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A indústria têxtil utiliza diversos produtos formula- dos nos diferentes processos químicos realizados como limpeza, alvejamento, tingimento etc. Muitos dos produ- tos utilizados nessas formulações são tensoativos e atu- am permitindo a eficiente limpeza da fibra têxtil natural, melhorando a homogeneidade em um tingimento, aumen- tando a capacidade de umectação de um tecido etc. O entendimento de como atuam os tensoativos per- mite a compreensão de sua importância nas formula- ções de auxiliares têxteis e seu melhor uso. Para isso, a correlação do tipo de tensoativo utilizado e das proprie- dades desejadas é muito importante e estes são os obje- tivos deste artigo. 1. Polaridade É bastante conhecida uma regra para indicar a solu- bilidade ou miscibilidade de substâncias. A regra é que substâncias polares dissolvem ou se misturam em subs- tâncias polares e que substâncias apolares dissolvem ou se misturam somente em substâncias apolares. Apesar de apresentar muitas exceções, esta regra ajuda a enten- der a interação entre as moléculas de dois compostos (normalmente líquidos) na formação de uma solução ou de uma mistura em fases distintas. Um exemplo típico de composto polar é a água e de composto apolar, os hidrocarbonetos ou compostos es- sencialmente de carbono e hidrogênio, como os óleos. A polaridade de uma molécula é resultado das suas ligações químicas (se estas são polares ou não) e de sua estrutura. As ligações químicas entre dois átomos po- dem ser polares ou apolares. A polaridade de uma liga- ção é maior ou menor dependendo da eletronegatividade dos átomos envolvidos. A eletronegatividade é a propriedade que mede a for- ça que um átomo tem de atrair elétrons. Essa atração atua sobre todos os elétrons da vizinhança, inclusive nos elé- trons que estão envolvidos na ligação química. Os áto- mos mais eletronegativos, portanto, os que mais atraem elétrons, são o flúor, oxigênio, enxofre, cloro, nitrogênio e carbono. A eletronegatividade pode variar de 0,7 a 4,0. Caso uma ligação química contenha átomos com di- ferença de eletronegatividade, a ligação é chamada de polar, onde os elétrons envolvidos se deslocam mais na direção do átomo mais eletronegativo (figura 1). Caso a diferença de eletronegatividade seja muito grande, o áto- Tecnologia Processos Química Têxtil n° 84/set.06 Como funcionam os tensoativos no processamento têxtil Decio Daltin - Químico de Pesquisa da Oxiteno S.A. Indústria e Comércio - [email protected] Revisão técnica: Rodrigo Chrispim 46

Como funcionam os tensoativos no processamento têxtil · 2020. 10. 25. · Tensoativos são substâncias com moléculas que apre-sentam uma parte apolar ligada a uma outra parte

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  • A indústria têxtil utiliza diversos produtos formula-

    dos nos diferentes processos químicos realizados como

    limpeza, alvejamento, tingimento etc. Muitos dos produ-

    tos utilizados nessas formulações são tensoativos e atu-

    am permitindo a eficiente limpeza da fibra têxtil natural,

    melhorando a homogeneidade em um tingimento, aumen-

    tando a capacidade de umectação de um tecido etc.

    O entendimento de como atuam os tensoativos per-

    mite a compreensão de sua importância nas formula-

    ções de auxiliares têxteis e seu melhor uso. Para isso, a

    correlação do tipo de tensoativo utilizado e das proprie-

    dades desejadas é muito importante e estes são os obje-

    tivos deste artigo.

    1. Polaridade

    É bastante conhecida uma regra para indicar a solu-

    bilidade ou miscibilidade de substâncias. A regra é que

    substâncias polares dissolvem ou se misturam em subs-

    tâncias polares e que substâncias apolares dissolvem ou

    se misturam somente em substâncias apolares. Apesar

    de apresentar muitas exceções, esta regra ajuda a enten-

    der a interação entre as moléculas de dois compostos

    (normalmente líquidos) na formação de uma solução ou

    de uma mistura em fases distintas.

    Um exemplo típico de composto polar é a água e de

    composto apolar, os hidrocarbonetos ou compostos es-

    sencialmente de carbono e hidrogênio, como os óleos.

