16
Apontamentos das intervenções de Davide Prosperi e Julián Carrón na Jornada de Início de Ano dos adultos e dos estudantes universitários de CL. Mediolanum Forum, Assago (Milão), 28 de setembro de 2013 PÁGINA UM COMO NASCE UMA PRESENÇA? Nstas páginas, Beato Angelico, frescos do Museu de São Marcos, Florença. Aqui, , Noli me tangere. OUTUBRO 2013 I PASSOS

COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

  • Upload
    lynhu

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

Apontamentos das intervenções de Davide Prosperi e Julián Carrón na Jornada de Início de Ano dos adultos e dos estudantes universitários de CL.

Mediolanum Forum, Assago (Milão), 28 de setembro de 2013

PÁGINAUM

COMO NASCEUMA PRESENÇA?

Nstas páginas, Beato Angelico, frescos do Museu de São Marcos, Florença. Aqui, , Noli me tangere. OUTUBRO 2013 IPASSOS

Page 2: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

COMO NASCE UMA PRESENÇA?PÁGINA UM

Apontamentos das intervenções

de Davide Prosperie Julián Carrón

na Jornada de Início de Ano

dos adultos e dosestudantes

universitários de CL.

MediolanumForum, Assago(Milão), 28 de

setembro de 2013

Razón de vivirLa strada

Vinde Espírito Santo

DAVIDE PROSPERIBem-vindos. Digo isto de modo não formal,porque, se viemos, não foi por uma formalidade;termos vindo aqui e a todos os locais de Itália,ligados em directo via satélite, para participarneste gesto de todo o movimento, é para um juí-zo. E muitas vezes um gesto dá mais testemunhoda verdade do que rios de palavras. Vimos issoaté com frequência este ano, em muitos gestosque propusemos, que vivemos e em que par-ticipámos, também de toda a Igreja. E o juízoque nós afirmamos com este gesto é que temosuma certeza: sabemos – esta é a certeza – o quequeremos seguir. Por isso estamos aqui. Reco-meçar, recomeçar sempre, todos os anos, é o quefaz aumentar a certeza e o desejo do destino emquem não quer desistir de caminhar.«Como viver?» Escolhemos esta pergunta, apartir dos elementos que resultaram da refle-xão sobre os Exercícios da Fraternidade, comotema do Verão, nas férias e nos encontros quetemos vivido. Um título que, na sua simplici-dade, abrange a todos, a tal ponto que mesmoquem não faz uma experiência como a nossa,mais cedo ou mais tarde, deve ter-se feito estapergunta, porque diz respeito a todo e qualquerhomem. Apesar da sua simplicidade representaum desafio extraordinário, porque para respon-der a esta pergunta não bastam palavras, nãorespondemos com um discurso ou com expli-cações que alguém nos dá ou que damos nóspróprios, mas só vivendo; a resposta a esta per-gunta é uma vida. E é por isso, então, que todos os anos fazemoso esforço de julgar, de tentar julgar o que foi quevivemos no ano anterior, porque queremos cres-cer olhando em primeiro lugar para a nossa ex-periência. Desta vez vem em nossa ajuda a car-ta extraordinária que o Papa Francisco escre-veu a Scalfari, publicada no La Repubblica emresposta às suas perguntas deste Verão. Semqualquer presunção, apenas com imensa gra-tidão, creio que todos nos sentimos conforta-dos pelas palavras do Papa, até repensando no

percurso feito nestes anos. Escreve o Papa: «Paraquem vive a fé cristã, isto não significa fuga domundo nem vontade de qualquer hegemonia,mas serviço ao homem, ao homem todo e a to-dos os homens, a partir das periferias da históriae mantendo desperto o sentido da esperança queimpele a realizar o bem em todas as circunstân-cias e com o olhar sempre fixo no além»(Francisco, «Carta a quem não crê», La Re-pubblica, 11 de setembro de 2013, p. 2).Pensemos no que significam para nós estaspalavras após as opções que fizemos este anoao abordar, por exemplo, as eleições nacionaisao mesmo tempo que as da Região da Lom-bardia, quando, depois da aventura formigo-niana, estávamos mais especialmente no cen-tro das atenções. Na confusão geral desse tem-po, em que todos os dias nasciam e morriampropostas de partidos, coligações e facções, a coi-sa para mim mais interessante foi que, quandonos encontrávamos para perceber como en-carar o que ia sucedendo, nós não nos con-tentámos com tentar alinhar pelo mal menor(recordamo-lo bem), mas aproveitámos aoportunidade para dizer: o que é que verda-deiramente, numa situação assim, nos interes-sa mais a nós? Qual é o coração da nossa vida?Para repetir a frase de donGiussani sempre ci-tada entre nós: o que é que nós temos de maiscaro para nós e para todos, para dizer a todos(e portanto também publicamente)? Essa foi apergunta que nos fizemos perante a situação quese criara e sobre isto aceitámos verificar a nos-sa maturidade. Devo dizer que nesta verifica-ção o caminho destes anos foi claramente o fac-tor determinante, porque o juízo que se formou,e que depois – como estarão lembrados – foi pu-blicado também numa Nota de CL sobre a si-tuação política e em vista dos próximos actos elei-torais (2 de janeiro de 2013), foi que a única coi-sa que realmente temos a defender, a que nãopodemos renunciar, é a experiência que faze-mos por aquilo que encontrámos, e que a ve-rificação de que isto é verdade é se é capaz degerar uma presença original, testemunha da no-vidade que Cristo introduz na vida, um novoagente dentro da sociedade, em qualquer âm-bito, até na política, e que isso se deve poder vertambém numa situação confusa (como dizia o

II OUTUBRO 2013PASSOS

Page 3: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

Papa: «Não [...] fuga do mundo nem vontadede qualquer hegemonia»!). O caso da renúncia do Papa Bento XVI, al-gumas semanas mais tarde, colocou-nos peranteo exemplo deste homem novo: porque quan-do o mundo inteiro viu sair pelas portas do Va-ticano aquele homem, com todos à volta delea chorar e ele com um ar seguro, feliz, aquilo foipara todos como um pico de consciência daestatura humana a que estamos chamados: emque consiste a nossa certeza humana? E o queé que produz em termos de relação com a rea-lidade? Porque ali se compreendeu claramen-te: diante da aparente derrota, e não a um can-to mas aos olhos de todos (porque para o mun-do era uma derrota: já não tinha forças e tevede renunciar), como pode um homem ter aque-le ar? Não dá para disfarçar numa situação des-tas, sabes que estão todos a olhar para ti.Como pode um homem ser assim? Aquilo que cada um de nós procura na vidaé sempre uma satisfação, é algo que cumpra re-almente e sem meias medidas aquilo para quenos sentimos feitos. E muito do mal-estar e dadificuldade que com frequência vivemos nasceprecisamente do facto de que, para nós, a satis-fação, a realização desta satisfação depende da-

