dos Poderes e às funções essenciais da Justiça; e) matérias relativas a direito constitucional, eleitoral, civil, penal, penitenciário, processual, notarial; f) Partidos Políticos, mandato e representação política, sistemas eleitorais e eleições; g) registros públicos; h) desapropriações; i) nacionalidade, cidadania, naturalização, regime jurídico dos estrangeiros; emigração e imigração;
bem ampla). Além disso, é uma comissão com grande repercussão midiática,
tornando-a estratégica para os partidos (MULLER, 2005, p. 3). Sua composição
conta com 66 membros, dos quais apenas duas são mulheres. Assim, verificamos
que realmente as deputadas se concentram em temas mais “assistenciais”, com
grande atuação na CSSF e ficam de fora de comissões “poderosas”, como é o caso
da CFT e CFFC, bem como, da CCJ, comissão estratégica para os partidos.
Antes de iniciar a coleta de dados, nossa hipótese era de que as mulheres
se concentrariam em comissões na quais os assuntos relativos a gênero teriam mais
chance de ser abordados, como é o caso da CSSF e CDHM. Nossa ideia inicial era
de que as deputadas buscariam comissões onde fosse mais viável o engajamento
em pautas legislativas sobre mulheres. Acreditávamos que as deputadas,
conscientes da baixa representação política feminina, utilizariam este “diferencial”,
para tentar buscar um interesse, defender uma opinião ou determinada perspectiva.
Em outras palavras, de acordo com critérios informacionais de distribuição
entre as comissões, as deputadas seriam indicadas ou escolheriam as comissões
com maior possibilidade de tratar de questões de gênero justamente por terem
informações e perspectivas relevantes para estas matérias. Contudo, após a
verificação de que várias deputadas nem ao menos apresentaram propostas
legislativas sobre gênero (este dado será mostrado em ponto próprio), esta nossa
hipótese não parece mais ser tão defensável.
Pelo que foi observado no decorrer da pesquisa, as deputadas, em regra,
não enfatizam bandeiras feministas e não trazem pautas de gênero como sua
principal plataforma de reeleição – mais para frente iremos demonstrar esta
constatação empiricamente. Então, como explicar a concentração das deputadas
nas cinco comissões estudadas? Como já foi dito no capítulo sobre metodologia,
verificamos a) as ocupações anteriores das parlamentares; b) sua ligação com
j) intervenção federal; l) uso dos símbolos nacionais; m) criação de novos Estados e Territórios; incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Estados ou de Territórios; n) transferência temporária da sede do Governo; o) anistia; p) direitos e deveres do mandato; perda de mandato de Deputado, nas hipóteses dos incisos I, II e VI do art. 55 da Constituição Federal; pedidos de licença para incorporação de Deputados às Forças Armadas; q) redação do vencido em Plenário e redação final das proposições em geral”.
associações, sindicatos, movimentos feministas, entre outros; e c) permanência na
comissão de matéria por mais de um período legislativo.
4.2 PERFIL DAS DEPUTADAS: “Mãe, profissional, esposa. Vaidosa, batalhadora,
sensível.43”
Para buscar compreender o recrutamento das deputadas nas comissões
estudadas, iremos verificar, neste tópico, as profissões anteriores, ligações com
grupos externos e permanência nas comissões. Iniciamos detalhando por quantos
anos as deputadas mantiveram suas atuações nas cinco comissões como titulares,
para averiguar se haveria uma regra de permanência. Como já foi dito, há estudo de
Pereira e Mueller (2000) demonstrando o alto grau de rotatividade nas comissões
brasileiras. Fizemos um levantamento para as deputadas e comissões pesquisadas:
Gráfico 1: Anos de permanência na mesma comissão das deputadas titulares da CDHM, CSSF, CTASP, CE e CLP.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.
43 Trecho de uma campanha denominada “Ser Mulher” desenvolvida pela Secretaria de Comunicação da Câmara (Secom) em homenagem às servidoras do Poder Legislativo no Dia Internacional da Mulher. A campanha traz o seguinte texto, entre outras pérolas: “Depois de um dia de trabalho, a mulher arruma a casa, põe flores à mesa e faz um bolo fresquinho. Com graça e leveza, marca presença e transforma qualquer casa em um lar de verdade”. Disponível: http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/camara-destaca/mulheres-no-parlamento/campanhas Acesso em 21.08.2015.
4%
12%
15%
23%
23%
23%
Anos de permanência na mesma Comissão
Menos de um ano
1 ano
2 anos
4 anos
5 anos
Mais de 5 anos
Fica claro no gráfico acima que a maioria das deputadas permanece na
mesma comissão por quatro anos 44 ou mais. Assim, para as parlamentares
estudadas, não há grande rotatividade de matérias, muito pelo contrário, a tendência
é a manutenção no mesmo tema legislativo. Esclarecemos que, na realização da
pesquisa, consideramos também os mandatos eletivos anteriores à 54ª legislatura e
as informações foram coletadas das biografias oficiais constantes do site da
Câmara.
As quatro parlamentares titulares da CTAS nos anos de 2011 e 2012 contam
com no mínimo quatro anos de experiência, sendo que duas delas (Andreia Zito –
PSDB/RJ – e Gorete Pereira – PR/CE) acumulam nove anos de participação na
mesma comissão. Também foi observada a constância de deputadas na CE, sendo
que quatro, das cinco membras, atuam na mesma matéria há, no mínimo, quatro
anos. A comissão que apresentou maior rotatividade foi a CDMH, com 50% das
deputadas permanecendo menos de quatro anos na comissão. Em seguida a CSSF,
que teve três membras alteradas antes de completar o período de um mandato. A
deputada com maior permanência em uma mesma comissão é Luiza Erundina
(PSB/SP), que se mantém na CLP há aproximadamente 12 anos como titular.
Dos dados apresentados, concluímos que a regra da permanência na
comissão escolhida é observada para as deputadas brasileiras: as parlamentares
têm tendência de continuar na mesma comissão, adquirindo mais experiência e,
possivelmente, maior conhecimento sobre os temas específicos. Isto é um indício de
explicação da distribuição das deputadas através da teoria informacional: incentivos
para o aumento da especialidade dos/as congressistas em determinados temas.
Outro dado a ser analisado é a formação acadêmica/ ocupação anterior que
cada deputada exercia antes da eleição parlamentar. Nossa hipótese inicial era de
que esta variável teria influência na escolha da comissão por tema mais pertinente à
experiência anterior; por exemplo, encontraríamos uma concentração de professoras
na CE. Contudo, não foi isso que observamos da análise dos dados.
Na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, não há nenhuma advogada
ou assistente social, mas há uma bancária (Érika Kokay – PT/DF), uma economista
(Antônia Lúcia – PSC/AC) e uma radialista (Liliam Sá – PSD/RJ). Na Comissão de
44Nos valemos desta “medida de tempo” de quatro anos, considerando o tempo de mandato dos/as deputados/as federais.
Seguridade Social e Família, encontramos duas enfermeiras, uma auxiliar de
enfermagem e uma médica45, num universo de 12 deputadas (que foram titulares da
CSSF nos anos de 2011 e 2012), significando uma concentração considerável de
profissionais da saúde. Das representantes mulheres na comissão, 33% possuem
ocupação com óbvia pertinência temática aos trabalhos desenvolvidos nesta esfera
legislativa. Entre as demais deputadas, temos duas empresárias 46 , duas
professoras47, três funcionárias públicas48 e uma do lar49.
A Comissão de Educação possui duas professoras (Fátima Bezerra – PT/RN
– e Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO) no seu quadro total de cinco deputadas
que foram titulares nos anos de 2011 e 2012, representando 40% de profissões com
óbvia pertinência temática com o objeto da comissão. Pela CE também passou uma
farmacêutica bioquímica, uma publicitária, e uma servidora pública50.
A Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público possui uma
atribuição mais ampla e fica mais difícil de avaliar a pertinência das profissões, mas
é digno de nota o fato de que justamente na comissão que trata de serviço público,
não há nenhuma funcionária pública. Esta comissão contou com uma bacharela em
direito, uma socióloga, uma professora e uma fisioterapeuta 51 . E por fim, a
Comissão de Legislação Participativa teve uma assistente social e uma professora52.
Assim, em nenhuma das comissões estudadas, a profissão/ ocupação anterior se
mostrou como fator determinante para a indicação da matéria a ser trabalhada.
Ainda dentro do perfil das parlamentares, verificamos aquelas que possuem
ligação com associações, sindicatos e movimentos feministas – de acordo com sua
biografia oficial presente no site da Câmara. Pretendemos analisar se as deputadas
com atuação anterior em determinados setores da sociedade, buscaram ingressar
nas comissões com pertinência de matéria. Estes dados também são importantes
para verificar critério de recrutamento, levando em consideração a atuação da
comissão junto aos grupos de interesse - eles serão mais uma vez levantados
45 Benedita da Silva (PT/RJ), auxiliar de enfermagem; Camen Zanotto (PPS/SC), enfermeira; Jandira Fegali (PCdoB/RJ), enfermeira; e Celia Rocha (PTB/AL), médica. 46 Cida Borghetti (PP/PR) e Aline Corrêa (PP/SP). 47 Elcione Barbalho (PMDB/PA) e Prof. Marcivania (PT/AP) 48 Rosinha da Adefal (PTdoB/AL), Teresa Surita (PMDB/RR) e Sueli Vidigal (PDT/ES) 49 Descrito desta forma no site da Câmara. Deputada Nilda Gondim (PMDB/PB). 50 Alice Portugal (PCdoB/BA), Mara Gabrilli(PSDB/SP) e Nice Lobão (DEM/MA), respectivamente. 51 Andreia Zito (PSDB/RJ), Fátima Pelaes (PMDB/AP), Flávia Morais (PDT/GO) e Gorete Pereira (PR/CE). 52 Luiza Erundina (PSB/SP) e Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO).
quando formos tratar das audiências públicas. Quanto às ligações sindicais, temos
os seguintes dados:
Tabela 3: Deputadas titulares da CDHM, CSSF, CE, CLP e CTASP em 2011 e 2012 e os Sindicatos mencionados nas biografias oficiais Deputada Partido Comissão Sindicato
Fátima Bezerra PT /RN CE Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte.