    A polaridade de uma molécula é resultado das suas

    ligações químicas (se estas são polares ou não) e de sua

    estrutura. As ligações químicas entre dois átomos po-

    dem ser polares ou apolares. A polaridade de uma liga-

    ção é maior ou menor dependendo da eletronegatividade

    dos átomos envolvidos.

    A eletronegatividade é a propriedade que mede a for-

    ça que um átomo tem de atrair elétrons. Essa atração atua

    sobre todos os elétrons da vizinhança, inclusive nos elé-

    trons que estão envolvidos na ligação química. Os áto-

    mos mais eletronegativos, portanto, os que mais atraem

    elétrons, são o flúor, oxigênio, enxofre, cloro, nitrogênio

    e carbono. A eletronegatividade pode variar de 0,7 a 4,0.

    Caso uma ligação química contenha átomos com di-

    ferença de eletronegatividade, a ligação é chamada de

    polar, onde os elétrons envolvidos se deslocam mais na

    direção do átomo mais eletronegativo (figura 1). Caso a

    diferença de eletronegatividade seja muito grande, o áto-

    Tecnologia Processos Química Têxtiln° 84/set.06

    Como funcionam os tensoativosno processamento têxtil

    Decio Daltin - Químico de Pesquisa da Oxiteno S.A. Indústria eComércio - [email protected]

    Revisão técnica: Rodrigo Chrispim

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  • mo mais eletronegativo é capaz de tirar o(s) elétron(s)

    do átomo menos eletronegativo. Nesse caso, temos a

    formação de uma ligação iônica quando os átomos do

    lado esquerdo da tabela periódica se ligam aos átomos

    do lado direito, já que a diferença de eletronegatividade

    se torna maior.

    O deslocamento dos elétrons da ligação no sentido do

    átomo mais eletronegativo torna esse átomo mais negati-

    vo, já que o elétron tem carga negativa. Essa carga é cha-

    mada de carga parcial e é tanto mais forte quanto maior a

    diferença de eletronegatividade entre os átomos da liga-

    ção. Como mostra figura 1, a ligação entre o carbono e o

    hidrogênio é menos polar que a ligação entre o carbono e

    o oxigênio. No entanto, as duas ligações são polares.

    No caso da água, a molécula é polar devido à gran-

    de diferença de eletronegatividade entre os hidrogêni-

    os e o oxigênio e também à forma angular da molécu-

    la, como mostra a figura 2. Portanto, a concentração

    de elétrons é fortemente deslocada no sentido do áto-

    mo de oxigênio. Poderíamos então simplificar a molé-

    cula de água como sendo uma estrutura onde existe

    uma região com concentração de cargas negativas (polo

    negativo) e outra região oposta com concentração de

    cargas positivas (polo positivo).

    No entanto, compostos formados por ligação entre

    átomos de eletronegatividades diferentes ainda podem

    ser apolares de acordo com sua estrutura. Compostos de

    carbono apresentam suas quatro ligações de forma que

    os átomos ligados formem um tetraedro. Dessa forma,

    caso o carbono esteja ligado a quatro outros átomos

    iguais (como no metano) ou a átomos de eletronegativi-

    dades próximas (como nas cadeias orgânicas), o com-

    posto formado pode ser apolar, como mostra a figura 3.

    Neste caso, existe o deslocamento dos elétrons em

    direção ao átomo de carbono, no entanto, a soma vetorial

    desses deslocamentos é zero. A concentração das cargas

    negativas é no centro da molécula, não havendo a cria-

    ção de pólos distintos. Nas cadeias orgânicas, sejam elas

    lineares ou ramificadas, esse efeito se multiplica, ge-

    rando sempre moléculas apolares. Devido a isso, a gran-

    de maioria das moléculas orgânicas, como os óleos, ce-

    ras e gorduras é apolar.

    Com estas definições, podemos discutir mais pro-

    fundamente quais as características moleculares que le-

    vam à regra discutida no início do capítulo ser verda-

    deira na maioria dos casos. Caso coloquemos um com-

    posto orgânico como um hidrocarboneto em água, se

    formarão duas fases distintas após algum tempo. Isso

    pode ser explicado pelas interações entre as moléculas

    do hidrocarboneto e as da água. Entre as moléculas dos

    hidrocarbonetos existem forças de atração fracas que as

    mantém unidas. Essas forças são essencialmente a for-

    ça de Van der Waals e a atração por dipolo induzido.

