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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ORIENTADOR: Prof.(ª) Crishna Mirella de Andrade Correa Rosa ACADÊMICOS: Ramon Alberto dos Santos e Renê José Cilião de Araújo COMMON LAW E CIVIL LAW: UMA ANÁLISE DOS SISTEMAS JURÍDICOS BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO E SUAS INFLUÊNCIAS MÚTUAS. Maringá, 31 de outubro de 2010.

Common Law e Civil Law Uma Analise Dos Sistemas Juridicos Brasileiro e Norte-Americano e Suas Influencias Mutuas

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ORIENTADOR: Prof.(ª) Crishna Mirella de Andrade Cor rea Rosa ACADÊMICOS: Ramon Alberto dos Santos e Renê José Cilião de Araújo

COMMON LAW E CIVIL LAW: UMA ANÁLISE DOS SISTEMAS JU RÍDICOS BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO E SUAS INFLUÊNCIAS MÚT UAS.

Maringá, 31 de outubro de 2010.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ORIENTADOR: Prof.(ª) Crishna Mirella de Andrade Cor rea Rosa ACADÊMICOS: Ramon Alberto dos Santos e Renê José Cilião de Araújo

COMMON LAW E CIVIL LAW: UMA ANÁLISE DOS SISTEMAS JU RÍDICOS BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO E SUAS INFLUÊNCIAS MÚT UAS.

Relatório contendo os resultados finais do projeto de iniciação científica vinculado ao Programa PIC-UEM.

Maringá, 31 de outubro de 2010.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo estudar o sistema jurídico da common law e da civil Law,

com enfoque respectivamente nos ordenamentos jurídicos norte-americano e brasileiro. Tal

estudo visa principalmente realçar as influências sofridas historicamente pelo direito pátrio,

do modelo estadunidense, com destaque para alguns princípios judiciais (como o due

processo of Law) e na construção de nossa Suprema Corte, o STF. Essa influência levou por

exemplo ao desenvolvimento do instituto da súmula vinculante, numa clara alusão aos

precedentes vinculantes das cortes da família da common law. Outro ponto buscado foi acabar

com algumas falsas verdades que ainda hoje são propagadas no meio acadêmico sobre a

família da common law, como a afirmação categórica de que este sistema ainda hoje é

eminentemente costumeiro.

Palavras-chave: civil law, common law, precedentes, STF, súmula vinculante, sistema

jurídico.

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1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 05

2 OBJETIVOS ..................................................................................................................................... 08

2.1 GERAL ........................................................................................................................................... 08

2.2 ESPECÍFICOS .............................................................................................................................. 08

3 DESENVOLVIMENTO ................................................................................................................ 09

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................. 10

4.1 A COMMON LAW E OS ESTADOS UNIDOS .......................................................................... 10

4.1.1 A constituição dos Estados Unidos da América ............................................................................ 16

4.1.2 A formação do jurista estadunidense ...................................................................................... 21

4.1.3 História e evolução do sistema jurídico federal ..................................................................... 23

4.1.4 As leis no direito americano: os Statutes ................................................................................ 24

4.1.5 A Jurisprudência no direito americano ................................................................................... 27

4.1.6 A organização do poder judiciário nos Estados Unidos ...................................................... 30

4.1.7 O controle de constitucionalidade nos Estados Unidos ....................................................... 33

4.2 CIVIL LAW E O DIREITO BRASILEIRO ............................................................................ 37

4.2.1 A família da civil law no Brasil ................................................................................................ 37

4.2.2 A evolução histórica do direito brasileiro ............................................................................... 38

4.2.2.1 As Constituições brasileiras ................................................................................................... 39

4.2.2.2 Código Criminial e Código Penal ........................................................................................ 43

4.2.2.3 Código Comercial de 1850 .................................................................................................... 44

4.2.2.4 Código de Processo Criminal, Regulamento 737, o Código de Processo Penal e o

Código de Processo Civil brasileiros ................................................................................................ 44

4.2.2.5 A lei de introdução ao código civil ....................................................................................... 46

4.2.2.6 O Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002 ........................................................... 46

4.2.3 O Supremo Tribunal Federal .................................................................................................... 48

4.2.4 Do controle de constitucionalidade ......................................................................................... 53

4.3 DA IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E AS SÚMULAS VINCULANTES 55

5 CONCLUSÕES ............................................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 61

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1 INTRODUÇÃO

A sociedade é um organismo que está constantemente se transformando, novas

realidades surgem, novos problemas aparecem, novos caminhos precisam ser trilhados, a

ciência avança a passos largos – diante de um cenário assim é de se esperar que o Direito

acompanhe tal evolução para que não se realize o diagnóstico do jurista francês Georges

Ripert: “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito".

Estando o Brasil inserido no sistema jurídico romanístico, de onde o Direito procede

originalmente do legislativo, é do Congresso Nacional e das casas legislativas de nível

estadual e municipal que as transformações necessárias devem adivir; contudo a inépcia

política a tempos não possibilita que esse rito normal se cumpra como deveria. Por esse

motivo o judiciário é cada vez mais chamado a tomar parecer ou de questões deixadas de lado

pelos legisladores ou em matérias que já não mais estão de acordo com os clamores sociais.

Oriundo desse processo uma discussão resurgiu no cenário nacional: a do confronto entre os

sistemas jurídicos norte-americano e brasileiro. Atendendo então a uma questão de caráter

atual, entraremos no mérito de averiguar melhor estes dois sistemas.

O Estudo do sistema jurídico dos Estados Unidos, baseado na Common Law, e do

sistema jurídico do Brasil, influenciado pelos preceitos do Direito Romano – a Civil Law,

parte primeiramente de uma detalhada observação da formação do sistema político de tais

nações – O Sistema Representativo Presidencialista (surgido nos Estados Unidos) –

analisando na sua formação princípios essenciais da divisão dos poderes e na sua evolução (no

caso brasileiro já que o sistema político-jurídico norte-americano se manteve estável desde

sua formação) a consolidação da independência do judiciário.

A compreensão da divisão dos poderes é de fundamental importância aqui uma vez

que todo o sistema democrático de direito se baseia nela; para tanta uma interpretação da obra

do elaborador do formato difuso de poderes, Charles-Louis de Secondat, barão de

Montesquieu, “O Espírito das Leis”, de 1748, se faz necessária, complementada pela leitura

das respectivas constituições do Brasil e dos Estados Unidos, onde as funções e poderes de

cada um dos poderes é delimitada.

Como nosso sistema jurídico deriva da civil law uma longa explicação se faz

dispensável, contudo não deixaremos de buscar a história de sua formação detalhando as

características do sistema que busca nas leis feitas pelo legislativo, positivadas pelos

representantes do povo a fonte essencial e superior do direito.

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Quanto ao estudo da common law, por se tratar de um modelo estranho a cultura jurídica

nacional , (e de fato muitas vezes o conhecimento que se tem dela é falho e conduz a erradas

pressuposições) far-se-a necessário uma retomada dos primórdios da Common Law na

Inglaterra, tarefa essa para a qual usaremos trabalhos de renomados estudiosos

contemporâneos e duas obras clássicas do Direito inglês e americano, sendo catalogada dentro

dos “livros de autoridade” (books of authority – livros que são considerados declarações da lei

de grande confiança) pelas cortes do Reino Unido:

- “The Commentaries on the Laws of England” do grande jurista e professor renomado

de Oxford Sir. Willian Blackstone (obra que inclusive serviu de base à formação do Direito

dos Estados Unidos), obra dividida em 4 volumes;

- “Institutes of the Lawes of England” de Sir. Edward Coke, também dividida em 4

volumes (uma citação à esta obra de Coke foi utilizada no caso Roe vs. Wade, que definiu as

diretrizes da questão do aborto nos Estados Unidos em 1973).

Passaremos então ao estudo de como o judiciário funciona dois países, a divisão de

jurisdição e o organograma da justiça em cada um dos países. Para então mergulhar num dos

pontos que levaram a formação deste projeto: a diferença histórica de independência entre a

Suprema Corte norte-americana e o Supremo Tribunal Federal nacional (para se ter uma ideia,

somente a partir da Constituição de 1988 é que se instituiu a independência financeira do

Judiciário e o poder de iniciativa de lei para as matérias de interesse da sua administração

judicial).

Mostraremos então a influência que a Suprema Corte (ou a Common law aem outras

palavras) anda tendo no Supremo Tribunal Federal, inspirando em nossos ministros um

ativismo maior nas matérias de lei, cuja demonstração maior pode ser vista na criação a 30 de

dezembro de 2004 através da emenda constitucional nº 45, da Súmula Vinculante (mecanismo

segundo o qual os juízes são obrigados a seguir o entendimento adotado pelo Supremo

Tribunal Federal (STF), ou pelos tribunais superiores, sobre temas que já tenham

jurisprudência consolidada).

E como objetivo final deste projeto, tentaremos demonstrar a tese da constante

aproximação entre tais sistemas, segundo a qual eles não são antagônicos e que atualmente o

que se vê na maioria dos países é a mistura de elementos e princípios de ambos os sistemas,

sendo variável nestes (decorrente dos elementos histórico-culturais) o sistema dominante (algo

como Common-civil law ou Civil-common law). Concluindo-se de tais fatos que muito

provavelmente tais sistemas tem muito a ganhar quando trabalham em conjunto.

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E mesmo que tal tese não alcance sucesso o que pretendemos ao buscá-la é fortalecer o diálogo

e a compreensão ao invés do que alguns estudiosos fazem hoje ao entrar no debate entre

Common law e Civil law, que é tentar encontrar o melhor sistema entre os dois – uma

investigação que centrada nessa direção não conduz a nenhum resultado positivo para o Direito

nacional. Como já expressou o nosso grande doutrinador Miguel Reale, em “Lições

Preliminares de Direito”:

"Seria absurdo pretender saber qual dos dois sistemas é o mais perfeito, visto como não há Direito ideal senão em função da índole e da experiência histórica de cada povo. Se alardearmos as vantagens da certeza legal, podem os adeptos do ‘Common Law’ invocar a maior fidelidade dos usos e costumes às aspirações imediatas do povo. Na realidade são expressões culturais diversas que, nos últimos anos, têm sido objeto de influências recíprocas, pois enquanto as normas legais ganham cada vez mais importância no regime do ‘Common Law’, por sua vez, os precedentes judiciais desempenham papel sempre mais relevante no Direito de tradição romanística "

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2 OBJETIVOS

2.1 GERAL

A razão maior deste projeto de iniciação científica está no fato de hoje o acesso facilitado a

internet e sobremaneira a massificação da língua inglesa, possibilitam um intercâmbio cada

vez maior com o sistema da common law por parte da comunidade jurídica nacional – é

essencial portanto que os muitos equívocos que ainda rondam o mundo acadêmico sobre esta

família jurídica sejam retificados.

2.2 ESPECÍFICOS

a) Apresentar um estudo comparativo entre o direito brasileiro e o norte-americano com

destaque para as suas Cortes Supremas;

b) Analisar historicamente a evolução do direito de tais países com base em seus sistemas de

origem;

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3 DESENVOLVIMENTO

A presente pesquisa foi uma investigação essencialmente histórica, contemplando a

evolução dos sistemas jurídicos brasileiros e norte-americanos, onde fica claro que ambos os

sistemas deixaram de ser sistemas puros da civil law e common law respectivamente para se

tornarem modelos mistos, onde um ou outro ponto de tais famílias ficam mais claros. Mediante

uma grande bibliografia sobre o tema, conseguimos aprofundar em todos os aspectos que o

tempo nos possibilitou, visto serem sistemas de grande complexidade.

Assim acreditamos que tal incursão, que não é inédita no direito comparado, pudesse

ao menos ajudar os colegas acadêmicos a melhor visualizar o debate corrente hoje entre o

ativismo político do judiciário e a sua inércia.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 A COMMON LAW E OS ESTADOS UNIDOS

O sistema jurídico norte-americano é um direito da família da Common Law, sendo,

contudo, um modelo misto, por possuir uma série de elementos que o faz figurar fora do

molde tradicional Inglês, e que o aproxima da tradição romano-germânica (que os falantes de

língua inglesa denominam Civil Law) principalmente no consonante a importância da

legislação escrita. Importante se faz então conhecer melhor a base da Common Law.

A Common Law é uma família de direito, que se baseia essencialmente na análise de

precedentes judiciais para se extrair uma regra de direito. Sua origem e desenvolvimento

acontecem na Inglaterra, após o ano de 1066 (ano da conquista normanda), quando o direito

britânico deixa de ser algo definido por cada tribo (mediante as County Courts1) para se tornar

um poder único para toda a Inglaterra (por isso a importância da conquista normanda, pois foi

a partir daquele momento que se instaurou um poder administrativo central forte).

Para os historiadores a formação da Common Law se dá até 1485, onde ela já

consolidada se vê em confronto com outra força a da Equity. As sentenças judiciais

promulgadas pelos Tribunais Reais de Justiça (ou Tribunais de Westminster em analogia ao

lugar onde se estabelecem os tribunais) são consideradas o “direito comum”, a Common Law

do reino. A Equity ganha força nesse quadro como uma espécie de “última instância de

apelação”, uma suprema corte rudimentar, mas a qual certos perdedores nos Tribunais Reais

recorriam para fazer garantir seu direito – era o recurso a autoridade do Rei, passando

primeiro pela análise do Chanceler que recebia os pedidos e então via se os remetia ao Rei,

ficando assim chamado de Tribunais do Chanceler do Rei. As decisões dos Tribunais do

Chanceler tinham como base a “equidade do caso particular2”, aplicando assim reformas nos

princípios dos Tribunais de Westminster. Todavia os juristas e os tribunais de Common Law,

apoiados pelo parlamento, fizeram forte campanha contra o fortalecimento da Equity, e após

árduos atritos, ficou tacitamente estabelecido que o status quo dos Tribunais do Chanceler

seria mantido, conquanto esse não se intrometesse nos assuntos das demais cortes (uma

grande limitação do seu poder). Seu poder ficou reservado a completar as lacunas da Common

Law. 1 As County Courts ou Hundred Court eram assembléias de homens livres, que aplicavam o costume e as tradições locais. 2 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. pág. 296.

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Elemento importante a se ressaltar sobre tal família jurídica, é o seu caráter de

contínuo aperfeiçoamento. Não há uma ruptura forte durante a história de sua evolução, a

sociedade inglesa cresceu e junto com ela o seu sistema jurídico, como bem salienta Teresa

Arruda Alvim Wambier:

“Ao pensar em como o sistema do Common Law nasceu, tende-se a dizer que ele sempre foi como é hoje. De fato, a natureza contínua do desenvolvimento do direito inglês pode sugerir que este sempre tenha sido como é hoje. A história do direito inglês é um continuum. Nunca houve o desprezo do que se entendia como correto antes, ou uma divisão do direito entre duas eras, uma pré e uma pós-revolucionára”3

No princípio, a Common Law, era um direito cuja fonte primária eram os costumes e a

tradição, daí ter sido denominado de “direito comum”, os quais eram então aplicados nos

tribunais, transformando-se então em precedentes. Com o tempo, tais precedentes foram se

transformando em jurisprudência, fortalecendo-se desse modo e impulsionando o sistema

jurídico.

O emérito jurista Vicente Ráo assevera nesse sentido:

“A Common Law corresponde a um sistema de princípios e de costumes observados desde tempos imemoriais e aceitos, tacitamente, ou expressamente pelo poder legislativo, revestindo ora caráter geral, quando vigoram em todas as jurisdições, ora caráter especial, quando imperam em certas regiões, tão somente. “Sua prova resulta da jurisprudência, pois ao julgarem os casos concretos, os juízes declaram o direito comum, que lhes é aplicável. Os julgados assim proferidos, registrados nos arquivos das cortes e publicados em coletâneas (reports), adquirem a força obrigatória de regras de precedentes (rules of precedents), para regerem os casos futuros; ademais juizes e juristas deles extraem princípios e regras, que subsequentemente, ampliam os limites da Common Law e, assim generalizados, propiciam a sua evolução.”4

Com a colonização da América do Norte por grupos ingleses (grande parte fugindo de

perseguições religiosas), no começo do século XVI, a Common Law desembarca no

continente americano e começa a ganhar características próprias, trilhando assim um caminho

peculiar em relação à sua matriz geradora.

Com o advento das Treze Colônias na América do Norte, importante era que um

direito fosse formado para regular as crescentes sociedades coloniais e, os poucos que

conheciam de leis, tinham como fundamento o direito inglês, principalmente da obra de

Willian Blackstone e seus “Comentários das leis da Inglaterra”, sendo que a realidade

distinta dos colonos em relação a metrópole, fazia com que os institutos e princípios

3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o Estado de direito – Civil law e Common law. Revista Jurídica, nº 384, Out. 2009, ano 57. Editora Notadez. Porto Alegre – RS. Pág. 54. 4 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. Pág. 131.

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sofressem várias modificações. O triunfo da Common Law em solo estadunidense é

claramente afirmado na obra do francês René David:

Não há muita necessidade de nos interrogarmos sobre as razões que explicam este triunfo da common Law. A língua inglesa e o povoamento originariamente inglês dos Estados Unidos mantiveram este país na família da common Law.5

Posteriormente, com o começo das hostilidades com os britânicos, culminando com a

guerra pela independência, influências continentais europeias, com destaque para as vindas da

França, trouxe para a nascente nação americana, um pouco da tradição da Civil Law, como o

caráter escrito, demonstrado pela Declaração de Independência e, principalmente pela pedra

angular do sistema jurídico estadunidense, a Constituição.

