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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ISABELLA MOREIRA DE PAIVA CORRÊA COMO SE FALA MATEMÁTICA? Um estudo sobre a complementaridade entre representação e comunicação na educação matemática. CUIABÁ – MT 2008

COMO SE FALA MATEMÁTICA? - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp071689.pdf · Fig. 8 – Pato/Coelho 130 Fig.9 – Tangentes ao círculo que se interceptam num ponto externo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ISABELLA MOREIRA DE PAIVA CORRÊA

COMO SE FALA MATEMÁTICA?

Um estudo sobre a complementaridade entre

representação e comunicação na educação matemática.

CUIABÁ – MT

2008

Livros Grátis

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ISABELLA MOREIRA DE PAIVA CORRÊA

COMO SE FALA MATEMÁTICA?

Um estudo sobre a complementaridade entre

representação e comunicação na educação matemática.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO , Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar na Linha de Pesquisa: Educação em Ciências, orientada pelo Prof. Dr. MICHAEL FRIEDRICH OTTE.

CUIABÁ – MT

2008

iii

C824c CORRÊA, Isabella Moreira de Paiva, 1968- Como se fala matemática? Um estudo sobre a complementaridade entre representação e comunicação na educação matemática / Isabella Moreira de Paiva Corrêa. Cuiabá: UFMT/IE, 2008. 155p:il. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, Área de concentração: Educação e Ciências, sob a orientação do Prof. Dr. Michael Friedrich Otte. Bibliografia: p.149-151 Anexos: p.152-155

CDU-372.851

Índice para Catálogo Sistemático

1. Educação Matemática

2. Semiótica

3. Linguagem

4. Comunicação

5. Representação

iv

v

Dedico este trabalho

Aos meus pais Fernando e Ivette,

às minhas filhas Fernanda e Vitória, e ao meu companheiro France,

porque eles iluminam a minha vida, a colorem com seus sorrisos,

a preenchem com sua alegria, a confortam com sua ternura,

a tornam mais bela com sua felicidade me fazendo desfrutar o amor verdadeiro .

vi

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Michael Otte, por sua admirável e incondicional disposição em

sempre, sempre compartilhar conosco. Obrigada pela amizade, incentivo e paciência, que nesta jornada foram tão fundamentais.

À Professora Dra. Sandra Maria Pinto Magina que gentilmente aceitou participar da Banca Examinadora.

À Professora Dra. Gladys Denise Wielewski, pela presença, incentivo, apoio e contribuições sempre pertinentes e em horas muito bem vindas.

A todos os professores, funcionários e colegas do curso de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da UFMT. Um agradecimento especial à Luiza e

à Mariana, que apesar de “nossos desesperos” sempre nos trataram com alegria, amizade e uma boa vontade muito além daquela que poderíamos merecer.

Á Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, e aos colegas da Escola Marechal Eurico Gaspar Dutra, que permitiram, por meio da licença para

capacitação profissional, a concretização desse projeto.

Aos meus companheiros do grupo de estudos Alexandre, Evilásio, Gladys, Humberto, Luciene, Luzia e Sérgio pelos conhecimentos compartilhados.

Aos Professores Vinícius e Vavá, foram de suas palavras de incentivo que nasceu a coragem para começar essa jornada.

Às minhas amigas Vera, Jô e Luciene, que começaram como companheiras de estudo, e que se tornaram companheiras de todas as horas.

À Simone, D. Elizete, Valquíria, Vera, D. Luzia e Elineide, obrigada pela acolhida, por me receberem em suas famílias, tornando minha estada em Cuiabá possível, e

muito, muito mais amena.

vii

À família Moreira, todos, de sobrenome e agregados, que mesmo estando a tantos quilômetros e sempre por tanto tempo, conseguem se manter sempre presentes,

incentivando, torcendo e cuidando.

Fernanda e Vitória, meus amores, por suportarem corajosamente minha ausência, me apoiando de forma tão carinhosa e incondicional.

Ao meu companheiro France, por partilhar, viver e arcar com meu sonho. Sem seu apoio nada teria sido possível.

Aos meus pais, Fernando e Ivette que me ensinaram os valores que sigo hoje e por meio dos quais eu me encontro com a felicidade.

Aos tantos amigos que fiz nesta jornada, e que não citei, mas que irão me perdoar, amigos que são...

viii

RESUMO

Na matemática nós enfrentamos o problema de desenvolver a mente do estudante por meio de informação e comunicação. Por isso parece valer a pena estudar a interação entre comunicação e cognição, e ainda, como esta interação se configura por meio de signos. O primeiro a ver a estreita relação entre uso de signos e desenvolvimento mental foi Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780). Na escola nós usamos dois sistemas lingüísticos, a língua materna e a língua matemática. O primeiro é projetado mais para expressar nossas emoções e pensamentos, enquanto o segundo tem como tarefa principal a representação de relações objetivas. A educação matemática precisa das duas, não existe tradução de uma para outra. Esta necessidade de co-existência nos leva a pensar na complementaridade dessas linguagens, nos tipos de signos que elas produzem e como estes signos interagem. O presente trabalho apresenta vários exemplos e estudos desta dualidade de sistemas de signos que governam o desenvolvimento matemático na educação. O objetivo é mostrar a dependência que o pensamento matemático tem dos seus instrumentos e meios, revelar a complementaridade dos sistemas de signos (representacional e comunicacional) no processo de aprendizagem da matemática.

Palavras-chave: Educação Matemática, Semiótica, Linguagem, Comunicação, Representação.

ix

ABSTRACT

In mathematics we are charged with the problem of developing the student’s minds by means of information and communication. Therefore it seems worthwhile to study interaction between communication and cognition and how this interaction in shaped by signs. The first to see the intimate relationship between use of signs and mental development was Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780). In school we use two linguistic systems, native language and mathematical language. The first is designed more to express our emotions and thoughts and the second has the representation of objective relationships as its primary task. The present work presents various examples and studies of this duality of sign systems, which governs mathematical development in education.

Keywords: Mathematical Education, Semiotic, Language, Communication, Representation.

x

LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Fig. 1 – Tabela da evolução de alguns símbolos matemáticos 22

Fig. 2 – Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) 41

Fig. 3 – Representação geométrica do Quadrado da soma de dois termos 84

Fig. 4 – Representações do problema da altura da montanha 105

Fig. 5 – Diagrama do Metrô de Londres 129

Fig. 6 e 7 – Representação visual do prédio e sua altura 129

Fig. 8 – Pato/Coelho 130

Fig.9 – Tangentes ao círculo que se interceptam num ponto externo 131

Fig.10 – Triângulo ABC 132

Fig. 11 – Representações da área do triângulo 134

Fig. 12 – Representações da área do triângulo 135

Fig. 13 – Relação entre a área de um triângulo e sua base 135

Fig. 14 - Representações da área do triângulo 135

Fig. 15 – Representações da área do triângulo em livros didáticos 136

Fig. 16 – Representações da área do triângulo em livros didáticos 137

Fig. 17 – Representação geométrica da propriedade distributiva da multiplicação 138

Fig. 18 – Representação geométrica do problema das nozes 142

Fig. 19 – Imagem do Papiru de Rhindi 152

Fig. 20 – Imagem de uma página do livro de Robert Recorde 152

Fig. 21 – Imagem de uma página da obra La géométrie de Descartes 153

Fig. 22 – Imagem de uma página do livro de François Viète 154

Fig. 23 – François Viète (1540-1603) 154

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01 CAPÍTULO 1 – MATEMÁTICA E LINGUAGEM NO ENSINO ESCOLAR 09 1.1 Matemática e língua comum 09 1.2 Uma abordagem discursiva para a linguagem matemática 19 1.3 Os símbolos da matemática 21 1.3.1 A álgebra simbólica 25 1.3.2 O signo da igualdade 29 CAPÍTULO 2 – A FILOSOFIA DE CONDILLAC: LINGUAGEM E EVOLUÇÃO 36 2.1 Condillac e sua época: o homem é um ser social 37 2.1.1 O conhecimento e a verdade 38 2.1.2 O papel da linguagem 39 2.2 Breve biografia de Étienne Bonnot de Condillac e suas obras 41 2.3 A epistemologia de Condillac 43 2.3.1 O uso dos signos 45 2.3.2 Os três tipos de signos 47 2.3.3 A análise 48 2.3.4 Uma língua bem feita – a álgebra 50 2.4 A álgebra como um sistema de signos 53 2.5 Apresentação de sua Lógica ou Os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar 58 2.6 Considerações 80 CAPÍTULO 3 - AS FUNÇÕES SEMIÓTICAS E A LINGUAGEM MATEMÁTICA 82 3.1 A semiótica 85 3.1.1 Os ícones e a matemática 89 3.1.2 Os índices e a matemática 92 3.1.3 Os símbolos e a matemática 94 3.2 As três linguagens da matemática por René Thom 97 3.2.1 As três linguagens e suas características segundo René Thom 98 3.2.2 O uso das três linguagens da matemática no texto 105 CAPÍTULO 4 - COMO APERFEIÇOAR UM TEXTO E COMO NÃO FAZÊ-LO 107 4.1 Comunicação vs representação 109 4.2 O contraste entre comunicação e representação 110 4.3 Comunicação vs representação e a melhoria de um texto matemático 115 4.3.1 A idéia da incomensurabilidade 120 4.4 A interdependência entre o Sistema Simbólico e o Sistema Conceitual 124 4.5 Formas de representação na Matemática 127 4.6 Formas de representação e estilos cognitivos 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS 145 REFERÊNCIAS . 148 ANEXOS 151

INTRODUÇÃO

Este trabalho nasce de nossas inquietações, da necessidade de

compreender o porquê da linguagem matemática ser o principal argumento para

justificar o fracasso escolar dos alunos. O formalismo e a linguagem própria

carregada de simbolismo são os aspectos mais citados como responsáveis pela

dificuldade dos alunos dentro do ambiente escolar, tanto por parte dos alunos, como

dos pais e professores. Nossa preocupação, como professores de matemática, era

então como conceber essa linguagem e como trabalhar em sala de aula para torná-la

mais acessível e compreensível.

Esta angústia em relação à linguagem matemática nos levou a pensar

em duas direções: primeiro na matemática como uma língua e em segundo na

linguagem com a qual se comunica a matemática aos alunos.

O conhecimento matemático teve sua origem na necessidade de

resolver problemas da vida cotidiana do homem. Mas a vida cotidiana do homem e

seus problemas foram ficando cada vez mais sofisticados. Esta sofisticação exigia

novos processos, como os de abstrair, generalizar, eliminar peculiaridades e

particularidades. A linguagem comum não era mais capaz, de sozinha, dar suporte a

estes processos. Assim se desenvolve uma nova linguagem mais eficiente nesta

situação, a linguagem algébrica.

A linguagem algébrica foi concebida inicialmente (já desde o papiro

de Rhind -1650 a.C.)1 como uma aritmética generalizada, ou seja, uma linguagem

que usava símbolos para representar números desconhecidos, com o objetivo de

tornar possível a resolução de equações ou generalizações aritméticas e geométricas.

Por muito tempo, a geometria foi essencialmente a linguagem 1 Imagem do papiro em anexo

2

matemática. O objeto geométrico era o objeto matemático. Mesmo Descartes2

(1596-1650), pai da geometria analítica, apesar de utilizar um processo algébrico e

aritmético, ao final representava as premissas e os resultados em termos

geométricos, como forma de garantir a sua existência. 3

Isso só começa a mudar a partir do século XVIII. Leibniz4(1646-

1716), é o primeiro ou um dos primeiros a pensar na álgebra de forma mais geral,

como um jogo de símbolos, de signos (na perspectiva de Peirce), parte de uma

combinatória, ao invés de uma aritmética generalizada.

Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) foi o primeiro a apresentar

a álgebra como uma língua sistematizada, não apenas para mostrar as relações entre

números, mas entre objetos quaisquer. Aqui começa a história da álgebra como uma

língua, como um sistema de signos.

Este aspecto lingüístico da matemática se acentuou muito depois que

a álgebra e a aritmética, já no século XIX, são trazidas para o centro da matemática.

O movimento de algebrização ou arimetização, neste século, é o responsável por

avanços de incalculável importância nas ciências, revitalizando a matemática.

Este movimento é caracterizado pelo fato de que demonstrações e

conceitos matemáticos deveriam se basear na álgebra, no rigor da prova. Isto

provocou uma mudança na concepção de matemática, eliminando a idéia de que a

matemática seria apenas cálculos, ou a idéia representada pela geometria euclidiana

de que a matemática trata das características de grandezas ou figuras concretas. A

ênfase passa a ser dada às estruturas gerais e não a casos particulares. A história

então muda e a álgebra se transforma de uma linguagem para uma teoria de

estruturas, como a teorias dos grupos, corpos, anéis, espaços vetoriais.

2 René Descartes ou Renatus Cartesius (1596, Touraine, França - 1650, Estocolmo, Suécia), filósofo, matemático e físico, criador da geometria analítica, também descobriu os princípios da ótica geométrica. Sua contribuição científica baseia-se no emprego de um método e de uma metafísica. 3 Nos anexos apresentamos cópia de uma página do “La Geometrie” 4 Gottfried Wilhelm von Leibniz (Leipzig, 1 de julho de 1646 — Hanôver, 14 de novembro de 1716) foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão. A ele é atribuída a criação do termo "função" (1694), que usou para descrever uma quantidade relacionada a uma curva, como, por exemplo, a sua inclinação ou um ponto qualquer situado nela. É creditado a Leibniz e a Newton, o desenvolvimento do cálculo moderno.

3

Este desenvolvimento se acentua no século XX, consolidando a

álgebra como o estudo das estruturas. Com base neste salto qualitativo que a álgebra

proporcionou ao Conhecimento Matemático e às Ciências de modo geral, o ensino

da matemática, a partir da década de 60, a incorpora no currículo escolar. Esta

reforma recebe o nome de Reforma da Matemática Moderna. René Thom (1923-

2002)5 nos aponta dois objetivos fundamentais desta reforma: a renovação

pedagógica e a modernização dos programas. Acreditou-se que se o ensino

abrangesse o estudo das grandes estruturas matemáticas, com ênfase nos esquemas

universais, estaria simplificando a matemática, dando a oportunidade para o

estabelecimento de um ensino menos diretivo, mais livre, mais construtivo,

orientado principalmente pela heurística6, capaz de despertar o interesse e a

atividade individual dos alunos.

Esta orientação foi consolidada no Brasil em meados da década de

60. A partir de então, o ensino da álgebra torna-se o foco do ensino da matemática. E

conseqüentemente traz para o âmbito educacional esta faceta da matemática que é

caracterizada pelo uso de uma linguagem própria, da ênfase nas estruturas gerais e,

porque não dizer, pela desvinculação do conteúdo matemático com o mundo real.

Esta é a matemática que priorizamos nos programas escolares até os

dias atuais. Apesar das justificativas para o Movimento, não se conseguiu ao longo

deste percurso alcançar seus objetivos de tornar o aluno mais independente, seguro e

apto a resolver problemas a partir de estruturas gerais. Pelo contrário, as estatísticas

revelam altos índices de reprovação e evasão escolar, e grande parte dos estudos em

educação apontam a matemática como a disciplina que mais contribuiu para tais

índices. Parece que a maior justificativa, conforme revelam as falas cotidianas dos

estudantes, pais e professores, é que a matemática é difícil.

Mas é difícil por quê? A resposta a essa pergunta na maioria das

vezes envolve aspectos como a falta de compreensão da língua matemática, do seu

simbolismo, tão presente no cotidiano de sala de aula e nos livros didáticos.

5 René Thom (1923-2002)– Matemático e filósofo francês. Autor da teoria da catástrofe, fundamental para a teoria da complexidade. Mathematiques modernes et mathematiques de toujours. In: "Pourquoi la Mathématique?" Edition 10/18 - 1974 6 Heurística - Rubrica: pedagogia. Método educacional que consiste em fazer descobrir pelo aluno o que se lhe quer ensinar (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

4

Os livros didáticos merecem uma atenção especial, já que têm sido a

base da educação matemática no Brasil. Por meio de seus textos pretende-se

comunicar o conteúdo matemático. Sabemos que para a grande maioria dos

professores de matemática este é o único meio de acesso aos conteúdos a serem

ensinados e também o recurso didático acessível a todos os alunos. O Governo

Federal os distribui gratuitamente, tendo estendido esta distribuição até o último ano

do ensino médio.

Os textos mais comuns nestes livros são aqueles expositivos, cuja

estrutura é responsável em comunicar o objeto de estudo. São textos elaborados

como um modelo universal, caracterizado pela compreensão literal e linear, no qual

o conhecimento é levado ao aluno, dando ao “saber” a conotação de conhecer, de

reproduzir.

As pesquisas em educação matemática têm apontado que, se por um

lado a álgebra é importante para propiciar a introdução de idéias matematicamente

significativas como processos de abstração e generalização, motivo pelo qual deve

compor o currículo escolar, por outro, esta mesma álgebra tem sido um obstáculo

para a trajetória educacional de muitos alunos. O argumento é que a dificuldade da

matemática está em sua linguagem formal, ou linguagem algébrica complexa,

excessivamente simbólica, e na maioria das vezes ilegível.

Parece haver uma contradição, pois o argumento acima se baseia na

ênfase dada à linguagem formal dentro da matemática escolar, mas é o próprio

processo ensino aprendizagem, que encarando a matemática como uma linguagem,

intensifica esta ênfase. Partindo de que o objetivo é ensinar o tipo geral de uma

classe de problemas para que o aluno posteriormente consiga resolver problemas

particulares, identificando-os com uma classe geral e seguindo o padrão de

resolução, o que se está fazendo na realidade é ensinando uma linguagem e sua

sintaxe. Neste caso, as generalizações algébricas dominam o conteúdo e a

matemática escolar não estuda os objetos particulares.

Uma das conseqüências desta visão de ensino da matemática como

uma linguagem é justamente não estudar objetos particulares. Essa opção afeta a

construção dos significados da linguagem e da significação dos símbolos utilizados,

5

pois o processo de formação de conceitos, ou abstrações, que estão relacionadas a

esses símbolos, se realiza justamente quando o aluno consegue fazer a representação

mental das propriedades comuns a várias situações particulares. Ou seja, para que a

linguagem matemática seja significativa é necessário que o ensino da matemática

estimule, por meio de atividades, a experiência do aluno com os objetos

matemáticos, dando a oportunidade para que a intuição sobre tais objetos se

manifeste.

Todo o raciocínio é uma interpretação de signos de algum tipo. A interpretação de um signo é apenas a construção de um novo signo. Como foi dito, uma simples sensação ou percepção, sem uma representação, não é interpretação e em uma interpretação de um trecho, no qual não se leve adiante as idéias e não se generaliza, é infrutífera. Toda cognição avança por meio da construção de uma representação adequada e esta construção proporciona somente a oposição entre o sujeito e objeto em relação a uma forma. 7

Este panorama nos revela que a álgebra escolar, diferentemente dos

objetivos da reforma, é concebida como uma linguagem, e apenas como uma

linguagem. Toda a intenção de atividade, de proporcionar maior desenvolvimento e

participação dos alunos, por meio das oportunidades oferecidas pelas “estruturas

gerais” ficou apenas no plano teórico. Partindo desta constatação, é que se pode

perguntar: a linguagem matemática é a linguagem algébrica? Quais as características

da linguagem matemática? Como os conceitos matemáticos são comunicados?

Existe alguma forma de tratar a linguagem matemática, a fim de minimizar as

dificuldades expressas por aqueles que não a compreendem?

Essas são questões extremamente relevantes no processo ensino

aprendizagem, pois não há como “fugir” de uma característica do próprio

conhecimento matemático, ou seja, de sua linguagem formal. Para Sierpinska8, ao

considerar-se a matemática como objeto da comunicação no processo ensino

aprendizagem, a linguagem torna-se realmente um problema.

Para ensinar uma criança a comer com a colher, falar ou andar de bicicleta, a linguagem não é necessária. Normalmente conduzimos o corpo da criança e demonstramos estas ações. Mas

7 OTTE, Michel Proof and Explanation on from a Semiotical Point of View 2006, p.26 8 SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away, 2005

6

o pensamento matemático não pode ser demonstrado diretamente, e não se pode guiar ninguém fisicamente por esta atividade. A comunicação é necessariamente indireta, mediada pela combinação da linguagem comum, da linguagem artificial altamente especializada e dos outros sistemas de signos. E não há nenhum meio direto de se assegurar que o significado pretendido não se perderá na mediação.9

Poder-se-ia pensar em resolver o problema eliminando esta

linguagem matemática, reduzindo-a à linguagem comum. No entanto, eliminá-la

seria como eliminar o próprio conteúdo matemático, pois não podemos esquecer que

ela não foi um capricho, mas uma necessidade do próprio desenvolvimento da

matemática. Alguém pode perguntar: Por que então não eliminar a própria

matemática? Porque isso seria imprudente. Não há conhecimento que não prescinda

de algum tipo de matemática. Eliminá-la do currículo seria como desconsiderar a

função da escola de proporcionar acesso ao conhecimento científico construído pela

humanidade até os nossos dias.

Mesmo concebendo a educação matemática, não com base na

comunicação, mas principalmente como uma atividade, na qual a aprendizagem seja

significativa para o aluno, num processo no qual ele possa experimentar, construir,

desenvolver sua capacidade de abstração e generalização, ainda assim, teremos

presente a linguagem matemática/formal/algébrica permeando toda esta atividade.

O que se colocou mais objetivamente como nosso problema de

pesquisa foi: que tipo de relação existe entre a língua materna usada na comunicação

em sala de aula durante o ensino de matemática e a linguagem matemática usada

para representar estruturas mais complexas, ou seja, o que precisamos ensinar?

Para responder a esta pergunta traçamos como meta para esse

trabalho mostrar que nossa estrutura de conhecimento é baseada na

complementaridade entre ver/sentir e fazer; apresentar as características da

linguagem matemática, usada para representar os objetos matemáticos, mostrando a

dependência que o pensamento matemático tem dos seus instrumentos e meios;

apresentar as características da língua materna em sua função de comunicar; e

discutir o tipo de relação que existe entre estas duas línguas, a fim de ganhar

9 SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away, 2005, p.205

7

subsídios que possam nortear a ação didática, favorecendo o processo ensino

aprendizagem da matemática.

O caminho que vamos percorrer ao longo deste trabalho tem como

objetivo tentar compreender as características desta linguagem e de suas

representações dentro do processo de comunicação das idéias matemáticas.

No primeiro capítulo – Matemática e Linguagem no ensino escolar –

procuramos dar um panorama do que se tem discutido em relação à linguagem do

aluno, à linguagem do professor e à linguagem matemática, baseado no artigo

‘Language and mathematics education’de Austin e Howson, publicado em 1979.

Completamos o panorama baseados em Sierpinska, Discoursing Mathematics

Away10, que nos apresenta um ponto de vista sobre o assunto, destacando a

abordagem discursiva.

Ainda neste capítulo, relatamos um pouco da história dos sistemas

semióticos, dos símbolos, e consideramos como exemplo a ‘saga’ do signo da

igualdade (=). Conhecer a história dos símbolos matemáticos nos ajuda a entender a

sua importância e o seu lugar no desenvolvimento da matemática. Também nos faz

perceber as dificuldades do homem em construí-los e aceitá-los.

No segundo capítulo, apresentamos a filosofia de Condillac, que foi o

primeiro a conceber e formalizar a imprescindibilidade dos signos para o

desenvolvimento do conhecimento. Baseado em seu método analítico ele mostra

como a álgebra é uma língua bem feita e universal, para qualquer ciência, sendo o

primeiro a compreendê-la desta forma. Procuramos compreender as vantagens e

desvantagens dessa concepção e apresentamos dois exemplos do uso da linguagem

algébrica no sentido de Condillac.

No terceiro capítulo abordamos as questões semióticas e suas

aplicações. Procuramos identificar a importância dos ícones, índices e símbolos para

a matemática, e apresentamos a comparação que René Thom faz das três linguagens:

a materna, a algébrica e a geométrica, com relação à intensão (compreensão ou

sentido), extensão (referência ou significado) e sintaxe. A comparação de Thom se

dá como uma tentativa de refletir sobre a questão de como fazer a transição de 10 SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away, 2005.

8

língua materna para a língua algébrica num processo de desenvolvimento ao invés

de um rompimento. Sua comparação nos leva a perceber a necessidade da utilização

de várias linguagens (ou tipos de signos), cuja interação favorece o desenvolvimento

cognitivo, nos remetendo a idéia de complementaridade entre as linguagens.

No quarto, discutimos acerca de melhorias de um texto didático, mais

especificamente de um texto sobre incomensurabilidade, como introdução aos

números irracionais. O exemplo nos faz observar os contrastes entre comunicação e

representação em matemática. Trazemos ainda uma comparação dos sistemas de

representação, idealizados por Skemp e com contribuições de Otte.

No último capítulo, fazemos nossas considerações finais respondendo

à nossa questão de pesquisa, e ainda, propomos algumas sugestões para novos

trabalhos.

9

1. MATEMÁTICA E LINGUAGEM NO ENSINO ESCOLAR

1.1 – Matemática e linguagem comum

Todo o processo de ensino aprendizagem da matemática é permeado

pela comunicação, utilizando-se tanto da ‘linguagem matemática’ como da língua

materna.

As preocupações da educação matemática com os aspectos da

linguagem, tomaram impulso a partir da década de 70. Austin e Howson, publicam

em 1979, o artigo ‘Language and mathematics education’, no qual apresentam as

questões abordadas pelas pesquisas neste campo. Assim, o que nos oferecem é um

levantamento dos principais aspectos considerados como problemas relevantes para

o ensino-aprendizagem de matemática em relação à linguagem.

Os autores, neste artigo, parecem considerar a matemática em seus

aspectos formais, ou seja, em relação à estrutura da própria matemática escolar, ao

invés de dizer quais as vantagens que esta perspectiva da matemática como

linguagem pode nos dar.

Considerando a matemática como uma linguagem, a pergunta que se

põe então é: de que modo os lingüistas poderiam ajudar na compreensão dos

processos de ensino aprendizagem da linguagem matemática? Como seus estudos de

ensino aprendizagem de uma segunda língua poderiam contribuir? O que

poderíamos aprender com os estudos dos defeitos ou afasias lingüísticas sobre a

estrutura e tipos de funções da língua?11

11 Ver Jakobson e Halle em Complementarity, Sets and Numbers. OTTE, 2003, p.11-12

10

Talvez não possam ajudar muito, porque se fizermos este tipo de

analogia entre a linguagem matemática e a linguagem comum, poderemos dizer que

o correspondente aos matemáticos puros, são os lingüísticas ou gramáticos, e então

poderemos perguntar, quem são os correspondentes, na lingüística, àqueles que

usam a matemática como instrumento para resolver problemas? A resposta seria: são

os poetas, pois são eles que usam e desenvolvem a língua.

No entanto, gramáticos e poetas tem uma coisa em comum: dão

nomes às coisas e por isso as deixam mais explícitas e mais transparentes. O diálogo

entre Sócrates e o Ménone, escrito por Platão, começa assim:

Ménone - E como hás de encontrar uma coisa de que não sabes absolutamente nada? Na tua ignorância, que princípio tomarás para te guiar nesta investigação? E se, por acaso, encontrasses a virtude, como a reconhecerias, se nunca a conheceste?

Sócrates - Compreendo, Ménone, o que queres dizer. Que magnífico argumento para uma discussão! Não é possível o homem procurar o que já sabe, nem o que não sabe, porque não necessita de procurar aquilo que sabe, e, quanto ao que não sabe, não podia procurá-lo, visto não saber sequer o que havia de procurar.12

Ao nomearmos alguma coisa já estamos reconhecendo sua existência,

e, portanto, já somos capazes de saber o que estamos procurando. “A idéia chave

sobre um nome ou índice, é que ele tem uma conexão direta com seu objeto”.13

É certo que olhar a linguagem matemática com o olhar dos lingüistas,

acreditando que os problemas seriam resolvidos, é ingênuo. No entanto, seria muito

produtivo se houvessem trabalhos feitos de forma cooperativa, já que ambos estão

preocupados com os processos de comunicação e aprendizagem, enfrentando

problemas metodológicos parecidos.

Segundo Austin e Howson (1979), pensar em linguagem na educação

matemática implica em considerar a linguagem do aluno, do professor e da

matemática. Observando estes aspectos, fazem considerações agrupadas em blocos

como assumiremos aqui:

12 PLATÃO, Menon 13 OTTE. Complementarity, Sets and Numbers. 2003, p.213

11

“i) a linguagem do aluno:

- o modo como seu domínio da linguagem influenciou de perto, e influencia, sua aprendizagem da matemática, seus modelos de pensamento e sua formação dos conceitos;

- a distância que existe entre a linguagem do professor e a linguagem do aluno;

- a distância da linguagem com a qual o aluno é solicitado a trabalhar matematicamente, e da linguagem que tem gradualmente desenvolvida e agora passa a ser de domínio internacional como a linguagem da matemática”.14

Em relação à linguagem do aluno, enfatizam vários problemas

investigados pelos pesquisadores, começando pelo problema do bilingüismo e do

multilinguismo, ou seja, locais onde o ensino é feito em uma língua diferente da

língua materna, ou seja, a matemática não é comunicada com o auxílio da língua

materna, mas em uma segunda língua.

“Deste modo, por exemplo, a maioria da população da Jamaica fala o dialeto Inglês, cuja estrutura, gramática, vocabulário e entonação diferem, às vezes consideravelmente, das regras do Inglês Jamaicano, língua de instrução nas escolas. Para a maioria das crianças jamaicanas esta língua oficial tem um situação diferente da língua estrangeira ou da língua materna: podem decodificá-la, mas não podem reproduzi-la”.15

A idéia de que a linguagem matemática é universal, e por isso pode

ser apreendida por qualquer aluno independente da língua cultural, parece mítica.

Apesar de possuir elementos universais, como diagramas e imagens, será que

alguém ensina matemática sem falar, sem escrever ou mesmo exigindo somente a

leitura de textos construídos apenas com símbolos matemáticos culturalmente

imparciais?

A respeito das relações entre pensamento e linguagem, Austin e

Howson reconhecem nos trabalhos de Vygotsky e Piaget uma necessidade da fala

interna, despreocupada com o interlocutor, fazendo-se necessária à própria

organização mental do indivíduo. Questionam então até que ponto estas

necessidades da fala interna deveriam ser levadas em consideração em sala de aula.

14 AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p. 163 15 Young apud Austin e Howson, Language and Mathematical Education. 1979, p.164

12

A educação matemática é toda baseada em conceitos, ou seja, uma

noção abstrata ou idéia geral. Do ponto de vista lógico, um conceito é caracterizado

por sua extensão16 e por sua compreensão17, e do ponto de vista matemático por seus

exemplos ou definições. E aqui, nas definições, é que distinguimos a linguagem

como aspecto fundamental, uma vez que uma definição toma forma por meio da

linguagem. Deste modo, o problema se configura em sala de aula, em como o

professor escolhe e se utiliza da linguagem ao trabalhar os conceitos.

Outros dois aspectos são: o da sintaxe diferente das línguas e a

“pobreza” de termos matemáticos. Uma língua materna cuja sintaxe é diferente da

sintaxe da linguagem matemática, assim como a importação de termos estrangeiros,

ou a criação de termos cujos elementos não pertencem ao vocabulário nativo para

suprir deficiências no vocabulário matemático são fatores que podem se configurar

como obstáculo para a formação de conceitos.

