71
UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Pedagogia Ana Caroline Lima Jaíne Prislaine Alves COMO OCORRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL DA CRIANÇA DA FASE SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ- OPERATÓRIA. LINS SP 2016

COMO OCORRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL DA … · E ao Leonardo que esteve presente me reanimando, com um sorriso no rosto todos esses dias, suportando os momentos de desânimo

Embed Size (px)

Citation preview

0

UNISALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Pedagogia

Ana Caroline Lima

Jaíne Prislaine Alves

COMO OCORRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL DA CRIANÇA DA FASE SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ-

OPERATÓRIA.

LINS – SP

2016

1

ANA CAROLINE LIMA

JAÍNE PRISLAINE ALVES

COMO OCORRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL DA CRIANÇA DA FASE SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ-OPERATÓRIA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Pedagogia, sob a orientação do Profª Ma Denise Rocha Pereira e orientação técnica da Profª Ma. Fatima Eliana Frigatto Bozzo.

LINS – SP

2016

2

Ana Caroline Lima Jaíne Prislaine Alves

COMO OCORRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL DA CRIANÇA DA FASE SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ-OPERATÓRIA.

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Centro

Universitário Católico Salesiano Auxilium para obtenção do título de graduação

do curso de Pedagogia.

Aprovado em ________/________/________

Banca Examinadora:

Prof. Orientador: Denise Rocha Pereira

Titulação: Mestra em Educação - Linha de pesquisa - Psicologia da Educação:

Processos Educativos e Desenvolvimento Humano - pela Unesp-Marília.

Assinatura: _________________________________

1º Prof: Luiz Carlos de Oliveira

Titulação: Doutor em Educação Escolar pela Unesp-Araraquara

Assinatura: _________________________________

2º Prof(a): Fabiana Sayuri Sameshima

Titulação: Doutora em educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências-Unesp

Marília.

Assinatura: ________________________________

3

DEDICATÓRIA

À minha família, especialmente à minha mãe Ednéia e ao meu padrasto

Luiz, o qual tem sido mais que um pai, apoiando-me em minhas decisões. À

minha avó, que sempre vou amar mais que tudo, por ter me ensinado a ser

como sou hoje, com personalidade forte e sem desistir do que realmente quero.

À minha tia Sueli (Ica), por ter me ensinado a levar os tombos da vida

menos a sério e valorizar mais as pequenas alegrias.

À minha tia Claúdia Lopes e à sua família que, mesmo não tendo o

mesmo sangue, ensinaram-me o que deve ser valorizado dentro de um lar e de

uma estrutura familiar. Que sempre me receberam de braços abertos e

praticamente me adotaram no período de um dos estágios regulares do curso.

E ao Leonardo que esteve presente me reanimando, com um sorriso no

rosto todos esses dias, suportando os momentos de desânimo e exaltando os

de alegria.

Ana Caroline Lima

Dedico este trabalho de conclusão do curso de Pedagogia a todos que

estiveram ao meu lado, fortalecendo as minhas forças para prosseguir neste

caminho. Dedico também a minha família que me trouxe a inspiração do tema

desenvolvido, primeiramente ao meu querido sobrinho Rafael, que vem

desenvolvendo a linguagem de uma maneira significativa e sempre me alegra o

coração, quando vem correndo me chamando “Tia Jaíne” e à minha linda prima

Letícia que, embora esteja distante, sempre será lembrada com carinho. À

minha mãe, à minha avó e à minha irmã, que sempre acreditaram na minha

capacidade e me moldaram como uma pessoa de fé e que nunca desiste dos

sonhos.

Dedico, também, a meu marido Ernandes que permaneceu por perto nas

longas noites de leitura e estudo, sempre com palavras motivacionais e me

presenteou com a consolidação de minha família. Ao meu filho Fernando, que

mesmo pequeno, é um ser grandioso dentro de mim.

O término deste trabalho só foi possível pela orientação de minha

professora Denise Rocha e à parceria e minha colega de estudos piagetianos,

Ana Caroline. Jaíne Prislaine Alves

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por ter me dado forças dia após dia e esperança,

quando tudo já parecia estar próximo do fim. Por me permitir crescer como ser

humano e entender os ensinamentos que Ele mesmo me proporcionou.

À Instituição, que sempre esteve de portas abertas, possibilitando os

estudos e as pesquisas em horários não regulares.

À minha orientadora Denise Rocha, que não desistiu de suas

orientandas e da nossa pesquisa, sempre cobrando além do que pensávamos

ser capazes de fazer.

E, por fim, à minha parceira de pesquisa. Agradecimentos eternos a

você Jaíne Prislaine, por ter tido paciência e me incentivado a escrever a cada

dia.

Ana Caroline Lima

Agradeço a Deus, primeiramente por permitir a dádiva de viver e as

bênçãos concedidas em minha vida. Serei eternamente grata a todos que

jamais desistiram de mim, que permaneceram ao meu lado, me fortalecendo e

apoiando a busca pelos meus sonhos, mesmo em meio a tantas oposições da

vida.

Jaíne Prislaine Alves

5

RESUMO

O tema abordado na presente pesquisa foi escolhido a partir da inquietação provocada por querer conhecer mais profundamente como se dá o desenvolvimento da fala no ser humano, identificar quando a criança começa a perceber o meio, os objetos e a presença da própria linguagem, por meio de significados e significantes. Para responder a essa inquietação buscou-se pela luz teórica os estudos piagetianos, confiantes de que tais estudos possam responder algumas questões a respeito do tema. Durante todo o desenvolvimento intelectual humano, há um processo de construção e reconstrução de estruturas cognitivas e afetivas que, em movimento contínuo, tecem o conhecimento em espiral. As noções piagetianas são a base para compreender o desenvolvimento humano e mostrar que a aquisição da linguagem é resultado das interações entre a subjetividade e a objetividade, que se apresentam em construção progressiva, em que cada fase depende do desenvolvimento da fase anterior. Essas progressões estão presentes do período sensório-motor até o das operações formais. Neste sentido, o objetivo geral da pesquisa consistiu em conhecer como a criança constrói a linguagem oral, conforme a teoria da epistemologia genética. Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivos específicos analisar a construção da linguagem oral e seu processo cognitivo na fase sensório-motora; explicar como se dá a passagem da linguagem oral na fase Sensório-motora à Pré-operatória e compreender o desenvolvimento da função simbólica na fase Pré-operatória. A metodologia utilizada foi uma pesquisa explicativa, com revisão bibliográfica, desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos de Piaget e estudiosos que contribuíram para o assunto na perspectiva da epistemologia genética.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento. Linguagem Oral. Epistemologia Genética.

6

ABSTRACT

The theme addressed in the present research was chosen from the restlessness caused by wanting to know more deeply how the speech development occurs in the human being, to identify when the child begins to perceive the medium, the objects and the presence of the language itself, through meanings and signifiers. In order to answer this restlessness the Piagetian studies were looked for by theoretical light, confident that such studies could answer some questions about the subject. During human intellectual development there is a process of construction and reconstruction of cognitive and affective structures, which in continuous movement weave spiral knowledge. Piagetian notions are the basis for understanding human development and show that the acquisition of language is the result of interactions between subjectivity and objectivity, which are in progressive construction, where each phase depends on the development of the previous phase.These progressions are present from the sensorimotor period to that of formal operations. In this sense, the general objective of the research is to know how the child constructs oral language according to the theory of genetic epistemology. The completion of coursework has with specifics objectives to analyze the construction of oral language and its cognitive process in the sensory-motor phase; to explain how the passage of oral language occurs in the Sensory-motor to Preoperative phase and understand the development of the symbolic function in the Preoperative phase. The methodology used was an explanatory research with bibliographical revision, developed from material already elaborated, consisting mainly of books and scientific articles of Piaget and scholars who contributed to the subject from the perspective of genetic epistemology.

KEY WORDS: Development. Oral Language. Genetic Epistemology.

7

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

RCNEI: Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil.

LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09

CAPÍTULO I – CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO SEGUNDO

JEAN PIAGET..................................................................................... 11

1 QUEM FOI E É: JEAN PIAGET............................................................. 11

2 SUA TEORIA: A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA................................. 12

CAPÍTULO II – FASES: SENSORIO-MOTOR À PRÉ-OPERATÓRIO........... 23

1 FASES DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL....................................... 23

2 ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO... .......................................................... 32

3 OPERATÓRIO CONCRETO.................................................................. 36

4 OPERATÓRIO FORMAL........................................................................ 37

CAPÍTULO III – AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM............................................... 40

1 LINHA HISTÓRICA DOS ESTUDOS DE PIAGET SOBRE A

LINGUAGEM.......................................................................................... 40

2 EXPLICAÇÃO DA PASSAGEM DA LINGUAGEM ORAL NA FASE ___

SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ-OPERATÓRIO...................................... 57

3 A INTERAÇÃO SOCIAL NO DESENVOLVIMENTO DA

LINGUAGEM.......................................................................................... 62

CONCLUSÃO................................................................................................... 65

REFERÊNCIAS................................................................................................. 68

9

INTRODUÇÃO

O tema abordado na presente monografia procurou compreender mais

profundamente como se dá a aquisição da linguagem no indivíduo e quais as

variáveis que são determinantes neste desenvolvimento. As noções

piagetianas, aqui pesquisadas, foram essenciais para compreender a

construção do conhecimento e o desenvolvimento da fala, que ocorre de forma

intrínseca ao desenvolvimento cognitivo.

O problema delimitado para estes estudos foi: qual é o papel da

interação social no desenvolvimento da linguagem oral? A hipótese inicial é

que há uma interação social, que é fundamental para o desenvolvimento da

linguagem oral na infância e que a falta de estímulos/interação na criança pode

trazer-lhe atrasos na fala.

O objetivo geral da pesquisa consistiu em conhecer como a criança

constrói a linguagem oral, conforme a teoria da epistemologia genética. O

trabalho tem como objetivos específicos analisar a construção da linguagem

oral e seu processo cognitivo na fase sensório-motora; explicar como se dá a

passagem da linguagem oral na fase Sensório-motora à Pré-operatória e

compreender o desenvolvimento da função simbólica desta última fase citada.

Portanto, essa pesquisa tem papel de aprofundamento do tema, investigando

como a criança constrói a linguagem oral conforme a teoria da epistemologia

genética.

Realizou-se uma pesquisa descritiva com revisão bibliográfica,

desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de

livros e artigos científicos.

O primeiro capítulo, “Construção do Conhecimento segundo Jean

Piaget”, aborda uma breve biografia de quem foi Piaget e sua Teoria da

Epistemologia Genética, que visa a estudar a gênese do desenvolvimento das

capacidades cognitivas no indivíduo. Em sua teoria, Piaget avaliou o

desenvolvimento humano em estágios e descobriu que há um sujeito

epistêmico universal, que é a capacidade de construir relações cognitivas e que

está presente em todos as pessoas, independente da sua localização

geográfica e cultural, modificando-se apenas o conteúdo, de acordo com o

meio, mas não por meio de processo como ocorre a construção do

10

conhecimento (obviamente com exceções quando se há um comprometimento

cognitivo muito grande). O texto ainda aborda os princípios filosóficos de sua

teoria e as terminologias utilizadas dentro da epistemologia genética.

O segundo capítulo, “Fases: Sensório-Motor À Pré-Operatório”, centra-

se nas fases do desenvolvimento infantil, em que o sujeito constrói seus

conhecimentos. Essas fases são denominadas: sensório-motora, pré-

operatória, operatória concreta e operatória formal.

O terceiro capítulo, “Aquisição da Linguagem”, refere-se a uma breve

linha histórica sobre os estudos piagetianos acerca da linguagem,

posteriormente a importância da função simbólica no desenvolvimento do

indivíduo, analisando a construção e a passagem da linguagem oral e seus

processos cognitivos da fase Sensório-motora à Pré-operatória.

Na sequência da pesquisa, seguem as considerações finais sobre o

trabalho inicial com o ensino e alguns apontamentos sobre o trabalho com

linguagem falada em um ambiente escolar infantil.

11

CAPÍTULO I

CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO SEGUNDO JEAN PIAGET

1 QUEM FOI E É: JEAN PIAGET

Especialista em epistemologia genética e em psicologia evolutiva,

educador e filósofo, Jean Piaget nasceu em Neuchâtel (Suíça), em 9 de agosto

de 1896. Desde cedo, interessou-se por ciência, mecânica, zoologia e fósseis.

Seu primeiro trabalho científico consistiu em uma nota sobre um pardal

totalmente albino observado num parque público. (PIAGET, 1983).

Interessava-se por religião, biologia, sociologia e filosofia. Formou-se em

1915 licenciado em Biologia e Filosofia, tornando-se doutor em ciências em

1918, aos 22 anos, pela Universidade de Neuchâtel, baseando sua tese sobre

os moluscos de Valois. Conquistou o título de doutor honoris causa na

Universidade do Brasil (atual Universidade do Rio de Janeiro) em 1949; na

Universidade de Paris em 1946 e, na Universidade de Harvard, E.U.A. em

1951. (PIAGET, 1983).

Os estudos na biologia desencadearam em Piaget a ideia de que os

mecanismos de equilíbrio orgânico poderiam influenciar o processo de

conhecimento. Por outro lado, uma organização lógica dependeria de ações

externas e de processos de pensamento. (PIAGET, 1983).

Em Zurique, Piaget constatou, por meio de estudos, sua vocação de

epistemólogo. Nos anos de 1921 e 1922 teve artigos publicados, levando-o a

consolidar sua constatação por meio da experimentação. Em 1925, Piaget

começou a lecionar Filosofia, Psicologia e Sociologia em Neuchâtel. (PIAGET,

1983)

De 1929 a 1939, foi professor de história do pensamento científico na

Universidade de Genebra, impulsionando suas primeiras escritas

epistemológicas. De 1939 a 1952, lecionou sociologia na faculdade de

Ciências Econômicas da Universidade de Genebra. (PIAGET,1983).

Seu projeto baseado nas ciências positivas. O estudo da epistemologia

realizou-se em 1955, sendo inaugurado o Centro Internacional de

Epistemologia Genética (PIAGET, 1983).

12

Piaget faleceu aos 84 anos, em 16 de setembro de 1980. Mas será

eternizado pelo brilhantismo epistêmico de suas obras. (PIAGET, 1983).

Seguindo as linhas de pesquisa, há alguns estudiosos no Brasil

seguidores de Piaget, tais como Orly Zucatto Montavani de Assis, Fernando

Becker, Lino de Macedo, Adrian Dongo Montoya, além dos novos piagetianos

que deram sequência aos seus estudos como Emília Ferreiro, com a

psicogênese da língua escrita e Juan Delval, com o estudo do conhecimento do

meio social.

2 SUA TEORIA: A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA

Para entender o processo pelo qual o indivíduo constrói o conhecimento,

buscou-se pela luz teórica os estudos sobre a epistemologia genética, que

estuda a gênese das estruturas cognitivas.

A epistemologia genética não se confunde com a psicologia genética e esta, por sua vez, não é idêntica à psicologia da criança. (...) a epistemologia genética tem por objetivo investigar a formação dos conhecimentos como tais, isto é, as relações cognitivas entre o sujeito e os objetos: estabelece, então, a transição entre a psicologia genética e a epistemologia em geral, que espera enriquecer levando em conta o desenvolvimento. (PIAGET, 1978, p.5-6).

Na origem da palavra, Epistemologia Genética pode-se dizer que é o

estudo da origem do conhecimento, episteme+logo+gênése. Embora Piaget

tenha sido um dos estudiosos que mais considerou a essência do pensamento

infantil, por meio de uma escuta ativa, com seu método-clínico, sua teoria traz

não somente a reflexão sobre a infância, mas um percurso evolutivo que se

inicia nessa fase.

[...] na perspectiva da epistemologia genética o conhecimento não procede nem do sujeito consciente de si mesmo, nem dos objetos já constituídos que a ele se impõem, mas resulta da interação que se produz entre os dois. (DONGO-MONTOYA, 1996, p.32)

Em um fundamento amplo, é o estudo da origem e evolução dos

mecanismos e processos cognitivos pelo qual o indivíduo passa para construir

o conhecimento. A epistemologia genética representa o estudo histórico da

relação sujeito e objeto na cognição, envolvendo a construção desde o início

13

dessa relação e a gênese de conhecimento. Com base em suas pesquisas, o

termo vai assumindo um papel mais específico que se objetiva estudar os

processos de transição de estruturas cognitivas menos acabadas a estruturas

mais acabadas. (ENCICLOPEDIA MIRADOR, 1992).

De acordo com a teoria da Epistemologia Genética de Piaget (1983), a

medida que há solicitações do meio ao sujeito, as estruturas cognitivas vão

sendo construídas e, quando há novas solicitações, o indivíduo tem a

possibilidade de fazer assimilação, que é adicionar novos estímulos a

esquemas já existentes ou a modificar e criar novos esquemas a suas

estruturas cognitivas. A essa criação dá-se o nome de acomodação.