quilo que nós fazemos, do que nós produzimose de que isso seja reconhecido pelos outros. Masperante uma circunstância assim (pensemostambém em quantas contradições ou derrotascada um de nós tem ou é obrigado a enfrentar)é ou não possível uma satisfação plenamente hu-mana? Nós somos feitos para a excepcionali-dade, não seguramente para a banalidade,mas o ideal da vida é que a excepcionalidade,ou seja, esta grandeza, possa ser experimentá-vel na normalidade, no quotidiano. Aquilo quesatisfaz a vida é uma coisa que é dada, aquiloque satisfaz a vida é a relação viva (viu-se issono gesto do Papa) com uma presença amada,que é dada, que é já dada, desejada, com a Pre-sença amada, porque isso introduz na vida, emqualquer momento da vida, mesmo aos 86 anos,quando um homem parece que fracassou e nãohá mais tempo, introduz uma espera, uma cer-teza, um início novo; o que será para mim oamanhã? Se o meu hoje é a relação com esta Pre-sença, então o amanhã é a descoberta, a cu-riosidade de ver como esta Presença tornará amanifestar-se de novo, a manifestar de novo aSua vitória. E isto tem-nos acompanhado nesta passagem,a par dos juízos de Carrón, dos juízos que têm»

Sermão da Montanha

OUTUBRO 2013 IIIPASSOS

Page 4: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

surgido entre nós no caminho da nossa com-panhia durante o ano, em particular por ocasiãoda Assembleia Nacional de Responsáveis de CLem Pacengo, quando se tornou claro que ver-dadeiramente para nós o que confere consistênciaà vida é esta satisfação, graças à qual a certezanão é de alguém que já sabe tudo e depois, nomáximo, a tem de explicar aos outros, mas nofundo para si não espera mais nada, uma cer-teza – digamos – sabichona, presunçosa; não, anossa é uma certeza curiosa. É uma certeza à par-tida, que nos atira sempre em frente. Retomo ain-da a carta do Papa Francisco: «Resulta claramenteque a fé não é intransigente, mas cresce na con-vivência que respeita o outro. O crente não é ar-rogante; pelo contrário, a verdade torna-o hu-milde, sabendo que, mais do que possuirmo-lanós, é ela que nos abraça e possui. Longe de nosendurecer, a segurança da fé põe-nos a cami-nho e torna possível o testemunho e o diálogocom todos» (Ibid.).A nossa certeza – isto é, em síntese, o que eudescobri mais precisamente este ano através detudo aquilo que temos vivido – não é que já sa-bemos como vai acabar, mas que o queremosdescobrir. Porque a verdade que Cristo intro-duziu na nossa vida é uma presença, a Sua pre-sença. E isso lança-nos no alto mar. Ainda o Papa:

«Eu não falaria – nem mesmo para aqueles queacreditam – de verdade “absoluta” dando ao ter-mo absoluto o sentido daquilo que está desligado,que carece de qualquer relação» (Ibid.). Poréma verdade, e a experiência que fazemos com-prova-o, é uma relação. Mas isto não é somen-te verdade para nós, é verdade para todos, mes-mo para quem o nega ou porventura não o sabe.Razão pela qual, junto à pergunta inicial –«Como viver?» – logo surgiu outra: «Qual é anossa obrigação? O que estamos a fazer no mun-do?». No Meeting deste ano fomos provocadosimediatamente, no primeiro dia, por esta per-gunta no Corriere della Sera: queremo-nosconverter numa facção ou queremos teste-munhar uma presença original? À luz de tudo quanto vivemos, pergunto: o quesignifica a nossa presença no mundo?

JULIÁN CARRÓNCOMO VIVER?Enquanto neste Verão preparava os Exercí-cios dos Memores Domini, calhou a Festa deSanta Maria Madalena; a Liturgia propunhadois textos nos quais se tornava transparentecomo a Igreja nos queria introduzir na con-templação desta mulher segundo toda a ex-pectativa e toda a tensão que vivia. O primei-

»Comunhão dos Apóstolos

IV OUTUBRO 2013PASSOS

Page 5: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos,que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,procurei aquele que o meu coração ama; pro-curei-o e não o encontrei. Vou levantar-me edar voltas pela cidade: pelas praças e pelas ruas,procurarei aquele que o meu coração ama. Pro-curei-o e não o encontrei. Encontraram-me osguardas que fazem ronda pela cidade: “Vistesaquele que o meu coração ama?”» (Ct 3,1-3).Ao escutá-lo, disse para mim: como eu gosta-va de ter um pouco desta paixão! Porque Ma-ria testemunha o coração que cada um de nósdesejaria ter no mais fundo do próprio ser, poiso eu de cada um de nós é esta busca de umamor que nos segure perante os desafios davida.Ao ler o texto do Evangelho surpreendeu-meque se pudessem distinguir as duas perguntasque nos tínhamos dado para o trabalho desteVerão: «Como viver?» e: «O que estamos a fa-zer no mundo?».«No primeiro dia da semana, Maria deMagdala foi de manhãzinha, ainda escuro, aotúmulo do Senhor.» O que moveu aquela mu-lher, a ponto de não conseguir ficar na camae a pôr-se a caminho tão cedo, de madruga-da, quando ainda estava escuro? «E viu a pe-dra retirada do túmulo. Correu ao encontro deSimão Pedro e do outro discípulo, aquele queJesus amava. E disse-lhes: “Tiraram do túmuloo Senhor e não sabemos onde O puseram”» (Jo20,1-2). «E ficou a chorar junto do túmulo, da par-te de fora [Assim é a vida. Como viver? Semencontrar aquela presença, sem encontraraquela presença amada, o amor da nossaalma, cada manhã é de fazer chorar. Depois po-demo-nos distrair ao longo do dia, mas a vidacontinua a ser uma coisa de fazer chorar se cadaum de nós não encontrar o amor da sua alma,aquele amor que torna cheia de significado, deintensidade, de calor a vida]. Enquanto cho-rava, debruçou-se para dentro do túmulo e viudois Anjos vestidos de branco, sentados, umà cabeceira e outro aos pés, onde estivera dei-tado o Corpo de Jesus. Os anjos perguntarama Maria: “Mulher, por que estás a chorar?” Eela respondeu-lhes: “Porque tiraram o meuSenhor e não sei onde o puseram”. Dito isto, vol-tou-se para trás e viu Jesus, ali de pé, sem sa-