Alice Portugal PCdoB/ BA CE Sindicato dos Trabalhadores em Educação Superior; CUT
Gorete Pereira PR/ CE CTASP Sindicato de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Fortaleza
Erika Kokay PT/ DF CDHM Sindicato dos Bancários DF; CUT
Janete Rocha
Pietá
PT/ SP CDHM Sindicato Metalúrgicos SP
Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF Sindicato dos Médicos RJ
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.
As demais deputadas não declararam ligações com sindicatos em suas
biografias oficiais. Pelos dados da tabela, há pertinência temática óbvia nos
Sindicatos das duas membras da CE. Inclusive, a presença da deputada Alice
Portugal na Comissão de Educação não guardava ligação com a sua profissão, que
é farmacêutica bioquímica. Mas pode ser explicada pela sua atuação junto ao
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Superior. Sobre a CTASP, acreditamos
que qualquer atividade sindical garante relevância informacional nesta comissão, já
que um dos seus objetivos é discutir legislação sobre trabalho.
No caso das deputadas pertencentes à CDHM, não encontramos pertinência
temática óbvia com o Sindicato dos Metalúrgicos ou dos Bancários. Por outro lado,
há clara relevância para a CSSF a ligação da deputada Jandira Feghali com o
Sindicato dos Médicos. Outro dado que pode ser extraído desta tabela é a filiação
partidária. A única deputada que declarou ligação sindical e não pertence a partidos
de esquerda é Gorete Pereira, do Partido da República.
Seguindo adiante, vejamos as ligações das deputadas com associações ou
institutos:
Tabela 4: Deputadas titulares da CDHM, CSSF, CE, CLP e CTASP em 2011 e 2012 e as associações53/ institutos mencionados nas biografias oficiais Deputada Partido Comissão Associação / Federação / Instituto
Fátima Bezerra PT /RN CE Associação dos Orientadores Educacionais do Rio Grande do Norte; Associação dos Professores do Rio Grande do Norte
Mara Gabrilli PSDB/ SP CE Instituto Rodrigo Mendes (educação inclusiva); Instituto Asas (jovens empreendedores); Instituto Mara Gabrilli (portadores de necessidades especiais).
Rosinha da Adefal
PTdoB/ AL CSSF Associação Dos Deficientes Físicos em Alagoas
Benedita da Silva PT/ RJ CSSF Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro
Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF Associação Nacional dos Médicos Residentes
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.
Desta tabela, há pertinência temática óbvia entre os temas da associação/
federação/ instituto e os objetos de discussão legislativa dentro das comissões. Nos
dois casos da CE, as parlamentares participaram de organizações ligadas à
educação. A deputada Rosinha da Adefal teve como plataforma de campanha a
“defesa dos direitos das pessoas com deficiência”54. A sua conexão com um grupo
de interesse não poderia ser mais visível – ela utiliza a sigla da associação em seu
nome político e a comissão a qual pertence analisa diversas legislações sobre o
tema. Sobre a Federação de Favelas, a priori ficamos em dúvida quanto à
pertinência, mas dado que “Seguridade Social” envolve “Assistência Social”, a
ligação também parece patente.
Como foi dito, um dos nossos objetivos era analisar o número de deputadas
com atuação junto aos movimentos feministas. Contudo, tivemos grande dificuldade
em realizar esta classificação. Tendo em vista que não são todas as organizações
que se denominam “feministas”, mesmo com engajamento na luta por direitos das
mulheres 55 . Assim, optamos por adequar o termo e utilizar “organizações para
53A deputada Aline Corrêa participa da Associação Feminina Cristã, mas optamos por incluir este dado em “organizações para mulheres”. 54 Da página do facebook da deputada: https://www.facebook.com/rosinhadaadefal2?fref=nf Acesso em 22.10.14). 55 A BPW Associação de Mulheres de Negócios de Profissionais, não utiliza o termo “feminista” em seu site oficial, contudo, descreve a seguinte missão: “Ser reconhecida como um celeiro de lideranças femininas, independente de raças e credos, atraindo e mantendo personalidades femininas da comunidade, a empoderando, proporcionando trocas de experiências e aprimorando o empreendedorismo”. Disponível em 25.10.14: http://www.bpwbrasil.org/principal/50.html
mulheres”, significando qualquer associação a qual a deputada tenha declarado sua
ligação na biografia oficial e que tenha como objetivo ampliar os direitos femininos.
Tabela 5: Deputadas titulares da CDHM, CSSF, CE, CLP e CTASP em 2011 e 2012 e as organizações para mulheres mencionadas nas biografias oficiais Deputada Partido Comissão Organizações para mulheres
Fátima Pelaes PMDB/ AP CTASP Instituto FASE
Benedita da Silva PT/ RJ CSSF Conselho Nacional de Mulheres do Brasil
Cida Borghetti PP/ PR CSSF BPW Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais
Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF União Brasileira de Mulheres
Aline Corrêa PP/ SP CSSF Associação Feminina Cristã (ACF)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.
O Instituto FASE, que consta na biografia da deputada Fátima Pelaes, tem
quatro grandes causas, uma delas é a “Organização das Mulheres como Sujeitos de
Direitos”56. O conteúdo do site do Instituto apresenta um viés feminista. Uma das
bandeiras levantadas é a questão dos salários menores em virtude de gênero, com
ligação ao tema da comissão da deputada Pelaes, que integra a CTASP. Vale notar
que apenas cinco parlamentares colocam em suas biografias ligações com
organizações para mulheres. E, destas cinco, quatro são da mesma comissão:
CSSF. A associação que nos deixa um pouco na dúvida quanto à ligação com os
temas da CSSF é a BPW, pois o foco principal é o empreendedorismo feminino, que
não necessariamente tem ligação com seguridade social e família. Mas
consideramos como uma forma de explicação informacional que a deputada que
atue em uma associação de mulheres, também seja participante da comissão que
debate o maior número de pautas de gênero.
Esta análise das organizações foi bem frutífera, sendo um bom ponto de
explicação da distribuição entre as comissões: as deputadas buscam discutir
legislações com relevância para os sindicatos/ associações/ institutos/ federações
das quais fizeram parte. Apesar do baixo número de parlamentares que apontam
estas ligações externas – apenas 12 das 27 deputadas – não podemos deixar de
notar um elo entre a experiência e expertise advinda destas organizações com a
matéria das comissões.
56 Do site oficial do Instituto FASE acesso em 25.10.2014: http://fase.org.br/pt/o-que-fazemos/mulheres/
Agora, vamos resumir estes achados em uma única tabela, que irá conter o
nome das deputadas, comissões das quais fazem parte, e três outros campos: a)
seniority, que traz os dados de deputadas que contam com quatro anos ou mais de
participação na comissão; b) ocupação, correlacionando as profissões e formações
acadêmicas das parlamentares; c) organizações externas, neste campo estão
incluídos sindicatos, associações, entre outros, com ligação com a matéria da
comissão.
Tabela 6: Resumo das características informacionais
Nome da deputada Comissão Seniority Ocupação Organizações externas
Alice Portugal CE X - X
Aline Corrêa CSSF X - X
Andreia Zito CTASP X - -
Antônia Lúcia CDHM - - -
Benedita da Silva CSSF X X X
Carmen Zanotto CSSF X X -
Cida Borghetti CSSF - - X
Celia Rocha CSSF - X -
Elcione Barbalho CSSF X - -
Erika Kokay CDHM X - -
Fátima Bezerra CE X X X
Fátima Pelaes CTASP X - X
Flávia Morais CTASP X - -
Gorete Pereira CTASP X - X
Luiza Erundina CLP X - -
Liliam Sá CDHM X - -
Jandira Feghali CSSF X X X
Janete Rocha Pietá CDHM X - -
Manuela D´Ávila CDHM - - -
Mara Gabrilli CE - - X
Nice Lobão CE X - -
Nilda Gondim CSSF X - -
Profa. Dorinha Seabra Rezende
CE X X -
Profa. Marcivania CSSF - - -
Rosinha da Adefal CSSF X - X
Sueli Vidigal CSSF X - -
Teresa Surita CSSF - - -
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.
Conforme se depreende da tabela 6, 23 das 27 deputadas apresentam uma
ou mais características que vão de encontro com a teoria informacional: seja pelo
tempo de permanência na mesma comissão; participação em organizações com o
mesmo tema debatido nos projetos de lei que passam pelas comissões; ou
ocupação e formação acadêmica anterior. Isto nos leva a concluir que a escolha da
comissão é, em regra, dirigida pelo conhecimento acumulado das deputadas.
Por fim, realizamos pesquisa sobre as deputadas e relações familiares com
políticos 57 . Como já foi explicado, buscamos por filiação ou matrimônio nas
biografias constantes no site da Câmara e nos sites e blogs oficiais das
parlamentares. Das 27 congressistas analisadas, 10 possuem relações familiares
com homens que exerceram funções políticas, sejam prefeitos, deputados, entre
outros, somando 37% das mulheres pesquisadas.
Buscamos também averiguar se o parentesco teria maior incidência
conforme a orientação ideológica partidária. As deputadas Flávia Morais e Sueli
Vidigal possuem vínculos familiares com políticos e ambas pertencem ao PDT, que
consta na classificação utilizada como partido de esquerda, representando 16,6% do
total de 12 deputadas de esquerda. Por sua vez, os partidos do centro (PMDB e
PSDB) somam seis deputadas, sendo que quatro delas possuem relações de
parentesco, ou seja, 66,6% das congressistas desta posição ideológica. Finalmente,
há nove deputadas integrantes de partidos de direita no nosso objeto de estudo e
quatro delas com vínculos familiares, uma percentagem de 44,4%.
Através dos dados apresentados, confirmamos a hipótese de que as
deputadas se concentram em determinados temas de comissões, como seguridade
57 Acreditamos que os dados das relações familiares das deputadas só poderiam ser interpretados de
forma completa com a realização de pesquisa de parentesco dos homens congressistas pertencentes às comissões. Contudo, por fugir muito do objeto central deste trabalho, tal averiguação não foi realizada. Desta feita, não podemos precisar se há maior ocorrência de mulheres com familiares políticos. Em pesquisa anterior, SANTOS (1997, p. 90) constatou que: “Durante as oito legislaturas examinadas, a freqüência de parlamentares ligados a políticos por laços de parentesco se situou em torno de 25,8 por cento do total de deputados eleitos”. A pesquisa trata de período anterior ao estudado na presente dissertação.
social e família e concluímos que a ligação à organização externa (associação,
sindicato, entre outros) é um dado relevante para a explicação de distribuição entre
comissões. Agora, iremos analisar os projetos de lei propostos por estas deputadas,
bem como os votados no âmbito das comissões trabalhadas.