[...] a Epistemologia Genética mostra as relações dinâmicas entre aprendizagem e desenvolvimento: como o desenvolvimento, ativado pela ação do sujeito, abre novos caminhos para a aprendizagem e como as aprendizagens desafiam o desenvolvimento a construir novos patamares, que[...]possibilitam aprendizagens mais complexas. [...] A capacidade de aprender não é inata, é construída e inúmeras vezes reconstruída ao longo da vida (BECKER 2009, apud DONGO-MONTOYA, 2009, p.15).

Contrapondo uma visão empirista de aquisição de conhecimento, assim

como a uma visão inatista de conhecimento, cria em uma visão construtivista

explicativa para a origem do conhecimento:

[...] De uma parte o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de si mesmo nem de objetos já constituídos (de ponto de vista do sujeito) que a ele se importam. O conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma indiferenciação completa e não de intercâmbio entre formas distintas (PIAGET, 1983, p.6).

Conforme dizem Davis e Oliveira (1997), a concepção inatista parte da

inferência de que os fatos sucedidos após o nascimento não são essenciais

para o desenvolvimento. Baseada na Teologia, a posição dessa concepção

culmina suas origens de que o destino individual de cada ser já estava

predefinido pela graça divina.

Sob a ótica da epistemologia genética, as duas correntes explicativas

detêm problemas epistemológicos. Para os empiristas, o sujeito é uma tabula

rasa e conhecimento é transmitido, já para os inatistas o sujeito nasce pronto, e

suas estruturas são determinantes ao resto de sua vida.

14

Para Piaget (1983), o conhecimento era construído através das

interações do sujeito com o meio, sem desprezar os esquemas adquiridos nas

situações anteriores. Para a construção de novos conhecimentos é necessário

haver os elementos já construídos pelo indivíduo, a fim de que ele se beneficie

do novo estímulo.

A teoria construtivista, na concepção piagetiana, mostra o

desenvolvimento do indivíduo envolvido nas interações sociais, no qual o

conhecimento a ele concebido não é dado, nem transferido, mas construído

através das relações de troca.

Os conhecimentos não se empilham, não se acumulam, mas passam de estados desequilíbrio a estados de desequilíbrio, no transcurso dos quais os conhecimentos anteriores são questionados. Uma nova fase de equilíbrio corresponde então a uma fase de reorganização dos conhecimentos, em que os novos saberes são integrados ao

saber antigo, às vezes modificado (CHARNAY, 1996, p.38).

O indivíduo não constrói seus conhecimentos por meio da passividade.

Os conhecimentos concebidos pelo meio são interiorizados de maneira

particular e todo conhecimento construído apoia-se em estruturas já existentes.

Os comportamentos definem e surgem de uma estrutura interna, esses

esquemas se modificam, conforme o aperfeiçoamento mental, estão presentes

desde a gênese do nascimento (PIAGET, 1983).

[...] Para que um novo instrumento lógico se construa, é preciso sempre instrumentos lógicos preliminares; quer dizer que a construção de uma nova noção suporá sempre substratos, subestruturas anteriores e isso por regressões indefinidas. (PIAGET, 1983, p.215).

Goulard (2001) conclui que cada criança constrói o seu próprio modelo

de mundo. Para isso, valoriza-se a própria ação do sujeito, forma pelo qual o

indivíduo absorve as informações do mundo exterior, ao longo do

desenvolvimento, por se tratar de um processo de construção, liga-se com a

disposição do sujeito, com seu conhecimento prévio e com as características

do objeto e o meio.

Percebe-se que, tendo como suporte teórico a Epistemologia Genética,

é necessário compreender diferentes conceitos dessa teoria. Há quatro

conceitos que Piaget (1952, apud WADSWORTH, 2003) usou para explicar o

15

desenvolvimento das capacidades na criança. Conceitos estes: Esquema,

Assimilação, Acomodação e Equilibração.

De acordo com Piaget (1945, apud MAURICE-NAVILLE;

MONTANGERO, 1998), a ideia de esquema aplica-se em todos os níveis do

desenvolvimento, organizando, assim, todo conhecimento cognitivo.

O conceito esquema está diretamente associado a outro conceito

fundamental do pensamento de Piaget, o de Adaptação. O esquema estrutura

a forma do conhecimento, que assimila os dados da experiência e que é capaz

de modificar ou criar uma nova estrutura, denominando, assim, a acomodação

pela realidade. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998).

O “esquema”, cuja existência nunca deixamos de admitir, pode ser comparado a uma “forma” ou Gestalt. Sistema definido e fechado de movimentos e percepções, o esquema apresenta, de fato essa dupla característica de ser estruturado (logo, de estruturar ele próprio o campo da percepção ou da compreensão) e de constituir-se logo como totalidade, sem resultar de uma associação ou de uma síntese entre elementos anteriormente isolados. (PIAGET, 1975, p.353).

Para Piaget (1945, apud MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998),

há diferentes conceitos de esquemas (esquemas verbais, esquemas de ações

evocados mentalmente, esquemas intuitivos, esquemas operatórios, esquemas

formais e esquemas afetivos do comportamento). De maneira geral e simples,

pode-se afirmar que esquemas são sinônimos de estruturas também.

Conforme o dicionário de epistemologia genética (BATTRO, 1971, p.92):

Por definicion, el esquema de uma accion es el conjunto estruvturado de los caracteres generalizables de dicha accion, es dicer, de los permitem repetir la misma accion o aplicarla a nuevos contenidos. Pero el esquema de uma acción no es perceptible (se percebe uma acción particular, pero no su esquema) nidiretamente introspectible, y solo se adquire consciência de sus consecuencias cuando se repite la acion e se comparan sus resultados sucessivos.

O conceito esquema desempenha uma função fundamental na

explicação do desenvolvimento do nível sensório-motor, integrando às formas

de conhecimento ao real:

Os esquemas de ações efetivos constituem uma forma primeira e fundamental de conhecimento que, interiorizando-se, vai dar nascimento às estruturas cognitivas mais complexas. Os esquemas

16

de ação constituem, com efeito, a principal fonte dos conceitos (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO,1998, p.169).

Os “esquemas verbais” são definidos como um instrumento de transição

entre os esquemas sensório-motor e os esquemas conceituais. Desencadeia-

se no aparecimento das primeiras palavras designadas às significações pela

criança.

Há, em seguida, os “esquemas de ações evocados mentalmente”,

traçando o raciocínio da criança pequena caracterizado por assimilação

irreversível. Ainda não existe uma lógica na procedência de ações.

O termo “esquemas intuitivos” são as formas superiores do pensamento

pré-conceitual, trata-se de raciocínio operatório, mas associado a uma

estrutura perceptiva. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998).

Não obstante, os “esquemas operatórios” são o conceito geral e

abstrato. O termo designa as formas cognitivas mentais como um agrupamento

de dados que implica uma ordenação mental de objetos, seguindo uma

seriação por grandeza ou característica predominante.

Em seguida, Piaget (1945, apud MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO,

1998) menciona a presença dos “esquemas formais”, que estão associados às

transformações das estruturas do nível operatório-formal, exemplificado em

proporcionalidade ou equilíbrio de toda ação e possíveis reações.

Para finalizar, os conceitos de esquema de acordo com a teoria

piagetiana, há o conceito de “esquema ligado a aspectos afetivos” do

comportamento.

As atividades mentais posteriores derivam destes esquemas, que são

abstratos e pertencem a uma natureza reflexa e global que, de acordo com o

desenvolvimento, passam a ocorrer as primeiras diferenciações.

Desde o princípio da vida Piaget (1945, apud MAURICE-NAVILLE;

MONTANGERO, 1998), distinguem-se três aspectos da assimilação:

1) A assimilação reprodutora(exercício). Assim, no bebê, a tendência a repetir a atividade de sucção é tão forte que essa atividade vai se exercer mesmo no vazio. Alguns meses mais tarde, o lactente que acaba de produzir um resultado interessante, como colocar em movimento uma serie de argolas puxando um cordão (reação circular), tende a repetir incansavelmente essa ação. 2) A assimilação recognitiva (discriminação). Se se apresenta um dedo e o mamilo a um recém-nascido, este irá rapidamente rejeitar o dedo em favor do mamilo.

17

3) A assimilação generalizadora ou transpositiva (extensão do esquema a novos objetos). Uma vez adquirido o esquema de sucção do polegar, tudo o que é preensível é levado à boca e sugado. (p.115-116).

Há uma manifestação desses três aspectos da assimilação em todos os

níveis do desenvolvimento. A assimilação reprodutora ocorre quando a criança

aprende a numerar e a atividade será exercida em todas as circunstâncias.

Esse aspecto piagetiano assegura a permanência do conhecido e permite

também a construção de novos esquemas, pois a repetição cria uma

organização de esquemas.

No que diz respeito à assimilação recognitiva, quando a criança

estabelece semelhança entre um objeto e sua finalidade ou diferencia objetos

aparentemente semelhantes, mas com finalidades diferentes, ou seja, ela

reconhece o objeto e é capaz de diferenciá-lo de outro. Pode-se tomar como

exemplo um objeto circular que dá a ideia de que ele rola, ou a capacidade de

diferenciar um objeto quadrado de um triangular, predomina o aspecto

recognitivo. Esse aspecto marca o interacionismo na teoria Piagetiana. A

recognição seleciona os esquemas apropriados a partir das características do

real. Por outro lado, há a suposição de que o novo se refere ao conhecido, sob

forma de reprodução. A assimilação é entendida, portanto, como uma memória.

No que concerne à assimilação generalizadora, os aspectos das

condutas explicativas são assimilados. Assim, a ideia de esquema é expandida

a saberes mais complexos (esquemas do objeto permanente) e posteriormente

às competências do adolescente (esquemas de proporção). Esse aspecto

explica a peculiaridade da atividade cognitiva, que se volta à extensão da área

do conhecimento e permite um rumo à novidade.

A inteligência constrói a noção de objeto permanente pela interação com

o meio, proporcionando assim uma adaptação através de categorias como

espaço, causalidade, seriação e número, categorias, que correspondem a

fatores da realidade. Ao adaptar-se ao meio, a inteligência organiza-se e, ao

organizar-se, estrutura o meio. Quando um bebê adquire o esquema do objeto

permanente, é capaz de acreditar na existência das pessoas e objetos, mesmo

que não esteja no seu campo visual, algo que anteriormente não era possível.

(PIAGET, 1975).

18

A assimilação recíproca é outra forma de assimilação que é distinguida

pela teoria piagetiana. Por volta dos três-quatro meses, a visão e preensão são

assimilados reciprocamente e formam uma atividade englobada. Pode-se

tomar como exemplo, segundo Maurice-Naville; Montangero (1998, p.116),

“Tudo o que é agarrado é olhado e tudo que é visto no campo próximo tem

tendência a ser agarrado”.

A assimilação recíproca intercede com igualdade no estabelecimento de

atos de inteligência. Por exemplo, em torno dos nove meses, há uma

construção de um novo esquema por parte do lactente (agarrar um cabo para

puxar um objeto distante) há a coordenação de dois esquemas, um que serve

de meio para alcançar um fim. Essa assimilação exerce função essencial na

aquisição dos conhecimentos, pois este é concebido como derivado de novas

coordenações. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998).

Sob outra perspectiva, Piaget (1945, apud MAURICE-NAVILLE;

MONTANGERO, 1998) exemplifica o jogo como uma conduta assimiladora na

criança pequena. O que predomina nesta conduta é a satisfação individual.

Depois do 1 ano a criança faz uso de esquemas habituais como sugar o dedo,

deitar, tendo consciência da fantasia. Ao invés de uma acomodação imposta

pelo externo, a criança aguça seus esquemas de assimilação pela satisfação

de formá-lo.

A noção de assimilação coloca o acento na atividade do sujeito no processo de conhecimento. Conhecer é agir sobre a realidade ou dados abstratos e integrá-los às suas próprias estruturas mentais. [...]É necessário assinalar a importância da atividade assimiladora no conhecimento, porque é ela que confere uma significação às coisas. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998, p.117).

A ideia de assimilação está diretamente associada à de acomodação.

Refere-se a pólos opostos, mas complementares da função da adaptação. Não

pode haver acomodação sem assimilação. No que diz respeito à relação do

sujeito com o objeto do conhecimento, a assimilação equivale à ação do sujeito

sobre o objeto, ao passo que a acomodação representa a ação do objeto de

conhecimento sobre o sujeito. Nas obras piagetiana, do primeiro período e

início do segundo, que o termo assimilação encontra-se no coração de seu

sistema explicativo que intitula sua concepção de inteligência como “a teoria da

assimilação”. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998).

19

O termo acomodação aparece nas primeiras obras de Piaget, no final de

1920, esse termo veio substituir o da imitação. Durante o segundo período de

suas obras, o termo adaptação e seus dois pólos complementares exercem

papel fundamental na explicação do desenvolvimento cognitivo.

A assimilação e a acomodação não são forças que se apresentam inteiras à consciência e que fornecem a experiência de um “eu” a de um mundo exterior. Muito pelo contrário: é por uma construção progressiva que as noções do mundo físico e de um eu interior serão elaborados em função uma de outra, e os processos de assimilação e de acomodação apenas são os instrumentos dessa construção, sem que representem jamais o resultado dessa elaboração (DONGO-MONTOYA, 2009, p.43-44).

Quando um novo estímulo não completa outro, surge à necessidade de

acomodação, que representa a criação de novos esquemas ou a modificação

de esquemas já existentes, sendo este processo responsável pelo

desenvolvimento. A junção entre a assimilação e a acomodação explicam o

crescimento e o desenvolvimento das estruturas cognitivas e do conhecimento.

(WADSWORTH, 2003).

A acomodação é fonte de mudança, enquanto que a assimilação assegura a conservação do sistema. [...]Esse processo desempenha um papel restrito na ótica Piagetiana do desenvolvimento cognitivo. [...]Esse papel limitado da acomodação na formação de novos conhecimentos explica-se pelo cuidado que Piaget teve, à época, de opor-se às teorias empiristas: ele evitava atribuir demasiada importância ao meio. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998, p.99-100).

Conforme Piaget (1936, apud MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO,

1998), a acomodação se constitui da ação no meio, na interação do sujeito e

do objeto de conhecimento concebido pela psicologia genética, de acordo com

a relação entre o organismo e o meio. O sujeito submete-se às exigências do

meio, exprimindo a pressão do real, modificando as estruturas existentes.

Sob uma ótica construtivista a Equilibração é o processo que ocorre

entre o desequilíbrio e o equilíbrio. O primeiro se dá quando o indivíduo

apresenta uma defasagem em um dos dois processos, que são fundamentais

para a Adaptação e transformação das estruturas mentais, a assimilação e a

acomodação. O equilíbrio ocorre depois da Equilibração, quando a criança

apresenta uma sintonia entre esses dois processos. Se o indivíduo assimila e

não passa pelo processo de Acomodação, ele permanece com poucos

20

Esquemas e não reconhece diferenças entre a maioria das coisas. E se, pelo

contrário, ele acomoda, mas não assimila, passa a ter muitos esquemas com

poucas informações e não identifica semelhanças. (WADSWORTH, 2003).

De acordo com Piaget (1947, apud MAURICE-NAVILLE;

MONTANGERO, 1998), a equilibração é derivada de duas tendências

essenciais do sistema cognitivo, a de assimilação que atribuí novas

informações a esquemas já existentes e a acomodação, que é a criação de

novos esquemas ou a modificação de esquemas já existentes. Esse processo

não pode ser entendido apenas como um resultado às influências do meio.

Uma teoria construtivista, pelo fato de demonstrar que o desenvolvimento cognitivo não pode ser explicado exclusivamente pela hereditariedade, nem apenas pela influência do meio, deve postular a existência de um processo interno ao sujeito[...] que o incita a transformar suas formas de conhecimento no sentido de uma otimização. [...]A ideia central de Piaget é a que o desenvolvimento é uma “evolução dirigida por necessidades internas de equilíbrio. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998, p.155).

O conceito de equilibração corresponde a associação de aspectos

principais que Piaget enfatiza no conhecimento. O enraizamento biológico,

trata-se de um processo ao ser vivo; e o aspecto de coerência lógica resultante

da superação das contradições. Esse conceito relaciona o ponto de vista

funcional das interações do sujeito e o objeto, já que esse instrumento

transmite às formas de equilíbrio das estruturas mentais. A ideia de

equilibração sustenta a perspectiva Piagetiana predominando no

construtivismo, atribuindo um papel fundamental às atividades do sujeito na

dialética entre o objeto do conhecimento e o sujeito. (MAURICE-NAVILLE;

MONTANGERO, 1998).

Piaget também traz a ideia de abstração reflexionante, que é o processo

construtivo das formas ou estruturas novas, condição do avanço da

assimilação conceitual. É o processo em que o sujeito não retira as

informações dos objetos e ações, o que se chama de abstração empírica, mas

sim das próprias coordenações que o sujeito faz, organizando-os em um

patamar superior. (DONGO-MONTOYA, 1996).

Segundo Dongo-Montoya (1996), a abstração reflexionante comporta

dois aspectos inseparáveis: o reflexionamento e a reflexão. O reflexionamento

age como se fosse um refletor sobre um patamar superior daquilo que foi

21

retirado do patamar inferior como, por exemplo, a ação – patamar inferior ao

patamar superior (apresentação). A reflexão é o ato mental de reconstrução e

reorganização no patamar superior, a partir do foi abstraído do patamar inferior.

