Como Os Franceses Inventaram o Amor - Marilyn Yalom

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    Os franceses so reconhecidos no mundo todo como mestres na arte deamar. A consagrada acadmica americana Marilyn Yalom,assumidamente uma admiradora dessa faceta to representativa dacultura francesa quanto a celebrada culinria do pas, investiga asorigens e o desenvolvimento do conceito de amor como o conhecemos(ou desejamos) atravs da literatura e da histria da Frana.Nestaviagem, que atravessou nove sculos, a escritora conta com acompanhia de ilustres personalidades, reais e imaginrias. De Abelardo

    e Helosa a Marguerite Duras, passando por Cyrano de Bergerac,Balzac, Rimbaud, Madame Bovary, Jean-Paul Sartre e Simone deBeauvoir, e muitos outros personagens da cultura francesa quepersonificam todas as nuances do herosmo romntico que povoam oimaginrio dos que sonham com o verdadeiro amor. Como os francesesinventaram o amor um trabalho acadmico primoroso, embalado emuma prosa cativante que certamente ir seduzir os leitores. E MarilynYalom, mulher do escritor se revela uma charmosa guia em umaexpedio pelo desejo, pelo romance e pelo sexo francesa, incansveis

    fontes de inspirao para o resto do mundo.

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    Nem voc sem mim, nem eu sem vocNi vous sans moi, ni moi sans vous

    O lai da madressilva, Marie de France, sculo XII

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    Nota ao leitor

    Como os franceses amam o amor! Ele ocupa um lugar privilegiado emsua identidade nacional, assim como a moda, a comida e os direitoshumanos. Um francs ou uma francesa sem desejo considerado algumimperfeito, como uma pessoa desprovida de paladar ou olfato. H sculosos franceses se consideram mestres da arte de amar por meio de sualiteratura, sua pintura, suas canes, seu cinema.

    Recorremos com frequncia a expresses francesas do vocabulrio doamor. Em ingls, o beijo de lngua conhecido como beijo francs.Usamos as expresses rendez-vous, tte--ttee mnage troispara aludira intimidades com certo sabor francs. A palavra galanteio vemdiretamente da lngua francesa, e a palavra amour no necessita detraduo, nem mesmo para os falantes de ingls, que usam um termo todiferente para designar a mesma coisa ( love). Ns, como boa parte domundo, somos fascinados por tudo o que de origem francesa para

    melhorar a aparncia fsica ou a vida amorosa.Uma caracterstica deinidora do amor la franaise sua decidida

    nfase no prazer sexual. Mesmo franceses mais velhos cultivam uma visodo amor fundamentada na carne, conforme indicou uma recente pesquisacom cidados americanos e franceses na faixa dos cinquenta aos 64 anos.Segundo um estudo publicado na edio de janeiro-fevereiro de 2010 daARP Magazine, apenas 34% do grupo de franceses concorda com a

    airmao de que pode haver verdadeiro amor sem uma fulgurante vidasexual, em comparao com 83% dos americanos ouvidos. Uma diferenade 49 pontos percentuais na avaliao sobre a necessidade de sexo no

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    amor constitui uma estatstica espantosa! Essa nfase dos franceses nasatisfao carnal soa aos americanos mais comedidos como deliciosamenteimpertinente.

    Alm disso, a ideia francesa do amor inclui elementos mais obscuros,

    que os americanos relutam em admitir como normais: cime, sofrimento,relaes extraconjugais, multiplicidade de amantes, crimes passionais, atmesmo a violncia. Talvez mais do que qualquer outra coisa, os francesesaceitam a premissa de que a paixo sexual justiica-se por si. O amorsimplesmente no tem a mesma moral subjacente que os americanosesperam que ele tenha.

    Da lenda medieval de Tristo e Isolda a ilmes modernos como A sereiado Mississipi, A mulher do lado e Partir, o amor representado como um

    atum um irresistvel fado contra o qual intil se rebelar. A moralidadese revela como um frgil obstculo quando confrontada com o amorertico.

    Neste livro, rastreio o amour la franaise o amor ao estilo francs desde o surgimento do romance no sculo XII at a nossa era. Aquilo queos franceses inventaram h novecentos anos, e continuaram reinventandoatravs dos tempos, tem extravasado para muito alm das fronteiras da

    Frana. Os americanos de minha gerao pensam nos franceses comoprovedores do amor. A partir de seus livros, canes, revistas e ilmes,formamos uma imagem do romance sensual que estava em conlito com oeufemizado modelo americano dos anos 1950. Como os franceseschegaram a isso? Escrevi este livro para responder a essa questo.

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    Introduo

    Abelardo e Helosa, santospatronos dos amantes franceses

    Em toda a minha vida, sabe Deus, foi tu, e no Ele, quem eu temi ofender, foi tu, em vez Dele,quem procurei agradar.

    Helosa a Abelardo, c. 1133

    Abelardo e Helosa so to familiares aos franceses como Romeu eJulieta aos demais pases do Ocidente. Esse casal de amantes, que viveu noincio do sculo XII, nos legou uma histria to estranha que pode ser lidacomo uma narrativa gtica. As surpreendentes cartas que trocaram, emlatim, e a autobiograia de Abelardo, Historia calamitatum [A histria deminhas calamidades], tornaram-se textos emblemticos na histria do amorna Frana.

    Abelardo foi um pregador itinerante, erudito, ilsofo e o professormais popular de seu tempo. Dos vinte at quase os quarenta anos, icoufamoso por seus discursos sobre dialtica (lgica) e teologia. E sua belezano o prejudicou. Como os astros de rock de hoje, sua aparncia comoorador ajudou a atrair multides de admiradores. Antes do surgimento dasuniversidades na Frana, havia escolas urbanas distritais que se formavamem torno de estudiosos clebres, e a que foi criada por Abelardo em Parisreuniu estudantes de todas as regies da cristandade.

    Helosa, sobrinha e pupila do cnego de uma igreja em Paris, j naadolescncia se destacava pela brilhante inteligncia e pelo aprendizado

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    avanado. J dominava o latim e viria a se tornar proiciente em grego ehebraico. Atrado por esse talento singular, Abelardo engendrou um planoinfalvel para seduzi-la: hospedar-se na casa do cnego a im de ministraraulas particulares jovem. No demorou para Abelardo e Helosa caremnos braos um do outro e se envolverem em uma ardente paixo.

    Durante o inverno de 1115-1116, quando se tornaram amantes,Helosa teria apenas quinze anos, e Abelardo, por volta dos 37. Atconhec-la, ele ainda era um adepto do celibato e estava totalmentedespreparado diante da fora irresistvel daquela paixo arrebatadora:com os livros abertos nossa frente, havia mais palavras de amor do queas que estavam impressas, e mais beijos do que estudo. Minhas mospercorriam mais vezes seus seios do que as pginas; o amor levava nossos

    olhos a se fixarem antes um no outro do que na leitura dos textos.[1]

    Para Helosa, aquele amor era um paraso de xtase que ela noconseguia apagar da memria: Os prazeres de amor quecompartilhvamos eram demasiado doces nunca poderiam medesagradar, e mal podiam deixar meus pensamentos.

    Mas havia uma desvantagem naquele amor ertico. O trabalho deAbelardo comeou a se ressentir, e seus alunos passaram a reclamar de

    suas distraes. Ocupado em compor canes de amor para Helosa, maisdo que em discorrer sobre teologia, ele se tornou surdo aos rumores quepassaram a circular sobre eles. Por im, o tio de Helosa no pde maiscontinuar alheio ao caso amoroso, e os amantes foram obrigados a seseparar, no antes, porm, que Helosa engravidasse. Abelardo a mandoupara a casa de sua famlia na Bretanha e continuou em Paris enfrentando aira daquele tio. Os dois concordaram que o casamento seria a soluo parareparar a desonra da jovem. No entanto, nenhum dos dois prestou atenos objees de Helosa: ela preferia continuar amante de Abelardo em vezde se tornar sua esposa, pois, a seu ver, o casamento seria um desastrepara a carreira do companheiro. Ela ainda compartilhava a opinio geralde que o amor no podia florescer dentro do casamento.

    Apesar disso, logo depois do nascimento do filho, a quem deram o nomede Astrolbio, Abelardo e Helosa se casaram secretamente numa igreja napresena do tio dela e de algumas poucas testemunhas. Eles pretendiam

    que o casamento icasse em segredo, de modo a no prejudicar areputao de Abelardo. Mas aquela situao no satisfez o tio de Helosa,

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    com quem ela voltara a viver. Quando ele passou a atac-la com palavrasduras e exploses descontroladas, Abelardo decidiu envi-latemporariamente Abadia de Argenteuil, o mesmo convento onde elahavia sido educada na infncia. Por acreditar que, com isso, Abelardo tinhaa inteno de livrar-se da moa, o tio resolveu puni-lo com um atomonstruoso: uma noite, enquanto Abelardo dormia, criados invadiram seuquarto e o castraram. Castrado! At mesmo os piores ilmes de mau gostorelutam em representar um crime to sangrento.

    A primeira vez que ouvi os nomes de Abelardo e Helosa foi,provavelmente, na cano de Cole Porter, It was just one of those things,do musicalJubileu, de 1935: Quando Abelardo disse a Helosa/ Por favor,no se esquea de me escrever umas linhas.

    Essa cano tornou-se popular na metade do sculo XX, quando seimaginava que os soisticados frequentadores de teatro seriam capazes dereconhecer tais referncias. Mas aqueles nomes nada signiicavam paramim, at eu vir a estudar literatura medieval francesa no WellesleyCollege, na dcada de 1950, quando li, ento, a Balada das damas dostempos antigos, escrita ainda no sculo XV pelo poeta Franois Villon:

    Onde est a sbia HelosaPor quem Abelardo foi castradoE feito um monge em Saint Denis?Pelo verdadeiro amor sofreu tais provas.[2]

    Ergui os olhos diante da palavra chtr(castrado) e criei coragem parapedir professora que explicasse melhor. A professora Andre Bruel uma mulher cheia de corpo que, nas aulas, no via problemas em usar

    gestos como os dos cavaleiros numa batalha explicou de maneiradesajeitada que Pedro Abelardo de fato perdeu os testculos pelas mos decriminosos contratados pelo tio de Helosa. Por im, encerrou rapidamenteo assunto e me recomendou a leitura das cartas trocadas pelos doisamantes, assim como a da autobiografia de Abelardo.

    De uma forma ou de outra, consegui ler esses textos entre as tarefas docurso (em francs traduzido do latim) e iquei assombrada. Como pdeaquela adolescente mais nova do que ento eu era se render to

    completamente a um homem com o dobro de sua idade, e um clrigo, aindapor cima! Como os dois puderam afrontar as censuras da Igreja Catlica

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    Romana e o seu conhecido desdm pela paixo humana, a crena de quefazer amor, a no ser dentro do casamento e com a inalidade daprocriao, consistia em fornicao pecaminosa? Como conseguiramaguentar as presses sociais e familiares, que penalizavam mes solteirase padres casados? Como puderam sobreviver dor e ignomnia daemasculao de Abelardo?