Sobre o aspecto da linguagem e da classe social, as pesquisas têm

apresentado resultados muito controversos. No entanto, fica claro que a diferença

entre a linguagem do professor e a de seus alunos, oriundas das diferenças sociais,

pode ser considerada mais um obstáculo para a aprendizagem da matemática, assim

como de outros assuntos.

O próximo item considerado por Austin e Howson é:

“ii) a linguagem do professor (e autor) é usada e selecionada, tanto na forma oral como escrita”18

Em relação à linguagem do professor, os autores ressaltam a

questão da legibilidade dos textos matemáticos, que entendem como a interação

entre o leitor e o texto. A perseverança na leitura, a compreensão do leitor e o êxito

nos objetivos cognitivos e afetivos dependem de diversos fatores, como: a escolha

das palavras, o tamanho das sentenças, o conteúdo, o estilo, o formato, a

apresentação, o humor, a ilustração, a organização, a clareza da grafia, qualidade do

16 Extensão ou significado – conjunto dos elementos particulares dos seres aos quais se estende o conceito. 17 Compreensão ou sentido – conjunto de caracteres que constituem a definição do conceito (Ex: o homem: animal, mamífero, bípede,...) 18 AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.164

13

papel, os atrativos do design etc. Apesar de achar que a preocupação com tais

aspectos tem tirado a atenção dos professores de outros assuntos mais relevantes,

enfatizam o benefício que a melhoria dos textos didáticos traria à educação

matemática.

A partir da metade do século XX, tanto a matemática a ser ensinada

mudou, como o número e o tipo de alunos a quem se ensinar aumentou

sobremaneira. Os textos tradicionais, como compêndios de problemas,

caracterizados por uma pobreza de sintaxe e um vocabulário restrito não atendem

mais à nova realidade. Surgiu uma nova categoria de texto didático para a

matemática, cujo objetivo era que o aluno pudesse ler sozinho, baseado na sua

habilidade de compreensão, e no qual cada assunto novo vinha precedido de um

texto introdutório no livro do aluno, e de um aprofundamento no manual do

professor.

Austin e Howson comentam que as pesquisas sobre a legibilidade de

tais textos usaram ferramentas próprias da lingüística, e apresentaram como

resultados que o texto matemático é mais difícil do que os textos apresentados por

outras áreas, e que o nível de legibilidade em um único texto matemático variava

muito. Em alguns casos, a legibilidade do material moderno era menor que os

alcançados nos textos de matemática tradicionais.

Kane (apud Austin&Howson)19, levanta alguns problemas deste tipo

de ferramenta para os textos matemáticos, uma vez que o inglês matemático é

essencialmente diferente do inglês cotidiano em:

(i) a letra, a palavra e as redundâncias didáticas diferem;

(ii) os nomes dos objetos matemáticos têm geralmente uma denotação única, ao

contrário dos substantivos em linguagem cotidiana;

(iii) os adjetivos na linguagem matemática são geralmente sem importância;

(iv) a gramática e a sintaxe na linguagem matemática são bem menos flexíveis do

que na linguagem cotidiana.

19 AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.172

14

Deste modo, os instrumentos utilizados só alcançavam a parte não

simbólica dos textos, desprezando o extenso vocabulário e as frases próprias do

campo da matemática.

Os autores dos livros didáticos reconheceram a necessidade de

eliminar as dificuldades de leitura, tornar os textos mais legíveis, e com esse

propósito voltaram sua atenção para aspectos da construção do texto e para

introdução de novo vocabulário, tais como: usar de sentenças simples, evitar

sentenças longas, repetir palavras chaves em momentos variados do texto, minimizar

o tamanho do texto, introduzir poucas palavras novas, usar mais a voz ativa do que a

passiva, evitar orações condicionais e hipotéticas etc.

A ênfase, no entanto, se deu mais no fluxo de palavras do que na

garantia da compreensão das mesmas. Ao evitar formas verbais complicadas, os

autores acabaram por utilizar um vocabulário básico e restrito, e conseguiram

alcançar os objetivos matemáticos a curto prazo, mas a pergunta é: a que custo?

A pertinência da pergunta se revela ao pensarmos nos problemas a

longo prazo, provocados pela restrição do vocabulário, tais como a construção de

barreiras seletivas, o uso de palavras como sugestão verbal, incentivando o aluno a

aprender a implicação da palavra e não da experiência pensada com a linguagem

natural. Um exemplo clássico, é que quando o aluno está frente a um problema que

contém a frase “Maria tinha oito maçãs a mais que Joana”, não importa o resto do

problema, a expressão a mais, já lhe indica adição.

Experiências com exploração da literatura infantil, o contar história,

que oportunizam o uso da linguagem cotidiana para pensar questões matemáticas, ou

a apresentação pictórica de problemas foram alternativas apresentadas, mas que

parecem ter sido confinadas nas escolas infantis.

É certo que a maior dificuldade dos alunos no trabalho com a

linguagem matemática é que sua atenção se volta para as peculiaridades da

linguagem matemática – densidade e exatidão – ao invés de voltar-se para a riqueza

de significados.

O estudo da linguagem como ferramenta de ensino dentro das salas

de aula recebe atenção cada vez maior, uma vez que parece ser consenso em nossa

15

cultura que ensinar é falar. As pesquisas que nortearam o artigo de Austin e Howson

revelaram que os professores falam muito, e os alunos pouco.

Uma melhoria neste aspecto dependeria de criar oportunidades para

que os alunos pudessem pensar e falar. Neste caso a aula seria centrada na criança,

oportunizando situações, problemas e desafios novos aos professores. No entanto,

muitos professores não estariam preparados para lidar com situações e idéias que

não tenham sido previamente registradas, apresentando dificuldade em validá-las.

O último item considerado é a linguagem matemática:

iii) a linguagem(s) da matemática:

- suas similaridades e diferenças em relação à língua materna;

- seu desenvolvimento, riqueza e potencial”.20

Aqui é importante observar que a linguagem matemática contém

muitos diagramas, ícones, visualizações e também regras rígidas que são

necessárias, que conferem validade a um julgamento.

Nesta etapa do trabalho, Austin e Howson apontam para a questão de

como a linguagem matemática tem sido vista pela educação.

Frequentemente se tem indicado a Matemática como sendo ela mesma uma linguagem formalizada, e foi sugerido que ela deveria ser ensinada como tal. (Veja, p.e., ref. de Aiken,1972). Afirmações como essa possuem certo grau de validade, mas também podem ser perigosas e potencialmente confusas. A Matemática não é uma linguagem – ou seja, um instrumento de comunicação – mas uma atividade e um estoque de conhecimento adquirido durante muitos séculos. Essa atividade pode ser realizada, e os resultados codificados, usando uma variedade de linguagens, da linguagem cotidiana até a linguagem formal como a da Principia Mathematica de Whitehead e de Russell. Certamente um registro e sintaxe internacionalmente aprovados ganharam espaço entre os profissionais da Matemática. Mas mesmo assim, as diferenças entre a linguagem formalizada na qual os profissionais apresentam seus trabalhos e a linguagem que utilizam em termos de pensamento e fala sobre seu trabalho é muito grande, e seriam maiores do que aquelas normalmente existentes entre a linguagem escrita e a falada.21

20 AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.164 21 AUSTIN E HOWSON. Language and mathematical education. 1979, p.176

16

O simbolismo matemático aceito internacionalmente, cuja criação

está baseada na estrutura da língua e cultura indo-européia, é responsável por

dificuldades de aprendizado de pessoas que não tem a mesma estrutura lingüística,

como é o caso dos japoneses. Este problema ficou mais evidente com a

disseminação da prática do ensino da matemática utilizando as línguas maternas.

Mas mesmo com crianças de mesma estrutura lingüística, a

introdução do simbolismo é complicada. Um exemplo do possível conflito entre

língua natural e simbolismo matemático pode ser percebido na dificuldade que se

apresenta com o símbolo de igualdade (=). Ao apresentarmos 8-2=6 dizemos: “oito

menos dois sobram seis” então 6+2=8 e dizemos: “seis mais dois dá oito”. Afinal, o

símbolo = significa sobra ou dá? Significa perder ou compor?

Este caso é exemplar para mostrar que a matemática não se restringe

à linguagem e que os seus conceitos, como por exemplo a igualdade podem ser

descritos em termos diferentes, dependendo do seu uso e do contexto no qual está

inserido (aspectos instrumentais).

No entanto, todos os usos desses conceitos não são suficientes para

defini-los. É preciso uma abstração. A mesma coisa acontece com os conceitos

empíricos. Por exemplo, todos os usos de uma faca não definem este conceito. Uma

faca poderia servir para muita coisa: cortar, descascar, furar, entalhar etc. É

necessário que se realize uma abstração para que se possa definir faca.

Isso pode ser entendido se olharmos para os dois tipos de afasia

descritas por Jakobson.22 A primeira ele chama de “a perda da meta-linguagem”, na

qual o contexto é um fator indispensável e decisivo para a compreensão. Essa perda

torna a “pessoa incapaz de expressar uma predicação que não seja estimulada pelo

contexto disponível”. Um paciente com este tipo de afasia não conseguiria dizer “Dá

a faca”, pois como depende do contexto, diria “Dá o descascador de laranja”, se seu

objetivo fosse descascar uma laranja, mas se fosse para cortar um bolo, diria “Dá o

cortador de bolo”. A outra característica é a perda da capacidade de selecionar e

substituir autonomamente uma palavra. Assim, apesar dele compreender as duas

22 Ver OTTE. Complementarity, Sets and Numbers. 2003, p.213-214

17

frases - João não é casado- e – João é solteiro – não é capaz de substituir solteiro

por não casado em uma sentença.

Até então, a questão de qual a melhor forma de fazer a transição da

linguagem natural para a linguagem simbólica da matemática parece não ter

recebido atenção necessária.

Os problemas tornam-se ainda mais graves quando entramos no

campo da linguagem da álgebra, que segundo Freudenthal pode ser usada

autonomamente, independente de qualquer significado ou conteúdo. 23

Austin e Howson consideram então como pontos de partida úteis a

idéia de Thom sobre a álgebra ser rica em sintaxe e fraca em significado, o que

permite a realização de grande número de operações sem pensar em seus

significados, justamente o oposto da linguagem cotidiana.

Muitas das dificuldades específicas da matemática aparecem quando

se começa a ler e a escrever matemática. Parte é responsabilidade dos autores dos

livros didáticos, que pecam sintaticamente ao escrever de forma desleixada e muitas

vezes irracional. Estes livros enfatizam o poder da linguagem simbólica e sua

superioridade à linguagem comum, tornando difícil aplicar as recomendações dadas

para melhorar a legibilidade dos textos.

“O uso das palavras para comunicar precisamente as abstrações

matemáticas, e conforme Thom ‘com significado’, ainda é uma tarefa difícil, talvez

impossível”24. Segundo Vygotsky:25 “A correção absoluta só se consegue para lá da

linguagem natural, na matemática. A nossa linguagem cotidiana oscila

constantemente entre os ideais da harmonia matemática e os da harmonia

imaginativa”. As duas citações corroboram a idéia de que a linguagem matemática

tem certa validade, mas que ignora a variedade no modo como a linguagem é usada

dentro da matemática. Diferenças entre os termos usados na linguagem matemática e

na linguagem cotidiana podem apresentar-se como dificuldades para o ensino

aprendizagem em matemática. Uma das dificuldades pode ser exemplificada por

palavras que são usadas de forma diferente nos dois tipos de linguagem, como por 23 FREUDENTHAL. Weeding and Sowing. 1978 24 AUSTIN E HOWSON, Language and Mathematical Education. 1979, p.178 25 VYGOTSKY, Lev Semenovich (1896-1934). Pensamento e Linguagem. Capítulo 7, tópico II

18

exemplo a palavra corda, radical, raiz. Uma outra seria o uso dos quantificadores,

palavras como alguns, poucos, uns etc., que usamos no cotidiano e que atendem

plenamente à comunicação, mas que em linguagem matemática seriam causadoras

de grande confusão.

Para enfrentar tais dificuldades foi sugerida por Griffiths26 a

introdução de modelos lingüísticos desde cedo, em progressão gradual e claramente

definido o trânsito da linguagem natural para a linguagem matemática. E a sugestão

da criação de uma “linguagem de ensinar”, que faria a ponte entre a linguagem

cotidiana e a linguagem matemática.

Ambas as sugestões podem criar novos problemas, já que limitar

modelos lingüísticos, proteger o leitor de expressões e termos alternativos pode

reduzir as possibilidades do leitor, por exemplo, de usar outros materiais didáticos,

comunicar-se matematicamente com outras pessoas que não usem os mesmos

modelos, e distinguir entre formas mais adequadas de expressão.

O caminho apontado é a mudança do centro da aula para o aluno:

“Uma criança, em especial, é frequentemente ignorante dos significados não cotidianos de palavras aparentemente familiares. E só terá consciência por meio do reconhecimento da função de uma palavra dentro dos contextos separados da abstração Matemática e linguagem do dia a dia, de modo que a percepção só poderá ocorrer se a criança tiver uma experimentação desinibida em vários contextos. Em tais circunstâncias o professor agirá como um guia, ao invés de como um modelo remoto de perfeição lingüística da Matemática”.27

O vocabulário matemático é muito extenso, muitos termos usados na

linguagem cotidiana são usados com significados diferentes em linguagem

matemática, e as dificuldades originadas por estas questões acabam por intimidar o

aluno. Problemas neste sentido acabam nos levando a considerar o modo como

primeiro os alunos conhecem as palavras e depois formam conceitos, deixando

26 GRIFFITHS, H.B. apud AUSTIN E HOWSON, Language and Mathematical Education. 1979, p.180 27 AUSTIN E HOWSON, Language and Mathematical Education. 1979, p.180

19

evidente a importância do cuidado com os termos introduzidos, definidos e

empregados.

De modo geral, os autores considerados por Austin e Howson

concebiam a “linguagem matemática” como uma entidade claramente reconhecível,

identificada principalmente pelo simbolismo e vocabulário específicos da escrita da

matemática formal. As principais questões estavam relacionadas com o como os

alunos conseguem aprender esta linguagem e os obstáculos neste percurso.

Respondendo a pergunta inicial, de como os lingüistas poderiam

ajudar a educação matemática, podemos indicar os gramáticos para nos ajudar nas

questões referentes ao domínio da língua por parte dos alunos. Ao ajudá-los a se

tornarem mais conscientes da estrutura de sua língua materna e da prática dessa

língua, consequentemente promoveriam uma melhora na escrita, leitura e

interpretação, favorecendo a formação de conceitos.

Quanto à linguagem do professor poderíamos nos beneficiar da ajuda

dos poetas. A linguagem metafórica tão característica dos poetas, que age como uma

transferência de significado, baseando-se na analogia, ou seja, na relação entre dois

conceitos que apresentam algo em comum, é uma ferramenta poderosa ainda pouco

usada pelos professores, ou pelo menos de forma não consciente. A vantagem do

uso da metáfora, em termos cognitivos, está no fato de apoiarmos a comunicação em

conceitos mais concretos e mais próximos da experiência do aluno, facilitando a

compreensão de conceitos mais complexos e abstratos.

1.2 – Uma abordagem discursiva para a linguagem Matemática.

Cerca de 20 anos após a publicação de Austin e Howson, e com a

mesma intenção, é publicado o livro Language and Communication in the

Mathematics Classroom(1998), baseado nos documentos apresentados pelo Grupo

de Trabalho “Linguagem e Comunicação” do VI Congresso Internacional de

Educação de Matemática (ICME) realizado em Quebec em 1992. Apesar de muitas

20

das questões de investigação apontadas vinte anos atrás ainda persistirem, como o

Bilingüismo, e ainda outras estarem surgindo, como por exemplo o crescente

interesse na questão do uso da escrita como meio de aprendizagem da matemática, a

maioria dos trabalhos considerados nesta publicação apresentam um interesse maior

nas questões relacionadas ao discurso, comunicação e interação nas salas de aula, na

linguagem “em uso”, do que nas características formais de uma linguagem

matematicamente correta.

Esta abordagem discursiva advém do atual consenso entre as

tendências de que a linguagem desempenha um papel importante no processo

ensino-aprendizagem, e, em particular, em discussões como meio útil para o

desenvolvimento da aprendizagem.

Sierpinska nos aponta em seu artigo “Os caminhos do discurso

matemático”28 que nos últimos 20 anos temos “batalhado” com pelo menos “três

teorias gerais de abordagem da linguagem: linguagem como um código (por

exemplo Laborde), linguagem como representação (Janvier, Duval) e linguagem

como discurso (Kieran, Forman & Sfard)”. Ela explica a importância da abordagem

discursiva para a educação matemática, seu olhar semiótico do mundo, e as

possibilidades de uma conexão entre esta abordagem e as outras.

A abordagem discursiva tem muitos elementos gerais, ou seja,

elementos do processo ensino aprendizagem gerais a todos os campos de

conhecimento, mas como Morgan ressalta, o caminho na pesquisa em Educação

matemática não pode perder de vista as especificidades da própria linguagem

matemática. Ela diz:

“A mudança de interesse em direção a modelos de interação e linguagem usados em sala de aula no lugar das características formais da linguagem Matemática às vezes parece ter pedido de vista a Matemática. Contudo, se nós estivermos preocupados com a linguagem e a comunicação na sala de aula de Matemática, é ainda mais importante considerar o que é caracteristicamente matemático sobre a linguagem e o modo como é utilizada”. 29

28 SIERPINSKA, Anna. Discoursing Mathematics Away. 2005. 29 MORGAN, Candia - Language in Use in Mathematics Classrooms: Developing Approaches to a Research Domain, H. Steinbring, M.G. Bartolini Bussi and A. Sierpinska. 2000, p.96

21

Passados mais de 40 anos da Reforma da Matemática Moderna, da

ênfase do ensino em uma linguagem matemática mais formal, as pesquisas em

educação matemática e Linguagem trazem cada vez mais perguntas - inclusive mais

perguntas que respostas – no entanto, seja qual a linha de pesquisa ou qual o assunto

específico a ser tratado, sempre perpassa pela questão da linguagem propriamente

matemática, do seu simbolismo e de seus significados.

1.3 Os símbolos da matemática

“O poder da matemática está nas idéias, mas o acesso a estas idéias, e a habilidade de comunicá-las, dependem do simbolismo

matemático” 30

O símbolo na matemática é o meio pelo qual construímos e

acessamos os objetos matemáticos. Até o início do século XIX, os objetos da

matemática eram produzidos e desenvolviam-se num processo de atividade

simbólica, dentro do contexto de uma língua. A álgebra era essa língua, de modo

que, até o século XIX era apenas uma linguagem que usava símbolos para

representar números desconhecidos, com o objetivo de tornar possível a resolução

de equações ou generalizações aritméticas e geométricas.

Nesse sentido a álgebra já aparecia no papiru de Rhind (1650 a.C.),

que continha 80 problemas, todos resolvidos, a maioria envolvendo problemas do

dia a dia, como o preço do pão, a armazenagem de grãos de trigo, a alimentação do

gado, enfim, problemas que conduzem a equações simples.

Segundo Dantzig31, é correto afirmar que a álgebra passou por três

fases: a retórica, a sincopada e a simbólica.

“Na álgebra retórica as relações são expressas com palavras e caracterizadas pela ausência completa de qualquer símbolo, ou seja, as próprias palavras são usadas em seu sentido simbólico. Atualmente, a álgebra retórica é usada em afirmações como “a

30 SKEMP, Richard R. Mathematics in the primary school. 1989, p.104 31 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005.

22

soma é independente da ordem dos termos”, a qual, simbolicamente, seria designada por a + b = b + a”. 32

A álgebra sincopada vem a ser uma álgebra intermediária, pois usa a

abreviação das palavras como seus próprios símbolos. Esse processo de abreviação

ao longo do tempo, fez com que a abreviação da abreviação se tornasse um símbolo

que não tinha mais nenhuma conexão óbvia com o que eles representavam, inclusive

nem com a palavra escrita. Um exemplo disso é a história do símbolo −−−−. Primeiro foi

usada a palavra minus, então se abreviou para , ou seja, usando a primeira

letra da palavra, e posteriormente a letra caiu em desuso, ficando apenas o

sobrescrito. Podemos observar essa passagem na tabela de evolução33 de alguns

símbolos:

Fig. 1 – Tabela da evolução de alguns símbolos matemáticos

Diophantus34 (250) usou a letra grega ς (sigma) para simbolizar o

desconhecido. Há controvérsias sobre esta escolha: uns dizem que é porque sigma

tinha duas representações, σ e ς, e que a primeira representação designava o número

32 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.80 33 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.81. 34 Diophantus de Alexandria (cerca de 200-284) foi um matemático grego conhecido como "o pai da álgebra", e pela sua obra Arithmetica. Teve uma enorme influência sobre o desenvolvimento da teoria número.

23

60, e que a segunda não era utilizada para representar números. Outros dizem que

provavelmente é a sincopação da primeira sílaba da palavra grega arithmos

(número), nome pelo qual designou o desconhecido em um problema.

No entanto, os gregos usaram esses símbolos como meras etiquetas

para designar pontos diferentes ou elementos de uma configuração geométrica,

como o fazemos até hoje. Em nenhum momento utilizaram os símbolos em um

sentido operacional, mas mesmo assim, Diophantus pode ser considerado o

precursor da álgebra moderna por seu trabalho pioneiro com as equações simples,

quadráticas e de ordem superior.

A álgebra hindu era essencialmente sincopada, usavam como

símbolos as primeiras sílabas das palavras que designavam os objetos ou operações.

Apesar das observações de não serem perspicazes e críticos como os gregos, e por

isso apresentarem um formalismo ingênuo, desenvolveram a álgebra, utilizaram-se

de símbolos não só para operações e igualdades fundamentais como para os números

negativos, e ainda desenvolveram todas as regras para a transformação de equações

simples e quadráticas.

A matemática hindu não influenciou diretamente a matemática

européia. No entanto, acredita-se que todo o conhecimento árabe foi recebido dos

Brahmis (membros da casta sacerdotal mais elevada da Índia, com elevado nível de

conhecimento), que foram contratados pelos califas dos séculos IX e X. A

civilização muçulmana daquele período era uma mistura de duas culturas: a helênica

e a oriental. Os árabes traduziram muitas obras e são responsáveis por manter a

salvo grande parte do conhecimento da Grécia antiga, cujos originais foram

queimados em incêndios, saqueados ou simplesmente destruídos.

Os árabes não apenas traduziram e aprenderam como também

desenvolveram e enriqueceram muito esse conhecimento. Omar Khayyám35, autor

do Rubaiyat, é um dos muitos nomes entre os numerosos matemáticos de primeira

categoria. Omar escreveu uma álgebra árabe na qual utilizou de seu conhecimento

35 Seu nome completo era Ghiyath Al Din Abul Fateh Omar Ibn Ibrahim Al Khayyam. (1048-1131), poeta, matemático e astrônomo iraniano. Ele foi famoso em vida como o matemático e astrônomo que determinou o cálculo de modo a corrigir o calendário persa. Contribuiu para a álgebra desenvolvendo um método para resolver equações cúbicas pela intersecção de uma parábola com um círculo, que viria a ser retomada séculos depois por Descartes. Sua obra mais conhecida é Rubaiyat

24

de geometria grega e da álgebra hindu para resolução de equações cúbicas e

quárticas.

No entanto, como ressalva Datzing,

“os árabes não avançaram nem uma iota em notação simbólica. É um dos fenômenos mais estranhos na história da matemática que os árabes, adotando a álgebra hindu, não retiveram o seu pitoresco simbolismo sincopado. Exatamente o contrário, eles regrediram à álgebra retórica dos gregos”.36

Enquanto no mundo árabe a cultura mulçumana se desenvolvia, a

Europa mantinha-se “em sono profundo”. Este período histórico foi chamado de

Idade Média, nele a Europa passou da civilização antiga para civilização medieval,

diversos fatores o marcaram, tais como: o colapso do sistema político romano, o

cataclismo decorrente das invasões dos “bárbaros” germanos e eslavos e o crescente

poder da Igreja católica. Como conseqüência da nova ordem, os grandes impérios do

mundo antigo acabaram e deram lugar a baronatos feudais. Escravos e pequenos

proprietários rurais foram substituídos por servos. Intelectuais e inventores deixaram

de se interessar pela ciência pura e pela matemática e voltaram suas energias mais e

mais para a engenharia e a religião.

No século XII, ocorre o que se pode chamar de período de

transmissão. É o período em que o saber grego, preservado pelos muçulmanos, é

retomado pelos europeus ocidentais. Este despertar do “sono profundo” ocorre

principalmente por meio de traduções latinas feitas por intelectuais cristãos que se

deslocavam até os centros de saberes mulçumanos, pelas relações entre o reino

normando da Sicília e o Oriente e por meio do intercâmbio comercial entre a Europa

Ocidental e o Levante e o mundo árabe. Quando os cristãos retomaram Toledo

(Espanha) dos mouros em 1085, verificou-se um influxo de intelectuais cristãos

rumo àquela cidade, visando adquirir o saber muçulmano.

A Sicília, por sua localização geográfica e história política, logo se

tornou um ponto de encontro entre o Ocidente e o Oriente. As primeiras cidades a

estabelecer relações mercantis com o mundo árabe foram os centros comerciais

italianos. Assim, os mercadores italianos entraram em contato com a civilização

36 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p. 86.

25

oriental, se instruíram e trouxeram informações sobre aritmética e álgebra,

desempenhando um papel importante na disseminação desse conhecimento.

Espanha e Itália, foram as principais portas de acesso para o

Renascimento. Não é de se estranhar que o matemático mais talentoso da Idade

Média tenha sido um comerciante italiano. Fibonacci (1170-1250)37 convencido da

superioridade prática dos métodos indo-arábicos de cálculo, ao retornar de viagens

ao Egito, Sicília, Grécia e Síria, em 1202, publicou sua famosa obra intitulada Líber

abaci, na qual defende a notação indo-arábica e explica os métodos de cálculo,

apresenta resoluções de equações tanto pelo método da falsa posição como por

processos algébricos, processos esses que apresentavam uma álgebra retórica. Em

1220, surgiu a Practica geometriae, material sobre geometria e trigonometria,

“numa abordagem hábil, feita com rigor euclidiano e alguma originalidade”38. Por

volta de 1225, escreveu seu Líber quadratorum, esse sim um trabalho original e

brilhante sobre análise indeterminada.

1.3.1 – A álgebra simbólica

Em relação à álgebra, o século XVI foi um momento decisivo. No

final deste século, o francês François Viète39 (1540-1603) publica em 1591 seu mais

famoso trabalho: In artem analyticam isagoge. Neste texto, Viète introduziu a

prática de usar vogais para representar incógnitas e consoantes para representar

constantes. Antes de Viète era comum usar letras ou símbolos diferentes para as

várias potências de uma quantidade.

37 Leonardo Pisano Fibonacci (1170-1250), também conhecido por Leonardo de Pisa, foi um matemático italiano, dito como o primeiro grande matemático europeu depois da decadência helênica. Viajou por todo o Oriente Médio como mercador, tempo em que absorveu o conhecimento árabe. É considerado por alguns como o mais talentoso matemático da Idade Média. Ficou conhecido pela descoberta da sequência de Fibonacci e pelo seu papel na introdução dos algarismos árabes na Europa. 38 EVES, Howard. Introdução à História da Matemática, p.293 39 François Viète, nascido em Fontenay (França), em 1540, estudou advocacia e foi membro do parlamento provincial da Bretanha, mas dedicava a maior parte de seu tempo de lazer à Matemática. Faleceu em 1603, em Paris.

26

Essa notação teve curta duração, pois já em 1637, René

Descartes40(1596-1650) em sua La géométrie utiliza-se das primeiras letras do

alfabeto para indicar as quantidades conhecidas e as últimas letras do alfabeto para

indicar as desconhecidas. A notação cartesiana não só suplantou a Vieteana, como

sobrevive até hoje.

Sua realização foi simples, mas de importância capital. Viète ao

contrário de como vinham sendo usadas as letras para representar um número,

propôs letras para representar toda uma classe de números. Usando as vogais para

indicar quantidades conhecidas e consoantes para indicar as quantidades

desconhecidas não apenas “economizou” na escrita, mas apresentou a situação de

uma forma que é mais rapidamente apreendida pela mente do que a forma verbal.

Veja o exemplo:

( a + b)² = a² + 2ab + b²

O quadrado da soma de dois números é

igual a soma dos quadrados dos

números, aumentada por duas vezes o

produto deles.

Talvez não tenhamos a percepção do nível de realização de Viète por

estarmos acostumados às fórmulas em que as letras representam grandezas gerais, e

é hábito de nossa cultura lidar com símbolos. Mas em pleno século XVI isso

40 René Descartes ou Renatus Cartesius (1596, Touraine, França - 1650, Estocolmo, Suécia), filósofo, matemático e físico, criador da geometria analítica, também descobriu os princípios da ótica geométrica. Sua contribuição científica baseia-se no emprego de um método e de uma metafísica.

Por Viète Outros autores após Viète

Hoje

A A x

A quadratum A q x2

A cubum A c x3

27

representou uma ruptura, uma novidade tremenda, pois a notação literal foi um

marco para o desenvolvimento da matemática.

Podemos perguntar o que torna o simbolismo tão poderoso? Primeiro

porque liberta a álgebra das palavras, e com isso, além de resguardá-la das

ambigüidades e equívocos decorrentes da natureza da linguagem cotidiana, ainda

elimina todas as noções pré-concebidas e ligadas às palavras utilizadas, como

explica Datzing:

A arithmos de Diophantus, o res de Fibonacci, eram noções preconcebidas: eles representaram todos os números inteiros. Mas o A de Viète ou o nosso x dos dias atuais tem uma existência que independe do objeto concreto que ele supostamente representa. O símbolo tem um significado que transcende o objeto simbolizado: isso porque não é uma mera formalidade.41

Em segundo lugar, porque torna possível a passagem do que antes era

tratado individualmente para ser tratado genericamente. Cada expressão como

32 +x ; 53 −x ; 742 ++ xx ; 543 8 +− xx , eram tratadas individualmente. Mas ao

usar a forma linear ax+b ou a forma quadrática ax²+bx+c, as tratamos como uma

única espécie.

Essa mudança do específico para o geral desempenhou um papel

importantíssimo na formação do conceito de número generalizado.

Desde que se trabalhe com equações numéricas, como:

alguém pode satisfazer-se (como fez a maioria dos algebristas medievais) com a afirmação de que o primeiro grupo de equações é possível, enquanto o segundo é impossível.

Mas quando se considera as equações literais dos mesmos tipos:

x + b = a

bx = a

xn = a

41 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.90

(I) x + 4 = 6 (II) x + 6 = 4

2x = 8 2x = 5

x2 = 9 x2 = 7,

28

a mesma indeterminação dos dados compele a alguém dar uma indicação ou solução simbólica para o problema:

x = a – b

x = a/ b

n ax =

Em vão, depois disto, alguém estipulará que a expressão a – b só

tem um significado se a é maior que b, que b

a é sem significado

quando a não é um múltiplo de b, e que n a não é um número a menos que a seja uma enésima potência perfeita. O próprio ato de escrever o desconhecido gerou um sentido; e não é fácil negar a existência de algo que recebeu um nome. 42

Considerando existentes, mesmo com as ressalvas necessárias, são

inventadas regras para operar com os símbolos a – b, a/b e n a . Como não há

características nos símbolos que indiquem se as operações são legítimas ou não, não

surge nenhuma contradição ao operar com eles como se fossem números, e então

chegamos muito perto de reconhecer esses símbolos como números de fato.