Há três tipos de conhecimento o físico, o lógico matemático e o

conhecimento social. Pode-se compreender o desenvolvimento físico como a

decorrência de observações dos objetos da realidade externa. Cita-se, como

exemplo, a cor de um objeto, o peso, o tamanho. O conhecimento social é o

que herda da cultura do contexto social em que se está inserido. Por exemplo,

dizer “alô” ao atender a um telefonema. Esse conhecimento é transmitido pelo

contexto social. O conhecimento lógico-matemático é produto das relações

estabelecidas pelo indivíduo com os objetos. Um exemplo disso acontece ao

observar duas bolas, uma azul e uma vermelha, o sujeito pode notar a forma (o

conhecimento físico) e aprender que chamam “bolas” (conhecimento social).

(TOLEDO, 1997).

O conhecimento físico é o conhecimento dos objetos da realidade externa. A cor e o peso de uma plaqueta são exemplos de propriedades físicas que estão nos objetos na realidade externa e podem ser conhecidas pela observação. O conhecimento de que a plaqueta cairá quando a deixarmos solta no ar é também um exemplo de conhecimento físico. Contudo, quando nos apresentam uma plaqueta vermelha e uma azul, notamos a diferença, esta diferença é um exemplo de pensamento lógico-matemático. (KAMII, 1996, p. 14).

O desenvolvimento da linguagem, portanto vai depender dos três tipos

de conhecimento.

A construção de forma construtivista existe na perspectiva de Piaget,

para qualquer tipo de conhecimento. Segundo Kamii (1991):

[...] os valores morais são aprendidos não por interiorização de elementos externos ao sujeito, mas por uma construção interior desencadeada pela interação do sujeito com o meio ambiente. [...]Elas parecem interiorizar o que lhes foi dito, mas continuam relacionando cada parte e frequentemente constroem um conhecimento diferente daquele que lhes foi ensinado. (p. 18).

Outro aspecto fundamental da teoria de Piaget (1983) é compreender os

fatores que determinam o desenvolvimento: a hereditariedade- a maturação,

interna; a experiência física, a ação dos objetos; a transmissão social e a

equilibração. A hereditariedade e maturação interna desempenham um papel

fundamental no processo de desenvolvimento do indivíduo. Embora a

maturação submete-se essencialmente aos fatores genéticos, a interação com

22

o meio e sua estimulação podem influenciar no processo de maturação do

sujeito. A experiência física é aplicada a ação dos objetos que visa a

desenvolver a motricidade da criança, possibilitando o seu desenvolvimento

intelectual. O desenvolvimento cognitivo dá-se pela transmissão social, que

acontece quando há uma assimilação ativa por parte do indivíduo e, se a

interação do sujeito com o meio for estimulante, resultará no desenvolvimento.

O fator da equilibração já explicado no texto acima é um dos fatores

fundamentais para a estruturação da inteligência.

A aprendizagem, segundo Piaget, não se esgota no conceito de aprendizagem no sentido estrito (experiência física); é necessário alargar esse conceito, introduzindo o processo de equilibração ou condição prévia de toda aprendizagem no sentido estrito, ou seja, a experiência lógico-matemática: constrói-se, assim, o conceito de aprendizagem no sentido amplo (lat. s.) no qual verifica-se a nítida submissão da aprendizagem propriamente dita ao processo de desenvolvimento (BECKER, 1985, p.125).

A importância de definir os períodos de desenvolvimento da inteligência

habita nos fatores da construção do conhecimento do indivíduo. Piaget mostra

que cada fase de desenvolvimento apresenta peculiaridades de crescimento da

maturação e cada nível integra o precedente.

23

CAPÍTULO II

FASES: SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ-OPERATÓRIA.

1 FASES DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Piaget (s/d, apud WADSWORTH, 2003) caracteriza o desenvolvimento

em fases, em que o sujeito constrói seus conhecimentos sendo elas: sensório-

motora, pré-operatória, operatória e formal. Cada fase tem suas peculiaridades

e serão expostas no decorrer do trabalho, centrando-se nas duas primeiras

fases, que estão ligadas à investigação do trabalho.

Conforme Piaget (1983), o desenvolvimento da criança é um processo

temporal que opera no campo psicológico e no biológico, que supõe uma

duração, mas que estão interligados tanto ao que o sujeito aprende por

transmissão social que leva em consideração aos fatores externos, quanto aos

fatores internos que o sujeito organiza. A cada estágio o sujeito reorganiza

etapas sucessivas que possuem uma ordem fixa. Conforme a teoria piagetiana,

para atingir um estágio é preciso que o sujeito tenha passado por démarches

preliminares.

1.1. Inteligência sensório-motora.

O primeiro estágio vai do nascimento até, aproximadamente, aos 18 a

24 meses mais ou menos, é intitulado de inteligência sensório-motora, também

chamada de fase da inteligência prática.

Devido à ausência de linguagem e de função simbólica, as construções

baseiam-se apenas em percepções e movimentos, sem a interferência da

representação e do pensamento, ou seja, as ações são geradas por

coordenações motoras.

Sejam quais forem os critérios de inteligência que se adotarem (tacteio dirigido, segundo Claparède, compreensão súbita ou insight, segundo W. Köhler ou K. Bühler, coordenação dos meios e dos fins etc.), toda a gente admite a existência de uma inteligência antes da linguagem. (INHELDER; PIAGET, 2003, p. 12).

24

Segundo Inhelder; Piaget (2003) se existe uma inteligência sensório-

motora, é difícil precisar o seu aparecimento. É certo que há uma sucessão

contínua de estágios, em que cada um assinala um novo processo parcial,

quando esses chegam a indicar características de inteligência, os psicólogos

as consideram como tal.

Trata-se por isso, de uma inteligência prática, em que os resultados

tendem a ser favoráveis, mas ainda permite resolver problemas, como alcançar

objetos afastados e/ou escondidos. Num ato de inteligência, busca-se um fim

pré-estabelecido, através de meios apropriados, que serão ministrados com

esquemas já conhecidos.

Ao nascer, a criança demonstra comportamentos reflexos simples. O

desenvolvimento da linguagem está associado ao desenvolvimento do Estágio

Sensório-Motor. Piaget (1981, apud WADSWORTH, 2003) dividiu esse estágio

em seis períodos.

1.2 Sub etapas do estágio sensório-motor.

Inicia com exercícios reflexos, estendendo-se a reações circulares,

primárias, secundárias e terciárias. Pode-se conceber:

[...] reação circular certamente, como uma síntese ativa da assimilação e da acomodação. É assimilação na medida em que constitui um exercício funcional que prolonga a assimilação reflexa [...]. Mas a reação circular é também acomodação na medida em que realiza uma nova coordenação, não dada no mecanismo reflexo hereditário. (PIAGET, 1975, p 69).

1° estágio exercício dos reflexos: dos mecanismos hereditários, a criança

apresenta as primeiras tendências instintivas e as primeiras emoções;

2° circulares primárias: desenvolvimento da coordenação mão-boca,

coordenação de visão, coordenação visão-audição;

3° circulares secundários (4 a 8 meses): uma criança pega e manipula os

objetos que ela pode alcançar, demonstrando coordenação entre a visão e o

tato;

4° coordenação de esquemas secundários (8 a 12 meses): o bebê começa a

fazer uso de meios para alcançar fins;

25

5° circulares terciários (12 a 18 meses): a criança desenvolve novos meios

para alcançar fins através da experimentação e não da aplicação de esquemas

habituais. Começa a formar novos esquemas para resolver problemas novos e

6° invenção de novos meios (18 a 24 meses): representação – a criança passa

de uma inteligência sensório-motora para uma inteligência representacional.

(PIAGET, 1975).

1.2.1. A primeira fase: o exercício dos reflexos (do nascimento até

aproximadamente 1 mês e meio de vida).

Segundo Goulard (2001), o crescimento psíquico é comparável ao

crescimento orgânico. Os comportamentos observados nas primeiras semanas

de vida do indivíduo são de enorme complexidade, envolvendo reflexos do

sistema nervoso central de muitas ordens diferentes, afetando as camadas

óticas, bulbo, medula e o próprio córtex.

Wallon (s/d, apud PIAGET, 1975) assinalou a importância de um

conjunto de reações posturais para o começo da evolução mental, quando

existem reações instrutivas e emocionais, necessitando assim, da participação

dos estudos dos processos endócrinos para a organização desses

mecanismos.

Para Piaget (1975), o problema psicológico se inicia quando os reflexos

e as posturas param de ser apenas interiorizados e passam a relacionar-se

com o meio exterior. Entre as reações primárias, os reflexos de sucção e

preensão, gritos e fonações, gestos e atitudes dos braços, cabeça e tronco,

são fundamentais. Desde o nascimento, as atividades primitivas vêm dando

lugares umas às outras, sendo que as manifestações sucessivas de um

reflexo, constituem um desenvolvimento natural, numa evolução propriamente

orgânica.

Os processos de adaptação e acomodação são fundamentais desde o

nascimento, mesmo que o reflexo de sucção seja um mecanismo fisiológico

hereditário. São necessários alguns exercícios, para que haja a adaptação e

para que essa reação hereditária passe a ter um funcionamento útil, como a

deglutinação. É preciso repetir esses exercícios até que a ação seja

26

acomodada, pois o contato com o objeto modifica a atividade do reflexo. O

meio exterior não é fundamental apenas para desenvolver os reflexos, mas

também, para coordená-los.

A acomodação consiste, neste momento, em continuar a buscar o êxito.

Inicialmente, ao estabelecer contato com uma área qualquer do seio, resulta

em uma tentativa momentânea de sucção, seguida de uma busca desordenada

ou pranto. Após a repetição desse reflexo, o mesmo contato resulta em

exploração, quando as tentativas encaminham a criança ao seu objetivo.

A repetição é apenas um aspecto de um processo mais geral,

denominado assimilação, em que a tendência de reproduzir o reflexo se aplica

a todo e qualquer objeto suscetível. Essa assimilação apresenta dois

fenômenos distintos e significativos, o primeiro se intitula “assimilação

generalizadora”, quando o recém-nascido incorpora objetos variados (dedos,

travesseiro, cobertor) ao esquema global da sucção de forma inconsciente.

Essas primeiras assimilações relativas à sucção não são apenas

confusões que desaparecerão, são o início de assimilações cada vez mais

complexas.

O segundo fenômeno pode ser chamado de “assimilação recognitiva”, e

aparenta ser contraditório ao primeiro, ao apresentar que quando o mamilo é

distinguido em relação ao resto do seio, o bebê descobre um complexo

sensório-motor e postural específico (sucção e deglutinação), e isso gera uma

“assimilação” do conjunto, passando a uma discriminação mais completa e

atual.

A adaptação progressiva dos esquemas reflexos pressupõe, portanto, a organização dos mesmos. [...] Não só o arco reflexo supõe como tal uma organização, mas, no animal não-sujeito às operações de laboratório, todo o sistema de reflexos constitui por si mesmo uma totalidade_organizada. (PIAGET, 1975, p.47).

Segundo Grahan Brown (s/d, apud PIAGET, 1975), o reflexo simples

deve ser considerado um produto de diferenciação. Do ponto de vista

psicológico, o reflexo pode ser representado como uma soma de movimentos a

que se junta uma sucessão de estados de consciência justapostos.

Em relação às significações, os atos de sucção se diferenciam para o

recém-nascido, conforme apresentam fome, procuram chupar para se acalmar,

27

ou por mero jogo. A calma que surge quando é colocado em posição de mamar

e procura o mamilo, demonstra que se a criança tem consciência, o que pode

ser uma consciência de significação.

As funções de acomodação, assimilação e organização vão ser

reencontrados em fases posteriores e irão adquirir uma importância

progressiva. Quanto mais as estruturas intelectuais se desenvolverem e se

complicarem, mais esse núcleo continuará essencial.

1.2.2. A segunda fase: as primeiras adaptações adquiridas e a reação circular

primária. (Vai de aproximadamente 1 mês e meio até 4 meses).

As adaptações hereditárias somam-se com as não inatas, integrando-se

progressivamente nas funções corticais. Essas novas adaptações passam a se

chamar “associações adquiridas”.

Como limite inferior dessa segunda fase, podem-se fixar as primeiras

adaptações não hereditárias e, como superior, os movimentos intencionais. É

realmente difícil identificar quando ocorre a transição da adaptação hereditária

para a adaptação adquirida. Para diferenciação, adota-se o critério em que

toda adaptação hereditária é aquela que não apresenta nenhuma

aprendizagem além de seu exercício, e a adaptação adquirida implica

resultados completamente relativos às informações do meio externo.

A acomodação de um esquema hereditário, abordada na primeira fase,

caracteriza-se pela fixação de mecanismos. Em determinado momento, a

criança passa a reter informações do meio, que se transformam a partir das

experiências. Quando isso ocorre, a acomodação passa a ser adquirida.

Quando a criança chupa sistematicamente o polegar, já não ao acaso dos encontros, mas agora por coordenação entre a mão e a boca, pode-se falar de acomodação adquirida: os reflexos da boca e da mão não prevêem hereditariamente tal coordenação (não existe um instinto de chupar o dedo!) e só a experiência explica a sua formação. (PIAGET, 1975, p.57)

A assimilação própria do reflexo, na primeira fase, caracteriza-se por um

processo de repetição. O resultado procurado permanece o mesmo, a

mudança obtida na segunda fase está em relação à repetição, que vai ser

orientada através dos resultados obtidos. Quanto mais variados os novos

resultados, mais ressaltada fica a importância da assimilação.

28

A protrusão da língua e a sucção dos dedos constituem as duas

primeiras reações circulares devido à aquisição de dados do meio externo.

Ressalta-se que essas não são ações exigidas pelo meio, mas de descobertas

e criações realizadas pela própria criança.

Convém recordar aqui as interessantes observações devidas a duas colaboradoras da Sr.ªBühler, as Sr.ª Hetzer e Ripin, sobre o adestramento do lactente em função das circunstâncias da refeição (Ernährungssituation). Segundo esses autores, distinguem-se três fases no comportamento da criança. O primeiro caracteriza-se a primeira semana: o bebê só procura chupar quando os seus lábios estão em contato com o seio ou a mamadeira. [...] A segunda fase, estende-se da segunda à oitava ou nona semana: o bebê empenha-se em procurar o seio, assim que se acha nas posições que precedem regularmente a refeição. [...] A terceira fase, finalmente, começa entre 0;3 e 0;4 e reconhece-se pela intervenção dos sinais visuais: basta que a criança se aperceba da mamadeira ou dos objetos que lhe recordem a refeição para que abra a boca e grite. (PIAGET, 1975, p.64).

Piaget (1975) destaca que as duas últimas fases pertencem às

associações adquiridas, mas por diferentes motivos. A segunda fase parece

constituir uma associação passiva, ou seja, motivadas pelo meio, e não pela

reação circular ativa. A terceira fase é uma questão mais complexa que

envolve a sucção e a visão:

A partir do terceiro e quarto meses, segundo Hetzere Ripin, observa-se, de fato, que a criança se apresta para comer assim que enxerga a mamadeira ou qualquer outro objeto associado ao alimento. Portanto, não existe, em tal comportamento, uma simples associação mais ou menos passiva entre um sinal e um ato, mas pode-se falar de reconhecimento de um quadro externo e de significados atribuídos a esse quadro. (PIAGET, 1975, p.67).

Pode-se dizer que esses comportamentos são superiores aos anteriores.

Inicialmente, prolongam-se os exercícios reflexos de forma ativa; depois o meio

externo e o sujeito levam a um aumento da passividade nas acomodações; e,

por fim, quando já existem registros visuais, esses comportamentos se

complicam devido às coordenações de esquemas dissimilares.

A ausência de intencionalidade e mobilidade não permitem que tais

comportamentos sejam classificados como condutas inteligentes, mas ainda

assim, eles representam a transição entre o orgânico e o intelectual.

1.2.3. A terceira fase: as reações circulares secundárias. (4 a 8 meses).

29

Um simples reflexo se torna uma inteligência mais sistemática a partir de

um funcionamento regular e contínuo entre estruturas, que vão se tornando

cada vez mais complexas. Inicialmente, essas estruturas consistiam apenas na

reprodução de ações, agora, passam a fazer parte de uma organização móvel,

em que o sujeito pode dissociar, reagrupar e atribuir finalidades independentes

para cada sugestão do meio.

Os simples exercícios dos reflexos são ultrapassados pela reação

circular, que constituem os primeiros hábitos das crianças, devido à

complicação progressiva dos esquemas que levam à uma renovação dos

próprios atos por uma incessante assimilação reprodutora e generalizadora.

Este processo tem uma extensão ilimitada. Inicialmente, o sujeito, aplicá-lo-á

ao seu corpo, depois se adapta aos imprevistos do meio exterior, e após

surgirá a possibilidade de recomposição e decomposição desses mesmos

esquemas, que levarão à uma dissociação dos elementos de meio e fim.

É essa distinção entre meios e fins que liberta a intencionalidade e inverte, assim, a direção do ato: em vez de estar voltado para o passado, isto é, para a repetição, o ato orienta-se doravante para as novas combinações e para a invenção, propriamente dita. (PIAGET, 1975, p.152).