5 PROPOSTAS LEGISLATIVAS: “...Câmara dos Deputados um centro de
debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos
direitos das mulheres no Brasil e no mundo”58
Conforme já foi indicado optamos por duas fontes de informações: a primeira
abrange todos os projetos de lei e projetos de emendas à constituição apresentados
pelas 27 deputadas, membras titulares das cinco comissões escolhidas, entre os
anos de 2011 e 2012. A segunda fonte é composta pelos projetos de lei votados no
âmbito das cinco comissões no mesmo período de tempo, tanto as votações pela
rejeição como pela aprovação.
Iniciaremos este capítulo apresentando os dados sobre os projetos de lei e
emendas à constituição apresentados pelas deputadas selecionas, nos mesmos
anos (2011 e 2012). Contabilizamos um total de 335 projetos de lei e emendas, das
quais apenas 32 tratam sobre questões pertinentes a gênero. Na tabela a seguir
seguem os nomes de todas as deputadas pertencentes às cinco comissões,
respectivos partidos e produção legislativa:
Tabela 7: Total de PL apresentados pelas Deputadas, respetivos partidos e PL relacionados a gênero Nome da deputada Partido/
Estado
Comissão N. total de
PL
Relacionado a
gênero
% relacionado a gênero
Alice Portugal PCdoB/ BA CE 6 0 0
Aline Corrêa PP/ SP CSSF 10 1 10%
Andreia Zito PSDB/ RJ CTASP 33 0 0
Antônia Lúcia PSC/ AC CDHM 7 0 0
Benedita da Silva PT/ RJ CSSF 9 2 22%
Carmen Zanotto PPS/ SC CSSF 13 0 0
Cida Borghetti PP/ PR CSSF 8 2 25%
Celia Rocha PTB/ AL CSSF 1 1 100%
Elcione Barbalho PMDB/ PA CSSF 8 0 0
Erika Kokay PT/ DF CDHM 54 6 11%
Fátima Bezerra PT /RN CE 9 0 0
Fátima Pelaes PMDB/ AP CTASP 8 3 37%
Flávia Morais PDT/ GO CTASP 17 1 5%
58 Trecho do art. 20-A do Regimento interno da Câmara, que instituiu a Secretaria da Mulher, em 2013. Artigo na íntegra: “A Secretaria da Mulher, composta pela Procuradoria da Mulher e pela Coordenadoria dos Direitos da Mulher, sem relação de subordinação entre elas, é um órgão político e institucional que atua em benefício da população feminina brasileira, buscando tornar a Câmara dos Deputados um centro de debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos direitos das mulheres no Brasil e no mundo.” (BRASIL, 1989).
Gorete Pereira PR/ CE CTASP 10 0 0
Luiza Erundina PSB/SP CLP 10 0 0
Liliam Sá PR/ RJ CDHM 14 6 42%
Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF 13 1 7%
Janete Rocha Pietá PT/ SP CDHM 12 2 16%
Manuela D´Ávila PCdoB/
RS
CDHM 15 1 6%
Mara Gabrilli PSDB/ SP CE 12 0 0
Nice Lobão PSD/ MA CE 0 0 0
Nilda Gondim PMDB/ PB CSSF 30 4 13%
Profa. Dorinha Seabra Rezende
DEM/ TO CE 18 0 0
Profa. Marcivania PT/AP CSSF 1 0 0
Rosinha da Adefal PTdoB/ AL CSSF 11 0 0
Sueli Vidigal PDT/ ES CSSF 17 1 5%
Teresa Surita PMDB/ RR CSSF 6 1 16%
Total 352 32 9%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.
No que diz respeito aos projetos de emendas à Constituição, todas as
deputadas juntas apresentaram 17 PEC nos anos de 2011 e 2012. Contudo, não
houve nenhuma PEC apresentada que levantasse qualquer questão referente a
gênero. De uma primeira análise desses dados, já fica claro que uma deputada não
necessariamente irá propor projetos para mulheres ou fazer deste tipo de legislação
a sua principal bandeira. Conforme se observa da tabela, 13 das 27 deputadas
(praticamente metade do universo total estudado) não realizaram nenhuma
proposição com temática de gênero.
Também é interessante observar a concentração dos temas sobre os quais
tratam as proposições. Pelo o que foi defendido por Zaikoski “Se observa la
reiteración y circularidade nel tratamiento de temas que afectan a las mujeres, sin
que al menos se legisle un umbral de derechos sobre el cual construir a posteriori y
paulatinamente más y mejores derechos de ciudadanía femenina” (2012, p. 5).
Buscando verificar se esta questão da reiteração de temas também se aplica ao
caso brasileiro, pegamos tomamos todas as proposições sobre gênero apresentadas
pelas 27 deputadas em 2011 e 2012 e separamos por temas mais recorrentes,
chegando nos seguintes números:
Tabela 8: Projetos de Lei sobre gênero, divididos por temas recorrentes
Número de PL %
Total de PL sobre gênero 32 100%
Questões sexuais de crianças e adolescentes 12 37%
Direitos trabalhistas 7 21%
Maior representação feminina na política 3 9%
Mulheres em situação prisional 3 9%
Violência doméstica 2 6%
Prioridade no atendimento de gestantes e lactantes 2 6%
Direitos LGBTT 2 6%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.
Da leitura das ementas dos projetos de lei sobre gênero, conseguimos
facilmente observar temas recorrentes. Questões ligadas à sexualidade de crianças
e adolescentes são objetos de 12 propostas legislativas, mais de 1/3 do total de
projetos sobre gênero. Neste ponto, chama especial atenção a atuação da deputada
Lilian Sá (PR/RJ), que apresentou um total de 14 PL nos anos de 2011 e 2012. Seis
projetos foram identificados como pertinentes a gênero e todos são relativos a
crianças e adolescentes59.
Na classificação dos PLs incluímos um pertinente aos direitos trabalhistas.
Aí estão englobados projetos de lei que tratam sobre desigualdade salarial em
virtude do sexo60; aumento de efetivo de policiais mulheres61; e direitos trabalhistas
59PL-2371/2011 Ementa: Cria o Sistema Nacional de Combate à Pedofilia e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil; PL-4468/2012 Ementa: Dispõe sobre a obrigatoriedade da impressão, em todo livro didático publicado no País, de mensagem alusiva ao combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes; PL-4469/2012 Ementa: Altera a Lei nº 11.577, de 22 de novembro de 2007, para tratar da divulgação, no transporte público, de mensagem relativa à exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes; PL-4754/2012 Ementa: Determina às emissoras de radiodifusão sonora e de sons e imagens a obrigatoriedade de divulgação de propagandas gratuitas de combate à pedofilia, violência e ao abuso e exploração sexual, e desaparecimento de crianças e adolescentes; PL-4756/2012 Ementa: Acrescenta o art. 394-A ao Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 para assegurar, em qualquer instância, prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais e laudos periciais, que apurem a prática de crime de pedofilia, abuso, violência e exploração sexual de criança e adolescente; PL-4858/2012 Ementa: Acrescenta inciso ao art. 8º da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, atribuindo à ANAC competência para estabelecer normas de informação aos turistas sobre exploração e turismo sexual. 60 PL 371/2011 proposto pela deputada Manuela D´Ávila (PCdoB/RS). 61 PL 3408/2012 proposto pela deputada Erika Kokay (PT/DF).
decorrentes da maternidade/ paternidade62. Dos sete projetos de lei analisados com
temática “trabalho”, três versam sobre o aumento de tempo da licença paternidade
(incluídos aqui como questão de gênero, tendo em vista a divisão do trabalho
doméstico e cuidado com as crianças).
Há também três projetos de lei que buscam maior representação feminina na
política: o PL 3352/2012 da deputada Fatima Pelaes (PMDB/AP), que pretende
disciplinar a movimentação do percentual do Fundo Partidário destinado à promoção
da participação feminina; o PL 1699/2011, da deputada Flávia Morais (PDT/GO),
que estabelece que o eleitor votará em dois candidatos de gêneros diferentes para
cargos legislativos; e o PL 2436/2011 da deputada Benedita da Silva (PT/RJ), que
estabelece distribuição paritária entre os sexos no preenchimento de cargos nos
órgãos de direção partidários.
Outra temática que aparece como objeto de três projetos de lei são os
direitos e as garantias das mulheres em situação prisional63. Também, conforme
observado na tabela, dois projetos de lei que tratam sobre violência doméstica64; e
dois projetos de lei sobre atendimento prioritário a gestantes e lactantes65. Por fim,
dois PL que tratam de direitos LGBTT66.
Pelos dados analisados, realmente é possível observar uma reiteração de
temas nas propostas legislativas apresentadas pelas deputadas nos anos de 2011 e
2012. Não só determinados temas comuns em propostas de diversas deputadas –
como é o caso de questões sexuais de crianças e adolescentes, que foi objeto de
proposições por cinco parlamentares diferentes; como também, a mesma deputada
apresentando projetos de lei com objetos muito próximos – por exemplo, a deputada
Erika Kokay (PT/DF) que apresentou três PL sobre licença paternidade; e a
deputada Nilda Gondim (PMDB/PB) que apresentou os dois projetos sobre
atendimento prioritário.
Conforme indicado acima, Zaikoski (2012) entende que, no caso argentino,
não há construção gradual de mais direitos que garantam a cidadania feminina. Em
62 PL 879/2011, PL 901/2011 e PL 3431/2012 propostos pela deputada Erika Kokay (PT/DF); PL 125/2011 proposto pela deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ); PL 3812/2012 proposto pela deputada Teresa Surita (PMDB/RR). 63 PL 2744/2011 (Fatima Pelaes PMDB/AP); PL 1510/2011 (Erika Kokay PT/DF); e PL 1157/2011 (Cida Borghetti PP/PR) 64 PL 4155/2012 (Deputada Fátima Pelaes PMDB/AP) e 4501/2012 (Deputada Aline Corrêa PP/SP). 65 PL 579/2011e PL 628/2011 (ambos da Deputada Nilda Gondim PMDB/PB). 66PL 4241/2012 (Erika Kokay PT/DF) e o PL 2153/2011 (Janete Rocha Pietá PT/SP).
posição semelhante, Campos e Miguel (2008) apontam que os enfoques feministas
mais acirrados ficam fora do debate para evitar o conflito com os demais atores,
caracterizando verdadeira limitação imposta pelo próprio campo político, pois as
deputadas não querem assumir o risco político de adotar estas posições.