Tal originalidade do direito norte-americano é confirmada por David em outro trecho

de sua obra:

Os Estados Unidos continuaram a ser um país de common Law no sentido de que lá se conservam, de uma forma geral, os conceitos, as formas de raciocínio e a teoria das fontes do direito inglês. Contudo, na família da common Law o direito dos Estados Unidos ocupa um lugar particular; mais do que qualquer outro direito, ele está marcado por características que lhe imprimem uma considerável originalidade.6

Sobre essa transformação que a Common Law sofreu em território estadunidense,

Vicente Ráo nos ensina:

“E atendendo a que a common law (penal e civil, incluindo-se nesta o direito comercial) constitui um direito de origem costumeira e, pois, de caráter local, atribuíram aos Estados competência para declará-lo por via judicial, ou promulgá-lo, por via legislativa. “Daí resulta a multiplicidade de aspectos da common law norte-americana, em contraste com a inglesa, multiplicidade que consagra as soluções correspondentes às necessidades e caracteres próprios de cada Estado e, consequentemente, suas particulares concepções do modo de solução dos conflitos. Assim é, de fato, que em alguns desses direitos estaduais se descobre por exemplo, mais tradicional apego ao direito inglês, ao passo que em outros se revela mais sensível a influência das novas correntes imigratórias e , em outros, ainda, como no direito da Luisiânia, ação persistente do direito romano.”7

Dito isso, examinaremos essa originalidade que o direito estadunidense adquiriu

graças a sua forma de organização social e estatal.

Em primeiro lugar, temos a inovadora ideia dos fundadores, de estabelecer uma ordem

escrita, um texto que ditasse e de difícil modificação, as bases político-sociais da nação,

garantindo aqueles direitos inalienáveis descritos na Declaração de Independência: Vida,

Liberdade e Busca pela felicidade.

5 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 6 Idem, Ibidem, p. 362-363. 7 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. Pág. 137-138.

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A Constituição de 1787, que foi devidamente assinada pelas 13 colônias em quatro de

julho de 1788 (data essa símbolo da Independência), trouxe uma série de inovações (a

começar por si mesma deve-se salientar) para a teoria política e acima de tudo para o futuro

das sociedades, ao consolidar e colocar em prática algo que hoje nos parece fundamental: a

democracia.

A forma de Estado escolhida pelos constituintes foi o federalismo um sistema

totalmente diferente do tradicional estado unitário inglês, isso devido à autonomia das

colônias, que se mostrou a melhor solução de estabilidade política e força nacional (algo que a

confederação não possibilitava, visto a falta de um poder central efetivamente forte), ou seja,

uma união de estados, que são governados por um poder central, mas que possuem grande

autonomia política e administrativa. Já na Inglaterra, o modelo de organização do Estado era

unitário, ficando a autonomia política toda com o governo central, existindo apenas uma

administração descentralizada.

Quanto ao sistema de governo, os fundadores, escolheram o sistema republicano, o

mais concernente com o ideal de liberdade e democracia, além de expressar a rejeição ao

sistema monárquico inglês. Nesse sentido é interessante se olhar o dispositivo de

representatividade escolhido pelos constituintes, algo como uma combinação da unidade de

comando da figura do monarca, com a ideia da alternância e rotatividade proporcionada por

eleições periódicas: o presidencialismo – que viria a se tornar uma marca registrada da

tradição democrática nas Américas.

Outra contribuição introduzida pela constituição foi trazer do mundo da teoria para a

arena da realidade, as ideias do filósofo francês Charles-Louis de Secondat, ou simplesmente

Montesquieu, da divisão dos poderes, feita na sua obra “O espírito das leis” de 1748,

instituindo a trindade do governo: o Executivo, Legislativo e o Judiciário – poderes com suas

respectivas funções governamentais e independentes entre si.

Essa estrutura de governo original é o fundamento da diferenciação que viria a se

consolidar entre a Common Law britânica e a estadunidense, a começar por um dos pontos da

doutrina federalista norte-americana, que é o da autonomia estadual de legislar sobre todas

aquelas matérias que a Constituição não delegou explicitamente ao governo Federal, descrito

na 10º emenda da Constituição: “Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela

Constituição, nem por ela negados aos Estados, são reservados aos Estados ou ao povo.” Há

ainda outro dispositivo chamado de competência residual, no qual os estados membros podem

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criar regras que se adicionam às regras federais ou mesmo preencham lacunas deixadas por

estas. A única ressalva feita é a proibição de se legislar contra a Constituição.

O direito criado nos estados membros possui maior preponderância na vida dos

cidadãos e juristas estadunidenses que o direito federal. A maioria dos litígios são resolvidos

na esfera estudual.8

Vale abrir um comentário aqui para definir que todo cuidado deve ser tomado ao se

dizer “direito dos Estados Unidos”, visto que tal designação somente se aplica ao direito

elaborado pelos legisladores (compreendido pelo termo Statute Law) e pelos juízes (chamada

Case Law) no âmbito federal, no qual teremos matérias de competência exclusivas e

concorrentes à União, como antitrust, federal torts (torts pode ser traduzido como

responsabilidade civil) e direitos trabalhistas. Na maioria das questões jurídicas como, por

exemplo, nas questões de família, ter-se-á de buscar dentro do Estado membro em questão as

leis ou jurisprudência relativa à matéria – dessa forma cada Estado terá uma forma diversa de

tratar o assunto, tornando o sistema complexo por excelência.

Na verdade, não há Common Law federal, todavia essa afirmação merece ressalvas:

Não existe common Law federal; esta fórmula significa apenas que as jurisdições federais não estão autorizadas a criar um sistema de direito próprio; elas devem sempre julgar, quando não existe lei federal, aplicando o direito de um Estado.9

Esse princípio firmou-se em 1938, após um acórdão proferido pela Suprema Corte dos

Estados Unidos no caso Erie Railroad v. Tompkins, que versava sobre um andarilho que

seguia a pé por uma estrada de terra, no estado da Pennsylvania, onde passava uma via férrea.

Após a passagem de um comboio pertencente à companhia Erie Railroad, do estado de Nova

Iorque, Tompkins caiu e feriu-se. Desse modo, o homem entrou com uma ação contra a

companhia férrea no Tribunal Federal do Distrito Sul do estado de Nova Iorque e esta corte

deveria julgar de acordo com as leis do estado da Pennsylvania, como era previsto no

Judiciary Act de 1789. A Erie Railroad alegou, por uma jurisprudência daquele estado, que o

andarilho não tinha direito a perdas e danos. Tompkins contestou tal jurisprudência, afirmando

que na falta de uma lei escrita do estado, o juiz federal deveria aplicar a Common Law, ou

seja, a general Law dos Estados Unidos. Assim, o juiz de distrito, bem como a Court of

Appeals acataram a este argumento. Entretanto, a Suprema Corte dos Estados Unidos anulou

o acórdão proferido, alegando que em “áreas reservadas pela Constituição aos Estados, os

8 FARNSWORTH, E. Allan. Introdução ao Sistema Jurídico dos Estados Unidos. Tradução: Antônio Carlos Diniz de Andrada. Companhia editora Forense. Rio de Janeiro, 1965. 9 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Pág. 376.

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tribunais federais deviam aplicar a jurisprudência estadual, tanto quanto a legislação estadual” 10.

Desse modo, pode-se indagar se é possível manter uma unidade do sistema jurídico,

principalmente em um estado federado, no qual cada estado membro tem uma autonomia

jurídica de atuação. A resposta está na própria história dos Estados Unidos que, adaptando seu

modelo, conseguiu manter, até os dias atuais, a uniformidade de seu sistema jurídico.

Primeiramente, com o instituto do controle de constitucionalidade (o qual será referido mais

adiante). Em segundo lugar, com a possibilidade de mudança da jurisprudência, ou seja, a

Suprema Corte dos Estados Unidos, bem como as Supremas Cortes dos estados membros não

estão vinculados às suas próprias decisões, podendo desviar-se de sua jurisprudência. Ou seja,

há atenuação da regra de precedentes, que na Inglaterra é tomada com muito rigor.

Além disso, o que se observa é que há entre os juristas americanos, uma ideia de

uniformização do direito dos estados membros em relação as mais variadas matérias, tendo-se

assim um princípio de unidade fundamental dentro do sistema jurídico, no qual o juiz de

determinado estado procurará alinhar suas decisões com as decisões da maioria dos outros

estados membros. Nesse sentido René David postula que:

“Tudo o que se decidiu no caso Erie R. R. Co. v. Tompkins, em definitivo, é que a modificação da jurisprudência necessária para restabelecer a harmoniosa unidade da common Law nos Estados Unidos devia ser obra de uma jurisdição estadual, e não federal. É aos tribunais dos Estados que está reservada a tarefa de determinar e desenvolver a common Law americana, nas matérias sobre as quais o Congresso não pode legislar. A unificação do direito americano deve ser realizada pela aproximação dos direitos dos cinqüenta Estados: as jurisdições federais não devem procurar realizá-la, elaborando, ao lado dos direitos dos Estados, um direito federal.” 11

Quanto à hierarquia das fontes no sistema jurídico dos Estados Unidos, por mais

confuso que possa parecer, visto ser este um sistema misto, mas essencialmente influenciado

pela Common Law, as leis escritas estão acima dos precedentes judiciais. Nessa linha o Juiz

Federal de Primeira Instância na corte do Distrito de Maryland, Peter J. Messitte nos ensina

que:

“[...]é correto afirmar que grande parte do Direito norte-americano, na verdade a maior parte, é composta de leis ordinárias, ou seja, leis oriundas do Poder Legislativo. Nós temos também muitos códigos tanto no sistema federal quanto nos estaduais. No sistema federal, por exemplo, temos o Código de Direito Tributário e nos estaduais temos os códigos criminais e comerciais, apenas para citar alguns. Além disso, é importante frisar que no sistema norte-americano as leis têm precedência sobre os precedentes jurisprudenciais. À exceção dos casos constitucionais, as leis posteriores sempre têm o condão de alterar os precedentes. Por último, é válido lembrar que o dever precípuo dos magistrados americanos é

10 FARNSWORTH, E. Allan. Introdução ao Sistema Jurídico dos Estados Unidos. Tradução: Antônio Carlos Diniz de Andrada. Companhia editora Forense. Rio de Janeiro, 1965. Pág. 54. 11 DAVID, René. Op. Cit. Pág. 377.

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exatamente o mesmo dos seus pares brasileiros. Qual seja o de decidir casos concretos. 12”

Após essa breve comparação entre o direito norte-americano e o direito inglês, bem

como uma explicação sucinta sobre as peculiaridades do sistema jurídico estadunidense,

vamos descrever com mais detalhes a sua Carta Magna, explicar como funciona e se organiza

o sistema judiciário, bem como dar vistas ao controle de constitucionalidade exercido pela

Suprema Corte daquele país.

4.1.1 A Constituição dos Estados Unidos da América

Ao se ter acesso à carta política estadunidense, rapidamente é possível compará-la com

a Constituição Federal Brasileira. Isso se dá devido à diferença de extensão entre as duas e a

semelhança entre alguns institutos. Como é de conhecimento de qualquer jurista brasileiro, a

nossa lei suprema é composta de várias páginas, artigos, parágrafos e incisos. Já a

Constituição norte-americana não possui essa característica. Na verdade, ela é bem sucinta

(contém 4400 palavras apenas13) sendo composta por sete artigos, cada um variando com suas

seções que, na tradição jurídica brasileira, equivaleriam aos nossos capítulos (os artigos

seriam os nossos títulos), além de vinte e sete emendas, cada qual com suas devidas seções.

Outro fato importante a ser ressaltado é que a Constituição dos Estados Unidos foi

promulgada no ano de 1787, sofrendo poucas modificações desde então. Diferentemente da

nossa recente carta magna, que há pouco completara 20 anos de existência.

Essa discrepância de tamanho consiste principalmente na diferença de visão

empregada pelos constituintes dos dois países, sendo que os americanos se pautaram pela

idéia de uma constituição sintética, com a menor interferência possível do governo federal nos

assuntos do novo país, já os nossos legisladores, partiram do princípio de um texto supremo

analítico, que definisse exaustivamente todas as matérias constitucionais e muitas outras de

caráter infraconstitucional (atitude marcada fortemente pelo período histórico vivido no

momento anterior a redemocratização). Por ser sintética e tendo como fundação básica a

Common Law é que mesmo após mais de dois séculos de vigência, a carta política dos

Estados Unidos continua viva e atualizada.

12 MESSITTE, Peter J..A Teoria dos Precedentes no Direito Norte-Americano. Revista do Tribunal Superior do Trabalho.Brasília, vol. 67, nº4, out/dez 2001. 13 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito comparado. Introdução ao direito constitucional norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1515, 25 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10282>. Acesso em: 11 abr. 2010.

Page 17: Common Law e Civil Law Uma Analise Dos Sistemas Juridicos Brasileiro e Norte-Americano e Suas Influencias Mutuas

17

Não é objetivo central, deste trabalho, analisar cada artigo e suas próprias seções

profundamente, portanto analisaremos mais a fundo os três primeiros artigos e as primeiras

dez emendas, enquanto breves comentários serão feitos aos demais que possuem relevância a

este trabalho.

O primeiro artigo da Constituição estadunidense, em sua primeira seção, já define

como será composto o Congresso dos Estados Unidos, ou seja, em um sistema representativo

bicameral, com um Senado e a Câmara dos Representantes. Ainda neste artigo, já na seção

dois, é apresentado o período em que ocorrerão as eleições para os representantes da Câmara

dos Representantes, bem como os requisitos necessários para ser eleito, além do número de

deputados que comporá a Casa, e também a exclusividade de poder indiciar por crime de

responsabilidade, ou seja, impeachment.

Já na seção três do mesmo artigo, temos as definições da composição do Senado,

assim como o período em que os senadores serão eleitos, além dos requisitos necessários ao

cidadão estadunidense para investidura no cargo. É ainda definido nesta seção que o vice-

presidente dos Estados Unidos presidirá o Senado, todavia não possuíra poder de voto, exceto

em casos de empate. Ao Senado é dado o dever exclusivo de julgar os crimes de

responsabilidade (impeachment).

Na sétima seção do artigo primeiro podemos ver como funciona o trâmite para a

aprovação de um projeto de lei no Congresso estadunidense. Basicamente, o projeto inicia-se

em uma das Casas, após aprovado, vai para a outra Casa, se obtiver aprovação é colocado sob

a avaliação do Presidente da República, que tem dez dias para aprová-lo ou refutá-lo. Caso

esse prazo expire, o projeto torna-se lei. Em caso de rejeição pelo Executivo, o projeto retorna

à Casa inicial com as devidas ressalvas. Se esta aceitar, vai novamente para a outra Casa que,

caso aprove, torna-se lei. Praticamente o mesmo sistema brasileiro.

A seção 10 do artigo primeiro pode ser considerada a mais importante para a

organização política do país, pois limita a autonomia dos Estados membros em alguns

aspectos, visando manter a unidade federativa.

No artigo segundo é definido o sistema presidencialista, ou seja, o Poder Executivo

dos Estados Unidos da América será composto de um Presidente da República e seu

respectivo vice-presidente. Ainda na seção um deste artigo, é apresentado o tempo de

mandato para os dois cargos, bem como as possibilidades de sucessão caso ocorra algo

inesperado como morte ou destituição, além de mostrar as qualidades necessárias para que um

cidadão americano possa ser eleito para um dos cargos. A seção dois tem como tarefa definir

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18

as funções que o Presidente da República deve exercer como, por exemplo, chefe supremo da

Marinha e do Exército dos Estados Unidos e nomear juízes da Suprema Corte, mediante

aprovação do Senado, entre outras.

O artigo terceiro, referente ao judiciário, mostra em sua seção primeira, a prescrição de

que o sistema judiciário seria formado primordialmente por uma Corte Suprema

(determinação expressa) e por cortes inferiores que seriam definidas posteriormente pelo

Congresso. Ademais, fica estabelecido também nessa seção que os salários pagos aos juízes

tanto da Suprema Corte quanto das cortes inferiores não será diminuído enquanto os mesmos

estiverem em serviço. No tangente a estrutura do sistema judiciário, a constituição deixa

espaço para que o legislativo federal possa determinar um organograma da justiça mediante a

criação das jurisdições inferiores à Suprema Corte.

A Constituição, porém na sua seção dois, detalha com mais enfoque a competência do

poder judiciário:

“A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de aplicação da Lei e da Eqüidade ocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos, e os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua autoridade; a todos os casos que afetem os embaixadores, outros ministros e cônsules; a todas as questões do almirantado e de jurisdição marítima; às controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte; às controvérsias entre dois ou mais Estados, entre um Estado e cidadãos de outro Estado, entre cidadãos de diferentes Estados, entre cidadãos do mesmo Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados, enfim, entre um Estado, ou os seus cidadãos, e potências, cidadãos, ou súditos estrangeiros.” 14

Esta mesma seção ainda delimita os poderes da Suprema Corte, os tipos de jurisdição

que possui, discriminando por casos:

“Em todas as questões relativas a embaixadores, outros ministros e cônsules, e naquelas em que se achar envolvido um Estado, a Suprema Corte exercerá jurisdição originária. Nos demais casos supracitados, a Suprema Corte terá jurisdição em grau de recurso, pronunciando-se tanto sobre os fatos como sobre o direito, observando as exceções e normas que o Congresso estabelecer” 15.

Fora do rol da divisão dos poderes, o artigo sexto, em sua segunda seção, estabelece a

chamada supremacy clause, vinculando os juízes do País a constituição federal. In verbis:

“Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do país; os

14 A Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: < http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110> Acessado em: 08 fev. 2009 15 A Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: < http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110> Acessado em: 08 fev. 2009.