ber que era Ele. Disse-lhe Jesus: “Mulher, porque estás a chorar? A quem procuras?” [Eis onexo: «A quem procuras?». Procuro o amor daminha alma, procuro aquela presença que podepreencher a vida, por isso a Igreja nos intro-duz na contemplação de Madalena com estapassagem do Cântico dos Cânticos,que nos falade uma mulher em busca do amor da suaalma]. Pensando que era o jardineiro, ela res-pondeu-lhe: “Senhor, se foste Tu que O levas-te, diz-me onde o puseste para eu O ir buscar”.Disse-lhe Jesus: “Maria”? Ela voltou-se res-pondeu-Lhe em aramaico: “Rabuni!” – quequer dizer: “Mestre!”. Tornou-lhe Jesus: “NãoMe detenhas, que ainda não subi para oPai. Vai ter com os meus irmãos e diz-lhesque vou subir para o Meu Pai e Vosso Pai,Meu Deus e Vosso Deus”. Maria de Mag-dala foi [imediatamente] anunciar aos dis-cípulos: “Vi o Senhor”. E ajuntou o que Estelhe tinha dito» (Jo 20,11-18). Nesta passagem temos a resposta aambas as perguntas: «Como viver?» e: «Oque estamos a fazer no mundo?». Só res-pondendo à primeira, «Mulher, por queestás a chorar? A quem procuras?», ou seja,encontrando a presença que procura e queresponde ao seu pranto, é que Mariateve alguma coisa a comunicar e a ir di-zer aos outros: «Vi o Senhor». É uma grande consolação para cada umde nós que isto tenha acontecido a umapessoa desconhecida como Maria Ma-dalena, porque nos ajuda a entender quenão há nenhuma condição prévia, não énecessário estar à altura de nada, não é preci-so nenhum dote especial para O procurar. Estabusca pode inclusivamente estar quase escon-dida no fundo do ser, sob todos os detritos donosso mal ou do nosso esquecimento, mas nadaa pode evitar, assim como ninguém pode im-pedir aquela mulher de procurar. Para sur-preendermos em nós mesmos esta tensãonão é preciso mais do que aquela «moralida-de original», aquela abertura total, aquelacoincidência total com nós próprios, aquele nãodistanciamento de si que leva a dizer: «No meuleito, toda a noite, procurei aquele que o meucoração ama», « Vistes aquele que o meu co-ração ama?». É aquela abertura original que ve-mos noutros personagens do Evangelho, po-»

Depois podemo-nos

distrair ao longodo dia, mas

a vida continua a ser uma coisa de fazer chorar

se cada um de nósnão encontraro amor da sua

alma, aquele amorque torna cheiade significado,de intensidadee de calor a vida

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

OUTUBRO 2013 VPASSOS

Page 6: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

bres coitados como nós, mas a quem nin-guém pode impedir de procurá-Lo, comoZaqueu, que sobe à árvore todo curioso por verJesus, ou a Samaritana, sequiosa e desejosa daúnica água que pode satisfazer a sua sede. Emface destas figuras evangélicas não existem áli-bis: todos eles uns pobres coitados como nós,mas todos firmemente decididos a procurá-Lo,definidos pela busca d’Ele e pela paixão por Eleque desarma todas as nossas preocupações, to-das as nossas argumentações moralistas parajustificar o nosso não procurá-Lo. Nenhum denós tem dificuldade em imaginar o que terá su-cedido neles quando Jesus, debruçando-Se so-

bre o seu nada, os chamou pelo nome.Como terão ficado espantados! Comose terá inflamado ainda mais a paixãopor Ele, a vontade de procurá-Lo!«Maria!» Como terá vibrado toda ahumanidade de Jesus para poder di-zer o seu nome com um tom, comuma inflexão, com uma intensidade,com uma familiaridade tais que Ma-dalena O reconheceu logo, quando tão-só um minuto antes O tinha confun-dido com o jardineiro. «Maria!» Écomo se toda a ternura do Mistériochegasse àquela mulher através davibração da humanidade de Jesus res-suscitado, agora sem véus, mas nempor isso menos intensa, ao contrário,com toda a humanidade de Jesus res-suscitado vibrante por existir aquelamulher. «Maria!» Então se percebecomo foi que naquele momento ela

compreendeu quem era. Pôde compreenderquem era porque Ele fez vibrar toda a sua hu-manidade até lhe fazer sentir uma tal intensi-dade, plenitude, superabundância que nuncaantes teria conseguido imaginar, e que só po-dia atingir na relação com Ele. Sem Ele nun-ca teria sabido quem era nem o que a vida po-dia ser e tornar-se, que intensidade de pleni-tude a vida podia atingir.O que é o cristianismo senão aquela presençavibrante pelo destino de uma mulher desco-nhecida, que lhe faz entender o que Ele trou-xe, o que Ele é para a vida? Que raça de novi-dade entrou na história através da modalida-de com que Cristo o comunica! Jesus fez-nosperceber o que é o cristianismo dizendo a uma

mulher: «Maria!» É esta comunicação do ser,de «mais ser», de «mais Maria» que revela àque-la mulher quem é Jesus. Não é uma teoria, ouum discurso, ou uma explicação, mas um acon-tecimento que tocou todos aqueles que, de umamaneira ou de outra, entraram em relação comEle, e que os Evangelhos, na sua simplicidadedesarmante, comunicam da forma mais ingé-nua, mais simples que pode haver, simples-mente pronunciando o nome: «Maria!», «Za-queu!», «Mateus!». «Mulher, não chores!»Que comunicação de Si se deve ter produzidoneles para marcar tão intensamente a vida de-les, a tal ponto que já não se podiam dirigir anada, já não podiam olhar a realidade, olharpara si mesmos, a não ser revestidos daquelaPresença, daquela voz, daquela intensidade comque o nome deles fora pronunciado. Percebe-se a comoção que percorre todas aspáginas do Evangelho perante uma experiên-cia como esta. Nós infelizmente já nos habi-tuámos e deixamos de acusar, tantas vezes, oimpacto; já é tudo óbvio, tudo sabido! Mas ve-mos que não é necessariamente assim quandoum homem como o Papa Francisco nos teste-munha o seu espanto hoje: «A síntese melhor,aquela que me vem mais de dentro e que sin-to mais verdadeira, é exactamente esta: “Sou umpecador para quem o Senhor olhou”. [...] “Soualguém que é olhado pelo Senhor» («Entrevis-ta do Papa Francisco às revistas dos Jesuítas»,de Antonio Spadaro, Revista Brotéria, Agos-to/Setembro de 2013, Volume 177).Todo aquele acontecimento, aquela modali-dade única de relacionar-se com o outro, de um«Eu», Jesus, que entra em relação com um «tu»,Maria, fazendo-a tornar-se ela própria, aque-le: «Maria!» que emociona aquela mulher, a afli-ção que a invadiu, vê-se no modo como ela res-ponde: «Rabuni! Mestre!» E na sobriedade doEvangelho, São João comenta: «Ela voltou-se»ao ouvir o seu nome. A conversão é isto, qualmoralismo! A conversão é um reconheci-mento: «Mestre!» É a resposta ao amor de Al-guém que, dizendo o nosso nome com uma in-tensidade afectiva nunca antes vista, nos faz des-cobrir que somos nós próprios. Reconhecê-Loé a resposta a esta paixão de Alguém por ela quereacende toda a capacidade afectiva daquelamulher, porque Alguém a chamou pelo nomeaté gerar aquela relação nova com as coisas que