O aparecimento das reações secundárias é notável devido à transição

da criança, que, após reproduzir os resultados interessantes que descobriu em

seu próprio corpo, passa a conservar as ações que incidiram sobre o meio

externo. Essas reações consistem apenas em reproduzir os resultados

interessantes adquiridos em relação ao meio exterior, sem que a criança

dissocie ou reagrupe esquemas obtidos a partir deles.

1.2.4. A quarta fase: a coordenação dos esquemas secundários: (8 a 12

meses).

O aparecimento das primeiras condutas inteligentes é caracterizado por

transformações solidárias referentes à elaboração de objetos, grupos espaciais

e séries causais e temporais.

O ato inteligente é constituído, quando a criança passa a distinguir os

meios e os fins e a coordenar dois ou mais esquemas de forma simultânea e

30

intencional. À medida que isso acontece, ela se torna capaz de procurar por

objetos desaparecidos, passa a perceber a relação do objeto com as coisas e

não apenas com suas ações.

Paralelamente à essa percepção da relação dos objetos, caminha-se à

elaboração correlativa do campo espacial. É quando a criança deixa de

perceber o espaço em sua função e passa a situar-se num universo

independente dela.

Ao mesmo tempo, ocorrem transformações no domínio do tempo e da

causalidade. As séries temporais passam a ser ordenadas, não mais em

função do sujeito, mas, agora, em função de suas sucessões; e o sujeito passa

a ver qualquer objeto como fonte de atividade, porque começa a perceber que

existe um contato espacial entre o efeito e a causa.

1.2.5. A quinta fase: a reação circular terciária. (12 a 18 meses).

A reação terciária deriva diretamente da secundária. A diferença é que,

na fase anterior, os esquemas existentes eram modificados e adaptados e, na

fase atual, esquemas novos começam a ser criados através de experimentos e

da busca por novidades.

Nesta fase, a criança, verdadeiramente, adapta-se às novas situações,

não só utilizando os esquemas adquiridos e adaptados anteriormente, mas

também procurando e descobrindo novos meios.

A coordenação dos esquemas faz-se acompanhar doravante da acomodação intencional e diferenciada às novas circunstâncias, podendo-se afirmar que o mecanismo da inteligência empírica está definitivamente constituído: a criança é capaz de resolver, doravante, os novos problemas que se lhe deparam, mesmo que nenhum esquema adquirido seja diretamente utilizável para esse efeito; e embora a solução desses problemas não seja ainda encontrada por dedução ou representação, está, em todo caso, assegurada em princípio, graças ao jogo combinado da busca experimental e da coordenação dos esquemas. (PIAGET, 1975, p. 250-251).

Essa acomodação às coisas, somada à coordenação dos esquemas já

adquiridos, destacam definitivamente o objeto da atividade do sujeito, e o

insere no meio, em grupos espaciais correspondentes e em séries causais e

temporais independentes do eu.

31

1.2.6. A sexta fase: a invenção de novos meios por combinação mental. (18 a

24 meses).

Basicamente, as novas condutas se sobrepõem às antigas. Mas,

segundo Piaget (1975, p.311), “os fatos permanecem de tal modo

entremisturados e a sua sucessão pode ser tão rápida que seria perigoso

separar demais essas fases”. Nesta sexta fase, esses comportamentos

anteriores serão completados pela invenção por dedução ou combinação

mental, e as novas condutas, são características da inteligência sistemática.

Esta fase é controlada pela consciência das relações, que permite uma

premeditação e invenção diante das combinações mentais.

Com a reação circular secundária, estamos em plena aquisição: os novos esquemas constroem-se por assimilação reprodutora e acomodação combinadas. Com a aplicação dos meios conhecidos às novas situações, esses mesmos esquemas dão lugar a aplicações originais (por assimilação generalizadora), sem que tenha havido aí uma aquisição propriamente dita. Com a reação circular terciária e a descoberta de novos meios por aprendizagem, estamos uma vez mais em período de aquisição, mas, nesse caso, a própria complexidade da aquisição implica uma intervenção constante de tudo o que foi anteriormente adquirido. (PIAGET, 1975, p. 312).

Nesta fase, a invenção se dá através de combinação mental de

esquemas preexistentes e de aquisições a partir de combinações originais, e

que, a partir de deduções, a criança passa a aplicar meios conhecidos à

situações novas.

1.3. A construção do real.

A inteligência sensório-motora organiza o real construindo as grandes

categorias da ação que são os esquemas do objeto permanente, do espaço, do

tempo e da causalidade (INHELDER; PIAGET, 2003).

A primeira categoria a ser formada é a do objeto permanente.

Inicialmente, o mundo é, para a criança, feito de quadros móveis e

inconscientes, que aparecem e desaparecem. Entre 5 e 6 meses, ela põe-se a

chorar se um objeto que almejava for retirado de seu campo de visão, como se

ele tivesse deixado de existir, talvez ela comece a perceber que o objeto ainda

existe, mesmo fora do seu campo de visão, mas ainda assim não é capaz de

32

procurá-lo. Entre 9-10 meses, o objeto passa a ser procurado a partir de suas

deslocações.

Inicialmente, os objetos e os acontecimentos não estão englobados em

um espaço único e nem obedecem a uma ordem temporal. Segundo Inhelder;

Piaget (2003), os espaços existentes são heterogêneos e estão relacionados

ao corpo (boca, tato, visão, audição e postura), as impressões temporais

existem, mas sem coordenação objetiva. Ao decorrer do tempo, esses espaços

passam a se coordenar e continuam parciais até que o esquema do objeto

permanente seja construído.

O sistema dos objetos permanentes e de seus deslocamentos [...] não pode dissociar-se de uma estruturação causal, pois o próprio do objeto é ser origem, sede ou resultado de ações diversas, cujas ligações constituem a categoria da causalidade. (INHELDER; PIAGET, 2003, p. 22).

A princípio, a causalidade ignora as ações espaciais e temporais, por

ainda estar centrada nas ações próprias do indivíduo. Nesse estágio, ela pode

ser nomeada por mágico-fenomenista, pelo fato de qualquer coisa poder

produzir qualquer coisa e estar ligada à ação do sujeito, sem observar qualquer

consideração espacial.

A começar pelas estruturas espacio-temporais, verifica-se que, no princípio, não existe espaço único, nem ordem temporal que englobe os objetos e acontecimentos como os continentes englobam conteúdos. Existe apenas um conjunto de espaços heterogêneos, todos centrados no próprio corpo: espaço bucal, táctil, visual, auditivo, de postura e certas impressões temporais, mas sem coordenações objetivas. Esses espaços coordenam-se em seguida, progressivamente (bucal e táctil-cinestésico) mais tais coordenações continuam parciais por muito tempo, enquanto a construção do esquema do objeto permanente não conduz à distinção fundamental. (INHELDER; PIAGET, 2003, p.21).

Acompanhando o desenvolvimento da inteligência sensório-motora, e a

constituição dos objetos permanentes, quando aparecem noções de

organização de espaço e tempo, a causalidade é objetiva e espacial, deixando

de depender somente da ação própria do sujeito.

2. ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO

33

O Estágio Pré-Operatório é marcado por aquisições simbólicas. A

capacidade de representações é a característica principal desse estágio.

Neste estágio, aparece um conjunto de condutas, as de forma

simultânea ou não, que trazem uma evocação representativa de um objeto ou

acontecimento ausente: a imitação diferida, o jogo simbólico, o desenho, a

imagem mental e a evocação verbal- linguagem falada.

A Imitação Diferida retrata o início da representação, em que, no início, a

criança imita na presença do modelo, mas depois pode repetir o gesto na

ausência do mesmo. Segundo Inhelder; Piaget (2003), a imitação é uma

prefiguração da representação, em que se utiliza, ainda, meios materiais, e não

o pensamento.

O Jogo Simbólico é uma das representações significativas desse

estágio, um jogo de ficção, em que há uma simulação e reprodução

significativa da própria ação. Inhelder e Piaget (2003, p.57) o definem como

“assimilação assegurada por uma linguagem simbólica construída pelo eu e

modificável à medida das necessidades”.

O Desenho surge por volta dos dois anos, reforçando a passagem da

representação em ato à representação-pensamento.

O desenho é uma forma de função semiótica que se inscreve a meio caminho entre o jogo simbólico, cujo mesmo prazer funcional e cuja mesma autotelia apresenta, e a imagem mental, com a qual partilha o esforço de imitação do real. Luquet faz do desenho um jogo, mas acontece que, mesmo em suas formas iniciais, ele não assimila qualquer coisa a qualquer coisa e permanece, como a imagem mental, mais próximo da acomodação imitativa. Com efeito, constitui ora uma preparação, ora uma resultante desta última e, entre a imagem gráfica e a imagem interior (o “modelo interno” de Luquet) existem inumeráveis interações, pois as duas derivam diretamente da imitação. (INHELDER; PIAGET, 2003, p. 61).

As Imagens Mentais aparecem em seguida e resultam de uma imitação

interiorizada. São estáticas e há uma dificuldade sistemática de reproduzir

movimentos. As imagens mentais se constituem de um sistema de símbolos

que traduzem o nível de compreensão pré-operatória das crianças.

(INHELDER; PIAGET, 2003)

A Evocação Verbal é percebida, quando a criança reproduz algum som

na ausência do modelo e, um tempo depois, fala algumas palavras que não

34

existem, mas que contam com sinais da língua em aprendizagem

acompanhadas de gestos e/ou imagens mentais.

[...] Enquanto a inteligência sensório-motora procede por ações sucessivas e graduais, o pensamento chega, mercê pincipalmente da linguagem, as representações simultâneas de conjunto. [...]Progressos do pensamento representativo em relação aos esquemas sensórios motores são, na realidade, devidos a função semiótica em conjunto: é ela que destaca o pensamento da ação e cria, portanto, de algum modo, a representação. Cumpre, reconhecer que, nesse processo formativo, a linguagem desempenha papel particularmente importante, pois[...]a linguagem já está toda elaborada socialmente. (PIAGET, 1970, p.364).

A última forma de representação é a Linguagem falada, tendo o início

aos dois anos aproximadamente. Começa a emitir palavras empregando-as

como símbolos. (INHELDER; PIAGET, 2003).

Segundo Piaget (1970), a inteligência da criança sucede por suas ações

anteriores. É quando a acomodação diferencia-se da assimilação dos novos

conhecimentos aos esquemas e desenvolve-se até alcançar um nível no qual a

acomodação torna-se única e recíproca assimilação. O conhecimento é

gradualmente construído através das interações do sujeito com o meio e suas

aprendizagens reconstituem um conhecimento que o precede. Ou seja, todos

os ganhos conquistados no período pré-operatório só foram possíveis porque a

criança agiu sobre o meio, no período anterior, o sensório-motor.

Neste período pré-operatório, está muito presente o pensamento

egocêntrico, sendo que a criança ainda é incapaz de descentrar-se. Segundo

Piaget (1983), a criança, em sua ação primitiva, tende a atrair tudo para o seu

corpo, como se fosse o centro do mundo, embora inconscientemente; essa

ação exibe indiferenciação entre subjetivo e objetivo.

[...] implica a noção de centração e descentração, isto é, a capacidade da criança de considerar a realidade externa e os objetos como diferentes de si mesma e de um ponto de vista diverso do seu. O egocentrismo na linguagem infantil implica a ausência da necessidade, por parte da criança, de explicar aquilo que diz, por ter certeza de estar sendo compreendida. [...] Os desejos, as motivações e todas as características conscientes são atribuídas às coisas (animismo). A criança pensa por exemplo que o cão late porque está com saudades da mãe. Por outro lado, para as crianças até os sete ou cinco anos de idade, os processos psicológicos internos têm realidade física: ela acha que os pensamentos estão na boca ou os sonhos estão no quarto. Dessa confusão entre o real e o irreal surge a explicação artificialista, segundo a qual, se as coisas existem é porque alguém as fez. (PIAGET, s/n, 1983).

35

Segundo Piaget (1983, s/n) “a construção do mundo objetivo e a

elaboração do raciocínio lógico consistem na redução gradual do

egocentrismo”.

O egocentrismo infantil é visto como um obstáculo em dois momentos: quando a criança está junto de seus pares ou junto do adulto. Quando as crianças estão com seus pares estariam ligadas ao imediatismo e “as representações do mundo e a causalidade física parecerão desprovidas de qualquer interesse para a criança”. Já, na companhia do adulto, as perguntas podem não representar suas próprias explicações “porque, sendo suas, essas explicações lhes parecem as mais naturais e mesmo as únicas possíveis. (PIAGET, 2005, p. 13).

No que se refere à questão da moralidade, a criança se encontra na fase

heterônoma, que pode ser vista na subordinação, na dependência cega, na

conformidade.

Vale dizer que a criança desta fase não concebe tais regras como um contrato firmado entre jogadores, mas sim como algo sagrado e imutável[...]A criança heterônoma não assimilou ainda o sentido da existência de regras: não as concebe como necessárias para regular e harmonizar as ações de um grupo de jogadores e por isso não as segue à risca, e justamente por não as conceber desta forma, atribui-lhes uma origem totalmente estranha à atividade e aos membros do grupo e um imutabilidade definitiva que faz as regras assemelharem-se a leis físicas.(LA TAILLE, 1992, p.50).

O sujeito heterônomo é passivo, deixa-se ser governado pelo outro,

segue as regras impostas cegamente, sem questioná-las. (KAMII,1991).

A heteronomia pode ser vista no exemplo de uma criança de sete anos de idade que disse “não” para a pergunta: “Seria ruim dizer mentiras se você não for punido? ”[...]Piaget afirma que a moralidade da heteronomia é mantida por sanções. [...] A coerção ou a ameaça de punição é a ferramenta mais comumente usada pelos adultos para fazer as crianças obedecerem. ( KAMII,1991, p.20-21).

Todas as crianças passam pela moralidade da heteronomia, na medida

em que crescem, algumas se tornam autônomas. Segundo La Taille (1992,

p.60), “Na heteronomia, o dever determina o bem [...] na autonomia, o bem

determina o dever. Para Piaget, somente as relações de cooperação

possibilitam tal evolução”. Segundo Piaget (1932, apud KAMII, 1991), a

cooperação com o outro possibilita o desenvolvimento da moralidade da

autonomia. O termo cooperação significa, para Piaget, “co-operar”, operar junto

para resolver uma situação adequada a todos.

36

A cooperação pode gerar conflitos e brigas entre os indivíduos. Quando

há a descentração do pensamento para a resolução dos conflitos, ou seja,

quando a criança enxerga um ponto de vista que se difere ao seu, está tendo a

oportunidade de construir sua autonomia por meio das regras.

[...] a lógica da criança não poderia se desenvolver sem a interação social porque é nas situações interpessoais que a criança se sente obrigada a ser coerente. Enquanto ela estiver sozinha, poderá dizer o que quiser pelo prazer do momento. É quando está com os outros que ela sente a necessidade de ser coerente a todo momento e pensar naquilo que vai dizer para ser compreendida e para as pessoas acreditarem no que diz. Uma vez que o pensamento lógico não pode ser ensinado diretamente, especialmente para crianças no estágio pré-operacional, a interação social tem o efeito poderoso de obrigar a criança a ser lógica. (KAMII, 1991, p.25).

As interações com o outro são indispensáveis para a construção da

moral da criança, pois essa relação auxilia no desenvolvimento dos valores

morais e a perspectiva de uma criança é mais similar à de outra criança que a

de um adulto.

3. OPERATÓRIO CONCRETO.

A construção da capacidade de reversibilidade do pensamento marca o

início do período das operações concretas. A criança torna-se apta a realizar

operações, ações mentais. Notam-se pelas observações, mudanças nas

condutas do sujeito. Segundo Piaget (1986), o indivíduo:

[...] torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros, dissociando-os mesmo para coordená-los. [...] As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente no da ação material (p.43).

Neste período, são construídas pelo indivíduo as operações lógicas de

seriação, classificação, conceito de número. De acordo com Inhelder, Bovet e

Sinclair (1977), as experiências mostram que elas independem da

aprendizagem stricto sensu, embora se beneficiem dessas aprendizagens.

As operações são coordenadas em conjuntos, nunca se apresentam

isoladas, e não são próprias de um ou outro indivíduo, mas comum a todos os

37

sujeitos que estejam no mesmo nível mental. Essas operações consistem em

processos reversíveis, quando podem, também, ocorrer inversões.

As operações em jogo nesse gênero de problemas podem chamar-se “concretas” no sentido de que se baseiam diretamente nos objetos e não ainda nas hipóteses enunciadas verbalmente, como será o caso das operações proposicionais. [...] As operações concretas estabelecem, portanto, muito bem a transição entre ação e as estruturas lógicas mais gerais, que implicam uma combinatória e uma estrutura de “grupo” a coordenarem as duas formas possíveis de reversibilidade. (INHELDER; PIAGET, 2003, p. 91).

Um outro aspecto fundamental deste período refere-se ao surgimento da

capacidade do sujeito de interiorizar as ações. Inicialmente, o indivíduo realiza

as operações mentalmente e não mais por meio de ações físicas predominante

da inteligência sensório-motor. A criança é capaz de responder corretamente

mediante uma situação-problema.