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19

juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela, ficando sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados16.”

Outra parte da Constituição que merece ser ressaltada é referente às primeiras dez

emendas introduzidas no ano de 1789. Essas ficaram conhecidas como Bill of Rights, devido à

influência da carta de mesmo nome que existia na Inglaterra.

O Bill of Rights estadunidense pode ser considerado como uma declaração dos direitos

do cidadão norte-americano, pois nela se encontram todos os princípios basilares que

garantem as liberdades, o direito a propriedade, o devido processo legal em caso de processo,

assim como outras garantias fundamentais, podendo ser comparado ao artigo 5º da nossa

Constituição de 1988.

Com base nas ideias do iluminista John Locke, os americanos quiseram criar uma

complementação à sua Constituição para garantir direitos fundamentais ao homem. Ora, o

filósofo inglês era ferrenho defensor da liberdade individual de cada um e, principalmente, do

direito à propriedade privada, desse modo os norte-americanos quiseram garantir esse direito

a cada um de seus cidadãos como pode ser notado na quarta emenda: “O direito do povo à

inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias

não poderá ser infringido; [...]” 17

Esse complemento foi criado em grande medida para conseguir com que os

oposicionistas (que tinham grandes receios de que os poderes do governo central atingissem

patamares insuportáveis) ratificassem a Constituição. Para atingir tal fim, os criadores e

lideres da constituinte prometeram elaborar emendas para proteger os direitos dos cidadãos

contra os poderes intrusivos do governo nacional, assim que a Constituição entrasse em vigor.

James Madison redigiu o texto com as emendas, mediante as propostas dos Estados, e logo

em seguida foram ratificadas.

Em sua primeira emenda, a Bill of Rights garante princípios democráticos como a

proibição do Congresso Nacional de legislar contra o livre exercício de cultos e religiões, bem

como impedindo a liberdade de imprensa ou de palavra e ainda proíbe o mesmo de impedir

que o povo se reúna pacificamente e de dirigir protestos pacíficos contra o Governo Federal.

Outro importante instituto jurídico, está estabelecido na quinta emenda que prevê o

due process of law, ou seja, o devido processo legal. Isso quer dizer que o cidadão americano

16 A Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: < http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110> Acessado em: 08 fev. 2009. 17 Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: < http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110 >. Acesso em: 08 fev. 2010

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20

não poderá ser restringido de seus direitos fundamentais sem uma devida ação legalmente

aceita. Ainda nessa emenda, no âmbito mesmo do processo legal, tem-se a garantia de o

cidadão estadunidense receber indenização em caso de expropriação de propriedade privada,

tampouco será esse mesmo obrigado a servir de testemunha contra si mesmo em qualquer

processo criminal. Convém a transcrição de um trecho da emenda para melhor compreensão:

“[...] ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem o devido processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização.” 18

Na sexta emenda é possível ver os direitos consagrados a um acusado em qualquer

processo criminal, dentre eles está o julgamento por um júri imparcial do Estado e distrito

onde o crime houver sido cometido, bem como o direito a um advogado e testemunhas para

sua devida defesa.

A sétima emenda garante o direito a todo cidadão de julgamento por júri, quando o

valor da causa exceder vinte dólares, não podendo ser a decisão proferida por este júri revista

por nenhum tribunal dos Estados Unidos.

Outra proteção definida pelos constituintes é em relação a razoabilidade das penas,

fianças e multas, prescrita pela oitava emenda, para evitar os exageros em processos civis e

criminais (contudo, isso não impede a pena de morte de continuar existindo em 37 Estados da

federação19). In verbis: “Não poderão ser exigidas fianças exageradas, nem impostas multas

excessivas ou penas cruéis ou incomuns20.”

Na última, das dez emendas que compõem o Bill of Rights estadunidense, temos a

delegação dos poderes não pertencentes à União aos Estados membros e ao povo, dando

assim grande poder e autonomia legislativa aos Estados, mantendo o típico federalismo norte-

americano.

O Bill of Rights dos Estados Unidos está longe de ser comparado com a Declaração

dos Direitos do Homem promulgada em 1791 pelos revolucionários franceses. Todavia, é

inegável a influência que estes receberam dos norte-americanos que souberam relacionar

direitos fundamentais do homem, e não apenas do cidadão estadunidense, de modo coeso e

sucinto. 18 Idem. Acesso em: 08 fev. 2010 19 ANÁLISE COMPARATIVA DOS SISTEMAS JUDICIÁRIOS. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-set-04/analise-comparativa-sistemas-judiciarios-brasileiro-norteamericano?pagina=4>. Acesso em: 11 abr. 2010. 20 Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: < http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110 >. Acesso em: 08 fev. 2010

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21

Outras três emendas, posteriores a bill of rights, mas igualmente abordando direitos

fundamentais dos cidadãos norte-americanos, são as emendas 13, 14 e 15, todos elaboradas

após o fim da guerra civil americana, tendo como corolário a proibição da escravidão e a

igualdade entre os americanos. Vale a sua citação:

13ª Emenda, seção 1: “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.” 14ª Emenda, seção 1: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis” 15ª Emenda, seção 1: “O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por qualquer Estado, por motivo de raça, cor ou de prévio estado de servidão21.”

4.1.2. A formação do jurista estadunidense

Antes de expormos como o Poder Judiciário se organiza no território dos Estados

Unidos da América, convém explicar o processo de formação do jurista norte-americano, bem

como as instituições que regulam o fino exercício da profissão de advogado.

A formação do profissional do direito nos Estados Unidos ocorre de modo diferente

em relação ao Brasil. Primeiramente, o jovem na faixa dos 17, 18 anos encerra a High School,

que equivale ao nosso Ensino Médio. Em seguida, o estudante que quiser ser admitido para

uma university deve encarar um exame de seleção, o mais importante é o que considera as

notas obtidas na High School. Na university o aluno receberá uma formação geral, de cunho

humanístico, ou seja, não irá estudar, num primeiro momento, disciplinas jurídicas

propriamente ditas, como ocorre nos cursos de graduação brasileiros. Geralmente, os cursos

da university demoram quatro anos ou mais para serem concluídos, dependendo do curso

escolhido pelo estudante, sendo que, normalmente, aqueles que querem ingressar na carreira

jurídica escolhem Economia ou Administração de Empresas. Ao final, recebem o título de

Bachelor of Economics ou Bachelor of Science, entre outros, variando com a opção do

estudante.

Concluído o curso da university, o interessado em atuar no mundo jurídico deve

prestar um exame de seleção nacional para ingressar em uma Law School do país, por meio do

21 Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em: < http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110 >. Acesso em: 08 fev. 2010

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22

Law Schools Admissions Test, que é organizado pela Association of American Law Schools.

Desse modo, o estudo jurídico nos Estados Unidos possui grau equivalente ao da pós-

graduação brasileira, tendo duração de três a quatro anos, sendo que o profissional recém-

formado recebe a titulação de Bachelor of Laws.22

Nas Law Schools, o método majoritário de ensino é conhecido como método socrático,

jurisprudencial ou de caso, introduzido pela primeira vez em uma publicação de coletânea de

casos contratuais e suas respectivas decisões pelos tribunais superiores, do Professor

Christopher Columbus Langdell de 1871, o qual prevê mínimas aulas expositivas por parte

dos professores e muita atividades que estimulam a análise, o raciocínio e a comparação dos

fatos concretos dos alunos.23

O professor Farnsworth assim nos ilumina acerca da adoção de tal sistema:

“A partir do momento em que os professores de direito principiaram a fornecer a seus alunos coleções de jurisprudência, iniciou-se a tendência a abandonar o método tradicional de preleções e passou-se ao método de propor questões e discutir com os estudantes os casos por eles previamente estudados – em suma, o chamado método socrático.” 24

O método consiste basicamente na distribuição de cases aos estudantes para que estes

deem nova solução ao caso25, ou casos imaginários para que os discentes possam alcançar a

devida solução por métodos como a analogia, indução, entre outros. Assim, o professor atua

como um auxiliar na busca da regra do direito apropriada ao caso, mantendo seus alunos na

linha correta de pensamento, ou seja, o docente é responsável por dar à luz os alunos, uma

verdadeira maiêutica. Por isso método socrático, pois os professores utilizam à mesma técnica

de alcance do conhecimento utilizada pelo filósofo da Grécia Antiga.

Após ter concluído os ensinos jurídicos na Law School, aquele que quiser exercer a

profissão de advogado deverá ser aprovado no National Bar Examination, organizado pela

American Bar Association. O advogado poderá exercer sua função em outros estados do país,

diferente daquele em que fora admitido, desde que realize outros exames ou preencha os

requisitos necessários para atuar no estado escolhido, por exemplo, o conhecimento das leis e

case laws do estado onde quer ser admitido.

22 SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 66 – 73. 23 FARNSWORTH, E. Allan. Introdução ao Sistema Jurídico dos Estados Unidos. Tradução: Antônio Carlos Diniz de Andrada. Companhia editora Forense. Rio de Janeiro, 1965. Pág. 25 24 Idem, Ibidem, p. 25. 25 Dimitri Dimoulis demonstra a importância desse método perfeitamente ao analisar o caso hipotético dos denunciantes invejosos proposto por Lon L. Fuller e ao dar a esse caso cinco novas opiniões para solucioná-lo, o que mostra o principal objetivo da análise de casos anteriores, pois os juristas podem dar apresentar prováveis soluções que antes não foram pensadas.

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23

A American Bar Association é uma instituição privada, equivalente à nossa Ordem dos

Advogados do Brasil, e possui funções similares a esta, como demonstra em sua obra o

Professor Guido Fernando Silva Soares:

A American Bar Association tem outras funções, algumas assimiláveis àquelas de nossa OAB (tribunais de ética, medidas de resguardo da dignidade do exercício da profissão, controles da qualidade dos candidatos a admissão em seus quadros) e outras que revelam o prestígio da mesma: a própria legitimação dos mandatários perante o Poder Judiciário federal e dos Estados, como já se disse, e, em particular, de controle direto do nível do ensino do direito, em todo o país, pela via de acreditamento [sic] das Law Schools [...] 26

Feita essa breve análise da formação do profissional do direito nos Estados Unidos,

cabe agora um estudo sobre como o Judiciário é organizado, como os juízes são escolhidos,

como as jurisdições são estabelecidas e o papel da Constituição nessa organização.

4.1.3 História e evolução do sistema judiciário federal.

No terceiro artigo da Constituição estadunidense, em sua primeira seção, é possível

verificar as regras para a formação do Poder Judiciário. Primeiramente, é estabelecida a

Suprema Corte dos Estados Unidos, bem como os tribunais inferiores, que devem ser

implantados de acordo com as determinações do Congresso Nacional. Em seguida, é proposta

a vitaliciedade dos cargos de juiz. Por último, mas não menos importante, convém assinalar

que na segunda seção deste mesmo artigo da Constituição são enumerados os casos que

servem de competência para intervenção do Poder Judiciário. Essa descrição, complementada

pela já relatada anteriormente instituição do judiciário na Constituição, deixa brechas gritantes

quanto a uma série de questões em relação ao sistema judiciário, passando pelas competências

até sua própria estrutura.

Assim, temos que grande parte dos poderes e da estrutura do Poder Judiciário fora

consolidada mediante legislação posterior à Constituição e (seguindo a ideia do direito dentro

da Common Law, que interpreta como legisladores não apenas os membros do Poder

Executivo e Legislativo, mas também aqueles pertencentes ao Poder Judiciário) mediante os

landmark cases, ou seja, decisões tomadas pela Suprema Corte que são os pareceres finais de

como a situação do litígio são interpretadas em relação à Constituição. A decisão da Suprema

Corte no caso ganha poder de lei, algo que também é a base para o nosso Supremo Tribunal

Federal, pois é ele quem dá a última resposta sobre as questões constitucionais, tendo assim

seu parecer sobre a matéria do caso o poder de lei, podendo ser usado como “jurisprudência

26 FARNSWORTH, E. Allan. Op. Cit. Pág. 65.

Page 24: Common Law e Civil Law Uma Analise Dos Sistemas Juridicos Brasileiro e Norte-Americano e Suas Influencias Mutuas

24

suprema” (ainda hoje tal inovação derivada da Common Law ainda não foi bem assimilada

pelo sistema judiciário brasileiro, no qual juízes de instâncias inferiores ainda teimam em não

considerar o que o Supremo Tribunal Federal decidiu exigindo assim que as pessoas gastem

com apelações para ter seu direito constitucional [que o STF assim o pregou] garantido – algo

que a instituição das Súmulas Vinculantes tenta corrigir).

4.1.4 As leis no direito americano: os Statutes

Em sua primeira seção, o Congresso americano, elaborou um projeto de lei para

melhor definir as estruturas do judiciário do país, e criar as cortes federais – O Judiciary Act

de 1789. Ficou estabelecido por ele o número de membros da Suprema Corte: Seis, sendo um

o Presidente (Chief of Justice) e cinco justices. Além disso, o país foi dividido em 13 distritos

judiciais, e em cada um deles foi estabelecido uma Circuit Court e uma District Court.

As Circuit Courts podiam ser consideradas as camadas do meio do sistema judiciário,

servindo como principal corte de julgamento, com poderes de apelação limitados. Tinham

competência para julgar uma série de causas penais e civis que ultrapassassem 500 dólares.

Para presidi-las eram encarregados dois juízes da Suprema Corte mais o juiz do distrito em

que o circuit riding acontecia (cada Justice tinha de fazer essa maratona de presidir as Circuit

Courts duas vezes por ano, o que era excessivamente desgastante).

As cortes distritais (District Courts) tinham jurisdição sobre os assuntos mais simples,

como os de crimes insignificantes ou os relacionados a valores de até 100 dólares e sobre as

questões relativas à marinha em primeira instância. Um ponto que os anti-federalistas queriam

garantir para evitar uma concentração demasiada de poderes na União, foi assegurar

autonomia para as cortes dos Estados – algo que o Judiciary Act de 1789 tornou possível sem

retirar do judiciário federal a supremacia do sistema.

Ficaram também estabelecidas pelo Statute as figuras do Attorney (Procurador; United

States General Attorney é o nosso Procurador Geral da República) e do Marshal (podendo ser

traduzido como delegado de polícia ou xerife).

Importante é frisar, que além do Judiciary Act de 1789, o Congresso americano ao

longo dos anos, em virtude das situações que iam surgindo, elaborou vários outros Judiciary

Acts, que foram moldando a estrutura do sistema federal de justiça. Segue então uma análise

dos principais deles.

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25

O ato de 1869, também conhecido como Circuit Judges Act, começa por alterar o

quadro da Suprema Corte, ao definir como nove o número de juízes (um Chief Justice e oito

Justices), para principalmente reduzir a enorme carga de trabalho que os Justices eram

levados a ter para cumprir os circuit ridings, pois sendo nove o número de circuitos, cada

Justice ficaria encarregado de apenas um circuito (devendo pelo menos uma vez a cada dois

anos atender nas circuit courts de cada distrito de seu circuito). Ademais, ficava estabelecido

que cada Circuit Court teria um Circuit Judge próprio (com salário em torno de cinco mil

dólares), o qual poderia presidir sozinho a corte. Um ponto interessante do ato de 1869 está na

seção cinco, na qual é determinado que tendo servido por pelo menos 10 anos, o Justice que

atingir 70 anos de idade, deve se aposentar, e durante o restante de sua vida continuar

recebendo seu salário, no mesmo valor que a lei o determinava no momento de sua

aposentadoria.

O Judiciary act de 1875 , numa busca do congresso de reconstrução nacional após a

guerra civil, entra como mais um elemento de fortalecimento da justiça federal, sendo

chamado também de removal act (ato de remoção, numa tradução livre), possibilitando que os

interessados num caso que está sendo julgado num tribunal estadual, tenham a faculdade de o

levaram a um tribunal federal (se o caso pudesse ter sido originalmente conhecido pelo

mesmo). As Circuit Court também tiveram seu raio de alcance modificado, obtendo jurisdição

sobre todos os casos “surgidos sobre a Constituição ou leis dos Estados Unidos27”, ou tratados

internacionais assinados sobre sua autoridade, cujo valor excedesse a quantia de 500 dólares.

Esse aumento das funções jurisdicionais dos tribunais federais, levaram a uma

inevitável sobrecarga do sistema e principalmente da Suprema Corte dos Estados Unidos,

cujos trabalhos de apelações se encontrava em 1891 atrasados em quatro anos28. Para tentar

resolver isso, o congresso elaborou o Evarts Act of 1891, também conhecido como U.S.

Circuit Courts of Appeals Act (Lei de apelação de Circuito29), criando uma instância

intermediária entre as District e Circuit Courts, e a Corte Suprema. Tal medida teve resultado

27 FEDERAL JUDICIAL CENTER. Landmark Judicial Legislation. Disponível em: <http://www.fjc.gov/history/landmark_11.html>. Acesso em: 11 abr. 2010. 28 ROCHE, John P.. Tribunais e direitos individuais: O judiciário americano em ação.Tradução: R. F. Lombardi. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 34. 29 Idem, Ibidem, p. 34

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26

rápido, conseguindo uma redução no número de casos que chegavam a Corte suprema,

passando de 673 em 1890, para 379 em 1891 e 275 em 189230.