    Hoje sei que a horrvel mutilao de Abelardo no teria impedido queele vivesse como marido com Helosa. Tendo se casado dentro da Igreja,eles eram esposos legtimos no sentido pleno da palavra, e a Igrejaassegura a anulao somente quando um casamento no chega a serconsumado. No entanto, esse cenrio domstico no ocorreu. Abelardoinstruiu Helosa a icar permanentemente no convento e a fazer os votos

    religiosos, os mesmos que ele izera como monge. Por que ele tomou essadeciso e por que ela obedeceu sua ordem?

    Muito tempo depois da separao, Abelardo tentou justiicar seus atosn a Historia calamitatum , escrita a um amigo na forma de uma carta deconsolo. Explicou ele:

    Admito que foi por vergonha e confuso, em meu remorso e misria, e no qualquer desejodevoto de converso, que me levou a buscar abrigo num claustro de monastrio. Helosa j

    tinha concordado em tomar o vu em obedincia minha vontade e entrou para um convento.Assim, vestimos ambos o hbito religioso, eu na abadia de Saint Denis, ela no convento deArgenteuil.

    A carta a esse suposto amigo circulou entre os que sabiam ler em latime talvez tenha chamado a ateno de Helosa. Na poca, ela j tinhapassado dos trinta anos e viveria distante de Abelardo por cerca de quinze,primeiro em Argenteuil, onde se tornou madre superiora, e mais tarde

    como abadessa do monastrio de Paraclete, fundado por ningum menosque seu prprio marido, Abelardo. Sua paixo no tinha ainda perdidonem um pouco de sua fora, e ela o censurava por no ter se esforado porcontat-la ou confort-la, como fizera em relao quele annimo amigo.

    Diga-me, se puder, protestava ela, depois que entramos para a vidareligiosa, o que foi uma deciso apenas sua, por que fui abandonada eesquecida por voc? Eu lhe direi o que penso, e o que na verdade o

    mundo desconia. Era desejo, e no afeto, o que uniu voc a mim, era achama da concupiscncia, e no o amor.Helosa enfatizava uma diferena que ser sempre feita e refeita

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    quando abordamos as variaes sobre o tema do amor. Sero os homensmotivados principalmente pelo desejo sico, e as mulheres, por suasemoes? Ou, de maneira mais crua, os homens so comandados por seupnis, e as mulheres, por seu corao? Uma combinao de desejo sico eligao emocional o que Helosa sentia por Abelardo e pensava que ele sedeixara levar apenas pela luxria. Isso soa como uma diferena entrehomens e mulheres muito discutida at hoje. (Penso particularmente noslivros do neuropsiquiatra Louann Brizendine, The female brain [O crebroeminino] e The male brain [O crebro masculino ], que airmam que um

    homem tem duas vezes e meia mais espao no crebro dedicado procurade sexo do que a mulher, enquanto o sistema de empatia do crebrofeminino consideravelmente mais ativo que o do crebro masculino. [3])

    Decerto, Helosa conservou seu amor por Abelardo para alm de todos oslimites, mesmo muito tempo depois de ele a ter abandonado.

    Quinze anos antes, ela vestira o hbito por deciso dele, sem qualquervontade prpria, e sua absoluta sujeio ao amado, mais do que a Deus,no mudou ao longo do tempo. Mesmo enquanto abadessa de Paraclete, elaainda o colocava no papel de mestre, pai e marido que tinha podertotal sobre seu destino. Ser mulher naquele tempo signiicava submeter-se

    aos homens. Isso valia tanto para a vida pessoal como para a religiosa,embora algumas ordens religiosas femininas conseguissem assegurar umaconsidervel autonomia, e certas mulheres de personalidade forte fossemcapazes de dominar o marido. O nico lugar que nenhuma delas podiacontrolar, nem mesmo a prpria Helosa, era o inconsciente.

    Em suas cartas a Abelardo, ela confessava desejos erticos que nodesapareceram com o passar dos anos e aceitava a castrao dele comouma forma de punio divina. Com 54 anos na poca das cartas, e tendoperdido a parte do corpo que responde pela virilidade, Abelardoconsiderava aquele caso de amor e o casamento como histriasencerradas, substitudas inteiramente pelo amor a Deus. E aconselhouHelosa a procurar seguir seu exemplo. Mas ela no tinha ento mais doque 32 anos e ainda se espicaava pelos prazeres perdidos. Enquantodesempenhava o papel de abadessa com visvel empenho, em suaimaginao continuava a ser a mulher e amante de Abelardo, deixando-se

    consumir por lbricas recordaes:

    Para onde quer que me volte, elas esto sempre ali, diante de meus olhos, trazendo com elas

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    desejos e fantasias despertos que nem me deixam dormir. At mesmo durante a celebrao damissa, quando nossas preces devem ser mais puras, vises lascivas daqueles prazeres provocamtal aperto sobre a minha alma infeliz que meus pensamentos se voltam para a lascvia, no lugardas preces. Eu deveria estar gemendo sobre os pecados que cometi, mas posso apenas suspirarpelo que perdi. Tudo o que izemos, assim como os instantes e os lugares, est gravado em meucorao com a sua imagem, e atravs dela eu vivo novamente tudo isso com voc.

    O grito apaixonado de Helosa ecoou atravs dos tempos. Ela fala atodas as mulheres que amaram sem reservas e, depois, perderam aquele aquem amavam. Morte, divrcio, abandono e deicincia sica reduziramincontveis mulheres, e homens, a vidas de inquieto desespero. Separadosde maneira to abrupta e grotesca, Helosa e Abelardo viveram os anosque lhes restaram como membros das ordens religiosas que os abrigaram,

    ainda que Abelardo se visse constantemente em conlito com seus colegastelogos, e Helosa fosse continuamente atormentada pelos desejos dacarne. Ainda em seu tempo, os dois eram vistos com assombro por seuscontemporneos e, nos ltimos sculos, conquistaram devotadosseguidores, que passaram a consider-los como santos patronos. inegvel que a castrao de Abelardo contribuiu para sua aura sagrada,uma vez que algum tipo de mutilao sica lembre-se de So Sebastiocom o peito perfurado pela seta, ou de Santa gata, com os seiosamputados tem sido frequentemente associado santidade. Assim, noseria dicil considerar esse par famoso, Abelardo com sua debilitantemutilao e Helosa com sua angstia psquica, como mrtires do amor.

    Conforme o pedido que deixou, Abelardo foi sepultado em Paraclete em1144, e Helosa se uniu a ele duas dcadas depois, em 16 de maio de 1164.Mais tarde, na poca da Revoluo Francesa, quando o convento foivendido e o edicio demolido, seus ossos foram levados para a vizinha

    Igreja de Saint Laurent, em Nogent-sur-Seine. Em 1817, seus restosmortais foram transladados para o Cemitrio Pre-Lachaise, em Paris,onde repousam sob uma alta tumba em estilo gtico. Os apaixonadoscomearam a fazer peregrinaes a seu tmulo. Da ltima vez que o visitei,vi um buqu de narcisos e um pequeno carto que pedia bnos ao casal,morto h sculos.

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    [1] The letters of Abelard and Heloise, trad. Betty Radice (London: Penguin Books, 1974, pp. 5152).Todas as citaes das Cartase da Histria de minhas calamidades, de Abelardo, foram extradasdessa traduo.

    [2] Franois Villon, Ballade des dames du temps jadis. Traduo livre. [N.T.]

    [3] Louann Brezendine, The male brain(New York: Broadway Books, 2010).

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    Amor corts

    Como os franceses inventaram o amor

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    Em minha opinio, uma pessoa no tem qualquer valorSe no desejar o amor

    Bernard de Ventadour, c. 1147-1170

    Minha amiga francesa Marianne casou com Pierre em 1977, logo depois deum divrcio que lhe deu a custdia exclusiva de suas ilhas gmeas. Elatinha na poca 29 anos, e Pierre estava com 49. A irm de Pierre, Jeanne, oalertou de que, com aquela diferena de idade, ele provavelmente setornaria um marido enganado. Pierre respondeu que, se esse momentochegasse, ele mesmo estudaria o terreno e escolheria um amante para suamulher. Marianne no esperou que Pierre lhe arrumasse um amante.Cerca de quinze anos depois desse casamento, ela se apaixonou porStphane, um francs de sua idade. Stphane e Marianne izeram opossvel para que o caso permanecesse em segredo, mas ela foi vistavrias vezes saindo do apartamento dele, e a notcia chegou a Pierre, queprimeiro se mostrou incrdulo e depois enfurecido. Ele chamou a esposa elhe disse que ela deveria escolher ou ele, ou o amante. Profundamenteligada a Pierre, que a tinha ajudado a criar suas ilhas, mas loucamenteapaixonada por Stphane, ela se sentia dividida entre os dois homens e

    no queria deixar nem um, nem outro. Por im, ela procurou a irm dePierre, Jeanne, e lhe pediu que negociasse um acordo.

    Ela manteria o casamento at a morte, caso pudesse sair de casa, semque nada lhe fosse perguntado, todos os dias das quatro da tarde s seteda noite, exceto aos domingos. Depois de horas de conversa dolorosa efranca, Pierre engoliu o orgulho e aceitou o acordo. Os dois continuaramcasados por mais doze anos, at que Pierre teve uma doena terminal, e

    ento Marianne cuidou dele com dedicao at sua morte. Ela sofreusinceramente a sua perda e depois foi morar com Stphane.Eis a, creio, uma histria genuinamente francesa. Tendo conhecido

    todas as pessoas envolvidas no caso, posso dizer que elas se portaram comgrande dignidade. Marianne nunca falou comigo, ou com qualquer outrapessoa, sobre aquele acordo: iquei sabendo dele por Jeanne. Emboramuitas pessoas de seu crculo soubessem que Marianne e Stphane eramamantes, nenhum deles nunca se referiu a isso. Todos mantiveram as

    aparncias segundo a etiqueta da classe a que pertenciam, a altaburguesia.

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    Como Marianne, Pierre e Stphane foram capazes de viver essacircunstncia to pouco convencional? Em que parte da histria francesaas razes de tal comportamento podem ser encontradas? Minha memriaimediatamente retrocede Idade Mdia, s ardentes histrias de Lancelotee Guinevere e tambm s de Tristo e Isolda, entre outras lendas demulheres divididas entre o marido e o amante. Se esse tpico hoje setornou um tema convencional, enfocado em romances famosos comoMadame Bovary eAna Karnina , no devemos nos esquecer de que oadultrio um assunto da literatura que se tornou moda pela primeira vezna Frana do sculo XII. Sim, trata-se do mesmo sculo em que transcorreua histria verdica de Abelardo e Helosa.

    Na vida real, as mulheres da Idade Mdia submetiam-se autoridade

    masculina, representada pelo pai, pelo marido ou pelo padre. Lembremoscomo Helosa se sujeitava s decises absolutas de seu tio ou de seumestre, amante e marido. Sob a tutela de Abelardo, ela se iniciou no amor eno sexo. Por insistncia dele, deslocou-se Bretanha para dar luz o ilhoe deix-lo aos cuidados da famlia de Abelardo. Casou-se secretamente comele, apesar de ter restries quanto ao casamento, e obedeceu suadeciso de se refugiar no convento onde ela havia sido educada. At vestiu

    o hbito por deciso dele, embora considerasse no ter vocao religiosa.Mesmo uma mulher extraordinria como Helosa teve de se curvar aosditames dos homens. Indubitavelmente, assim ocorria com quase todas asmulheres na Idade Mdia, fossem elas princesas ou camponesas.