Vejamos se, através dos dados levantados, chegamos à conclusão
semelhante. O primeiro dado a ser retomado é de que mais de 1/3 das deputadas
estudadas não apresentou nenhum PL sobre mulheres. Isto indica falta de interesse
no tema, seja pela deputada ter outras plataformas de campanha – analisaremos um
caso destes na sequência – ou pelos altos custos políticos de debater gênero; de
qualquer forma, é um indicativo da existência de limitação imposta pelo campo
legislativo. Outro apontamento relevante é a questão do consenso ao redor do tema
do projeto:
Dos vinte e dois projetos que tratam de questões femininas propostos pelas deputadas que integram a CSSF e CDHM, onze abordam a exploração sexual de crianças e adolescentes. Isso significa que metade dos projetos de lei correlacionados com gênero tem como enfoque um ponto que pode ser considerado consensual – dificilmente haverá grupo de eleitores ou bancada ideológica contrário ao PL 4756 de 2012 (proposto pela deputada Liliam Sá, do PSD-RJ), que visa assegurar a prioridade na tramitação de procedimentos que apurem denúncia de crime de pedofilia, abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. (RUGGI e RUGGI, 2013, p. 10).
Por esta perspectiva, a grande quantidade de projetos de lei que tratam
sobre questões sexuais de crianças e adolescentes - 37% dos PL sobre gênero - é
outro possível indicativo da limitação de temas: as deputadas propõem muitas
ementas que não levantam grandes polêmicas. Porém, neste mesmo raciocínio - de
que as parlamentares buscariam propor projetos em que haja consenso entre
bancadas e eleitores - também estariam incluídos projetos visando coibir a violência
doméstica. No entanto, foram apenas dois PL com este tema nos anos de 2011 e
2012.
Diante disso, a explicação de buscar projetos não-polêmicos não funciona
sozinha. Levando em consideração a bibliografia sobre o tema, as deputadas
tenderiam a se focar em questões voltadas para a área social: “mulheres legislam
prioritariamente a respeito das seguintes áreas: educação, saúde, lazer, transporte,
habitação, segurança pública, trabalho e previdência social e fundiária, proteção à
maternidade e à infância e assistência aos desamparados” (ORSATO, 2013, p. 11).
Tomemos o caso da deputada Rosinha da Adefal (PTdoB/AL) como
exemplo. Ela é ligada à Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (ADEFAL) e,
como já foi dito, teve como plataforma de campanha a “defesa dos direitos das
pessoas com deficiência”. Esta deputada apresentou um total de nove projetos de lei
e duas propostas de emenda à Constituição nos anos de 2011 e 2012. Nenhuma
destas proposições envolve gênero, mas oito PL e as duas PEC apresentadas são
sobre maior acessibilidade ou inclusão de pessoas portadoras de deficiência. Assim,
fica claro que a deputada se volta para um tema que claramente envolve defesa de
setores marginalizados.
Para buscar verificar se as pautas de gênero são escassas pela dificuldade
em aprovação destes projetos e falta de interesse da Câmara em realizar a votação
do tema, fizemos um levantamento do andamento dos citados projetos até outubro
de 2014, buscando observar se já houve votação; se foi transformado em norma
jurídica; ou se o parecer do relator é pela aprovação ou rejeição.
Gráfico 2: Tramitação atual dos projetos de lei sobre gênero apresentados pelas deputadas titulares da CDHM, CE, CSSF, CLP e CTASP nos anos de 2011/2012
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em novembro de 2014.
Vale observar que, de acordo com Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (DIAP), o tempo médio de tramitação de um Projeto de Lei é de cinco
3%10%
56%
31%
Tramitação dos PL sobre gênero
Transformados em lei
Com parecer "pela rejeição"
Com parecer "pela aprovação"
Não houve apreciação derelator
anos67. Levando isso em consideração, como os projetos por hora analisados são de
2011 e 2012, até o momento do levantamento o tempo médio não transcorrido,
então não há surpresa no fato de que a maioria destes PL ainda não teve parecer
definitivo.
Dos 32 projetos estudados, apenas um se tornou lei. O PL 2371/2011, de
autoria da Deputada Liliam Sá (PR/RJ) foi apenso ao PL 2458/2011 que, aprovado
pelo Congresso, se tornou a lei 12654/2012. Esta lei dispõe sobre a coleta de perfil
genético como forma de identificação criminal, sendo obrigatória para crimes
hediondos (aí incluído estupro e exploração sexual de crianças e adolescentes).
Do gráfico acima, observamos que a maioria dos projetos de lei sobre
gênero recebe parecer favorável das comissões de matéria para as quais foram
distribuídos. Inclusive projetos que tratam de temas com impacto na representação
feminina, como é o caso do PL 3352/2012, que disciplina a movimentação do
percentual do Fundo Partidário destinado à promoção da participação feminina.
Na pesquisa de Htun e Power (2006) há indicativos de que a opinião dos
legisladores não é tão tradicional, apesar de a legislação continuar conservadora em
muitos aspetos. Isso pode ser observado nos dados levantados sobre gênero, já que
56% das propostas possuem parecer favorável. Outro número expressivo
demonstrado no gráfico 2 é a quantidade de projetos que ainda não receberam
nenhum parecer de relator. Dentre os dez PL que se encontram aguardando o
pronunciamento do relator há duas proposições com pautas do movimento LGBTT:
o PL 4241/2012 (Erika Kokay PT/DF), que trata sobre o direito à identidade de
gênero; e o PL 2153/2011 (Janete Rocha Pietá PT/SP), que trata de adoção de
crianças por casais homoafetivos.
Conforme levantado por Krehbiel (1992), as comissões possuem o poder
negativo de manutenção do status quo, barrando projetos de lei que não atendam
seus interesses, em uma prática conhecida como gatekeeping. Uma das formas de
se atingir este objetivo é não tomar nenhuma decisão em determinado tema,
procrastinando ao máximo o processo legislativo. Ocorre que a Câmara é conhecida
pela sua morosidade, então, a “não-decisão” deliberada fica muito difícil de ser
67 Informação disponível em: http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23546:balanco-da-producao-do-congresso-nacional-em-2013&catid=45&Itemid=204. Acesso em 14.10.2014.
comprovada. O que podemos afirmar com segurança, por meio dos dados
levantados, é o seguinte:
Tabela 9: Projetos de Lei sobre gênero sem parecer do relator, divididos por temas.
Total de projetos de lei sem parecer de
relator
10
Direitos LGBTT 2
Mulheres em situação prisional 2
Violência doméstica 1
Questões sexuais crianças e adolescentes 1
Maior representação feminina na política 1
Licença paternidade 3
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.
Como foi demonstrado na tabela 3, separamos 12 PL que tratam de
questões sexuais de crianças e adolescentes, destes, apenas um ainda não teve
parecer de relator. Por outro lado, classificamos dois PL com questões relativas a
direitos LGBTT e ambos se encontram em estado de “não-decisão”. O mesmo vale
para licença paternidade: os três projetos sobre o tema ainda não foram apreciados
por relator. Dos PL que tratam sobre mulheres em situação prisional, dois do total de
três projetos também estão parados. Apesar destes indícios de que há determinadas
matérias que concentram a morosidade legislativa, nosso universo total de PL sem
parecer de relator é muito restrito para que seja possível fazer análises conclusivas,
ficando este tema de pesquisa para ocasiões futuras.
Outros dados pesquisados dizem respeito aos projetos de lei votados pelas
cinco comissões no período de tempo analisado, independentemente de quem
propôs ou quando foi proposto. Assim como no momento anterior, pegamos o
universo total de PL votados (informações retiradas dos relatórios anuais das
comissões) e verificamos os projetos com relação de gênero. Nos anos de 2011 e
2012 as cinco comissões juntas avaliaram 1071 projetos (ou sugestões, para o caso
da Comissão de Legislação Participativa). Destes, apenas 52 projetos (ou
sugestões) tratavam de questões para mulheres.
Tabela 10: Projetos analisados pelas comissões no ano de 2011.
Comissão Total de projetos
analisados 2011
Relação com
gênero
%
Comissão de Educação 158 3 1,8%
Comissão de Legislação Participativa 75* 14 18,2%
Comissão de Trabalho, Administração e
Serviço Público
222 3 1,3%
Comissão de Direitos Humanos e Minorias 6 0 0%
Seguridade Social e Família 102 6 5,8%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014. * Total de sugestões apreciadas
Tabela 11: Projetos analisados pelas comissões no ano de 2012.
Comissão Total de projetos
analisados 2012
Relação com
gênero
%
Comissão de Educação 164 4 2,4%
Comissão de Legislação Participativa 27* 4 14,8%
Comissão de Trabalho, Administração e
Serviço Público
140 5 3,5%
Comissão de Direitos Humanos e Minorias 9 2 22%
Seguridade Social e Família 173 13 7,5%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014. * Total de sugestões apreciadas
Em 2011, a CLP foi a comissão que mais apreciou sugestões em matéria de
gênero. Esclarecemos, mais uma vez, que esta comissão tem como objetivo receber
pautas de setores organizados da sociedade civil e decidir se estas indicações
devem ou não se tornar projetos de lei. Assim, quando a CLP tem uma sugestão
aceita, isto implica na proposição de um novo PL. Dos dados da tabela 9,
observamos que, das 75 sugestões que a comissão analisou em 2011, 14 versavam
sobre gênero. Este número diminui no ano de 2012, caindo para quatro sugestões.
Em 2011 a CDHM não analisou nenhuma proposta legislativa que tivesse
qualquer pertinência com gênero. Este dado foi realmente surpreendente tendo em
vista não só a grande participação feminina nesta comissão, como também o fato de
ser historicamente considerada uma comissão dominada por partidos de esquerda.
Sobre esta questão de ideologia, a bibliografia aponta que a esquerda tem uma
atuação mais contundente em questões de gênero:
Esses dados indicam que os partidos de esquerda, além de elegerem o maior número de mulheres, são os partidos pelos quais as mulheres mais apresentaram projetos relativos a gênero na Assembleia Legislativa, das 55 proposições a respeito, tiveram procedência nesses partidos 79% do total, enquanto que os partidos de centro apresentaram 8% e, os de direita, 13% de toda a produção relativa a gênero. (ORSATO, 2013, p.10).