Em matéria de redução do fluxo de processos conhecidos pela Corte Suprema, outra

reforma legislativa de suma importância (algo que a emenda nº 45 trouxe em parte para o

direito brasileiro, como veremos mais a frente), foi a Judge’s Bill de 1925, o qual determinou

que, excetuando-se os casos de competência originária da corte, para se obter um recurso para

a Corte Suprema, necessário se faria requerer um writ of certiorari (mandado de certiorari),

como John P. Roche assevera:

“Institui o pedido desse mandado com um précis da matéria envolvida, procurando demonstrar a existência de ‘uma questão federal substancial’ a ser decidida. Cada juiz da Corte Suprema examina o pedido de certiorari do seu circuito (ou circuito – dois juizes têm dois sob sua jurisdição) e tira da vasta pilha aqueles que considere cabíveis. Estes ele faz circular entre seus companheiros e se três deles concordarem com sua opinião, o mandado está garantido e o caso é posto em pauta para discussão. Se ele acha que o pedido é ‘inepto’, ou se os três outros juízes não concordarem que uma questão importante esteja envolvida, o mandado é negado. O mesmo procedimento é sugerido com respeito às apelações de tribunais estaduais31”

O Chief-Justice Vinson (1946-1953), a cerca desse poder de discricionaridade

garantido à corte, disse: “para permanecer efetiva, a Suprema Corte deve continuar a decidir

apenas os casos que contenham questões cuja resolução haverá de ter importância imediata

para além das situações particulares e das partes envolvidas32.”

Com a criação das U.S Court of Appeals, as Circuit Courts perderam sua competência

de tribunais essenciais de apelação intermediária, ocupando nos vinte anos posteriores a

edição do act de 1891, o posto de tribunal de primeira instância ao lado dos District Courts.

Para simplificar a estrutura do sistema federal, o Congresso cria então o The Judicial Code of

1911 , abolindo os Circuit Courts e passando suas funções originárias para os District Courts,

o que no âmbito estrutural significou uma redução na burocracia judiciária. O organograma

judiciário federal, segue hoje essa base, com a Suprema Corte no topo.

Não é nossa intenção aqui comentar sobre as principais codificações existentes no

direito norte-americano, e nem seria possível, mas a título de exemplo (por ter sido o grande

30 FEDERAL JUDICIAL CENTER. Landmark Judical Legislation. Disponível em: <http://www.fjc.gov/history/landmark_12.html>. Acesso em: 11 abr. 2010. 31 ROCHE, John P.. Tribunais e direitos individuais: O judiciário americano em ação.Tradução: R. F. Lombardi. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 41. 32 MENDES, Gilmar F. e MARTINS, Ives G. da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade.São Paulo: Ed. Saraiva, 2009. p.14.

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27

foco de influência para a criação do Código de Defesa do Consumidor brasileiro), podemos

citar também: o Federal Trade Commission Act, o Consumer Product Safety Act, o Truth in

Leading Act, o Fair Credit Reporting Act e o Fair Debt Collection Practices Act

(FIGUEIREDO TEIXEIRA, 2002, p. 8, apud GRINDVER, 1997, p. 10). Nosso Colega

Marcelo Pichioli assim descreve melhor tal fenômeno:

“Mesmo com o respaldo da Constituição, a defesa ao consumidor brasileira tem aspecto interessante, ao “fugir” (em parte) de unânime tradição e influência dos eixos germânicos e romanos, encontrando grande influência estrangeira – embora não em sua totalidade (o que se justifica pela fragmentada literatura jurídica possibilitada pela globalização) – principalmente nos liames do Common Law; através de uma analise profunda do sistema jurídico norte-americano no sistema de proteção ao consumidor [...]33”

4.1.5 A Jurisprudência no direito americano

No tocante a jurisprudência, um dos principais Chief of Justice que a Suprema Corte

possuiu, o Chief John Marshall, teve importância para estabelecer grandes precedentes como o

do caso McCullock v. Maryland (1819) no qual foi garantido ao Congresso o direito de criar

um banco nacional (embasado pela cláusula de comércio interestadual da constituição) –

decisão essa que influenciaria grandes feitos posteriores como a criação do Federal Reserve.

Além de sua exímia participação em dar à luz o sistema de controle de constitucionalidade

estadunidense, o qual merecerá a devida atenção mais a frente.

Neste quesito o que se pode perceber fundamentalmente sobre o Judiciário norte-

americano é que sua formação se deu com base nas lutas políticas, sociais e históricas pela

qual a nação americana passou, observando também, por ter no precedente sua constituição

elementar, que para cada período histórico a Suprema Corte mostrou um posicionamento

determinado nas questões de real importância para o país, sendo ela também moldada pela

evolução social e cultural estadunidense, tendo seus acertos e avanços e seus erros e

retrocessos. Um deles explosivo, como o foi no caso Dred Scott v. Sandford (1857) em que a

Corte em vez de encerrar o tema sobre a questão da escravidão apenas deu mais fôlego ao

combate que estava acontecendo, entendendo que a seção 8ª do Missouri Compromise Act, de

1850, que proibia a escravidão no território americano; tal fato adicionado a questões de

secessão desencadearam a guerra na qual morreram mais americanos do que nas duas guerras

33 SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Direito do consumidor no Mercosul. Análise comparativa do descompasso legislativo. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2646, 29 set. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17511>. Acesso em: 17 nov. 2010.

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mundiais seguintes, bem como nas guerras da Coreia, Vietnã, Golfo, Iraque e Afeganistão

somadas.

Nos diz Alexandre de Moraes sobre esse caso:

“Entendeu o então Chief Justice Taney, relator do caso, que esse dispositivo era contrário à 5ª emenda (“ninguém poderá ser privado da vida, liberdade ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização”), pois, se fosse aplicado, estaria permitindo que um cidadão (proprietário do escravo) pudesse ser privado de seus bens e de sua propriedade (escravo), sem o devido processo legal. Essa decisão entendeu que os escravos deveriam ser considerados como propriedade e não como cidadãos34.”

Alguns posicionamentos da Corte, por exemplo, se alteraram no decorrer da história.

Uma demonstração com alguns landmarks cases se faz necessária.

Em Adkins v. Children’s Hospital, em 1923, por cinco votos a três, a Suprema Corte,

refletindo a grande ideia reinante no período, do livre mercado e do direito constitucional,

baseado na Due Process Clause presente na quinta emenda e que garantia liberdade aos

particulares para fazer os contratos, disse que o Distrito de Columbia não tinha o direito de

regulamentar sobre um valor mínimo para o salário dos trabalhadores. Anos depois, no meio

da turbulência decorrente da Grande Depressão, em 1937, no caso West Coast Hotel v.

Parrish, por entender que a Constituição permitia a limitação do poder absoluto dos contratos,

no sentido de garantir a proteção do bem estar dos trabalhadores, garantiu o direito do Estado

de Washington de determinar um salário mínimo a ser pago.

No caso Fletcher v. Peck, em 1810, a decisão da Corte seguiu a ideia do pacta sunt

servanda, por parte do governo, tirando deste o direito de revogar um contrato já estabelecido.

Uma forma de garantir direitos de propriedade de terceiros e garantir a estabilidade e garantias

dos contratos (bases do capitalismo). Contudo em casos seguintes como Charles River Bridge

v. Warren Bridge (1837) e Home Building & Loan Association v. Blaisdell (1934), a Corte

decidiu que é válido ao Estado buscar garantir o interesse público, o bem estar social, mesmo

que isso incida em certas modificações contratuais.

Quanto a esse poder que a jurisprudência da Suprema Corte possui, mister se faz

ainda, mostrar alguns landmarks cases do período de 1953-1969, quando o ativismo político

da Corte de Warren35, fez várias mudanças sociais ocorrem na cultura americana.

34 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 25º Edição, 2010. p.721-722. 35 É tradição na cultura jurídica americana, chamar a Suprema Corte pelo nome do Chief Justice, portanto para cada período temos por exemplo: Marshall court, Rehnquist court.

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Em 17 de maio de 1954, ao declarar que as escolas, “iguais, mas separadas36” para

negros e brancos, feriam o estabelecido pela 14ª Emenda no caso Brown v. Board of

Education of Topeka (347 U.S 483)37, portanto inconstitucional, a Suprema Corte propiciou o

início de uma revolução, pondo um fim a uma era de discriminação racial nas escolas, e

acionando o gatilho do fim do racismo legalizado nos Estados Unidos. A corte decretou no

ano seguinte as diretrizes gerais de tal atuação para por fim ao sistema dual, decretando que se

fizessem as alterações “com toda deliberada pressa”, e nos anos seguintes decidiu vários casos

com a mesma jurisprudência, até que em 1964, com a aprovação da Lei dos Direitos Civis

pelo congresso e sua declaração de constitucional pela Corte, o racismo legal estava banido da

sociedade americana38.

Outro caso interessante, e que alterou de forma importante a cultura legal norte-

americana é o Miranda v. Arizona (384 U.S. 436) de 1966, na qual a Corte estabeleceu os

direitos processuais dos acusados, utilizando a proibição da auto-incriminação presente da

Quinta emenda a constituição como fundamento essencial. A clássica fala policial do

momento da prisão deriva dessa decisão, pois ficou definido que o policial deveria, no

momento da detenção, explicitar quatro pontos ao detido: “...1) que podia guardar silêncio; 2)

que tudo que dissesse podia ser usado contra ele; 3) que poderia chamar um advogado e 4)

que, sendo indigente, teria direito a advogado de graça39”.

O Chief-Justice Warren ao fundamentar sua decisão assim argumentou:

“A atual prática de interrogatórios de presos incomunicáveis fere um dos princípios mais queridos de nossa nação – o de que o indivíduo não pode ser obrigado a auto-incriminar-se. (5ª Emenda) A menos que se empreguem meios de proteção adequados para contrabalancear os efeitos do ambiente da detenção, nenhuma declaração do réu pode ser verdadeiramente o produto de sua própria vontade. “Concluímos que sem as salvaguardas regulares, o processo de interrogatório de pessoas detidas sob suspeita ou acusadas de crime contém inerentes pressões forçadas que atuam no sentido de minar a vontade do indivíduo de residir e o obrigam a falar quando não o faria se estivesse livre40.”

O Emérito constitucionalista Luís Roberto Barroso, em um de seus artigos mais

brilhantes, resume bem o cenário político-institucional pós-Warren:

36 Doutrina estabelecida pelo landmark case Plessy v. Ferguson (163 U.S 537), 1896. 37 Como não há nos Estados Unidos um Diário Oficial, onde se publique sentenças, despachos ou acórdãos, cada órgão tem suas publicações oficiais e ainda há vários citators independentes como o American Law Institute que publicam os casos decididos. Os números e a terminologia utilizada no landmark citado designam: 347 – número do volume da coletânea; U.S – Decisão da Suprema Corte; 483 – número da página. 38 RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte de Warren: Revolução Constitucional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. 39 RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte de Warren: Revolução Constitucional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 27. 40 Idem, Ibidem, p. 27

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“A verdade, contudo, é que quando Earl Warren deixou a presidência da Suprema Corte, em 1969, a segregação em escolas e demais ambientes públicos já não era mais permitida; o arbítrio policial contra pobres e negros estava minorado; comunistas ou suspeitos de serem comunistas não podiam ser expostos de maneira degradante e ruinosa para suas carreiras e suas vidas; acusados em processos criminais não podiam ser julgados sem advogado; o Estado não podia invadir o quarto de um casal em busca de contraceptivos. Todas as profundas transformações acima relatadas foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou decreto Presidencial41”

Completando aqui a importância da jurisprudência no cenário jurídico dos Estados

Unidos, vale uma frase de um dos antigos justices da Corte Suprema, Charles Evans Hughes,

sob a atuação dos juízes: “Vivemos sob uma constituição, mas a constituição é aquilo que os

juízes dizem que ela é [...].”42

4.1.6 A organização do Poder Judiciário nos Estados Unidos

O Judiciário americano possui uma característica peculiar: dupla hierarquia. O que se

quer dizer com isso é que não há uma jurisdição federal suprema no topo do sistema jurídico

do país como no Brasil (onde temos uma jurisdição unitária43). O assunto parece um tanto

obscuro, por isso convém uma melhor explanação. Há jurisdições federais e jurisdições

estaduais, sendo que estas normalmente não estão subordinadas às primeiras. Não que elas

sejam totalmente autônomas e possam julgar segundo o próprio arbítrio. Na verdade, significa

que uma maioria esmagadora de processos e decisões judiciais são tomadas por essas

jurisdições estaduais. Com isso, ocorre que o Poder Judiciário nos Estados Unidos é

descentralizado, ou seja, não há um lugar específico onde as principais regras são

estabelecidas.

Nos ensina Guido Soares:

“A única divisão que se conhece no Poder Judiciário nos EUA é entre a Justiça federal e a justiça dos Estados-membros, não significando a Corte Suprema ápice de coisa alguma, pois tem suas atribuições definidas segundo a Constituição Federal,

41 BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/a_americanizacao_do_direito_constitucional_e_seus_paradoxos.pdf Acesso em: 7 de outubro de 2010. 42 No original: ““We are under a Constitution, but the Constitution is what the judges say it is, and the judiciary is the safeguard of our property and our liberty and our property under the Constitution”. 43 Conforme ensina o art. 22 da Constituição Federal: “Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”; Pode-se compreender ainda a jurisdição unitária no sistema jurídico brasileiro, do art. 92 da Constituição Federal, que define os órgãos do Poder Judiciário nacional: “São órgãos do Poder Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal; I – A – o Conselho Nacional de Justiça; II – o Superior Tribunal de Justiça; III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”

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que consagra a total e absoluta independência dos Estados-membros, não representando a legislação federal superioridade hierárquica sobre a estadual, mas, antes, legislação consolidadora da união entre aqueles (e somente se pode falar em hierarquia da legislação federal, na medida em que haja conflito com a estadual e que aquela deva prevalecer; portanto, hierarquia em definição negativa)44.”

Em se tratando das competências delegadas pela Constituição a União (e instituídas

pelos statutes criados ao longo dos anos pelo Congresso), teremos uma organização dividida

em três níveis: primeiro, segundo e terceiro graus.

No primeiro grau federal, teremos os US District Courts, em número total de 91, sendo

o território do estado-membro ao qual pertence, o limite de sua jurisdição. Além desses, ainda

no primeiro grau, conforme nos ensina Guido Soares, temos como cortes de competência

especial (special jurisdiction courts):

“a) Court of Claims, competente para julgamento originário de alguns casos em que os EUA são parte como réus; a ex.: em matéria tributária, para devolução de tributos (for refund), julgando o pedido de reexame judicial das decisões da Administração; b) Court of Customs and Patent Appeals, para julgamentos de pedidos judiciários de “recurso” das decisões administrativas do Patent Office, órgão do Executivo que decide em procedimentos administrativos contraditórios, os pedidos de registros de patentes e direitos assemelhados (a ex.: os registros de software); c) Customs Court, de conhecimento e julgamento de pedido de exame judicial das decisões administrativas da International Trade Commission (relativas à matéria de importação e exportação); d) Courts of Military Appeals, de exame judicial das decisões das cortes disciplinares das Forças Armadas interna corporis, na aplicação do denominado military law (disciplina militar e a conduta de pessoas empregadas no serviço militar)45.”

Em seguida, na hierarquia, pode-se recorrer para os tribunais regionais de segundo

grau, em número de treze, sendo:

“...um para o District of Columbia (o Distrito Federal, sediado na cidade de Washington, Capital do país), um de competência limitada (recursos das decisões das Courts of Claims e das Courts of Customs and Patent Office), Court of Appeals for the Federal Circuit, criado em 1982, e 11 tribunais regionais, os US Court of Appeals for the Circuit, de composição variada, em função do número de habitantes do circuito, mas que decidem em turmas (panels) de 3 juízes e, dependendo do caso, en banc (ou full bench), inexiste júri, pois sempre o que se decide é matéria de direito.46 “

E, por último, é possível apresentar recurso (e também entrar originariamente com

uma ação, conforme já mencionamos as competências originárias da Suprema Corte) contra

as decisões proferidas pelos juízes destes tribunais à Suprema Corte dos Estados Unidos, com

sede na capital americana, composta por um Chief-Justice (equivalente ao nosso presidente do

44 SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 91. 45 Idem, Ibidem, p. 91 46 Idem, Ibidem, p. 91

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Supremo Tribunal Federal) e mais oito Associate Justices, que, conjuntamente, julgam as

questões que lhes foram propostas.47 Para que uma questão seja apreciada pela Suprema

Corte, pode-se recorrer a dois institutos: writ of certiorari (recurso extraordinário), com as

devidas justificativas para tal ato; ou um appeal, que é um recurso que pode ser interposto

“das decisões que declarem leis federais inconstitucionais ou daquelas decisões das cortes

superiores estaduais que envolvem interpretação das normas federais [...]48”. Entretanto, os

casos são dificilmente aceitos pela Corte, que muitas vezes julga méritos insuficientes para

que a questão seja apreciada.

A organização do judiciário nos Estados-membros varia de um território para outro,

tendo essas diferenças respaldo principalmente nas condições primordiais e conceitos que

prevaleciam à época de criação dos respectivos tribunais49. Mas, basicamente, pode-se

estabelecer que a maioria deles, respeita a seguinte hierarquia: existem os tribunais de

primeira instância, os tribunais de recursos e o supremo tribunal do Estado, muitos Estados,

porém não possuem um tribunal de recursos intermediário, possuindo apenas um duplo grau

de jurisdição. O tribunal de apelação final dos Estados recebe nomes variados, mas a maioria

deles (trinta e nove), costumam denominado Supremo Tribunal apenas (mas por exemplo, no

Estado de Connecticut, o tribunal recebe o nome de Court of Errors)50.