    Diversamente do casamento de Abelardo e Helosa, a maioria doscasamentos entre pessoas da nobreza ou das classes altas nada tinha a vercom o amor. Com efeito, a simples suspeita de amor entre pessoas solteirasera rigidamente censurada, diante da crena de que o amor (escritoexatamente assim, em francs arcaico) era uma fora destrutiva eirracional. Os casamentos entre as classes privilegiadas eram arranjadospelas famlias segundo o interesse de propriedade e de parentescodesejvel, e no pelos futuros cnjuges. Meninas de apenas treze oucatorze anos, mas com mais frequncia entre os quinze e os dezessete,casavam-se com homens escolhidos, de mesma condio social e em geralentre cinco e quinze anos mais velhos que elas.

    Nas canes e na literatura, porm, as coisas podiam ser diferentes. Apoesia lrica e as narrativas em versos do sculo XII respondiam sfantasias tanto de homens como de mulheres, especialmente quando estas

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    eram patronas das artes um papel que cada vez mais passaram aassumir nas cortes regionais. Em poucas geraes, os poemas picosenfocando batalhas como a heroica Cano de Rolando , inspirada pelaprimeira Cruzada (1096-1099) deram lugar aos romances de cavalaria

    representando corajosos cavaleiros e as encantadoras damas que elesveneravam. Se acontecesse de tal dama ser a esposa de algum, bem, issocontribua exatamente para apimentar a histria. Na verdade, cada vezcom mais frequncia, a mulher amada eraa esposa de outro. No demoroumuito para que a dama e seu amante assumissem lugar central no culto doinamor termo comumente traduzido como amor corts. Essa nova viso

    das relaes de amor entre os sexos, a qual surgiu primeiro nas canes edepois na escrita, viria a evoluir em modelo para [quase] todos os homens

    e mulheres do Ocidente, com ou sem o componente do adultrio. Hoje,damos a ela o nome de amor romntico.

    Fao aqui uma pausa para um esclarecimento. Com certeza, homens emulheres experimentaram algo semelhante ao amor romntico antes dosculo XII. A Bblia nos conta o desejo intenso do rei Davi por Betsab, eque Isaac amava sua esposa Rebeca. As antigas tragdias gregas noslegaram Fedra, que ardia em desejo por seu enteado Hiplito; e Medeia,

    que, por causa do violento cime do marido, Jaso, assassinou os ilhos. Apoeta grega Safo suplicou a Afrodite que transformasse em recproco o seuamor no correspondido por uma jovem, e o ilsofo Plato louvou o amorde rapazes por homens velhos como um fenmeno natural. E quem podeesquecer o suicdio arrebatador de Dido depois que Eneias a abandonou,na grande tragdia pica de Virglio, a Eneida? Ou a jovialA arte de amar,de Ovdio, em que tantos pretendentes buscaram conselhos? Assim, fciladmitir que o amor, tal como o entendemos hoje, sempre existiu.

    No entanto, algo novo emergiu na histria do amor na Frana do sculoXII, uma exploso cultural que proclamou os direitos dos amantes de viversua paixo apesar de todas as diiculdades criadas pela sociedade e pelareligio. Mesmo a histria de Abelardo e Helosa, embora enraizada nasubmisso Igreja e ao tradicional domnio masculino, foi marcada poresse novo esprito que defendeu a prpria causa do amor.

    Nas histrias medievais, amantes apaixonados se viam presos numa

    rede de desejo incontrolvel, o que os colocava em rota de coliso compadres, pais e vizinhos, afora o sempre presente marido. Encontramos

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    maridos enfurecidos por esposas atradas por outros homens; mulheresfazendo acusaes falsas contra os homens que as rejeitavam; homens debom senso enfeitiados por mulheres invariavelmente jovens, belas eloiras; risveis mulheres mais velhas lamentarem a perda de seus encantose se apegarem a rapazes cujos olhares miravam outra parte. Dinheiro,posio social e idade pesavam a favor de certos companheiros, emdetrimento de outros menos dotados. Apesar das enormes diferenasentre um castelo do sculo XII e uma casa de nossos dias, todas essaspreocupaes ainda sobrevivem entre ns. Em assuntos do corao, somosainda aparentados aos habitantes dos livros de histrias da Franamedieval.

    Este captulo dedica-se a descrever como os franceses inventaram e

    propagaram a ideia do amor corts. Comearemos, como no poderiadeixar de ser, pelo sul da Frana, onde os troubadours introduziram umanova espcie de poema cano em louvor a uma nobre dama. A seguir, nosdeslocaremos para o norte da Frana, onde os menestris aproveitaram ostemas dos trovadores, a eles acrescentando seus prprios requintes. Nonorte, na corte de Marie de Champagne, os romances de cavalaria escritosem versos se tornaram moda, muito notavelmente os de Chrtien de

    Troyes, cujas histrias de Lancelote e Guinevere vieram a ser lidas eimitadas atravs dos sculos. O capelo de Marie de Champagne, AndreasCapellanus, merece nossa ateno por sua A arte do amor corts , queespalhou os preceitos desse tipo de amor por toda a Europa medieval.Observaremos tambm uma obscena interao entre um menestrel e umasenhora numa singular histria em versos escrita por Conon de Bthune.Em seguida, vamos nos deslocar Inglaterra, onde uma mulher misteriosa,Marie de France, deu voz potica a muitas das provaes sofridas por seus

    amantes. Para completar essa coleo de canes, poemas e histriasdestinados s audincias nobres, iremos nos deter nos lamentos daesposa infeliz, populares entre os camponeses. Nesse tour pela culturado sculo XII, vou me permitir arriscar vrias generalizaes, que icamabertas ao debate.

    A um habitante do sul da Frana na Idade Mdia tem sido atribuda a

    semeadura para o lorescimento do amor romntico no mundo ocidental.Nos primeiros anos do sculo XII, Guilherme IX, duque da Aquitnia, criou

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    os primeiros versos de amor da lrica trovadoresca. Esses poemas canesescritos na lngua nativa provenal enfocavam exclusivamente o amor, emespecial a mulher amada, a domna. Numa dramtica recusa da prticatradicional, Guilherme inverteu os papis masculino e feminino, garantindo mulher poderes sobre o homem. verdade que alguns de seus primeirospoemas exalavam grosseira misoginia e tratavam as mulheres como sefossem pouco mais do que cavalos a serem conduzidos em direo satisfao masculina; outros poemas, porm, depois introduziram a visoda bem-amada como senhora a quem se deveria servir e obedecer. Essesegundo modelo incaria razes na alta cultura e espalharia seus ramos portoda a Europa.

    At morrer, em 1127, o duque Guilherme foi o mais poderoso nobre da

    Frana. Possua mais terras do que o rei e at se recusava a lhe prestartributo, como era requerido no sistema feudal. Guilherme era conhecidocomo um guerreiro voraz nas batalhas contra seus vizinhos e foi o lder deuma malsucedida Cruzada Terra Santa. Mas, ao mesmo tempo, era umsedutor que estendia suas faanhas at a alcova. Todas eram para eleobjeto de caa, e ele provavelmente tomava algumas delas fora, damesma forma como conquistava terras de seus vizinhos. Quando se cansou

    de sua segunda mulher, simplesmente a substituiu pela viscondessa deChtellerault. No lhe importou (ou a ela?) que ela j estivesse casada comum de seus vassalos. Assim, ningum se surpreendeu quando Guilhermefoi excomungado. uma ironia da histria que um homem to brutal tenhasido o pai do amor romntico.

    Este exemplo, extrado de um de seus onze poemas preservados,ilustra o novo statuselevado da mulher:

    Por conceder alegria, minha Senhora pode curarPor sua ira pode matar.[]Se minha Senhora quiser me dar o seu amor,Estou pronto a receb-lo, e sou grato,Seja para ocult-lo ou proclam-lo, para falar e agir conforme o seu contentamento [1]

    O Guilherme desse poema respeitoso, subserviente, atento s

    aspiraes da senhora e pronto a atender a seus caprichos imprevisveis muito diferente do antigo bruto que tiranizava indistintamente homens emulheres. De onde adveio a sua nova personalidade? Seria a inluncia de

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    uma mulher, a viscondessa de Chtellerault? Ecoaria nele inclinaescrists presentes no nascente culto da Virgem Maria? Ou essa mudanapodia derivar da literatura rabe, que j havia introduzido canes deamor ao mesmo tempo na longnqua Bagd e na vizinha Espanha?Questes como essas continuam a ser discutidas pelos estudiosos, mastodos concordam que a transformao da persona de Guilherme est naraiz de uma viso dramaticamente diferente de como as mulheresdeveriam ser tratadas pelos homens.

    O termo alegria, empregado pelo duque, tornou-se uma palavra-chave na poesia trovadoresca. Representa a fuso mstica de dois corpos ede duas almas em mtuo xtase. Nas palavras do trovador Bernard deVentadour, que cantou louvores neta de Guilherme IX, a renomada

    Leonor da Aquitnia: Alegria, para mim. Alegria, minha senhora, acima detudo [2] Leonor foi casada com o rei francs Lus VII de 1139 a 1152.Segundo dizem, ela foi uma rainha alegre, bela, obstinada, que deve ter sedesviado do leito conjugal, enquanto seu prudente marido manteve-sebem-comportado. Quando seu casamento foi anulado, ela deixou suas duasilhas na Frana e se casou em segundas npcias com Henrique II daInglaterra. Na corte inglesa, Leonor deu luz trs outras ilhas e cinco

    ilhos e continuou a patrocinar os trovadores e os menestris que falavamsuas duas lnguas a langue doc, ou occitano, a lngua do sul da Frana; e alangue dol, falada no norte francs, a que hoje chamamos francs antigo.

    Entre os trovadores, havia tanto homens de alta posio como os deorigem humilde. Ocasionalmente, o trovador era uma mulher, isto , umatroibaritz. A condessa de Die, que escreveu entre 1150 e 1160, seapresentou com ousadia como orientadora da alegria ertica.

    Meu bom amigo, to agradvel, to belo,Quando eu o tiver em meu poder,Dormindo com voc noite,E puder lhe dar um beijo de amor,

    Saiba que meu grande desejo ter voc, e no meu marido,Mas apenas se voc prometer

    Tudo fazer conforme a minha vontade.[3]

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    Raras vezes uma mulher expressou seu papel de dominadora comtanta clareza! Ela sugere que um homem que pretendesse um lugar emsua cama deveria obedecer a seus caprichos e fantasias sexuais. Almdisso, diz a lenda que a condessa de Die, casada com Guilherme de Poitiers,se apaixonou desafortunadamente pelo poeta e grand seigneur RaimbautdOrange, para quem escreveu poemas de natureza bem diferente.

    Eu devo cantar, porm no quero cantar,Estou cheia de rancor contra aquele que amoAmo-o mais do que a tudo no mundo.Mas nem a bondade, nem a cortesia, encontra favor de sua parteNem minha beleza, nem meu valor, nem meu encanto.Vejo-me enganada e trada

    Como se eu fosse feia para ser contemplada.[4]

    Como seu antepassado espiritual Guilherme IX de Aquitnia, acondessa de Die imaginava que o amor no podia existir sem intimidadesvoluptuosas. (Felizmente, a msica de um dos poemas canes da condessafoi preservada para a posteridade e hoje pode ser ouvida em gravaoexecutada pela admirvel intrprete da msica medieval ElisabethLesnes.)