Uma primeira virada se dá na história da álgebra com essa

simbolização sugerida por Viète, cuja essência “contaminou” a comunidade

matemática. Esta simbolização trouxe novos horizontes para os algebristas, que

puderam considerar o número e as operações de forma mais estruturada,

possibilitando a expansão do campo numérico.

Todo esse processo de simbolização permitia eliminar o problema da

influência dos significados ocultos nas palavras utilizadas na matemática que eram

palavras da linguagem humana comum, assim como o seu caráter ambíguo. No

entanto, mais importante do que isso, foi o poder que o simbolismo deu à mente

humana, ajudando a intuição a criar novas formas de pensamento.

Podemos perceber isso mediante a analogia que Cajori faz com a

linguagem comum:

“Na medida em que nossa língua é capaz de afirmações precisas, é, portanto, um sistema de símbolos, uma álgebra retórica por excelência. Substantivos e frases são, entretanto, símbolos de classes de objetos, verbos simbolizam relações, e orações são,

42 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.91

29

entretanto, proposições que conectam estas classes. Ainda, enquanto a palavra for o símbolo abstrato de uma classe, também tem a capacidade de evocar uma imagem, um retrato concreto de algum elemento representativo da classe. Nesta função dual de nossa língua deveríamos buscar os germes do conflito que mais tarde surge entre lógica e intuição”.43

1.3.2 O signo da igualdade

A questão da linguagem, dos signos é tão importante para a

matemática, que os matemáticos, ao longo da história, inventaram seu próprio

sistema de representação. Não nos cabe discutir esse assunto de maneira geral, mas

apresentaremos um pouco da história de um símbolo que nos é tão comum, e sobre o

qual, geralmente, sabemos tão pouco, o signo da igualdade: “=”.

Como já mencionamos anteriormente, o símbolo de igualdade

apresenta uma dificuldade inicial comum a qualquer pessoa, que é a de conceituá-lo.

Esta dificuldade advém do fato de que em contextos distintos ele apresenta

significados diferentes -“dar”, “sobrar”, “resultar” etc.- sendo necessária a abstração

do seu conceito a partir das várias experiências com o símbolo “=”.

Uma outra dificuldade está relacionada às equações. Aceitamos

facilmente a idéia da igualdade, de equivalência em uma equação. O signo de

igualdade nos remete a idéia de função como máquina, relacionando o que deve ser

feito com o seu respectivo resultado.

Aceitamos bem que a=a, pois aceitamos a idéia de identidade;

aceitamos a=b, ou seja, dois signos distintos, dois nomes diferentes para uma mesma

coisa, duas designações para um mesmo significado. O problema é como perceber,

como verificar que a e b são dois nomes para a mesma coisa, e isso depende da área

do conhecimento. Na álgebra fazemos isso por meio da calculação (transformações

por meio das regras sintáticas), por exemplo:

3 + 2 = ( 2 + 1 ) + 2 = 2 + ( 1 + 2 ) = 2 + 3 43 DANTZIG, Tobias. Numbers: The Language of Science. 2005, p.101

30

No entanto, na própria matemática temos situações que permitem

raciocínios diferentes para se chegar a uma mesma solução. Um exemplo é o cálculo

da quantidade total de tijolos de uma pilha. Podemos calcular a quantidade total da

pilha multiplicando a quantidade de tijolos da linha pela quantidade de colunas, ou

considerar a quantidade de tijolos de cada coluna e ir somando linha após linha.

Verificamos que a quantidade total é sempre a mesma, então os dois modos de

calcular são os mesmos.

Aceitamos também que se a=b então a+c=b+c, pois entendemos a

igualdade facilmente usando a metáfora da balança, muito comum em nossas salas

de aula e que não representa uma regra de calculação, mas a aceitação por

experimentação. Assim, numa balança de dois pratos, se adicionarmos a mesma

quantidade nos seus dois pratos, esta permanece equilibrada, ou seja, não há

alteração na relação de equivalência. Mas é muito difícil aceitarmos que se a=b e

c=d então a+c=b+d. Não conseguimos conceber com facilidade que se c=d então

estamos adicionando a mesma quantidade nos dois lados da balança. Esta é uma

idéia fundamental no trabalho com as equações, poder somar ambos os membros

conservando então a relação de equivalência. No entanto, esta não é uma idéia

naturalmente aceita em decorrência das primeiras relações apresentadas.

No papiru Rhind (ou Ahmes,1650 a.C.) já podemos encontrar um

símbolo (ou ideograma) para indicar a idéia de “dá” , como uma marca designando

igualdade em equações lineares. O mesmo aconteceu com Diophantus 44(séc III) e

no manuscrito de Bakhshali45 e com Arab al-Qalasâdi. Regiomontanus (1436-

1476) em sua correspondência usava para igualdade um segmento horizontal ,

também utilizado por Pacioli (1445-1509) e Ghaligai. Cardano (1501-1576) por

vezes deixou um espaço em branco no lugar onde deveria estar o símbolo de

igualdade.

Recorde46 (1510-1558), em seu livro The Whetstone of Witte (O

afiador de mentes), publicado em 1557, fez uso pela primeira vez do símbolo de

44 Não se sabe ao certo em que época ou onde Diophantus viveu, o que se sabe é que sua carreira floresceu em Alexandria no século III. 45 O manuscrito é anônimo e a estimativa é de que se situe entre o séc III e o séc XII d.C. 46 Robert Recorde (1510-1558), influente autor inglês de textos escolares no século XVI. Escreveu em inglês e seus trabalhos tinham a forma de diálogos entre um mestre e um estudante.

31

igualdade como o conhecemos hoje: =. Antes dele, o símbolo de igualdade era

essencialmente retórico. As palavras usadas eram geralmente aequales, aequantur,

esgale, faciunt, ghelijck, or gleich, e algumas vezes a abreviatura aeq. No entanto,

mesmo quase 100 anos depois de Recorde, matemáticos famosos como Kepler,

Galileu, Torricelli, Cavalieri, Pascal, Napier, Briggs, Gregory St. Vicente, Tacquet, e

Fermat ainda usavam um símbolo retórico ou sincopado.

Recorde justificou a adoção de um par de segmentos de reta paralelos

como símbolo da igualdade alegando que “não poderia haver duas coisas mais

iguais”.47

Apesar de hoje usarmos o =, a sua aceitação e adoção pela

comunidade matemática não foi imediata. Muito pelo contrário, não apareceu em

mais nenhuma publicação até o ano de 1618, em um Apêndice anônimo na

impressão da tradução do famoso Descriptio de Napier (1550-1617), supostamente

de Oughtred (1574-1660), ou seja, 61 anos depois que Recorde o havia usado.

Existem evidências de que o símbolo apesar de não ser impresso, era utilizado nos

manuscritos dos matemáticos. Apenas em 1631 o símbolo é reconhecido e adotado

na Inglaterra, aparecendo em três importantes trabalhos, no Artis analytic praxis de

Thomas Harriot, no Clavis Mathematicae de Willian Oughtred e Trigonometria de

Richard Norwood.

O símbolo = foi usado também para representar outros tipos de

relação. Viète, em 1591, o usou para designar a diferença; Descartes, em 1638, para

designar mais ou menos; Caramuel, em 1670, como um separador em frações

decimais; em 1706, Paricius o usou como signo geral para separar resultados

parciais em equações; e Dulaurens e Reyher para designar linhas paralelas. Assim, o

símbolo de Recorde tinha vários significados, o que representava uma desvantagem,

colocando-o em risco de ser completamente descartado por outro, uma vez que o

simbolismo é justamente para tornar a escrita e leitura da matemática mais claras,

eliminando ambigüidades.

Surgiram vários símbolos para competir com o =.

47 CAJORI, Florian. A history of mathematical notations. 1929, p. 261. (em anexo reprodução da página do livro de Recorde)

32

Símbolo Por Ano

= Recorde 1557

[ Monge J. Buteo (francês) 1559

││ Wilhelm Holzmann (Xylander) (alemão) 1571

Giovane Camillo Glorioso (italiano) 1613

Cardeal Michaelangelo Ricci (italiano)

R. Descartes (francês) 1619-1621

Pierre de Carcave (francês) 1649

Monconys 1666

De Sluse 1668

De la Hire 1701

Abraham de Graaf (holandês) 1703

Parent (francês) 1713

│ S. Reyher 1698

Leonard e Thomas Digges (inglês) 1590

Hérigone (francês) 1644

René Descartes 1637

=, ,

Leibniz Usou os símbolos em épocas variadas, retornando-os

J.V. Andrea 1614

Apesar das barras verticais terem sido utilizadas ao longo de um

século, não chegou a representar uma ameaça ao símbolo de Recorde. O símbolo

que realmente fez frente ao = foi o de René Descartes , publicado em sua

Geómétrie (Leyden, 1637). Levando-se em conta que o símbolo = tinha a

desvantagem de representar outras relações, o que não acontecia com o de

Descartes, este tinha tudo para prevalecer. Era o que parecia ocorrer.

33

Apesar do signo de Descartes ter sido amplamente usado na França e

Holanda no fim do século XVII e início do século XVIII, este não alcançou outros

países com a mesma força, de modo que ele não havia garantido uma posição

segura. Um outro aspecto deve ser considerado, o da dificuldade de impressão do

símbolo, que acarretava em alterações para facilitar a impressão no momento de

publicar.

Enquanto isso, o signo de Recorde era cada vez mais utilizado na

Inglaterra no século XVII, inclusive sendo adotado por John Wallis, Isaac Barrow e

Isaac Newton. “Não há dúvida de que esses nomes ajudaram o símbolo em seu

caminho rumo à Europa”.48

O uso do signo de Recorde, em seus primeiros cem anos, não fez

progresso considerável na Europa, e antes de se consolidar, no início do século

48 CAJORI, Florian. A history of mathematical notations. 1929, p. 304

Usaram o símbolo de Descartes Usaram o símbolo de Recorde =

Van Schooten 1646 Descartes (francês) 1640

Christiaan Huygens 1646 J. Stampioen (holandês) 1639,1640

Hudde e De Witt 1659 Joham Heinrich Rahn (suíço) 1659

Jean Prestet 1689 Bernhard F. Bessy 1661

Ozanam 1691 Huips 1661

Bernard Lamy 1692 Leibniz (e o abandonou por quase 20 anos)

1666

Michael Rolle (mas em 1709 muda para =)

1690 Arnould (textos públicos em Paris)

1667

Kinckhvysen 1660 Leyden 1674

De Graaf 1694

Bernard Nieuwentiit, mas prefere = em 1695

1694, 1696

De la Hire 1701

Jacob Bernoulli 1713

34

XVIII, lutou com outros símbolos. Ele aparece esparsamente entre 1640 e 1708, e

muitos desses autores o usavam concomitantemente com o de Descartes.

Apesar de Bernoulli ser um matemático importante e usar , o

avanço matemático que realmente dominava o século XVIII era o cálculo diferencial

e integral de Leibniz e Newton, que usaram =, levando a sua adesão de modo geral.

Mesmo após garantido o seu lugar na simbologia matemática o

símbolo de Recorde sofreu algumas variações:

Símbolo

Dois segmentos longos e próximos

Dois segmentos bem curtos e próximos

Dois segmentos curtos, próximos e inclinados

Dois segmentos mais afastados

11 11

O símbolo normalmente era impresso utilizando

o algarismo “um” na posição horizontal.

Podemos perceber a dificuldade em se garantir a uniformidade de

uma notação pela história do uso do símbolo da igualdade. Isto parece mais

surpreendente, se pensarmos que ainda em nosso século, convivemos com grupos de

símbolos diferentes para os distintos ramos da matemática. Baumgart nos aponta

alguns exemplos:

“É interessante notar que, mesmo hoje, não há uniformidade no uso de símbolos. Por exemplo, os americanos escrevem “3.1416” como aproximação de π, e muitos europeus escrevem “3,1416”. O símbolo “ ” é usado às vezes para “aproxima-se de um limite” e às vezes para “é aproximadamente igual a”. Em alguns países europeus “÷” significa “menos”.49

49 BAUMGART, John K. História da Álgebra. São Paulo: Atual, 1992, p. 3

35

O uso do ponto ou da vírgula como indicador da separação das casas

decimais pode trazer dificuldades para algumas pessoas. No Brasil usamos a vírgula

como indicador da separação das casas decimais e o ponto para a separação das

classes. Essa confusão aparece claramente quando os alunos estão fazendo

atividades em que usam a calculadora: nem sempre o ponto é interpretado como o

separador das casas decimais. Um resultado como 3,125 (três inteiros e cento e

vinte e cinco milésimos) é interpretado como 3.125 (três mil cento e vinte e cinco).

36

2. A FILOSOFIA DE CONDILLAC:

LINGUAGEM E EVOLUÇÃO

O objeto de estudo e o tema principal da obra de Condillac50 (1715-

1780) é o conhecimento humano. Condillac foi um dos mais importantes, senão o

mais importante pensador do Iluminismo francês, apesar de ainda frequentemente

vermos seu nome associado à divulgação do empirismo inglês de Locke (1632-

1704) na França. Talvez isso tenha sido difundido tão fortemente devido ao subtítulo

da tradução inglesa de seu Essai – “um suplemento ao Essay do Sr. Locke” –

editado dez anos após a publicação do original em francês.

É correto afirmarmos que Condillac realmente é muito influenciado

por Locke, o que pode ser claramente percebido em suas obras, inclusive pelas

citações que apresenta. Mas num determinado momento suas filosofias tomam

direções radicalmente distintas em função das diferenças entre as suas concepções

acerca do desenvolvimento da linguagem.

Condillac apresenta uma visão evolucionista. Para ele o homem se

diferencia dos animais na medida em que é capaz de trabalhar com signos, ou seja, o

conhecimento só se desenvolve porque os signos nos ajudam a fazer as conexões

entre as idéias ausentes e as presentes, instituindo a memória. Também o processo

da utilização de signos no homem é uma construção, indo dos signos expressivos

(signos de ação) aos signos instituídos. Condillac, contempla as duas facetas da

linguagem a expressiva e a representacional, apesar de ter ficado mais presente

como o autor da Língua dos Cálculos, em que elege a álgebra como o exemplo de

língua perfeita.

50 No ítem 2.2 deste capítulo trazemos uma breve biografia de Condillac

37

Para melhor compreender como Condillac segue um caminho

diferente de seu Mestre, é relevante lembrarmos das mudanças de sua época, já que

Condillac nasceu quase um século depois de Locke.

2.1 – Condillac e sua época: o homem é um ser social

O século XVIII é caracterizado pela ênfase no homem como um ser

social. Isso é importantíssimo para entendermos como se desenvolveu o

pensamento de Condillac. Essa nova concepção de homem é a responsável por

mudanças profundas nas concepções de verdade, conhecimento e linguagem.

Os séculos XV, XVI, culminando no século XVII, foram

caracterizados pela solidificação de uma nova ordem social. Na Idade Média cerca

de noventa por cento da população era constituída por camponeses. A

superpopulação rural e o crescimento das atividades econômicas nas cidades (devido

inclusive à expansão marítima) levam ao êxodo rural e ao desenvolvimento das

cidades. A burguesia se consolida como uma classe constituída de proprietários

agrícolas abastados, profissionais liberais, médicos, servidores civis etc. aliados à

grande massa da população rural que vinha para as cidades em busca de condições

melhores de vida, o que provocou um redirecionamento na forma de ver o homem.

O indivíduo passa então a ter destaque não mais pela família (hereditariedade), mas

por seu esforço e por sua capacidade de produção.

Essas mudanças na ordem social se consolidam no século XVIII,

culminando na própria Revolução Francesa (1789). Neste novo cenário é

estabelecida a concepção de homem como ser social, que influencia e é influenciado

pela sociedade, ou seja, a vida social nas questões humanas torna-se uma questão

essencial.

38

2.1.1 – O conhecimento e a verdade

Foucault51 nos apresenta o que chama de época clássica, séculos

XVII e XVIII como a época em que os critérios de conhecimento e verdade

sustentados pela fé e pela idéia de revelação na idade Média são substituídos pelo

critério da razão. A certeza do conhecimento antes assegurada pela

inquestionabilidade do que era revelado, passa a ser uma questão fundamental para

os filósofos desta época. Como garantir a verdade? Como conhecer? É tentando

responder a estas questões que surge a preocupação com o método. Filósofos como

Descartes, Francis Bacon, Locke, Hume e Espinosa trabalharam arduamente sobre o

Método Filosófico, e Galileu teorizou sobre um Método Científico.

Esta substituição da revelação pela racionalidade humana também

provoca a substituição do princípio da similitude (analogia) pelo princípio da

comparação (análise). Como garantir que esse conhecimento é verdadeiro? Sobre

essa mudança no século XVII Foucault escreve:

“[...] no século XVI admitia-se de início o sistema global das correspondências (a terra e o céu, os planetas e o rosto, o microcosmo e o macrocosmo), e cada similitude singular vinha se alojar no interior dessa relação de conjunto; doravante, toda semelhança é submetida à prova da comparação, isto é, só será admitida quando for encontrada, pela medida, a unidade comum, ou mais radicalmente, pela ordem, a identidade e a série das diferenças... A comparação pode portanto atingir uma certeza perfeita”.52

Essa mudança em relação ao critério de semelhança também vai

provocar uma mudança na forma de conceber um signo, que anteriormente era visto

como o próprio objeto em nossa mente, por uma relação de semelhança. A partir

desse momento o signo passa a ser visto em função da origem da ligação com o

objeto, do tipo de ligação que tem e da certeza dessa ligação. Desta forma, a

similitude não é mais condição para a determinação de um signo. O signo deixa

51 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 52 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 70

39

corresponder ao objeto físico e passa a ser considerado uma representação desse

objeto.

O Iluminismo, movimento do século XVIII, caracteriza-se então pela

crença no poder da razão como instrumento da obtenção do conhecimento e

modificação da realidade contra a fé, a superstição e o dogma religioso. Na ciência,

ênfase aos dados obtidos por meio de observação/experimentação/quantificação, e a

convicção da maioria dos pensadores de que a superação da ignorância é a

responsável pelo o progresso humano, ou seja, pela obtenção de uma sociedade cada

vez melhor.

O nascimento desse espírito quantitativo pode ser ilustrado pela

revolução química motivada pelo método de Lavoisier. Os químicos até então não

consideravam a “balança”, só pensavam qualitativamente, num sentido aristotélico.

A quantificação como base do pensamento foi realmente uma mudança importante.

2.1.2 – O papel da linguagem

Para homens como Locke, Galileu e Descartes, a compreensão

humana era considerada um dom privado, de modo que as relações sociais não era

um aspecto relevante para a questão do conhecimento e do pensamento. Muito pelo

contrário, era concebida como um verdadeiro obstáculo a esse desenvolvimento, por

ser considerada enganosa. Para Descartes por exemplo,

“a linguagem foi um obstáculo epistemológico porque era um veículo fácil para a indução sedutora da eloqüência e da persuasão emotiva, ..., o Paraíso Perdido em que a tentação de Eva ocorreu por meio da eloqüência de Satanás”.53

A comunicação era sempre um risco devido à sua expressividade.

Na nova ordem instaurada pelo Iluminismo, a linguagem ganha

destaque, afinal é ela que permeia todas as relações sociais, ou seja, para a

socialização do homem a linguagem é fundamental. Nesse momento, em que o 53 AARSLEFF, H. (ed.). Etienne Bonnot de Condillac, Essay on the Origin of Human Knowledge. 2001, p. xiii, xiv

40

social está em evidência, as formas de expressão como dança, teatro, música,

literatura, poesia etc., tornam-se comuns e de extrema importância. Este é o cenário

no qual se formam as idéias e nasce a obra de Condillac sobre o desenvolvimento do

conhecimento humano.

Para Condillac a linguagem é criativa, essencial para o

desenvolvimento do ser humano. Quando inicialmente colocamos que apesar da

influência de Locke, Condillac segue um caminho diferente isso é devido entre

outras coisas à sua concepção de linguagem.

Se compararmos apenas os títulos dos capítulos dos dois Ensaios, de

Locke54 e Condillac55, podemos reconhecer claramente esta diferença. Os últimos

títulos do Livro III – Palavras do Ensaio de Locke são: “Imperfeição das palavras”,

“O abuso das palavras” e “Remédios para os abusos e imperfeições anteriores”.

Enquanto na parte II do Ensaio de Condillac vemos: “A prosódia das primeiras

línguas”, “O progresso da arte dos gestos na antiguidade”, “Música”, “A origem da

poesia”, “O gênio das linguagens”. Os títulos de Condillac nem de longe poderiam

ser incluídos no Ensaio de Locke, uma vez que consideram a expressividade, e esta

não era bem vista por Locke.

Condillac fez das palavras e da fala a condição para a discursividade,

e consequentemente para a atividade do conhecimento e exercício da razão. Deixa

isso bem explícito quando na introdução de seu Ensaio nos apresenta a linguagem de

ação e a conexão das idéias como os principais fundamentos de sua epistemologia.

Para ele, a origem do conhecimento está no sentimento, na expressão, na compaixão,

e no auxílio mútuo da resposta afetiva que surge da interação social.

54 LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex., 1999. 55 AARSLEFF, H. (ed.). Etienne Bonnot de Condillac, Essay on the Origin of Human Knowledge. 2001.

41

2.2 Breve biografia de Étienne Bonnot de Condillac e suas obras

Étienne Bonnot de Condillac, Abade

de Mureaux, nasceu em Grenoble em 30 de

setembro de 1715, filho de Gabriel Bonnot,

secretário real e Visconde de Mably e de Catherine

de La Coste. “Condillac” não é um nome de

família, mas o nome de uma propriedade que seu

pai adquiriu em 1720, e que posteriormente Étienne

acrescentou em seu nome.

Fig 2.

Condillac até por volta de seus 12 anos não havia aprendido a ler,

isso é atribuído à sua saúde e a vista fraca. Aos 13 anos Condillac perde o pai, e fica

sob a responsabilidade de seu tio, que o coloca para estudar com os jesuítas em Lyon

junto a seu irmão mais velho, Jean Bonnot de Mably. Ele dá continuidade à sua

educação como seminarista em Paris, em Saint-Suplice e Sorbonne, ordenando-se

padre em 1740. Ele usou a batina pelo resto da vida, mas não executava o trabalho

pastoral, dizem que celebrou uma única missa.

Condillac permanece vivendo em Paris, dedicando-se aos estudos,

freqüentando os salões como um homem de letras. Sua dedicação à filosofia foi

incentivada por seu primo Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783), matemático e

filósofo francês. Travou amizade com Jean Jacques Rousseau (1717-1778), quando

este foi tutor dos seus sobrinhos, com Diderot (1713-1784) e também com outros

enciclopedistas franceses. Ele próprio não foi um enciclopedista de fato, mas suas

idéias influenciaram e permearam a Encyclopédie.

Suas primeiras obras filosóficas de importância são Essai sur

l’origine des connaissances humanies (1746)56 e Traité des systèmes (1749)57. Sua

56 Ensaio sobre a origem do conhecimento humano 57 Tratado dos sistemas

42

reputação está em alta e após a publicação dessa última obra é eleito para a

Academia Prussiana das Ciências.

Sua obra fundamental seria Traité des sensations (1754)58, obra em

que defende que todos os conhecimentos e todas as faculdades da alma provêm dos

sentidos, ou melhor, das sensações. Ele usa a metáfora da estátua de mármore para

explicar como seria o interior de um homem, animado por uma alma que desconhece

o mundo, e a qual lhe confere separada e sucessivamente cada um dos sentidos, de

maneira que estes pudessem se influenciar mutuamente despertando as operações do

entendimento. Deste modo, assegura-se que tudo advém das sensações motivo pelo

qual não existem idéias inatas.

Em 1758, Condillac aceita o cargo de preceptor do neto de Luis XV,

Fernando de Borbón, filho do Duque de Parma. Permanece em Parma até 1767,

onde escreve seu Cours d’études pour l’instruction du Prince de Parme59, publicado

em treze volumes, entre 1768 e 1773.

Em 1767, recebe a Abadia de Mureaux e em 1768 é eleito membro da

Academia Francesa. No entanto, em 1773, deixa a cidade e fixa residência na

propriedade rural que tinha comprado para sua sobrinha perto de Beaugency. Em

1776 é eleito membro da Sociedade Real de Agricultura de Orleans e publica Le

Commerce et le gouvernement consideres relativement l’um à l’outre60, pelo qual

ele é considerado como um dos fundadores da economia moderna.

Em 1777, recebe o convite para escrever uma “lógica” que possa ser

usada na educação dos jovens poloneses, ou seja, uma obra de lógica elementar para

as escolas palatinas. Essa obra é publicada em 1780, com o nome de Logique ou Les

premiers développements de l’art de penser61, na qual apresenta suas idéias e seu

método de forma acessível aos jovens. É um livro elementar, no entanto, conserva a

seriedade e a profundidade de suas idéias.

Condillac faleceu aos sessenta e cinco anos, em 3 de Agosto de 1780,

na sua terra em Flux, perto de Baugency, onde vivia no meio de seus nobres e

58 Tratado das sensações 59 Curso de Estudos para a Educação do Príncipe de Parma 60 O comércio e o governo considerado em suas relações recíprocas 61 Lógica ou Os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar

43

importantes estudos. Estudos estes que influenciaram sobremaneira o modo de

pensar e de se fazer ciência.

Ainda depois de sua morte, é publicada La langue des calculs62

(1798), que apresenta um modelo de análise, contendo os mesmos pontos que na

Lógica, e o desenvolvimento do princípio de que uma ciência bem feita é apenas

uma língua bem feita, justificando-o ao aplicá-la na matemática e eleger a álgebra

como a língua bem feita.

2.3 A epistemologia de Condillac

Influenciado tanto pelo empirismo de John Locke63 (1632-1704),

quanto pelo método científico instituído por Isaac Newton64 (1642-1727), Condillac

abandona a busca da essência das coisas em favor da validação exclusiva do

conhecimento por meio da observação e da experiência, como argumenta em sua

Lógica:

Já que nossas sensações são as únicas idéias que temos dos objetos sensíveis, vemos neles apenas o que eles representam: além disso, não percebemos nada, e, consequentemente, não podemos nada conhecer. (sobre sua essência, substância ou natureza)65

O problema de Condillac em relação ao empirismo era sua

insuficiência para explicar o sucesso das ciências, pois percebeu que as teorias

científicas não são percebidas diretamente, e sim construídas ou desenvolvidas.

Assim como Newton, ele entendia que mesmo o conhecimento advindo da mais

pura percepção tem sempre um elemento dedutivo ou interpretativo. Esse elemento,

de modo geral, é o resultado de uma operação mental.

62 A língua dos cálculos 63 John Locke (1632-1716). Filósofo inglês, rejeitou as idéias inatas, a fonte de nossos conhecimentos seria a experiência, isto é, a sensação ajudada pela reflexão. Para ele a fonte do conhecimento é a sensação. 64 Isaac Newton (1642-1727). Matemático, físico, astrônomo e filósofo inglês. Formulou em 1642 a teoria da composição da luz e descobriu as leis da atração universal. 65 CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.85-86

44

Condillac procura resolver este problema, não abandonando o

empirismo, mas sendo ainda mais radical que Locke, ao considerar as sensações

como única fonte de conhecimento, ela própria fonte de nossas operações mentais.

Mesmo o empirismo acreditando que os conhecimentos vêm da percepção, era

necessário explicar como uma percepção se transforma em sentenças, ou seja, em

conhecimento. Para entender uma coisa, temos que entender como essa coisa se

desenvolve. Agora devemos à Condillac a inestimável idéia de que a mente humana

e o conhecimento só se desenvolvem com a conexão das idéias por meio dos signos,

e só com processos semióticos.

Isto significa que o papel e a origem dos signos é uma questão

fundamental em sua obra. Condillac mostra que os processos mentais, baseados nas

representações dessas sensações, ou seja, nos signos, é que são responsáveis pelo

desenvolvimento do conhecimento.

Nós sentimos, mas só tomamos consciência desta sensação quando,

em nossa mente, a transformamos em uma imagem, ou seja, em um signo. Por meio

destes signos somos capazes de realizar nossas operações mentais, independente da

presença das sensações ou objetos sensíveis.

Assim, os aspectos fundamentais da epistemologia de Condillac são:

o empirismo, a linguagem da ação, a conexão das idéias, o uso dos signos, a análise

e a linguagem. Estes aspectos influenciaram decisivamente o desenvolvimento das

ciências.

O método natural do conhecimento é a análise. Este método consiste

em decompor nossas idéias, para formar diferentes comparações, e por meio delas

descobrir as relações que existem entre suas partes, produzindo novas idéias. É o

método que permite que se faça o caminho do desenvolvimento de trás para frente,

até chegarmos à origem das coisas. Sua vantagem consiste em oferecer poucas idéias

de cada vez, colocando-as ordenadamente, das mais simples até as mais complexas.

A análise é um tipo de cálculo, compondo e decompondo as idéias para compará-las

sempre em busca de novas relações e novos conhecimentos.

45

A linguagem permite conceber uma teoria evolucionista e genética do

pensamento humano, permite ao homem analisar o pensamento, compô-lo e

decompô-lo, lhe dar nomes e então reagrupá-los.

Condillac faz uma crítica à língua cotidiana, dizendo que ela não é

mais uma língua bem feita, como no princípio, uma vez que seu desenvolvimento

não respeitava mais o processo de analogia. Para ele, a língua foi sendo degenerada

ao longo do seu desenvolvimento, seja por falta de habilidade dos “filósofos” ou por

sua presunção de achar que poderiam escolher as palavras arbitrariamente. Isso fez

com que a língua se tornasse ambígua, de duplo sentido, não sendo mais capaz de

revelar o processo de geração das idéias que a determinaram. Deste modo, a língua

cotidiana não é uma boa língua para dar suporte ao desenvolvimento do

conhecimento. Condillac então trabalha em função de conceber uma língua “bem

feita”, na qual a ciência possa se firmar, se sustentar, onde nada seja arbitrário, mas

siga rigorosamente o caminho da geração das idéias. Conclui que essa língua bem

feita é a álgebra, não apenas para a matemática, mas modelo para todas as ciências.

Sua concepção de língua bem feita, de uma língua que seja capaz de

revelar a estrutura de um conhecimento, foi decisiva para o desenvolvimento da

ciência.

2.3.1 O uso dos signos e a linguagem analítica

66

66 CONDILLAC. La langue des calculs. 1798, p.1 Este é o primeiro parágrafo de sua obra póstuma A língua dos cálculos: “Toda língua é um método analítico, e todo método analítico é uma língua. Foram demonstradas estas duas verdades, tão simples quanto nova; a primeira, em minha Gramática; a segunda, em minha Lógica; e se pode convencer da clareza que elas trazem à arte para falar e à arte raciocinar, que se reduzem a uma e mesma arte.

46

Para Condillac, a arte de raciocinar se reduz a uma língua bem feita.

Em sua Lógica67, ele analisa ao mesmo tempo a origem da língua e do conhecimento

humano, mostrando que a língua é gerada a partir do conhecimento sensível, e que

sua função comunicativa, só se realiza a partir do conhecimento racional.

Defende que temos uma língua inata, natural, chamada língua de

ação, e que esta desempenha um papel ativo no desenvolvimento do pensamento e

do seu progresso. Mas é apenas pelo processo de análise que somos capazes tanto de

compreender a nossa própria língua de ação, como também a língua de ação dos

outros, o que nos permite progredir, viabilizando a construção de uma linguagem

universal.