Primeiro, buscamos verificar se as deputadas eleitas realmente pertencem
em sua maioria aos partidos de esquerda. Como já foi explicado no capítulo de
metodologia, utilizamos classificação consagrada na bibliografia que delimita: na
esquerda PSTU, PDT, PT, PSB, PSOL, PPS, PCdoB; no centro PMDB, PSDB, PV; e
na direita DEM/PFL, PPB, PP, PRB, PDS, PRN, PDC. PL/PR, PTB, PSC, PSP, PRP,
PMN, PTdoB, PSD, PPR, PTR. Em números absolutos, a maior quantidade de
mulheres foi eleita pelo PT, com treze deputadas e pelo PMDB, nove parlamentares.
Contudo, estes também são os partidos com as maiores bancadas, 87 e 78
deputados, respectivamente. Diante disso, acreditamos que uma análise mais fiel
dos dados é através das porcentagens de mulheres no número total de
parlamentares por partido.
Gráfico 3: Porcentagem de mulheres no total da bancada de cada partido
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados,
consultada em 3 de julho de 2014.
Neste gráfico colocamos apenas os partidos que possuem representantes
mulheres, independentemente das deputadas estarem ou não no nosso escopo de
pesquisa. Dos partidos de esquerda, o único que não contou com nenhuma
deputada na 54ª legislatura foi o PSOL. No total a esquerda elegeu 177 deputados,
sendo 28 mulheres, 15% de deputadas na somatória das bancadas. O partido com
maior porcentagem de representação feminina é o PCdoB, com seis mulheres entre
os 15 eleitos.
O centro elegeu 145 deputados, sendo 14 mulheres (9,6% do número total).
Enquanto os partidos de direita juntos elegeram 191 deputados, dos quais 13 são do
sexo feminino (6,8% da bancada de direita é composta por mulheres). Tanto o PMN,
como o PTdoB possuem grande porcentagem de mulheres, mas seus números
absolutos são baixos, ambos elegeram uma mulher no universo de quatro
deputados. Assim, realmente se verifica que as mulheres eleitas concentram suas
filiações nos partidos de esquerda.
Resta saber se esta concentração feminina também implica em maior
quantidade de projetos de lei sobre gênero.
Gráfico 4: PL sobre gênero apresentados pelas deputadas titulares da CDHM, CLP, CE, CTASP e CSSF em 2011 e 2012, divididos por partido.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de agosto de 2014.
O gráfico a seguir representa os projetos de lei sobre gênero apresentados
pelas 27 deputadas estudadas nos anos de 2011 e 2012, divididos pelos partidos
das respectivas parlamentares. Nele fica claro que o PT e o PMDB foram os que
mais apresentaram propostas relacionadas a mulheres; contudo, também são os
partidos com a maior bancada e, consequentemente, com o maior número de PL
total. Assim, se formos considerar de forma proporcional, levando em conta todos os
projetos de lei apresentados pelas deputadas dos partidos, os dados são
visualizados da seguinte forma:
Gráfico 5: Total de PL apresentados pelas deputadas titulares da CDHM, CLP, CE, CTASP e CSSF em 2011 e 2012 e os PL que possuem relação com gênero.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de agosto de 2014.
Assim, em números absolutos, as deputadas dos partidos de esquerda
apresentaram a maior quantidade de projetos de lei sobre gênero. Contudo,
proporcionalmente ao total de proposições, o maior número de PL sobre mulheres
veio dos partidos da direita. O PR, por exemplo, apresentou seis PL sobre gênero
com uma representação de duas mulheres e 24 proposições legislativas sobre todos
os temas.
As deputadas dos partidos de esquerda apresentaram, no total, 164 PL,
sendo que 14 possuem relação com gênero. Isto significa que 8,5% das propostas
legislativas da esquerda envolvem questões femininas. As parlamentares estudadas
dos partidos do centro apresentaram 97 PL sobre todos os assuntos e, de gênero,
oito PL. Observamos que todas as proposições sobre mulheres vindas dos partidos
do centro são de autoria do PMDB, sendo que as duas deputadas do PSDB não
apresentaram nenhum PL com este tema e o PV não possui representantes no
nosso escopo de estudo. Isso significa que 8,2% das propostas legislativas das
deputadas com identificação ideológica de “centro” versam sobre gênero. Por fim, as
deputadas dos partidos da direita apresentaram 79 PL e destes, 10 versam sobre
gênero, assim, 12,6% das propostas da direita têm relação com mulheres.
Dos dados apresentados nesse capítulo conseguimos extrair conclusões
interessantes sobre as hipóteses previamente levantadas. Verificamos que as
deputadas não necessariamente defendem bandeiras legislativas relacionadas a
mulheres, uma vez que quase metade das congressistas analisadas não fez
nenhuma proposição relacionada a gênero no período estudado. Ainda, que há
concentração de projetos de lei sobre o mesmo tema, sendo questões ligadas à
sexualidade de crianças e adolescentes as mais recorrentes. Observamos também
que 56% dos projetos com temáticas de gênero receberam parecer favorável do
relator dentro das comissões. Um dado surpreendente, que não confirmou nossa
hipótese inicial, é de que as deputadas pertencentes aos partidos de direita
apresentaram, proporcionalmente, um número maior de projetos com temáticas de
gênero (mas, vale ressaltar, não necessariamente feministas). Agora, passaremos a
analisar as audiências públicas realizadas no âmbito das comissões.
6 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: “...não vai responder aos anseios da sociedade se
não ouvir essa sociedade.”68
O art. 58, §2º, inciso II da Constituição69 prevê a faculdade das comissões
realizaram audiências públicas com entidades da sociedade civil. Esta previsão,
como já foi trabalhada na seção que abordou a Assembleia Nacional Constituinte,
partiu da premissa que as comissões necessitam de informações aprofundadas e
muitas vezes técnicas para analisar os projetos de lei. Por este raciocínio, a
realização destas reuniões tem, a priori, o condão de produzir efeitos no processo de
votação de uma proposta legislativa sobre gênero.
Desta feita, para uma análise completa sobre como a distribuição das
deputadas entre as comissões impacta no processo decisório de legislação, pareceu
primordial estudar as audiências públicas realizadas nas cinco comissões nos anos
de 2011 e 2012, separando as que abordam – ou teriam potencial para abordar –
temáticas de gênero. As cinco comissões realizaram um total de 233 audiências
públicas. Os temas de tais reuniões foram verificados e identificamos quinze cujas
temáticas são relevantes para esta pesquisa.
Analisamos os áudios e notas taquigráficas destas quinze audiências,
levantando dados sobre quem fez o requerimento; quais foram os/as participantes
convidados/as; análise do conteúdo dos discursos; se houve aprovação ou rejeição
do projeto de lei (para os casos em que a audiência especificava a lei em
discussão); e se houve proposta de novo projeto de lei tendo como justificativa o que
foi debatido em audiência. Neste capítulo iremos expor dados quantitativos
levantados na pesquisa, bem como detalhar algumas audiências específicas,
escolhidas levando em conta o critério de casos representativos (SEAWRIGHT e
GERRING, 2008), por terem apresentado alguma particularidade, seja em relação
aos convidados ou em relação aos discursos.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) realizou, entre os anos
de 2011 e 2012, um total de 48 audiências públicas, sendo que três dessas reuniões
68 Fala do Constituinte Octávio Elísio, realizada em 16/07/1987, na Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes defendendo a realização de audiências públicas no âmbito na Assembleia Nacional Constituinte. Disponível em: http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/ constituinte/8a%20%20SUB.%20EDUCA%C3%87%C3%83O,%20CULTURA%20E%20ESP.pd.pdf Acesso em: 25/08/2015. 69 Art. 58 §2º - Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil. (BRASIL, 1987).
possuíam temáticas relacionadas a gênero. A Comissão de Seguridade Social e
Família (CSSF), por sua vez, realizou um total de 36 audiências públicas em 2011 e
38 em 2012, com duas reuniões sobre questões femininas no primeiro ano analisado
e seis no segundo. Já a Comissão de Legislação Participativa (CLP) não realizou
nenhuma audiência pública sobre gênero em 2011 e 2012, enquanto a Comissão de
Educação (CE) apenas uma. Por fim, a Comissão de Trabalho, Administração e
Serviço Público realizou três audiências sobre gênero nos anos estudados. Estas
informações são comparadas na tabela seguinte:
Tabela 12: Realização de audiências públicas nas comissões – 2011-2012
Comissão Audiências públicas
2011 e 2012
Relação com
gênero
%
CE 38 1 2%
CLP 10 0 -
CTASP 63 3 4%
CSSF 74 8 10%
CDHM 48 3 6%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de julho de 2014.
Sobre estes dados, importante frisar que, das seis audiências públicas de
2012 na CSSF, três relacionavam o mesmo tema, ligado à atividade do profissional
de psicologia e orientação sexual, conforme será adiante explanado. Esta
quantidade baixa de reuniões sobre gênero não surpreende, ao considerar o número
de proposições legislativas (projetos de lei e emendas à constituição) dentro do
mesmo tema. Bem como, o baixo número de representantes do sexo feminino, que,
de acordo com os conceitos mobilizados por Young (2006), acaba por dificultar a
inserção da perspectiva das mulheres. Pareceu relevante observar de quem partiu a
proposição para a audiência pública, para verificar se a iniciativa era de uma
deputada:
Tabela 13: Audiências públicas sobre gênero requeridas por deputadas – 2011-2012
Comissão Relação com gênero Proposta por deputada
CE 1 1
CLP 0 0
CTASP 3 0
CSSF 8 2
CDHM 3 2
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de julho de 2014.
Pelos dados da tabela, a participação feminina na proposição de audiências
públicas sobre gênero não é tão expressiva, corroborando os achados anteriores
sobre as proposições legislativas. Chama especial atenção o que foi observado na
Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público: das três audiências
realizadas com pertinência com gênero, nenhuma foi proposta por deputada, apesar
de esta comissão contar com 15% de presença feminina, uma das mais altas
representatividades proporcionais. Fizemos um comparativo entre as porcentagens
de presença feminina, os projetos de lei votados e as audiências realizadas nas
comissões em 2011 e 2012.
Tabela 14: Comparativo entre presença feminina, projetos analisados e audiências sobre gênero.