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

»

«Maria!»Como terá vibradotoda a humanidadede Jesus para poderdizer o seu nome

com umaintensidade, comuma familiaridade

tais queMadalena

O reconheceu logo,quando tão-sóum minuto antesO tinha confundidocom o jardineiro

VI OUTUBRO 2013PASSOS

Page 7: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

se chama «virgindade»: «Não Me detenhas», dizJesus a Madalena, não é preciso fazê-lo. Qual-quer outra coisa é nada relativamente a um ins-tante desta intensidade afectiva que Maria vi-veu com Jesus.É sob a pressão desta comoção que ela se podedirigir a Jesus com aquela paixão com que diz:«Rabuni! Mestre!» Com efeito, a resposta deMaria é toda ela fruto daquela modalidade comque se sentiu chamada pelo nome, surge todadaquela comoção única que Jesus provocounela. Qual moralismo! Nem em sonhos! Foiunicamente sob a pressão da comoção pela co-

municação do ser através de Jesus que Marianão consegiu evitar dizer: «Mestre!» com todaa sua afeição.

O ACONTECIMENTO QUE TODO O HOMEMINCONSCIENTEMENTE ESPERAEsta aflição que aquela mulher sentiu dentrode si, que estava inicialmente na humanidade deJesus toda vibrante de paixão por aquela mu-lher e se fez carne para se comunicar através daSua carne, através da Sua comoção, através doSeu olhar, através da Sua maneira de falar,através do Seu tom de voz, é esta a novida-»

Crucifixão com SãoLongino

OUTUBRO 2013 VIIPASSOS

Page 8: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

de que entrou na história e que hoje, comoontem, o homem, cada um de nós, espera. «Ohomem de hoje», dizia donGiussani no Síno-do sobre os leigos de 1987, «espera talvez in-concientemente a experiência do encontro compessoas para quem o acontecimento de Cristoé realidade tão presente que a vida deles mudou.É um impacto humano que pode abalar o ho-mem de hoje: um acontecimento que seja ecodo acontecimento inicial, quando Jesus levan-tou os olhos e disse: “Zaqueu, desce depressa, voua tua casa”» (L. Giussani, L’avvenimento cristia-no, Milão, Bur, 2003, p. 24). Foi este acontecimento que nos investiu tam-bém a nós. Através da pessoa de donGiussanieste acontecimento, o eco do acontecimento ini-cial, alcançou-nos, através da sua humanidadee da sua vibração por Cristo, de que somos tes-temunhas, tanto assim que muitos de nós não

estaríamos aqui se não o tivéssemos tocado, senão tivéssemos sido arrebatados pela maneiracomo ele nos comunicou Cristo. Passaríamos aestar mais cientes do que nos aconteceu no en-contro com donGiussani lendo a sua biografia,que agora está à nossa disposição. Foi ele que fezchegar até nós, hoje, a vibração que atingiu Ma-ria, a mesma de então, não «como» a de então,mas «aquela» de então, a mesma de então, aque-le mesmo acontecimento que atingiu Maria. Ecada um tem de olhar para a sua própria expe-riência, tem de recuar até à origem daquela suapulsão inicial para ver surgir precisamente dalio primeiro alvor, o primeiro desejo de perten-ça a Cristo. Não existe outra fonte de pertençasenão a experiência do cristianismo vividocomo acontecimento agora. E bastou apenas issopara nos dar uma vontade louca de ser «Seus». Como sempre, é donGius quem nos ajuda a

»Lamentação sobre o Cristomorto

VIII OUTUBRO 2013PASSOS

Page 9: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

tomar consciência do alcance de tudo aquilo quenos aconteceu; na verdade, «o que é o cristia-nismo senão o acontecimento de um homemnovo que, por natureza, se torna protagonistanovo na cena do mundo?» (Id., p. 23), porquea questão fundamental é que aconteça esta cria-tura nova, esta nova criação, este nascimentonovo.

INÍCIO DE UM CONHECIMENTO NOVOSó se uma Presença tão forte assim invadir anossa vida é que não temos necessidade de pôro braço à frente dos olhos para nos defendermosdos golpes das circunstâncias e assim poder vi-ver. Contudo, nós muitas vezes somos feridos detal maneira pelo embate das circunstânciasque se bloqueia o caminho do conhecimento, eentão tudo se torna verdadeiramente sufocan-te, porque é como se apenas víssemos a realidadepelo buraco da ferida. Como Maria, que via a rea-lidade através o seu pranto e não via mais nada;nem sequer reconhece Jesus! Então aparece Ele,chama-a pelo nome, e reabre a partida, permi-te-lhe reconhecê-Lo, começar a ver a realidadede maneira diferente, porque a Sua presença émais forte que qualquer ferida e qualquer pran-to, e então abre novamente o nosso olhar de parem par para poder ver a realidade na sua ver-dade. «Foi olhado e então viu», dizia Santo Agos-tinho acerca de Zaqueu (Santo Agostinho, Dis-curso 174, 4.4). Amigos, como seria diferente avida se cada um de nós deixasse entrar aqueleolhar, fosse qual fosse a nossa ferida!É por isso que Giussani insiste no facto de Je-sus ter entrado na história para nos educar numconhecimento verdadeiro do real, porque nóspensamos já saber o que vem a ser a realidade,mas sem Ele o medo assalta-nos, bloqueia-nose então sufocamos nas circunstâncias. Porémcom Jesus tudo se reabre, é como se Ele nos dis-sesse: «Vede que Eu vim para vos educar na ver-dadeira relação com o real, naquela atitude cer-ta que vos permite um olhar novo sobre o real».Se nós não fizermos essa experiência, deixan-do entrar continuamente o Seu olhar, a Sua pre-sença, vivemos a realidade como todos os de-mais. Só se Jesus entrar, tornando possível o co-nhecimento novo, é que nós vamos poder in-troduzir no mundo uma maneira diferente deestar na realidade. Todas as circunstâncias nossão dadas para isto, para nos provocar a este con-