Um exemplo: um grito nos alerta sobre uma situação de perigo. A

língua inata fez o homem gritar em uma situação de perigo. Tomado isoladamente, o

grito nada representa, mas há um momento em que o próprio homem percebe que

em toda situação de perigo ele grita. A partir de então ele passa a associar o seu grito

com uma situação de perigo. O grito é um índice, ou seja, um signo dentro de um

contexto. O homem se conscientiza do significado de algo que, inicialmente, era

apenas instinto, uma reação espontânea diante de um sentimento (perigo). No

momento em que os outros homens associam o som ouvido às situações de perigo

presenciadas, e apenas nesse momento, quando o som ouvido torna-se um signo, é

que sempre que ouvido deflagra em nossa mente processos mentais que nos

remetem a uma situação de perigo. Assim, o grito passa a ter um papel

comunicativo. Ouvir um grito significa que uma situação de perigo está eminente,

originando ações associadas a situações de perigo.

“quanto aos gritos naturais, este homem os criará, assim que seus sentidos sejam afetados. Mas eles não serão, desde a primeria vez, considerados como seus signos, porque ao invés de revelar suas percepções, eles serão apenas suas consequências. Quando eles tiverem com freqüência o mesmo sentimento, e que terão, da mesma maneira, soltado um grito que acompanha naturalmente esse sentimento, um e outro serão ligados tão vivamente em sua imaginação, que não ouvirão mais aquele grito sem que não

67 A seguir, no item 2.3, trazemos um resumo dessa obra.

47

sintam o mesmo sentimento de alguma maneira. Este grito agora é considerado um signo”.68

Portanto, sua filosofia da linguagem destaca o papel ativo da

linguagem no desenvolvimento do pensamento individual e, por meio dele, no

progresso do conhecimento coletivo e social. O pensamento e a linguagem

estabelecem uma relação de interdependência. Esta é a razão pela qual ele defende a

"arte de raciocinar" como um instrumento capaz de criar uma "língua bem feita"

para cada ciência, considerando a álgebra como a “língua bem feita”.

Para entendermos melhor porque a álgebra é para Condillac o

exemplo de língua perfeita a ser adotado por todas as outras ciências precisamos

compreender melhor o que é o processo de análise, e o que é uma língua bem feita.

2.3.2 Os três tipos de signos

Para explicar o desenvolvimento do pensamento Condillac se apóia

em três tipos de signos: os acidentais, os naturais e os instituídos.

A primeira classe são os "signos acidentais" que têm o efeito de

produzir em nós o sentimento de ter experimentado uma situação presente

previamente como um deja vu sem ilusão. A pessoa não precisa ter lido Proust para

saber o que isso é. Condillac chama esta reminiscência de sentimento, e que traz a

grande lição de que uma experiência passada pode brilhar vividamente na mente

com convicção tanto de que não é ilusória como de que não é produzida por

recordação intencional. O que foi encontrado acidentalmente ativou a recordação.

68 quant aux cris naturels, cet homme les formera, aussitôt qu' il éprouvera les sentimens ausquels ils sont affectés. Mais ils ne seront pas,dès la première fois, des signes à son égard ; puisqu' au lieu de lui réveiller des perceptions, ils n' en seront que des suites. Lorsqu' il aura souvent éprouvé le même sentiment, et qu' il aura, tout aussi souvent, poussé le cri qui doit naturellement l' accompagner ; l' un et l' autre se trouveront si vivement liés dans son imagination, qu' il n' entendra plus le cri qu' il n' éprouve le sentiment en quelque manière. C' est alors que ce cri sera un signe. CONDILLAC. Essai sur l’origine des connaissances humaines. In: Ouvres. 1789, p. 68 (minha tradução)

48

A segunda classe de signos são os “signos naturais”, que se referem

aos sons ou gestos que espontaneamente dão expressão as estados afetivos da mente,

como por exemplo, alegria, tristeza, dor, medo, entre outros. Condillac ressalva que

eles só se tornam signos quando um espectador é capaz de reconhecê-los.

A terceira classe de signos são os “signos instituídos”, que são

aqueles que escolhemos deliberadamente.

No Ensaio, Condillac escreve:

Eu distingo três tipos de signos, (i) signos acidentais, ou os objetos que algumas circunstâncias particulares conectaram com algumas de nossas idéias de forma que essas idéias podem ser reavivados por eles. (ii) signos naturais, ou os gritos que natureza estabeleceu para os sentimentos de alegria, medo, dor, etc. (iii) signos instituídos, ou esses que nós temos escolhido e que tenha uma relação arbitrária com as nossas idéias.69

2.3.3 A análise

A análise é um conceito fundamental em toda a sua obra. Como para

ele as noções que somos capazes de adquirir não são mais do que coleção de idéias

simples que a experiência nos fez juntar sob certos nomes, é muito mais natural

formá-las procurando as idéia na mesma ordem que a experiência as dá, buscando as

propriedades de cada uma das coisas.

Ela é o método natural para se chegar à verdade, pois consiste em

“remontar à origem das idéias, desenvolver a sua geração e fazer delas diferentes

composições ou decomposições para compará-las por todos os aspectos que podem

mostrar nelas relações”70. É então um processo contínuo de comparação e

organização das idéias, no qual o raciocínio é feito em função de comparações para

observar as semelhanças e diferenças, fazendo relações entre as partes, usando

analogias, ou seja, traduções de uma mesma idéia de formas diferentes, que

possibilitam a descoberta de novas relações. 69 Essay on the Origin of Human Knowledge TRANSLATED AND EDITED BY HANS AARSLEFF Princeton University, p.36 70 CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.77

49

A análise do pensamento ou de objetos sensíveis são feitas da mesma

forma, ou seja, dividindo conforme a ordem que nos é dada pelas sensações, as

decompomos e recompomos seguindo esta ordem, a fim de estabelecer as relações

entre as partes.

[...] descrevem-se as partes de seu pensamento numa ordem sucessiva, para restabelecê-las numa ordem simultânea. Faz-se essa composição e essa decomposição de acordo com as relações que existem entre as coisas, como principais e como subordinadas. 71

Uma vez que o pensamento consiste na conexão de idéias, não é

possível raciocinar sem a utilização de signos: “as idéias estão unidas aos signos e,

como mostrarei, unicamente por seu intermédio se relacionam entre si”72. É na

linguagem que reside a capacidade relacional que constitui o pensamento. Nem os

objetos, nem as idéias enquanto representações desses objetos, são capazes de

estabelecer conexões conceituais que possamos chamar de pensamento.

Assim, apesar do conhecimento ter sempre sua origem nas sensações que os

objetos imprimem em nossos sentidos, é só a partir de sua representação que se

torna possível construir o resto dos processos cognitivos. Nesse caso, a língua é um

recurso fundamental, pois analisar uma sensação é distinguir entre as diferentes

impressões e compará-las, e em toda comparação está implícito um juízo, seja sobre

as similaridades ou diferenças, e este juízo só é articulado por meio da linguagem.

Em resumo, um raciocínio é um encadeamento ordenado de juízos, logo a própria

constituição das idéias requer o recurso da linguagem: “estou convencido de que o

uso dos signos é o princípio que desenvolve o germe de todas as nossas idéias”.73

“Pelo processo de analogia, para que um elemento de uma percepção

possa se converter em um signo, não basta que faça parte dela, é necessário que o

distingamos como um elemento individual, que o separemos da impressão geral à

qual está confusamente ligado”.74 Por exemplo, ouvimos gritos de longe, vemos

pessoas correndo, em seguida um cachorro bravo. O grito só se torna um signo se

71 CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.78 72 CONDILLAC. Essay sur l’origine des connaissances humaines. 1822, p. 6 73 CONDILLAC. Essay sur l’origine des connaissances humaines. 1822, p. 10 74 FOUCAULT. As palavras e as coisas. 1992, p. 76

50

conseguirmos distingui-lo em meio à cena, dando-lhe uma atenção especial. Deste

modo, toda sensação deverá ser dividida, e a atenção dirigida a cada uma das

entrelaçadas partes que compõem a sensação geral. Observar cada parte e em

seguida recompô-la. Consequentemente, a constituição do signo é inseparável da

análise.

E mais além do que distinguir as partes, as explicita. Vale a pena

lembrar que o processo mais importante na cognição como na aprendizagem é a

transformação do implícito para explícito. Especialmente na matemática, dar forma

a alguma coisa ou contribuir com uma definição fértil é a realização mais importante

de todo pensamento matemático.

Aos signos é atribuído o papel de intermediário entre a sensação

(sentidos) e a reflexão (operação mental), como mediador do processo de analogia.

Ele tanto serve como instrumento do processo de análise, quanto é criado como

resultado de um processo de análise, uma vez que determinado, pode ser remetido a

novas impressões, e aí então desempenha com relação a elas a função de rótulo, de

índice. Por isso sua afirmação de que “Toda língua é um método analítico, e todo

método analítico é uma língua”, reduzindo a “arte de falar” e a “arte de raciocinar”

a uma única arte, justificando um papel ativo da linguagem no processo de

desenvolvimento do conhecimento.

2.3.4 Uma língua bem feita – a álgebra

Este desenvolvimento do conhecimento ocorre quando o método

analítico é bem aplicado, determinando a origem e a geração das idéias, pois idéias

nascem sucessivamente umas das outras, na mesma ordem da análise. Ou seja, as

primeiras idéias que formamos são de objetos sensíveis, e são idéias individuais.

Com a experiência esta idéia acaba se tornando geral por corresponder a vários

indivíduos. Conforme a nossa necessidade de distinguir entre estes indivíduos,

vamos por meio de analogia criar diferentes classes.

51

Cada uma dessas idéias em nossa mente é substituída por um símbolo

(palavras), e é responsável pela própria formação do pensamento. Esta representação

é o que chamamos de signo, de modo que para Condillac um signo é a representação

da idéia, que em si mesma representa a coisa percebida. Assim os signos

desempenham papel fundamental no processo de desenvolvimento mental, pois

permitem a comparação e organização das idéias, ou seja, são os intermediários

entre as sensações (impressões diretas dos sentidos) e as reflexões (operação da

mente). Os signos se apresentam à imaginação e memória, no momento em que o

objeto da percepção está ausente.

Quando se construíram as primeiras línguas, presididas pela natureza,

a primeira acepção de uma palavra era conhecida e por analogia fornecia todas as

outras. Eram línguas que favoreciam a geração das idéias e das faculdades da alma.

A análise, que fazia a língua, era sempre guiada pela necessidade.

Cada idéia representada por uma palavra remetia imediatamente à sua

origem, como, por exemplo, a palavra substância significava algo mais que aquilo

que está sob. Essa correspondência perfeita entre signo e significado é que garante

que a “língua é bem feita”.

A desordem na língua que nasce perfeita é fruto da criação de

palavras arbitrárias, que por não guardarem nenhuma relação de semelhança, não

nos remetem à idéia inicial, a partir da qual se desenvolveu o processo de geração.

Deste modo as palavras não remetem mais à sua origem, impedindo a relação

imediata com a idéia que representava, ou seja, “...signos absolutamente arbitrários

não serão entendidos, porque, não havendo análogos, a acepção de um signo

conhecido não conduzirá à acepção de um signo desconhecido”.75

Outro problema, que ele aborda na introdução de A língua dos

cálculos é que uma vez que as analogias são relações de semelhança. Dependendo

do tipo de analogia que fizermos chegaremos a expressões diferentes para uma

mesma coisa. O problema não está aí, mas no fato de que acreditamos poder

escolher arbitrariamente entre estas expressões, ao invés de procurarmos sempre, por

analogia, o termo mais apropriado. Esta falta de “razão” no uso da linguagem a torna

75 CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.112

52

inconveniente para o desenvolvimento e disseminação do conhecimento, pois é

passível de confusão e interpretações muito variadas.

Condillac defende então que uma ciência bem tratada, bem elaborada

é aquela que utiliza uma língua bem feita, pois por meio da análise, torna-se

naturalmente compreensível a qualquer indivíduo, já que a linguagem incorpora a

análise da realidade. Como exemplo de língua bem feita, elegeu a álgebra no campo

da matemática, e procura mostrar que esta exatidão, que aparentemente é inerente à

matemática, pode ser obtida em qualquer ciência, desde que siga sempre a analogia,

assim como fez a álgebra.

A álgebra é uma língua bem feita e é a única: aqui nada parece arbitrário. A analogia, que jamais foge, conduz sensivelmente de expressão em expressão. Aqui, o uso não tem nenhuma autoridade. Não se trata de falar como os outros, mas é necessário falar segundo a maior analogia para se chegar à maior precisão; e aqueles que fizeram essa língua sentiram que a simplicidade do estilo faz toda a elegância: verdade pouco conhecida em nossas línguas vulgares.76

Para ele qualquer problema algébrico é resolvido por meio de

equações algébricas, ou seja, por analogias. Condillac nos dá como exemplo o

seguinte problema:

“Tendo fichas em minhas duas mãos, se passar uma da minha mão direita para a esquerda terei tanto em uma quanto na outra, e se passo uma da esquerda para a direita terei o dobro nesta. Pergunto qual é o número de fichas que tenho em cada uma?”

A partir das duas condições dadas, tentará estabelecer todas as

relações possíveis entre elas, descrevendo os dados de forma cada vez mais simples,

de tradução em tradução.

Se dissermos: o número que temos na mão direita, quando se suprime uma ficha, é igual àquele que temos na mão esquerda, quando a esta se acrescenta uma, exprimiremos o primeiro dado com muitas palavras. Dizemos, então, mais economicamente: o número de nossa mão direita, diminuído de uma unidade, é igual àquela de nossa mão esquerda, aumentado de uma unidade, ou, o número de nossa direita, menos uma unidade, é igual ao de nossa esquerda, mais uma unidade, ou, afinal, mais economicamente ainda, a direita, menos um, igual à esquerda, mais um....

76 CONDILLAC. A língua dos Cálculos. 1973, p. 144-145

53

Exprimiremos o segundo dado dizendo: o número de nossa mão direita, aumentado de uma unidade, é igual a duas vezes ao de nossa esquerda diminuído de uma unidade.77

Reescreve uma nova relação, de forma mais simples, economizando

cada vez mais, transformando a frase anterior numa análoga mais simples. Essa

economia garante que possamos perceber o problema integralmente, até que

resolvamos o problema matemático, uma vez que a sua resposta está “escondida” em

seu próprio enunciado. “Quanto mais nosso discurso se abreviar, mais nossas idéias

se aproximarão, e quanto mais nossas idéias se tiverem aproximado, mais fácil será

apreendê-las sob todas as suas relações”.78

Assim, a álgebra se caracteriza como uma língua, na qual traduzimos

o raciocínio que havíamos feito por palavras, seguindo fielmente o método analítico.

Mais do que uma língua, uma língua bem feita, uma língua própria às ciências,

caracterizada pela simplicidade, capacidade analítica e exatidão. Na verdade, para

Condillac, toda a linguagem matemática, seja aritmética, geométrica ou algébrica é

passível do uso exclusivo do método analítico.

2.4 – A álgebra como um sistema de signos

A época clássica, segundo Foucault, marca o momento em que ocorre

a mudança da categoria fundamental do saber, da semelhança para a identidade e

diferença, medida e ordem.

Para compreendermos melhor o que quer dizer semelhança como

categoria fundamental podemos pensar na medicina do Século XVI, cuja filosofia de

Paracelso79(1493-1541), – simula similitibus curantor, ou seja, o semelhante cura-se

77 O exemplo na íntegra está na página 76 desse trabalho. CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.126-128 78 CONDILLAC. Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte de pensar. 1973, p.127 79 Paracelso (1493-1541) nasceu em Einsiedeln, Suíça, e faleceu em Salzburgo. Foi o mais importante pensador místico-alquimista de língua alemã do século XVI. Exerceu a medicina, com profundo

54

pelo semelhante. Esta lei quer dizer que cada planta contém um sinal que indica a

sua prescrição. Por exemplo, uma folha em forma de coração trata perturbações

cardíacas, outra em forma de fígado e as flores de cor amarela são indicadas contra a

icterícia.

Os signos, enquanto submetidos à doutrina da semelhança, ligavam-

se diretamente com a natureza dos objetos os quais representava. Eram sempre

concebidos como índices. Um signo escondia um texto primitivo, um discurso

afirmado, previamente fixado pela natureza, por Deus.

A mudança fundamental ocorre justamente aí, pois para Idade

Clássica um signo não tem uma ligação real com o objeto, mas é concebido como

uma representação, por meio da qual somos capazes de pensar, de analisar, e só

assim produzir um conhecimento verdadeiro.

Sob a doutrina da igualdade e diferença, com parâmetros de medida e

ordem, podemos afirmar, que em função de suas concepções sobre método analítico,

signo e linguagem, Condillac é um fiel e importante representante da época clássica.

Na idade clássica, servir-se de signos ... é tentar descobrir a linguagem arbitrária que autorizará o desdobramento da natureza no seu espaço, os termos últimos de sua análise e as leis de sua composição. ... cumpre-lhe fabricar uma língua e que ela seja bem-feita – isto é, que, analisante e combinante, ela seja realmente a língua dos cálculos”.80

A principal idéia implícita em Condillac, por trás da análise e da

língua bem feita não é o método algébrico, mas a de um sistema de signos, que nos

permite distinguir e relacionar as coisas. Analisar é ordenar por meio de identidades

e diferenças, classificações de ordem (decompor e recompor), rompendo com a idéia

de signo como algo existente, numa relação de similitude com o objeto, à espera de

ser descoberto.

Em sua epistemologia um signo é constituído por meio de um ato de

conhecimento, ou seja, por meio de relações. O conhecimento não é uma revelação

sobre conteúdos, mas uma descoberta a partir de relações entre coisas conhecidas. respeito pela ciência popular, levando a sério as tradições populares médicas e as antiga lendas suscetíveis de esclarecer fenômenos da natureza. 80 FOUCAULT. As palavras e as coisas. 1992, p. 77,78

55

A língua perfeita é aquela formada pela análise, porque por analogia

podemos voltar à concepção primeira que lhe deu origem. Assim, tudo poderia ser

entendido e explicado conforme o seu desenvolvimento, para cada idéia seríamos

capazes de refazer o processo inversamente, chegando sempre a idéia original e mais

simples.

Condillac fala não de uma álgebra matemática, mas de uma álgebra

universal, como uma linguagem geral, analítica, capaz de analisar estrutura e

relações entre quaisquer objetos em qualquer campo de conhecimento. A álgebra é

uma linguagem que privilegia as relações.

Dois exemplos do uso da linguagem no sentido da álgebra de

Condillac são: as reações químicas de Lavoisier e a álgebra do pensamento lógico de

Boole.

Lavoisier 81(1743-1794), de posse de instrumentos precisos de

medição, realizou estudos quantitativos de vários fenômenos químicos, chegando à

conclusão de que a combustão de um material resulta de sua combinação com o “ar

deflogisticado” (gás oxigênio) e que, durante esse processo, assim como em outros

processos químicos, a massa permanece constante. Daí sua famosa frase: “Na

natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Este princípio mostrava

uma nova visão de elementos químicos, uma nova concepção de reação química.

Esses progressos da química, as descobertas de novos corpos e novos

efeitos levaram Lavoisier e seus colegas pesquisadores a sentirem necessidade de

uma unificação das denominações, de uma modernização da nomenclatura que

ainda era marcada pelo seu passado filosófico e alquimista. Só para se ter uma idéia

do grau de dificuldade e confusão que envolvia o nome das substâncias, o carbonato

de potássio era chamado de “terra folheadas tártaras de Muller”.

Seguindo a idéia de língua de Condillac, Lavoisier procura por uma

nomenclatura que pudesse refletir a função da substância designada pelo seu método

de pesquisa, e se possível sua composição. Em 1789 publica seu Traité Elémentaire 81 Antoine Laurent de Lavoisier, nascido em Paris em 26 de agosto de 1743, fazia parte da alta sociedade, rico, conseguiu aperfeiçoar muito seus instrumentos, principalmente as balanças, para suas experiências. É considerado o precursor da Química Moderna por suas realizações. Apesar de trabalhador incansável, e de muito ter contribuído, morre guilhotinado como traidor da França em 18 de maio de 1794.

56

de Chimie 82, onde apresenta pela primeira vez a nomenclatura moderna, longe da

obscura linguagem característica da alquimia, e capaz de auxiliar na escrita da

composição dos elementos químicos. Nasce a Química Moderna, já que a partir

dessa linguagem foi possível pensar mais explicitamente nas relações entre os

elementos e suas composições.

No “Discurso preliminar” de seu Tratado Elementar de Química,

Lavoisier escreve:

“...Porém compreendi melhor ao ocupar-me desse trabalho, que até então não havia mostrado os princípios estabelecidos pelo Abade de Condillac em sua Lógica e em alguma outras obras. Ele disse que não pensamos senão com o auxílio das palavras; e que as línguas são verdadeiros métodos analíticos; que a álgebra é a forma mais simples, mais exata e mais adequada de se expressar seu objeto, é ao mesmo tempo uma língua e um método analítico, ... Com efeito, quanto eu só pensava em ocupar-me de uma nomenclatura, quando meu único objetivo era aperfeiçoar a língua química, o trabalho se transformou em minhas mãos, e sem poder evitá-lo, em um tratado elementar de química”.83

Com estas palavras ele está publicamente demonstrando a influência

que Condillac teve na forma de pensar e tratar as Ciências a partir de sua concepção

de análise, signo e língua.

Boole84 (1815-1864) defendia que o caráter essencial da matemática

reside em sua forma e não em seu conteúdo, “mais amplamente, que qualquer estudo

consistindo em símbolos juntamente com regras precisas para operar com esses

símbolos, regras essas sujeitas apenas à exigência da consistência interna”85,

independentemente desses símbolos representarem números ou não, é matemática.

Em seu tratado An Investigation of the Laws of Thought, considera o signo na língua

científica como representantes de coisas e suas relações, tal como na “língua bem

feita de Condillac”. Define “um signo como um símbolo arbitrário, cuja

82 Tratado dos Elementos de Química 83 LAVOISIER, Traité Elémentaire de Chimie, 1789, p. viii 84 George Boole (1815-1864), matemático e lógico inglês que teve seu livro publicado em 1854, que ainda hoje é referência no estudo da Lógica Matemática. 85 EVES, Howard. Introdução à história da matemática. 2004, p.557

57

interpretação é fixa, e suscetível de combinação com outros signos em subordinação

de leis fixas dependentes de natureza de suas interpretações”86.

Por meio da seguinte proposição Boole fundamenta uma álgebra para

as expressões do cálculo proposicional (Lógica):

Todas as operações da Língua, como um instrumento do raciocínio, podem ser conduzidos por um sistema de signos composto dos seguintes elementos:

1º Símbolos literais, como x, y, etc. Representando coisas como objetos ou seus conceitos.

2º Signos de operações, como +, -, ×, representando estas operações da mente pela qual são combinadas as concepções das coisas ou determinadas para forma novas concepções envolvendo os mesmos elementos.

3º O signo de igualdade, =.

E estes símbolos da Lógica têm seu uso submetido a leis definidas, em parte concordando e em parte diferindo das leis dos símbolos correspondentes na ciência da álgebra. 87

Hoje as estruturas algébricas que capturam a essência das operações

lógicas (e, ou, não) e das operações da teoria de conjuntos (soma, produto e

complemento) são chamadas de Álgebra Booleana.

Para a matemática, a álgebra como linguagem no sentido de

Condillac é uma visão mais ampla do que a álgebra apenas como aritmética

generalizada, como até então se apresentava desde Viète. Condillac já concebia uma

álgebra aplicada a estudos de objetos não numéricos. No entanto, apresentava uma

limitação, pois ao tratá-la como uma língua universal não permitia que fosse elevada

ao status de uma teoria independente. Não se abria as portas ao estudo das estruturas

algébricas propriamente ditas.

86 BOOLE. An Investigation of the Laws of Thought. 1958, p.25 (minha tradução) 87 BOOLE. An Investigation of the Laws of Thought. 1958, p.27 (minha tradução)

58

2.5 Apresentação de sua Lógica ou Os primeiros desenvolvimentos da

arte de pensar

Apresento agora um resumo de sua “Logique ou les premiers

développements de l'art de penser” (1780), organizada em duas partes, cada uma

subdividida em nove capítulos. É a obra em que se apresenta concentrada todas as

idéias referentes ao método da análise. Nossa referência será a tradução francesa de

1973, apresentada pela Coleção Os Pensadores da Editora Abril Cultural. Seu

índice:

Primeira Parte - Como a própria natureza nos ensina a análise, e de que maneira, de acordo com este método, explicam-se a origem e a geração, seja das idéias, seja das faculdades da alma.

Capítulo I – Como a natureza nos dá as primeiras lições da arte de pensar

Capítulo II – Como a análise é o único método para adquirir conhecimento; de que maneira aprendemos pela própria natureza

Capítulo III – Como análise torna os espíritos dos textos

Capítulo IV – Como a natureza nos faz observar os objetos sensíveis e a fim de nos oferecer idéias de diferentes espécies

Capítulo V – Sobre idéias de coisas que não passam pelos sentidos

Capítulo VI – Continuação do mesmo tema

Capítulo VII – Análise das faculdades da alma

Capítulo VIII – Continuação do mesmo tema

Capítulo IX – Sobre as causas da sensibilidade e sobre a memória

Segunda parte – A análise considerada em seus meios em seus efeitos o arte de raciocinar reduzida a uma língua bem feita

Capítulo I – Como os conhecimentos que devemos a natureza constituem um sistema em que tudo está perfeitamente ligados e como nos desviamos quando esquecemos lições

Capítulo II – Como a linguagem de ação analisa os pensamentos

Capítulo III – Como as línguas são métodos analíticos. Imperfeição destes métodos.

Capítulo IV – Sobre a influência das línguas

Capítulo V – Considerações sobre as idéias abstratas e gerais ou como a arte de raciocinar se reduz uma língua bem feita

Capítulo VI – Quanto se enganam aqueles que olham as definições como único meio para remediar os abusos de linguagem

Capítulo VII – O quanto o raciocínio é simples quando a própria língua é simples

Capítulo VIII – No que consiste todo o artifício do raciocínio

Capítulo IX – Diferentes graus de certeza ou da evidência, das conjeturas e da analogia.

59

Lógica ou Os Primeiros Desenvolvimentos da Arte de Pensar

Primeira Parte

A primeira parte da sua Lógica busca mostrar que a análise é um

método natural porque é a própria natureza que leva às analogias, semelhanças e

diferenças das coisas e que por esse método são explicadas a origem e a geração das

idéias e das faculdades da alma. Durante toda a obra, Condillac insiste na idéia de

que todos são instruídos na arte de pensar, todos podem desenvolvê-la, desde que

sigam o método ensinado pela natureza: a análise.

Capítulo I – Como a natureza nos dá as primeiras lições da arte de pensa

Partindo do princípio de que todo conhecimento advém das sensações

e de que “só a alma que sente; somente a ela as sensações pertencem” (p.71) conclui

que a primeira faculdade da alma é a faculdade de sentir, e que esta por sua vez

depende das faculdades do corpo, ou seja, de nossos sentidos. A arte de pensar é

determinada pelas faculdades de sentir. Apesar de todos nós termos os mesmos

cinco sentidos, não temos todos os mesmos conhecimentos sobre uma mesma coisa,

ou seja, a diferença está justamente na maneira pela qual sentimos e conduzimos as

faculdades do corpo.

Para explicar como se dá o conhecimento Condillac usa como

exemplo a criança. Inicialmente a criança aprende a conhecer motivada por uma

necessidade premente. Esses conhecimentos iniciais são apenas qualidades

sensíveis, adquiridas como resultado do modo como guia seus sentidos. Esta

condução pode levá-la a juízos verdadeiros ou falsos, ou seja, satisfazer ou não as

suas necessidades. A necessidade satisfeita significa uma boa condução, a

necessidade não satisfeita indica uma condução inadequada. Como a necessidade

permanece, a criança é automaticamente levada (pela natureza) a reorientar seus

sentidos. Deste modo, a própria experiência corrige seus equívocos e ensina como

conduzir bem seus sentidos. A dor causada pela não satisfação da necessidade, ou o

prazer de tê-la satisfeita “são nossos primeiros mestres”.

60

Todo ser humano começa a conhecer motivado pelas necessidades

mais prementes. Tais necessidades e faculdades são da natureza de cada animal. As

observações e juízos que fazem são naturalmente regulados pelo prazer (satisfação)

e dor (não satisfação). “É a própria natureza, isto é, são nossas faculdades

determinadas por nossas necessidades que começam a nos instruir” (p.72). Apesar

de sempre começarmos bem quando crianças, na medida em que crescemos fazemos

cada vez mais juízos de coisas cada vez mais distantes das necessidades prementes,

e assim perdemos o nosso regulador natural, ou seja, perdemos o nosso parâmetro

para colocar nossos juízos à prova e reconhecer se são verdadeiros ou falsos.

Conclusão, a natureza nos ensina que pensamos bem sempre que observamos e

colocamos nossos juízos sob o exame da observação e da experiência.

Capítulo II - Como a análise é o único método para adquirir conhecimento; de que

maneira aprendemos pela própria natureza

Neste capítulo apresenta a análise como o método que a própria

natureza nos ensina, mostrando como por meio deste método podemos adquirir

conhecimentos.

“Só conhecemos o objeto quando suas partes vêm, uma após a outra,

se dispor ordenadamente em nosso espírito” (p.76). Para conhecer um objeto, se

formar uma idéia de algo, não basta que o olhemos. É preciso decompô-lo,

direcionar a atenção a cada uma de suas partes, uma após a outra, numa seqüência

determinada pela própria natureza. Olhamos primeiro as partes que mais nos

chamam a atenção, que são mais fortes. Em seguida, olhamos as lacunas entre estas

partes, observamos e comparamos julgando as relações e determinando sua posição

em relação aos objetos principais. Ao diferenciarmos todos os objetos e termos

julgado suas relações (forma e situação), podemos então vê-los todos

simultaneamente em nosso espírito, na mesma ordem em que aparecem na natureza.

“Analisar não é, portanto, outra coisa senão observar numa ordem sucessiva as qualidades de um objeto a fim de lhes oferecer, no espírito, a mesma ordem simultânea na qual elas existem. É o que a natureza nos obriga a todos. A análise, que se acredita ser concebida por filósofos, é portanto concebida por todos, e eu não

61

ensinei nada ao leitor; eu o fiz somente observar o que ele processa continuamente”. (p.77)

Capítulo III – Como análise torna os espíritos justos

Neste capítulo conclui que só a análise é capaz de nos levar a um

conhecimento exato e verdadeiro. Argumenta que só é possível conhecer um objeto

sensível pelas sensações que recebemos dele. Consequentemente a idéia que temos

desse objeto conhecido é justamente as sensações que o representam, como uma

imagem das sensações que nos causaram. Se o objeto está presente, o vemos por

meio das sensações que exercem sobre nós, e se está ausente, o vemos na lembrança

das sensações que exerceu. Deste modo, um conhecimento só pode ser considerado

exato e verdadeiro se formos capazes de descrevê-lo com a mesma nitidez e ordem

com que ele se apresente na natureza. Esta clareza só é possível se o método

utilizado for a análise. Só este método é capaz de nos dar idéias distintas e em

conformidade com a ordem natural das coisas, mantendo estas idéias claras e

precisas.