    No norte da Frana, os menestris, conhecidos como trouvres,aproveitaram os temas dos trovadores (troubadours), embora a msica emsi fosse fortemente inluenciada pela Escola Parisiense de Notre Dame,devotada ao culto da Virgem Maria. Quando se ouve essa msica dossculos XII e XIII, possvel perceber que as canes sacras e profanaseram bastante parecidas, ainda que as palavras fossem diferentes. Ainda

    existem manuscritos em nmero suiciente para nos dar uma ideia damsica, que era cantada com o acompanhamento de uma pequena harpa.

    No norte da Frana, o amor parecia se tornar cada vez mais idealizado,e a senhora bem-amada, cada vez mais inacessvel, com o poeta-menestrelrenunciando sua expectativa de uma recompensa sica. Ao contrrio deseus congneres do sul, os menestris do norte cantavam antes um amorausente do que um amor consumado.

    O sofrimento era uma ddiva para o poeta-amante, como para GaceBrul, que, perto da virada para o sculo XIII, orgulhosamente cantou:

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    Quero que o meu corao sofra de AmorPorque ningum tem um corao to fiel como o meu.

    Ou ainda:

    O amor me faz amar algum que no me amaPortanto nada terei, a no ser dor e sofrimento.

    E novamente:

    Estou disposto a sofrer esse descontentamentoDe modo a poder aumentar meu valor.[5]

    O sofrimento se transforma em teste de carter capaz de tornar oamante merecedor do afeto da senhora. Mas, independentemente de quaisfossem os sentimentos dela, esperava-se que o amante fosse submisso einabalvel em sua devoo, ainda que adversrios malvolos quisessemarruin-lo. Esses adversrios, denominados vilains ou vileins, em francsantigo (que originalmente signiicava de m estirpe e, maisrecentemente, derivou para vilo) , poderiam vir a revelar o segredo do

    amante a um marido ciumento, caluni-lo ou mesmo agredi-lo fisicamente.Desde a segunda metade do sculo XII, os menestris andantes quecelebravam o amor de mulheres bem-nascidas eram onipresentes emtodas as cortes de fala francesa, no apenas em territrio da Frana, mastambm na Inglaterra da corte de Leonor de Aquitnia e de Henrique II. Asmulheres se tornaram uma fora a ser levada em conta pela nobreza.Enquanto seus companheiros se ausentavam muitas vezes em virtude dasguerras, das Cruzadas ou das atividades de caa, as mulheres respondiampela vida cotidiana nos castelos, junto a ilhos, pais, criados, cavaleirosagregados famlia, sacerdotes, amigos em visita, parasitas e artistasitinerantes. Em muitas iluminuras, elas aparecem representadasparticipando de banquetes, compartilhando as delcias da msica, dacomida e da dana e usufruindo os prazeres do finamor. Nos romances, onmero de personagens femininas aumentou de modo impressionantenesse perodo, como que reletindo a crescente importncia da mulher na

    vida aristocrtica. Repentinamente, mais mulheres eram evocadas nospoemas canes recitados diante de audincias iletradas, reunidas dentroe fora dos castelos, em meio a uma aristocracia ansiosa por ouvir a ltima

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    histria de amor. O que antes era um empreendimento potico voltadoprincipalmente para as faanhas masculinas, agora se tornavaefetivamente uma instituio mista. Enquanto, na frente de batalha,homens lutavam entre si em combates sangrentos, na corte eles setornavam nobres adversrios das mulheres no jogo corts do amor.

    Eu gostaria de ter vivido essa mudana nas sensibilidades, quandodeixou de ser possvel para um cavaleiro ligar-se exclusivamente ao seucavalo e sua espada. Os cortesos educados nesse novo modelo decavalaria deviam aprender a danar, a escrever versos e a se dedicar aconversas amenas e ao jogo de xadrez. Gostaria de ter visto a expressoperplexa de um combatente antigo ao ouvir as histrias acerca dastentaes do amor, ou o rosto grave de uma me ao incentivar sua ilha a

    se tornar no apenas uma ina tecel e bordadeira, mas tambm umamusicista eicaz e uma hbil jogadora de xadrez. Conforme desenvolvi emmeu livro Birth of the chess Queen , o tabuleiro de xadrez, que se tornouindispensvel para homens e mulheres da aristocracia, criou um espaoonde eles podiam lidar tanto com seus sentimentos como com asartimanhas do jogo. Ao contrrio do jogo de dados, associado licenciosidade e desordem, o xadrez consistiu numa metfora perfeita do

    amor entre a nobreza.Por deinio, a cerimnia do amor foi destinada em primeiro lugar aparceiros das classes mais altas que frequentavam uma corte. Na verdade,a palavra francesa courtoisie assim como sua equivalente inglesacourtesy deriva do vocbulo medieval cort, escrita cours no francsmoderno (e courtno ingls de hoje). Nas cortes da Frana, reis e rainhas,duques e duquesas, condes e condessas e as categorias mais baixas danobreza praticavam a courtoisie segundo a prescrio de um conjunto deregras destinadas a assegurar o trato polido entre os sexos e a promover oamor idealizado criado pelos trovadores do sul e pelos menestris donorte.

    A mais clebre corte onde esse novo amor de bom gosto foi celebradopertencia a Marie de Champagne, a ilha mais velha de Leonor deAquitnia e Lus VII. Graas a seu casamento com o conde Henri[Henrique] de Champagne, em 1164, Marie tomou posse da corte de

    Troyes, onde reinaria at sua morte, em 1198. Foi sob seus auspcios quealguns dos julgamentos de amor passaram a acontecer, e ela mesma sepronunciou em sete julgamentos sobre a correta etiqueta para os amantes.

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    Por exemplo, que tipo de presente os amantes podiam dar um ao outro?Respondeu a condessa de Champagne: um leno, itas para o cabelo, umacoroa de ouro ou prata, um fecho de roupa, um espelho, um cinto, umabolsa, um lao de tecido, um pente, um protetor de mos, luvas, um anel,

    perfume, vasos, bandejas etc.[6]

    Indagada em outra ocasio sobre aescolha de um amante por uma mulher que tinha dois candidatos muitosemelhantes, com exceo da fortuna, a condessa respondeu que o homemque primeiro se apresentou deveria ser preferido. Em um comentrio quehoje pode nos parecer estranho, ela acrescentou: Na verdade, umamulher privilegiada com bens materiais mais digna de louvor caso sededique antes a um homem pobre do que a um muito rico.

    Em um processo de amplas implicaes para o amor romntico,

    perguntaram-lhe se podia haver amor verdadeiro entre marido e mulher.Em 1176, aos 31 anos de idade, a condessa respondeu de modo a nodeixar dvidas: O amor no pode satisfazer suas exigncias entreesposos. Ela baseou essa airmao na crena de que o casamento sefundamentava em obrigaes recprocas, o que impossibilitava a atraoespontnea exigida pelo verdadeiro amor. Outras importantes damasecoaram sua posio quando tiveram de se pronunciar em outros

    julgamentos. Hermengarda, a viscondessa de Narbonne, salientou que aafeio entre esposos e o amor entre amantes eram sentimentoscompletamente diferentes. Quando rainha da Frana, Adle deChampagne, terceira esposa de Lus VII, acrescentou: No ousamoscontradizer a deciso da condessa de Champagne: o verdadeiro amor nopode estender suas exigncias aos esposos.

    Assim a questo era resolvida pelas mais importantes senhoras. Ou noera? Em torno de 1177, Marie de Champagne se tornou a patrona deChrtien de Troyes, o mais eminente escritor de seu tempo. Seus poemasnarrativos que tematizavam romances de cavalaria eram recitados emtodas as cortes de fala francesa e rapidamente se espalharam pela Europa.Alguns desses romans (o termo evoluiu para o signiicado de romance nofrancs moderno) contrariavam a noo de que o verdadeiro amor impossvel no casamento. Com efeito, um dos primeiros trabalhos deChrtien, Eric e Enide, mostra uma felicidade conjugal to excessiva que o

    heri tem de ser mandado de volta ao mundo da cavalaria errante, demodo a recuperar seu valor. De maneira extraordinria, sua mulher insisteem acompanh-lo, e lhe deixam ir com a condio de que nunca falasse

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    com ele. Isso cria uma histria de suspense que envolve monstros,gigantes, jardins encantados e outros elementos dos contos de fadas. Porim, o casal toma o caminho da corte do rei Arthur, onde, ainal, lhes permitido instalar-se.

    Tambm dedicado ao amor conjugal, Yvain, escrito j perto do im davida de Chrtien, conta a histria de um cavaleiro que conquista a mulherdo senhor que ele havia matado em combate. Mas, em vez de desfrutarpara sempre a felicidade conjugal, ele pede esposa permisso para sejuntar a seus colegas, cavaleiros do rei Arthur, em outros combates etorneios. Ela consente que ele se ausente por um ano, aps o que ela nomais o receberia de volta. Yvain se envolve tanto nas aventurascavaleirescas que se esquece da esposa e de sua promessa de voltar no

    prazo combinado. Porm, quando ela o probe de reaparecer em suafrente, ele enlouquece e deve se submeter a provas hercleas pararecuperar a sanidade e reconquistar sua mulher. Yvain uma espcie dehistria de fundo moral, sugerindo que a vida familiar requer que oshomens desistam das prticas guerreiras da juventude. Como autor,Chrtien de Troyes no tem diiculdade em imaginar o amor entre maridoe mulher e procura reconciliar o amor romntico com as necessidades da

    vida domstica; contudo, quando se ps a servio de Marie de Champagne,cujos enfticos pronunciamentos de que o verdadeiro amor exclua ocasamento, ele foi persuadido a escrever a histria de Lancelote eGuinevere, o que o levou introduo das narrativas sobre o adultriocapaz de desafiar a morte.

    Quem nunca ouviu falar sobre o amor entre sir Lancelote e a rainhaGuinevere, a mulher do lendrio rei Arthur? Antes mesmo do sculo XII,Guinevere era uma personagem familiar para os pblicos ingls e francs,que puderam conhecer aquela elegante e caprichosa dama a partir dasnarrativas orais celtas. Mas ningum, antes de Chrtien de Troyes,imaginou sir Lancelote como amante da rainha. Lancelote, o cavaleiro dacharrete, de Chrtien, traz um heri que ao mesmo tempo cavaleiro eamante perfeitos. Sua fora extraordinria no campo de batalha origina-sede seu intenso amor pela rainha Guinevere. Nada pode deter Lancelote emsua busca por salv-la do prncipe malvado que a mantm em cativeiro, e,

    quando chegar o tempo da recompensa, ela ser feita pela carne.Se considerarmos a histria em detalhe, ser possvel perceber como

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    Chrtien recriou o mito cltico e a poesia trovadoresca nesse romance deamor. Porque, sem dvida, trata-se de um romance, embora feito emversos. Ele o ancestral de todos os romances e novelas que hojedevoramos.