A título de demonstração, mister se faz, trazer o exemplo que René David mostra em

sua obra à cerca da organização do Estado de Nova Iorque:

“A organização judiciária do Estado de Nova Iorque, reformada em 1962, é a seguinte: a jurisdição de primeira instância, de direito comum, é chamada Supreme Court, e é representada em cada um dos condados do Estado. As decisões desse tribunal podem ser submetidas a uma das quatro Supreme Court Appellate Division, e pode ser apresentado recurso contra as decisões destas jurisdições perante o Court of Appeals de Nova Iorque que tem sede em Albany, capital do Estado. Para a maior parte dos casos, o recurso diante do Court of Appeals só pode ser apresentado se a Appelate Division que julgou o litígio autorizá-lo, ou se o Court of Appeals, ele próprio, exercer o seu poder discricionário de aceitar a revisão do caso. Além destas jurisdições de direito comum, encontra-se uma rede de jurisdições inferiores, vasta e discordante: Surrogates’ Courts em matéria de sucessões, Court of Claims quanto a perdas e danos reclamados ao Estado, Family Courts em matéria de delinqüência juvenil e para diversas questões referentes à família, tribunais especiais para as pequenas questões (Civil Court e Criminal Court of the City of New York, Justices of the Peace Courts, Village Police Justices, Country Courts). Os recursos das decisões destes tribunais seguem vias diferentes, mas, na maior parte dos casos, são apresentados diante do Court of Appeals.51”

47 DAVID, René. Op. Cit. P. 382 – 387. 48 SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 92. 49 ROCHE, John P.. Tribunais e direitos individuais: O judiciário americano em ação.Tradução: R. F. Lombardi. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 46. 50 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.384. 51 Idem, Ibidem, p. 384-385.

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Vale abrir aqui uma consideração, sobre uma forma de resolver litígios alternativa que

vem ganhando força nos Estados Unidos, com o intuito de resolver de forma mais célere os

litígios e ao mesmo tempo reduzir os custos envolvidos, visto que o sistema judicial norte-

americano ser um dos mais caros do mundo: os programas de resolução extrajudicial de

conflitos. O seu advento se deu graças ao Civil Justice Reform Act of 1990, que propiciou que

várias cortes federais autorizassem o uso da mediação para resolução das controvérsias. Com

a sigla ADR (Alternative Disput Resolution), essa modalidade foi tão bem recebida que hoje

apenas 5% dos processos judiciais serem levados a julgamento52.

4.1.7 O controle de constitucionalidade dos Estados Unidos Uma importante diferença entre o sistema jurídico estadunidense e o inglês é o

controle de constitucionalidade dos dispositivos legais exercido pelo Judiciário dos Estados

Unidos, fato que não ocorre na Inglaterra. Tal controle inexiste para os ingleses pelo simples

fato de estes não possuírem uma constituição escrita. Já no país norte-americano, há uma

magna carta escrita que torna todas as normas e decisões judiciárias subordinadas a ela.

Dito isso, importa ressaltar a existência de dois principais meios de controle de

constitucionalidade que incidem sobre dispositivos legais em vigência no ordenamento

jurídico. Esses dois tipos de controle são exercidos exclusivamente pelo Poder Judiciário. São

eles o controle de constitucionalidade difuso incidental, criado pelos Estados Unidos e o

controle de constitucionalidade concentrado direto, que surgiu na Áustria graças às ideias do

grande jurista Hans Kelsen53.

A nós cabe analisar o primeiro modelo, difuso incidental, que surgiu em 1803, nos

Estados Unidos, de acordo com a decisão proferida no caso Marbury v. Madison pelo Chief of

Justice da Suprema Corte na época, John Marshall, sendo o primeiro modelo de controle de

constitucionalidade exercido pelo Judiciário. Na ocasião, o juiz estabeleceu que a

Constituição devesse ser respeitada e que nenhum dispositivo legal poderia contrariar os

princípios nela contidos. Segue abaixo uma breve análise histórico-jurídica desse caso.

Após ter sido criada pela Constituição a Suprema Corte, como única corte definida

expressamente pelos constituintes, começa a exercer suas funções jurídicas e a se estabelecer

52 ANÁLISE COMPARATIVA DOS SISTEMAS JUDICIÁRIOS. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-set-04/analise-comparativa-sistemas-judiciarios-brasileiro-norteamericano?pagina=4>. Acesso em: 11 abr. 2010. 53 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Trad. Alexandre Krug. São Paulo: Martins Fontes, 2007

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como poder independente da República. Contudo, o clima político-institucional do recém

criado país ainda estava agitado e a situação da Suprema Corte (diga-se competência e força)

não muito alentadora, principalmente pela alta rotatividade de seus primeiros três Chief

Justices (com um destes, o magistrado John Jay, tendo manifestado publicamente que para a

Suprema Corte faltavam “energia, importância e dignidade”). Nesse cenário em 1801, John

Adams, segundo presidente dos Estados Unidos, no final de seu mandato fez um último

movimento para segurar a ânsia de reformas perigosas do novo presidente, prestes a tomar

posse, Thomas Jefferson (num clima explosivo em que federalistas e jeffersonianos, os

primeiros com fortes receios de que os segundos, por forte influência da revolução francesa na

sua fase mais extremada, pudessem por a perder as conquistas alcançadas com a

Constituição), elegendo para a presidência da Suprema Corte seu Secretário de Estado, John

Marshall. Nas suas próprias palavras: "My gift of John Marshall to the people of the United

States was the proudest act of my life."54

Marshall foi o elemento mais importante para o fortalecimento do poder judiciário na

cultura jurídica americana e da Suprema Corte como a instituição máxima, um santuário da

Constituição. O primeiro caso complexo que sua Corte teve de decidir foi a pedra inicial de tal

fundação.

O caso Madison V. Marbury, de 1803, pedia que a corte tivesse que decidir sobre o

direito ou não de Marbury de ter sua nomeação para Justice of Peace oficializada, seu direito

garantido; o problema estava em que se a Corte assim o fizesse Madison não obedeceria, visto

a falta de autoridade e poder com que a Corte era vista no governo – muitos dentro do

governo não há consideravam como poder independente.

Marshall então numa demonstração de visão política e fantástico domínio jurídico

proferiu em sua decisão que realmente Marbury tinha direito ao seu cargo garantido pela lei,

mas que a Corte não tinha o poder de emitir o Writ of Mandamus55 que seria necessário para

que ele obtivesse o seu direito, visto que não era competência da Corte tomar tal decisão.

Algo sem maiores conseqüências, se não fosse um pequeno detalhe: na seção 13 do Judiciary

Act de 1789, o Congresso estabeleceu que a Suprema Corte poderia sim emitir o Writ of

Mandamus. Logo ficou claro que Marshall havia anulado um ato do Congresso, pois o mesmo

54 The Supreme Court Historical Society – The History of the Court – The Marshall Court, 1801-1835. Disponível em <http://www.supremecourthistory.org/history/supremecourthistory_history_history_marshall.htm>. Acesso em: 25 jan. 2010. 55 Writ of Mandamus, pode ser interpretado como nosso Mandado de segurança; tem o poder de direcionar um oficial público ou departamento do Poder Público a efetuar uma ação.

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era inconstitucional, já que aumentava os poderes da Corte que a Constituição delimitava. Era

o começo do controle de constitucionalidade difuso.

Em suas próprias palavras ao emitir a opinião da Corte sobre a questão (outra inovação

de Marshall no comando da corte, a busca da unanimidade nas decisões, formando, no final de

um julgamento, a opinião da Corte sobre a questão, num claro objetivo de fortalecer as

decisões tomadas aos olhos da opinião pública, visto que uma sentença unânime era muito

mais forte do que uma decisão apertada):

“Para que um juiz juraria desincumbir-se de seus deveres conforme a Constituição dos Estados Unidos, se aquela Constituição não formar regra para seu Governo? Se estiver muito acima dele, e não puder ser por ele inspecionada? se tal for o real estado das coisas, este sera o pior dos vexames solenes. Prescrever ou realizar esta profanação torna-se igualmente um crime. Não é, também, inteiramente indigno de observação, que ao declarer qual sera a lei suprema do País, a própria Constituição seja primeiramente mencionada: e não as leis dos Estados Unidos, geralmente, mas aquelas apenas que foram feitas em obediência à Constituição, gozarão daquele respeito. Portanto, a fraseologia particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e fortifica o princípio, considerado essencial a todas as Constituições escritas, de que uma lei em choque com a Constituição é revogada e que os tribunais, assim como outros departamentos, são ligados por aquele instrumento. A norma deve ser anulada“56

Além de garantir à Suprema Corte o poder de revisão judicial, o caso serviu para

enterrar de vez a visão de muitos de que a Constituição fosse apenas um documento político –

Marshall fez questão de demonstrar que a Constituição era a própria lei, e não qualquer lei,

mas a lei suprema a governar os Estados Unidos da América e ninguém estava acima dela,

nem mesmo o Presidente ou o Congresso.

Assim, criou-se o modelo difuso incidental de controle de constitucionalidade. Difuso

porque, graças ao princípio da jurisprudência vinculante, o qual prevê que os tribunais

inferiores devem ater-se às decisões proferidas por tribunais superiores, qualquer tribunal

pode decretar a inconstitucionalidade de um dispositivo normativo. O caráter incidental ocorre

pelo fato de o controle ser exercido apenas nos casos concretos, ou seja, quando o tribunal é

incitado a exercê-lo e não em normas em abstrato. É óbvio que o controle não é exercido

apenas para as leis, como também e, principalmente, para as jurisprudências. Outra importante

característica é o fato de esse mecanismo não excluir o dispositivo do ordenamento jurídico,

sendo que apenas o torna ineficaz por um período de tempo, como ressalta em sua dissertação

de Mestrado, Sueli Custódio:

[...] o dispositivo legal não é expulso do mundo jurídico, mas perde temporariamente a obrigatoriedade de ser aplicado nos casos concretos. É como se ocorresse um

56 MORAES, Alexandre. P. 721 .

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processo de cristalização daquele dispositivo legal que temporariamente estaria inerte, mas podendo ser ressuscitado em outro momento (nossos grifos). 57

Importante é ressaltar que esse controle de constitucionalidade proposto pelo juiz

Marshall não foi aceito por todos rapidamente. Houve momentos em que o mecanismo foi

alvo de várias críticas e foi considerado como um instrumento de ingerência de poder, que

invadia as esferas dos outros dois poderes, principalmente do Executivo, visto que muitas

vezes a Suprema Corte atuou como instância de veto aos planos do Governo. Custódio

demonstra com clareza as críticas sofridas pelo sistema:

Muitas críticas foram dirigidas à tese de Marshall por entenderem que havia ali usurpação de poder. Alegavam que não havia textualmente na Constituição norte-americana uma autorização à Corte Suprema para exercer tal controle; além disso não havia nenhum precedente jurídico que autorizasse e legitimasse essa tese.58

Entretanto, aqueles que eram favoráveis ao controle proposto por Marshall não

tardaram a enunciar uma resposta às críticas:

Alegaram que o quê assegura uma democracia não é só a intervenção popular no processo elaborativo de leis, através de representantes devidamente eleitos, mas é também a segurança de que os direitos fundamentais da pessoa humana sejam respeitados. E que essa segurança só estaria garantida se fosse delegada ao Judiciário o poder de exercer o mecanismo de controle de constitucionalidade, pois caso contrário, a Constituição poderia ser o tempo todo violada.59

Num dos seus memoráveis votos, o Chief Justice Earl Warren, pronunciou no caso

Trop. v. Dulles (356 U.S 86) de 1958, uma defesa do controle de constitucionalidade, ao

invalidar o 82º dispositivo legislativo. Em suas próprias palavras:

“Todos temos consciência da gravidade do ataque inevitavelmente desfechado toda vez que impugnamos a inconstitucionalidade de um ato do Legislativo...(Mas) um juramento nos obriga a defender a Constituição. Esta obrigação exige que os atos do Congresso sejam apreciados à luz da Constituição. O Judiciário tem o dever de zelar pelas salva-guardas constitucionais que protegem os direitos do cidadão... Os dispositivos da Constituição não são adágios que o tempo desgasta, ou fórmulas vazias que se repetem sem se compreender. São princípios vitais, fórmulas vivas, que autorizam e limitam os poderes do Governo na nossa Nação. São as regras mesmas deste Governo. Se a constitucionalidade de um ato do Congresso é contestada nesta Corte, cumpre-nos aplicar essas regras... Se não o fizermos, as palavras da Constituição se tornarão apenas bons conselhos. É preciso agir com cautela, conforme o conselho de nossos antecessores. Mas é preciso agir. Não podemos fugir à ingrata responsabilidade de julgar.60”

O próprio Rui Barbosa, emérito jurista e publicista nacional, estudioso do sistema

jurídico norte-americano, em uma de suas obras, dialoga sobre o poder de declaração de 57 CUSTÓDIO, Sueli Sampaio Damin. O Positivismo Jurídico e o controle de constitucionalidade na Constituição de 1988. Campinas, 1997. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Departamento de Ciência Política, Universidade Estadual de Campinas. 58 Idem. Ibidem. P. 59. 59 Idem. Ibidem. P. 60 – 61. 60 BEARD, Charles A..A Suprema Corte e a Constituição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1965. p.18

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inconstitucionalidade da Corte Suprema estadunidense, demonstrando seu caráter de aplicação

ao caso concreto. Diz Rui:

“Não vão supor que a Côrte Suprema se abalance a proferir veredictos judiciários de natureza abstrata, contrapondo o seu veto, quando o Congresso nacional ou as legislaturas estaduaes transgridem a Constituição. De tal não se cogita, uma vez que, theoricamente (theoretically), a Côrte Suprema, parallela em situação ao Congresso, não lhe é superior, e, sobretudo, no seu caracter de tribunal, não legisla. Não lhe cae na alçada a questão jurídica, enquanto se lhe não offereça um caso concreto por decidir; e a Côrte Suprema sempre se tem negado a firmar interpretações theoricas, não se antecipando nunca ao reclamo actual de uma demanda em juízo. Já no século dezoito o próprio Washington lhe não obteve resposta a uma questão de ordem geral. E, ainda em se suscitando effectivamente o pleito, a Côrte Suprema não estatue que certa e determinada lei é irrita e nenhuma: cifra-se a deslindar o caso occorrente, indicando os fundamentos jurídicos, onde estriba a decisão. A se verificar então divergência entre duas leis, o julgado, apoiando-se numa contra a outra, accentúa, applicadamente, os motivos da selecção. Verdade seja que, desta sorte, nunca se sentenceia mais que um litígio; mas desde então, graças as normas do common law, a decisão proferida estabelece jurisprudência, que leva ulteriormente, assim as justiças inferiores, como a própria Côrte Suprema, a conformar com o aresto os seus julgados. Exautorada assim (superseded), a lei da legislatura (the legislative law) vem a ficar praticamente annullada (practically annulled), tornando-se como não existente (non existent)61.”

De qualquer modo, mesmo com as diversas críticas sofridas o mecanismo de controle

de constitucionalidade difuso incidental consagrou-se em solo estadunidense. Assim, serviu

de modelo para a implantação de diversos controles de constitucionalidade, como o que é

utilizado hoje pelo sistema jurídico brasileiro.

4.2 CIVIL LAW E O DIREITO BRASILEIRO

4.2.1 A família da Civil Law no Brasil

O direito brasileiro possui raízes no direito continental europeu, basicamente um

direito derivado do direito romano, com a codificação que marcou a doutrina francesa e alemã

do século XIX. Os estudiosos da Common Law chamam de Civil Law essa família jurídica.

Andréia Costa Vieira assim define o termo Civil Law: “[...] o termo Civil Law refere-se ao sistema legal adotado pelos países da

Europa Continental (com exceção dos países escandinavos) e por, praticamente, todos os outros países que sofreram um processo de colonização, ou alguma outra grande influência deles – como os países da América Latina. O que todos esses países têm em comum é a influência do Direito Romano, na elaboração de seus códigos, constituições e leis esparsas. É claro que cada qual recebeu grande influência também do direito local, mas é sabido que, em grande parte desses países, principalmente os que são ex-colônias, o direito local cedeu passagem, quase que

61 BARBOSA, Rui. O direito do Amazonas ao Acre septentrional, 1910. In: MENDES, Gilmar F. e MARTINS, Ives G. da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade.São Paulo: Ed. Saraiva, 2009. p.9.

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integralmente, aos princípios do Direito Romano. E, por isso, a expressão Civil Law, usada nos países de língua inglesa, refere-se ao sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antiga e que, desde então, tem-se desenvolvido e se formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto, também denominado sistema Romano-Germânico62.”

Outra grande influência na formação do Direito Romanístico foi o Direito Canônico,

com toda uma base de leis da Igreja, os Cânons, que possuiam todas as normas escritas sobre

a doutrina e disciplina religiosas.

O ordenamento romano-germânico é reconhecido principalmente pela forma como

privilegia como fonte primária do direito a lei, em prejuízo da jurisprudência e dos costumes

que figuram como fontes secundárias do direito. Tal caracterização é corroborada por Miguel

Reale ao falar que a tradição romanística:

“ [...] caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de

valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (Civil

Law) acentuou-se especialmente após a revolução francesa, quando a lei passou a ser

considerada a única expressão autêntica da nação, da vontade geral, tal como

verificamos na obra de Jean-Jacques Rousseau, Du Contrat Social”63

Vale ressaltar ainda o papel desempenhado pela doutrina, não como fonte, mas com

interprete, ajudando a “determinar em que consiste o significado das disposições produzidas

pelas fontes do Direito64”

Tal família jurídica chegou ao Brasil pela colonização européia, essencialmente

portuguesa, tendo até a proclamação da República sido o norte de todo o mundo jurídico

nacional.