Adverte que ao usarmos outro método - a síntese - ficaremos

confusos, uma vez que este começa pelas definições, tomadas como princípios a

partir das quais se descobrem as propriedades. Deste modo, não permitiremos mais

que nosso espírito distinga as idéias, que as apresente em uma ordem sucessiva

como se apresenta na natureza, e acabaremos “tomando por princípios noções vagas,

palavras vazias de sentido, ..., não sabemos, na verdade, nem o que vemos, nem o

que pensamos, nem o que dizemos”. (p.80)

Capítulo IV – Como a natureza nos faz observar os objetos sensíveis a fim de nos

oferecer idéias de diferentes espécies

Neste capítulo afirma que só podemos nos instruir se caminharmos

sempre do conhecido ao desconhecido, já que só assim é possível comparar, fazer

analogias, juízos, ou seja, uma seqüência de análises. Qualquer pessoa é capaz disto,

pois todos temos algum conhecimento pelo qual começar, uma coleção de idéias

62

bem organizadas, mesmo que estas idéias estejam restritas àquelas ligadas aos

objetos de primeira necessidade.

Deste modo, as idéias nascem sucessivamente uma das outras, e a

ordem da geração das idéias é a mesma que a ordem natural, já que é conduzida pela

análise.

Segundo a nossa maneira de conhecer, naturalmente vemos primeiro

as semelhanças, agrupamos tais objetos em uma mesma classe e lhes damos um

nome. Em seguida, observamos novamente e percebemos as diferenças, e criamos

novas classes. As primeiras idéias são as idéias individuais, de um objeto individual,

e automaticamente passam a ser idéias gerais (mesmo nome atribuído a um conjunto

de indivíduos semelhantes). As idéias gerais, então, só são distribuídas em classes na

medida em que se sente a necessidade de distingui-las. Ao notarmos as diferenças

entre objetos de uma mesma idéia geral, geramos um sistema de classificação.

Este sistema subdividido em classes, espécies e gêneros, não está

presente na natureza, ele não altera a natureza. Nós o concebemos exclusivamente

para nos ajudar a organizar mentalmente as idéias. Na natureza só existem

indivíduos, e justamente por isso, “os nomes gerais não são especificamente nome

de coisa alguma existente; que exprime apenas as lições do espírito, quando

consideramos as coisas sobre as relações de semelhança ou diferença”. (p.84)

Condillac ressalta que poderíamos subdividir até chegarmos às idéias

individuais, já que entre dois indivíduos sempre existe alguma diferença, mas quanto

mais subdividimos mais difícil se torna colocar as idéias em ordem. Para ele, o

limite da subdivisão é regulado pela nossa necessidade, ou seja, devemos subdividir

enquanto nos for necessário para o uso das coisas relativas às nossas necessidades. E

nos instrui a não temer a confusão entre as classes já que a arte de classificar para

nos ajudar a organizar nossa mente precisa apenas esclarecer os pontos principais.

Isso é natural, uma vez que nossas sensações são as únicas idéias que temos dos

objetos sensíveis. Não nos permitindo o acesso à essência das coisas, temos um

limite para nosso espírito.

63

Conclui que as idéias procedentes do processo de análise, para serem

exatas não podem ser completas. Sua exatidão se encontra exatamente na certeza de

que a análise nos mostra nas coisas apenas aquilo que vemos.

Novamente Condillac ressalta que a análise é um método natural e

que todos, sem exceção estão aptos ao conhecimento.

Capítulo V – Sobre idéias de coisas que não passam pelos sentidos

Neste capítulo ele mostra como é possível fazer idéias de coisas que

não são sensíveis. Vemos o efeito e julgamos existir uma causa. Damos um nome a

essa causa não em conformidade com os sentidos, mas das relações que possa

estabelecer entre os objetos e eu (relações percebidas por nós como movimento no

espaço e tempo).

Reafirma que mesmo o objeto, não passando por nossos sentidos, tem

sua existência reconhecida por meio deles, e nos alerta: “Porque damos nome às

coisas de que temos idéia, supõe-se que temos idéia de todas as coisas as quais

damos nomes. Eis um erro contra o qual é preciso se precaver. Pode acontecer que o

nome seja dado a uma coisa apenas porque estamos seguros de sua existência: a

palavra força é a prova disso”. (p.87, negrito do autor)

Se todo movimento tem uma causa, recursivamente chegaremos a

idéia da causa primeira, a qual Condillac chama de Deus, e como primeira é

independente, necessária, abrangendo em sua imensidade e eternidade tudo o que

existe.

Capítulo VI – Continuação do mesmo tema

Condillac então define ação como o movimento originado por uma

causa que produz um efeito, de modo que toda ação passa pelos sentidos; define

como hábito toda ação que se repete frequentemente sem que haja necessidade de se

pensar sobre ela.

64

Deste mesmo modo acontece com as ações da alma, que são

representadas como efeitos nas ações do corpo. Assim, observando as ações do

corpo somos capazes de desvendar as ações da alma.

Explicado o que são hábitos e ações, chama de virtude os hábitos de

boas ações e de vícios os hábitos de más ações. Boas ou más é uma questão de

moralidade. Sua idéia de moralidade de nossas ações é a conformidade entre as

nossas ações e as leis. Tais leis que ou são visíveis ou foram feitas pelo próprio

homem, devem ser feitas obedecendo as nossas necessidades, e uma vez que tais

necessidades vitais e faculdades foram criadas por Deus, temos que o único

legislador é o próprio Deus. Assim, seguindo as leis de acordo com a natureza

estaremos obedecendo a Deus.

Capítulo VII – Análise das faculdades da alma

Para ampliar nossos conhecimentos temos necessidade de saber

conduzir bem nosso espírito e para conduzi-lo bem, precisamos conhecê-lo. Para

conhecê-lo, conforme a análise, é necessário observar e distinguir cada uma das

faculdades de pensar, e como só a alma sente ( e portanto conhece), se faz necessário

desvendar as faculdades de sentir. Assim, considerando nossas sensações como

representações dos objetos, nascem delas todas as idéias e operações do

entendimento. São elas: a atenção, a comparação, o juízo, a reflexão, a imaginação e

o raciocínio.

A primeira faculdade que podemos observar é a atenção, ou seja, o

nosso olhar é direcionado para algo específico, e em nossa alma a sensação que o

objeto exerce em nós, que de certa forma se torna de alguma maneira exclusiva.

Ao vermos dois objetos, podemos ter uma dupla atenção, uma ao

lado da outra. Se o objeto estiver presente atenção é a sensação que ele exerce

atualmente, mas se estiver ausente a atenção é a lembrança da sensação que ele

exerceu. A esta dupla atenção damos o nome de comparação. Segue que ao

compararmos dois ou mais objetos podemos perceber que semelhanças ou

diferenças existem entre eles, e isto é chamado de julgar, fazer juízo.

65

Para comparar duas coisas se fazem várias observações e, portanto,

vários juízos, que se organizam sucessivamente. Esse processo se chama reflexão,

ou seja, apenas uma seqüência de juízos que se processam por uma seqüência de

comparações.

Pelo mesmo processo de reflexão, podemos reunir num só objeto

qualidades que estavam separadas em vários. Estas idéias que se formam são apenas

imagens que só tem existência em nosso espírito. Chama-se de imaginação a

reflexão capaz de fazer tais imagens.

O juízo enunciado pode conter implicitamente um outro que não se

anuncia, mas que podemos considerar como conseqüência do primeiro. Neste caso,

ao enunciar os dois juízos, um como conseqüência do outro, estamos enunciando um

raciocínio. Por exemplo: “se digo que um corpo é pesado, digo, implicitamente que

se não for sustentado cairá”, mas quando enuncio os dois juízos, “Esta abóbada é

bem pesada, se ela não estiver suficientemente segura, cairá” (p.92) estou

enunciando um raciocínio. Algumas destas conseqüências não são imediatas e

precisam de juízos intermediários, indo do conhecido ao desconhecido, a esse

caminho é chamado de raciocinar.

A reunião de todas as faculdades de sentir - a atenção, a comparação,

o juízo, a reflexão, a imaginação e o raciocínio - é chamada de entendimento.

Capítulo VIII – Continuação do mesmo tema

Continuação do mesmo tema já que aqui, a partir da consideração das

sensações como agradáveis ou desagradáveis nascem todas as operações da vontade.

Uma acepção abrangente da palavra vontade é a faculdade que

compreende todos os hábitos que nasçam da necessidade. Condillac esclarece que

necessidade é o sofrimento causado pela privação de alguma coisa. Esta privação

gera um estado que se chama mal estar. O mal estar leva ao movimento em busca

da satisfação da necessidade, e a este movimento Condillac chama de inquietude.

Assim todas as faculdades se voltam para aquilo que seria a satisfação da

necessidade, esta direção chama-se desejo. Quando o desejo vira um hábito, estamos

66

falando da paixão. Ao julgar que obteremos o objeto de nosso desejo produzimos a

esperança.

O pensamento então compreende em sua acepção todas as

faculdades do entendimento e da vontade. Pensar e sentir, prestar a atenção,

comparar, julgar, refletir, imaginar, raciocinar, desejar, apaixonar-se, ter esperanças,

temer etc.

Seu objetivo até aqui foi o de explicar como as faculdades da alma

nascem todas a partir da sensação, ou seja, cada faculdade da alma é a sensação

transformada.

Capítulo IX – Sobre as causas da sensibilidade e sobre a memória

Condillac, fiel ao método analítico, considera como falsas as

hipóteses lançadas de que os nervos sejam como cordas de instrumentos do cérebro,

ou que este seja uma substância mole passível de impressão. Ele alega que nenhuma

delas é observável, admite sua impossibilidade de explicar como o contato de certos

corpúsculos a nossos órgãos ocasionará a sensação, e então não procura esclarecer

os mecanismos físicos, não tenta desvendar as leis que regem os órgãos, apenas

parte do princípio de que esse movimento dos órgãos é que mantém a vida, e o

denomina princípio da vegetação.

Acredita que a sensibilidade é justamente a modificação do

movimento do princípio da vegetação, ocasionada pela ação dos objetos sobre os

sentidos, que por sua vez comunicam ao cérebro, que reage sobre eles produzindo o

sentimento.

A ação dos sentidos sobre o cérebro torna, portanto, o animal

sensível. A sensibilidade não basta para dar ao corpo os movimentos de que é capaz,

sendo necessário que o cérebro se comunique com outras partes do corpo para que o

animal se mova.

O animal aprende a se mover segundo sua vontade porque cada

movimento o faz sentir dor ou prazer. O sentimento de dor ou prazer o ensina a

67

evitar ou repetir. Desta forma, seus movimentos são regulados e nasce o princípio de

todos os hábitos do corpo.

E então ele passa aos hábitos do cérebro:

“Mas o cérebro é o órgão principal: é um centro comum onde todos se reúnem, e de onde todos parecem nascer. Julgando, portanto, o cérebro pelos outros sentidos,..., adquire, como os dedos o hábito de obedecer a diferentes seqüências de movimentos determinados. Assim sendo, o poder que tem meu cérebro de me lembrar de um objeto não pode ser não a facilidade que ele adquiriu de se mover por si próprio da mesma maneira que ele se havia movido quando este objeto impressionava meus sentidos”. (p.99)

Ou seja, o cérebro mostra uma capacidade de se mover sozinho,

aprende a seqüência de movimentos que ocorrem quando se experimenta uma

sensação, e posteriormente pode refazer esta seqüência de movimentos, mesmo na

ausência do objeto. Esta reprodução das ações do objeto sobre os sentidos, quando

este já não está mais presente, denomina memória. Então todos os fenômenos da

memória são explicados pelos hábitos do cérebro.

Segunda Parte

Na segunda parte, Condillac considera a análise em si mesma e os

seus efeitos em relação à linguagem, demonstrando que a “arte de raciocinar” se

reduz a uma “língua bem feita”. Faz ao mesmo tempo uma análise lógica da origem

da língua e também uma análise das vias do conhecimento, mostrando que a língua é

gerada a partir do conhecimento sensível, mas a linguagem, que tem a função de

comunicar, só se realiza a partir do conhecimento racional. Está é a razão pela qual

ele defende a “arte de raciocinar” como um instrumento capaz de criar uma “língua

bem feita” para cada ciência, elegendo a álgebra como a única língua bem feita, na

qual nada parece arbitrário.

68

Capítulo I – Como os conhecimentos que devemos à natureza constituem um

sistema no qual tudo está perfeitamente ligado e como nos desviamos quando

esquecemos suas lições

Como todas as nossas vontades são buscas pela satisfação de nossas

necessidades, determinada pela própria conformação natural de nossos órgãos,

somos instruídos pela dor ou prazer relacionados à satisfação destas necessidades.

Condillac mostra então que a esfera de nossos conhecimentos é limitada por nossas

necessidades, formando um sistema bem ordenado, já que foram adquiridos

conforme a ordem das necessidades naturais e das relações das coisas que estão a

nosso alcance. Desta forma nosso sistema segue o sistema “que o autor de minha

natureza seguiu quando me constituiu”(p.106), mantendo portanto a ordem

estabelecida por Deus. “Se há em mim necessidades e desejos, há fora de mim

objetos feitos para satisfazê-lo e tenho a faculdade para conhecê-los e desfrutá-los”.

(p.105)

“Observar relações, confirmar estes juízos por novas observações ou corrigi-los observando novamente, eis, então, o que a natureza nos obriga a fazer e assim faremos cada vez que adquirirmos um novo conhecimento. Esta é a arte de raciocinar: é simples como a natureza no-lo ensina”. (p.106)

No entanto, sempre que não seguimos tal lição, “e ao invés de

observar as coisas que queríamos conhecer, nós a imaginamos” (p.107),

enveredamos pelo caminho das falsas suposições, que nos levam a uma seqüência de

erros, preconceitos, e por fim hábitos maus e juízos falsos. As idéias falsas,

contraditórias, que se originam se espalham como verdade. Uma vez que nos

desviamos da análise, e não observamos, começamos a usar “palavras antes de

determinar seu significado e ter sentido necessidade de determiná-lo”. (p.108)

Nosso erro então está no hábito de julgar segundo palavras das quais não fazemos

uma idéia exata, não determinamos o seu sentido; acreditando que por meio de

palavras, que são apenas palavras, obtenhamos algum conhecimento.

Para Condillac, a única forma de retomar o método correto,

“recolocar ordem na faculdade de pensar: é esquecer tudo o que aprendemos,

69

retomar nossas idéias em sua origem, seguir a geração e refazer, como diz Bacon, o

entendimento Humano”. (p.109)

Capítulo II – Como a linguagem de ação analisa o pensamento

Somos dotados de uma linguagem inata, que é a linguagem de ação,

ou seja, por meio de nossos órgãos representamos tudo que se passa em nossa alma:

“é a expressão de nossos sentimentos e de nossos juízos” (p.110). Essa linguagem da

ação precede mesmo a formação das idéias (que não são inatas), e não apresenta a

intenção de comunicar.

A princípio a linguagem de ação é confusa, uma vez que representa

simultaneamente todos os sentimentos e idéias. E justamente por conter tudo é que

os elementos da linguagem de ação nos permitem a análise de nossos pensamentos,

para darmos conta do que pensamos. Eles são os nossos primeiros signos.

A análise de nossos pensamentos a partir da linguagem de ação é

aprendida da natureza. Condillac explica que a partir da necessidade de ajuda mútua,

sente-se necessidade de se comunicar, e para isso é necessário compreender a si

próprio. A compreensão se dá quando ao observar os movimentos, um após o outro,

sucessivamente os decompomos naturalmente, ou seja, fazemos a análise.

Quanto maior for a compreensão do outro, mais irá observar,

habituando-se “pouco a pouco, a repetir os movimentos, um após o outro, que a

natureza o obrigou a fazer de uma só vez, e a linguagem de ação tornar-se-á um

método analítico”. (p.111)

Ao decompor a ação total em ações parciais e assim sucessivamente

chegaremos às ações que são signos de tais idéias. Condillac explica: “Este meio, é o

único que ele possui para analisar seu pensamento, poderá desenvolvê-lo até os

mínimos detalhes: pois, sendo dados os primeiros signos de uma linguagem, só nos

resta consultar a analogia e ela fornecerá todos os outros”. (p.111). Assim a

linguagem da ação, inata, é que nos dá os primeiros signos e as condições

necessárias para o desenvolvimento do método analítico e da linguagem.

70

Capítulo III – Como as línguas são métodos analíticos. Imperfeição destes

métodos.

No primeiro momento o homem tem apenas a linguagem da ação

(que em si não é um método), e esta lhe fornece os primeiros signos por meio da

decomposição sucessiva das ações, nos levando à análise. Ao cessar as expressões

dos sentimentos pela linguagem da ação não nos seria possível continuar a analisar

nossos pensamentos se não fôssemos supridos pela linguagem dos sons articulados,

pois “a análise não se faz e não se pode fazer a não ser com signos”. (p.113)

Assim como a linguagem de ação só foi usada pelo homem com o

intuito de comunicar depois que perceberam que ela era compreendida, também as

línguas começaram antes de se pensar em falar com sons articulados. Elas

começaram exatas, na medida em que se falou de coisas relativas às primeiras

necessidades, de modo que a própria natureza as corrigia. Eram línguas limitadas, no

entanto, falavam com clareza o que as tornavam exatas.

O desenvolvimento de uma língua deveria ter ocorrido mediante a

análise, e toda vez que esta trouxesse novas idéias, surgiriam por analogia novas

palavras, de modo que continuariam mantendo a exatidão, pois por uma palavra

sempre poderíamos fazer a análise e perceber sua geração de modo a compreender a

sua acepção. No entanto, não foi assim que ocorreu. Conforme foram asseguradas as

primeiras necessidades, sentiu-se a cada dia menos necessidade de analisar, e

acabou-se por falar antes mesmo de se possuir a idéia. Desta forma, surgiram os

juízos falsos e subitamente uma infinidade deles. Erros sobre erros, e a língua

tornou-se um método defeituoso, ainda agravado quando os povos se aproximaram

por meio do comércio, já que “as línguas se confundiam e a analogia não podia

mais guiar os espíritos na acepção das palavras”.(p.114)

Assim, a arte de raciocinar procurada nos mecanismos do discurso,

no qual subsistiam os vícios da língua foi infrutífera.

71

A língua é um método analítico, as palavras nos são necessárias para

formarmos idéias de todas as espécies, mas por parecerem arbitrárias (foram mal

feitas, não se conduzindo pela análise) e pensou-se que suas regras eram estipuladas

por capricho do uso.

Capítulo IV – Sobre a influência das línguas

Para Condillac pensamos por intermédio das línguas, que são

formadas à medida que as analisamos, e por isso um método analítico, logo o pensar

segue as regras da língua. Deste modo, nosso raciocínio será tanto melhor como

melhor for a língua, alargando os horizontes de nossos conhecimentos.

Desta forma, as línguas das ciências, que possuem os mesmos

defeitos das outras línguas, exceto a língua algébrica que dá precisão à matemática,

por nascer e se desenvolver exclusivamente pelo uso de analogias, e algumas partes

da Química e da Física, não são apropriadas ao conhecimento. Reforça sua opinião

de que as línguas vulgares seriam as mais apropriadas ao raciocínio, como explica:

“A geração das idéias e das faculdades da alma devia ser sensível nestas línguas, quando a primeira acepção de uma palavra era conhecida e quando a analogia fornecia todas as outras. Reencontravam-se nos nomes idéias que escapavam aos sentidos, os próprios nomes das idéias sensíveis de onde provinham, e, ao invés de vê-las como nomes próprios destas idéias, as víamos como expressões figuradas que apontavam sua origem”. (p. 116)

Capítulo V – Considerações sobre as idéias abstratas e gerais ou como a arte de

raciocinar se reduz uma língua bem feita

Uma idéia geral não tem existência fora de nosso espírito, ela é a

reunião de parte comum de várias idéias individuais, vista separadamente, e,

portanto, considerada como idéia abstrata.

Condillac exemplifica nos dando duas idéias individuais: Pedro e

Paulo, cuja existência está fora de nossa mente. Mas os indivíduos, Pedro e Paulo,

tem parte de sua idéia individual comum, e esta parte comum pode ser vista

72

separadamente dos indivíduos Pedro e Paulo. Faz parte de sua idéia individual

ambos serem homens. Então “homem” é uma idéia geral, e portanto abstrata, já que

homem não tem existência real, a não ser em nossa mente. Por exemplo, um pintor

que pinta a tela de um homem, precisa pintar um indivíduo. Condillac conclui que

idéias gerais ou abstratas são apenas denominações, e que por isso sua clareza e

precisão dependem da ordem na qual foram determinadas as denominações das

classes, ou seja, na ordem como foi feita a língua.

“A arte de raciocinar só se reduz a uma língua bem feita, porque a ordem em nossas idéias é apenas a subordinação dos nomes dados aos gêneros e às espécies; e, desde que só temos novas idéias porque formamos novas classes, é evidente que só determinamos as idéias na medida em que determinamos as próprias classes. Então raciocinaremos bem, porque a analogia nos conduzirá em nossos juízos como na inteligência das palavras”. (p.116)

Enfim, raciocinamos porque classificamos gêneros e espécies por

meio das idéias abstratas que são representadas por suas denominações. Para

raciocinar precisamos das denominações, o que prova que raciocinar bem ou mal

depende da língua que usamos, se é uma língua bem ou mal feita.

Se considerarmos que as classes são apenas denominações, e que as

utilizamos apenas como forma de classificar as coisas segundo suas relações,

perceberemos nossos limites e não cometeremos o erro de procurar essência nas

palavras, ou de usar palavras além do número necessário e suficiente para satisfazer

as nossas necessidades.

A análise é então a responsável pela construção das línguas bem

feitas e aos sermos por ela orientados temos idéias exatas de todas as espécies. “É

apenas à análise que devemos o poder de abstrair e generalizar”. (p.119) E é por

isso, que apesar das idéias abstratas cessarem de passar por nossos sentidos, ainda

continuam tendo lá a sua origem, uma vez que são partes destacadas de idéias

individuais.

Capítulo VI – Quanto se enganam aqueles que olham as definições como único

meio para remediar os abusos de linguagem

73

Condillac explica que uma definição não pode ser a base da arte de

raciocinar, usada como princípio (sinônimo de começo), porque elas se limitam a

mostrar coisas, e ainda nem sempre as ilustram com clareza; e dá o seguinte

exemplo:

Direi que nossos sentidos são o princípio de nossos conhecimentos, porque é nos sentidos que eles começam, e terei dito algo compreensível. Não acontecerá a mesma coisa se disser que uma superfície determinada por três linhas é o princípio de todas as propriedades do triângulo, porque todas as propriedades do triângulo começam por uma superfície determinada por três linhas. Pois gostaria igualmente de dizer que todas as propriedades de uma superfície determinada por três linhas começam por uma superfície determinada por três linhas. Em suma, esta definição não me ensina nada: apenas mostra uma coisa que conheço e de que só a análise pode me desvendar as propriedades. (p.121, grifo do autor)

Condillac ainda alerta para o fato de que nem tudo se pode definir, e

exemplifica com o caso dos geômetras, que a tudo querem definir. Dizer que uma

linha reta é a menor distância entre dois pontos não é mostrá-la e esta definição já

supõe que a linha reta seja conhecida, o que contraria a idéia de definição como

princípio. Esse é um obstáculo para a necessidade dos geômetras em obrigar-se a

definir tudo, inclusive, na opinião de Condillac, definir o que é indefinível.

Assim ele mostra que não é preciso ter como princípio as definições,

e reforça que o importante é começar bem, ou seja, começar pela análise, já que esta

garante precisão e não nos fará buscar definições onde estas não existem, e conclui:

“para conhecer uma linha reta, não é absolutamente necessário defini-la da maneira

dos geômetras e que basta observar como adquirimos a idéia dela”. (p.122)

Apesar disso, e seguindo o exemplo da Geometria, considerada exata,

as outras ciências também seguiram o caminho de a tudo definir. Condillac

argumenta que o que não perceberam é que as idéias são de dois tipos: simples ou

compostas, e que as simples não são definíveis, e que seja simples ou composta só a

análise é capaz de nos desvendá-las de forma clara e precisa, de onde provêm e

como chegam até nós. Ele ainda ressalta que muitas idéias permanecerão

indeterminadas, já que foram compostas de formas diferentes, mas que “ainda que a

análise não possa determinar o que compreendemos por uma palavra que não

74

compreendemos todos da mesma maneira, ela determinará tudo o que é possível

compreender por esta palavra, sem impedir todavia que cada um compreenda o que

quiser, como acontece. Isto é, ser-lhe-á mais fácil corrigir a língua do que a nós

próprios”. (p.123) Assim, as definições são inúteis porque só a análise é capaz de

determinar nossas idéias.

Condillac considera a mania de definições uma característica da

síntese, e por isso um método tenebroso. Para ele tanto na síntese como na análise

não se pode excluir o processo de decomposição e composição. Não há como

raciocinar só compondo ou só decompondo. Sua crítica ao método da síntese é que

este não se conduz pela ordem estabelecida na natureza. “Em suma, a verdadeira

análise, a análise que deve ser preferida, é a que, começando pelo começo, mostra na

analogia a formação da língua e na formação da língua os progressos da ciência”.

(p.124)

Capítulo VII – O quanto o raciocínio é simples quando a própria língua é simples

Condillac diz que os matemáticos preferem a síntese por a acharem

mais curta e mais simples, mas que seus escritos ficam mais confusos e maiores,

com exceção de Lagrange e Euler, que usam a análise.

Por ciências exatas se entende todas aquelas em que se demonstra

rigorosamente. Condillac argumenta que só se demonstra se a demonstração for

rigorosa, e ela só é rigorosa se usar uma linguagem adequada. Assim como a

matemática usa a linguagem algébrica, com o uso de uma linguagem simples todas

as ciências serão demonstráveis, pois é a análise que demonstra, conduzindo do

conhecido ao desconhecido por meio de uma seqüência de juízos que estão contidos

uns nos outros. Para dar uma idéia do uso da linguagem conveniente, ele faz uso de

um problema comumente resolvido algebricamente. Eis o problema: “Tendo fichas

em minhas duas mãos, se passar uma da minha mão direita para a esquerda terei

tanto em uma quanto na outra, e se passo uma da esquerda para a direita terei o

dobro nesta. Pergunto qual é o número de fichas que tenho em cada uma?”

75

A partir das duas condições dadas, tentará estabelecer todas as

relações possíveis entre eles, escrevendo os dados de forma cada vez mais simples.

Como ele próprio explica:

“ Se dissermos: o número que temos na mão direita, quando se suprime uma ficha, é igual àquele que temos na mão esquerda, quando a esta se acrescenta uma, exprimiremos o primeiro dado com muitas palavras. Dizemos, então, mais economicamente: o número de nossa mão direita, diminuído de uma unidade, é igual àquela de nossa mão esquerda, aumentado de uma unidade, ou, o número de nossa direita, menos uma unidade, é igual ao de nossa esquerda, mais uma unidade, ou, afinal, mais economicamente ainda, a direita, menos um, igual à esquerda, mais um.... Exprimiremos o segundo dado dizendo: o número de nossa mão direita, aumentado de uma unidade, é igual a duas vezes ao de nossa esquerda diminuído de uma unidade”. (p.126)

Que são traduzidas sucessivamente para:

“A direita aumentada de uma unidade, é igual a duas esquerdas, diminuídas cada uma de uma unidade, e chegaremos a esta expressão mais simples de todas, a direita, mais uma, igual a duas esquerdas, menos dois... Eis, então, as expressões nas quais traduzimos os dados:

A direita, menos um, igual à esquerda mais um

A direita, menos um, é igual a duas esquerdas, menos dois”. (p.127)

Condillac então explica que em matemática chamamos estas

sentenças de equações, que cada equação é composta de dois membros. Mostra que

as conhecidas (mais um, menos um, menos dois) e as desconhecidas (direita e

esquerda) encontra-se misturadas, e que o caminho para desprender as

desconhecidas é ir traduzindo a equação, mantendo sempre a igualdade, com a

intenção de separar as conhecidas das desconhecidas, ou seja, isolar a desconhecida

em um dos membros da igualdade, e continua o processo:

“[...] se a direita menos um é igual à esquerda mais um, a direita inteira será igual à esquerda mais dois, e se a direita mais um é igual a duas esquerdas menos dois, só a direita será igual a duas esquerdas menos três. Substituiremos as duas primeiras equações com as duas seguintes:

A direita igual a esquerda mais dois.

A direita igual a duas esquerdas menos três.

76

O primeiro membro destas equações é a mesma quantidade, à direita, e vejam que conheceremos esta quantidade quando conhecermos o valor do segundo membro de uma ou de outra equação. Mas o segundo membro da primeira é igual ao segundo membro da segunda, pois são iguais um e outro à mesma quantidade expressa pela direita. Podemos, consequentemente, fazer esta terceira equação:

A esquerda, mais dois, igual a duas esquerdas menos três.

Então, resta-nos apenas uma desconhecida, a esquerda, e conheceremos seu valor quando a tivermos desprendido, isto é, quando tivermos passados todas as conhecidas para o mesmo lado. Diremos, então:

Dois mais três igual a duas esquerdas menos uma esquerda.

Dois mais três igual a uma esquerda.

Cinco igual a uma esquerda.

O problema está resolvido...Nas equações, a direita igual à esquerda mais dois, a direita igual a duas esquerdas menos três, descobriremos que sete é o número que possuo na minha mão direita. Ora, estes dois números, cinco e sete, satisfazem as condições do problema”. (p.127-128)

Condillac apresenta então a resolução do problema acima em

linguagem algébrica no intuito de mostrar que com a linguagem adequada o

problema fica ainda mais simples. Primeiro identifica cada símbolo que será

utilizado: mais (+), menos (-), igual (=), número de fichas na mão direita (x),

número de fichas na mão esquerda (y). E vai traduzindo todas as sentenças que havia

construído para resolução do problema:

As duas equações ⇒ x-1=y+1 e x+1=2y-2

desprendendo o desconhecido do primeiro membro⇒ x=y+2 e x=2y-3

igualando os dois segundos membros ⇒ y+2=2y-3

desprendendo o desconhecido ⇒ 2+3=2y-y

⇒ 5 = y

Tiramos então ⇒ x=5+2 e x=10-3

Temos ⇒ x = 7

77

A vantagem da linguagem algébrica é que ela faz perceber de

maneira mais nítida como os juízos estão ligados uns aos outros, de modo que o

posterior é sempre idêntico ao anterior e que é esta identidade que faz toda a

evidência do raciocínio. Essa evidência nítida também ocorre se ao usarmos palavras

também mantivermos a identidade de um juízo para outro. Para que a identidade se

mostre basta que usemos uma língua bem feita, construída por meio da analogia.

Portanto, para a ciência ser exata não precisa usar a linguagem algébrica, mas uma

língua tão bem feita quanto ela, ou seja, que deixe perceber as analogias, que

evidencie a ligação (identidade) entre os juízos, que vá do conhecido ao

desconhecido, que seja simples.

Condillac argumenta que já que com a álgebra podemos traduzir

qualquer raciocínio que tenhamos feito por palavras, ou seja, que usando letras ou

palavras somos capazes de expressar o mesmo raciocínio, concluindo que a álgebra

é uma língua, e como toda língua, um método analítico. E mais, enfatiza que a

álgebra é a prova de que todo o progresso da ciência depende de uma língua bem

feita, capaz de dar à análise simplicidade e precisão.