Comissão % representação feminina
% projetos analisados em 2011 e 2012 sobre gênero
% de audiências sobre gênero
CE 12,5% 2,1% 2%
CLP 11% 17%* 0%
CTASP 15% 2,2% 4%
CSSF 22% 6,9% 10%
CDHM 17% 13% 6%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 8 de março e julho de 2014. * Total de sugestões apreciadas
Desta tabela, fica claro que estes percentuais não são correlacionados: a
CLP possui 11% de presença feminina e foi a que mais analisou sugestões sobre
gênero em 2011 e 2012, contudo, não realizou nenhuma audiência sobre o tema. No
caso da CSSF, a maior representatividade de mulheres, de 22%, caminha junto com
a maior porcentagem de audiências sobre gênero, 10%; por outro lado, é a terceira
comissão que mais apreciou projetos em questões femininas proporcionalmente,
atrás da CLP e da CDHM.
Outro dado que vai de encontro com os achados já apresentados sobre
projetos de lei é a concentração dos temas abordados nas audiências públicas. Das
15 audiências públicas sobre gênero, duas tratam de questões sexuais de crianças e
adolescentes, três tratam sobre direitos trabalhistas; e outras quatro audiências
sobre direitos LGBTT.
No âmbito da CTASP, a reunião com tema “Trabalho decente, uma questão
de gênero” foi sugerida pelo deputado Sebastião Bala Rocha (PDT/AP). Este
congressista também foi o responsável pela proposição da audiência “O trabalho
doméstico no Brasil e a convenção 189 da OIT”. As duas audiências foram
solicitadas no mesmo requerimento, n. 100 de 2012 70. Notou-se que a lista de
expositores sugeridos foi bem similar para as duas ocasiões: com representantes do
Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público, sindicatos de empregados e
empregadores e magistratura do trabalho.
Aqui cabe abrir uma observação: a Emenda à Constituição 72/2013,
conhecida como PEC das Domésticas, alterou a redação do parágrafo único do art.
7º da Constituição, estendendo direitos trabalhistas a categorias de trabalhadores
domésticos. O projeto original, com numeração 478/2010, de autoria do Deputado
Carlos Bezerra (PMDB/MT), tramitou na Câmara entre 2010 e 2012. A convenção
189 da Organização Mundial do Trabalho (OIT) ocorreu em junho de 2011 e gerou a
recomendação de que os/as empregados/as domésticos/as deveriam ter os mesmos
direitos dos/as demais trabalhadores/as. Assim, apesar da CTASP não deter
competência para parecer da PEC, o assunto “trabalho doméstico” estava em
evidência na Câmara e no cenário internacional nos anos estudados e o tema foi
proposto para debate.
A reunião ocorrida em 27/03/2012 para tratar sobre “trabalho decente”,
contou com a exposição de pontos de divergência. Os membros do Poder Executivo
que estavam presentes na reunião foram a favor da extensão dos direitos
trabalhistas. A Representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC), Sra. Lidiane Duarte Nogueira, por sua vez, se mostrou
contra a aprovação de uma PEC e defendeu aumento de incentivos fiscais para o
empregador doméstico, segundo ela:
70 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=203CC30C 41F866A34488F75B43B681EC.proposicoesWeb2?codteor=969764&filename=REQ+100/2012+CTASP Acesso em 26/08/2015.
O parágrafo único do art. 7º, que seria restritivo com relação aos direitos dos trabalhadores domésticos, na verdade, foi ali inserido porque o trabalho doméstico é tido como um trabalho peculiar, realizado no âmbito da casa, dentro de condições que são diferentes dos outros, dentro de outras condições, diferente dos outros trabalhadores. Daí por que essa diferenciação.71
Já o representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
(Anpt), Maurício Correia de Mello respondeu aos argumentos da expositora anterior
defendendo que:
Na verdade não existe, do meu ponto de vista, outra explicação para esse art. 7º, senão uma discriminação consagrada no próprio texto constitucional. Essa discriminação tem uma forte conotação de raça e gênero. Cientificamente colocado pela Previdência, a maioria dos trabalhadores domésticos são mulheres e boa parte, principalmente e historicamente, são negras. Há uma questão também que temos que considerar para que jamais fosse declarada essa inconstitucionalidade do próprio texto constitucional por conflitar com o princípio fundamental da igualdade e da não discriminação. Somos, Legisladores, membros do Ministério Público, juízes, em grande parte, empregadores domésticos.72
Em relação aos participantes, foi também convidado o presidente do portal
Doméstica Legal, cujo slogan é “O Departamento Pessoal do Empregador
Doméstico”73 e um representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O
primeiro defendeu que os empregadores domésticos realizem pagamentos menores
de INSS e FGTS; e a representante da CUT colocou sobre a dificuldade de
organização da categoria, bem como, da fiscalização das condições de trabalho no
interior das residências.
Sobre os/as convidados/as, o procedimento padrão é que o deputado que
faz o requerimento de audiência pública, já elenque os possíveis expositores. Do
que foi observado nas atas pesquisadas, chamou especial atenção a presença do
Poder Executivo nas audiências que tratam sobre gênero. Do total de quinze
audiências realizadas no âmbito das cinco comissões em 2011 e 2012, doze
contaram com a presença de representantes do Poder Executivo para apresentar
informações. Significa dizer que as comissões utilizam o Executivo como fonte de
subsídios.
71 Disponível: http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia/integras/974944.htm Acesso: 26.08.2015. 72 Disponível: http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia/integras/974944.htm Acesso: 26.08.2015. 73 Disponível: http://www.domesticalegal.com.br/ Acesso: 27.08.2015.
Tabela 15: Participação do executivo nas audiências públicas sobre gênero – 2011-2012
Comissão Relação com gênero Participação do Executivo %
CE 1 1 100%
CLP 0 - -
CTASP 3 3 100%
CSSF 8 6 75%
CDHM 3 2 66%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 8 de julho de 2014.
A audiência pública para debater “políticas públicas de erradicação de
extrema pobreza, em especial seu impacto sobre as mulheres”, realizada em
24/08/2011 no âmbito da CDHM, ilustra de forma exacerbada essa presença do
Executivo. Isto porque na citada audiência foram convidadas como expositoras
apenas representantes de ministérios: Ana Medeiros da Fonseca, Secretária
Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do
Desenvolvimento Social; e Iriny Lopes, Ministra de Estado da Secretaria de Políticas
para as Mulheres - sem qualquer participação da sociedade civil organizada.
Ambas as expositoras trazem a perspectiva governamental, concordando
que houve avanço na erradicação de extrema pobreza e apresentando dados dos
valores gastos pelo Governo Federal nos programas sociais. Esta audiência não
contou com pontos controvertidos ou informações que não partissem do Executivo.
Em busca feita nos projetos de lei dos deputados/as requerentes – Henrique Afonso
(PV/AC), Manuela D´Ávila (PCdoB/RS) e Janete Rocha Pietá (PT/SP) –, após a
realização da reunião, não se encontrou resultado de proposta legislativa sobre o
tema.
Interessante observar que os/as deputados/as que requereram a audiência
pertencem aos partidos PV, PCdoB e PT, que compunham a base aliada da
presidência em 2011. Como não houve debate técnico nesta reunião, nem
apresentação de opiniões divergentes, cabe levantar a dúvida da utilização de
audiências públicas como forma de propaganda para os programas federais. Como
o nosso escopo de pesquisa é reduzido, não podemos observar esta tendência de
forma completa. Mas no caso desta audiência específica, não conseguimos
visualizar outra motivação além de disseminar a informação sobre a retração dos
números de mulheres em situação de extrema pobreza como resultado dos
investimentos governamentais.
Outra audiência que merece destaque é a ocorrida em 23/08/2011 para
discutir o tema da gravidez na adolescência no âmbito da CSSF. Foi observada uma
segregação de gênero, tendo em vista que todas as expositoras eram mulheres.
Esta reunião foi requerida pela Deputada Teresa Surita (PMDB/RR) e foram
convidadas para discursar: Alice Bittencourt, Coordenadora da Convivência
Comunitária e Familiar da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República; Mariângela de Medeiros Barbosa, Presidente do Departamento Científico
da Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria; Raquel Barros, Diretora
Presidente da Associação de Formação e Reeducação Lua Nova; e Ana Sudário
Lemos Serra, Assessora Técnica da Coordenação da Saúde do Adolescente do
Ministério da Saúde.
A debatedora Mariângela Barbosa iniciou sua fala com a seguinte
observação: “é uma pena que, com o tema Gravidez na Adolescência, tenhamos
uma plateia quase que exclusivamente feminina”. Isso realmente chamou atenção
durante a análise da audiência pública, pois a reunião foi proposta por uma
deputada e todas as debatedoras eram mulheres. Sobre as entidades participantes,
verificou-se que a Associação Lua Nova tem como missão “Resgatar e desenvolver
a auto-estima, a cidadania, o espaço social e a auto-sustentabilidade de jovens
mães vulneráveis, facilitando sua inserção como multiplicadoras de um processo de
transformação de comunidades em risco”74. Esta associação não atua em âmbito
nacional e sim no interior de São Paulo. Outra questão sobre a participação digna de
nota é a ausência de adolescentes grávidos/as entre os/as debatedores e/ou
participantes.
No intuito de verificar se esta audiência pública rendeu algum projeto de lei,
foi realizada uma busca pelo nome da deputada Teresa Surita no site da Câmara e
não há nenhum PL de sua autoria que trate sobre o tema gravidez na adolescência.
E, ao realizar pesquisa geral por assunto “gravidez” e “adolescência” ou
“adolescentes”, encontramos apenas um projeto de lei75, que visa criar a semana
74 Disponível: http://www.luanova.org.br/br Acesso: 07/07/2014. 75 PL 1149/2011 proposta por Cida Borghetti (PP/PR)
nacional de prevenção da gravidez na adolescência. Contudo, a justificativa do
projeto não cita a audiência pública realizada em 23/08/2011.
Um dado relevante é a realização de quatro audiências públicas sobre
direitos LGBTT. Isto porque o número de audiências ultrapassa, inclusive, o número
de propostas legislativas no mesmo tema (foram dois PL sobre direitos LGBTT nos
anos de 2011 e 2012). Pelo o que foi observado nas reuniões sobre o assunto, o
debate é mais acirrado e concentra atenção midiática.