hecimento novo, para ver o que é Jesus: uma Pre-sença que nos permite viver o real de ummodo diferente, novo. E isso faz descobrir queas circunstâncias todas não são uma objecção,como tantas vezes nós as entendemos por nãosermos capazes de ver o atractivo que elas en-cerram, de tal forma somos definidos pela fe-rida; nós já as reduzimos porque pensamos jásaber o que é a circunstância, pensamos já sa-ber que não há nada de novo a descobrir den-tro dela, que apenas há que suportar e somen-te nos resta o esforço moralista de ver se esta-mos à altura de suportar aquele sufoco. E, no entanto, só reaparecendo uma Presen-ça como aquela que apareceu a Ma-dalena é que o percurso do conheci-mento não se bloqueia e o olhar seescancara, porque nós temos muitomais que o «saber» as respostas a to-das as objecções ou a todos os desafios,nós temos «a» resposta; mas a respos-ta não consiste, como nós pensamos,em ter um manual de instruções paraviver, porque o manual de instruçõesse fez carne, é uma Presença, é o Ver-bo, o conteúdo é uma presença, o con-teúdo é um Tu, o Tu que alcançou Ma-ria. É por isso que, se a verdade está des-ligada, privada desta relação, não secompreende. Como escreveu o PapaFrancisco a Eugenio Scalfari: «A ver-dade, segundo a fé cristã, é o amor deDeus por nós em Jesus Cristo. Portanto,a verdade é uma relação!» (Francisco, «Carta aquem não crê», op. cit., p. 2). Como é para umacriança. A criança sabe que não sabe muitas coi-sas, mas uma coisa sabe: que existem o pai e amãe que sabem, então qual é o problema? Se euestou certo (é esse o valor da certeza de que Da-vide Prosperi falava) desta Presença que inva-de a vida, posso enfrentar qualquer circunstância,qualquer ferida, qualquer objecção, qualquer em-bate, qualquer ataque, porque tudo isso me abrea esperar a modalidade com que o Mistério sevai tornar vivo para me sugerir a resposta – parame acompanhar a entrar mesmo na escuridão–, que há-de aparecer segundo um desígnio quenão é o meu. Que diferença na maneira de estar no realquando uma pessoa tem perguntas, quando umapessoa tem questões em aberto, porque é en-

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

Jesus entrouna história

para nos educarnum conhecimentoverdadeiro do real,

porque nóspensamos já saber

o que seja a realidade, mas sem Ele

o medo assalta-nos,bloqueia-nos eentão sufocamosnas circunstâncias

»

OUTUBRO 2013 IXPASSOS

Page 10: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

tão, quando se recita as Laudes ou quandose faz silêncio, ou quando se escuta um amigo,ou quando se toma café, ou quando se lê o jor-nal, que nós estamos mais propensos a desco-brir, a interceptar qualquer migalha de verda-de que possa vir ao nosso encontro! Assim tudose torna interessante porque, se eu não tivessea pergunta, se eu não tivesse a ferida, se eu nãotivesse uma abertura total, nem sequer a con-seguia distinguir, nem sequer me dava conta.Por isso o nosso é um «caminho humaníssimo»,não feito de alucinações ou de visões, mas comoparticipação numa «aventura de conhecimen-to» que nos faz descobrir cada vez mais oatractivo que existe dentro de toda e qualquerlimitação, dentro de toda e qualquer dificulda-de, porque qualquer objecção ou qualquer cir-cunstância, ainda que dolorosa, encerra semprealgo de verdadeiro, caso contrário não existiria.

O QUE ESTAMOS A FAZER NO MUNDO?É daqui, de uma experiência de vida assim,que podemos responder à pergunta: «O queestamos a fazer no mundo?». Nós temos vin-do a compreender cada vez melhor, não ape-sar das circunstâncias, mas propriamenteatravessando as circunstâncias, qual é o nos-so dever. Como de resto sucedeu sempre navida do movimento, recorda-nos donGiussani,e agora podemos compreender muito melhoro que nos dizia em 1976, porque o ano de 1976fora o resultado de se terem atravessado mo-

mentos na vida do movimento em que tinhavindo à luz o que significava o nosso estar nomundo; então dizia que há duas possibilida-des de estar presentes no real: como «presen-ça reactiva», o seja, que resulta de uma reac-ção nossa, ou como «presença original», ouseja, que nasce daquilo que nos aconteceu.«Reactiva significa determinada pelos pas-sos de tudo o que não é nós: apresentar-se [noreal] com iniciativas, utilizar discursos, reali-zar instrumentos não originados como mo-dalidade total da nossa personalidade nova,mas sugeridos pelo uso de palavras, pela rea-lização de instrumentos, pela modalidade deatitude e de comportamento dos adversários».Como «ainda estamos a jogar no terreno dosoutros», definido pelos outros, então «uma pre-sença reactiva não pode deixar de cair em doiserros: ou se torna uma presença reaccionária,agarrada às suas posições como “formas”,sem que os conteúdos [...] sejam tão claros quese tenham tornado vida [...]; ou então [é ape-nas uma] imitação dos outros». Pelo contrá-rio, «uma presença original [é] uma presençasegundo a nossa originalidade» (L. Giussani,Dall’utopia alla presenza. 1975-1978, Milão, Bur,2006, p. 52, 65). Ou seja, presença é realizar acomunhão com Cristo e entre nós. Aquilo queMaria, Mateus, Zaqueu introduzem no real éuma posição definida por aquela comunhãocom Ele que a Sua comoção produziu, co-municada ao dizer o nome deles. E quando isto

»Cristo no Limbo

X OUTUBRO 2013PASSOS

Page 11: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

sucede com cada um de nós, a comunhão en-tre nós exprime-se como presença segundo anossa originalidade.

UMA PRESENÇA ORIGINAL«Uma presença é original quando surge daconsciência da própria identidade e da afeiçãoa ela, e nisso encontra a sua consistência» (Id.,p. 52), porque é isso que satisfaz verdadeiramentea vida, como Giussani sempre nos disse citan-do São Tomás: «A vida do homem consiste noafecto que principalmente o sustenta e no qualencontra a maior satisfação» (Summa Theolo-giae, IIa, IIae, q. 179, a. 1 co.). A consistência davida é onde nós encontramos a maior satisfação. Qual é, pois, a nossa identidade? «Identidade

é saber quem somos e por que existimos, com umadignidade que nos dá o direito de esperar da nos-sa presença “um melhor” para a nossa vida e paraa vida do mundo.» E quem somos nós? «Todosvós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo.Pois quantos de vós recebestes o baptismo deCristo, fostes revestidos de Cristo. Não há judeunem grego, não há escravo nem livre, não há ho-mem nem mulher; todos vós sois um só em Cris-to Jesus.» (Cf. Gal3,26-28). Mas aquilo que su-cedeu no Baptismo, para nós tornou-se histo-ricamente e conscientemente perceptível no en-contro com o movimento; só então compreen-demos o alcance do que havia sucedido, daquelaluta que Cristo começou connosco no Baptismopara nos conquistar, como vir pugnator. Nós to-mámos consciência dela quando, encontrandoo movimento, fomos conquistados por meio da-quela modalidade com que foi dito o nossonome. E então compreendemos o que SãoPaulo quer dizer quando escreve: «Quantos devós recebestes o baptismo de Cristo, fostes re-vestidos de Cristo» (Cf. Gal 3,27).«Não fostes vós que Me escolhestes, mas Euvos escolhi a vós» (Jo15,16). «É uma escolha ob-jectiva que nunca arrancamos de nós, é uma pe-netração do nosso ser que não depende de nóse que não podemos nunca cancelar [é esta a nos-sa identidade]. [...] Não existe nada – diz donGiussani – de culturalmente mais revolucioná-rio do que essa concepção da pessoa, cujo sig-nificado, cuja consistência é uma unidadecom Cristo, com Outro, e, através desta, umaunidade com todos os que Ele prende, com to-dos aqueles que o Pai Lhe entrega nas maõs» (L.