    As primeiras palavras de Chrtien do o tom de sua completasubmisso a uma mulher acima de sua condio social, nesse caso, Mariede Champagne: Porque minha senhora de Champagne/ quer que eu inicieum novo/ romance, eu alegremente o farei,/ pois sou seu absoluto servo/em tudo o que ela de mim quiser. [7]Ento o narrador salta imediatamentepara uma cena na corte do rei Arthur, com seus bares [baronetes], arainha e muitos belos bem-nascidos/ Senhoras trocando palavraselegantes/ no mais reinado francs. Logo no incio, as qualidades

    admiradas numa mulher esto ditas explicitamente: ela deve ser bela e seexpressar bem. A tirania da boa aparncia e o requisito da fala vivazestabeleceram padres para as mulheres desejveis na Frana at nossosdias.

    Nessa cena jovial surge um prncipe com um anncio perturbador: elemantm cativas vrias pessoas da corte de Arthur cavaleiros, damas ejovens. Ele no pretende solt-las, a no ser que na corte haja um cavaleiro

    suicientemente corajoso para levar-lhe a rainha como refm; e, se talcavaleiro for capaz de derrot-lo em batalha, ele promete soltar todos osprisioneiros e a rainha.

    Contra sua vontade, o rei Arthur v-se forado a mandar a rainhaGuinevere corte desse prncipe maligno. Mas, atrs dos calcanhares dela,vai um bando de homens, incluindo o sobrinho de Arthur, sir Gauvain.Outro cavaleiro chega todo molhado de suor e quase sem flego: Lancelote.Naturalmente, conforme os preceitos da combinao de mistrio esuspense, o leitor no informado imediatamente do nome desseextraordinrio cavaleiro. De fato, ele no nomeado at a metade dahistria! Nem icamos sabendo explicitamente que ele e Guinevere jtinham trocado juras de amor, embora ela izesse uma velada aluso a seuamante no momento em que foi mandada para longe: Oh, meu amor, seapenas/ voc soubesse.

    A primeira metade da narrativa construda em torno das aventuras

    de Lancelote ao partir em busca de Guinevere. Isso acaba levando ocavaleiro a lugares sobrenaturais e a encontros com mulheres fantsticas,

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    uma reminiscncia dos mitos clticos. Ele passa ento por provas que olevam a correr risco de morte e se envolve em combates ferozes, todosrepresentados segundo o cdigo de cavalaria esperado de um perfeitocavaleiro. Mas Chrtien introduz um elemento singular que diverge desseidealizado retrato e d histria o seu subttulo, O cavaleiro da charrete. Noincio de sua viagem de busca, Lancelote perde seu cavalo e obrigado atomar uma carreta conduzida por um ano, com o propsito de descobrir oparadeiro da rainha. Lancelote hesita antes de subir no veculo,geralmente destinado ao transporte de bandidos, criminosos, gente da piorreputao. O autor nos diz que a carreta um pelourinho ambulante,inspirando medo e ridculo em toda a populao, que nunca deixa depersignar-se quando a v partir. compreensvel que Lancelote relute em

    ser visto em um veculo to mal-afamado; no entanto, icamos sabendo queele se equivocava ao icar envergonhado, uma vez que o Amor lheordenava mover-se o mais rpido possvel em busca da rainha. Ele ouviu/O Amor, e rapidamente subiu,/ Pondo de lado/ todo senso de vergonha/Como o Amor ordenou. No obstante a carga de ridculo que deviasuportar em razo da ignbil carreta, Lancelote se comporta de maneiranobre. Ele vence todas as batalhas, mesmo quando seus oponentes lhe so

    superiores, e trata as mulheres sempre com cortesia, mesmo quando elaslhe fazem pedidos ultrajantes.Um dos mais deliciosos encontros que teve foi com uma ousada jovem

    que lhe ofereceu alojamento em seu castelo com a condio de que elecompartilhasse o leito com ela. Embora procure se abster, ele termina poraceitar a proposta, decidido interiormente a no fazer nada alm dedormir a seu lado. Vemos, a essa altura, no apenas a habilidade deChrtien como contador de histrias e o modo como emprega a ironia e o

    humor, mas tambm sua capacidade de descrever detalhes que revelam osrequintes observados pela rica nobreza. A mesa est posta com umagrande toalha, velas e candelabros, taas de prata com ouro incrustado edois jarros um cheio de vinho de amora e outro com inebriante vinhobranco , tudo contribuindo para uma conveniente atmosfera esttica.Ningum se deita apenas para dormir ou fazer sexo num romancemedieval. A elevao do reinamento aparece nas duas vasilhas de gua

    quente oferecidas para lavar as mos e na toalha inamente trabalhadapara enxug-las. So cortesias com que Chrtien se tinha acostumado nacorte de Marie de Champagne e que ele orgulhosamente compartilha com

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    seu leitor.As cenas que se seguem so representaes magistrais da cavalaria em

    ao. Depois de comerem e beberem juntos, Lancelote se junta jovem emseu leito, como havia prometido. Mas percebe, com horror, que ela estava

    sendo atacada por outro cavaleiro que tencionava rapt-la! Ajude-me,ajude-me!, gritava ela, Se voc no me livrar dele/ Ele ir me desonrardiante de seus olhos! Embora estivessem ali outros cavaleiros armadoscom espada e quatro capangas com machado, Lancelote reuniu coragempara enfrentar o agressor da jovem. Meu Deus, o que/ Posso fazer?Apenas inicio essa grande busca/ Para salvar Guinevere./ No podereiprosseguir se meu corao/ For apenas to valente quanto o de umcoelho.

    Com a imagem de Guinevere servindo-lhe de estmulo, Lanceloteconsegue vencer todos aqueles adversrios. O autor no nos poupadetalhes sangrentos de cabeas partidas at os dentes. uma cenafamiliar para ns, graas a dezenas de ilmes que encenam lutas de espadaentre atores fanfarres, com o heri sempre saindo vencedor contra seusadversrios malignos, apesar das desvantagens numricas. E sempre huma jovem a ser disputada e conquistada.

    A originalidade cmica desse episdio est no papel que Lancelote devedesempenhar como companheiro de cama de uma mulher pela qual nosente desejo. Seu desejo est irmemente ixado em Guinevere epermanece ixo nela mesmo quando ele se deita sobre os lenisimpecavelmente brancos ao lado da jovem annima. Novamente, o autorno deixa de insinuar as sutilezas das trapaas das classes altas. A jovem,nessa passagem, no se refere a um simples colcho de palha, nem a umcobertor spero, mas a uma colcha de seda/ lorida. Lancelote nem tira acamisa, assegurando-se de que parte nenhuma/ De seu corpo tocasse asdela. Olhando ixamente para o teto (e nos vem mente a imagem de BillyCrystal depois de fazer amor com Meg Ryan no ilme Harry e Sally Feitosum para o outro ), Lancelote no pode tirar de seu corao a imagemgravada de seu nico e verdadeiro amor. Amor, que governa/ Todos oscoraes, permitindo-lhes apenas/ Um dono. Consciente de seusprofundos sentimentos, ele recusa as liberdades sexuais de uma

    encantadora jovem, e ela, tendo percebido o seu desinteresse, deixa-o,para ir dormir em outro quarto. Que mulher, a no ser Guinevere, poderiaesperar tal abstinncia de seu parceiro? Embora irreal, a literatura de

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    romance realiza as aspiraes do amor idealizado.Cumprir uma promessa tal como apenas dormir ao lado de uma

    mulher, ou apresentar-se em um combate, ou, ainda, voltar a um cativeirodepois de solto por certo perodo a marca do verdadeiro cavaleiro.

    Lancelote tem muitas oportunidades de demonstrar que homem depalavra, mesmo quando sob riscos ou perigo. Mas, acima de tudo, h suapromessa de manter-se servo iel de Guinevere, a qual ultrapassaqualquer outra considerao. Ainda uma vez mais, Lancelote deveobedecer s ordens dela, por mais caprichosas que sejam. Se ela mandarque ele abandone uma luta pelo meio, mesmo que esteja vencendo oprncipe maligno, ele a interromper. Se ela lhe enviar um bilhete pedindoque ele tenha mau desempenho em um torneio, ele se comportar como

    um covarde, ainda que com isso provoque o desprezo de todos ospresentes. Ela ento lhe manda outra mensagem dizendo que ele, dessavez, lute o melhor que puder; e ele ento derrota todos os adversrios eentrega sua presa mesma multido que, na vspera, o tinharidicularizado.

    Lancelote serve sua senhora como outros servem a Deus umaanalogia recorrente em diversos incidentes narrados. Quando, depois de

    inmeras aventuras, ele por im encontra Guinevere e sobe sua cama aseu pedido Ele se aproximou do leito da rainha/ curvando-se emadorao/ Diante da mais sagrada relquia/ Que jamais conheceu. , e,quando, com relutncia, a deixa pela manh Ele se curvou e persignou/Como que em gratido/ Diante de um altar , o amor corts emprestou religio alguns de seus rituais mais sagrados e continuaria a faz-lo medida que o culto do amor e o culto da Virgem Maria se desenvolveramlado a lado, crescendo com fora na passagem do sculo XII para o XIII.

    A cena de alcova no deixa dvidas sobre quanto os prazeres sicosdeleitavam os dois amantes.

    Foi to incrivelmente agradvelE to bom os beijos, os abraos Que Lancelote descobriu um deleiteTo fino, to assombroso, como ningumNo mundo pde antes conhecer

    Algo parecido; assim ajudou-meDeus! E isso tudo o que possoDizer; e mais nada.

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    A arte de Chrtien no licenciosa. Ele logo interrompe a descrio dosdetalhes do ato amoroso, uma vez que essas descries eram consideradaspor demais grosseiras para a sensibilidade dos nobres. Uma histria decavalaria respeita o silncio e delega muito nossa imaginao.

    Chrtien deiniu o modelo de ouro para as histrias de amor no inal dosculo XII. Seus inmeros imitadores disseminaram a viso do jovem herique persegue obstinadamente uma educao sentimental em suasaventuras como guerreiro. Podiam acontecer vrias reviravoltas na trama,mas, se a histria no abordasse o amor romntico, no conseguiadespertar o interesse do pblico.

    Outra igura central na corte de Marie de Champagne foi o capeloAndreas Capellanus. Assim como Chrtien, ele escreveu e prosperou sob o

    generoso patrocnio de Marie. Seu livro De arte honesti amandi [A arte doamor corts], escrito em 1185, se tornou o guia oicial para os praticantesdofinamor, no apenas na cidade provinciana de Troyes, mas em toda aEuropa medieval. O livro circulou tanto no original em latim como na lnguaverncula de cada pas, e seus ensinamentos eram referidosincessantemente para demonstrar como os amantes deviam se comportar.

    Capellanus retratou o amor como uma atrao irresistvel entre dois

    participantes nobres que se assemelhavam em todos os aspectos. Ohomem, contudo, devia tratar a senhora como se ela tivesse statussuperior. Ele devia dirigir-se a ela como se fosse seu sdito feudal esempre se submeter sua vontade. Na primeira parte de seu tratado, eleestabelece treze preceitos para o amante ideal.

    Recuse a avareza como uma praga e abrace o oposto.Permanea casto para o nico ser que ama.