A reunião realizada em 10/11/2011 buscou “Promover o esclarecimento e
qualificar o debate sobre os possíveis impactos advindos da aprovação do PL nº
6.297/2005”. O tema por si só já é digno de nota, pois a audiência visa debater o
reconhecimento da relação homoafetiva para fins previdenciários, algo capaz de
gerar grande polêmica. Contudo, da simples leitura da pauta de audiências o tema
poderia passar despercebido a eventual interessado na questão.
Esta audiência foi solicitada e presidida pelo Deputado Pastor Marco
Feliciano (PSC/SP). Em relação aos convidados, há pertinência lógica na presença
do representante do Ministério da Previdência Social, bem como, da Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLT, que não
compareceu). Contudo, não conseguimos vincular os dois outros convidados ao
tema da audiência, sendo eles: o chefe do setor jurídico do Conselho Federal de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia e o Sr. Francisco Lúcio Pereira Filho, descrito
apenas como “advogado e consultor” sem vinculação declarada com qualquer órgão
oficial ou associação.
O Requerimento n. 88/2011 que deu origem a esta audiência elencava
outros convidados, porém, na reunião em que tal solicitação foi aprovada por
unanimidade, não houve qualquer discussão sobre quem seria chamado a opinar.
Assim, não há dados claros no site da Câmara sobre como ocorreu a escolha dos
participantes e os motivos que levaram a alteração dos nomes previamente
propostos no requerimento.
O primeiro debatedor, falando em nome do Ministério da Previdência tratou
sobre a portaria em vigor, que estendeu o conceito de união estável para pessoas
do mesmo gênero, baseado em um parecer da Advocacia Geral da União. O
segundo debatedor, membro do Conselho de Engenharia, também foi a favor da
aprovação do PL. O ponto controverso foi exposto pelo debatedor Sr. Francisco
Pereira Filho76.
Chamou atenção o fato de que os dois primeiros debatedores contaram com
o tempo regimental de 15 minutos, enquanto a exposição de Francisco Pereira Filho
durou 26 minutos. Dentre as pessoas que se manifestaram durante a audiência
pública, houve apenas uma mulher, Deputada Jô Moraes (PCdoB/MG) relatora do
projeto de lei debatido, que cobrou do presidente da audiência pública o respeito ao
procedimento regimental.
Sobre a tramitação da proposição, a mesa diretora da Câmara dos
Deputados declarou que este projeto de lei nº 6.297/2005 está sujeito à apreciação
conclusiva das comissões pertinentes, significa dizer que ele não passará pelo
plenário. Até o período pesquisado não houve votação do PL pela Comissão de
Seguridade Social e Família, pois foi retirado de pauta de reunião de deliberação a
pedido do Deputado Pastor Eurico (PSB/PE) em 16/05/2012. Por outro lado, já
houve deliberação na CDHM pela rejeição do projeto, com relatório do próprio
Deputado Pastor Eurico, concluindo que:
(...) b) que não haja injustiça, pois os homossexuais teriam sua mera convivência e afeto protegidas pelo Estado, apesar de os casais nunca terem tido proteção pelo simples fato de haver afeto ou mera convivência, mas o exercício de um relevante papel social; c) que não haja enriquecimento sem causa, já que das relações de mero afeto não se observam presumivelmente o ônus de criação e educação de filhos; d) que haja o reconhecimento da relevância do papel social da família, constituída pelo casamento ou por equiparação da união entre um homem e uma mulher; e) que haja observância das razões históricas e fáticas que fazem a família ser base da sociedade e digna de usufruir proteção especial do Estado conforme a CF e f) que a sociedade não seja obrigada a sustentar pessoas em idade adulta sem qualquer justificação, já que dos homossexuais e dos demais que mantém relações de mero afeto não se pode presumir o suporte do ônus na geração, educação e emancipação de novos cidadãos.
Neste relatório de deliberação não há menção à audiência pública realizada
em 10/11/2011. Isto merece destaque, levando em conta que o Deputado Pastor
Marco Feliciano, que foi quem solicitou a realização da audiência pública, também
76 “(...) não se protege afeto dos heterossexuais, não. Protege-se um ente do qual há novos cidadãos e dependentes. E outra: isso afetará sim a sustentabilidade da sociedade, um, em financiar o seu sistema previdenciário e dois você incentiva subsidiando a relação de mero afeto. Incentiva o que? Início de relação de dependência econômica entre adultos que para o estado deveriam ser produtivos, autossuficientes e dar mais para o estado do que receber”. Arquivo sonoro. Transcrição própria. Áudio: http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia/ordemDetalhe ReuniaoCom.asp?codReuniao=27543 Acesso 15/08/2015.
estava presente na reunião ordinária que definiu pela rejeição da relação
homoafetiva para fins previdenciários no âmbito da Comissão de Direitos Humanos.
Sobre o tema de atuação dos profissionais de psicologia e orientação
sexual, foram realizadas três audiências públicas no âmbito da CSSF, no ano de
2012. As audiências realizadas em 28/06/2012 e 27/11/2012 tinham como foco a
discussão do projeto de decreto legislativo n. 234/2011, sobre a aplicação de
normas de atuação para os psicólogos em relação à questão sexual, requeridas
pelos Deputados Roberto de Lucena e Pastor Marco Feliciano; já a audiência
realizada em 06/11/2012 visava debater o exercício profissional do psicólogo, a ética
e o respeito à homoafetividade, requerida pela Deputada Érika Kokay.
O PDL 234/2011, propõe sustar a aplicação dos seguintes artigos da
resolução do Conselho Federal de Psicologia, por entender que foi além do seu
poder regulamentador, ao restringir o trabalho dos profissionais de psicologia.
Resolução nº 1/1999
Art. 3° Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação ao homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
Durante a primeira audiência pública para tratar do tema, houve
manifestações dos presentes na plateia e a ameaça de retirar os manifestantes da
sessão. Foi ouvida uma representante do Ministério Público do Trabalho, Andréa
Lopes e Marisa Lobo, escritora e psicóloga com especialização em psicologia da
sexualidade. O Deputado Jean Wyllys e a Deputada Érika Kokay se manifestaram
contrariamente ao projeto, argumentado que não há justificativa para o Congresso
intervir na resolução do Conselho de Psicologia, bem como, acusaram o presidente
da audiência de parcialidade, inclusive citando que não seria ouvido nenhum
representante do movimento LGBTT e todos os expositores foram favoráveis a
aprovação do decreto.
Já na audiência realizada em 06/11/2012, os debatedores eram: Ana Paula
Uziel, da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de
Psicologia; Toni Reis, Presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais; e Francisco Cordeiro, Consultor Nacional da
OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil. Nesta segunda sessão,
não houve argumento a favor do projeto de decreto legislativo.
Por fim, foi realizada audiência em 27/11/2012, onde finalmente houve
expositores das duas correntes. Foram convidados/as: Humberto Cota Verona,
Presidente do Conselho Federal de Psicologia; Marisa Lobo, escritora e psicóloga
com especialização em psicologia da sexualidade; Toni Reis, Presidente da
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; e
Silas Lima Malafaia, Pastor Líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
De todas as audiências públicas acompanhadas, estas foram as com maior
número de manifestações da plateia e com o debate mais acirrado entre os
presentes. Em diversas ocasiões os respectivos presidentes das sessões
ameaçaram retirar pessoas da plateia e pediram calma e respeito durante os
discursos. Também houve ampla divulgação nos veículos de comunicação77 sobre o
assunto, assim, aventamos se a realização de três audiências – uma com posição
favorável ao projeto, uma com posição contra e a terceira apresentando ambos os
posicionamentos – foi uma busca por propaganda pessoal dos/as deputados/as.
O projeto de decreto legislativo 234/2011 – sustando a aplicação da
resolução do Conselho de Psicologia - foi aprovado pela CSSF em 20/12/2012,
citando as audiências públicas em seu relatório; e aprovado pela CDHM em
18/06/2013, sem citar as audiências públicas. Em 02/07/2013 o Deputado João
Campo (PSDB/GO), que propôs o projeto de decreto, pediu sua retirada de
tramitação, justificando que: “a manifestação pública do meu Partido (PSDB),
através de nota, contrária ao projeto PDC 234/2011, inviabilizou, sumariamente, a
possibilidade de sua aprovação.”
Da pesquisa empírica e da análise das audiências públicas, é possível
observar certo padrão nas reuniões realizadas pelas Comissões nos anos de 2011 e
2012. Em primeiro lugar é importante destacar que, em regra, as informações
recebidas em audiências públicas não são citadas nas justificativas de proposições
legais ou nas justificativas de parecer favorável/desfavorável.
77 Exemplos de veiculação disponíveis em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/tumulto-marca-audiencia-na-camara-sobre-cura-gay.html Acesso 28.08.2015; http://www.estadao.com.br/noticias/geral,confusao-marca-audiencia-publica-sobre-projeto-que-legaliza-a-cura-gay,893046 Acesso 28.08.2015
Isto também fica claro ao verificar que, das audiências realizadas, os sujeitos
mais beneficiados/prejudicados com a política pública/ legislação não foram
convidados para o debate – como é o caso dos/as adolescentes grávidos/as. Outro
ponto que merece destaque é a presença do Executivo, convidado para 80% das
audiências, inclusive sendo o único expositor na reunião que tratou sobre políticas
para erradicação de extrema pobreza.
Nesta mesma linha de raciocínio, foi verificada a falta de opiniões
divergentes em determinadas audiências, fato que, inclusive, gera dúvidas sobre a
motivação na convocação das reuniões. Foi levantada a possibilidade de os/as
deputados/as utilizarem as audiências públicas como forma de propaganda de
políticas públicas governamentais ou buscarem uma atenção midiática na defesa ou
ataque de temas “polêmicos” (como é o caso dos direitos LGBTT).
Do que foi analisado, é possível concluir que o/a deputado/a propositor
detém grande influência nas proposições dos nomes dos/as convidados/as. Em
regra, observamos que os discursos realizados em audiência já apresentam uma
tendência em consonância com o que é defendido pela posição ideológica do partido
propositor. Bem como, observamos que não é comum que as audiências sirvam
para debater projeto de lei específico e sim, temas mais abrangentes nos quais já
existe atenção nacional. Concluímos, por fim, que as audiências sobre gênero
realizadas nas comissões estudadas nos anos de 2011 e 2012 não lograram êxito
em municiar os/as deputados/as com informações para pareceres técnicos nas
matérias específicas.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Minha pesquisa de pós-graduação foi pensada, em um primeiro momento,
para suprir uma curiosidade pessoal de operadora do direito em relação ao processo
legislativo. É comum encontrarmos decisões judiciais que fundamentam a posição
tomada na “intenção do legislador”78. Assim, nos parece primordial entender quem
faz parte do grupo de pessoas que toma as decisões legislativas e, mais, como
ocorre esta deliberação. As comissões permanentes são um campo excelente para
buscar estas informações, por serem microcosmos do plenário, onde a análise pode
ser mais pormenorizada.