Capítulo VIII – No que consiste todo o artifício do raciocínio

O método utilizado no exemplo, no qual se vai apenas reescrevendo

os juízos em juízos equivalentes de modo a desprender os desconhecidos dos

conhecidos, “tem por regra que não podemos descobrir uma verdade que não

conhecemos, a não ser na medida em que ela se encontre nas verdades que são

conhecidas e que, consequentemente, toda a questão a resolver supõe dados em que

as conhecidas e as desconhecidas estão misturadas, como o estão efetivamente nos

dados do problema que resolvemos”. (p.130)

Ele mostra então que raciocinar bem implica em garantir que os

dados contenham todas as conhecidas necessárias, do contrário, o problema é

insolúvel. Raciocinar então seria usar uma linguagem clara e precisa para enunciá-

las de maneira mais simples até desprender as desconhecidas.

78

Algumas vezes os dados estão implícitos na questão e nem sempre

são fáceis de serem reconhecidos. Só conseguiremos encontrá-los se traduzirmos a

expressão em outra na qual os dados se mostrem mais explicitamente.

Condillac alega que este raciocínio usado pela matemática, feito com

equações, é o mesmo para todas as ciências, pois acredita que equações, proposições

e juízos são, no fundo, a mesma coisa. Ele diz:

“...nas outras ciências estabelece-se (a questão) traduzindo-se na expressão mais simples e, quando a questão estiver estabelecida, o raciocínio que a resolve é ainda ele próprio apenas uma seqüência de traduções, onde uma proposição que traduz a que a precede é traduzida por aquela que a segue. É desta maneira que a evidência passa com a identidade desde o enunciado da questão até a conclusão do raciocínio”. (p.132)

Capítulo IX – Diferentes graus de certeza ou da evidência, das conjeturas e da

analogia

Neste último capítulo Condillac nos explica os três tipos de

evidência, nos diferencia fenômenos, observações e experiências, nos instrui sobre o

uso de conjeturas e ainda aconselha aos que pretendem estudar sua Lógica.

Os três tipos de evidência por ele apresentados são:

- A evidência da razão consiste na identidade, no conhecer a essência da coisa, o que

permite descobrir, por meio de seqüências de proposições idênticas (raciocínio),

todas as suas propriedades a partir dos fenômenos decorrentes das transformações

desta essência.

- A evidência de fato consiste no conhecimento por meio de observação, ocorre

quando não consigo ver a igualdade entre várias proposições verdadeiras de um

mesmo objeto.

- A evidência de sentimento é aquele conhecimento do fenômeno que observo em

mim mesmo, pois é pelo sentido que conheço esta espécie de fato.

79

A diferença entre fenômeno, observação e experiência é que

chamamos de fenômeno o fato que consiste em uma seqüência de leis da natureza.

Ao dispensar atenção especial a este fenômeno, considerando e assegurando todas as

relações por meio de observações bem feitas passamos a chamá-lo de observação, e

se por meios diferentes desprendermos aquilo que ele oculta, então o chamamos de

experiência.

As conjeturas surgem de uma espécie de tateamento, quando não se

tem de imediato a evidência, mas a partir de verdades conhecidas suspeita-se de

outras verdades. Para Condillac as conjeturas têm um grau inferior de certeza mas

conjeturar é um bom caminho para descobertas, pois sempre que formularmos

suposições que devem ser confirmadas por observações ou experiências, estas nos

leva aquilo que devemos dar atenção.

Como a analogia é sempre feita com base em relações, seu grau de

certeza é por elas determinado. O grau de certeza mais fraco é aquele fundado numa

relação de semelhança, por exemplo: A terra é habitada, portanto, os planetas o são.

A analogia que usa relações dos meios com os fins é mais forte que a

anterior, por exemplo: os planetas possuem revoluções diurnas, e por conseqüência,

suas partes são sucessivamente iluminadas e aquecidas, condição para a conservação

de alguns habitantes. No entanto, ressalva Condillac, isso prova apenas que a Terra

não é o único planeta habitável, mas não prova que outros sejam.

A analogia que possui mais força é aquela fundada sobre a relação

dos efeitos com a causa ou das causas com o efeito, ou seja, são aqueles que supões

que os mesmos efeitos tem as mesmas causas e vice-versa, suposição que quando

confirmada por meio de novas analogias e observações é considerada como certa e

não é mais colocada em dúvida.

Condillac aconselha aos jovens que querem estudar a sua Lógica:

“Esta Lógica é breve e, consequentemente não é assustadora. Para lê-la com a

reflexão que ela exige, será preciso dispor apenas do tempo que se perderia para ler

uma outra lógica”. (p.136) Ele adverte que como toda a arte de raciocinar é uma

língua bem feita, estudar a ciência é estudar uma língua, e aprendê-la é familiarizar-

se com sua língua, o que só ocorre por seu uso. É preciso então ler, reler, falar do

80

que se leu, diversas vezes. A compreensão depende de se haver assegurado sempre a

compreensão das idéias precedentes. Isso é fundamental para que a leitura dessa

Lógica seja sempre fácil. E ainda previne que ao encontrar alguma dificuldade na

leitura, não a atribuam à obra, pois esta Lógica é uma obra que será lida tão mais

facilmente quanto mais ignorante for o leitor, mas aos preconceitos e maus hábitos

já adquiridos, assim aconselha: desfaçam-se destes hábitos e raciocinarão bem.

Condillac resume assim sua Lógica:

É assim que tentamos raciocinar nesta obra. Observamos a natureza e aprendemos, por meio dela a análise. Com este método, estudando-nos e havendo descoberto, por uma seqüência de proposições idênticas, que nossas idéias e nossas faculdades são apenas a sensação que toma formas diferentes, asseguramo-nos da origem e da geração de umas e outras. (p.135-136)

5. Considerações

Condillac mostra que só é possível abstrair e generalizar a

partir da análise, e que esta só se realiza com a mediação dos signos. Bem, abstrair,

generalizar e usar a linguagem matemática são aspectos aos quais atribuímos grande

parte das dificuldades enfrentadas na educação matemática.

Para ele, se seguíssemos o método da análise não teríamos

problemas, uma vez que não existe idéia geral que não advenha de uma idéia

individual originada pelas sensações, ou ainda que toda idéia abstrata se forma como

parte destacada de idéias individuais.

A análise, por meio da decomposição e recomposição, seria capaz de

nos oferecer uma linguagem perfeita, na qual signo e objeto apresentem

imediatamente a relação de significado. Seríamos capazes então de compreender

qualquer idéia, por mais abstrata que fosse, pois a análise nos dá condições de

refazer o caminho de sua geração, e neste caminho perceberemos como ela foi

destacada de idéias individuais, das relações que existem entre elas até chegarmos ao

objeto que a originou.

81

Fazer uso da língua algébrica no sentido de Condillac, seria

transformar nossa educação matemática, passando a enfatizar não as operações

algébricas em si, mas trabalhando as relações representadas pela linguagem

algébrica. Os estudantes ainda procuram por objetos, ao passo que deveriam então

estar à procura de relações.

Admitir a linguagem algébrica assim é um passo para atingir o que

propôs Freudenthal, sobre trabalhar a álgebra partindo das relações de objetos,

simbolizados, mas variáveis. Não estaríamos num nível de escrever e classificar ao

invés de construir ou definir um objeto, mas vislumbraríamos um salto qualitativo

ao desvincularmos a álgebra da aritmética.

82

Capítulo 3 – AS FUNÇÕES SEMIÓTICAS E A LINGUAGEM

MATEMÁTICA

O objetivo do processo ensino aprendizagem em matemática não

consiste na memorização de regras, ou do domínio da sintaxe de uma língua. A

memorização e operacionalização de regras são apenas partes do objetivo. O que se

entende por aprendizagem em matemática é a capacidade de transpor o

conhecimento adquirido a uma situação nova, de criar estratégias de ação para

resolução de situações problema, como e quando exigidas. Assim, o objetivo do

processo ensino aprendizagem passa a ser a construção de uma estrutura de

conhecimento, ou como diz Skemp88, uma estrutura conceitual.

O grande problema é que apesar de tantas mudanças, pesquisas e

metodologias, a educação matemática não tem conseguido realizar esta tarefa. Para o

matemático francês René Thom89 (1923-2002), o grande problema da educação

matemática, e da própria epistemologia da matemática, não está na questão do rigor

dos métodos ou definições, mas na questão da existência dos objetos matemáticos.

Foi categórico em sua palestra proferida em 1972 durante o Congresso Internacional

de Exeter, em colocar como ponto central desta questão o problema do significado:

O real problema que confronta o ensino da matemática não é o do rigor, mas o problema do desenvolvimento do ‘significado’, da ‘existência’ de objetos matemáticos.90

Thom se refere ao fato dos objetos matemáticos não existirem

independentemente da teoria ou das atividades dos pesquisadores, como ocorre em 88 SKEMP. R.R. Mathematics in the primary school. 1991 89 René Thom, matemático francês, nascido em Montbéliard, Doubs, fronteira suíça, Medalha Fields (1958), a maior premiação internacional para os matemáticos, equivalente ao Prêmio Nobel, e criador da Teoria da Catástrofe (1972), fundamental para a teoria da complexidade. 90 THOM, René. Modern Mathematics: Does it Exist?, in: A.G. Howson (ed), Development in Mathematica. l973, p.202

83

outras ciências empíricas. No caso da matemática seus objetos são sempre objetos da

atividade matemática, sua existência é diferente da existência concreta com a qual se

está acostumado na vida cotidiana, uma vez que os objetos matemáticos não

pertencem a nosso ambiente empírico e não fazem parte das nossas experiências

diárias.

Os objetos matemáticos só existem dentro de uma estrutura, pois eles

não representam algo concreto no mundo real, eles apenas têm sentido enquanto

representantes de um papel dentro de uma estrutura. Sobre isso Davis e Hersh

escrevem:

[...] Poder-se-ia pensar que a noção de existência é clara, mas em verdade há graves dificuldades lógicas e psicológicas associadas a ela. A concepção dos inteiros pequenos, como 1, 2, 3 etc., pode ser proveniente de um ato de abstração. Mas o que diremos do número 68.405.399.900.001.453.072? Como é extremamente provável que alguém jamais tenha visto um conjunto com este número de objetos, ou lidado com ele, e percebido assim seu sabor numérico característico, é claro que a existência deste número grande como um objeto matemático está baseada em outras considerações. Em verdade, nós o escrevemos. Podemos, se quisermos, manipula-lo; por exemplo, podemos facilmente duplicá-lo. Podemos responder a certas perguntas sobre ele: é par ou ímpar? É maior que 3237.098? Desta maneira, malgrado o fato de que este número não possa ser quantificado diretamente, afirmamos com confiança sua existência, em outro sentido.91

Assim, toda atividade matemática acontece exclusivamente de acordo

com algumas regras da estrutura a qual pertence. Qualquer tipo de interação com

estes objetos mentais só pode ser realizada a partir de signos, pois regras só se

aplicam a coisas concretas. Justamente por isso o pensamento simbólico é tão

importante na matemática. As idéias e conceitos só se tornam objetos quando

representadas.

A representação desempenha um papel fundamental no domínio da

linguagem matemática. A compreensão de objetos matemáticos pressupõe a

utilização de uma linguagem específica de características diferentes da linguagem

comum. Por exemplo, para a compreensão do valor relativo dos números, dos

algoritmos das operações, das simplificações de frações, das resoluções de equações,

91 DAVIS & HERSH. A experiência Matemática. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989, p.173.

84

das resoluções de integrais etc., necessitamos, além do conhecimento conceitual, do

domínio das regras sintáticas e das convenções de notação do simbolismo

matemático. Assim sendo, uma expressão algébrica pode ser representada da

seguinte forma:

1. Linguagem algébrica: (a+b)² = a² + 2ab + b²

2. Linguagem comum: “O quadrado da soma de dois números é igual à

soma dos seus quadrados adicionada ao dobro de seu produto”.

3. Representação geométrica:

Fig.3 Representação geométrica do Quadrado da soma de dois termos

A respeito desse exemplo Kimura considera que:

Para as pessoas que não entendem a linguagem algébrica, a linguagem comum é muito mais significativa; seu entendimento depende apenas de ter alguma idéia do conceito de quadrado de um número e de produto. A história da matemática mostra como a invenção de novos símbolos lingüísticos foi determinante para o desenvolvimento matemático. Por exemplo, a numeração de caráter aditivo utilizado desde a Antiguidade emperrou o desenvolvimento da aritmética, porque durante muitos séculos este tipo de sistema numérico empregou procedimentos longos e cansativos. 92

A semiótica, pode ser definida como a ciência geral dos signos,

abrangendo todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é,

sistemas de significação, ocupando-se do estudo do processo de significação ou

representação dos objetos ou fenômenos, na natureza e na cultura, do conceito ou da

idéia. Essa capacidade representativa é denominada de função simbólica, ou 92 KIMURA, Cecília Fukiko K. O jogo como ferramenta no trabalho com números negativos: um estudo sob a perspectiva da epistemologia genética de Jean Piaget. Tese de Doutorado - PUC/SP, 2005, p. 170

85

semiótica, ou ainda representação. Neste sentido, o ato de representar pode ser

entendido como uma relação que indica alguma outra coisa. Na matemática, quando

perguntamos qual o valor de x, ele está representando algo que se deseja determinar,

seja esse algo uma medida, um lucro, uma idade, um percentual etc. Assim, uma

abordagem semiótica das representações dos objetos matemáticos torna-se

imprescindível para uma melhor compreensão do processo de significação na

educação matemática.

3.1 – A semiótica

Todo e qualquer conhecimento só é possível por intermédio dos

signos, mas não existe caminho direto da linguagem ou representação para a

realidade. Não apreendemos o objeto real em nossa mente. Não seria possível fazê-

lo devido às nossas próprias limitações, de modo que este acesso aos objetos, sejam

eles reais ou não, é sempre mediada por signos. Então a estrutura e funções dos

signos e as representações apresentam um campo amplo e complexo para nossa

reflexão.

Dentre as várias definições encontradas nos escritos de Charles

Sanders Peirce, temos:

[...] um signo, o representamen, é algo que, para alguém, represente ou se refere a algo em algum aspecto ou caráter. Se dirige a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez, um signo ainda mais desenvolvido. Este signo criado é o que eu chamo de interpretante do primeiro signo. O signo está no lugar de algo, seu objeto. Está no lugar desse objeto, não em todos os aspectos, mas apenas com referência a uma idéia, que às vezes tenho chamado de fundamento do representamen. (CP 2.228)93.

As três entidades então citadas compõem uma relação triádica:

93 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.46

Objeto

Signo (=idéia)

Interpretante

86

Nesta relação o signo significa “algo” porque está no lugar deste

“algo” (o objeto). Ao vermos uma casa e falarmos a palavra casa, esta produzirá

como interpretante outros signos da mesma espécie: habitação, lar, moradia etc.; se

falarmos homem teremos ser humano, e todos os que possam representar o mesmo

ser bípede, mamífero, racional que a palavra homem representa. Assim cada

interpretante é um signo diferente do mesmo objeto, e por sua vez necessita de outro

signo para sua interpretação, num processo infinito. Podemos concluir que os signos

fazem algo mais do que representar ou substituir as coisas, mas que basicamente

funcionam como elementos do processo de mediação e do pensamento. E cada

pensamento é um processo semiótico, ocorre em termos de signos.

Do ponto de vista da relação de um signo com seu objeto pode-se

dividir o signo em três categorias principais, ou seja, classificando-os com base em

como cada signo representa seu objeto. Peirce declara:

Descobriu-se que há três tipos de signos, que são indispensáveis em todo raciocínio: o primeiro é o signo diagramático ou Ícone, que exibe sua similaridade ou analogia com o tema do discurso; o segundo é o Índice, que, como um pronome demonstrativo ou relativo, força a atenção para o objeto particular intencionado, sem descrevê-lo; o terceiro, ou Símbolo, é o nome geral ou descrição que dá significado ao seu objeto por meio de uma associação de idéias ou conexão habitual entre o nome e o caráter significativo. (CP 1.369)94

Podemos exemplificar dizendo que uma estátua é um Ícone, por sua

semelhança com o indivíduo representado; que a febre é um Índice, porque nos

indica a existência de uma infecção; que a palavra dog é um símbolo, que será

interpretada como resultado de um hábito, e que nada significa para quem não

possui o hábito de falar inglês.

Para melhor compreendermos esta relação triádica e as classificações

dos signos se faz necessário mencionar as categorias fenomenológicas de Peirce, que

na verdade são as modalidades mais universais e gerais por intermédio das quais se

dá a apreensão-tradução dos fenômenos que se apresentam a todo homem, a cada

instante e em todo lugar ao longo da vida. Peirce chama de fenômeno tudo aquilo

94 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.10

87

que se apresenta à nossa mente, seja algo real ou não, uma batida de porta, um

cheiro de perfume, uma dor no braço, uma lembrança, sejam pertencentes a um

sonho ou a uma idéia geral e abstrata da ciência.

As três categorias Primeiridade, Segundidade e Terceiridade são

assim definidas por Peirce:

Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a mais nada.

Segundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é com respeito a um segundo, mas sem considerar qualquer terceiro. Um primeiro é algo como aparece em si próprio, um segundo é algo como aparece em reação a alguma outra coisa, mas sem qualquer inteligibilidade ou mediação.

Terceiridade é mediação, é o modo de ser daquilo que é tal como é ao trazer um primeiro e um segundo em relação com um outro”. (CP 8.328).95

A Primeiridade é então a categoria da qualidade do sentimento, a

primeira apreensão dos fenômenos, é o puro sentir. A segundidade é a categoria das

existências particulares, da consciência reagindo em relação ao mundo, ainda sem

governo da camada mediadora da intencionalidade, razão ou lei. A Terceiridade é a

reunião da Primeiridade e da Segundidade numa síntese intelectual, ou seja, ao

pensamento em signos por intermédio do qual representamos e interpretamos o

mundo. Num exemplo poderíamos dizer que perceber o azul simples e categórico, a

mera e simples qualidade do azul é a Primeiridade; que perceber o céu como lugar e

tempo, o aqui e agora, onde se encarna o azul é a Secundidade; e que a síntese

intelectual, a Terceiridade é elaboração cognitiva: “o céu é azul”. Ou seja, uma

proposição representa Terceiridade ou o sujeito da frase sendo um Segundo e o

predicado um Primeiro.

Assim ao perceber um fenômeno, percebemos um Primeiro em

relação com um Segundo mediado por um Terceiro, quer dizer, nós percebemos um

fenômeno por meio de um signo. Percebemos a realidade por meio de signos. Sendo

que é na Terceiridade que se encontra a noção de signo genuíno ou triádico, ou seja,

95 PEIRCE apud OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.26

88

a categoria da representação. Por exemplo, para refletir ou discutir uma coisa

precisamos exprimi-la em termos de sentenças ou afirmações. Isto significa que cada

reflexão, ou seja, que qualquer pensamento sobre pensamentos ou fatos exige

Terceiros, isto é, símbolos.

O quadro abaixo apresenta a divisão dos signos segundo as

tricotomias mais relevantes, na relação do signo consigo mesmo, do signo com seu

objeto e do signo com o seu interpretante, nos remetendo às categorias citadas.

Signo em relação a si mesmo

Signo com relação ao seu objeto

Signo com relação a seu interpretante

PR

IME

IRID

AD

E

quali-signo

Signo em si mesmo como mera qualidade

Ex: a brancura

Ícone

O signo tenha algum caráter do objeto em si mesmo, guarde analogia ou apresenta alguns traços do objeto.

Ex: Fotografia

Rema

O representa como um signo de possibilidade. O signo representa uma informação, apenas a informação em si mesmo.

Ex: palavra

SE

GU

ND

IDA

DE

sin-signo

Signo como existente real

Ex: a brancura do traje da noiva

Índice

O signo tem uma relação existencial com o objeto, existe um porque existe o outro.

Ex: uma pegada

Dicente

O signo expressa, carrega a informação de algo. Declara um fato.

Ex: proposição

TE

RC

EIR

IDA

DE

legi-signo

Signo como lei geral

Ex: a brancura representa pureza

Símbolo

O signo tem uma relação convencionada, uma lei, um hábito ou um acordo social, assim não é singular, mas geral.

Ex: a bandeira do país

Argumento

O signo diz algo mais, carrega a informação de algo em relação a uma terceira coisa, é um raciocínio, uma conclusão.

Ex: argumento

De modo geral, no desenvolvimento deste trabalho adotaremos

apenas as nomenclaturas: Ícone para um signo da Primeiridade, Índice para um

89

signo da Segundidade e Símbolo para um signo da Terceiridade, sem nos atermos a

distinção da relação com ele próprio, com seu objeto ou representante.

3.1.1 – Os ícones e a matemática

Santaella96 ressalta que como os ícones estão relacionados às

qualidades do fenômeno, e estas podem substituir qualquer coisa que a elas se

assemelhe, por isso os ícones têm um alto poder de sugestão. Na verdade, um ícone

não representa efetivamente nada, apenas apresenta, de modo que o interpretante que

o ícone está apto a produzir é uma mera possibilidade, uma conjectura ou hipótese.

Assim, o ícone é um signo, cujas condições de significação dispensam a existência

de seu objeto.

Os ícones que representam seu objeto por semelhança são chamados

hipoícones e classificados em níveis. No primeiro nível estão as imagens, pois a

qualidade de sua aparência é semelhante à qualidade da aparência do objeto que a

imagem representa, como no caso de uma fotografia. No segundo nível temos os

diagramas, que por analogia representam relações entre as partes de seu objeto,

utilizando-se das relações análogas em suas próprias partes, como é o caso das

equações na álgebra. Peirce nos apresenta o seguinte exemplo:

Isto é um ícone, pelo fato de fazer com que se assemelhem quantidades que mantém relações análogas com o problema. Com efeito, toda equação algébrica, é um ícone, na medida em que exibe, através de signos algébricos (que em si mesmos não são ícones), as relações das quantidades em questão. 97(CP 2.282)

No terceiro nível então estão as metáforas, que são justaposições

entre duas ou mais palavras que põe em intersecção o significado convencional 96 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? 2003 97 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.66

90

dessas palavras, como quando dizemos “Ana é uma rocha”, para nos referirmos às

qualidades de firmeza, perseverança frente às adversidades, constância, que na

verdade são qualidades da rocha.

Um ícone, por prescindir da existência de seu objeto, pode ser pura

ficção, o que é extremamente importante para o tipo de objetos que temos na

matemática. No entanto, seu maior poder está em sua forma, que torna o objeto

visível diante do olhar mental.

Otte explicita que:

Os ícones substituem tão completamente seus objetos que dificilmente podem ser distinguidos deles. Assim são os diagramas da álgebra e da geometria. Os diagramas são essencialmente ícones, e ícones ou imagens são particularmente adequados a tornar apreensível e concebível o possível e o potencial, mais que o real e o factual. A matemática tem sido sempre chamada de a ciência do possível ou do logicamente possível, e para verificar se alguma combinação de asserções é consistente ou logicamente possível, ela deve ser visualizada, porque a dificuldade reside na interação entre as várias afirmações, mais do que em significados particulares como tais.98

A questão de como a matemática é capaz de intuir e deduzir novas

características e relações de seus objetos, considerando que estes objetos não sendo

concretos não podem ser observados e manipulados como nas ciências empíricas, é

uma questão intrigante. Peirce destaca a importância dos ícones no raciocínio

matemático e lógico esclarecendo esta questão:

[...] uma fórmula algébrica é um ícone, tornada tal pelas regras de comutação, associação e distribuição dos símbolos. À primeira vista, pode parecer uma classificação arbitrária denominar uma expressão algébrica de ícone: e que ela poderia ser da mesma forma ou com mais razão, ainda, considerada como um signo convencional composto. Mas não é assim, pois uma importante propriedade peculiar ao ícone é a de que, através de sua observação direta, outra verdade relativa a seu objeto pode ser descoberta além das que bastam para determinar sua construção. Assim, através de duas fotografias pode-se desenhar um mapa etc. Dado um signo convencional ou um outro signo geral de um objeto, para deduzir-se qualquer outra verdade, além da que ele explicitamente significa, é necessário, em todos os casos, substituir esse signo por um ícone. Esta capacidade de revelar verdades insuspeitadas é exatamente aquela na qual consiste a

98 OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.39

91

utilidade das fórmulas algébricas, de tal modo que o caráter icônico é que prevalece. 99(CP, 2.280)

Fazer inferências sobre um ícone, é fazer inferências sobre o próprio

objeto, esteja ele exercendo uma função de identidade, de analogia ou semelhança

estrutural. Assim, a dedução fundamenta a construção de um ícone ou diagrama em

que as relações das partes dos objetos de raciocínio e de experimentação sobre a

imagem na mente e na observação do resultado permitem a descoberta de relações

despercebidas e escondidas entre as partes.

Os professores sempre tentam alertar seus alunos para não

identificarem objetos/coisas e ícones, por causa das constantes confusões que os

alunos fazem quando se altera a imagem icônica. Um bom exemplo pertencente ao

cotidiano escolar é o triângulo genérico, representado geralmente por um triângulo

isósceles ou eqüilátero, sempre com um dos lados horizontal. Ao observar um

triângulo rotacionado e escaleno os alunos se sentem perdidos, não associam mais a

situação apresentada com a estudada anteriormente. Nesse caso, a imagem está

falando mais fortemente do que os conceitos por trás da representação. A dificuldade

está em compreender que um objeto particular (o triângulo isósceles) está

representando um objeto geral (um triângulo qualquer).

Quando os professores pedem a seus alunos que entendam seus

diagramas geométricos como símbolos, de forma genérica, no caso como um

triângulo qualquer, eles estão, na verdade, tirando dos alunos a possibilidade de

selecionar uma perspectiva apropriada dentro da situação matemática considerada, já

que é o ícone, que caracterizado pela indeterminação, torna a escolha de uma

perspectiva apropriada necessária.

99 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.65

92

3.1.2 – Os índices e a matemática

Os índices, como existentes, sempre indicam múltiplas direções, mas

só funcionam como signo quando uma mente interpretadora estabelece uma conexão

com uma destas direções. Um índice não precisa exprimir uma semelhança com seu

objeto, o que importa em um índice é que ele sempre indica uma outra coisa (sobre

seu objeto) da qual ele faz parte, assim seu interpretante se limita à constatação da

relação existente entre eles. É o caso da febre, ela indica que existe uma infecção,

porém, nada mais pode ser acrescentado além da existência da infecção. Assim, o

índice é o signo que significa só por meio de seu vínculo existencial com seu objeto.

Em relação a este aspecto Otte exemplifica:

[...] os usos do inglês comum são confiáveis em nosso discurso sobre índices; o dedo indicador é usado para apontar alguma coisa, por exemplo. O apontar-se para é uma conexão existencial direta com aquilo que é apontado, e assim o é um índice no sentido de Peirce. Índices servem à identidade de referência. 100

Para Peirce, “nenhuma questão de fato pode ser asseverada sem o uso

de algum signo que sirva como índice”101. Se andando por uma rua passarmos por

uma loja e observarmos que a loja tem a vitrine amarela, e exclamarmos: - Olhe que

linda vitrine amarela a daquela loja!. Alguém que esteja conosco naquele momento,

olhará segundo a referência “daquela” loja. Se dissermos a mesma coisa, depois que

virarmos a esquina, e a loja não mais estiver a nosso alcance, a exclamação perderá

o sentido para quem ouve, pois a referência sumiu.

Um exemplo na matemática: é comum a geometria colocar letras em

seus diagramas, essas letras serão usadas para indicar essas partes. É o caso de

colocar A, B e C para determinar os vértices do triângulo e posteriormente fazer

afirmações sobre estes vértices. Assim, A, B e C são índices, porque indicam os

vértices do triângulo construído. Da mesma forma acontecem com letras na álgebra,

que não apresentando nenhuma peculiaridade são consideradas índices.

100 PEIRCE apud OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.26 101 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2003, p.74

93

Peirce diz:

Tudo que atrai a atenção é um índice. Tudo que nos surpreende é um índice, na medida em que assinala a junção entre duas porções de experiência. Assim, um violento relâmpago indica que algo considerável ocorreu, embora não saibamos exatamente qual foi o evento.102 (CP 2.285)

Aquilo que desperta a atenção num objeto, num fato, é seu índice.

Segundo Peirce o índice opera pela conexão de contigüidade de fato entre dois

elementos. Assim um índice sempre nos remete a alguma coisa. Indica-nos a relação

entre dois, nos levando sempre a buscar o elemento com a qual a ligação deve ser

feita, seja esse elemento um objeto real ou imaginário, uma experiência presente ou

passada. O que ocorre é que o significado de um índice está baseado sempre na

experiência vivenciada pelo interpretador. Poderia parecer aqui que os índices são

signos apenas de objetos e fatos concretos, mas não é verdade. Para Pierce:

“[...] Tais considerações poderiam induzir o leitor a supor que os índices se referem exclusivamente a objetos da experiência, e que não haveria uso algum para eles na matemática pura, que lida, como o faz, com criações ideais, sem se preocupar com o fato de elas serem ou não concretizadas em algum momento. Contudo, as construções imaginárias do matemático, e mesmo os sonhos, aproximam-se da realidade a ponto de disporem de um certo grau de fixedez e de quase realidade no objeto com o qual procura conformar-se” 103 (CP 305 ).

Na verdade os índices são imprescindíveis na matemática, eles dão

uma certa legitimidade à existência dos objetos matemáticos, uma vez que indicam

102 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica 2003, p.67 103 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica 2003, p.75

A

G C

O triângulo ACG é isósceles, onde Ĉ e Ĝ são congruentes.

94

uma relação, e uma relação só existe quando se tem em mente um objeto ou

experiência. Sobre isso Otte escreve:

“Do ponto de vista da matemática, a qualidade relativa ao índice é o que realmente torna a abordagem semiótica inevitável, porque ela ajuda a resolver o enigma dos objetos matemáticos”.104

“Os índices, ..., fornecem uma garantia positiva da realidade e da proximidade de seus objetos. Mas aqui também esses objetos podem, como as letras em álgebra ou geometria, pertencer a um mundo completamente virtual”.105

3.1.3 – Os símbolos e a matemática

O poder de representação de um símbolo está no fato de que o que

determina que ele represente seu objeto é uma lei, seja essa lei por convenção ou

acordo coletivo, de modo que um símbolo não designa um objeto em particular, mas

uma classe. Assim, um símbolo não é do tipo singular, mas do tipo geral. Se

pegarmos uma palavra, por exemplo, esta não representa uma coisa existente, mas

uma idéia abstrata, cuja lei de representação está armazenada em nossa mente.

“[...] o símbolo é um signo que se refere ao objeto, que o denota em virtude de uma lei, normalmente, uma associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele objeto”. 106

Por exemplo, quando digo triângulo, refiro-me não só a um triângulo

em particular (este triângulo, por exemplo, seria um índice), mas a uma idéia geral

de objeto que é uma figura geométrica que ocupa o espaço interno limitado por três

linhas retas que se encontram, definindo três lados e três ângulos, e cujos ângulos

internos somam 180º.

104OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.32 105OTTE, Michael. Epistemologia Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.43 106 PEIRCE apud KIMURA, Cecília Fukiko K. O jogo como ferramenta no trabalho com números negativos: um estudo sob a perspectiva da epistemologia genética de Jean Piaget. Tese de Doutorado - PUC/SP, 2005, p. 179

95

Quando alguém diz triângulo, está se reportando ao objeto geral

triângulo, a qualquer triângulo, não a um triângulo particular, e essa generalidade

caracteriza sua natureza simbólica.