Ocorre que com a República, um novo fenômeno se fez bastante presente no direito

brasileiro: a influência do modelo constitucional dos Estados Unidos da América. Tal

comunicação invariavelmente incentivou os juristas nacionais, moldando o controle de

constitucionalidade que é hoje aplicado (difuso e concentrado) e acarretando numa maior

valorização da jurisprudência por parte de nossos tribunais hoje.

4.2.2 Evolução histórica do direito brasileiro

62 VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: os dois grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007. 270p. 63 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág.141-142. 64 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág.178

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Se a história do direito estadunidense é contada pela evolução de sua Suprema Corte,

bem como seus principais julgados (como demonstrado no capítulo antecedente), no direito

brasileiro ocorre de maneira diferente.

O direito brasileiro pertence ao sistema da civil Law, ou seja, um sistema jurídico

baseado em leis escritas e codificadas, conceituação de sentido amplo. Destarte, a evolução do

direito no Brasil pode ser explicada analisando seus principais diplomas legais nos quais a

sociedade civil se delineia, assim como a formação do Estado, além de demonstrar como os

legisladores lidavam com as inúmeras situações cotidianas.

Obviamente, não será feito aqui um estudo pormenorizado de cada código pertencente

ao ordenamento jurídico brasileiro. Daremos enfoque àqueles que consideramos de maior

relevância social e que modificaram drasticamente a sociedade brasileira.

4.2.2.1 As Constituições brasileiras

Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, o Brasil possuiu sete

Constituições, isso se deu devido ao fato das constantes mudanças políticas e nas formas de

Estado pelas quais o país passou.

Estabelecer uma nova Constituição no Estado é modificar completamente sua

organização tanto a nível estatal quanto social. Como dito anteriormente, a nação brasileira

teve sete constituições, até hoje. Cada qual criada para regular a espécie de sociedade que

emergia.

A primeira Constituição brasileira foi outorgada em 1824, por D. Pedro I, logo após a

proclamação da independência, para regulamentar a nova ordem social que surgia. O Brasil

tornara-se um império e precisava de uma legislação para organizar suas estruturas estatais,

bem como sua sociedade, desvinculando-se, assim, dos portugueses. Desse modo, a

Constituição do Império do Brasil possuía como principais características as seguintes: 1) O

estabelecimento da forma de Estado unitário e da forma de governo monárquico; 2) A divisão,

dentro da sociedade, entre aqueles que podiam exercer o direito de voto ou serem votados,

quais os requisitos para tais funções, excluindo diversas camadas sociais desse direito; 3) A

criação do quarto poder, o Moderado, seguindo os ensinamentos de Benjamin Constant,

exercido exclusivamente pelo imperador; e 4) Estabeleceu o catolicismo como religião oficial

do império, permitindo a manifestação de outros cultos em casas, mas sem a forma de templo.

Além de prever codificações para compor o novo ordenamento jurídico que nascia visando à

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40

substituição das Ordenações Filipinas (legislação portuguesa) que ainda vigoravam no Estado

brasileiro. É o que demonstra José Reinaldo de Lima Lopes: “Em 1824, a Carta

Constitucional dispôs o seguinte sobre a codificação: Organizar-se-á quanto antes um Código

Civil, e Criminal, fundados nas bases sólidas da Justiça, e Equidade. (art. 179, XVIII)”.65

Já em 1891, depois de proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil, trataram

os republicanos de criar uma nova Constituição, trabalhada por meio de um Congresso

Constituinte e que visava regular o novo Estado que surgia. Primeiramente, foi instituída a

forma federativa de Estado e o presidencialismo como forma de governo. Assim, o Estado

deixou de ser unitário e suas várias províncias foram divididas em estados autônomos e o

Poder Executivo seria ocupado por um cidadão eleito e não mais por alguém pertencente à

linhagem da família real. Esse modelo foi totalmente inspirado nos moldes estadunidenses

que adotavam também as mesmas formas de governo e Estado. Em segundo lugar, os poderes

estatais não eram mais divididos em quatro, mas sim em três, segundo doutrina de

Montesquieu, sendo eles o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que deveriam ser

independentes e harmônicos entre si. O Estado se laicizou, ou seja, houve a separação entre

este e a Igreja, não sendo mais o catolicismo a religião oficial, permitindo-se o culto externo a

todas as religiões. E o voto ainda permaneceu censitário, visto que ainda não permitia o

exercício desse direito por aqueles considerados mendigos e aos analfabetos.

Em 1934, após a tomada do poder estatal por Getúlio Vargas, foi promulgada uma

nova Constituição, que incluiu em seu texto os direitos sociais, bem como instituiu o mandado

de segurança e a ação popular, além de criar duas ferramentas para a reforma constitucional, a

emenda e a revisão. Todavia, ainda proibia os mendigos e analfabetos de exercerem o direito

de voto.

Com Vargas ainda no poder, foi outorgada, em novembro de 1937, uma nova

Constituição, conhecida como Constituição Polaca, pois tinha inspiração na Constituição

Polonesa. Foi o período ditatorial de Vargas. Os direitos individuais foram diminuídos. A

ação popular e o mandado de segurança saíram da esfera constitucional e havia a permissão de

o presidente da República interferir nas decisões do Judiciário.

Após a Era Vargas, é promulgada, à 18 de setembro de 1946, uma nova Carta

Constitucional com o objetivo de redemocratizar o país, visto ter passado por um período

ditatorial. Nesse texto as principais modificações ocorreram no sentido de diminuir os poderes

do Executivo, que haviam sido drasticamente aumentados na Constituição de 1937,

65 LOPES, J.R.L. O Direito Na História: Lições Introdutórias. 1. Ed. São Paulo: Max Limonad. P. 281.

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retornando, desse modo, ao equilíbrio entre os Poderes, além de uma importante inovação que

foi a decretação da função social da propriedade, ou seja, havia a possibilidade

constitucionalmente garantida de uma propriedade ser desapropriada por causa do interesse

social.

A nova constituição contudo, pecou em alguns aspectos importantes, que Miguel

Reale, chamou de quatro graves equívocos, que seriam:

“a) o enfraquecimento do Executivo, deixado à mercê do Legislativo; b) o fortalecimento do Legislativo, mas num quadro normativo anacronicamente reduzido às figuras da lei constitucional e da lei ordinária; c) a criação de óbices à intervenção do Estado no domínio econômico, o que era incompatível com a sociedade industrial emergente; e por fim, d) a adoção do pluralismo partidário, sem limitações nem cautelas, o que levou ao ressurgimento da “política estadual” e à criação de “partidos nacionais” de fachada, cujas siglas escondiam meras federações de clientelas ou de facções locais”66

A visão do então Presidente do Supremo Tribunal, o Ministro José Linhares, em seu

discurso, na primeira sessão da corte, após a feição da nova constituição, segue por caminho

contrário, reafirmando os méritos da nova carta magna:

“Antes de mais nada sejam as minhas primeiras palavras de congratulações com os ilustres colegas pela promulgação da nova Constituição, fato que vem de assinalar um marco destacado na vida jurídica do País. Depois de termos atravessado uma longa estrada sombria, de indecisões e incertezas de um período ditatorial, é com grande alegria que o país readquire o seu poder de Nação livre regido por normas puramente democráticas. O século passado foi a época da liberdade, e o atual é o da igualdade econômica e social, princípios estes disciplinadores de um regime sadio que enobrece todos os cidadãos conscientes de seus direitos e deveres para com a Pátria. Só a ordem jurídica constrói e fortalece as instituições sem o que a vida e os direitos de cada um ficam à mercê da vontade ou do arbítrio de quem por acaso detém o poder. A hora presente é de regozijo nacional, principalmente para a justiça com o restabelecimento de sua autoridade e independência tão necessárias ao exercício da sua nobre missão. A Carta Magna foi promulgada sob a proteção de Deus e com ela confio que possamos, no cumprimento do dever sagrado, interpretá-la e dar execução aos seus preceitos sob a inspiração dos sentimentos da mais pura justiça.”

Em 1964, o Brasil é vítima de um golpe de estado feito por militares, que logo

tomaram o poder. Assim, em 1967, eis que é promulgada uma nova ordem constitucional, que

privilegiava o Poder Executivo em detrimento dos outros, assegurando a eleição indireta do

presidente da república, diminuindo a autonomia de estados e municípios (inclusive

autorizando a União, no art.20, § 2º, a mediante lei complementar, conceder isenções de

impostos estaduais e municipais), os direitos políticos e individuais foram suspensos e o voto

continuava proibido para os analfabetos.

66 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. 4ª Edição. Pág.195.

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Inocêncio Mártires Coelho, assim descreve a Constituição de 67:

“Produto da Revolução de 1964, e com a pretensão de consolidar seus ‘ideais e princípios’, tivemos a Constituição de 1967, que foi aprovada pelo Congresso Nacional, para tanto constrangido a deliberar em sessão extraordinária de apenas quarenta e dois dias – de 12-12-1966 a 24-1-1967 -, com base em proposta literalmente enviada ‘a toque de caixa’ pelo Presidente da República, que para tanto dispunha do apoio das Forças Armadas, se necessário até mesmo para o fechamento das Casas Legislativas, àquela altura em recesso forçado e já desfalcadas dos principais líderes oposicionistas, cujos mandatos e direitos políticos tinham sido cassados pelos chefes da insurreição militar vitoriosa67”

Finalmente, em cinco de outubro de 1988, com o fim da ditadura militar, a Assembléia

Nacional Constituinte convocada apresentou um novo texto constitucional com o objetivo de

regular o período de redemocratização pelo qual o país passaria após a ditadura, a

Constituição da República Federativa do Brasil.

Em discurso memorável no dia da apresentação da nova constituição, o Presidente da

Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, assim expôs o sentimento

geral sobre a “Constituição Cidadã” ou “Constituição da Coragem”:

“O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país. Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o home é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã. Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar. A constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade. Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O Governo será praticado pelo executivo e o legislativo. Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos. É a Constituição Coragem Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu , destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei. A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.68”

Essa Carta tinha a finalidade de garantir o integral desenvolvimento do ser humano

baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana. Seu artigo quinto, composto de 78

incisos elenca os diversos direitos fundamentais de que os brasileiros gozam e logo no seu

primeiro artigo estão dispostos os fundamentos do Estado, tais como a soberania, a cidadania,

a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o 67 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. 4ª Edição. Pág.197. 68 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. 4ª Edição. Pág.202.

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pluralismo político. A CF/88 também criou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e estabeleceu

o voto facultativo aos analfabetos.69

Isso é uma brevíssima análise das Constituições que nossa nação possuiu, com a

finalidade de demonstrar as sucessivas modificações no interior da sociedade e, por

conseqüência, no ordenamento jurídico. A CF/88 ainda possui imperfeições, por isso muitas

vezes é emendada, todavia a ordem jurídica estatal deve acompanhar lado a lado as

vicissitudes sociais a fim de sempre se demonstrar atualizada e pronta para regular as matérias

do cotidiano.

4.2.2.2 Código Criminal e Código Penal

É importante agora perscrutar acerca dos códigos que fizeram parte e outros que ainda

fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro, a começar pelo Código Criminal do Império.

O Código Criminal do Império nasceu de um projeto elaborado por Bernardo Pereira

de Vasconcelos, sancionado em 1830 por D. Pedro I, sendo o primeiro código penal da

América Latina, servindo de exemplo para várias outras nações. Este diploma legal era

composto de 313 artigos e dividido em quatro partes, a saber: I) dos crimes e das penas (parte

geral que definia o crime, o criminoso, os crimes justificáveis, bem como as agravantes e

atenuantes); II) dos crimes públicos; III) dos crimes particulares; IV) dos crimes policiais.

Previa a pena de morte e galés, sendo essa última o trabalho forçado em obras públicas, as

quais provocavam grande discussão. Como demonstra José Reinaldo de Lima Lopes: “Um

grande debate deu-se em torno da manutenção da pena de morte e de galés. Para alguns, a

pena de morte era incompatível com a Constituição. [...] Além disso, o art. 179 havia proibido

penas cruéis, e nada mais cruel do que a morte.”70 Foi revogado em 1890, com a edição de um

novo Código Penal, elaborado às pressas e antes da Constituição de 1891, foi alvo de críticas

e diversas reformas para sua adaptação à sociedade vigente.

Com as deformidades do Código Penal de 1890, viu-se a necessidade de elaborar um

novo diploma legal. Desse modo, em 1940 foi sancionado o projeto de Alcântara Machado,

entrando em vigor em 1942 com duração até os dias de hoje. Sofreu algumas reformas, dentre

elas as modificações dadas pela Lei 6.416, de 24 de maio de 1977 e pela Lei 7.209, de 11 de

69 Disponível em: < http://www.editoraferreira.com.br/publique/media/lindemberg_toq6.pdf > Acesso em: 23 set. 2010. 70 LOPES, J.R.L. Op. Cit. P. 287.

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julho de 1984, reformulando totalmente sua parte geral, tendendo para a teoria penal

finalista.71

4.2.2.3 Código Comercial de 1850

Em 1850, no Brasil Imperial, foi promulgado o Código Comercial que “servirá em

parte de direito privado comum enquanto não surgir o Código Civil”72. Essa norma comercial

era dividida em três partes, sendo a primeira relativa ao comércio em geral, a segunda

referente ao comércio marítimo e a última parte tratava das quedas. José Reinaldo de Lima

Lopes, em sua obra, demonstra com clareza o que cada parte regulava:

“Na primeira parte trata da qualidade de comerciante (pois ainda se fala do direito comercial como um direito especial de profissionais do comércio), das praças de comércio, dos auxiliares (corretores, guarda-livros, etc.), dos banqueiros; em seguida trata dos contratos mercantis, com uma parte introdutória incluindo regras de interpretação e disposições gerais sobre os negócios mercantis. [...] Dentro dos contratos mercantis, acha-se a disciplina das garantias (fiança, penhor, hipoteca). [...]”73

Desse modo, o Código regulamentava toda a vida empresarial brasileira, como a

formação de sociedades e a conclusão de contratos. Tal diploma legal foi quase que

inteiramente revogado com o advento do Código Civil de 2002, que veio a regulamentar as

matérias referentes a sociedades empresariais, garantias, etc. Permanecendo em vigência

apenas a parte referente ao direito marítimo.

4.2.2.4 Código de Processo Criminal, Regulamento 737, o Código de Processo Penal e o

Código de Processo Civil

Até agora foi falado apenas do direito material, ou seja, aquele direito que rege

diretamente as relações das pessoas e que apresenta seus direitos e deveres, tanto em âmbito

público quanto na esfera privada. Todavia, é importante ressaltar o papel que exerce o direito

instrumental, isto é, aquele que regula como o Estado no exercício da jurisdição atuará para

pacificar e pro fim aos litígios sociais. Assim, cabe a nós falar sobre os diplomas legais que

tratam das normas processuais que vigoraram e vigoram no Brasil.

71 PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 100. 72 LOPES, J.R.L. Op. Cit. P. 293. 73 LOPES, J.R.L. Op. Cit. P. 293.

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Até 1850, o direito processual brasileiro foi regulado pelas Ordenações Filipinas, ou

seja, leis portuguesas que tinham validade em território brasileiro até a edição de um Código

de Processo.

Antes de surgir um Código de Processo Civil, veio à tona o Código de Processo

Criminal, pois a legislação portuguesa então vigente em nosso território em muito contrariava

nossa Constituição, assim viu-se a necessidade de criar um novo dispositivo legal para regular

o processo criminal. Desse modo, em 1832, foi aprovado o Código de Processo Criminal

brasileiro, que possuía grande clareza e atualidade, além de se basear nos modelos inglês e

francês, cada qual com um sistema processual diferente, sendo o primeiro do tipo acusatório e

o segundo do tipo inquisitório, o que fez o legislador brasileiro mesclar os dois sistemas e

produzir um sistema misto. Este Código, em um título único, estabeleceu diretrizes para a

futura edição de um Código de Processo Civil.

Em 1850, foi sancionado o Regulamento 737, considerado como um diploma

processual econômico, com procedimentos simples e notável técnica processual, destinada a

regular as causas de processo comercial.

Com o advento da República, as normas contidas no Regulamento estenderam-se às

causas civis, excetuando-se alguns casos. A competência para legislar em matéria processual,

nessa época, pertencia de forma concorrente à União e aos estados. Assim, a primeira

elaborou uma legislação processual em âmbito federal, enquanto os estados ficavam

responsáveis por criar seus próprios códigos de processo para regulamentar suas respectivas

justiças. Todavia, a função de legislar sobre matéria de processo passou a ser exclusivamente

da União em 1934, dada pela nova Carta Constitucional, ocorrendo o mesmo com as

Constituições seguintes. Destarte, era pertinente a produção de novos Códigos de Processo

Civil e Penal.74 E em 1939 foi aprovado o Código de Processo Civil, que teria vigência até

1973. Já em 1941 era sancionado o Código de Processo Penal, que ainda vige em território

brasileiro, composto de 811 artigos, divididos em seis livros: do processo em geral; dos

processos em espécie; das nulidades e dos recursos em geral; da execução; das relações

jurisdicionais com as autoridades estrangeiras; disposições gerais.

O atual Código de Processo Civil foi aprovado e promulgado em 1973, derivado do

anteprojeto de autoria de Alfredo Buzaid. É composto de 1.220 artigos repartidos em cinco

livros. São eles: do processo de conhecimento; do processo de execução; do processo cautelar;

dos procedimentos especiais e das disposições finais e transitórias.

74 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. P. 114.