Não obstante, apesar de o sujeito raciocinar de maneira lógica, as ações

mentais referem-se, neste período, a situações capazes de serem trabalhadas

de forma prática. Também, de acordo com La Taille (1992,p.17), se, no período

pré-operatório, a criança ainda não desenvolveu a capacidade de

reversibilidade, "a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o

estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos (por exemplo,

a ausência de conservação da quantidade quando se transvaza o conteúdo de

um copo A para outro B, de diâmetro menor)", o conceito de reversibilidade

será desenvolvido no decorrer dos períodos operatório concreto e formal do

desenvolvimento infantil.

4 OPERATÓRIO FORMAL.

Segundo Wadsworth (2003), é no período Operatório Formal que o

indivíduo atinge o nível mais elevado do desenvolvimento com as estruturas

cognitivas. A representação permite à criança uma abstração total. Ela torna-se

apta a formular hipóteses, buscar resolução de situações-problema, é capaz de

aplicar o raciocínio lógico nas diversas experiências.

Na passagem do período operatório concreto para o operatório formal,

há uma troca nas relações entre o real e o possível.

38

[...]num estado de equilíbrio físico, só o real é eficiente, enquanto que o possível permanece relativo ao espírito do físico que deduz esse real; num estado de equilíbrio mental, ao contrário, não são somente as operações realmente executadas que desempenham um papel na sucessão dos atos do pensamento, mas também o conjunto das operações possíveis, na medida em que orientam a pesquisa para o fechamento dedutivo, pois nesse caso é o sujeito que deduz e as operações possíveis fazem parte do mesmo sistema dedutivo que as operações reais realizadas por esse sujeito. (INHELDER; PIAGET, 1955, p. 199).

No período operatório concreto, o real é quem define as possibilidades.

O período operatório formal permite determinar relações entre diferentes

teorias. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998).

Surge, por volta dos 11-12 anos, uma série de esquemas operatórios novos, cuja formação, mais ou menos síncrona, parece indicar a existência de uma ligação entre eles, mas cujo parentesco estrutural não percebe quem se coloca do ponto de vista da consciência do sujeito: tais são as noções de proporções, os sistemas duplos de referências, a compreensão de um equilíbrio hidrostático, certas formas de probabilidade etc. (INHELDER; PIAGET, 2003, p. 125)

Claramente, o sujeito, não apresenta consciência da existência da

estrutura em si, porém, ao analisar os novos esquemas, Inhelder; Piaget

(2003), compreendem-nos como um sistema de quatro transformações, como

citado acima: as proporções, sistemas duplos de referência, equilíbrio

hidrostático e as noções probabilistas.

As proporções começam em forma qualitativa e lógica antes de se

estruturarem quantitativamente, da mesma forma que os sistemas duplos de

referência. O equilíbrio hidrostático pode ser explicado por:

Numa prensa hidráulica em forma de U, coloca-se, num dos braços, um pistão, cujo peso se pode aumentar ou diminuir, modificando o nível do líquido no outro braço; pode-se por outro lado, modificar o peso específico do líquido (álcool, água ou glicerina) que subirá tanto mais quantos menos pesado for. O problema, aqui, é de compreender que o peso do líquido age em sentido contrário ao do pistão, como reação oposta à sua ação. É interessante notar que até cerca de 9-10 anos essa reação ou resistência do líquido não é compreendida como tal, mas o peso do líquido é concebido como se fosse acrescentado ao do pistão e agisse no mesmo sentido. (INHELDER; PIAGET, 2003, p. 128).

As noções probabilistas é um conjunto fundamental de esquemas

proporcionado nesse período.

Com efeito, para julgar, por exemplo, da probabilidade de pares e trios tirados à sorte numa urna que encerra 15 bolas vermelhas, 10

39

azuis, 8 verdes etc., é preciso ser capaz de operações, duas das quais, pelo menos, são próprias do presente nível: uma combinatória, que permite tomar em consideração todas as associações possíveis entre os elementos em jogo; e um cálculo de proporções, por mais elementar que seja, que permite compreender (o que escapa aos sujeitos dos níveis precedentes) que probabilidades como 3/9 ou 2/6 etc., são iguais entre si. (INHELDER; PIAGET,2003, p.128).

Essas operações formais estão ligadas a uma manipulação precisa e

móvel da linguagem, pois é a partir das combinações verbais que se torna

possível formular hipóteses e manipular proposições.

40

CAPÍTULO III

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

1 LINHA HISTÓRICA DOS ESTUDOS DE PIAGET SOBRE A LINGUAGEM 1.1. Primeiro período da teoria de Piaget.

Sua pesquisa realizada na década de 20 consistiu em explicar como o

pensamento e a linguagem se construíam no indivíduo e quais fatores seriam

imprescindíveis para este desenvolvimento. O indivíduo estaria em constante

construção de sua linguagem, de modo particular dentro de uma comunidade

de falantes.

O conhecimento transmitido pelo meio externo era interiorizado de modo

idiossincrático. (DONGO-MONTOYA,2006).

As crianças têm ritmos próprios e a conquista de suas capacidades linguísticas se dá em tempos diferenciados, sendo que a condição de falar com fluência, de produzir frases completas e inteiras provém da participação em atos de linguagem. (BRASIL, 1998, p.117).

Segundo Dongo-Montoya (2006), o problema encontrado em sua

pesquisa fundamentou em identificar como ocorre a organização das novas

formas de ação interiorizadas nas formas anteriores e como os fatores

endógenos (internos) e exógenos (externos) estão associados nesse processo.

De acordo com o estudioso, não há uma perda dos conhecimentos já

assimilados no nível anterior da inteligência sensório-motora, há um

prolongamento com reconstrução, que serão incorporados num processo

maior, desencadeando novas descobertas, novas diferenciações estruturais e

novas relações com o meio físico e social.

No que concerne à concepção de linguagem e pensamento, nessa

época, 1920, atribui-se a um fator social. Acontece uma descentralização do

pensamento da criança, através das trocas interindividuais. Há um pensamento

egocêntrico que evolui para um pensamento lógico ou socializado. O

pensamento egocêntrico que se manifesta nos níveis da linguagem, do

julgamento moral, do raciocínio é descentralizado, quando ocorre o choque do

pensamento do indivíduo com o pensamento dos outros. O pensamento

41

socializado encontra-se associado à linguagem socializada, ou seja, está

intrinsicamente ligado à linguagem e ao uso dos conceitos compartilhados por

todos os indivíduos do grupo, que possui uma estrutura lógica. Piaget outorga

importância a esse processo das relações entre os indivíduos.

O que se propõe a epistemologia genética é pois pôr a descoberto as raízes das diversas variedades de conhecimento, desde as suas formas mais elementares e seguir sua evolução até os níveis seguintes, até, inclusive, o pensamento científico. (PIAGET; p.8, 1971).

Segundo Dongo-Montoya (2011), a linguagem é conceituada como a

capacidade do indivíduo de comunicar-se com o outro fundamentando essa

comunicação em símbolos e signos. Essa capacidade é alcançada pela

atividade estruturo-funcional do indivíduo que o constrói, com a intervenção do

sistema de sinais apresentado pelo contexto social.

Ao falar, a criança, segundo o nível alcançado pelas estruturas de sua afetividade, monta as palavras para comunicar-se com aqueles que estão a sua volta, expressar ou dizer suas representações imagéticas e depois conceituais. Assim fazendo, ela cria e recria a linguagem porque diz algo que adquire sentido e veicula significações, em outras palavras, conteúdos, que são criação sua. Seu pensamento se alimenta das representações e as coloca em relação através de transformações ou operações que, quando se equilibram entre elas, apresentam a particularidade de ser reversíveis ou passíveis de se autotransformar para passar de um equilíbrio a outro, em um sistema de equilibrações-desequilibrações sem fim, em adaptação ao meio. (DONGO-MONTOYA; p.114, 2011).

Há a origem do pensamento em todas suas formas, indo além da

concepção da linguagem pela maturação neurológica e o uso recíproco com a

língua. A linguagem que se manifesta no indivíduo como forma de expressão

carrega sua marca. É caracterizada pela particularidade, singularidade, sob a

perspectiva da lógica. Seus conteúdos sendo peculiares dispõem-se menos à

comunicação que à expressão pessoal, à medida que ainda é incomunicável.

(DONGO-MONTOYA, 2011).

No contexto da epistemologia genética, no qual o sujeito é considerado em interação com o meio ao qual se adapta, transformando esse meio e em contrapartida se transformando também, a linguagem só pode ser concebida como um objeto exterior a esse sujeito, do qual ele precisa se apropriar. (DONGO-MONTOYA; p.99, 2011).

42

Segundo Inhelder; Piaget (2003), a linguagem permite a evocação verbal

de acontecimentos não atuais:

A garotinha [...] diz “miau”, já sem ver o gato, há representação verbal além de imitação. Quando algum tempo depois, diz “Panéné pati” (= grand-papa parti = vovô foi embora) mostrando o caminho em declive que ele seguiu ao deixa-la, a representação apóia-se exclusivamente (ou fazendo-se acompanhar de uma imagem mental) no significante diferençado constituído pelos sinais da língua em vias de aprendizagem. (p.53).

No sujeito que não apresenta nenhuma deficiência, a linguagem

constituí a meio caminho das outras formas do pensamento semiótico. No

indivíduo surdo-mudo, a linguagem articulada só se constituí após o período

representativo da imitação diferida, do jogo simbólico e da imagem mental, o

que indica uma peculiaridade genética proveniente, já que a sua transmissão

social, supõe, a formação precedente dessas formas individuais de simiosis;

essa constituição, ao contrário, como o demonstra o caso da surdimudez,

independe da linguagem. (INHELDER; PIAGET, 2003).

A linguagem tem a função à primeira vista para a comunicação do

pensamento. Embora haja outras funções como transmissões de desejos,

expressões, constatações. Sem mencionar a linguagem interior, que é o hábito

de pensar alto, esse fenômeno é constatado como uma preparação para a

linguagem social. (PIAGET, 1959).

A linguagem egocêntrica é caracterizada pelo fato de que há a

despreocupação por parte da criança se o outro compreende o que está sendo

dito. A linguagem egocêntrica caminha por três direções: repetição, monólogo e

monólogo coletivo. A repetição acontece no momento que ela expressa de

maneira repetitiva sílabas ou palavras descontextualizadas. No monólogo, a

fala da criança é dirigida a si própria. No monólogo coletivo acontece o mesmo,

sua fala é dirigida para si, embora em uma situação de interação social.

A linguagem socializada são os conhecimentos adaptados que a criança

transforma, entendida pelo outro. Na linguagem socializada, manifesta a crítica,

a pergunta e a resposta. A crítica é o momento em que o sujeito faz

observações sobre o comportamento do outro. As perguntas são os

questionamentos nos quais há a exigência de respostas do outro por parte da

43

criança. E a resposta é o momento em que há a divisão das informações com o

outro, de forma facilmente compreensível.

O esquema interpretativo do desenvolvimento do pensamento e da

linguagem aparece no seguinte esquema:

Pensamento egocêntrico...... Pensamento lógico, pensamento socializado

Linguagem egocêntrica..... Linguagem lógica, linguagem socializada

Fonte: Dongo-Montoya (2011)

Visando a responder aos questionamentos sobre o progresso nesse

período, suas pesquisas evidenciam que os fatores sociais e culturais são

aqueles que promovem o desenvolvimento do pensamento. E esse progresso é

atribuído à ação do meio social e da linguagem. Piaget (1999) explica que o

pensamento não comunicável (autístico), e que passa a ser pensamento

comunicável (dirigido), evolui pela socialização progressiva da inteligência, a

qual age por conceitos em virtude da linguagem, que associa o pensamento às

palavras.

Há uma interação inter-individual, portanto uma explicação exógena,

externa para a explicação da evolução da linguagem que acompanha o

pensamento.

Nota-se que apesar de Piaget procurar fundamentar uma teoria interacionista da formação do pensamento e da linguagem, escapa-lhe a explicação psicológica endógena da evolução do pensamento, pois recorre simplesmente à interação social como elemento explicativo. Noutra palavras, a aquisição da linguagem e a interação social (troca e cooperação entre indivíduos) estariam explicando, nessa época, a evolução do pensamento e da linguagem. (DONGO-MONTOYA, 2011, p. 121).

A tese de Piaget, nesse período (1920), enfatiza a explicação decisiva

da linguagem no processo de desenvolvimento do pensamento lógico,

enquanto que mecanismos internos que esclareceriam a construção de

esquemas conceituais ainda não haviam sido idealizados. A Tese Piagetiana

constituía, neste momento, um reducionismo social. Deveria, portanto, haver

uma socialização linguística e uma interação social como explicação para o

desenvolvimento da linguagem. (DONGO-MONTOYA, 2011).

Conforme Dongo-Montoya (2011), as concepções de Piaget que

enfatizavam as interações sociais, alicerçavam-se em argumentos como:

44

comportamentos novos vem enriquecer os precedentes, muito mais por um

resultado das interações sociais, do que pela construção interna que ocorria no

sujeito.

1.2- Segundo período da obra de Piaget – Primeiros esquemas pré-verbais e

dos pré-conceitos.

Segundo (DONGO-MONTOYA, 2006), a tese Piagetiana, nos anos de

1930 a 1940, baseava-se no esquematismo sensório-motor, que investigou a

origem do pensamento nas coordenações gerais de ação e a aquisição da

linguagem, enfatizando a função simbólica, que diferencia significantes e

significados.

Para Piaget, a linguagem está atrelada à questão humana da

capacidade de representar, e tanto a coordenação dos esquemas motores,

quanto a atividade imitativa são condições para a função simbólica. Conforme

Dongo-Montoya (2011, p. 124):

A imagem mental se constitui como significante que se reporta a uma situação ou a um objeto particular, sem esquecer que esse objeto também está relacionado a um esquema conceptual ou pré-conceitual. O símbolo lúdico implica também diferenciação de um significante (gesto ou objeto exterior) que representa um significante (objeto ausente), o qual é reportado por uma imagem. O desenho enquanto sistema de signos, implica significantes (gestos ou palavras articuladas) que se reportam a objetos mediados por conceitos ou pré-conceitos, os quais se apoiam, sobretudo nas fases iniciais, nas imagens mentais.

Embora já explicitados anteriormente de forma breve, faz-se necessário

enfatizar a importância da função simbólica na construção do conhecimento

conceitual e verbal do sujeito.

Segundo Inhelder; Piaget (2003), a origem do pensamento está

associada à função simbólica, que se explica pela formação das

representações, que permite a diferenciação dos significantes (signos e

símbolos) e dos significados (acontecimentos ou objetos esquematizados ou

conceitualizados).

As percepções e a adaptação cognitiva atribuem significações, embora

sejam apenas índices (oposição a signos e símbolos) ou sinal (condutas

condicionadas), fragmentos do significado e ainda não há a evocação das

45

representações. A função semiótica e a imitação possibilitam o pensamento, a

imaginação, ampliando o campo de visão. Ocorre primeiramente a imitação

diferida, a criança inicia imitando na presença do modelo, depois passa a

imitar, representar também na ausência do modelo. (INHELDER; PIAGET,

2003).

Longe de ser elemento inicial e final, as palavras dela são, ao contrário, apenas o efeito. Elas aí possuem uma existência de qualquer sorte contingente, o essencial sendo a função que permite substituir ao conteúdo real, intenções ou pensamentos e imagens que lhe exprimam sons, gestos ou mesmo objetos, que só possuem com eles relações com o ato pelo qual a ligação se opera. É a este poder de substituição que a função simbólica reconduz. Ela não é a simples soma de gestos determinados. Ela é aquilo que estabelece uma ligação entre um gesto qualquer a título de significante e um objeto, um ato ou uma situação, a título de significado. Ela não é, além disso, adição, mas desdobramento (WALLON, 1942, p. 192).

É a função simbólica, que propicia a passagem da inteligência sensório-

motora a um pensamento simbólico. A representação acontece no contexto

simbólico, mas só é desenvolvida no contexto social, por meio das relações de

troca simbólicas, das interações dos membros sociais. (WALLON, 1942).

A primeira representação significativa no processo de desenvolvimento

da linguagem é a imitação diferida. Nesse contexto, ocorre a imitação na

ausência do modelo, ou seja, sucede a representação de uma referência já

vivenciada, contudo em sua ausência.

Outra representação que se manifesta independente da linguagem, mas

que exerce função essencial na sua aquisição, é o jogo simbólico, que

desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do pensamento nas

crianças. Trata-se de uma ação representativa de uma evocação de um

acontecimento, situação ou contexto não atual. Classifica-se claramente como

intermediário entre o jogo simbólico e a fase procedente (a imagem mental), o

terceiro período representativo que se manifesta pelo desenho ou imagem

gráfica, apesar de surgir após os dois anos. (INHELDER; PIAGET, 2003).

Relaciona-se também, neste contexto representativo, a imagem mental.

É o símbolo do objeto que ainda não se manifestou no período sensório-motor.