Com relação ao interpretante, podemos ilustrar a classificação dando

como exemplo a demonstração de um teorema, em que proposições admitidas se

transformam em outras proposições no decorrer da argumentação com o intuito de

promover uma convicção. As palavras ou termos utilizados fazem o papel de ícones,

pois geralmente servem para evocar uma idéia; as proposições como declaram fatos

são consideradas índices. E o argumento, estabelecendo a estrutura do pensamento

ou um hábito é considerado como um símbolo.

Um exemplo dado por Peirce é a sentença “Chove”, ele escreve:

“[...] o ícone é a fotografia mental composta de todos os dias chuvosos que o pensador tenha vivido. O índice é tudo aquilo por cujo meio ele distingue aquele dia, da forma como está colocado em sua experiência. O símbolo é o ato mental mediante o qual a pessoa marca aquele dia como chuvoso”.107 (CP, 2.438)

Os símbolos por si só nada acrescentam em termos de conhecimento,

ele não é capaz de nos oferecer, como o ícone, a chance de descobertas acerca do

objeto que representa. O que é realmente importante é que um símbolo só existe de

fato se a mente interpretadora estiver predisposta a fazer a conexão entre o símbolo e

seu objeto, por meio de um hábito ou convenção. É isso que confere aos símbolos

uma característica ou função mediadora, pois é somente por meio deles que se é

capaz de realizar o processo de generalização, de pensar sobre o pensamento, em

função das conexões que fazemos por força do hábito ou convenção.

“ [...] assim como aquela famosa pegada que Robson Crusoe encontrou na areia foi um índice, para ele, de que alguma criatura estava em sua ilha, e, ao mesmo tempo, como um ícone, trouxe a idéia de um homem. O índice juntamente com o ícone resultaram na afirmação há um homem na ilha. Essa proposição é, como já foi dito, um símbolo”. 108

107 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica 2003, p.150 108 OTTE. Epistemologia da Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.44

96

O processo de generalização segundo o estruturalismo matemático

construtivo consiste em dirigir a atenção para as propriedades relacionais das

representações matemáticas dadas, transformando-as em novos objetos por um

processo que Piaget chama de “abstração reflexiva”109 e Peirce de “abstração

hipostática”. É por meio deste tipo de abstração que se substitui um sistema de

operações por um objeto integrado, possibilitando pensamento sobre pensamento,

resultando num novo objeto. Aqui está a imprescindibilidade dos símbolos na

matemática, ou seja, sua função mediadora dentro da atividade matemática.

“Os símbolos crescem. Retiram seu ser do desenvolvimento de outros signos, especialmente de ícones, ou de signos misturados que compartilham da natureza dos ícones e símbolos. Só pensamos com signos. Estes signos mentais são de natureza mista: denominam-se conceitos suas partes-símbolo. Se alguém cria um novo símbolo, ele o faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos. Assim, é apenas a partir de outros símbolos que um novo símbolo pode surgir”.110

Os símbolos enquanto rótulos, imprescindíveis na comunicação, não

carregam em si todo o significado de uma idéia ou conceito, ou todas as

características de seu objeto. Não basta olhar ou ouvir o símbolo para nele

identificar as características do objeto ou conceitos ao qual ele está associado. Essa

compreensão é extremamente importante quando nos referimos à educação

matemática, pois para proporcionar o significado de um símbolo para alguém, é

preciso torná-lo observável de algum modo. Sobre isso Otte escreve:

A palavra “Stuhl”, por exemplo, não significa nada para uma pessoa que não saiba alemão. Para proporcionar o significado desse símbolo para uma tal pessoa, é preciso transformá-lo em algo perceptível, um ícone de uma cadeira ou uma exibição do ato de sentar, ou qualquer outra coisa.111

No caso da matemática, uma idéia ou conceito, para ser comunicado,

para ser suscitado (despertado) na mente de outro necessita também de outras

109 O conceito de abstração reflexiva origina-se das ações dos sujeitos sobre os objetos e das coordenações das ações cada vez mais amplamente transformadas em operações e que mais tarde podem se realizar simbolicamente sem se ocuparem dos objetos que se fizeram presentes no início do processo. Sendo então possível abstrair-se relações não observáveis, mas elaboradas na mente. 110 PEIRCE. Semiótica. 2003, p.73 111 OTTE. Epistemologia da Matemática de um ponto de vista semiótico. 2001, p.36

97

representações, como índices e ícones. A matemática não é um estudo dos objetos,

mas das relações entre esses objetos. O que de algum modo pressupõe sempre uma

atividade sobre o símbolo, que ofereça a pessoa elementos sobre os quais ela possa

abstrair o significado do símbolo, formar conceitos, e posteriormente usar essas

experiências para realizar as conexões em seus processos mentais. Assim, podemos

dizer que o símbolo é resultante de uma série de fatores, mas que seu significado

está livre para se relacionar a novos processos, gerando novos resultantes, novos

símbolos.

É justamente por isso que os símbolos são tão importantes na

matemática, pois a associação de idéias e conceitos que nos remete ao objeto geral,

recorrendo a um raciocínio indutivo ou dedutivo, nos dá a condição necessária de

pensar sobre o próprio pensamento.

Deste modo podemos concluir a importância dos signos na educação

matemática dizendo que as representações como ícones nos ajudam a encontrar

outras verdades sobre o objeto representado, além daquelas semelhanças na qual nos

baseamos para determiná-lo; as como índices nos apresentam uma relação com o

objeto, legitimando sua existência; e os símbolos são a própria essência da

matemática, pois sem o símbolo o objeto é apenas uma percepção humana reflexo

do que os sentidos humanos adquirem; porém, substituído por um símbolo o objeto

torna-se completamente abstraído, um simples operando sujeito a certas operações

determinadas, permitindo o pensamento abstrato ou o raciocínio simbólico, enfim, o

pensamento sobre os objetos matemáticos.

3.2 – As três linguagens da matemática por René Thom

O argumento de que as dificuldades dos alunos com a matemática

está em seu formalismo, em sua linguagem própria nos leva a dois caminhos:

primeiro a pensar na matemática como uma língua e, em segundo, na linguagem

matemática com a qual se comunica a matemática aos alunos.

98

Aqui convém lembrar que os próprios professores buscam esse

formalismo, dando ênfase sempre na matemática como uma língua formal, e talvez

isso se deva ao fato de que ensinar a uma quantidade grande de pessoas fica mais

fácil quando se tem o conteúdo padronizado como uma língua do que trabalhar a

poesia que existe nela. Trabalhar com a intuição, com imaginação e criatividade leva

cada pessoa a um caminho distinto. É um caminho fecundo, repleto de idéias novas,

mas que também produz muito “lixo”. Desse modo fica muito difícil de canalizar

esse processo, ou seja, de manter a objetividade, assim os professores acabam

procurando sempre por definições claras e distintas, ajudando a manter a idéia de

que o conhecimento matemático é um conhecimento absoluto.

Se o problema da educação matemática está na sua linguagem, no seu

simbolismo, ou seja, na comunicação dos conhecimentos matemáticos por meio

dessa linguagem, deveríamos então procurar conhecer essa linguagem.

Nosso primeiro problema surge do fato de que a linguagem

matemática não é algo singular, mas plural. O conhecimento matemático se utiliza

de pelo menos três tipos de linguagem, e geralmente estas linguagens, distintas por

suas características, estão presentes nos livros didáticos, muitas vezes exibindo um

mesmo objeto. São elas: a linguagem comum, a linguagem geométrica euclidiana e

a linguagem formal ou algébrica.

3.2.1 – As três linguagens e suas características segundo René

Thom

René Thom em seu artigo “Mathematiques modernes et

mathematiques de toujours” (1974), nos apresenta uma comparação entre os três

tipos de linguagem sob três pontos de vista: 1º) O sentido112 de um elemento: pode-

se formalizar a classe de equivalência definida por um elemento da linguagem?”,

112 No texto optamos por traduzir “sense” por “sentido” ou “significado”, usando “significado” quando declarar referência, ou seja, o objeto designado pelo signo; e por “sentido” quando se reportar ao modo pelo qual a referência é feita, por exemplo a palavra que exprime o conceito.

99

2º) O sentido está intuitivamente claro? Ou seja, temos uma idéia sobre o que nós

estamos falando? e 3º) A riqueza e a pobreza da sintaxe.

Linguagem comum

1°) a classe de equivalência definida por uma palavra (um conceito) normalmente não pode ser formalizada (ela é frequentemente de natureza topológica: invariância de uma forma.) Pense nos sentidos metafóricos, por exemplo.

2°) no entanto, o sentido da palavra é claro.

3°) a sintaxe é pobre. (há poucos tipos de frases nucleares em gramática, e a colocação de frases uma dentro de outras como subordinadas cessa rapidamente: no máximo há três ou quatro possíveis fases de subordinação.)

A geometria euclidiana

1°) o objeto, definido por uma palavra, uma figura geométrica, é formalizável (isso é, suscetível de descrição em algumas palavras como uma função do “ser” elementar, isto é pontos.) Equivalência está definida pelo grupo Euclidiano, um grupo de dimensão finita.

2°) o sentido de uma palavra é claro, porque coincide com a intuição espacial da figura correspondente

3°) a sintaxe é rica, porque descreve todas as posições espaciais respectivas das figuras e as suas deslocações. (No entanto, exprime-se verbalmente por um pequeno número de conceitos, como: a incidência, da qual a combinatória é ilimitada)

A linguagem formal ou algébrica

1°) A classe de equivalência está definida identificando um símbolo escrito com ele mesmo: é então formalizável .

2°) O 'significado' de um símbolo algébrico é estabelecido com dificuldade ou é não-existente.

3°) A sintaxe, que é o modo no qual podem ser combinados possíveis operações, é rica, pois, em princípio, é ilimitada”. 113

O primeiro aspecto que Thom leva em consideração é o da extensão. A extensão de

um conceito é o conjunto de indivíduos que podem ser designados por este conceito.

Sua preocupação é com a questão de se é possível delimitar e distinguir os objetos

113 THOM, René. Mathematiques modernes et mathematiques de toujours. ( 1974)

100

deste conjunto ou não. Na verdade, nem tudo pode ser formalizável, e um exemplo

bem simples são as cores, como formalizar esse conjunto?

Na linguagem comum uma palavra ou conceito nos dá uma variedade imensa de

elementos que pertencem à sua classe de equivalência, ou seja, um conjunto

ilimitado de elementos que podem ser referidos por esta mesma palavra. As relações

de equivalência agrupam elementos que têm características semelhantes ou

compartilham da mesma propriedade.

Peguemos a palavra carro, que segundo o dicionário significa:

1.Veículo de rodas para transporte de pessoas ou carga.

2.V. automóvel (4).

3.Esse veículo, em geral de quatro rodas, quando apresenta as características necessárias para comportar reduzido número de passageiros: Troca de carro todos os anos.

4.Veículo ferroviário destinado ao transporte de passageiros. [Sin., lus., nesta acepç.: carruagem. Cf. vagão (1).]

5.Veículo sem rodas movido mecanicamente: o carro do teleférico;o carro do elevador

6.Parte da máquina de escrever onde é introduzida e fixada a folha de papel, e que se movimenta, ou não, à medida que se produzem as batidas.

7.Tip. Conjunto móvel das prensas planocilíndricas, que inclui o cofre e a mesa de tintagem.

8.Bras. N.E. Pop. Carretel (1) de linha. 114

Agora vamos pensar em todos os elementos que podemos chamar de

carro. Pensar em todos seria impossível, porque temos uma grande variedade,

podemos incluir carros de passeio, caminhões, carros alegóricos, trens, carrinhos de

picolé, carrinho de mão etc. Esta impossibilidade também torna inviável a

formalização deste conjunto, ou seja, inviável apresentá-lo simbolicamente de modo

genérico, explícito e categórico.

Imaginem:

114HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa.

101

C = {x∈C/ x tenha rodas} não incluiria todos os elementos que podemos incluir no

conjunto C (conjunto de carros), por exemplo, o carro do teleférico é chamado de

carro e não tem rodas.

C = {x∈C/ x seja utilizado para o transporte de passageiros e cargas}, muitos tipos

de carro ficariam de fora, e ainda incluiríamos tantos outros meios de transporte que

não são carros, como navios, aviões.

C = {x∈C/ x transporte alguma coisa} Não chamamos um entregador de pizza de

carro.

Já na linguagem geométrica euclidiana, isto não acontece. Se nos

referirmos a uma palavra, ou figura geométrica, somos capazes de formalizar este

conjunto, pensar em seus elementos e determinar a característica comum. Aqui cada

palavra tem uma definição clara, cujos elementos da extensão desta palavra têm uma

característica comum determinada. Se dissermos: retângulo, falamos do conjunto de

todos os retângulos, de todas as figuras que obedecem à definição, e deste modo tal

conjunto será formalizável. Por exemplo: se a definição de retângulo for um

paralelogramo cujos lados opostos têm a mesma medida e cujos ângulos internos são

retos, estaremos incluindo qualquer retângulo que pudermos imaginar, e nenhum

outro elemento que não tenha tais características poderá ser incluído.

Na linguagem álgebrica é diferente, pois os objetos do conjunto são

os próprios símbolos, ou seja, a álgebra é altamente formalizável.

Podemos observar isso na definição de Máximo Divisor Comum (MDC), que pode

ser assim formalizada:

Sejam a, b e c números inteiros não nulos, dizemos que c é um divisor comum de a e b se c divide a (escrevemos c|a) e c divide b (c|b). Chamaremos D(a,b) o conjunto de todos os divisores comum de a e b.

mdc(a,b) = max {m / m pertença ao conjunto D(a,b)}.

D(a,b) = { c ∈Z*/ ∀ a e b ∈Z*, c|a e c|b).

O segundo aspecto é o da intensão de um conceito, ou seja, a

compreensão do conceito que diz respeito às características comuns e constitutivas

102

do objeto a que o conceito se refere. A preocupação de Thom aqui em relação à

matemática, é com o fato dos objetos matemáticos terem sua existência vinculada a

uma teoria, dificultando seu acesso intuitivo. Como nos favorecer da intuição para

objetos como vetores?

Na linguagem comum novamente o sentido de uma palavra é vago,

pois as características atribuídas não estão bem definidas, podem variar muito.

Vimos isto no exemplo do carro, ao falarmos a palavra carro, dependendo do

contexto, poderá ser compreendido como carro de boi ou carro esporte, e o

significado, imagem e características são bem diferentes.

Já na geometria o significado da palavra é muito claro, ao falarmos,

por exemplo, em retângulo a intuição, a imagem de um retângulo, nos vem

imediatamente à mente.

Para Thom a linguagem algébrica não tem sentido, não tem

significado. É apenas uma forma de operar.

O terceiro aspecto é a sintaxe, ou seja, “o sistema de regras que

estabelece a possibilidade de combinação dos termos de uma linguagem na

construção das sentenças”.115 Sua preocupação neste terceiro ponto é com a

complexidade das funções operativas de um sistema.

Aqui o quadro se inverte, pois Thom considera que a língua comum

tem uma sintaxe pobre porque mesmo obedecendo às regras sintáticas nem tudo que

se produz é aceitável. Um exemplo: “Ervilhas vermelhas dormem no bosque”, é uma

frase sintaticamente correta, mas não tem nenhum sentido.

Isso já não ocorre na linguagem geométrica, onde a sintaxe são as

regras que descrevem todas as posições de figuras no espaço e os seus movimentos,

ou na linguagem algébrica cujas regras são os axiomas. Tanto sintaxe geométrica

como a algébrica são ricas, pois as possibilidades de combinar estas regras são

ilimitadas.

As três linguagens estão presentes nos textos matemáticos dos livros

didáticos. Suas características a tornam mais ou menos apropriada ao objeto

115 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 1996

103

matemático a ser tratado. No entanto, na maioria dos casos é possível um tratamento

deste objeto com mais de uma linguagem, o que nos traz a vantagem de trabalhar

com uma complementaridade dos aspectos de extensão, intensão e sintaxe, ou seja,

de elementos, características e estrutura.

Ao observarmos a comparação das três linguagens feita por Thom,

podemos perceber que a linguagem geométrica é uma linguagem intermediária,

entre a linguagem comum e a linguagem algébrica. Ela apresenta a vantagem de que

a classe de equivalência de um termo geométrico é formalizável, ou seja, somos

capazes de descrever as características do objeto designado e esta descrição

independe do contexto em que é utilizada, como por exemplo na linguagem comum,

onde a palavra manga pode ser utilizada tanto para designar uma fruta como para

designar um elemento de uma peça do vestuário, ou ainda num sentido metafórico.

Seu sentido é tão claro quanto na linguagem comum, a palavra logo nos remete a

uma intuição espacial do objeto correspondente. E ainda, com base num pequeno

número de conceitos é capaz de descrever um número ilimitado de transformações.

Assim, apesar da Geometria se apresentar então como uma

linguagem em que alia as vantagens da linguagem comum e da linguagem algébrica,

ela não é a que predomina na escola. Ou melhor, a questão é: ela não é preferida

nem por professores nem por alunos. Quando o ensino da matemática, no decorrer

de um ano letivo se concentra no campo geométrico, ainda assim não se percebe

qualquer manifestação sobre uma “mudança” de opinião quanto à linguagem

matemática. O processo ensino aprendizagem centrado na geometria não causa uma

melhoria no entendimento ou na relação do aluno com a matemática. Ensinar e

aprender geometria não é significativamente, nem mais fácil, nem mais difícil do

que álgebra.

No entanto, a associação destas linguagens pode de alguma forma

minimizar aspectos desfavoráveis de uma e de outra. Utilizar a geometria como um

degrau para a compreensão do formalismo algébrico é uma proposta que se baseia

no fato de que a falta de sentido da álgebra possa ser compensada pela clareza de

sentido da geometria. Assim, legitimar geometricamente “emprestaria” um sentido

para a formalização algébrica. Esse é o caso da utilização da área de figuras planas

104

para legitimar transformações algébricas, assim a identidade (a+b)²=a²+2ab+b² é

legitimada não pela propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição,

mas como a equivalência entre a área de duas figuras congruentes.

É possível especular sobre uma quarta linguagem, não abordada por

Thom, a linguagem aritmética. Esta é a linguagem com que começamos na escola,

que tem os números como base. Historicamente também temos um período,

chamado de Aritmetização da Análise, onde os números, em particular os números

inteiros, foram a alternativa para tornar a matemática mais concreta, com

significados concretos, afinal existe coisa mais concreta na matemática do que os

números? Essa língua aritmética então tem sentido e significado.

Existe uma questão complicada entre a aritmética e a álgebra escolar,

pois a álgebra da escola é caracterizada como uma generalização da aritmética.

Assim, a álgebra fica parecendo se resumir à sintaxe da aritmética. Isso é apenas

uma parte muito reduzida de todo o potencial que tem a álgebra.

105

3.2.2 – O uso das três linguagens da matemática no texto.

Observe o texto:

Fig.4 – Representações do problema da altura da montanha 116

Neste exemplo aparecem nitidamente os três tipos de linguagem. A

língua cotidiana descreve a situação, de forma bem coloquial, representada

esquematicamente pelo desenho e suas formas geométricas, completando aspectos

que não ficaram explícitos no texto, como o ângulo de 90°, devido à projeção

ortogonal. Já na representação esquemática aparecem as variáveis h e x.

Ao ler o problema apenas em linguagem coloquial não temos

imediatamente a imagem da situação, e sem ela, fica mais difícil intuir a estratégia

de resolução que podemos usar. O problema foi então resolvido usando a linguagem

116 BIGODE, Antonio José Lopes. Matemática 6ª série. P.206

106

algébrica, que em termos de estrutura e síntese é mais adequada ao trabalho com as

operações.

A interpretação, em linguagem coloquial, do resultado h≅565,74m, e

as possíveis considerações acerca da resposta a ser dada, como por exemplo a

precisão do resultado encontrado não foram indicados.

Um outro exemplo da importância do uso de diversos tipos de

linguagem para representação de um mesmo objeto está na seguinte situação. Muitas

crianças sabem definir um quadrado e um losango (pipa). Determinam bem suas

características, no entanto, se mostram surpresos quando erram na denominação da

figura: Um exemplo comum é a surpresa e resistências das crianças em admitir que a

figura seja um quadrado, no caso é a sintaxe, as transformações no plano, que

garante que � e � são iguais.

Isso se deve ao fato de levarmos em consideração não apenas a

figura, mas como ela é colocada no espaço. Quanto mais se tem experiências

relacionadas aos tipos de transformação das figuras no espaço, mais apto se estará a

considerá-las.

A mistura dos três elementos nos textos didáticos mais o recurso dos

diagramas se constitui numa ferramenta exploratória potente, oferecendo subsídios

para utilizar o texto não como registro dos passos para as atividades, mas para dirigir

as atividades de modo a proporcionar a interação entre cognição e comunicação.

A leitura do texto escrito é linear, hierarquizada. Temos uma direção

determinada, uma seqüência. Infelizmente as figuras, imagens, desenhos tem sido

encaradas por professores e alunos como representação simples e estática, meros

acessórios, que estão presentes apenas a título de ilustração.

107

4. COMO APERFEIÇOAR UM TEXTO

E COMO NÃO FAZÊ-LO

Como comunicar o sentido de um objeto matemático por meio de sua

representação? Como comunicar o sentido de um símbolo? Essa é uma questão

fundamental para a educação matemática, considerando que a ação didática é

essencialmente apoiada na comunicação, seja o processo de comunicar realizado por

meio de textos didáticos, nos quais os conteúdos matemáticos são “expostos” e

“explicados”, ou realizado pelo professor em sala de aula.

A comunicação do professor tem como objetivo explicar o conteúdo.

O “explicar” em si já traz controvérsias, pois para a matemática como ciência,

explicar é descobrir as leis capazes de dar conta de um fenômeno, ou seja, usar o

geral e o abstrato para explicar o particular e concreto. Isso acontece, por exemplo,

com a explicação do fato de que 2+2=4. Os Axiomas de Peano nos quais se baseiam

tal explicação são complexos e formais. Uma lei abstrata e geral para explicar um

fato simples e concreto.

Já “explicar” uma coisa em sala de aula significa reproduzi-la

discursivamente, na mente e no discurso, desdobrando-a, ou seja, traduzindo-a

oralmente. No entanto, a maior ênfase da matemática está nas formas, nas estruturas,

e essas não podem ser traduzidas oralmente, elas só podem ser mostradas. Estas

formas e estruturas não carregam em si um sentido, uma intensão, ou seja, elas não

trazem explícitas quais as condições ou propriedades que fazem ou que tornam

outras estruturas semelhantes a ela. Por exemplo, a matriz é uma forma de dispor

elementos em linhas e colunas. É uma forma com a qual podemos operar. Mas uma

matriz não torna explícita as características dos elementos que podem ser assim

representados.

108

Mas ainda existe uma outra questão: o aluno percorre o seu próprio

caminho para a formação de conceitos. Podemos mostrar uma estrutura, dizer a ele: -

Olhe!, chamar a atenção sobre alguns aspectos, mas o processo de abstração, de

generalização e por fim o entendimento são processos individuais, construídos “na”

e “pela” mente da própria pessoa. O problema é que o aluno precisa “ver” algo, mas

não se pode fazer outra pessoa ver. Popularmente dizemos: pode-se levar o cavalo

até a água, mas é ele mesmo que tem de beber.

Na educação matemática isso não ajuda muito, os objetos

matemáticos geralmente não são passíveis de serem apontados como coisas

concretas, e neste aspecto a intuição é algo fundamental na matemática, pois ela

pode deflagrar e conduzir o processo de abstração. Mas a observação que nos instiga

a intuição é sempre sobre objetos particulares, sobre fatos particulares e não gerais.

Por outro lado, a língua comum que domina nossa comunicação

depende muito das experiências que temos. Para que haja uma boa comunicação,

para que a mensagem que chega ao destinatário seja a mais fiel possível à intenção

do locutor, é necessário que os códigos de linguagem utilizados façam parte das

experiências de ambos. Na verdade, essa característica dificulta muito a

comunicação de coisas novas, sobre as quais o destinatário não tem nenhuma

experiência anterior. O mais comum nesses casos é a utilização de metáforas, a

maior parte das palavras novas começam como metáforas e só depois a gente

esquece seu significado original e as entende literalmente. Elas funcionam como um

tipo de ícone, ou seja, como imagens que trazem a nossa mente relações conhecidas

que se transferem para situações desconhecidas. Quando fazemos a transferência

temos então uma primeira experiência, e sobre essa primeira experiência podemos

começar a nos comunicar.

Assim, podemos perceber que se por um lado temos as necessidades

da comunicação, como por exemplo a de experiências anteriores e de explicar tudo,

por outro lado temos a matemática com uma série de coisas novas, em que o aluno

nunca teve uma experiência prévia e inúmeras situações onde a estrutura precisa ser

“vista”, pois é impossível de ser traduzida.

109

4.1 Comunicação vs representação

John Playfair (1748-1819) em 1808, quando escreveu a resenha da

interpretação geométrica dos números imaginários de Bueé, expressou a diferença

entre a linguagem algébrica e as outras linguagens em relação à comunicação

dizendo:

“A linguagem da álgebra merece a atenção, não apenas dos matemáticos, mas de todos os filósofos que estudarão a influência que os signos têm na formação das idéias, e na aquisição do conhecimento... (Comunicação) é o principal em relação às outras linguagens, enquanto que em relação à linguagem algébrica é secundário e acidental. ... Além disso, na linguagem algébrica, o que é mais curioso... é a aplicação de expressões imaginárias para a investigação de teoremas, onde a verdade, algumas vezes, é descoberta apenas com a ajuda dos signos, sem qualquer auxílio das idéias que eles representam”.117

Assim, se por um lado a linguagem algébrica não tem, como as outras

linguagens, uma vocação para a comunicação e narração, por outro lado desempenha

um papel fundamental em relação à representação e reificação dos objetos. O fato da

manipulação dos signos na linguagem algébrica nos levar a novas descobertas, como

por exemplo, novas relações entre estes signos, sem o auxílio de qualquer idéia do

que representam é justamente o que dá poder à essa linguagem, e o que a diferencia

das outras.

Podemos aprender coisas novas acerca de uma situação, por meio da

narração em língua materna. Entendemos e damos não só sentido, mas também

referência a cada signo utilizado. Quando isto não acontece, nós paramos a narração

e pedimos explicação. Se vai me contar um fato e começa dizendo: O João saiu de

casa logo depois do almoço, eu interrompo e pergunto qual João, pois não conheço

nenhum. Sem saber quem é o João, a informação nada me diz. Depois de esclarecido

a respeito de que pessoa estamos realmente falando, a narração segue: Pegou sua

pelota e acabou fazendo o maior estrago na porta de entrada do edifício. Como não

sei o que significa a palavra pelota, não dá para se ter uma idéia do que ocorreu,

117 PLAYFAIR, John. The Edinburgh Review, April 1808, 306f, apud OTTE, Michael. Certainty, Explanation and Creativity in Mathematics. final draft plenary lecture PME31, Seoul 2007

110

mesmo que o narrador esteja usando corretamente a sintaxe da língua. A menos que

seja explicitado que uma pelota significa uma bola de futebol, e que o estrago ao

qual o narrador se refere é a quebra do vidro da porta de entrada do prédio, não vou

poder inferir que ele pode ter quebrado o vidro da porta de entrada do prédio ao

jogar a bola dentro do hall de entrada.

Na linguagem algébrica isso não ocorre. É possível “falar” sobre

coisas da qual não temos uma referência, e ainda assim descobrir coisas novas sobre

elas. Podemos mostrar parte dessa idéia com uma matemática escolar bem

elementar, a resolução de problemas por meio de equações. Quando ao ler o

problema determinamos que x representa o número de pessoas e modelamos a

situação como 3x + 2 = 42 – x. Após a modelagem não pensamos mais em “número

de pessoas”, nos concentramos apenas nas transformações algébricas permitidas pela

sintaxe dessa língua. Transformação após transformação vamos fazendo novas

relações, até chegarmos na relação x = 10. Só nesse momento, é que nos voltamos

novamente ao problema e vamos interpretar esse x=10 dentro do contexto dado. E

isto não acontece somente com o cálculo simbólico com as letras da álgebra se

referindo a quantidades numéricas, mas em qualquer sistema de símbolos no qual

ocorra um cálculo simbólico.

No desenvolvimento do conhecimento matemático, o que é mais

importante são as relações expressas entre os signos, e não as suas referências, que

muitas vezes nem são possíveis de determinar, dada a generalidade das operações.

4.2 O contraste entre comunicação e representação

De modo geral, o termo ‘comunicação’ é usado para designar

qualquer ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens. Para ECO um

processo comunicativo é definido como: “[...] a passagem de um Sinal ... de uma

111

Fonte, através de um Transmissor, ao longo de um Canal, até um Destinatário (ou

ponto de destinação)”.118

Assim, uma comunicação é na verdade a transmissão de uma

informação, e esta é avaliada em função do efeito que ela tem no receptor. É como

uma máquina: se eu colocar a chave na ignição e a virar o carro ‘entende’ e começa

a funcionar. A informação “ligue o motor” que está sendo dada à máquina é

“entendida” a partir do momento em que o motor entra em funcionamento. No

entanto, não há necessidade de nenhum processo de significação por parte do

destinatário. O que importa na comunicação é a reação do receptor.

“Num processo máquina a máquina, o sinal não tem nenhum poder ‘significante’: ele só pode determinar o destinatário sub specie stimuli. Não existe aí significação, embora se possa dizer que existe passagem de informação”.119

ECO nos apresenta um modelo comunicacional simples, no qual é

fácil perceber os elementos da comunicação e as noções de Rumor (ou ruído),

Código e Redundância.

“É preciso saber, embaixo no vale, quando uma represa situada no alto, entre dois montes, e regulada por um dique, atinge determinado nível de saturação, a que chamaremos ‘nível de perigo’. [...] uma série de informações podem ser transmitidas da represa, a qual constitui assim a FONTE da informação. Suponhamos agora que um técnico instale uma bóia na represa e ela, atingido o nível crítico acione um aparelho TRANSMISSOR capaz de emitir um SINAL elétrico que viaje através de um CANAL (um fio) e seja captado por um RECEPTOR no vale. O receptor converterá o sinal elétrico numa série de outros eventos mecânicos que constituem a MENSAGEM chegada ao aparelho de destinação”.120

Entre o transmissor e o receptor o artifício que garante que a

mensagem chegue à destinação e que a resposta esperada seja dada, no caso acima

pode ser, por exemplo, o acionamento da válvula que abra a comporta para que o

excedente de água escoe, ou um sinal de advertência para a sala de segurança, é

justamente o CÓDIGO.

118 ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. 2007, p.5 119 Ibid., p.6 120 ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. 2007, p.26

112

O código estabelecido é de forma binária, sim ou não, ligado ou

desligado, passa corrente elétrica ou não passa corrente elétrica. Assim o código

poderia ser +A ou -A, onde +A é o sinal emitido quando a bóia atinge o nível que

sensibiliza o aparelho transmissor.

Mas essa transmissão está sujeita a um RUMOR, ou seja, a algum

tipo de interferência no sinal elétrico, que comprometeria a recepção da mensagem,

tornando-a equivocada ou impossível. Mediante essa possibilidade, faz-se necessário

complicar o código. ECO121 sugere pensar na recepção como lâmpada acesa e

lâmpada apagada. Para complicar o código inclui mais duas lâmpadas, denominadas

agora A, B, C e D, nessa ordem, gerando mais combinações, e agora definindo que

acesas as lâmpadas AC = nível de segurança e BD = nível zero. Certamente que isto

onera os custos, no entanto, torna a transmissão da informação mais segura.