    No tente destruir o amor de uma senhora que feliz com outro.No procure o amor de uma mulher com quem no se casaria.Lembre-se de evitar a mentira.Evite revelar os segredos de seu amor.Pela obedincia por todos os meios s ordens das senhoras, procure pertencer idalguia doamor de cavalaria em todos os momentos.No calunie os outros.No revele segredos de amantes.Em qualquer circunstncia, seja corts e polido.Entregando-se aos prazeres do amor, no exceda o desejo de sua amante.

    Seja digno da cavalaria do amor.[8]

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    Esperava-se do amante que, a um s tempo, ele mostrasse respeito bem-amada, desse provas extraordinrias de adorao, praticassefaanhas em sua honra e lhe permanecesse iel ainda que nada recebesseem troca. Competia senhora decidir se devia premi-lo com a ddiva desua pessoa. Muitas vezes, Capellanus enfocou o amor extraconjugal,repetindo as declaraes de Marie de Champagne de que o amor nopodia exercer seu poder entre pessoas casadas, uma vez que eram ligadaspor obrigao. Marido e mulher no podiam nem mesmo sentir cime umdo outro, segundo Marie e Capellanus, j que o casamento era um acordocontratual que nada tinha a ver com atrao espontnea. Apenas amantesque no eram casados entre si podiam experimentar o cime, sentimentoconsiderado intrnseco ao verdadeiro amor. O arrazoado de Marie

    reletia a sua situao pessoal, primeiro como mulher casada cujo maridose ausentava por longos perodos durante as Cruzadas, depois como vivaque no voltou a se casar. Assim como persuadiu Chrtien a privilegiar oadultrio em seu Lancelote, ela instruiu Capellanus a escrever sobre oamor no conjugal como um ideal elevado.

    Mas, perto de terminar sua obra, Capellanus deu uma completareviravolta e no mais tolerou os casos extraconjugais. De repente, no

    captulo inal do trabalho, o terceiro, ele condenou o amor adltero e criouum bom caso de amor dentro do casamento. O estrago, porm, j estavafeito. O adultrio j havia se tornado um grande modelo para o romance naFrana medieval.

    O amor corts se baseava em um desejo to intenso que no poderiaestar ligado s normas convencionais da sociedade. A paixo tinhaprecedncia sobre tudo, at mesmo sobre os vnculos com cnjuges,famlia, soberanos ou ditames da Igreja Catlica. Como no era desurpreender, a Igreja reagiu com irmeza exaltao do amor profano: noincio do sculo XIII, tentou suprimi-lo pelo brao da Inquisio. Mas, antesdisso, o amor corts desaiou abertamente as proibies religiosas e, aofaz-lo, acabou criando o trio de personagens tradicionais: o marido, amulher e o amante.

    Outro casal de adlteros, Tristo e Isolda, rivalizava com Lancelote eGuinevere como o modelo mais popular de amor proibido. Bem mais tarde,

    o pblico de vrias partes do mundo tomou conhecimento daquele casalpor meio da incomparvel pera de Wagner, Tristo e Isolda. Na sagaantiga, que teve origem na histria oral celta, Tristo, o heri, enviado

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    Irlanda pelo rei para buscar a noiva deste, Isolda. Na viagem de volta,Tristo e Isolda bebem por acaso a poo do amor destinada a Isolda eMarcos. Desde ento, os dois icam eternamente ligados um ao outro poruma paixo fatal, apesar do j marcado casamento dela com o rei. Nos

    sculos que se seguiram, a poo do amor se tornou uma poderosametfora do mistrio da paixo que comea com um primeiro olhar eresiste contra tudo o que possa pretender aniquil-la.

    Enquanto as obras de Chrtien e Capellanus e vrias verses de Tristoe Isolda iam criando terreno frtil em favor do amor corts, o poeta Cononde Bthune revelou o seu lado subterrneo num longo poema originadonum desagradvel incidente ocorrido na corte francesa na poca docasamento do jovem rei Filipe Augusto com Isabela de Hainaut. Filipe

    Augusto era o ilho da viva Adle de Champagne, a terceira esposa deLus VII. Seus dois irmos, Henrique e Teobaldo de Champagne, eramcasados com as duas ilhas de Lus VII com Leonor de Aquitnia, o que,assim, fazia de Adle a mulher do padrasto de seus irmos! Maispertinente ao nosso assunto, essa situao a tornou tambm cunhada deMarie de Champagne. Quando o menestrel Conon de Bthune chegou corte real, tanto Adle como Marie o ridicularizaram por seu sotaque de

    Flandres [lamengo]. Conon se vingou das duas senhoras desdenhosas naseguinte pea cruel, que traduzi na ntegra, uma vez que ser dicilencontr-la em outra parte.

    Era uma vez, em outro pasHavia um cavaleiro que amava uma senhoraQuando ela estava no seu auge.Ela se recusou a am-lo e o mandou emboraEnto, um dia, ela disse: Caro amigo,

    Eu lhe causei um momento difcil.Agora, eu o reconheo e lhe concedo o meu amor.

    O cavaleiro respondeu:

    Por Deus, minha senhora, estou doente e sem curaPor no ter tido no passado o seu favor.Seu rosto, que era antes como um lrio,

    Mudou a tal ponto, de mal a pior,Que parece ter sido roubado de mim.Quando a senhora percebeu ser zombada

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    Ela se zangou muito e disse, traioeira:[]O senhor provavelmente prefereOs beijos e abraos de um bonito rapaz.

    Uma pausa, aqui, para considerar essa curiosa mudana de rumo. Aenvelhecida senhora desprezada pelo cavaleiro o acusa dehomossexualidade, que era ento um crime punvel com a morte. Elacontinua:

    Senhor, cavaleiro, no fez bemAo colocar a minha idade em questo.Ainda que eu tivesse perdido toda a juventudeAinda sou bonita e de to alta posioQue algum poderia me amar com minha parcial beleza.

    O cavaleiro termina dizendo que ela est enganada:

    Ningum ama uma dama por seu parentesco,Mas sim porque bela, sbia e corts,A senhora ter que aprender a verdade mais uma vez. [9]

    A mordacidade irreverente ao longo desse poema trai as tenses queexistiam veladamente entre menestris e seus superiores, entrepretendentes e senhoras arrogantes, entre amor ideal e realidademesquinha. A senhora ideal, bela, corts e sbia, se v reletida nesseretrato de uma aristocrata pretensiosa, frvola, feia e tola. H a tambmuma aluso misoginia, que era um aspecto da sociedade medieval,sempre pronta a vituperar denncias contra mulheres. Desde os primeiros

    dias do cristianismo, os fundadores da Igreja apresentaram a mulher noapenas como inferior ao homem em todos os sentidos, mas tambm comotentadoras, responsveis por trazer o mal ao mundo. Os homens deviamacautelar-se da existncia de uma Eva espreita em todas as mulheres.Ainda assim, embora elas fossem constantemente depreciadas no discursoreligioso e tambm no humor grosseiro das histrias seculares conhecidascomo fbulas, ningum poderia ouvir sentimentos como esses da boca de

    um corteso menestrel.

    Outra igura que contribuiu signiicativamente para o lorescimento da

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    novela de cavalaria no im do sculo XII foi uma misteriosa mulherchamada Marie de France. No sabemos praticamente nada sobre ela, ano ser que viveu na Inglaterra e escreveu doze deliciosos lais [10] ealgumas fbulas. Presumivelmente escritas antes do perodo da nobrezaanglo-normanda, que governou a Inglaterra desde 1066, essas histriasem versos, como a autora as denominava, eram, sem dvida,instrumentais, tendo por inalidade a disseminao dos ideais dofinamordo outro lado do canal da Mancha.

    Todos os lais de Marie de France trataram do amor e discorreramsobre as provaes de amantes molestados por foras desfavorveis:naturalmente, maridos, mas tambm os prprios amantes. Estes eramjulgados segundo sua generosidade de esprito, sua disposio ao

    sofrimento e, sobretudo, sua idelidade inabalvel. No havia objetivo maisnobre na vida do que o amor, mas apenas se os amantes estivessem suaaltura. O verdadeiro amor podia at mesmo anular diferenas de classe,tornando um homem ou uma mulher de condio mais baixa equivalente aum prncipe ou a uma princesa. Outros poetas lricos da cano, como GaceBrul, viriam a desenvolver esse tema: O amor no olha para bero nemriquezas Ele conquista todas as criaturas condes, duques, reis da

    Frana.Quando o rei da histria Equitan, de Marie de France, se declara mulher de seu mordomo, ele a corteja em linguagem de igualdade:

    Carssima senhora, ofereo-me a ti!No penses em mim como teu rei,Mas como teu vassalo e amante! [11]

    Com uma fala to mellua, o rei no encontrou diiculdade em seratendido. Mas esses dois amantes tinham imperfeies interiores que oslevaram perdio. Eles tramaram o assassinato do marido da senhora,colocando-o em um banho de gua fervente, e, com isso, provocaram suaprpria catstrofe. A histria termina com uma moral explcita: Seja quemfor que deseje o mal a algum, ver o infortnio voltar-se sobre si.

    Como em Equitan, a maioria dos lais de Marie de France concerne amulheres casadas com homens que elas no amam; e oito entre os dozeque escreveu tm por tema o adultrio. Lembremos a histria deGuigemar, na qual a protagonista tem um marido ciumento que a

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    mantm permanentemente trancada num aposento em frente ao mar. Suanica companhia consiste numa simptica criada e num padre guardio.

    No incio da narrativa, Guigemar revela todos os atributos da perfeitacavalaria, menos um: a falta de sensibilidade para amar. Ficamos sabendo

    que A natureza cometeu um erro ao faz-lo indiferente ao amor Ele agiacomo se no quisesse experimentar o amor. Tanto os amigos comoestranhos consideravam isso um defeito. [12] Um dia, quando saiu paracaar sua atividade preferida , ele avistou uma cora branca e sua cria.Sem titubear, atirou uma seta que feriu a cora, mas acabou ricocheteandode volta para ele. No mesmo instante, ambos, cora e cavaleiro, caram nocho, mas Guigemar encontrava-se perto o bastante para ouvir as ltimaspalavras do animal: sua ferida no seria curada at que uma senhora

    sofresse por amor a ele, e ele, por amor a ela. Como na lenda celta, osobrenatural irrompe em meio a uma cena realista e causa surpresa spersonagens.

    Guigemar se estende numa jornada que o levaria at a senhora emquesto. Encontra um barco convenientemente ancorado, sem sinal dedono, no qual se instalou, equipado com luxuosos objetos, como inasmantas, ricos candelabros e um travesseiro capaz de tornar uma pessoa

    eternamente jovem (que ideia adorvel!). Como no Lancelotede Chrtien, onarrador nos deleita com riquezas fabulosas de um reino encantado. Obarco mgico leva Guigemar pelo mar a seu destino traado, at encontrara senhora sequestrada pelo marido ciumento.

    Quando a senhora e sua serva se deparam com Guigemar, mais mortoque vivo, elas o levam para dentro e cuidam de seus ferimentos. Mas,quando ele se cura da ferida, atingido por uma espcie de doena doamor, que lhe igualmente dolorosa. J tendo superado a leso causadapela seta, ele descobre que O amor um ferimento em seu corpo. Alinguagem de Marie de France, como a de Shakespeare e a de Proust,emprega o vocabulrio da doena e do ferimento para evocar a agitaoferoz que o amor romntico pode provocar. Naturalmente, a senhora damesma forma ferida de amor e compartilha com Guigemar a descoberta deuma paixo mtua que vai durar um ano e meio.