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Como se vê ambos os diplomas legais já possuem longa estrada e passaram por

sucessivas reformas, que mesmo assim não suprem certos defeitos. O CPC possui

procedimentos que muitas vezes causam o entrave e a lentidão da justiça. O CPP já tem um

novo projeto que, todavia, encontra-se inerte no Senado. E em trâmite nessa mesma casa

legislativa está o novo projeto do CPC, que visa tornar essa norma processual mais enxuta,

além de dar mais celeridade a justiça brasileira.

4.2.2.5 A Lei de Introdução ao Código Civil

Faz-se importante mencionar a Lei de Introdução ao Código Civil promulgada pelo

Dec.-Lei n. 4.657 de 1942 e vigente até os dias de hoje.

Apesar do nome, a LICC regula não só os preceitos do Código Civil, como também é

aplicada a todos os ramos do direito. Na verdade, não trata de matéria de direito privado

especificamente. Trata-se de legislação peculiar, pois disciplina as próprias normas jurídicas,

ou seja, em seus dezenove artigos, esse diploma legal regulamenta a aplicação e a

interpretação das várias leis da ordem jurídica brasileira no tempo e no espaço, bem como a

vigência destas. Assim, o mais correto seria, talvez, chamá-la de Lei de Introdução ao

Ordenamento Jurídico Brasileiro, visto regular todo o ordenamento jurídico brasileiro

infraconstitucional, naquilo em que a legislação específica não atuar. Carlos Roberto

Gonçalves, emérito civilista brasileiro, reforça essa ideia:

“Ultrapassa ela o âmbito do direito civil, pois enquanto o objeto das leis em geral é o comportamento humano, o da Lei de Introdução ao Código Civil é a própria norma, visto que disciplina a sua elaboração e vigência, a sua aplicação no tempo e no espaço, as suas fontes, etc.”75

Portanto, a LICC é de assaz importância ao ordenamento jurídico brasileiro, pois

muitos princípios hermenêuticos e até mesmo de direito internacional privado estão nela

contidos, não podendo o aplicador da lei preterir de sua aplicação sempre que necessário.

4.2.2.6 Código Civil de 1916 e Código Civil de 2002

A legislação civil brasileira teve início com os trabalhos de Consolidação das Leis

Civis feito por Teixeira de Freitas, que também fora incumbido da tarefa de elaborar um

Código Civil brasileiro. Todavia, o projeto apresentado pelo jurista foi recusado. E após

75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro volume I: Parte Geral. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 48.

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muitas tentativas e já no Brasil republicano eis que em 1916 é aprovado o projeto de Clóvis

Beviláqua, dando origem ao primeiro Código Civil brasileiro.

Esse dispositivo legal possui rigor científico e carregava a influência dos Códigos

francês e alemão. Possuía 1.807 artigos, antecedido pela Lei de Introdução ao Código Civil,

logo revogada pela LICC de 1942. Dividido em duas partes, uma geral e outra especial, sendo

que a primeira tratava de conceituar os sujeitos de direitos, os bens e os fatos jurídicos. Tais

conceitos serviram de base para a aplicação dos demais dispositivos da parte especial, que era

dividida em quatro livros: Direito de Família, Direito das Coisas, Direito das Obrigações e

Direito das Sucessões.

Era um Código que tratava a sociedade da época em que fora criado. Uma sociedade

ainda colonial e individualista, por isso seu caráter breve. Entretanto, era elogiado pela

cientificidade e brevidade com que tratava os temas. Devido a essa característica que não se

encaixava na sociedade brasileira que constantemente se desenvolvia em vários campos, o

Código Civil passou a ser utilizado como legislação subsidiária às leis esparsas que surgiam.

Assim, fez-se necessário a elaboração de um novo diploma legal para regulamentar as

relações privadas.

Com isso, fora composta comissão para a elaboração de um novo Código Civil, sob a

supervisão de Miguel Reale, em 1967, que foi enviado ao Congresso Nacional e tornou-se

projeto de lei em 1975. No entanto, tal projeto só veio a ser aprovado em 2002, entrando em

vigor no ano de 2003.

O legislador optou por manter no novo Código Civil a mesma estrutura do Código de

1916, ou seja, a divisão em uma parte geral e outra especial, tratando a geral das pessoas, bens

e fatos jurídicos, num total de 2.046 artigos.

Uma das inovações trazidas por esse novo diploma legal foi a unificação do direito

privado. Assim, a disciplina concernente ao direito comercial, regulada pelo Código

Comercial, foi colocada como um dos livros da parte especial do Código Civil, revogando-se

o Código Comercial, exceto na parte em que trata do direito marítimo. Desse modo, a parte

especial ficou disposta na seguinte ordem: Direito das Obrigações, Direito de Empresa,

Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões. Portanto, cinco livros.

Dadas essas explicações, fica claro que o Código Civil visa regular a vida privada em

geral, como o matrimônio, atos sobre o patrimônio, das pessoas em geral, dos contratos,

obrigações, etc. Obviamente, que em vários pontos precisa ser aprimorado, visto que ainda

mostra-se retrogrado em certas linhas, devido à sua demorada tramitação no Congresso e ao

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surgimento de leis extravagantes posteriores à entrega do projeto. Todavia, não deixa de ser

um inovador e importante regulador das relações sociais no direito brasileiro.

Como foi dito no início, a história jurídica brasileira deve ser contada pela elaboração

de seus principais diplomas legais, pois eles organizam a sociedade e o Estado emergente da

época, instituindo poderes, deveres e direitos, não só à máquina pública, como também aos

indivíduos pertencentes ao corpo social. A civil Law ainda é predominante em nosso direito,

por isso as inúmeras codificações. Entretanto, a necessidade de recorrer à jurisprudência tem-

se mostrado cada vez mais latente e, por isso mesmo, muitas normas já permitem ao aplicador

da lei a liberdade de julgamento e até mesmo a função legislativa por parte do Judiciário, o

que será tema do capítulo posterior.

4.2.3 O Supremo Tribunal Federal

A história do judiciário brasileiro e a sua própria estrutura atual não podem ser

adequadamente compreendidos sem uma análise da história de sua Corte Suprema, O

Supremo Tribunal Federal. Como diria Rui Barbosa, em um de seus célebres discursos, o

Supremo representa:

“...a garantia da ordem constitucional, do equilíbrio constitucional, da liberdade constitucional, está nesse templo da justiça, nesse inviolável sacrário da lei, onde a consciência jurídica do País tem a sua sede suprema, o seu refúgio inacessível, a sua expressão final.76”

Para aqui começar a tratar da história da mais alta corte brasileira, pareceu-nos mais

correto iniciar pelo alvará régio de 10 de maio de 1808, no qual o príncipe regente D. João

instituiu a Casa da Suplicação do Brasil.

A Casa da Suplicação do Brasil tornou-se a instância máxima para qualquer recurso

que houvesse, evitando-se assim que as apelações tivessem de ser enviadas para Portugal e se

submetessem as decisões da Casa da Suplicação de Lisboa. Era formado por 23 magistrados,

tendo sido fisicamente instalada a 30 de junho de 1808, no centro do Rio de Janeiro.

Tal Situação permaneceu até a 1824, quando a constituição outorgada por D. Pedro I,

criou em seu art. 163 o Supremo Tribunal de Justiça77:

Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de - Supremo Tribunal de Justiça - composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira

76 Discurso proferido quando da sua posse à 19 de novembro de 1914, assumiu a presidência do Instituto dos Advogados do Brasil (futura OAB). 77 A título de curiosidade, Portugal só teria o seu Supremo Tribunal de Justiça em 1833

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organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir.

As competências da nova corte eram elencadas em seu art. 164:

Art. 164. A este Tribunal Compete: I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar. II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias. III. Conhecer, e decidir sobre os conflictos de jurisdição, e competencia das Relações Provinciaes.

O Supremo Tribunal de Justiça iniciou suas atividades à 8 de janeiro de 1829, após ter

sido regulamentada as suas funções por lei, tendo substituído a Casa da Suplicação como

última instância do judiciário nacional, fato que somente iria se consolidar em 1833, pois nos

4 anos seguintes os dois tribunais iriam atuar conjuntamente na resolução dos dissídios

jurídicos.

O conselheiro português José Albano Fragoso78 foi o primeiro Presidente do Supremo

Tribunal, tendo sido investido em 8 de janeiro de 1829, tendo o restante tomado posse até

outubro do mesmo ano, num total de 17 membros.

Vale abrir uma ressalva aqui, para explicar que nessa época o Supremo ainda não

possuía a atribuição de intérprete máximo da Constituição, pois este papel cabia ao legislativo

(tendo posteriormente passado para o conselho de estado do império).

Paulo Guilherme de Mendonça Lopes e Patrícia Rios, assim caracterizam as atividades do

Supremo nesse período:

“Nessa fase, o Supremo Tribunal tem como atribuições regimentais revisar os feitos dos tribunais interiorizados por todo o país, grande parte deles comportando juízes leigos sem nenhuma formação em Direito. O Supremo não julga os recursos impetrados. Encaminha-os para uma relação diferente daquele em que se processara o julgamento original. As relações continuam as mesmas do regime anterior. A constituição havia prometido a instalação das relações das províncias “para julgar as causas em segunda e última instância”, mas isso só ocorrerá com o advento da República, como assinalado pelo ministro do STF Celso de Mello. “Também cabe ao supremo, nessa época, apesar de não ser essa uma disposição regimental, esclarecer sobre a legislação e centralizar a jurisprudência. Essas funções, apesar de ser exercidas desde a promulgação da Constituição, só serão definidas em 1875, pela lei 2.648, instrumento legal que habilitará o tribunal a promover a inteligência das leis cíveis, comerciais e criminais em casos de dúvidas decorrentes de julgamentos divergentes no próprio tribunal ou em instâncias inferiores. Quanto à centralização da jurisprudência, o Decreto 6.142, de março de 1876, habilita o Supremo a faze-lo, mas nunca foi regulamentado no período imperial79”

78 LOPES, Paulo Guilherme de Mendonça; RIOS, Patricia. Justiça no Brasil - 200 anos de História. São Paulo: Conjur Editorial, 2009. pág.40 79 LOPES, Paulo Guilherme de Mendonça; RIOS, Patricia. Justiça no Brasil - 200 anos de História. São Paulo: Conjur Editorial, 2009. pág.40-41.

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O Habeas Corpus mais antigo nos arquivos do STF, de 1870, é desse período da corte,

num caso em que o advogado Joaquim Saldanha Marinho pretendia dar liberdade ao italiano

Nicola Hamilo Mattocello, preso sob a acusação de ser depositário infiel, com a alegação de

prisão ilegal – o pedido foi indeferido.

Com o fim do império e o início da república, era preciso a criação de novas

instituições para resguardar a nova ordem política. Com esse intuito, à 11 de outubro de 1890

foi editado o Decreto nº 848 pelo ministro da justiça Campos Sales, que organizava a justiça

federal temporariamente, até que a nova constituição estivesse pronta, e criava o Supremo

Tribunal Federal. Segue abaixo a transcrição do art.5º do referido diploma legal:

“Art. 5º O Supremo Tribunal Federal terá a sua sede na capital da República e compor-se-há de quinze juízes, que poderão ser tirados dentre os juízes seccionaes ou dentre os cidadãos de notável saber e reputação, que possuam as condições de elegibilidade para o Senado.”

Com a edição da Constituição de 1891, o sistema jurídico brasileiro passou a ser

dualístico, possuindo uma esfera estadual e outra federal. Seguindo o Decreto 848, haveria um

órgão de cúpula do sistema, sendo o Supremo Tribunal Federal, conforme prescreviam os

art.5580 e 56:

“Art 55 - O Poder Judiciário, da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República e tantos Juízes e Tribunais Federais, distribuídos pelo País, quantos o ongresso criar. Art 56 - O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze Juízes, nomeados na forma do art. 48, nº 12, dentre os cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado. “

Seguindo a inspiração da Suprema Corte americana, o STF passou a ser o guardião da

constituição, o interprete da lei, ganhando competências ordinárias, de recurso e de revisão

das sentenças proferidas nas instâncias superiores dos Estados. Tal disposição encontrava-se

no artigo 59 da constituição:

“ Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:

I - processar e julgar originária e privativamente:

a) o Presidente da República nos crimes comuns, e os Ministros de Estado nos casos do art. 52;

80 Que em muito lembra a seção I do artigo 3º da Constituição dos Estados Unidos da América, numa clara

homenagem de Rui Barbosa, o grande elaborador do projeto constitucional de 1891, que tinha grande apreço

pelos Founding Fathers.

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b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade;

c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros;

d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados;

e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e Tribunais de outro Estado.

II - julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60;

III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81.

§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:

a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;

b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

§ 2º - Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a Justiça Federal consultará a jurisprudência dos Tribunais locais, e vice-versa, as Justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos Tribunais Federais, quando houverem de interpretar leis da União.

No supra citado art.59, § 2º, a constituição trazia um comando para que a

jurisprudência de cada justiça fosse respeitada, assim quando a justiça federal analisasse um

caso de lei estadual, teria ela de aplicar a jurisprudência dos tribunais daquele estado, e vice-

versa – doutrina inspirada no leading case do direito americano Erie Railroad v. Tompkins

(vide parte da jurisprudência norte-americana).

Oficialmente estabelecido à 28 de fevereiro de 1981, o Supremo Tribunal Federal

enfrentou sérias dificuldades em seus primeiros anos de vivência, vezes por empecilhos

físicos (o primeiro prédio em que se instalou a corte era compartilhado com outros juizes de 1ª

instância, e além disso era um lugar insalubre), outras por esbarrar em confrontos diretos com

o executivo.

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Os problemas físicos melhoram-se um pouco com a mudança da corte decretada pelo

ministério da justiça à 6 de fevereiro de 1892, onde dividia o prédio com a corte de apelação

da capital. Já os embates com o executivo, apenas se iniciavam81.

Alguns dos principais conflitos se deram na arena do Habeas Corpus, que teve como

patrono elementar a figura do jurista Rui Barbosa, que magistralmente construiu a base da

doutrina brasileira de tal instituto jurídico, possibilitando a defesa das liberdades civis e da

própria instituição republicana82.

A título de curiosidade, antes de adentrar nos vários casos de julgamentos históricos

que sacodiram a república, é interessante citar que foi também Rui Barbosa quem pela

primeira vez sustentou no Brasil o direito dos tribunais de declararem a inconstitucionalidade

das leis e atos administrativos e negar-lhes execução, em 1893. Por volta do ano de 1896, de

norte a sul do Brasil, desembargadores e juízes tinham aderido a tal preceito, tendo alguns que

responderem criminalmente por tais decisões (em claras demonstrações de prepotência dos

poderes legislativo e executivo).83

Uma das primeiras grandes decisões do STF e que desencadearia um dos maiores

imblóglios de sua história, foi a declaração da nulidade do Código Penal da Armada

(Marinha) em 1893. Os líderes governistas acusaram o tribunal de ter incorrido em crime de

abuso de autoridade com tal declaração, devendo os ministros responderem perante o Senado.

Floriano Peixoto por sua vez iniciou uma vingança silenciosa.

Com a aposentadoria de alguns ministros, era preciso que novos fossem indicados,

além de ser necessária a investidura do novo presidente do STF, o ministro Freitas Henrique –

o problema é que tais funções cabiam ao Presidente da República, e este não se importou em

postergar por meses tais atos, deixando assim o STF em estado de letargia, sem presidente e

sem quorum para tomar as decisões.

Um dos Habeas Corpus mais famosos da história do STF (HC 26.155) foi o que

tratava do pedido de Olga Benário Prestes, mulher do revolucionário comunista Luís Carlos

Prestes, para que ela não fosse extraditada para a Alemanha nazista, sendo julgada pelos

crimes que cometeu aqui mesmo no Brasil. Conforme nos diz Celso de Mello em seu

81 RODRIGUES, Leda Boechat, História do Supremo Tribunal Federal: Tomo I – 1891-1898. Pág.7-20. Disponível em : http://books.google.com.br/books?id=gpFvZXWScVkC&printsec=frontcover&hl=pt-br&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false Acessado em: 07 outubro de 2010. 82 LOPES, Paulo Guilherme de Mendonça; RIOS, Patricia. Justiça no Brasil - 200 anos de História. São Paulo: Conjur Editorial, 2009. pág.74 83 RODRIGUES, Leda Boechat, História do Supremo Tribunal Federal: Tomo I – 1891-1898. Pág.7-20. Disponível em : http://books.google.com.br/books?id=gpFvZXWScVkC&printsec=frontcover&hl=pt-br&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false Acessado em: 07 outubro de 2010.

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opúsculo “Notas sobre o Supremo Tribunal Federal”, o pedido foi lamentavelmente não

conhecido, tendo Olga Benário sido expulsa para a Alemanhã, como estrangeira perniciosa à

ordem pública, sendo morta em 1942 no campo de concentração de Bernburg.