Após o ingresso no programa de pós-graduação com o intuito de estudar o
sistema de comissões, me familiarizei com as temáticas de gênero e representação
política feminina. Este arcabouço teórico gerou uma série de novos questionamentos
sobre a participação das deputadas no processo legislativo e seus efeitos. No Brasil
as mulheres representam 51%79 da população e são responsáveis por 38,7%80 dos
domicílios, contudo, a presença feminina na Câmara é de apenas 8,7%. Daí surgiu a
necessidade de aprofundar o estudo do sistema de comissões com pesquisa sobre
as deputadas e legislação sobre gênero.
Foi verificado que este campo de intersecção ainda é pouco explorado nos
estudos a respeito do Congresso Nacional, assim, a presente dissertação buscou
ampliar este debate acadêmico. O problema de pesquisa foi traçado para verificar
como ocorre a distribuição das deputadas entre as comissões e como esta definição
afeta o processo decisório nas propostas legislativas relacionadas a gênero.
O primeiro ponto levantado buscando compreender o sistema de comissões
permanentes foi o estudo da sua gênese, nos anais da Assembleia Nacional
Constituinte. O que se observou é que os/as constituintes tencionavam dar mais
agilidade ao processo decisório e incentivar debates mais técnicos, estimulando a 78 Por exemplo, o Habeas Corpus 175.816-RS julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em
20/06/2013, segundo o qual: “(...) 1. Apesar de ser desnecessária à configuração da relação íntima de
afeto a coabitação entre agente e vítima, verifica-se que a intenção do legislador, ao editar a Lei
Maria da Penha, foi de dar proteção à mulher que tenha sofrido agressão decorrente de
relacionamento amoroso, e não de ligações transitórias, passageiras.” Disponível em:
http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23553475/habeas-corpus-hc-175816-rs-2010-0105875-8-
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“expertise” dos/as deputados/as em determinada área. Após este estudo
introdutório, mobilizamos conceitos da ciência política que buscam explicar
representatividade, bem como, recrutamento e funcionamento das comissões.
Entendemos, assim como defendido por Young (2006), que uma
representação socialmente justa deve abranger grupos desfavorecidos para que
seus pontos de vista não sejam excluídos do processo legislativo. As deputadas
estudadas claramente contam com interesses e opiniões bem diferentes entre si,
mas partem de uma perspectiva comum, levando certos pontos de partida para o
debate. O baixo número de mulheres nas comissões permanentes, e na Câmara de
um modo geral, impossibilita a exposição desta perspectiva.
Paralelamente, realizamos pesquisa sobre as três teorias
neoinstitucionalistas: distributivista, informacional e partidária, e buscamos
referências que comparassem estas teorias norte-americanas com o caso brasileiro.
Desta pesquisa levantamos a hipótese da distribuição das deputadas entre as
comissões ocorrer por um predicado informacional. Isto porque que há estudos
demonstrando que a Câmara privilegia a expertise e seniority dos/as deputados/as
(MEIRELES e MULLER, 2014). Bem como, consideramos a regra de funcionamento
do Congresso que incentiva a especialidade com a imposição de limitação no
número de comissões que cada deputado/a poderá participar (ROCHA e BARBOSA,
2008). O levantamento bibliográfico serviu também para alimentar a metodologia e a
delimitação dos objetivos a serem investigados.
No capítulo seguinte, foi trabalhada a metodologia da presente pesquisa,
como se deu a escolha das cinco comissões (CE, CTASP, CSSF, CDHM e CLP) e
consequentemente das 27 deputadas estudadas. Analisamos 233 audiências
públicas, 335 projetos de lei e 17 projetos de emenda à constituição. Descrevemos
também as dificuldade de classificação das proposições legislativas e audiências
públicas e sua pertinência com questões de gênero. Ainda, advertimos sobre a
limitação das conclusões elaboradas no presente trabalho ao estudo das cinco
comissões nos anos de 2011 e 2012.
A bibliografia ordinariamente considera que as comissões detêm pouco
poder no Congresso Brasileiro, o que nos levou a perquirir se a maioria dos projetos
de lei não seria apreciada de forma conclusiva pelas comissões, mas sim,
necessitaria da aprovação do plenário. O que observamos, entretanto, é quase um
equilíbrio entre a forma de apreciação dos projetos de lei que versam sobre gênero:
43,7% deverão ser analisados de forma conclusiva pelas comissões. Da pesquisa
realizada, verificamos inclusive que legislações de amplo impacto receberam aval da
Mesa para serem votados conclusivamente pelas comissões, como é o caso do PL
nº 6.297/2005 que defende relação homoafetiva para fins previdenciários. Estes
achados corroboram a importância de se estudar comissões por sua relevância no
processo legislativo.
No levantamento sobre a distribuição das deputadas entre as comissões,
constatamos uma concentração de mulheres em determinados temas,
principalmente relacionados a questões assistenciais. A Comissão de Seguridade
Social e Família (CSSF) é a que possui maior presença de mulheres, com oito
deputadas, 22% do total dos 36 membros. Por outro lado, a Comissão de
Desenvolvimento Urbano (CDU) não possui nenhuma mulher entre os 18 membros.
Chamou especial atenção a composição das três Comissões que tratam de tributos,
finanças e economia, com apenas uma mulher em cada uma delas.
Dos dados apresentados, foi possível concluir que as parlamentares, em
regra, permanecem na mesma comissão. Contudo, em nenhuma das comissões
estudadas, a profissão/ ocupação anterior se mostrou como fator determinante para
a indicação da matéria a ser trabalhada. Vale notar que apenas cinco parlamentares
colocam em suas biografias ligações com organizações para mulheres. E 12
deputadas apontam ligações com sindicatos/ associações/ institutos/ federações.
Esta ligação externa é pertinente como explicação da distribuição entre as
comissões: as deputadas parecem preferir estar em comissões em que possam
discutir legislações com relevância para a organização da qual fazem parte.
Podemos concluir que as deputadas, em regra, não enfatizam bandeiras
feministas e não trazem pautas de gênero como sua principal plataforma de
reeleição. Inclusive, 13 das 27 deputadas não realizaram nenhuma proposição com
temática de gênero. Outro apontamento relevante é a questão do consenso ao redor
do tema do projeto. Da leitura das ementas dos projetos de lei sobre gênero,
conseguimos facilmente observar temas recorrentes. Questões ligadas à
sexualidade de crianças e adolescentes são objetos de 12 propostas legislativas,
mais de 1/3 do total de projetos sobre gênero. Isto leva a crer que existe uma
limitação à atuação das deputadas, que muitas vezes dependem de alianças
conservadoras para sua reeleição.
A pesquisa também demonstrou que a maioria dos projetos de lei sobre
gênero recebe parecer favorável das comissões de matéria para as quais foram
distribuídos. Buscamos verificar se as comissões estudadas atuam barrando
projetos de lei que não atendam os seus interesses (gatekeeping) e observamos que
houve maior celeridade nos PL que tratam de questões sexuais de crianças e
adolescentes. Em contrapartida, não houve parecer do relator para questões de
direito LGBTT e legislação para aumentar a licença paternidade.
Na tentativa de avaliar se a produção legislativa sobre gênero sofria impacto
de acordo com a posição ideológica partidária, buscamos, primeiramente, averiguar
a filiação partidária das deputadas e constatamos que os partidos de esquerda são
os que mais contam com representantes do sexo feminino. Em dissonância com o
dado anterior, proporcionalmente ao total de proposições, o maior número de PL
sobre mulheres veio dos partidos da direita.
Sobre as audiências públicas, constatamos que apenas 6,4% das 233
audiências realizadas nas cinco comissões trataram de temáticas de gênero. Os
temas também se concentram em determinados assuntos, porém, há uma sensível
diferença em relação aos projetos de lei, pois nas audiências foi possível observar
uma recorrência de requerimentos em assuntos “polêmicos”, tanto é assim que
ocorreram quatro audiências sobre direitos LGBTT nos anos de 2011 e 2012.
Do que foi analisado nas atas pesquisadas, chamou especial atenção a
presença do Poder Executivo nas audiências que tratam sobre gênero. A presença
governamental em doze das quinze reuniões estudadas demonstra que as
comissões utilizam o Executivo como fonte de informações. Por outro lado, os
sujeitos mais beneficiados/prejudicados com a política pública/ legislação não foram
convidados para o debate.
Em regra, os subsídios recebidos em audiências públicas não são citados
nas justificativas de proposições legais ou nas justificativas de parecer
favorável/desfavorável. Em paralelo, não são todas as audiências que contam com
posicionamentos divergentes: houve reuniões em que todos os expositores
concordavam sobre o assunto. Assim, concluímos que a realização de audiências
possui outras motivações além da busca por subsídios para o voto. Inclusive
aventamos, com as limitações do escopo pesquisado, que os/as deputados/as
utilizam estas reuniões como forma de buscar atenção midiática.
Frente aos dados compilados na presente dissertação, uma conclusão
possível é que, as comissões, apesar de deterem grande poder nas votações
legislativas, não atuam como centralizadoras de informações técnicas e as
parlamentares presentes nas bancadas não trazem debates de gênero para a pauta,
por uma limitação imposta pelo campo. Levando em conta os dados apresentados
sobre concentração de mulheres em determinadas temáticas, números de PL em
questões femininas, convidados para audiências públicas, entre outros, resta claro
que a “intenção do legislador” não é alterar substancialmente o campo normativo de
políticas de gênero.
Por fim, esperamos que este trabalho seja uma contribuição relevante no
sentido de aprofundar os estudos sobre comissões permanentes com um viés
feminista, uma intersecção que ainda carece de exploração. Almejamos também que
os dados aqui apresentados convençam da necessidade de aumentar a
representação de mulheres na Câmara dos Deputados, na tentativa de que as
temáticas de gênero e a perspectiva feminina deixem de ser secundárias no
processo legislativo.
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