    Mas onde se encontrava o marido durante todo esse tempo? No

    precisamos saber. Inevitavelmente, ele retorna e descobre o adultrio damulher, pondo im felicidade dos amantes. Guigemar mandado embora

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    no mesmo barco que o levou terra do amor, retornando, abatido, suaterra natal. Essa parte inal da histria repleta de muitas aventurasmaravilhosas, que suscitam novamente o uso do barco mgico dessa vez,pela dama e levam, por fim, reunio dos amantes.

    Todas essas histrias em torno do adultrio feminino originam-seprovavelmente do fato de que os casamentos medievais entre a nobrezararamente eram motivados por assuntos do corao. Como vimos, eracomum a uma jovem nbil com cerca de quinze anos vir a se casar comum homem muito mais velho, por razes de propriedade e condio. Assim,no de admirar que ela sonhasse com um cavaleiro atraente da suaidade, com quem pudesse compartilhar emoes desconhecidas vidaconjugal. Os lais de Marie de France apresentavam fantasias amorosas

    como contrarrealidade compensatria experincia vivida. Se maridoseram obrigados a aturar histrias sobre esposas envolvidas em tringulosadlteros, podiam se consolar com a esperana de que tais mulheresexistiam apenas na fico.

    impossvel saber em que medida o adultrio feminino era admitidona vida real. Esposas surpreendidas nessa situao podiam ser postaspara fora de casa por um marido irado, mas a adltera no era queimada

    viva, como deve ter acontecido na Antiguidade, como na Roma antiga, quejustiicava a morte de ambos, mulher e amante. Por volta do sculo XII, a leicannica regulamentou o casamento na Frana, e a posio sobre oadultrio foi consideravelmente abrandada em relao aos tempos antigos.A lei airmava especiicamente de maneira clara: Nenhum homem podematar sua esposa adltera. De fato, se um marido no quisesse expulsar aesposa que cometeu adultrio, era ele quem tinha de fazer penitncia pordois anos.[13]

    Tambm o adultrio masculino no era considerado causa suicientepara que a mulher abandonasse o marido. Para isso, era preciso havercircunstncias agravantes, como a presena da amante sob o teto conjugal.Enquanto a literatura medieval revelou larga obsesso pelo adultriofeminino, prestou ateno escassa ao adultrio de maridos, que, semdvida, eram mais comuns.

    O modelo de amor corts icou restrito nobreza? Com todaprobabilidade, sim. As pessoas das classes mais baixas tinham

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    preocupaes mais elementares, como providenciar comida e abrigo parasi mesmas e para sua famlia. Camponeses e servos no campo e artesos emercadores nas cidades icaram to ausentes das histrias de cavalariacomo os desempregados americanos das salas de visita entre aspersonagens do cinema dos anos 1930. Ainda assim, h evidncia de quemesmo os estratos mais baixos da sociedade medieval no deixaram de serinluenciados pelas fantasias adlteras de seus superiores. Um tipo decano medieval conhecido como lamento da esposa infeliz (a mal-amada) foi popular entre camponeses; essas canes exploravamrecorrentemente o tringulo formado por esposa, marido e amante. Eis umexemplo retirado de uma coletnea organizada por Ria Lemaire naUniversidade de Poitiers.

    Pouco me importo, marido, com seu amorAgora que tenho um amigo!Ele aparenta ser garboso e nobre,Pouco me importo, marido, com seu amor.Ele me serve dia e noitePor isso o amo tanto.[14]

    As mulheres infelizes dessas canes populares, isentas de sentimentosde culpa, bradam desaiadoramente: Meu marido no pode me satisfazer/Em compensao arrumarei um amante. Em uma balada, a enunciante sequeixa de ter apanhado do marido porque ele a viu beijando seu ami.Ento, ela planeja a vingana: Farei dele um marido enganado Vou sair edormirei completamente nua com meu amigo.[15]

    Em outra balada, a esposa infeliz grita repetidamente: No me bata,marido miservel!, e ainda o adverte:

    Porque me maltrata tanto,Escolherei um novo amante.[]Ele e eu nos iremos amarE nosso prazer ser duplicado.[16]

    Essas canes sugerem uma teoria de efeito multiplicador [17]da cultura

    da alta nobreza em direo cultura das classes populares. E uma vez queso enunciadas pela esposa, em vez de pelo amante, as canes tambmrevelam como os papis culturais podem cruzar as fronteiras de gnero.

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    Entre os mais antigos poetas trovadores, alguns eram mulheres, assimcomo algumas das mais antigas canes populares francesas tambmforam cantadas por elas, cantoras de blues lamentando sua sorteconjugal e louvando seus amantes.

    Embora seja dicil delinear como essas histrias e canes serelacionam com prticas reais, pode-se airmar que elas inluenciaram amaneira como as pessoas comearam a pensar sobre o amor. A invenodo amor romntico representou aquilo que hoje chamamos de mudana deparadigma, pois trouxe uma gama radicalmente nova de relaes entre ossexos e teve consequncias surpreendentes ao longo do tempo.

    Em primeiro lugar, o amor foi feminizado. A senhora [dama] ocupoulugar central na cena e, creio, desde ento passou a comandar o foco dasatenes. Simultaneamente como objeto do desejo masculino e sujeito deseu prprio desejo, as mulheres francesas desfrutaram incomparvelprestgio ertico. Tanto na vida como na literatura, as descendentes deIsolda e de Guinevere devem ser sexies. Os franceses nunca acreditaramque as mulheres fossem menos apaixonadas do que os homens.

    Alm disso, o sculo XII inaugurou uma tradio de escritoras

    francesas, que trabalharam o tema do amor de sua prpria perspectiva.Para nomear apenas algumas delas, entre as mais conhecidas nestesltimos nove sculos: Marie de France, Christine de Pizan, Louise Lab,Madame de La Fayette, Madame de Stal, Marceline Desbordes-Valmore,George Sand, Colette, Simone de Beauvoir, Violette Leduc, MargueriteDuras, Franoise Sagan, Hlne Cixous e Annie Ernaux. Muitas dessasmulheres expressaram abertamente o desejo sexual, como naquele gritode Lab de que estava queimando de amor.

    Em segundo lugar, homens e mulheres tiveram de encontrar algunsmodelos apropriados para os amantes. A aparncia contou nessa busca, eainda conta, especialmente a da mulher. Estar apaixonada ocorria commais frequncia para uma dama de sublime beleza. O amor entrava pelosolhos e ia diretamente ao corao. Os franceses falam de un coup de foudre(amor fulminante), o que equivaleria expresso amor primeira vista.Do homem, tambm se esperava que fosse atraente, embora o seu

    principal atributo pudesse ser de outra natureza: ele era julgado,sobretudo, por sua coragem e lealdade.

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    Em terceiro lugar, geralmente aceito que o amor romntico implicaobstculos, nesse caso para intensiicar a experincia, como qualquernarrativa vaporosa digna da palavra romance pode hoje demonstrar. Ainluente anlise de Denis de Rougemont sobre o assunto argumenta que oamor romntico, tal como inventado no sculo XII e praticado desde ento,loresce ao confrontar obstculos. [18] Contudo, apesar das jornadasperigosas e da oposio da famlia, da religio e da sociedade, as histriasmedievais sobre o amor extraconjugal no terminam usualmente empermanente ostracismo ou suicdio. Suas heronas no tm o peril dequem se mata como Dido na Eneida, de Virglio , nem eramconstrangidas a levar como insgnia um A de adultrio, como em A letraescarlate, de Hawthorne.

    Nos dias de hoje, o adultrio no tem o mesmo estigma na Frana nemnos Estados Unidos. Meus amigos franceses no podem compreender aceleuma em torno do caso de Bill Clinton e Monica Lewinsky e criticaram oento presidente apenas porque achavam que ele poderia ter escolhidouma pessoa mais ina e com mais classe. Mesmo uma mulher, deputada noParlamento e lder dos direitos religiosos antiaborto e antigay , elogiouClinton por sua libido: Esse homem ama as mulheres! sinal de boa

    sade.[19]

    Os franceses esto acostumados com presidentes que no sepreocupam muito em disfarar seus casos extraconjugais. GiscarddEstaing, presidente de 1974 a 1981, chegou mesmo a escrever sobreeles em suas memrias e em dois romances, o ltimo produzido quando eleestava na casa dos oitenta anos. Os segredos de adultrio de JacquesChirac, presidente entre 1995 e 2007, foram revelados por seu antigomotorista, Jean-Claude Laumond, numa publicao de 2001, e nessemesmo ano a mulher de Chirac, Bernadette, admitiu que tolerava a libidoaventureira do marido por amor aos ilhos, sem deix-lo esquecer de queele ficaria perdido sem ela.[20]

    Outro presidente, Franois Mitterrand, quando perguntado por umjornalista, durante a presidncia, se era verdade que ele tinha uma ilhafora do casamento, respondeu: Sim, verdade. E da? Isso no assuntode interesse pblico. Quando ele morreu, os ilhos de suas duas unies

    acompanharam seus funerais ao lado das respectivas mes, DanielleMitterrand e Anne Pingeot.

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    Dominique Strauss Kahn, que dirigia o Fundo Monetrio Internacional(FMI) e era um potencial candidato presidncia da Frana, sempre foiconhecido por ser um mulherengo incorrigvel. Sua esposa, a jornalistaAnne Sinclair, foi perguntada em 2006 se no se incomodava com areputao do marido: No! Tenho at orgulho Desde que ele continueatrado por mim e eu por ele, o suiciente. Anne Sinclair icou ao lado domarido quando ele foi acusado de estupro por uma camareira em NovaYork, e deixou a corte abraada a ele quando as acusaes foram retiradas.

    As esposas de polticos americanos que mantiveram casosextraconjugais e com isso constrangeram suas famlias por exemplo, asmulheres dos governadores Mark Sanford e Arnold Schwarzenegger notoleraram tal comportamento; elas se dirigiram aos tribunais de divrcio e

    procuraram proteger os filhos da melhor forma possvel. digno de nota que todos esses exemplos dizem respeito ao adultrio

    masculino. Nenhuma mulher foi presidente da Frana, e relativamentepoucas foram ministras, senadoras ou deputadas. [21] Mas a mulher de umpresidente mais recente, Carla Bruni, tinha um passado que, sem dvida, ateria impedido de se tornar primeira-dama nos Estados Unidos. Cantora deextraordinrio sucesso, compositora e ex-modelo (com fotos de nudez que

    circularam na internet), ela no fez segredo de seus cerca de trintaamantes, incluindo o cantor Mick Jagger e o ex-primeiro-ministro francsLaurent Fabius. Sua relao de oito anos com a personalidade do rdioRaphal Enthoven, que teve incio quando ela ainda estava casada,resultou em um ilho fora do casamento. A ex-mulher de Enthoven, JustineLvy, vingou-se ao escrever sobre o caso em seu romance de 2004, Rien de

    rave [Nada grave]. E o surpreendente casamento de Bruni com NicolasSarkozy em 2008, logo depois do divrcio dele, o ajudou a reconquistar umpouco da popularidade que desfrutava ao ser eleito presidente.