O colunista da Revista Consultor Jurídico, nos lembra ainda de mais três casos

históricos de HC decididos pela corte:

“Revolta da Vacina - Em 1905, durante o surto de Febre Amarela que afligiu o Brasil no final do século 19 e início do século 20 e causou milhares de mortes no país, chegou ao Supremo o RHC 2244, em favor de Manoel Fortunato de Araújo Costa. Ele alegava ameaça de constrangimento ilegal o fato de ter recebido, pela segunda vez, a intimação de um inspetor sanitário para adentrar em sua casa – seu asilo inviolável segundo a Constituição da época -, e proceder à desinfecção do mosquito causador da febre amarela. O Tribunal considerou inconstitucional a disposição regulamentar que facultava à autoridade sanitária penetrar, até com auxílio da força pública, em casa particular para realizar operações de expurgo. A coação é manifestamente injusta, e portanto, a iminência dela importa constrangimento ilegal que legitima a concessão do habeas corpus preventivo, concluiu o Supremo na ocasião. Banimento da Família Imperial - Em 1874, o STF recebeu pedido de Habeas Corpus (HC 1974) em favor de Gastão de Orleans (o Conde D’Eu), sua mulher (a princesa Izabel de Orleans), e demais membros da ex-dinastia brasileira de Bragança. Eles estavam na Europa e questionavam suposto constrangimento ilegal de que seriam vítimas, por força de um decreto de 1889, que os baniu do território nacional. A defesa pedia a anulação do citado decreto, alegando que ele foi revogado pela Constituição Federal de 1891. O pedido foi negado pela Corte Suprema, que não viu caracterizado, nos autos, nenhum ato do governo que impedisse o retorno dos membros da família ao Brasil. Caso Daniel Dantas - Em tempos recentes, o caso mais rumoroso e polêmico dos 100 mil Habeas Corpus do Supremo Tribunal Federal aconteceu no ano passado. Por duas vezes, em menos de 48 horas, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas. À época, Mendes estava há três meses na presidência do tribunal. Os dois HCs foram o mais famoso exemplo do jeito incisivo de Gilmar Mendes comandar a Suprema Corte do país. Um ano depois, mesmo com a impopularidade que ganhou ao soltar Dantas, Mendes explicou que prefere se ater aos aspectos legais de um julgamento – independente da opinião pública. ‘Temos regras que devem ser aplicadas a todos. Temos uma jurisprudência no STF que diz que clamor de opinião pública não justifica prisão preventiva’84”.

O Supremo recentemente, para ser mais preciso à 17 de julho de 2009, julgou outro

histórico HC: o Habeas Corpus de nº 100.000, impetrado pelo estudante de direiot Lucien

Remy Zahr, com o objetivo de conseguir a liberdade de Amarante Oliveira de Jesus, preso há

21 anos na penitenciária de Lucélia, no interior de São Paulo. O pedido foi deferido e o

paciente foi solto85.

84 COUTINHO, Filipe. Supremo recebe Habeas Corpus de número 100.000. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jul-17/habeas-corpus-100000-stf-liberdade-cidadao-preso-21-anos Acessado em: 08 de outubro de 2010. 85 COUTINHO, Filipe. Supremo recebe Habeas Corpus de número 100.000.

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A composição da Corte Suprema variou muito durante seus anos de história, tendo

atingido o número mínimo de 11 e o máximo de 23 ministros. Segue abaixo uma pequena

nota do Ministro Celso de Mello, expondo resumidamente tal variação:

“Composição numérica dos Tribunais de Cúpula da Justiça Brasileira (1808-2007): - Casa da Suplicação do Brasil (1808-1829): 23 Juízes - Supremo Tribunal de Justiça/Império (1829-1891): 17 Juízes - Supremo Tribunal Federal/República (1891-2007): (a) Constituição Federal de 1891: 15 Juízes (b) Decreto nº 19.656, de 1931 (Governo revolucionário): 11 Juízes (c) Constituição Federal de 1934: 11 Juízes (d) Carta Federal de 1937 (Estado Novo): 11 Juízes (e) Constituição Federal de 1946: 11 Juízes (f) Ato Institucional nº 02/1965: 16 Juízes (g) Carta Federal de 1967: 16 Juízes (h) Ato Institucional nº 06/1969: 11 Juízes (i) Carta Federal de 1969: 11 Juízes (j) Constituição Federal de 1988: 11 Juízes86”

Quanto ao lugar de sua morada, o Supremo Tribunal foi sediado de 1909 à 1960 no

Prédio da Avenida Rio Branco nº. 241 na cidade do Rio de Janeiro, tendo no dia 21 de Abril

de 1960 mudado-se para a nova capital, Brasília, onde sua primeira sessão aconteceu no dia

15 de junho do mesmo ano.

4.2.4 Do controle de constitucionalidade

O ordenamento jurídico brasileiro aderiu ao sistema misto de controle de

constitucionalidade, formado pela junção dos modelos americano, difuso-incidental e do

modelo europeu de kelsen, concentrado.

Gilmar Mendes assim descreve as formas de controle de constitucionalidade judicial:

“O controle concentrado de constitucionalidade (austríaco ou europeu) defere a atribuição para o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou a uma Corte Constitucional. O controle de constitucionalidade concentrado tem ampla variedade de organização, podendo a própria Corte Constitucional ser composta por membros vitalícios ou por membros detentores de mandato, em geral, com prazo bastante alargado. Referido modelo adota as ações individuais para a defesa de posições subjetivas e cria mecanismos específicos para a defesa dessas posições, como a atribuição de eficácia ex tunc da decisão para o caso concreto que ensejou a declaração de inconstitucionalidade do sistema austríaco. Especialmente a Emenda Constitucional de 7-12-1929 introduziu mudanças substanciais no modelo de controle de constitucionalidade formulado na Constituição austríaca de 1920.

Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jul-17/habeas-corpus-100000-stf-liberdade-cidadao-preso-21-anos Acessado em: 08 de outubro de 2010. 86 MELLO, Celso. Notas sobre o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfConhecaStfCuriosidadeStf/anexo/NotasInformativasEletronica161007.pdf Acessado em: 09 de outubro de 2010.

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Passou-se a admitir que o Supremo Tribunal de Justiça (Oberster Gerichtshof) e o Tribunal de Justiça Administrativa (Verwaltungsgerichtshof) elevem a controvérsia constitucional concreta perante a Corte Constitucional. Rompe-se com o monopólio de controle da Corte Constitucional, passando aqueles órgãos judiciais a ter um juízo provisório e negativo sobre a matéria. Essa tendência seria reforçada posteriormente com a adoção de modelo semelhante na Alemanha, Itália e Espanha. Em verdade, tal sistema tornou o juiz ou tribunal um ativo participante do controle de constitucionalidade, pelo menos na condição de órgão incumbido da provocação. Tal aspecto acaba por mitigar a separação entre os dois sistemas básicos de controle. O sistema americano, por seu turno, perde em parte a característica de um modelo voltado para a defesa de posições exclusivamente subjetivas e adota uma modelagem processual que valora o interesse público em sentido amplo. A abertura processual largamente adotada pela via do amicus curiae amplia e democratiza a discussão em torno da questão constitucional. A adoção de um procedimento especial para avaliar a relevância da questão, o writ of certiorari, como mecanismo básico de acesso à Corte Suprema e o reconhecimento do efeito vinculante das decisões por força do stare decisis conferem ao processo natureza fortemente objetiva. O controle de constitucionalidade difuso ou americano assegura a qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem constitucional. Esse modelo de controle de constitucionalidade desenvolve-se a partir da discussão encetada na Suprema Corte americana, especialmente no caso Marbury v. Madison, de 1803. A ruptura que a judicial review americana consagra com a tradição inglesa a respeito da soberania do Parlamento vai provocar uma mudança de paradigmas. A simplicidade da forma – reconhecimento da competência para aferir a constitucionalidade ao juiz da causa – vai ser determinante para a sua adoção em diversos países do mundo. Finalmente, o controle misto de constitucionalidade congrega os dois sistemas de controle, o de perfil difuso e o de perfil concentrado. Em geral, nos modelos mistos defere-se aos órgãos ordinários do Poder judiciário a prerrogativa de afastar a aplicação da lei nas ações e processos judiciais, mas se reconhece a determinado órgão de cúpula – Tribunal Supremo ou Corte Constitucional – a competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado. Talvez os exemplos mais eminentes desse modelo misto sejam o modelo português, no qual convivem uma Corte Constitucional e os órgãos judiciais ordinários com competência para aferir a legitimidade da lei em face da Constituição, e o modelo brasileiro, em que se conjugam o tradicional modelo difuso de constitucionalidade, adotado desde a República, com as ações diretas de inconstitucionalidade. 87”

Assim o sistema misto brasileiro traz como principais modelos de ação para o

exercício de tal controle, a Ação direta de Inconstitucionalidade, o Mandado de Injunção, a

Ação direta de Constitucionalidade, a Ação direta de Inconstitucionalidade por omissão e a

decretação de inconstitucionalidade por qual juiz no curso de uma ação em que tal pedido seja

formulado.

4.3 DA IMPORTÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA E AS SÚMULAS V INCULANTES

87 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. 4ª Edição. Pág.1058-1059..

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56

A jurisprudência deve ser entendida aqui como a pacificação dos tribunais acerca de

uma matéria controversa. Melhor explicando, é a interpretação de uma determinada lei

constantemente seguida pelos tribunais. A partir do momento que estes aderem a essa

interpretação, está consolidada uma jurisprudência. Este instituto é tido pela doutrina jurídica

brasileira como fonte mediata do direito, isto é, influi indiretamente para a criação de normas

jurídicas.

Ao nosso entendimento, a jurisprudência merece destaque maior, pois muitas vezes

chega a regular casos não previstos pelo ordenamento jurídico. Assim, a jurisprudência é a

aplicação, com o perdão da repetição, do caso concreto ao caso concreto. Um exemplo é o

fato de os transexuais poderem alterar seu nome da certidão de nascimento. É pacífico entre

os tribunais que tal fato pode ser aceito, mesmo que não seja previsto em nosso Código Civil

ou qualquer outra legislação pátria. E caso continue desse modo, o legislador não tardará em

criar uma norma específica para o caso, ou seja, uma lei nascida da jurisprudência, podendo

ser entendida, grosso modo, como o costume dos tribunais. Sobre o assunto, o emérito

civilista Carlos Roberto Gonçalves compartilha da mesma opinião:

“Malgrado a jurisprudência, para alguns, não possa ser considerada, cientificamente, fonte formal de direito, mas somente fonte meramente intelectual ou informativa (não formal), a realidade é que, no plano da realidade prática, ela tem-se revelado fonte criadora do direito. Basta observar a invocação da súmula oficial de jurisprudência nos tribunais superiores (STF e STJ, principalmente) como verdadeira fonte formal, embora cientificamente lhe falte essa condição.” 88

A súmula referida pelo professor Carlos Roberto Gonçalves trata-se mais

especificamente da súmula vinculante, instituída no ordenamento jurídico brasileiro com a

redação da Emenda Constitucional n° 45, de 2004, que acrescentou o artigo 103–A, à nossa

Constituição Federal e que foi regulamentado pela Lei n° 11.417/06. O segundo artigo dessa

lei diz que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas

decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua

publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder

Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,

bem como proceder à sua revisão ou cancelamento. Assim, tem-se que a súmula vinculante

objetiva determinar uma única interpretação jurídica para o mesmo texto legal. Com isso, há a

possibilidade de se evitar novos processos em relação a assunto já sumulado, bem como uma

maior celeridade processual, além de principalmente evitar desigualdades nas decisões

proferidas pelo Judiciário acerca do mesmo assunto. A súmula vinculante traz, desse modo,

88 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 1. P. 50.

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57

uma segurança jurídica ao ordenamento brasileiro. E não só os envolvidos diretamente em

questões sumuladas podem se beneficiar delas, como assevera Alexandre de Moraes em sua

obra:

“Além disso, assegurará direitos idênticos a todos, mesmo àqueles que não tenham ingressado no Poder Judiciário, mas, eventualmente, pudessem ser lesados pela administração, em virtude de seus efeitos vinculantes não só ao Poder Judiciário, mas também a todos os órgãos da administração pública direta e indireta.” 89

Destarte, devido a seu caráter vinculante, ou seja, obrigatório, todos os órgãos

inferiores devem seguir aquilo que foi proferido pela súmula editada pelo STF. Portanto, uma

verdadeira unificação jurisprudencial. E, caso a matéria sumulada não seja seguida pelo órgão

do Judiciário ou por outra entidade administrativa pública, a citada lei prevê que da decisão

judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe

vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal,

podendo a reclamação ser utilizada após o esgotamento de todas as vias administrativas para

os atos da administração e possibilitando ao Excelso Pretório anular o ato administrativo ou

cassar a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem

aplicação da súmula, conforme o caso.

A edição, cancelamento ou revisão de enunciado de súmula vinculante depende

segundo o texto da Lei n° 11.417/06, de decisão tomada por dois terços dos membros do

Supremo Tribunal Federal e podem propor a edição da mesma, bem como sua revisão ou

cancelamento o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos

Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, o Defensor

Público-Geral da União, partido político com representação no Congresso Nacional,

confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, a Mesa de Assembleia

Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do

Distrito Federal, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito

Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os

Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Apesar da segurança jurídica oferecida por esse instituto, bem como maior celeridade

aos processos e a possibilidade de se evitar desigualdades nas decisões judiciais, a súmula

vinculante ainda encontra opositores. O constitucionalista Alexandre de Moraes elenca, em

sua obra, os argumentos daqueles que se opõem às súmulas:

89 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 25. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 799.

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“A doutrina contrária às súmulas vinculantes afirma que haverá verdadeiro engessamento de todo o Poder Judiciário e consequente paralisia na evolução do Direito, além da possibilidade de maior totalitarismo do órgão de cúpula judicial.” 90

Entretanto, ousamos discordar dessa oposição, pois a edição de súmulas vinculantes

não engessará o Judiciário, tampouco paralisar a evolução do Direito. Exemplo de que isso

não acontecerá é encontrado dentro do sistema jurídico estadunidense. Como explicado

anteriormente, as decisões judiciais lá possuem o mesmo valor da lei, portanto, o ordenamento

jurídico norte-americano é regulado também por casos decididos reiteradamente da mesma

forma pelos tribunais e nem por isso houve uma paralisação na evolução jurídica

estadunidense. Basta analisarmos que a mesma Corte Suprema que julgou inconstitucional um

Act, de 1850, que proibia a escravidão, alegando inconstitucionalidade do mesmo, anos após

proferiu decisão que acabava com a segregação racial naquele país, proibindo a mesma, por

ferir princípios contidos no Bill of Rights (emendas à Constituição americana que continham,

entre outros, princípios da dignidade humana). Desse modo, é de se notar que o legislador

brasileiro ao instituir em nosso ordenamento a súmula vinculante se baseou, principalmente,

no sistema da Common Law. E aqui, como lá, há a possibilidade de alterar ou até mesmo

revogar a súmula, como citado anteriormente. Moraes, acerca do assunto, possui o mesmo

entendimento:

“A EC n° 45/04 possibilitou ao Supremo Tribunal Federal, assim como à Corte Suprema Americana e à Câmara dos Lordes inglesa, a não vinculação ad eternum a seus próprios precedentes, podendo, a partir de novas provocações, reflexões e diversas decisões futuras, alterar a interpretação dada em matéria constitucional e, consequentemente, proceder a revisão ou cancelamento da sumula, o que impedirá qualquer forma de engessamento e paralisia na evolução do Direito, sem, contudo, desrespeitar os princípios da igualdade, segurança jurídica e celeridade processual.” 91

Diante do exposto, podemos concluir que a súmula vinculante é de assaz importância

ao ordenamento jurídico brasileiro, principalmente, por garantir princípios inseridos em nossa

Carta Constitucional. O direito pátrio só tem a ganhar com a adoção desse novo instituto, pois

permite a regulação de casos até mesmo ainda não previstos por lei, além de unificar a

jurisprudência nacional. Lembrando que a tendência das novas legislações é deixar amplo

espaço para que o juiz tome suas decisões de acordo com a sua interpretação, o que, no campo

da súmula vinculante, pode ser importante para que essa interpretação alcance a todos

igualitariamente.

90 MORAES, Alexandre de. Op. Cit. P. 800. 91 MORAES, Alexandre de. Op. Cit. P. 802.

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O fato é que essa instituição não possui tanto credito no direito brasileiro por muitos

pensarem ser uma ingerência do Judiciário no Poder Legislativo. Todavia, deve-se salientar a

enorme importância dos precedentes judiciais em sistemas jurídicos eficazes como o dos

Estados Unidos, por exemplo. Naquele país, a jurisprudência complementa o trabalho dos

legisladores, ou seja, a lei não perde sua importância. Pelo contrario. Ganha verdadeira

eficácia com a interpretação e aplicação correta dada pelos tribunais. No Brasil, os aplicadores

da lei se prendem por demais ao texto desta, quando mais fácil talvez fosse alinhar-se às

decisões de outros tribunais, principalmente, os superiores.

Não queremos aqui desqualificar a primazia da lei, que deve sim ser mantida como fonte

principal do direito, já que há matérias que precisam ser reguladas apenas pelo devido

processo legal. Entretanto, os juristas e aplicadores pátrios devem dar mais atenção aos

precedentes judiciais que auxiliam legisladores na criação de novas normas e são a verdadeira

aplicação da lei aos casos concretos.

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5 CONCLUSÕES

Por tudo o que foi exposto nestas laudas, esperamos que não apenas esteja claro que

o sistema da common law é um sistema jurisprudencial por essência, mas que também é tão

positivista quanto os sistemas romano-germânicos modernos. Além disso pela demonstração

da força com que a doutrina da força da jurisprudência vem se infiltrando no ordenamento

brasileiro, é patente que logo grande parte da família da civil law se tornará mista, pois a

realidade impõe mudanças de paradigmas e tal adaptação é um clamor social por uma

atuação mais forte do judiciário.

Como outro ponto fundamental, demonstramos que a Suprema Corte americana e o

Supremo Tribunal Federal, cada qual com sua história e desafios peculiares durante a história

de seus países, representam a arma central dessa transformação nas famílias do direito em

sociedades democráticas de direito, por serem ao mesmo tempo guardiões da Constituição e

intérpretes desta.

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