Giussani, Dall’utopia alla presenza, op. cit., p. 53-54). É isto que nós temos de entender porque,vemos isso na pequenez da nossa vida, esta con-cepção da nossa pessoa – que só é esta porquehá Alguém que repete o nosso nome, de con-trário ainda estávamos por aí a chorar pelo fac-to de viver – não é uma abstracção, é uma ex-periência mais do que uma concepção; e pre-cisamente daqui brota uma autoconsciência denós que é como aquele nada em Maria, que nãoconseguiu mais olhar para si mesma como an-tes, mas totalmente determinada por aquele «Ma-ria!». «A nossa identidade é estarmos identificados

com Cristo. A identificação com Cris-to é a dimensão constitutiva da nossapessoa. Se Cristo define a minha per-sonalidade, vocês, que foram arreba-tados por Ele, entram necessaria-mente na dimensão da minha perso-nalidade. [...] [Por isso] quer eu este-ja sozinho no meu quarto, quer este-jamos três reunidos para estudar nauniversidade, ou vinte na cantina [...],em qualquer parte e de qualquermodo é essa a nossa identidade. O pro-blema é pois a autoconsciência, oconteúdo da consciência de nós mes-mos: “Já não sou eu que vivo, és Tu quevives em mim” [Por isso a nossa iden-tidade se manifesta nesta autocons-ciência nova]. Este é o verdadeiro ho-mem novo no mundo – o homemnovo que foi o so-nho de Che Guevara e o pre-texto enganador para revoluções culturais comque o poder tentou e tenta ter o povo na mão,para o subjugar segundo a sua própria ideolo-gia –; e nasce primeiramente não como coe-rência, mas como autoconsciência nova». «A nossa identidade manifesta-se numa ex-

periência nova dentro de nós [no modo de vi-ver qualquer circunstância e qualquer desafio doreal] e entre nós: a experiência da afeição a Cris-to e ao mistério da Igreja, que na nossa unidadetem a sua concretude mais aproximada. A iden-tidade é a experiência viva da afeição a Cristo eà nossa unidade.»«A palavra “afeição” é a maior e mais abran-gente de toda a nossa expressividade. Ela indi-ca muito mais um “apego” nascido do juízo devalor – do reconhecimento daquilo que»

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

«Uma presençaé original quando

surge daconsciência da

própria identidadee da afeiçãoa ela, e nissoencontra a suaconsistência»A consistência

da vida é onde nósencontramos

a maior satisfação

OUTUBRO 2013 XIPASSOS

Page 12: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

existe em nós e entre nós – do que uma fa-cilidade sentimental, efémera, instável como fol-ha à mercê do vento. E na fidelidade ao juízo, ouseja, na fidelidade à fé, com a idade, esse apegoaumenta, torna-se mais túrgido, vibrante e for-te.»

UM FACTO DENTRO DO QUAL NAUFRAGAR«Esta experiência viva de Cristo e da nossa uni-

dade é o lugar da esperança, e portanto da fon-te do gostopela vida e do florescimento possívelda alegria– que não é forçada a esquecer ou a re-negar nada para se afirmar –; e é o lugar da re-cuperação de uma sede de mudança da própriavida, do desejo que a própria vida seja coeren-te, mude por acção daquilo que ela é no fundo,seja mais digna da Realidade que tem “em si”.»«Dentro da experiência de Cristo e da nossaunidade vive a paixão pela mudança da própriavida [não da justificação dos nossos erros!]. Eé o oposto do moralismo: não uma lei à qualadaptar-se, mas um amor ao qual aderir, umapresença a seguir cada vez mais com todo o nos-so ser [Mamma mia!], um facto no qual real-mente naufragar [para sermos todos envoltos poreste amor sem fundo e sem limite: «um facto noqual realmente naufragar»]. [...] O desejo de mu-

dança de si, pacato, equilibrado e ao mesmo tem-po apaixonado, torna-se então uma realidadequotidiana [o desejo de ser Seus, de Lhe pertencermais, de O procurar continuamente] – sem som-bra de beatice ou de moralismo –, um amor àverdade do próprio ser [de buscador da pessoaamada], um desejo belo e incómodo como umasede.» (Id., p. 54-56).Mas tudo isto tem de amadurecer, porque esta-mos ainda confusos, continua donGiussani. Seeste início pequeno, embrionário, não se tornarmaduro, à primeira tempestade é arrastado. Nósnunca poderemos resistir «se aquele tom inicialnão se torna maduro: não podemos maisaguentar como cristãos a montanha enorme detrabalho, de responsabilidade e de fadigas a quesomos chamados. Não se coagula, realmente, aspessoas com iniciativas [não é isso que dá con-sistência]; aquilo que coagula é o tom verdadeirode uma presença, que é dado pela Realidade queestá entre nós e que temos “em nós”: Cristo e oSeu mistério tornado visível na nossa unidade». «Prosseguindo no aprofundamento da ideiade presença – continua donGiussani –, é pre-ciso então redefinir a nossa comunidade. A co-munidade não é um coágulo de gente para rea-lizar iniciativas [1976!], não é a tentativa de cons-

»Santas mulheres nosepulcro (pormenor)

XII OUTUBRO 2013PASSOS

Page 13: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

truir uma organização de partido [1976!]: a co-munidade é o lugar da efectiva construção da nos-sa pessoa, ou seja, da maturidade da fé. [Cadaqual tem de decidir entre seguir donGiussani ouseguir as suas ideias acerca do que diz Giussa-ni]». «O objectivo da comunidade é gerar adultos

na fé. É de adultos na fé que o mundo precisa,não de profissionais fantásticos ou trabalhado-res competentes, porque destes a sociedade estácheia, mas todos são profundamente contestá-veis na sua capacidade de criar humanidade». «O método com que a comunidade se converteem lugar de construção de maturidade da fé paraa pessoa é [...]: “seguir”. [...] Seguirquer dizer iden-tificar-se com pessoas que vivem com mais ma-turidade a fé, [atenção!] envolver-se numa ex-periência viva, que “passa” (tradit, tradição) o seudinamismo e o seu gosto para dentro de nós [éisto o naufragar numa experiência viva, num fac-to]. Este dinamismo e este gosto passam para nósnão através dos nossos raciocínios, não naconclusão de uma lógica, mas como que porpressão osmótica [vejam!]: é um coração novoque se comunica ao nosso, é o coração de umoutro que começa a mover-se dentro da nossavida [qual manual de instruções ou fazer ape-nas o que dizem os outros! Mas o coração de umOutro que começa a vibrar dentro do nosso co-ração]».«Daqui surge a ideia fundamental da nossa pe-dagogia da autoridade: verdadeiramente auto-rizadas para nós são as pessoas que nos envol-vem com o seu coração, com o seu dinamismoe com o seu gosto, nascidos da fé. Mas autori-dade real é então a definição da amizade». «A amizade verdadeira é a companhia profunda