    No caso das moléculas polares, as forças de atração

    são fortes (forças de dipolo forte), pois existem pólos

    negativos e positivos bem definidos em cada molécula,

    que se atraem por terem cargas opostas. Essas forças

    aproximam as moléculas polares fazendo com que seja

    Tecnologia Processos Química Têxtil - n° 84/set.06

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  • mais difícil separar as moléculas de compostos polares.

    Portanto, para que uma molécula de um hidrocarboneto

    possa entrar nessa estrutura, deveria vencer as forças de

    atração entre as moléculas de água substituindo-as por

    forças muito menores, o que não é natural.

    A solubilidade em água (ou em outros compostos

    polares) depende da formação de novas forças de dipolo

    fortes em substituição às quebradas na solubilização

    (para isto a nova molécula inserida na estrutura também

    deve ser polar) ou da formação de novas forças de dipolo

    iônicas (mais fortes que as forças de dipolo forte) o que

    ocorre na solubilização de um sal em água. A força de

    dipolo iônica é tão mais forte que a força de dipolo forte

    que as moléculas de água se deslocam da estrutura atra-

    ídas pelo íon solubilizado.

    A solubilidade de um composto na fase orgânica de-

    pende da não existência de grandes forças de atração en-

    tre as moléculas deste composto. Portanto, moléculas po-

    lares (com sua respectiva força de atração de dipolo forte

    entre suas moléculas) podem até ser dissolvidas em fase

    orgânica, contanto que em concentrações baixíssimas.

    Concentrações mais altas fazem com que essas molécu-

    las se encontrem e se agrupem devido a essas forças. Esse

    efeito continua ocorrendo até que o agrupamento de mo-

    léculas polares for grande o suficiente para formar uma

    nova fase. É por isso que a água e os sais inorgânicos são

    pouco solúveis em hidrocarbonetos.

    2. Tensão superficial

    Cada molécula de água sofre forte atração das molé-

    culas vizinhas, mas a soma dessas forças de atração é

    nula, pois é igual em todas as direções. No entanto, isso

    não ocorre nas moléculas de água que estão na superfí-

    cie (figura 4). Cada molécula da superfície está "desba-

    lanceada" com uma força resultante de atração perpen-

    dicular à superfície e voltada para dentro do líquido.

    Essa força resultante para dentro do líquido empurra

    as moléculas da superfície contra o líquido. É esta força

    que é chamada de tensão superficial. Qualquer movi-

    mento do líquido que resulte no aumento da superfície

    (como o espalhamento de uma gota de líquido sobre uma

    superfície) resulta em um número maior de moléculas

    do meio do líquido que devem ir para superfície. Para

    que isso ocorra, deve ser vencida essa força resultante.

    Uma gota, ao ser formada na ponta de um conta-go-

    tas, vai aumentando de volume (e de massa) até que a

    força peso resultante dessa massa seja suficiente para

    vencer a tensão superficial do líquido. Portanto, líqui-

    dos que apresentam tensão superficial elevada (alta atra-

    ção entre as moléculas) apresentam gotas maiores que

    líquidos de tensão superficial baixa. Isto pode ser com-

    provado pelo número de gotas necessárias para comple-

    tar um mililitro de líquido.

    Enquanto para a água são necessários em média vin-

    te gotas, para o etanol são necessárias uma média de 32

    gotas. Esse resultado mostra que a tensão superficial do

    etanol é menor que a da água, portanto, a atração entre

    as moléculas é menor, resultado de as moléculas de

    etanol serem menos polares que as de água.

    3. Molhabilidade e umectação

    Molhabilidade e umectação são termos diferentes para

    descrever um mesmo fenômeno em aplicações distintas.

    O termo molhabilidade é utilizado para descrever o quanto

    Tecnologia Processos Química Têxtil - n° 84/set.06

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  • uma gota de líquido se espalha sobre uma superfície,

    molhando-a. Compostos de elevada tensão superficial

    tendem a se comportar como gotas esféricas sobre a su-

    perfície, molhando-a pouco. Quando a tensão superficial

    é menor, o líquido se espalha mais sobre a superfície.

    O alto valor de tensão superficial da água é que faz

    com que água forme gotas na superfície do vidro de uma

    vidraça após a chuva. O álcool etílico apresenta tensão

    superficial muito menor que a da água, tendo menos

    tendência de formação de gotas sobre a superfície do

    vidro que a água. É por isso que muitas pessoas limpam

    vidros utilizando papel embebido em álcool. Como a

    formação de gotas é diminuída, existe menos chance de

    manchamento da superfície depois de seca.