Por fim, ainda na perspectiva representativa, há a evocação verbal de tempos

não atuais, ou seja, uma representação verbal que vai além da imitação. Nesse

período representativo, acompanha também a imagem mental. Esses símbolos

46

individuais citados acima são procedentes da imitação, sendo uma possível

extensão intermediária entre as condutas do período sensório-motor e as

condutas representativas, que conduzem para a aquisição da linguagem,

embora aconteça independente dela. (PIAGET, 1986).

A linguagem propriamente dita se constituí no âmbito do

desenvolvimento da função simbólica, que se consolida nos estágios da

inteligência sensório-motora. Todo conhecimento construído por meio da

função simbólica e pela lógica sensório-motora favorece o desenvolvimento da

linguagem. De acordo com a perspectiva de Piaget, há uma analogia entre a

formação da linguagem e a inteligência sensório-motora. A raiz dessa

semelhança encontra-se na continuidade dos conhecimentos construídos nas

relações recíprocas e nas transformações destes conhecimentos nas

estruturas do esquematismo sensório-motor. (DONGO-MONTOYA, 2006).

A formação da função simbólica prefigura-se na passagem do nível

sensório-motor para as formas representativas.

A criança inicia por imitar os gestos de um adulto, quando ocorre a

assimilação a suas estruturas cognitivas, há um desencadeamento do

reproduzir tais gestos. Surge após essa reprodução automática um interesse

em reproduzir o modelo pela própria reprodução, o que já norteia o princípio da

formação simbólica.

A função simbólica é fundamental para o progresso da representação da

criança ao pensamento representativo. É essencial nessa função a linguagem,

uma das formas de representação, por meio da qual a criança interpreta e

descobre o mundo. Em decorrência da linguagem, surge a necessidade da

socialização, que tornam recíprocas as trocas de conhecimento entre os

indivíduos.

Wallon (1942), como Piaget, também outorga o desenvolvimento da

imitação ao aparecimento da função simbólica. Para ambos, a imitação

antecipa a representação. Percebe-se que a imitação diferida exerce um papel

significativo na construção da identidade pessoal da criança.

A função da imitação é, desde o começo, reproduzir ou figurar caracteres particulares dos objetos e que o seu desenvolvimento ocorre por influência do esquematismo sensório-motor e a seguir pelo esquematismo conceptual. (DONGO-MONTOYA, 2006, p. 123).

47

Sendo a primeira manifestação da função simbólica, a imitação diferida

inicia-se na ausência do modelo. Num modo de imitação sensório-motora, o

sujeito imita as ações na presença do modelo. Após um período, essa imitação

passa a ocorrer a ausência do modelo. A imitação diferida integra um início de

representação e a imitação em si, o início de significante transformado.

(INHELDER; PIAGET,2003).

Segundo Inhelder; Piaget (2003), o jogo simbólico marca o apogeu do

jogo infantil. Exerce como função essencial na vida das crianças, tornando-se

indispensável ao seu equilíbrio afetivo e intelectual que dispõe da assimilação

do real ao “eu”.

Faz-se como instrumento essencial da adaptação social, a linguagem,

que lhe é transmitida já pronta através de suas interações com o meio.

A manifestação que o jogo simbólico exerce sobre a função de

assimilação ao “eu” predomina na afetividade, às vezes, por incumbência de

interesses cognitivos.

A criança nas experiências vividas tem a necessidade de simbolizar um

acontecimento já vivenciado que lhe impressionou tanto, a ponto de ser

reproduzido, evidencia-se, portanto, uma evocação mental.

Toda a observação sistemática de um jogo de bonecas mostra imediatamente que as atitudes puramente maternais da menina (as quais são, portanto, parcialmente adquiridas por imitação) constituem apenas uma pequena fração do conjunto do jogo.[...]a boneca serve apenas de ocasião para a criança reviver simbolicamente a sua própria existência ,de uma parte para melhor assimilar os seus diversos aspectos e de outra parte, para liquidar os conflitos cotidianos[...]Assim[...]todos os eventos,[...]que ocorrem na vida criança repercutir-se-ão nas suas bonecas.(PIAGET, 1964, p.140).

No jogo simbólico, verifica-se, portanto, a assimilação pela função

semiótica, que é a construção de símbolos para expressar as experiências

vivenciadas, que só poderia ser assimilada pela linguagem.

Esse simbolismo centrado no “eu” (termo usado atualmente para

conceituar o egocentrismo) não apresenta apenas interesses conscientes do

sujeito.

Fundamenta-se também, nos conflitos inconscientes (angústias, medo,

dores emocionais, fobias). A criança expressa seus medos, suas fobias, por

meio da representação simbólica. (INHELDER; PIAGET, 2003).

48

Para Moreira (1984), quando a criança desenha, ela exprime

graficamente suas primeiras formas de linguagem, antes mesmo do domínio da

leitura e da escrita.

A criança aprende ainda sobre sua própria humanidade, na medida em que, ao desenhar, a criança está realizando – reafirmando e atualizando – algo ancestral de sua humanidade: a capacidade e a necessidade dos seres humanos de se deixarem em marcas. Foram os seres humanos que inventaram o desenho e, ao fazê-lo, puderam dizer algo de si por meio de imagens, puderam se ver representados graficamente em aspectos de sua humanidade; deixaram-se em marcas que contribuíram para a produção de sua humanidade, de sua história; que contribuíram para a demarcação, comunicação e significação de sua passagem pela vida, pelo planeta Terra, pelo mundo (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p. 54).

O desenho é um dos componentes que complementam o conceito da

função simbólica.

"O desenho, enquanto figuração gráfica se reporta a um objeto ausente,

medida pela imagem que o sujeito constitui desse objeto". (DONGO-

MONTOYA, 2006, p.124). Essa manifestação artística é uma das formas do

processo de representação, no qual a criança expressa seus sentimentos.

É um intermediário entre o jogo simbólico e a imagem mental. O

estudioso Luquet (1927, apud INHELDER; PIAGET, 2003, p.61) apresentou o

realismo do desenho por fases.

Luquet denomina “realismo fortuito” o da garatuja com significação descoberta em seu desenrolar. Vem depois o “realismo gorado” ou fase da incapacidade sintética, em que os elementos da copia estão justapostos em vez de estarem coordenados num todo [....]Vem, em seguida, o período essencial do “realismo intelectual”, em que o desenho sobrepujou as dificuldades primitivas mas em que apresenta, [...]os atributos conceptuais do modelo, sem preocupação de perspectiva visual. (INHELDER; PIAGET, 2003, p.64)

Na primeira fase, denominada Realismo Fortuito, a criança rabisca

simplesmente pelo prazer e descobre o que está fazendo durante o processo.

Na fase posterior, Realismo Gorado, há o exagero das dimensões do desenho,

ainda não se estabeleceu a relação dos elementos que o compõem. No que

concerne ao período do Realismo Intelectual, surge a necessidade de

representar o real. No Realismo Visual, há a predominância de diversos pontos

de vista, com adequação quanto às dimensões do desenho.

49

Segundo Inhelder; Piaget (2003), a imagem é um prolongamento das

percepções do pensamento, em que associa as sensações e imagens. A

associação é um processo cognitivo de assimilação. Assim desencadeia-se um

problema quanto ao seu aparecimento tardio e de ser resultante de imitação

interiorizada. O problema enfrentado é justapor no desenvolvimento as

relações entre o simbolismo e os mecanismos pré-operatórios e operatório do

pensamento da criança. Dentro da imagem mental, há a distinção de duas

grandes categorias: as imagens reprodutivas, que reproduzem acontecimentos

já vivenciados e as imagens antecipadoras, que antecipam os acontecimentos

e resultados.

As imagens mentais provêm de uma interiorização da inteligência, de uma

imitação do real em que o sujeito está construindo, segundo suas ações

interiorizadas.

Segundo Dongo-Montoya (2011, p.34) “a imagem mental é então o

significante semelhante ao significado, usado pelo sujeito epistêmico para o

representar, e, portanto, é um símbolo; mas é um significante que não é um

objeto do meio exterior [...] e sim é interno ao sujeito epistêmico.”

[...] a imagem mental não é fonte nem fator que contribui diretamente na preparação da operação e do conceito. Entretanto, apesar desses limites, a imagem é essencial enquanto função simbólica que reporta às particularidades dos objetos ausentes, nos seus estados e configurações. Sem ela, nem o nascimento nem o acabamento da representação conceptual ou da inteligência representativa seriam possíveis. Além disso, observamos que a imagem, em sua atividade de reprodução e de antecipação dos movimentos e das transformações, cumpriria um papel funcional para estimular e exigir indiretamente a coordenação dos próprios esquemas conceptuais ou operatórios (DONGO-MONTOYA, 2005, p.65).

Piaget (1945, apud SASSO, 2016, p.45) afirma que “na medida em que a

imagem constitui um significante em relação ao pré-conceito, ela dele

representa, portanto, o indivíduo essencial e não um objeto qualquer”.

A imagem mental se constitui como significante que se reporta a uma situação ou a um objeto particular, sem esquecer que esse objeto também está relacionado a um esquema conceptual ou pré-conceptual. (DONGO-MONTOYA, 2006, p.124).

A criança é capaz de imaginar situações já vivenciadas ou antecipar

ações que ainda não ocorreram. Torna-se capaz também de representar um

objeto pelo som transmitido, pela aparência, tato.

50

Feitas essas considerações sobre as condutas representativas, e em

concordância com Dongo-Montoya (2006), o nascimento da imagem está

ligado ao nascimento do pensamento, enquanto coordenação interna de

esquemas, e isso reciprocamente, já que seus desenvolvimentos futuros

dependem de suas relações recíprocas e indissolúveis. Um deles, fonte de

mobilidade e de transformação, o outro, fonte de figuração simbólica.

O pensamento enraíza-se nos esquemas de ação. O prolongamento dos

esquematismos alcançados no nível sensório-motor explica o aparecimento do

pensamento. Se, no período anterior, o meio social era ressaltado sem

explicações endógenas, neste período há uma mudança de olhar para a

questão endógena.

Segundo Inhelder, Bovet e Sinclair (1977), a situação do meio exerce

papel fundamental na construção das estruturas cognitivas. Contudo não há

construção do conhecimento, se o indivíduo não tiver estruturas cognitivas

construídas por ele.

Nessa construção das estruturas cognitivas, habita a hipótese

construtivista piagetiana, a qual consiste que cada período do desenvolvimento

infantil integra o nível precedente.

Sob uma ótica de funcionamento do processo de aquisição do

conhecimento, define-se que os avanços do conhecimento derivam da

interação do indivíduo com os objetos, através de dois polos opostos, porém

complementares (assimilação e acomodação) e não mais somente pelo fator

social. Nos escritos deste período, existem resquícios do primeiro período.

Piaget permanece com a teoria da tomada de consciência nos processos

cognitivos, atribuído importância no advento da inteligência, da

intencionalidade, visando a atingir um objetivo.

Encontra-se presente, o seio da teoria Piagetiana desse período, o aporte do sujeito e o do meio, o ponto de vista estrutural que põe em relevo as formas de organização (os esquemas, o grupo de deslocamentos) e o ponto de vista funcional da adaptação, a perspectiva biologizante do conhecimento repousando sobre “órgãos imateriais” e a perspectiva lógica que depreende as raízes da razão das atividades do lactente. (MAURICE-NAVILLE; MONTANGERO, 1998, p.43-44).

No que concerne às origens do pensamento nos esquemas sensório-

motores, a pesquisa desenvolvida por Piaget contempla o exercício dos

51

primeiros esquemas e coordenações adquiridas por meio do mecanismo da

“reação circular primária”.

Segundo Dongo-Montoya (2006), no decurso das “ reações circulares

secundárias” o indivíduo é capaz de desassociar e coordenar esquemas fins e

esquemas meios na resolução de situações-problema, que pressupõe

contrariedade mediada aos propósitos individuais. Como decorrência desse

processo, inicia-se os primeiros atos intencionais do sujeito.

Para alcançar um propósito, a criança faz uso consciente e intencional

de um esquema denominado como instrumento necessário. Cabe aqui

enfatizar que o surgimento dessa coordenação consciente de esquemas meios

e esquemas fins é resultado de uma assimilação recíproca dos esquemas em

jogo, a qual significa, portanto, uma diferenciação e não meramente uma

difusão como nas fases iniciais.

A quinta fase da inteligência sensório-motora destaca uma evolução

dessa coordenação, conforme o sujeito vem a ser hábil para criar meios que

solucionem as situações-problema. Pelo mecanismo da “reação circular

terciária”, a criança é capaz de diversificar de forma intencional os meios a

serem empregados em razão dos fins a serem alcançados.

A capacidade de mudança e complexidade da coordenação de

esquemas sensório-motores, já obtidos, possibilita novas capacidades para

uma coordenação de esquemas interiorizados.

Na sexta fase da inteligência sensório-motora, diante de obstáculos que

não permitem o uso de condutas anteriormente conhecidas, o sujeito inventa

soluções, fazendo uso de operações meramente mentais. Desta forma, os

esquemas anteriores são relembrados para exercer a evocação sobre os

objetos a qual é decorrente, tendo como fundamento, símbolos que se referem

a ações específicas.

Eis aqui alguns exemplos desses esquemas ligados a signos semiverbais, contemporâneos da fase VI da inteligência sensório-motora: Obs.101.- Ao 1;1, J. emprega a onomatopeia clássica “tch, tch” para designar um trem que passa diante de sua janela e a repete a cada trem, depois sem dúvida, que ela lhe foi sugerida uma primeira vez. Mas diz, a seguir, “tch, tch” em duas espécies de situações distintas. Por um lado, generaliza seu uso na presença de veículos vistos de uma outra janela [...] Mas por outro lado, quando eu faço o jogo de esconde-esconde (apareço e desapareço sem nada dizer), J. ao 1.1, também diz “tch,tch” por analogia, sem dúvida, com

52

os aparecimentos e desaparecimentos súbitos dos trens. (PIAGET, 1964, p. 278).

Logo, o esmero evolutivo da inteligência sensório-motora refere-se ao

início da sua interiorização, havendo um prolongamento com reconstrução,

transformando-se nas imagens mentais.

Para Dongo-Montoya (2006), há transformações progressivas que

envolvem reconstruções estruturais e continuidade funcional. A capacidade

humana que diferencia significante e significados encontra-se associada à

aquisição da linguagem.

1.3- Período de transição da inteligência sensório-motora para a inteligência

conceitual.

Nesse período, Piaget indica que os primeiros “esquemas verbais” da

criança retrata o uso da linguagem, que se evidencia nesse nível inicial

integrante no processo de socialização do pensamento, visto que permite a

reciprocidade, possibilitando o processo de conceptualização.

A passagem da inteligência sensório-motora para a inteligência conceptual explica-se, sem nada mais, pela intervenção da vida social e dos quadros lógicos e representativos já prontos no sistema dos signos e das representações coletivas. (PIAGET, 1964, p.277).

Segundo Piaget (1964), as palavras usadas pelos indivíduos para

designar esses esquemas verbais são mediadores entre significantes

simbólicos ou imitativos e verdadeiros signos. Por exemplo (PIAGET,1964,

p.281), “para J. o signo semiverbal “tch-tch” (referência ao trem) aplica-se ao

que aparece e desaparece visto de uma janela [...] bem como a seu pai,

quando este brinca de esconder com ela. ” Observa-se, portanto, que esse

exemplo não designa uma pessoa ou objeto singular, possui, na realidade, o

sentido dos esquemas de ações complexas.

Esses primeiros esquemas verbais atuam como esquemas sensório-

motores em vias de conceptualização. Portanto, há o desenvolvimento na

direção do conceito, que corresponde a uma convenção estável, atribuindo sua

significação ao signo verbal.

O progresso da representação conceptual será benéfico na aquisição da

linguagem. A criança aprenderá a dizer palavras-frase, frases de duas palavras

53

e frases completas, rapidamente sobrepostas umas às outras. Inicia-se,

portanto, o segundo período do desenvolvimento da representação. Nesse

período, permanece o questionamento a respeito de como a linguagem

propicia a construção dos conceitos, pois a relação de interação é reciproca e

nessa perspectiva acontece a construção das representações conceituais

como condição imprescindível para a aquisição da linguagem, a qual se origina

de expressões de desejo. A designação como já se compreendeu pelas

introduções anteriores é o enunciado de uma ação. (PIAGET, 1964).

A narrativa, fonte de memória [...] constitui aqui intermediário indispensável como meio de evocação e de reconstituição. Ora, é interessante notar que as narrativas se iniciam precisamente no limite da fase precedente e do período cuja analise abordamos e que são dirigidas pelo sujeito tanto a ele próprio como aos outros. (PIAGET, 1964, p.285).

Piaget não deixa de atribuir à transição da passagem dos esquemas

sensório-motores para os esquemas conceituais, a importância devido à

linguagem, principalmente na atividade narrativa do sujeito. Conquanto a

narrativa intervenha como meio de evocação e de reconstituição, ela inicia-se

no limite superior da produção dos primeiros esquemas verbais. (DONGO-

MONTOYA, 2006).