ao nosso destino [...] [por isso me vem sempreà cabeça a imagem, que nos é tão familiar, de Pe-dro e João, de olhos esbugalhados correndo parao sepulcro, juntos tendendo para o destino. Cadaqual pode fazer a comparação com o conceitohabitual de amizade que vive. Juntos tendendopara o destino. Não a “não amizade”, mas queamizade!]. E não é uma questão de tempera-mento [...]: a amizade verdadeira sente-se no co-ração da palavra e no gesto da presença.» (Id.,p. 57-59). É necessário que tudo entre na vidaassim, «a fé como “reagente” sobre a vida con-creta, de tal modo que somos levados a ver aidentidade entre a fé e o humano que se tornou

mais verdadeiro [podemos verificar assim que,vivendo a vida na fé do Filho de Deus que deua Sua vida por nós, tudo se torna mais verda-deiro] − na fé o humano torna-se mais verda-deiro [e isto ou é uma experiência nossa sem-pre mais verdadeira, que se verifica cada vez mais,ou podemos continuar a “permanecer” no mo-vimento e o nosso coração estar desviado paraoutra parte, e não por mal, mas simplesmenteporque não nos consegue prender]».«Tudo isto tem de passar a ser verdade em nós,e é para isso que o tempo nos é dado. A buscada verdade é a aventura pela qual o tempo se tor-nou história», adquire o seu valor enquanto tem-po. Caso contrário – diz – nós su-cumbimos à «tentação da utopia», ouseja, a repor, a escorregar depositando«a nossa esperança e a nossa dignida-de num “projecto” gerado por nós» (Id.,p. 61-62).

AQUILO QUE SALVA O HOMEMChegado a este ponto donGiussa-ni faz o elenco de todos os passos dahistória do movimento e diz: «Nósnão entrámos na escola procurandoformular um projecto alternativopara a escola [prestem atenção ago-ra]. Entrámos nela com a consciênciade levar Aquilo que salva o homemtambém para a escola». E o mesmopodemos dizer de tudo. A seguirfala de quando isto se começou a nu-blar em 1963 e em 1964 e depois em1968. Mas olhem o que diz: o que foique traíram aqueles que se foram em-bora, aqueles que não foram leais, fiéis àque-le início original? O que foi que traíram? A pre-sença. O que traímos nós? A presença, se nósnão estivermos enraizados no início. Não a «nãopresença», porque podemos encher a nossa vidade coisas, como eles a enchiam de iniciativas.O que haviam traído? O que traímos nós? Apresença, não a ausência. «O projecto tinhasubstituído a presença» (Id., p. 63-64). Agoracompreendemos isto bem. Nós vimos o queganhámos favorecendo determinadas facções,mas só agora nos começamos a dar conta dequanto perdemos, em termos de presença, depresença original, da nossa originalidade. Te-mos de escolher se nos tornamos uma fac-

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

»

Este dinamismoe este gosto passam

para nósnão através de

raciocínios, não naconclusão de umalógica, mas comoque por pressãoosmótica: é um

coração novo quese comunicaao nosso, é ocoração de um

outro que começa a mover-se dentroda nossa vida

OUTUBRO 2013 XIIIPASSOS

Page 14: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

ção ou uma presença original. Isto não querdizer que, para ser de todos, seja preciso nãoser de ninguém. Pelo contrário. Para ser de to-dos é preciso ser de Alguém, porque só Ele nospode dar aquela satisfação de que falava o Da-vide, que nos torna livres para sermos verda-deiramente nós mesmos, para sermos uma pre-sença original e não reactiva.Que estamos a fazer no mundo? «A novi-

dade é a presença – prossegue donGiussani –enquanto consciência de trazer “em si” algo dedefinitivo – um juízo definitivo sobre o mun-do, a verdade do mundo e do humano –, quese exprime na nossa unidade. A novidade é a

presença como consciência de que anossa unidade é o instrumento para orenascimento e para a libertação domundo.» (Id., p. 65). Não podemossubstituir isto por quaisquer imagensou projectos que tenhamos nossa na ca-beça. Como escreveu o cardeal Scolana sua última Carta Pastoral: «Não setrata de um projecto, muito menos deum cálculo. Cheios de gratidão, os cris-tãos pretendem “restituir” o domque imerecidamente receberam e que,por isso, exige ser comunicado comigual gratuidade.» (A. Scola, CartaPastoral «O campo é o mundo», Mi-lão, Centro Ambrosiano, 2013, p. 40). Por que razão nos vem a tentação desubstituir a fé por um projecto? Porquepensamos que a fé, a comunidade cris-

tã como presença, não é suficientemente in-fluente, não é capaz de alterar a realidade e porisso achamos que temos de ser nós a acrescentaralguma coisa, não como expressividade daquiloque nós somos – é inevitável que nos expri-mamos –, mas como um acréscimo porque àfé faltaria qualquer coisa para ser concreta,como se a Jesus faltasse alguma coisa e tives-se de acrescentar outra coisa ao testemunho deSi; pensaram assim todos aqueles que julgavamque o cristianismo vivido na tradição não bas-tava para estar presentes, e nós pensamos queo movimento às vezes não basta. Por isso, estaé uma oportunidade preciosa para aprofundara questão: o que somos? O que estamos a fa-zer no mundo? «A novidade – diz ainda donGiussani – é a

presença deste acontecimentode afeição nova e

de nova humanidade, é a presença deste iníciodo mundo novoque nós somos. A novidade nãoé a vanguarda mas o Resto de Israel, a unida-de daqueles para os quais aquilo que aconteceué tudo [não uma parcela a que é preciso acres-centar algo mais; aquilo que aconteceu étudo!] e que espera apenas o manifestar-se dapromessa, o realizar-se daquilo que está den-tro do acontecido. A novidade não é, pois, umfuturo a perseguir, não é um projecto cultural,social e político: a novidade é a presença. [Quepeso adquirem, agora, estas palavras! Vemo-lotestemunhado todos os dias pelo Papa Fran-cisco: não precisa de nada mais que expor-sea ele, desarmado, diante de todos porque] serpresença não quer dizer não exprimir-se:também a presença é uma expressividade» [masé uma coisa bem diferente] (Dall’utopia alla pre-senza, op. cit., p. 65-66). A diferença reside na diversidade da ex-pressividade.«A utopia tem como modo de expressão odiscurso, o projecto e a procura ansiosa de ins-trumentos e de formas de organização. A pre-sença tem como modo de expressão umaamizade operante, gestos de uma identidade di-versa que se expõe em tudo, usando de tudo (osbancos, o estudo, a tentativa de reforma da uni-versidade, etc.), e que mostram ser, antes demais, gestos de humanidade real, ou seja, de ca-ridade. Não se constrói uma realidade nova comdiscursos ou projectos organizativos, mas vi-vendo gestos de humanidade nova no presente.»Cada um de nós, cada comunidade deve pen-sar nisto: como podemos introduzir no real ges-tos de humanidade real, ou seja, de caridade.Não é, portanto, «a abolição de uma respon-sabilidade», mas um modo diferente de con-ceber a responsabilidade. «Indiquei o quedeve acontecer para que possamos trabalharmais, incidir mais na realidade, e com uma le-tícia cada vez maior, não com um desânimo euma amargura que nos dividem uns dos ou-tros. O dever que nos espera é a expressão deuma presença consciente, capaz de criticismoe de sistematicidade. Tal dever implica um tra-balho. O trabalho é o manifestar-se da nossaidentidade dentro da materialidade do viver. Aminha identidade, na medida em que penetraa materialidade do viver, ou seja, na medida emque está dentroda condição existencial, tra-