    Umectação é o termo utilizado para a molhabilidade

    de superfícies mais complexas, como a de um material

    têxtil, onde a capilaridade é fundamental para que o lí-

    quido penetre profundamente no material. A figura 5

    mostra como a redução da tensão superficial facilita a

    penetração dos líquidos nas frestas do material, propor-

    cionando a capilaridade e, portanto, a umectação.

    4. Tensoativos

    Tensoativos são substâncias com moléculas que apre-

    sentam uma parte apolar ligada a uma outra parte com

    característica polar. Dessa forma, esse tipo de molécula

    Tecnologia ProcessosQuímica Têxtil - n° 84/set.06

  • é polar e apolar ao mesmo tempo. Para representar esse

    tipo de molécula, usa-se a figura de uma barra (que re-

    presenta a parte apolar da molécula, portanto solúvel

    em hidrocarbonetos, óleos e gorduras) e um círculo (que

    representa a sua parte polar, solúvel em água), como

    representado na figura 6.

    lor de eletronegatividade), atrai outros elétrons (de car-

    ga negativa) dos carbonos e hidrogênios vizinhos, re-

    forçando ainda mais a polaridade negativa dessa região.

    Devido a isso, os tensoativos aniônicos são mais solú-

    veis em água, já que sua parcela polar é reforçada por

    dois efeitos no sentido de aumentar a carga negativa.

    Como a região polar apresenta carga negativa, esse tipo

    de tensoativo é chamado de tensoativo aniônico.

    Existem muitas outras moléculas classificadas como

    tensoativos aniônicos. Pode-se alterar a parte apolar com

    mudanças na cadeia carbônica e a parte polar com ou-

    tros grupos aniônicos como o sulfato, o sulfonato e o

    fosfato. Como a solubilidade de um tensoativo em água

    depende da quantidade de carga que a parte polar apre-

    senta, não importando o sinal desta carga, também exis-

    tem os tensoativos com parte polar com carga positiva,

    como o mostrado na figura 8.A parte apolar de um tensoativo normalmente tem

    origem em uma cadeia carbônica (linear, ramificada ou

    com partes cíclicas) pois, como vimos, os carbonos dessa

    cadeia, apesar de serem mais eletronegativos que os áto-

    mos de hidrogênio, não formam pólos de concentração

    de carga eletrostática. A parte polar deve ser formada

    por alguns átomos que apresentem concentração de car-

    ga com formação de um pólo negativo ou positivo.

    A figura 7 mostra uma molécula de sabão de sódio

    obtido a partir da neutralização do ácido dodecanóico

    (do óleo de coco) com hidróxido de sódio. Na figura, a

    molécula do sabão foi colocada sobre a representação

    esquemática genérica de um tensoativo, indicando que

    a cadeia carbônica forma a parte apolar da molécula e a

    carbonila neutralizada forma a parte polar. Quando dis-

    solvido em água, o contra-íon de sódio se dissolve na

    água e o restante da molécula adquire uma carga negati-

    va verdadeira na região da carbonila. Essa região, por

    ser formada de dois átomos de oxigênio (de grande va-

    O tensoativo da figura 8 também apresenta a mesma

    cadeia carbônica formando a parte apolar da molécula.

    Agora, a parte polar é formada pelo nitrogênio quater-

    nizado, o que lhe dá uma carga positiva. Essa carga atua

    também tornando essa parte da molécula solúvel em água.

    Os tensoativos que apresentam cargas positivas na

    região polar da molécula são chamados de tensoativos

    catiônicos. No entanto, o nitrogênio, por ser mais

    eletronegativo que o carbono, atrai parcialmente os elé-

    trons envolvidos nessa ligação, o que neutraliza um pou-

    co a carga positiva da região polar do tensoativo, dimi-

    nuindo sua polaridade total. Essa menor polaridade re-

    duz a solubilidade em água dos tensoativos catiônicos

    quando comparados com os tensoativos aniônicos. É por

    isso que produtos detergentes ou xampus podem ser

    transparentes (com base em tensoativos aniônicos) e os

    Tecnologia Processos Química Têxtil - n° 84/set.06

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    46-52.pdf54-62.pdf