Os comportamentos são viabilizados sobretudo pela narrativa do sujeito,

na qual a linguagem em formação deixa de conduzir o ato em rumo para a

reconstituir a ação anterior e fornecer, então, um início de representação. A

palavra passa a funcionar como signo, como evocação do ato. Assim sendo, o

esquema verbal vem sobrepor-se ao esquema sensório-motor, para adquirir a

função da reapresentação. A narrativa por sua vez, não é senão a

reconstituição de uma ação. Há o prolongamento dessa quando há a

descrição, tornando assim uma representação atual. A comunicação do sujeito,

nesse período, encontra-se a meio caminho do diálogo com o outro e do

monólogo egocêntrico. (PIAGET, 1964).

Esse processo não contradita a evolução das primeiras interações. A

evolução do indivíduo depende das relações recíprocas, nas quais o sujeito

está inserido. Nessa evolução, a socialização está associada com a

cooperação (há trocas de noções e signos com uma comunidade de falantes)

e, ao mesmo tempo, distintas das próprias particularidades. (DONGO-

54

MONTOYA, 2006). A inteligência prática do período sensório-motor são

primordiais na construção da linguagem:

Não basta o aparecimento da linguagem para, desde logo, um pensamento lógico superpor-se à inteligência sensório-motora. Convém, pois, tentar marcar os vínculos entre o pensamento pré-lógico da primeira infância e a inteligência anterior à linguagem.[...] Buscamos, alhures, mostrar que os esquemas da inteligência sensório-motora constituíam o equivalente funcional dos conceitos e das relações e que a assimilação sensório-motora consiste numa espécie de juízo de ordem prática. (PIAGET, 1964, p. 303 e 304).

De acordo com Piaget (1964), existem quatro diferenças fundamentais

entre a inteligência sensório-motora e a inteligência conceptual:

1° As conexões estabelecidas pela inteligência sensório-motora só chegam a ligar percepções e movimentos sucessivos, sem representação de conjunto que domine os estados, distintos no tempo, das ações assim organizadas e que os reflita em quadro total e simultâneo.[...] 2° Por conseguinte, a inteligência sensório-motora tende ao êxito e não à verdade; satisfaz-se com a chegada ao objetivo prático a que se visa e não com a constatação ou com a explicação.[...]3° Sendo o seu domínio delimitado pelo emprego dos instrumentos perceptivos e motores, só trabalha nas próprias realidades, nos seus indícios perceptivos e motores, só trabalha nas próprias realidades.[...]4° é, pois, essencialmente individual, em oposição aos enriquecimentos sociais adquiridos com o emprego dos signos. (p. 304).

Visto essas quatro diferenças fundamentais entre a Inteligência sensório-

motora e o pensamento conceptual, parecerá que, para que essa transição

aconteça, é necessário que haja condições para uma continuidade funcional:

Um sistema de operações que transponha as ações exteriores de sentido único para ações mentais móveis e reversíveis e uma coordenação interindividual das operações que assegure[..] a reciprocidade geral dos pontos de visa e a correspondência do pormenor das operações e resultados respectivos. (PIAGET,1964,p. 305).

Na sexta fase desse desenvolvimento, a criança já chega a esboços

representativos: se há um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação e se a

imitação diferida já está dominada aos esquemas lúdicos simbólicos. É quando

principia o processo da aquisição da linguagem.

O processo fundamental que marca a passagem do equilíbrio sensório-

motor para o equilíbrio representativo consiste em que a assimilação e a

acomodação sejam sempre atuais, havendo um prolongamento das

acomodações anteriores. (PIAGET, 1964).

55

Piaget não abandona a explicação social realizada na década de 20,

mas eleva essa concepção num nível de integração e diferenciação maior.

(DONGO-MONTOYA, 2006).

Segundo Munari (2010, p.30), “A inteligência é de fato assimilação na

medida em que incorpora todos os dados da experiência”.

De acordo com Inhelder; Bovet (1977, p. 51), existem diferenças vitais

entre a inteligência-sensório-motora e a inteligência representativa:

Em primeiro lugar, a inteligência sensório-motora, tal qual um filme em câmera lenta que apresenta sucessivamente uma cena após a outra, não permite uma compreensão simultânea e completa do conjunto dos acontecimentos. De outro lado, a inteligência representativa, graças à função semiótica, é capaz de abranger, simultaneamente, num todo os eventos isolados.[...]Em segundo lugar, a inteligência sensório-motora se aplica somente às ações concreta do sujeito e dos objetos.[...]O campo de aplicação da inteligência representativa amplia-se[...]de maneira a abranger a totalidade do universo e [...]toma possível a manipulação simbólica de algo que é invisível e que não pode ser representado.

A inteligência sensório-motora acontece como uma sucessão de cenas,

não permitindo um entendimento completo da junção de acontecimentos. De

outro modo a inteligência representativa, devido à função semiótica, é capaz de

juntar acontecimentos isolados.

1.4 Terceiro período dos estudos de Piaget.

Nesse período, Piaget tratará de fundamentar suas hipóteses por meio de

estudos e análises sobre as relações entre a lógica, linguagem e pensamento.

Sua tese também será diferenciada das hipóteses e concepções

epistemológicas concorrentes e dos reducionismos sociais, biológicos e

psicológicos.(DONGO-MONTOYA, 2006).

Segundo Dongo-Montoya (2006), se não há uma exercitação depois de

alcançada a representação e a função simbólica por meio das narrativas, não

há possibilidade para que os esquemas se interiorizem e se transformem em

conceitos. Para isso, é imprescindível a inserção dessas crianças em

permanente troca simbólica.

Contudo, a narrativa, mesmo como meio indispensável como forma de

evocar e reconstituir as cenas, ela somente começa próxima a criação dos

primeiros esquemas verbais, quando ocorrem os primeiros pré-conceitos.

56

Segue abaixo, um esquema explicativo sobre a narrativa e o desenvolvimento

do pensamento conceitual. Aqui, ele passa a considerar explicações

endógenas e exógenas, por meio de coordenações de esquemas inter-

individual:

Esquemas sensório-motor Esquemas Verbais Pré-

conceitos Conceitos

Fonte: Dongo-Montoya (2011)

É importante enfatizar que a linguagem se constrói no campo da

formação da função simbólica, que se apresenta pelos estágios da inteligência

sensório-motora. A linguagem se beneficia de tudo o que foi assimilado pela

função simbólica e pela lógica da inteligência sensório-motora. Havendo,

portanto, uma simultaneidade e uma analogia entre a inteligência sensório-

motora e a aquisição da linguagem. O fundamento dessa analogia encontra-se

na continuidade funcional e nas transformações que são alcançadas pelas

estruturas da inteligência sensório-motora.

As pesquisas do estudioso Piaget, nos anos de 1930 e 1940, mostram

que as raízes do pensamento se manifestam nos esquemas de ação, que

parece, no seu funcionamento e nas estruturações progressivas. Essa tese de

Piaget é defendida pelo levantamento e aprofundamento teórico acerca da

formação da função simbólica e do processo de transformação dos primeiros

esquemas verbais em conceitos. (DONGO-MONTOYA, 2006).

Pode-se concluir, portanto, que ocorre uma evolução no pensamento de

Piaget no que concerne à explicação das origens e desenvolvimento da

linguagem. Essa evolução se explica no sentido da superação dos

reducionismos exógenos e endógenos. A aquisição da linguagem e do

pensamento se dá pelo processo construtivo, pelo qual pode-se observar o

prolongamento com reconstrução do que já se conquistou, no qual a ação

principal é a que se esquematiza e coordena em sistemas de conjunto.

(DONGO-MONTOYA, 2006).

57

2. EXPLICAÇÃO DA PASSAGEM DA LINGUAGEM ORAL NA FASE SENSÓRIO-MOTORA À PRÉ-OPERATÓRIA.

Sob uma perspectiva construtivista Piaget (1983), conceitua que a

capacidade cognitiva do indivíduo não era herdada hereditariamente, tão pouco

transmitida pelo meio social. Acreditava-se que o conhecimento era construído

gradualmente através das relações do sujeito com o meio, sem minimizar os

esquemas já construídos.

Todo ato de pensar exige um rol de operações produzidas pela

interiorização. Piaget, em seus estudos, buscou conceber o funcionamento do

pensamento como uma ação internalizada. Daí a importância de dois

processos cognitivos essenciais para a construção do conhecimento: a

assimilação e a acomodação. Quando há a internalização do novo

conhecimento ocorre a assimilação. No momento em que há a incorporação do

novo estímulo a um esquema já existente, ou surge a necessidade da criação

de um novo esquema. É o que se chama de processo de acomodação.

Segundo Tafner (2008), há um aspecto importante a ser ressaltado

quanto ao processo cognitivo da construção do conhecimento. Se o indivíduo

somente assimilasse os novos estímulos, seria incapaz de identificar diferenças

entre as coisas. Porém se o indivíduo só acomodasse os conhecimentos, teria

muitos esquemas, porém pequenos, e não seria capaz de perceber

semelhanças entre as coisas. Portanto a equilibração é um processo cognitivo

fundamental para a aquisição da linguagem.

De acordo com Piaget (1975), compreendia-se o processo cognitivo

como uma adaptação que constrói organizadamente o universo do indivíduo. A

capacidade cognitiva constrói mentalmente as estruturas capazes de serem

justapostos ao meio, sendo que há a construção do real através da ação.

A criança constrói seu conhecimento por meio de sua interação com o

outro, com o mundo, com os esquemas mentais que permitem a reciprocidade.

As construções dessas capacidades intelectuais permitem a descoberta de si,

do outro e do mundo.

Piaget (1964) afirma que os primeiros esquemas verbais, que

acontecem na fase sensório-motora, estão em vias de conceptualização:

58

[...] Esses primeiros esquemas verbais são intermediários entre os esquemas de inteligência sensório-motora e os esquemas conceptuais, tal como os esquemas simbólicos são intermediários entre os jogos de exercício e os símbolos lúdicos desligados da própria ação e como imitação diferida é intermediaria entre a imitação sensório-motora e a imitação representativa.( p.280-281).

Para Piaget, esses primeiros esquemas verbais não são conceitos

ainda. Existem duas particularidades que restringem sua evolução no que se

refere ao conceito em nível de formação do esquematismo sensório-motor da

fase VI. Primeiramente, de acordo com Piaget (1964), os conceitos são

sistemas de classes em que se supõe uma explicação determinada, que se

remete a ela própria, a uma prática fixa que atribui um sentido ao signo verbal,

ou seja, não há a modificação dos sentidos das palavras pois já estão definidas

pelo contexto social. Há, no processo de aquisição da linguagem, uma relação

intrínseca com a construção de conceitos. Não se trata de uma mera

oralização.

[...] Perdura o problema de compreender como a linguagem permite a construção dos conceitos, pois a relação é naturalmente recíproca e a possibilidade de construir representações conceptuais é uma das condições necessárias para a aquisição da linguagem. (PIAGET, 1964,p.285).

A princípio, a linguagem é decorrente das expressões de desejo. Ocorre

o enunciado de uma ação possível de tradução da organização de esquema

sensório-motores pela palavra. O primeiro questionamento feito baseava-se em

saber como a criança constrói as representações verbais de juízos de

constatação e não meramente apenas juízos de ação. (PIAGET, 1964).

[...] Para J., [...] O sinal “au,au” designa não somente os cães e o que se lhes assemelha, como tudo aquilo que se vê da sacada, como o cão inicial.[...] o termo “mamãe” também se aplica, porém mais raramente, a quaisquer mulheres.[...]Para T., “papai” são os personagens que acendem cachimbo ou estendem os braços como o papai. (PIAGET, 1964, p.281).

Os esquemas verbais estão no processo de conceptualização, são

assimilações diretas. Os exemplos citados acima designam ações particulares

que interessam ao indivíduo, possuem, na realidade, o sentido dos esquemas

de ações complexas, relativas ao sujeito e ao objeto.

59

As primeiras evocações verbais que observamos a respeito de J. se dirigiam, com efeito, a ela própria.ao 1;7(13), ela está de noite na cama, numa escuridão total e fala sozinha sentada sem desconfiar que eu a escuto: “ Tu vês, tu vês, Tio G.[...] depois ela se interrompe e se deita, dizendo a si mesma “Nonô”. Depois ela [...]recomeça: “Tu vês: mamãe, papai, vovó, tio G. ”e se repete durante uns dez bons minutos. [...]Ao 1;7 (28) uma narrativa é feita à mãe a propósito de um gafanhoto que J. acaba de ver no jardim: “Fanhoto, fanhoto, saltar[...]L., em compensação, começou no mesmo dia com a narrativa a terceiros e a si mesma. Ao 1;11 (28) conta, alguns minutos após o acontecimento: “ Ti Madena no automove, parti no automove. ”A seguir, uma hora depois, sozinha no jardim, ela diz a si mesma: “ Mamãe saiu, Jacqueline saiu com mamãe”. (PIAGET, 1964, p.285).

Os exemplos citados acima evidenciam o período de transição da

linguagem como mero ato em curso, para reconstituir a ação passada,

permitindo assim o início em função da representação. A palavra começa a

evocar o ato e não é mais meramente a parte do ato. Portanto é nesse período

que o esquema verbal se evidencia sobre o esquema sensório-motor,

adquirindo a função da reapresentação. O que indica o progresso da

conceptualização é o surgimento da pergunta “o que é?”.

Como exemplifica a citação de Piaget (1964, p.286) “J. [...] ao 1;9 (24)

por exemplo, eu a ouço dizer a si mesma: “O que é, Jacqueline, o que

é?...Pronto! (ela deixa cair uma bola de madeira). O que é que cai? Uma bola. ”

Nota-se que a própria linguagem da criança, nesse nível, é ao mesmo

tempo um diálogo com o outro e um monólogo egocêntrico, as perguntas são

feitas aos outros e para si mesma. A criança desse nível ainda não alcança

nem a generalidade, nem a individualidade, pois as noções empregadas

modificam-se entre pré-conceitos e conceitos e derivam das estruturas dos

esquemas sensório-motores.

Aos 2;2 (12), J. está no jardim e caminha em cima dos canteiros do proprietário; a mãe a impede de fazer isso e J. logo responde: “Tu vais (=eu vou) estragar jardim de tio Alfredo”; isto é, J. assimila essa situação a outra, muito parecida, porém vivida em outra cidade e no jardim de um tio sem relação alguma com o proprietário de que aqui se trata.Ao 1;11 (0) voltando de um passeio J. dissera que ia ver: “Papai, Odete, Jacqueline no espelho”, como se “J. no espelho” fosse outra pessoa que não ela própria (embora sabendo muito bem reconhecer-se num espelho). (PIAGET, 1964, p. 288).

Esses dois exemplos são característicos das estruturas pré-conceptuais.

Segundo Piaget (1964, p.290) “o pré-conceito infantil constitui uma espécie de

60

“participação” [...] se houver acordo em atribuir-se a esse gênero de relação [...]

ausência de inclusão num todo e identificação direta dos elementos parciais.

O pré-conceito e o símbolo lúdico exercem por assimilação direta e por

participação pré-lógica e são intermediários em conjunto com a imagem

imitativa prolongados durante toda a fase e modificam entre a analogia atuante

e a comparação concreta. (PIAGET, 1964).

"J, aos 3;6, vendo pequenas ondas numa praia do lago, que fazem

avançar e recuar alternativamente pequenos cordões de areia, exclama:

“Parece os cabelos de uma menina que estão penteando.”. (PIAGET,1964,

p.291).

No que se refere ao símbolo lúdico, o objeto é assimilado à mercê das

imagens imitativas que têm a função de significante. No que concerne ao pré-

conceito, a assimilação do objeto também ocorre, graças à participação direta.

O significante do esquema seria a palavra ou o signo verbal e a imagem

imitativa seria símbolo individual auxiliar do signo coletivo.

Os pré-conceitos desse nível como estando a meio-caminho do símbolo e do conceito propriamente dito: como símbolo lúdico, o pré-conceito implica a imagem e é em parte determinado por ela, ao passo que o conceito dela se liberta por sua própria generalidade e não a emprega mais senão a título de ilustração. Mais precisamente, realizando o conceito operatório um equilíbrio permanente entre a assimilação dos objetos entre si e a acomodação a cada um deles, está última não se prolonga em imagem e a própria imagem, quando intervém, fica num plano inferior.(PIAGET,1964,p.293).

No decurso dos quatro a sete ou oito anos, os variados caracteres do

“pré-conceito” direcionam-se ao conceito operatório, por construções que

tornam a assimilação mediata, resultando, portanto, em uma generalidade

progressiva, o que só é possível quando ocorre a reversibilidade das

operações. No processo de transição do pré-conceito ao conceito operatório

ocorre uma articulação gradual do pensamento intuitivo.

Os primeiros esquemas verbais da criança que emergem na vida representativa, como as onomatopeias e as primeiras imitações verbais (“Guau, guau”, “pai”, mai”, etc.) não somente expressam os caracteres dos objetos percebidos, como expressam, antes de tudo, sistemas de ações, como o são os esquemas sensório-motores em via de conceptualização. (DONGO-MONTOYA, 1996,p. 39).