    Em quarto lugar, embora a literatura medieval privilegiasse o amorextraconjugal, tambm produziu obras notveis representando cnjuges,como Eric e Enide, que permaneceram apaixonadamente ligados um aooutro. Essas histrias sugerem que o amor conjugal requer as mesmasqualidades de candura, bom humor e indulgncia, comumente associadasaos amantes no casados.

    Nos crculos franceses que frequentei nos ltimos quinze anos,inmeras vezes iquei impressionada com os esforos de muitos homens e

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    mulheres para manter a aura de romance no casamento. As mulheresfrancesas tendem a privilegiar o papel de esposa, tenham ou no ilhos,trabalhem fora ou no. Lembremos que a palavra francesa para mulher emme tambm empregada para esposa. Em seu best-seller, Le conflit: laemme et la mre [O conlito: a mulher e a me], Elisabeth Badinter airma

    que as mulheres no devem deixar que a tirania da maternidade solapeo papel de esposa.[22]

    Pergunto-me se as mulheres americanas, especialmente quando tmilhos e carreiras, privilegiam sua posio de esposa da mesma forma.Seria improvvel que praticassem aquele tipo de articio que pude ver emuma mulher na faixa dos oitenta anos, empenhada em esforos extremospara manter o marido um pouco mais moo sob seu domnio. Uma vez, ao

    voltar de uma sada s compras, ela contou dramaticamente como haviatropeado e cado na rua. Seu marido, ao mesmo tempo apreensivo ezangado, disse que ela no deveria sair pela rua de salto alto. Mais tarde,ela me contou que no havia cado; perguntei por que se dera ao trabalhode inventar essa histria. Para manter Paul interessado. Se no fosse isso,eu teria inventado outra coisa.

    Lembro-me de uma conversa que tive com Elisabeth Badinter, cujaclarividncia contribuiu para a minha compreenso do romance entrefranceses. Quando seu marido Robert Badinter foi eleito para o Senado daFrana depois de uma longa carreira no mais alto nvel do governo, eu lhedisse sem pensar: No sei que idade ele tem. Ela me interrompeu comum sorriso, dizendo: Ele tem 68 anos e belo como um deus. Fiqueisurpreendida com sua expresso sincera de amor sensual e conseguiapenas balbuciar: Uma mulher americana no diria isso.

    Por que no?No sei.O que uma americana diria? mais provvel que dissesse que ele tem 68 anos e dores no traseiro.Camos na gargalhada, e ento tentei me corrigir.Provavelmente eu tenha exagerado. Talvez uma americana dissesse:

    Ele ainda est em boa forma, mas no creio que usasse o ingls para dizeralgo equivalente ao que voc disse: Ele tem 68 anos e a aparncia de umastro de cinema. Ns, americanas, no dizemos coisas assim sobre nosso

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    marido.Ainda me pergunto por que no.Em seu lrico livro Uma histria natural do amor, Diane Ackerman

    sustenta que a sociedade americana se deixa perturbar pelo amor. Escreve

    ela: Admitimos isso com relutncia. At mesmo pronunciar a palavra nosfaz vacilar e corar. [23] Esse acanhamento verbal torna-se ainda maiorquando nos comparamos aos franceses.

    Aqui, uma vinheta sobre outro simptico casal parisiense, no qual ohomem mais abertamente carinhoso que a mulher. Carlos umadvogado charmoso com cinquenta e poucos anos. Sua mulher, bonita eenrgica, tambm advogada, nem sempre uma pessoa fcil. Simoneprocura a melhor soluo para tudo, das roupas e da comida educao es respostas que d, e reage com dureza quando Carlos erra o alvo. Depoisde uma de suas reprimendas, Carlos virou-se para mim e dissemelancolicamente: Jai le malheur daimer ma femme (Tenho ainfelicidade de amar minha mulher).

    Esse homem bonito, elegante, educado, conhecedor de artes evisivelmente apaixonado pela mulher depois de cerca de trinta anos saiu

    certamente das pginas de um romance medieval. Ele se mostra disposto atolerar o comportamento arrogante dela porque a ama. Como um cavaleiroiel, ele digniica o amor, apesar de seus tormentos. E ela, por sua vez,corresponde a esse amor sua maneira.

    Meu ilho mais novo uma vez comentou sobre a diferena entre Simonee as mulheres americanas que ele conhecia. No to bonita, disse ele,porm mais misteriosa. O que verdade!

    A mulher francesa cultiva o mistrio. No fiquei surpreendida ao ler emuma publicao recente dedicada ao tema da monogamia que ospsicoterapeutas franceses tm uma viso muito diferente de seus colegasamericanos, principalmente sobre se os casais devem falar um ao outrosobre todos os aspectos de suas vidas. Um psicoterapeuta familiarparisiense demonstrou horror a isso, ainda que num consultrio. Ele disse,numa das transcries: O mistrio um ingrediente essencial paramanter o interesse por nosso parceiro ao longo do tempo. Para manter

    meu casamento vivo, preciso sentir que h sempre mais a descobrir emminha mulher do que aquilo que j conheo. [24] Ele comparou uma boa

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    relao conjugal a dois crculos sobrepostos que no coincideminteiramente. Na Frana, disse, quando pensamos sobre orelacionamento, raramente h mais que um tero de cada crculo quecoincide. Aqui as pessoas casadas no s tm direito privacidade comodevem ter vidas privadas para continuar interessantes e fascinantes umapara a outra.

    Chame-se a isso mistrio, subterfgio ou desonestidade, quandose trata de amor, os franceses, homens e mulheres, no levam muito emconta o ideal de dizer tudo, to popular entre muitos americanos. Elespreferem considerar o amor como um jogo em que no se mostra ascartas.

    Eu ponderei sobre essa diferena durante boa parte da minha vida e

    cheguei a algumas poucas concluses estveis considerando nossasrespectivas histrias nacionais. O ideal americano de amor, com suastransformaes caractersticas ao longo de quatrocentos anos, sedesenvolveu num estranho mundo novo onde cnjuges dependiam um dooutro como parceiros de jugo. Distantes das comunidades j consolidadase sem pais ou irmos com quem contar, maridos e mulheres eramimpelidos juntos numa luta contra as foras da natureza e os outros. O

    amor romntico s viria a se tornar um fator importante no casamento deamericanos no incio do sculo XIX, e, mesmo ento, o casal cedeurapidamente a primazia para a famlia. Por muito tempo, as mulheresamericanas viveram numa cultura j qualiicada por uma autora comosendo de mes fortes, esposas fracas. [25] Hoje, as necessidades do casalde cnjuges icam com frequncia em segundo plano em relao s dosilhos, e o romance entre marido e mulher costuma enfrentar diiculdadespara se manter. Minha nora francesa lembra que icou chocada quando,logo ao chegar aos Estados Unidos, ouviu uma de suas colegas de trabalhodispensar o marido como incidental relao primria que ela tinha comos filhos.

    Os franceses, de outro lado, com sculos de cultura de corte atrs de si,desenvolveram suas ideias acerca do amor de cima para baixo. Reis erainhas, senhores e senhoras, menestris e escritores louvaram,poetizaram e representaram o amor no contexto de um mundo entre

    pares. Da Idade Mdia em diante, o amor ertico se tornou um fenmenoprivilegiado, com normas e ideais que passaram a ser compartilhadospelos membros do mesmo crculo social. Com o correr do tempo, o que teve

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    incio na atmosfera fechada das cortes provinciais e reais viria a ressoarmuito alm das fronteiras regionais e muito alm da era dos trovadores.

    [1] Jean-Claude Marol, La finamor(Paris: Le Seuil, 1998), p. 56. Tradues para o ingls da autora,exceto quando de outra forma indicado. [N.A.] Traduo livre para o portugus. [N.T.]

    [2] Idem, p. 72.

    [3] Ibid., pp. 7879.

    [4] Josy Marty-Dufaut, Lamour ao Moyen Age(Paris: ditions Autre Temps, 2002), p. 64.

    [5] Samuel N. Rosenberg e Hans Tischler (ed. e trad.), Chanson des trouvres(Paris: Le Livre dePoche, 1990), pp. 411, 403, 415.

    [6] Jacques Laffitte-Houssat, Troubadours et cours damour(Paris: PUF, 1979), p. 66.

    [7] Chrtien de Troyes, Lancelot: The Night of the Cart, trad. Burton Raffel (New Haven, CT: YaleUniversity Press, 1997).

    [8] Marty-Dufaut, Lamour au Moyen Age, pp. 2021. [N.A.] Traduo livre. [N.T.]

    [9] Rosenberg e Tischler, Chansons des trouvres, pp. 376379.

    [10] Cano ou poema narrativo. Considera-se que o lai foi introduzido pelos celtas na poesiafrancesa no sculo XII. [N.T.]

    [11] Marie de France, Equitan. Lais(Paris: Le Livre de Poche, 1990), pp. 8081.

    [12] Marie de France, Guigemar . Lais(Paris: Le Livre de Poche, 1990), pp. 2829.[13] Emile Amt (ed.), Womens Lives in Medieval Europe. A Sourcebook(New York/London:Routledge, 1993), p. 83.

    [14] Ria Lemaire, The Semiotics of Private and Public Matrimonial Systems and Their Discourse,in Female Power in the Middle Ages: Proceeding from the 2d St. Gertrude Symposium , ed. Karen Glentee Lise Winther-Jensen (Copenhagen: 1986), pp. 77104.

    [15] Rosenberg e Tischler, Chanson des trouvres, pp. 8081.

    [16] Ibid., pp. 8487.

    [17] Referncia teoria econmica americana segundo a qual os benefcios concedidos aos mais

    ricos acabam favorecendo tambm os mais pobres. [N.T.][18] Denis de Rougemont, Love in the Western World(New York: Pantheon, 1956).

    [19] Elaine Sciolino, Questions Raised About a Code of Silence, New York Times, 17 de maio de2011.

    [20] Elaine Sciolino, La Seduction: How the French Play the Game of Life(New York: Macmillan,2011), pp. 229230.

    [21] A autora considera aqui o cenrio poltico francs at por volta de 2010. [N.T.]

    [22] Elisabeth Badinter, The Conflict: How Modern Motherhood Undermines the Status of Women(New York: Metropolitan Books, 2012).

    [23] Diane Ackerman,A Natural History of Love(New York: Vintage Books, 1995), p. xix.[24] Michele Scheinkman, Foreing Affairs, Psychoterapy Networker, julho-agosto de 2010, pp. 2930.

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    [25] Miriam Johnson, Strong Mothers, Weak Wives(Berkeley: University of California Press, 1988).

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    Amor galante

    A princesa de Clves

    II

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    La Carte de Tendre. Mapa da Terra da Ternura. Mademoiselle de Scudry, Cllie, 1654

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    Ambio e casos de amor eram a alma da corte e atraama ateno igualmente de homens e mulheres.

    Madame de La Fayette, La Princesse de Clves, 1678

    Do sculo XII em diante, as cortes de bom gosto da Frana passaram apromover todas as artes, entre elas, a arte do amor. Com certeza,anglilos, italianilos e germanilos (ou entusiastas espanhis,holandeses, tchecos, gregos, russos ou escandinavos) podem destacar seusprprios feitos durante a Idade Mdia e a Renascena, mas legtimoair