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

Nós vimoso que ganhámosfavorecendodeterminadas

facções,mas só agora noscomeçamos a darconta de quanto

perdemos,em termosde presença,de presença

original, da nossaoriginalidade

»

»

La Risurrezione di Gesù Cristo.

XIV OUTUBRO 2013PASSOS

Page 15: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

OUTUBRO 2013 XVPASSOS

Page 16: COMO NASCE UMA PRESENÇA? - it.clonline.org · ro era uma passagem do Cântico dos Cânticos, que descreve o que era a vida para uma pes-soa como Maria: «No meu leito, toda a noite,

balha e faz-me reagir» (Id., p. 66, 69). Todas estas coisas nos dizia em 1976, mas nos anos1990 don Giussani insiste de novo, e consegue ra-dicalizar ainda mais a questão: «Desde a Equipe de1976, cujo título era Da utopia à presença foi feitoum caminho que nos leva agora a apurar e depurara palavra presença: é preciso apurá-la e depurá-la [...]porque a presença está na pessoa, única e exclusi-vamente na pessoa, em ti [ou seja, na criatura nova].A presença é um assunto que coincide com o teu eu.A presença nasce e consiste na pessoa. [...] E aqui-lo que define a pessoa como intérprete e protago-nista de uma presença é a clareza da fé [isso vê-sebem no Papa Francisco], é aquela clareza da cons-ciência que se chama fé, aquela clareza da consciênciaque naturalmente se chama inteligência, porque afé é o aspecto último da inteligência, é a inteligên-cia que atinge o seu horizonte último, que identifi-ca o seu destino, identifica aquilo em que tudo con-siste, identifica a verdade das coisas, identificaonde está o justo e o bem, identifica a grande pre-sença, aquela grande presença que per-mite a manipulação transfiguradoradas coisas, graças à qual as coisas se tor-nam belas, as coisas se tornam justas, ascoisas se tornam boas e tudo se organizana paz. A presença é toda ela consistentena pessoa, nasce e consiste na pessoa ea pessoa é inteligência da realidade atétocar o horizonte último» (L. Giussani,Un evento reale nella vita dell’uomo.1990-1991, Milão, Bur, 2013, pp. 142-143). É por isso que as duas perguntas –«Como viver?» e «O que estamos a fazer no mun-do?» – vão a par. O factor que as une é a pessoa,porque nos podemos iludir enchendo a vida de ini-ciativas para evitar converter-nos a Ele. Mas é tãodiferente quando as iniciativas são expressão des-ta conversão, da nossa pertença a Ele. Como nosrecorda donGiussani, «a presença de Cristo, na nor-malidade do viver, implica cada vez mais o pulsardo coração: a comoção da Sua presença torna-secomoção na vida quotidiana e ilumina, enterne-ce, embeleza, adoça o andamento da vida quoti-diana, cada vez mais. Não há nada inútil, não hánada alheio, porque não há nada alheio ao teu des-tino, e portanto não existe nada a que não nos pos-samos afeiçoar [não suportar, mas afeiçoar!], a tudonos afeiçoamos, nasce uma afeição a tudo, tudo,com as suas consequências magníficas de respei-

to por aquilo que fazes, de precisão naquilo que fa-zes, de lealdade com a tua obra concreta, de firmezaem perseguir a sua finalidade; tornas-te mais in-cansável». Como diz uma passagem profeta Isaías:«Os jovens cansam-se e fatigam-se e até os homensfeitos desfalecem. Os que esperam no Senhor re-cuperam as forças; crescem-lhes asas como àságuias. Correm sem se fatigarem, caminham semse cansarem.» (Id., p. 103-104, VII).

UMA ALEGRIA GERADORAQuando isto penetra no fundo do nosso ser, en-che a vida de letícia. E este é o mais importante in-dicador que don Giussani nos deixa. Quantaspessoas co-nhecemos verdadeiramente felizes?Porque sem letícia não há geração, não há presença.É a letícia que liga as duas perguntas, «como viver?»e «o que estamos a fazer no mundo?», porque semuma resposta para a primeira, também não há res-posta para a segunda; e por conseguinte não há le-tícia. DonGiussani insiste que a condição para ge-

rar é a letícia: «A letícia é o reflexo dacerteza da felicidade, do Eterno, e é for-mada por certeza e por vontade de ca-minho [uma certeza que nos põe em ca-minho], de consciência do caminho quese está a realizar [...]. “Com esta letíciaé possível olhar com simpatia paratudo” [com letícia, com esta letícia épossível gerar as coisas de outra forma][...], porque olhar com simpatia para al-guém que é antipático é gerar uma coisanova no mundo, é gerar um aconteci-mento novo. A letícia é a condição para

a geração, a alegria é a condição para a fecundidade.Ser alegres é condição indispensável para gerar ummundo diferente, uma humanidade diferente.Mas nesse sentido temos uma figura que devia serde consolação para nós ou de consoladora segu-rança, que é Madre Teresa de Calcutá. [...] A sualetícia é geradora, fecunda: não move um dedo semque mude alguma coisa. E a sua letícia não são asmaçãs do rosto contraindo-se num sorriso força-do, artificial, não, não, não! Toda ela é profunda-mente atravessada pela tristeza das coisas, como aface de Cristo [...]. [Mas] sendo a tristeza condi-ção passageira [é] condição do caminho [...] [por-tanto] nem mesmo o nosso mal [nos] pode tirara letícia; [...] a letícia é como a flor do cacto, quena planta cheia de espinhos gera uma coisa bela»(Id., p. 240-241).

PÁGINA UMCOMO NASCE UMA PRESENÇA?

Porque semletícia,

não há geração,não há presença.

Ser felizesé condiçãopara gerarum mundodiferente

»

XVI OUTUBRO 2013PASSOS

P