61

Os esquemas verbais têm uma peculiaridade interessante, a associação

dos objetos sob uma mesma designação refere-se à ação do sujeito, a uma

assimilação direta entre eles. No entanto, trata-se de uma assimilação dos

objetos sob a perspectiva do indivíduo. Nos exemplos citados no texto acima,

Piaget descreve uma situação que envolve sua filha (J), que nomeava “tch,

tch”tudo que aparecia e desaparecia na janela.

Segundo Dongo-Montoya (1996, p.42), “ [...] a passagem [...] do

esquema sensório-motor ao conceito se realiza [...] por intermédio de uma

diferenciação lenta e laboriosa do próprio processo da assimilação conceitual”.

O autor concebe que a assimilação conceitual, no seu esmero, desempenha-se

pela intervenção de sistemas de conjunto, cuja formação reversível proporciona

a diferenciação do todo e da individualidade.

Assim, observa-se que os primeiros esquemas verbais não passam de

esquemas motores em nível de conceptualização; não são nem esquemas

motores puros, nem conceitos. Do esquema sensório-motor permanece o

fundamental. Do conceito, já se evidencia a ausência da própria ação,

formulando a peculiaridade de comunicação, conforme são denominados por

fonemas verbais e empregados em relação à ação do outro.

Partindo do exercício dos reflexos e das primeiras diferenciações

adquiridas, a criança constrói um repertorio de esquemas capazes de

indeterminadas combinações que evidenciam a chegada das primeiras

relações lógicas e conceituais. No último estágio do desenvolvimento infantil os

esquemas tornam-se aptos a se agruparem conduzindo à construção mental.

(PIAGET,1970).

Segundo o próprio Piaget (1945, apud SASSO,2016,p.50), “para certos

autores, a passagem da inteligência sensório-motora para a inteligência

conceptual se explica, somente pela intervenção da vida social e dos quadros

lógicos e representativos já prontos no sistema dos signos e das

representações coletivas”

Ainda segundo a autora (SASSO, 2016), o problema genético que

suscita a aquisição da linguagem é a relação com o pensamento. Cabe à

linguagem a função de complementar a construção das estruturas do

pensamento. O meio social assume função essencial na construção da

linguagem e no desenvolvimento cognitivo do indivíduo.

62

Piaget (1970), em seus estudos teóricos, entende que o aparecimento

do simbolismo depende da evolução da inteligência sensório-motora pré-

verbal. A linguagem aparece através da interiorização dos esquemas sensório-

motores produzidos pela experiência do indivíduo. Zorzi (2002, apud DIAS,

2010) enfatiza que há uma elaboração contínua de novas estruturas que

promove a interação e a compreensão do meio. A linguagem será construída,

portanto, mediante a interação do sujeito com o meio. Seu aparecimento dá-se

apenas no período representativo, quando ocorre o desenvolvimento da

capacidade simbólica, que permite a representação mental de seus esquemas

de ação.

Conforme Dongo-Montoya (2006), as aquisições do período sensório-

motor serão incorporados num sistema maior, havendo, portanto, reconstrução

por meio de novas descobertas.

No que se refere ao período sensório-motor, a criança busca solucionar

os problemas por meio dos esquemas e da organização do real, sendo

essencial a experiência com o meio. Nesse período, ela constrói aquisições

importantes para o desenvolvimento da inteligência.

No período pré-operatório, ocorre a passagem do plano da ação para o

plano da representação, caracterizado pelas condutas simbólicas. A

característica fundamental desse período é a transformação dos esquemas de

ação em esquemas mentais. Esse processo ocorre gradualmente, porém

marca a passagem do nível das ações para o nível da constituição das

operações mentais. Esse período representativo está associado a uma etapa

pré-operacional que é o alicerce para a construção das operações lógicas

elementares que principiam a aquisição da linguagem.

3 A INTERAÇÃO SOCIAL NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM.

O desenvolvimento da linguagem acontece gradualmente, conforme as

interações afetivas do sujeito com o meio. Com o surgimento da representação,

em razão da função simbólica, faz-se imprescindível para o desenvolvimento

da afetividade e das interações sociais. No nível sensório-motor, a afetividade

acontece diretamente, não podendo ser evocada, já no período das

representações simbólicas, a afetividade está presente até na ausência e

63

torna-se fundamental para a formação de novos laços afetivos. A relação do

adulto com a criança não se faz meramente pela transmissão em sentido único,

há a reciprocidade no processo construtivo e contínuo da socialização

linguística, já que estão envolvidos numa relação afetiva

(INHELDER,PIAGET,2003):

É indiscutível que o afeto tem um papel essencial no funcionamento da inteligência. Sem o afeto não haveria nem interesses, nem necessidades, nem motivação; em consequência, as interrogações ou problemas não poderiam ser formulados e não haveria inteligência. O afeto é uma condição necessária para a constituição da inteligência. No entanto, em minha opinião, não é uma condição suficiente. (PIAGET, 1962, p. 129).

Se a criança está em um ambiente desfavorável para seu

desenvolvimento cognitivo, se não há a preocupação em tornar recíproco a

oralidade, será desencadeado um atraso na aquisição da linguagem. É preciso

que haja adultos interessados em ouvir a criança, em conversar com ela, em

apresentar-lhe o mundo de forma amorosa. Uma criança só achará importante

se expressar, se houver alguém que a considere importante, que a veja como

um sujeito capaz de fazer relações, de descobrir esse mundo de forma ativa e

haja um espaço que a acolha nesse processo de significação do mundo.

Muitas crianças nem se manifestam em suas expressões orais, às vezes

porque não precisam, pois o adulto traduz rapidamente suas necessidades,

sem esforço algum da criança, assim como podem se comunicar de forma mais

agressiva, porque não encontram um espaço de acolhimento e atenção de

quem as queira ouvi-las. É essencial salientar que o meio social é um dos

fatores que se fundamentam na construção da linguagem oral e essa

reciprocidade simbólica deveria acontecer constantemente na interação com o

indivíduo.

Segundo Piaget (1975), a mera transmissão da linguagem pela interação

social é imprópria para a criança exprimir seus sentimentos e necessidades,

daí a importância da adaptação social para a aquisição da linguagem pela

reciprocidade linguística.

De acordo com Piaget (1977, apud LA TAILLE,1992), há dois tipos de

relação social: a coação e a cooperação. A coação social é definida como o

estabelecimento da relação entre dois ou mais indivíduos, quando há a

64

intervenção de um elemento de autoridade, desencadeando a passividade.

Nesse processo, ocorre um baixo nível de socialização, não há o diálogo,

portanto não há a descentralização do pensamento. Esse tipo de relação

representa um freio ao desenvolvimento da inteligência, causando um

empobrecimento nas relações sociais, reforçando o egocentrismo e

impossibilitando a construção das operações mentais. Quanto à cooperação, é

a relação interindividual que representa o mais alto nível de socialização, já que

ocorre a promoção do desenvolvimento por meio da interação com o outro.

Para Piaget (1977, apud LA TAILLE,1992, p.60) “a gênese do

sentimento de obrigatoriedade, portanto do dever encontra-se nas relações de

coação; o bem, por sua vez, é um produto da cooperação".

É importante notar uma peculiaridade da teoria de Piaget, no que diz

respeito às influências da interação social no desenvolvimento cognitivo. O

autor pensa no social e suas influências sob a perspectiva da ética. Para ser

coercitivo ou cooperativo depende de uma postura moral. Vale ressaltar que,

assumir uma postura de cooperação, é condição necessária para o

desenvolvimento cognitivo, embora não seja condição suficiente, vez que a

postura ética vem complementar o desenvolvimento.

Segundo Piaget (1978, p. 224) "[...] para que uma transmissão seja

possível entre o adulto e a criança ou entre o meio social e a criança educada,

é necessário haver assimilação pela criança do que lhe procuram inculcar do

exterior".

As interações sociais, sob forma de transmissões ou trocas entre o

sujeito e o outro, compõem um fator essencial para o desenvolvimento.

Incluem-se, nesse fator, as interações do sujeito com o mundo social no

ambiente escolar, familiar, grupos culturais. Para que essa transmissão social

aconteça entre o meio social e a criança, é imprescindível que ela assimile as

transmissões derivadas do meio, não de forma passiva, mas elaborando suas

próprias construções.

65

CONCLUSÃO

O tema possibilitou um aprofundamento teórico vasto, com vertentes

diversas, englobando a ação do sujeito para com o meio, abordando os

períodos pelos quais as crianças passam, desde a sucção no período dos

esquemas reflexos, apresentados quando recém nascidos, até as

probabilidades baseadas em operações e diálogos internos dos esquemas

operatórios formais.

Piaget dividiu o desenvolvimento humano em quatro etapas: sensório-

motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Essa divisão

possibilitou um estudo mais aprofundado e específico em cada uma das fases,

apresentando as ações e as reações do sujeito, de acordo com sua idade e

experiências.

A partir da Teoria da Epistemologia Genética de Jean Piaget, foi possível

compreender o processo da construção do conhecimento e da linguagem

verbal na criança, acompanhando o desenvolvimento e as ações pelas quais

passam em cada período. Outras linhas psicológicas ou mesmo a

fonoaudiologia também podem dar sua contribuição para este questionamento,

porém não foi o foco desta pesquisa.

A hipótese inicial foi parcialmente confirmada ao constatar que a

interação com o meio é importante para o desenvolvimento da criança, porém

viu-se que as explicações que se findam no meio, como único e exclusivo fator,

são insuficientes para explicar o atraso na linguagem. É preciso considerar os

fatores endógenos, além do meio para explicar psicologicamente o que ocorre

na formação da linguagem e na formação do pensamento lógico como mostra

Piaget com sua evolução teórica, apontando para a necessidade da

coordenação dos esquemas de ação, da reação circular, da interiorização de

esquemas, na equilibração, etc. (DONGO-MONTOYA,2011).

Todos os sujeitos deveriam ter direito a um ambiente que favorecesse o

desenvolvimento da linguagem, mas mesmo assim há uma ação interna que só

o sujeito pode realizar. A cada novo comportamento apresentado pela criança,

há um esforço intelectual imenso em compreender esse mundo.

A interiorização de esquemas sensório-motores coordenados e a

atividade imitativa são condições prévias da construção da função simbólica,

66

ou seja, da capacidade de diferenciação entre significados e significantes.

Desta forma, a aquisição da linguagem está associada à capacidade de

representação do ser humano.

Piaget (1983) fornece elementos para uma compreensão de que a

linguagem não é fruto apenas de um bom funcionamento do aparelho fonador,

ou que socialização não é uma forma de explicação suficiente para a aquisição

da linguagem oral. É preciso superar explicações que valorizam não somente a

ação do indivíduo, mas também que não supervalorizem a ação do meio. Há

que se considerar que há uma ação individual e coletiva no desenvolvimento

da linguagem.

Constatou-se que o desenvolvimento intelectual da criança é alcançado a

partir de processos contínuos de construção e reconstrução de estruturas

cognitivas e afetivas, formando um espiral construído com o próprio

conhecimento.

Se uma criança não explorar genuinamente o mundo em sua fase

sensório-motora, terá complicações para a construção de estruturas

sucessivas, que são base para o desenvolvimento pleno da linguagem.

Segundo a Lei n° 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação, a

educação infantil é a primeira etapa da educação básica e tem como objetivo o

desenvolvimento integral da criança nos aspectos físico, psicológico, intelectual

e social até os cinco anos de idade, sendo complementar à ação da família e

da comunidade. É notório que a escola exerce papel fundamental no

desenvolvimento da linguagem da criança, pois possibilita a vivência nas

situações diversificadas em constantes construções recíprocas, estimulando o

processo de aquisição da linguagem.

Os atos de linguagem hoje iniciam desde o nascimento, conforme os

Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL,1998), a

participação das crianças em atos de linguagem é o que as levam a falar com

fluência e produzir frases completas, e a conquista das capacidades

linguísticas surgem a partir de ritmos próprios e em tempos diferentes.

Este trabalho revela que os esquemas motores se constroem

simultaneamente aos esquemas verbais, ou melhor, os esquemas verbais são

intermediários entre os esquemas de inteligência sensório-motora e os pré-

conceitos, até se chegar aos esquemas conceituais, tais como os esquemas

67

simbólicos são intermediários entre os jogos do exercício e os símbolos lúdicos

desligados da própria ação. A linguagem não é puramente um produto verbal,

mas sim conceitual. A linguagem é produto de uma ação intelectual, que se

constrói num contexto de função simbólica, tendo como base tudo o que foi

vivido na fase sensório-motora.

68

REFERÊNCIAS

BATTRO, A. M. Diccionário de epistemologia genética. Buenos Aires:

Editorial Proteo, 1971.

BECKER, F. Para uma nova teoria de aprendizagem segundo Piaget. In: MOREIRA, Marco A. (org.). Aprendizagem: perspectivas teóricas. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1985. BRASIL. M. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. CHARNAY,R. Aprendendo (com) a resolução de problemas. In: PARRA, C. (org.).Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. DAVIS,C;OLIVEIRA,Z.Psicologia na educação. São Paulo: Cortez Editora,1997. DIAS,F.O desenvolvimento cognitivo no processo de aquisição de linguagem.Porto Alegre:Letrônica,2010. DONGO-MONTOYA, A. Piaget e a criança favelada: Epistemologia genética. Petrópolis,RJ: Vozes, 1996. ______. PIAGET: imagem mental e construção do conhecimento. São Paulo: Unesp, 2005. ______Pensamento e linguagem: percurso piagetiano de investigação. Psicol. estud., Maringá, v. 11, n. 1, abr. 2006

______.Teoria da aprendizagem na obra de Piaget. São Paulo: Editora da

UNESP, 2009.

______. Jean Piaget no século XXI escritos de epistemologia e psicologia genéticas. Marília, Editora cultura acadêmica,2011.Disponível em:https://www.marilia.unesp.br/Home/Publica coes/ jean_piaget.pdf.Acesso em 31 de agosto de 2016.

ENCICLOPEDIA Mirador Internacional.Rio de Janeiro:Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda,1992,v.6. p.8877.

GOULARD.I.B. A educação na Perspectiva Construtivista. Petropolis: Vozes, 2001.

69

______Experiências Básicas para Utilização pelo Professor.Petropolis,RJ: Vozes,2001. INHELDER,B;PIAGET,J. A Psicologia da criança. Rio de Janeiro:Difel,2003.

______Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo: Pioneira,

1976 (1955).

INHELDER;BOVET;SINCLAIR,. Aprendizagem e estruturas do conhecimento.São Paulo: Saraiva,1977.

JUNQUEIRA FILHO, G. Linguagens Geradoras: seleção e articulação de conteúdos em educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2005.

KAMII,C; DEVRIES,R. Jogos em grupo na educação infantil: Implicações da Teoria de Piaget. São Paulo: Trajetória Cultural,1991.

_______A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação junto a escolas de 4 a 6 anos. (Trad. Regina A. de Assis) 21.ed, Campinas –SP: Papirus, 1996.

LA TAILLE, Y. O lugar da Interação Social na Concepção de Jean Piaget.In. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus,1992.

MAURICE-NAVILLE,D;MONTANGERO,J.Piaget ou a inteligência em evolução.Porto Alegre: Artes Médicas, 1998

MOREIRA,A. O espaço do desenho: A educação do educador. São Paulo: Loyola, 1984. MUNARI,A.Jean Piaget. Recife: Massangana,2010. PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. Rio de janeiro: Editora

fundo de cultura S.A,1959.

______.La relación de la fectocon la inteligência em el desarrollo mental del nino. Tradução Jorge Zavaleta. Bulletin of the Menninger Clinic, Topeka, v. 26, 1962. ______.A formação do símbolo na criança. Suiça: Editions Delachaux et Niestle,1964.

70

______.A Construção do Real na Criança. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. ______.A epistemologia genética. Petrópolis,RJ: Editora Vozes ltda,1971.

______.O nascimento da inteligência na criança. Trad. Álvaro Cabral. Rio de

Janeiro: Zahar, 1975.

_______.A epistemologia genética, sabedoria e ilusões da filosofia,

problemas de epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1978 – Os

Pensadores.

______. Prefácio. In: BATTRO, A. Dicionário terminológico de Jean Piaget.

São Paulo: Livraria Pioneira, 1978.

______.A epistemologia genética. São Paulo: Victor Civita,1983.

______.Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro :ForenceUniversitária Ltda,1986. ______ O pensamento e a linguagem na criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ______ A representação do mundo na criança. (Trad. Adail Ubirajara Sobral) Aparecida-SP: Ideias e letras, 2005. (Original de 1924).

SASSO,B.Pensamento, Linguagem E Língua Escrita Segundo A Epistemologia Genética: Processos E Construções Análogos. Marília,SP: UNESP,2016.

TAFNER, M. A construção do conhecimento segundo Piaget. Revista CérebroeMente.2008.Disponível_em:http://www.cerebromente.org.br/n08/mente/construtivismo/construtivismo.htm. Acesso em 01 de setembro de 2016.

TOLEDO, M; TOLEDO, Ma. Didática da Matemática: Como Dois e Dois – A Construção da Matemática. São Paulo: FTD, 1997 WADSWORTH,B.J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget.São Paulo: Livraria Pioneira Editora,2003.

WALLON, H. De l’acte à lapensée.Paris: Flamarion, 1942.