Esse incremento no código, ou seja, dizer com AC o que poderia ter

sido dito por apenas “nenhum sinal” e BD por apenas uma lâmpada acesa +A, é

chamado de REDUNDÂNCIA.

“Introduzi, assim, no código, elementos de “redundância”: o uso de duas lâmpadas opostas a outras duas, para dizer o que podia ser dito com uma simples alternância de aceso-apagado numa só lâmpada, permite-me reiterar a mensagem, apoiá-la numa forma de repetição”.122

A redundância, além de tornar a mensagem mais segura também

provoca a ampliação do número de possíveis informações, já que aumenta muito o

número de combinações. No sentido de que a redundância usa dois elementos para

comunicar o que poderia ser comunicado por um apenas, podemos concluir também

que quanto maior for a redundância, menor será a informação, pois estou usando

muitos elementos diferentes para comunicar uma mesma informação.

A redundância é então o meio mais simples de obter um sistema de

alta disponibilidade. Na teoria da informação redundância de interfaces de rede, de

CPUs, de servidores, de fontes de alimentação interna mantém o perfeito

funcionamento do sistema mesmo em caso de falhas de componentes ou sobrecargas

121 ECO, Umberto. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. 2007, capítulo 1. 122 Ibid., p.7

113

do sistema. A redundância numa Base de Dados, diz respeito à repetição não

necessária dos dados nela contidos. Deste modo podemos concluir que quanto maior

for a redundância menor a quantidade de informação por um mesmo custo.

Até agora a idéia era de uma máquina como destinatário.

Suponhamos agora, trocar essa máquina por um ser humano. Nesse momento,

saímos do âmbito dos sinais para entrar no universo do sentido.

Isso porque digamos que esse homem receba o sinal BD, codificado

como “nível zero” – “Perigo”. Nesse momento em que ele receber o sinal,

provavelmente não se limitará a receber a informação e automaticamente executar

uma ação programada. Junto com a reação desejada para a informação “nível zero”

também outras reações não previstas ocorrerão.

“O símbolo ABC (no nosso exemplo BD), puro evento físico, na verdade, além de ser para ele o significante do significado denotativo “nível zero”, também lhe conota “perigo”. O que não acontecia com a máquina: a máquina recebia ABC e, segundo instruções, reagia devidamente; recebia uma informação mas não um significado: a máquina não sabia o que significava ABC, não compreendia nem “nível zero” nem “perigo”. 123

Assim, instaura-se um processo de significação, onde o sinal agora é

uma forma de significante que o destinatário humano terá de suprir de significado.

No nosso caso, o significante ABC denota (relação direta e unívoca) um significado:

“nível zero”; e o conota (interpretação do destinatário humano) “perigo”.

Podemos fazer um paralelo entre essa situação apresentada por Eco e

a de nosso processo de ensino. Muitas vezes na escola, ao comunicarmos um objeto

matemático, na verdade estamos passando uma informação e desejamos que o nosso

aluno reaja como intencionamos. Isso nada tem haver com o processo de

significação. Como nosso aluno significará tal informação não é levado em

consideração, o que interessa é, por exemplo, se ele consegue reproduzir o algoritmo

informado.

Na maioria das vezes, pela mesma economia de custos que rege a

formação dos códigos, nos abstemos da redundância na ansiedade de “dar” um 123 ECO, Umberto. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. 2007, p.20.

114

número maior de informação. Quando fazemos isso estamos saindo do campo dos

sentidos. É nesse aspecto que podemos dizer que existe uma contradição entre

comunicação e representação.

Esta contradição está justamente no fato de que a comunicação tem

uma informação mais direta tanto quanto menor for a sua redundância, e que na

educação matemática esta redundância é necessária se quisermos adentrar ao

universo da significação. A construção de significados necessita justamente de

redundância, ou seja, um número o maior possível de representações de um mesmo

objeto matemático na intenção de que com a passagem de uma representação para

outra o aluno tenha a oportunidade de abstrair os conceitos formando os

significados. Se por um lado a informação com menos redundância é mais direta e

unívoca, por outro lado compromete o entendimento.

A redundância é algo necessário no ensino. Podemos considerar dois

extremos: o excesso de redundância que pode ser exemplificado com o uso de

algumas metáforas, como o gráfico de setores, por exemplo, que geralmente são

chamados de “gráficos de pizza”. São tão redundantes que não apresentam nenhuma

novidade, nenhum informação adicional, reduzem o novo conhecimento ao

conhecimento antigo. Por outro lado, temos a escassez de redundância, que acaba

por reproduzir o processo máquina a máquina, onde o professor emite um impulso

para que o aluno reaja como intencionado.

Portanto, o sucesso dessa comunicação em sala de aula depende

consideravelmente deste aspecto da redundância, da complementaridade entre

comunicação e significação.

115

4.3 Comunicação vs representação e a melhoria de um texto

matemático

Associamos ao conteúdo matemático o seu caráter genérico, ou seja,

sua tendência à generalização. Essa generalização pode ser entendida de diversas

maneiras, como uma tendência a dar uma forma, a uma lei geral que se estenda a

toda uma classe de objetos, ou em termos mais próximos de nossa realidade

cotidiana, de encontrar uma regra.

Considerando que o conhecimento esteja apenas relacionado à

linguagem e à comunicação, essa tendência de generalizar em matemática acaba por

separar a forma do conteúdo. A língua materna serve para comunicar, explicar um

conhecimento, e a língua matemática (a algébrica em particular) serve para

representar as coisas, para indicar a forma. Para OTTE,

“Teorias de verdade são de pouca ajuda para entender como usamos nossa linguagem ou textos. Na realidade, quando nós não entendemos um texto, é mais freqüente que isso seja um problema de contexto, intenção ou relação, do que um problema de significado. O que impressiona as pessoas sobre os textos matemáticos é, em particular, como o aparecimento da coerência racional pode ser derivada de fundamentos essencialmente arbitrários”. 124

Entender se os juízos contidos no texto são verdadeiros ou não, e em

que termos, não nos auxilia a compreender o que está escrito. Quando não

entendemos o significado de um texto, geralmente essa incapacidade não está

relacionada aos objetos aos quais o texto se refere, mas indica que não captamos, ou

melhor, não estamos inseridos no contexto em que se realiza o texto; ou nos faltam

os conceitos representados pelos signos ali mencionados; ou por não conseguirmos

relacionar o que esta sendo ‘dito’ com outros aspectos que já conhecemos.

A idéia de melhorar um texto matemático, talvez parta da intenção de

tornar mais explícito o contexto, os conceitos subjacentes e necessários à

compreensão, ou o que acho que é feito com mais ênfase, colocar no próprio texto

124 OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994

116

aspectos que nos induzam a relacionar o que está sendo ‘dito’ com algo que já nos

seja familiar, para que as ligações entre o novo e o que já conhecemos possam ser

feitas mais imediatamente.

Com o objetivo de melhorar os textos para torná-los otimamente

legíveis, surgem vários sistemas, métodos e prescrições para a confecção de textos

didáticos de matemática. OTTE nos apresenta o Mathematik Verständlich Erklären

(Schulz von Thun e Götz)125, um típico e amplamente difundido exemplo de tal

sistema que também inclui um programa de treinamento especial para autores. Na

coleção de exercícios que acompanham este curso, há também duas variantes de um

texto no tópico de Segmentos Comensuráveis do famoso livro O que é Matemática?

de Courant & Robbins126, e uma ‘melhoria’ desenvolvida pelos autores deste

programa de treinamento.

Estas duas versões foram testadas empiricamente, a segunda versão

que tinha sido otimizada de acordo com o sistema, obteve julgamentos

consideravelmente melhores dos avaliadores. Geralmente ao se apresentar os dois

textos para grupos de professores de matemática envolvidos com o 1º e 2º graus, se

confirma quase unanimemente que a preferência é pelo segundo texto, com o

argumento de que é bem melhor de ser lido, mais claro.

O texto didático com o objetivo da legibilidade ótima seria

caracterizado por evitar variáveis, fórmulas e diagramas; por contar com clareza e

objetividade. Deste modo se conseguiria minimizar a dificuldade encontrada pelos

leitores de textos matemáticos em relação à presença de grande variedade de

sistemas de representação e da estranheza comum à simbologia. O texto matemático

perderia aquelas características que o fariam rapidamente reconhecidos, mas tornar-

se-ia de fácil leitura, pois estaria mais próximo de um texto comum, que conta

apenas com a linguagem e elementos próximos ao cotidiano dos alunos.

A seguir apresentamos o texto original que é o da Introdução do §2.

Segmentos Incomensuráveis, números irracionais e o conceito de limite, página 70

125 Schulz von Thun e Götz. Mathematik Verständlich Erklären (1976) in OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994. 126 COURANT,Richards e ROBBINS, Herbert. O que é Matemática?. 2000.

117

do livro de Courant e Robbins: O que é Matemática?, e que explica o que é um

segmento comensurável, como segue:

E a seguir o texto apresentado como uma melhoria:

Ao comparar as magnitudes de dois segmentos de reta a e b, pode ocorrer que a esteja contido em b um número r, inteiro, exato de vezes. Neste caso, podemos expressar a medida do segmento b em termos da medida de a, afirmando que o comprimento de b é r vezes o de a. Ou pode resultar que embora nenhum múltiplo inteiro de a seja igual a b, podemos dividir a em, digamos, n segmentos iguais, cada um de comprimento a/n, de tal forma que algum múltiplo m inteiro do segmento a/n seja igual a b:

(1) b = m/n . a

Quando uma igualdade da forma (1) é válida, dizemos que os dois segmentos a e b são comensuráveis, uma vez que eles tem como medida comum o segmento a/n que está contido n vezes em a e m vezes em b.

| | | | | | | | |

- 2 -5/3 -1 0 ⅓ 1 ½ 2 3

Figura 9: Pontos Racionais

“Dizemos que dois segmentos são comensuráveis se tem uma medida comum. O que significa dizer ter uma medida comum?

Supomos que um segmento tenha 3cm e outro 9cm. Esses dois segmentos são comensuráveis. A medida comum é 3cm, que cabe 1 vez no primeiro segmento e exatamente 3 vezes no segundo.

Supomos que um segmento tenha 6cm e outro 10cm. Esses dois segmentos são comensuráveis. A medida comum é 2cm, que cabe 3 vezes no primeiro segmento e exatamente 5 vezes no segundo.

Mesmo para dois segmentos, como por exemplo, 1,67cm e 4,31cm, é fácil encontrar uma medida comum: 0,01cm, que cabe 167 no primeiro e 431 vezes no segundo.

O que esses exemplos estão nos mostrando? Dois segmentos são comensuráveis se um deles (ou uma fração) está contido dentro do outro, sem resto.”

118

De fato, considerando apenas o aspecto da pura legibilidade, o texto

melhorado é muito bom. É um texto claro, direto, deixa muito pouca margem para

dúvidas, e com o encadeamento das idéias como se fosse uma demonstração, uma

prova. A eliminação dos diagramas e variáveis do texto original dá uma sensação de

familiaridade ao texto, tornando-o mais próximo do que nos acostumamos a ver no

dia a dia.

O texto original baseava-se em segmentos de reta quaisquer, e a idéia

era apresentada de forma bastante geral, auxiliada pelas variáveis. No texto

melhorado, estes segmentos de reta foram substituídos por relações entre números

decimais finitos. Esta troca aparentemente ideal, já que as medidas em números

decimais finitos são familiares e corroboram com a idéia geral do senso comum de

que matemática é sobre cálculos e medidas, na verdade faz desaparecer todas as

possibilidades de se cogitar a incomensurabilidade.

As relações entre números decimais finitos, que aparecem desde o

início do texto, estabelecem a certeza de que sempre vai existir uma medida comum.

Em nenhum momento, dentro do texto melhorado, se tem a mais remota chance de

suspeitar que não exista uma medida comum, portanto, deixa implícito que todos os

segmentos serão sempre comensuráveis. Considerando que o objetivo do assunto é

estudar a incomensurabilidade, podemos afirmar que o objeto matemático que se

quer ensinar de alguma forma desapareceu quando a substituição foi efetuada.

Em outras palavras, enquanto se pode dizer que é comensurável, não se pode mostrar o incomensurável. O objeto do texto original não consiste em uma circunscrição definitiva de comensurabilidade, mas foi ocasionado pelo problema da incomensurabilidade que continua causando surpresa, especulação e contemplação desde a Antiguidade. Este é o próprio objeto matemático. O fato de que a busca de uma medida comum poderia nos levar a um processo sem fim, infinito! Os leitores do texto melhorado estariam corretos assumindo que dois segmentos de reta são sempre comensuráveis, isto é, sempre terão uma medida comum. A respeito desta questão eles não poderiam obter nenhuma informação do texto melhorado. Mostrando uma coisa, a versão ‘melhorada’ esconde a outra, justamente aquela que é o seu propósito. 127

127 OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994

119

A pergunta seria, o que no texto original nos dá o acesso, a

possibilidade de pensar que não é possível encontrar sempre uma medida comum? A

resposta é justamente o que foi “condenado”, ou seja, a generalidade, as variáveis o

a representação visual.

As variáveis e diagramas no texto original representam um tipo de metáfora por meio da qual uma distinção ou limitação torna-se imaginável, ao invés de mostrar apenas um lado da situação.128

Como o texto original mostra que a busca de uma medida comum

pode nos levar a um processo infinito? Pelo simples fato de que precisamos pensar

nos elementos que são capazes de satisfazer à essa condição expressa genericamente

pela equação (1) b = m/n . a . O segmento a cabe r vezes em b? Para todo b

escolhido sempre vai existir o a ou uma fração de a?

A idéia da incomensurabilidade só pode ser acessada durante um

processo. Não há como apreender diretamente o assunto. Se assim fosse, as pessoas

que acham o segundo texto melhor, como se pudéssemos apreender a idéia da

incomensurabilidade diretamente, não teriam porque rejeitar diagramas geométricos.

Assim, mostrar a incomensurabilidade usando a visualização do processo de

verificar se o lado de um pentágono e a sua diagonal são comensuráveis, ou seja, se

existe uma medida comum, nos mostra o processo recursivo, de auto-similaridade,

em cada vez surge um novo pentágono, sempre semelhante ao inicial, nos levando a

percepção de que é impossível achar uma medida comum. “A invariância sobre a

semelhança geométrica demonstra visível e diretamente que o lado e a diagonal não

tem nenhuma medida comum”.129

É bem verdade que nenhum processo nos leva a descobrir a

incomensurabilidade. O que ocorre é que o processo favorece, desencadeia uma

reflexão sobre a atividade de buscar uma medida comum. Não é a atividade em si

que nos faz perceber a incomensurabilidade, mas a reflexão sobre ela, sobre o

processo recursivo que se estabelece.

128 OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994 129 OTTE, Michael. Mathematical Knowledge and the Problem of Proof, 1994

120

Assim, o que nos leva a pensar na incomensurabilidade é a atividade

mental gerada pela procura de uma medida comum entre os segmentos. Esta

atividade simplesmente não acontece no texto melhorado.

A pergunta que fazemos é: se a linguagem matemática, com seus

símbolos, surgiu exatamente da necessidade de representação de seus objetos, como

seria possível prescindir de sua linguagem para comunicar os conceitos

matemáticos?

O exemplo dos incomensuráveis nos mostra o cuidado que

precisamos ter quando tentamos “melhorar” a legibilidade de um texto matemático,

a linguagem matemática é uma linguagem própria e tem sua função, elimina-la

significa destituir o texto de melhores representações dos objetos estudados. O que

pode resultar numa total perda do objeto matemático, como efetivamente aconteceu

no exemplo dado.

4.3.1 A idéia da incomensurabilidade

A idéia da incomensurabilidade é um caminho para introduzir os

números irracionais. A grande problemática deste conteúdo - “Números irracionais”

– está em dar uma definição para o aluno. O que é um número irracional?

Geralmente, a resposta a esta pergunta é: “um número irracional é aquele que não é

racional”. Esta resposta não é positiva, uma vez que não explicita, não determina,

não diz efetivamente o que é um número irracional.

O encaminhamento deste conteúdo geralmente parte da idéia da

existência de segmentos incomensuráveis, mostrando que a diagonal do quadrado é

incomensurável com seu lado, ou por meio do processo recursivo do pentágono ou

do quadrado, mas não o definem positivamente. Mostrar a existência não é defini-lo.

Melhorar um texto matemático sobre a irracionalidade a partir da

incomensurabilidade deveria ter como objetivo reconstruir o texto colocando a

comensurabilidade e a incomensurabilidade em um mesmo nível, e não definindo

121

segmentos incomensuráveis, como aqueles segmentos que não são comensuráveis.

Ou seja, definir incomensurabilidade de maneira positiva. O ponto de partida

escolhido por muitos autores para introduzir a incomensurabilidade e as idéias de

número irracional e infinito é definir comensurabilidade e incomensurabilidade a

partir da idéia de que:

- Medir é contar “quantas vezes” a unidade cabe exatamente naquilo a ser medido.

Quando essa quantidade de vezes é um número racional dizemos que os segmentos

são comensuráveis, quando essa quantidade de vezes é um número irracional

dizemos que os segmentos são incomensuráveis.

Nesse momento estou associando a idéia de comensurabilidade a

números racionais e a incomensurabilidade a números irracionais. O que me cria um

outro problema, pois freqüentemente o número irracional também é definido

negativamente, ou seja, “número irracional é aquele que não é racional”, como

fizeram os Pitagóricos desde a descoberta de sua existência.

Se conseguir mostrar o número irracional positivamente, terei

conseguido mostrar a incomensurabilidade positivamente também, pois posso usar

desta linguagem e fazer a comparação, ao invés da negação.

Podemos assumir que todos os números são frações decimais:

0,a1a2a3... , e dizer que os racionais são os infinitos e periódicos ou finitos, e que os

irracionais são os infinitos e não periódicos. Mas então surge o problema

representado pelos “...”, como caracterizar o número, como determinar o próximo

decimal? No caso dos números racionais temos sempre um algoritmo que vai

determinar qualquer casa decimal que se deseje, as frações periódicas podem ser

tratadas por meio de séries.

Uma alternativa poderia ser o uso dos números computáveis, ou seja,

encontrar um algoritmo que fosse capaz de gerar os números irracionais.

Conhecemos alguns algoritmos que geram, por exemplo, o número de Euler “℮”,

que é um número irracional importantíssimo por sua larga utilização no campo

científico.

122

Esta alternativa, no entanto, já deve começar a ser trabalhada com

atenção em duas questões iniciais: primeiro de que a maior parte dos números não

são computáveis, e segundo, que mesmo determinando um algoritmo que possa

construir um número irracional um computador não trabalha com a idéia do infinito.

Todo programa é escrito num alfabeto finito, em tamanho finito, de modo que o

conjunto de todos os programas de computação possíveis é um conjunto

enumerável, ou seja tem a cardinalidade dos números naturais.

Mesmo que fossem utilizados processos aleatórios para o

preenchimento dos “...”, por exemplo, pegando um decaedro, de modo que cada

jogada preenchesse a próxima casa decimal, este seria um processo demorado e

imprevisível, pois não tenho uma lei, um algoritmo, e não pode ser realizado por um

computador.

O texto do livro do Courant & Robbins apresenta os números

irracionais por meio das frações decimais e decimais infinitas; por intervalos

encaixados e pelo corte de Dedekind. A questão é: a existência do ponto que

corresponde o número irracional está respaldada por um postulado, e um postulado é

uma proposição cuja verdade já está pressuposta.

Uma outra forma de apresentação está presente no livro Conceitos

Fundamentais da Matemática, de Bento Jesus Caraça130. O autor procura o caminho

da construção dos conjuntos a partir das idéias do Princípio da Extensão, Princípio

da Economia, manutenção das Propriedades Formais. Começa pela construção do

conjunto dos números naturais a partir da idéia de contagem. Passa para os

problemas de medição. Aqui ele argumenta a ampliação dos números naturais como

uma necessidade para responder a questão de que nem toda razão entre um segmento

e a unidade de medida é um número natural. Então amplia o conjunto dos números

naturais para o conjunto dos números racionais. Após a definição de número

racional, lança a seguinte pergunta: É sempre possível encontrar um divisor da

unidade que seja também divisor do segmento ao qual queremos medir? Ele

responde a esta pergunta utilizando-se do clássico teorema de Pitágoras. Ao mostrar

a existência de um número que não é racional trabalha a idéia de infinito e corte de

130 CARAÇA, Bento De Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa: Sá da Costa, 1975

123

Dedekind-Cantor131, construindo o conjunto dos números irracionais e

consequentemente o conjunto dos números reais. No entanto, dar a definição de

número irracional como segue: “chamo número real ao elemento de separação das

duas classes dum corte qualquer no conjunto dos números racionais; se existe um

número racional a separar as duas classes, o número real coincidirá com esse

número racional; se não existir tal número, o número real dir-se-á irracional”,

também o faz num sentido negativo, ou seja, não diz o que é um número irracional.

Barros na apresentação do livro de Richard Morris – Breve História

do Infinito – escreve:

“Em todas as épocas a idéia de infinito parece ter perseguido e desafiado o poder de compreensão do homem. Embora inevitável, uma vez que se impunha e se impõe, o infinito, seja ele relacionado com o infinitamente grande ou o infinitamente pequeno, parece criar um problema cuja solução está longe de ser encontrada. Pensar no infinito não como uma figura de linguagem, mas como algo relacionado com a realidade, não é simples e nos leva a conclusões muitas vezes inaceitáveis e a outras que nos causam complexidade, pois pensar no infinito é pensar no incomensurável dentro de um corpo de conhecimento que se baseia na capacidade de medir”.132

A grande dificuldade em se definir a incomensurabilidade e

consequentemente o número irracional positivamente reside no fato de que este

ainda é um assunto aberto. Mostrar a existência de números que não são racionais,

ou a necessidade de se considerar o infinito, como disse Barros, se impõe à

comunidade científica. No entanto, a idéia de incomensurabilidade e, portanto, da

irracionalidade enfrenta obstáculos na mente humana, seja pelo fato de em nossa

vida diária basearmos nossas atividades na comensurabilidade ou ainda na falta de

compreensão do que seja o infinito real.

A definição de infinito trabalhada por Cantor, de que um conjunto é

infinito se pudermos fazer corresponder biunivocamente cada elemento do conjunto

com um elemento de um de seus subconjuntos o levou a resultados surpreendentes.

Pensarmos que um subconjunto é do mesmo tamanho do conjunto no qual está

131 Julius Wilhelm Richard Dedekind, (1831 - 1916), matemático alemão George Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845 -1918), matemático alemão 132 MORRIS, Richard. Uma Breve História do Infinito. Dos Paradoxos de Zenão ao Universo Quântico. 1998

124

contido, sabendo-se que estes dois conjuntos não são iguais, contraria nosso senso

comum acerca do que venha a ser tamanho, ou de nossa idéia de inclusão,

pertinência e diferença.

Vejo nos livros didáticos uma prepotência e consequentemente uma

desonestidade ao tratar da incomensurabilidade e irracionalidade. Prepotência por

apresentar o assunto como se fosse um assunto “resolvido”, enquanto que para a

própria comunidade científica e filosófica ainda não foi completamente esclarecido,

a ponto de ainda não ter sido dada uma definição exemplar. Dizer que um segmento

é incomensurável quando não for comensurável não é uma definição, mas um

estratégia que esconde toda a riqueza da discussão e importância deste conceito.

Desonestos por não apresentarem tais problemas, como se a compreensão de tais

conceitos fosse uma coisa simples e comum.

Ainda temos o problema de não se ter uma linguagem adequada, que

consiga explicar, ou até mesmo mostrar, o que já é conhecido sobre o infinito e a

incomensurabilidade.

Discutir matematicamente algumas das apresentações deste tema nos

livros didáticos é de extrema importância, mas ainda não é possível dar uma

sugestão em que tais assuntos sejam tratados positivamente. Não há uma definição

de infinito e incomensurabilidade que realmente as caracterize. No entanto,

precisamos de um movimento na apresentação destes assuntos que seja capaz de

levar o leitor a formar intuitivamente tais conceitos.

4.4 A interdependência entre o Sistema Simbólico e o Sistema Conceitual

A matemática pode ser encarada como uma ferramenta mental muito

poderosa, uma vez que nossas estruturas mentais ligadas a ela são altamente

adaptáveis a novas situações, dando-nos subsídios para a resolução de problemas

novos. As idéias presentes na nossa estrutura conceitual são objetos mentais:

invisíveis, inaudíveis. Qualquer tipo de interação com estas idéias depende dos

125

símbolos. Essa relação entre a estrutura conceitual e os símbolos toma uma

dimensão ainda maior se pensarmos que a maioria dos signos matemáticos

funcionam como índices, apenas indicando o objeto, sem nos dar qualquer pista de

suas características ou definições, como faria um ícone.

Segundo Skemp133, o sistema simbólico consiste em um conjunto de

símbolos que corresponde a um conjunto de conceitos, e um conjunto de relações

entre símbolos que corresponde a um conjunto de relações entre conceitos. O

domínio completo do sistema simbólico nos possibilita a constante re-ligação entre

os símbolos e os conceitos, mesmo em atividades que já se tornaram rotineiras, nas

quais trabalhamos automaticamente com os símbolos, sem voltar aos conceitos, e é

justamente este re-ligamento que nos permite adaptar nossos conhecimento a novas

situações.

Símbolos Conceitos

1, 2, 3, ... (numerais) os números naturais

Relação entre símbolos Relações entre conceitos

Está a direita de (no papel) é menor que

Depois no tempo (fala)

Na realidade, durante o processo de ensino aprendizagem, o que os

professores fazem é uma tentativa de comunicar estruturas conceituais (sistema

conceitual) por meio da escrita ou fala de símbolos (sistema simbólico). A estrutura

conceitual é construída individualmente por cada aluno, dentro de sua própria mente,

e Skemp a denomina de estrutura profunda da matemática. A comunicação por

meio dos símbolos ele denomina de estrutura superficial da matemática.

Por trás de um símbolo, ou seja, de um signo está sempre um

conceito. Skemp utiliza os termos "estruturas profundas" e "estruturas superficiais"

para distinguir os conceitos e os processos trabalhados pelo professor em sala de

aula. As estruturas profundas seriam as idéias matemáticas que desejamos

comunicar, e as estruturas superficiais os sistemas de linguagem e símbolos que

representam estas idéias e que nós usamos para comunicá-las.

133 SKEMP, Richard R. Mathematics in the primary school. 1989

126

Podemos entender melhor se pensarmos na necessidade, que se

impõe às crianças desde o início da fase escolar, de diferenciar numeral de número,

ou seja, símbolo de idéia. Ou ainda, se pensarmos nos símbolos 6

3

2

1e

. Eles

apresentam estruturas superficiais diferentes, mas tem a mesma estrutura profunda,

referem-se ao mesmo conceito. Observe o exemplo de valor de lugar:

“Considere o símbolo: 572, ao nível de Superfície (F) nós temos três dígitos em uma relação de ordem simples. Mas ao nível de estrutura Profunda (D) representa:

i) três números: 5 7 2

ii) três potências de dez: 10² 10¹ 10 o

Que corresponde às três posições dos numerais, em ordem da direita para esquerda.

iii) Três operações da multiplicação:

o número 5 multiplicado pelo número 10² (= 100),

o número 7 multiplicado pelo número 10¹ (= 10),

o número 5 multiplicado pelo número 10 o (= 1).

iv) Adição destes três resultados.

Destes quatro conjuntos de idéias no nível de estrutura profunda, somente o primeiro é representado explicitamente no nível de estrutura de superfície pelo numeral 572. O segundo é implicado pelas relações espaciais, não por qualquer marca visível no papel. E o terceiro e quarto não têm nenhuma contraparte simbólica em nada: têm que ser deduzidos do fato que o numeral tem mais de um dígito”. 134

Considerando o sistema de símbolos e a estrutura conceitual podemos

supor, como o próprio Skemp sugere, que um dos maiores problemas com a

aprendizagem da linguagem matemática está na construção de estruturas conceituais

fortes e consistentes, devidamente representadas simbolicamente. É necessário que

os símbolos, na estrutura superficial, estejam bem conectados aos conceitos, ou

corremos o risco de perder completamente o seu sentido e significado.

134 SKEMP, Richard R. Mathematics in the primary school. 1989, p.97

127

4.5 Formas de representação na matemática

A representação é o meio do qual dispomos para expressar a

matemática, pois não há pensamento ou conhecimento sem representações, ou ainda,

não há comunicação matemática sem o uso de uma representação.

Entendemos representação como aquilo que a mente produz, uma

imagem mental de algo, o conteúdo concreto do que é apreendido pelos sentidos, a

imaginação, a memória ou o pensamento, tornando-o um objeto consciente.

Skemp em 1971 publicou o livro The Psychology of Learning

Mathematics, em cujo capítulo 5, discute sobre diferentes tipos de representação,

afirmando que muitas pessoas diferem em sua imagem mental. No entanto não é

fácil determinar que tipo de imagem as pessoas utilizam. Ele apresenta dois sistemas

simbólicos que são utilizados na matemática, símbolos visuais e símbolos verbais,

que poderiam ser chamados de dois tipos de representação. Concebe símbolos

verbais como sendo as palavras, tanto no sentido falado como no escrito; por

símbolos visuais entende aqueles que são expressos por diagramas de todos os tipos,

particularmente figuras geométricas.

Skemp comenta que os símbolos visuais são geralmente mais úteis e

podem ser muito mais compreensíveis do que uma representação verbal-algébrica

das mesmas idéias.

Skemp considera a álgebra como símbolo verbal, que classifica como

uma espécie de taquigrafia, já que “eles podem ser lidos ou comunicados sem tomar

uma forma visual”135, dando o seguinte exemplo: {x: 0x2 ≥ } � “O conjunto de

todos os valores de x tal que x2 é maior que ou igual a zero”. Apesar de não ignorar

o seu aspecto diagramático, Skemp justifica que os símbolos algébricos têm muitos

mais em comum com os símbolos verbais do que com os diagramas e as figuras

geométricas.

Assim, para também considerarmos os aspectos icônicos de uma

fórmula algébrica é mais apropriado definirmos os sistemas simbólicos como

135 SKEMP, Richard. The psychology of learning mathematics. 1971, p. 88-89.

128

sugerido por Otte136, em sistemas simbólicos algébrico-gráfico (para Skemp visual)

e o verbal-numérico (para Skemp verbal algébrico).

Mapas, diagramas de circuitos e desenhos de engenharia são

exemplos em que as propriedades mais importantes de um objeto podem ser

representadas de forma mais eficiente pelo sistema visual do que pelo verbal. Um

exemplo comum disso é que quando desejamos ir a um local desconhecido em uma

cidade, apenas a descrição verbal do caminho não nos deixa seguros. Temos a

necessidade de visualizar tais informações em um mapa desenhado, com os pontos

de referência assinalados. Ao seguirmos uma orientação verbal, se erramos uma

esquina, ou deixamos passar despercebido um referencial, dificilmente

conseguiremos fazer o caminho de volta e repensar o trajeto, muito diferente de

quando temos o mapa.

Na verdade um mapa não significa uma representação fiel. Para

exemplificar podemos pensar nos mapas de metrô. O primeiro mapa de metrô, como

conhecemos hoje, foi o do Metrô de Londres, que sofreu forte rejeição inicial por

não representar uma planta “fiel”. Na verdade, não foi bem aceito por não indicar as

distâncias proporcionais reais, nem os níveis de profundidade de cada estação, nem

uma relação proporcional entre a distância de cada estação umas das outras, e nem

mesmo a disposição real em relação às direções, já que o diagrama só utiliza ângulos

de 30º e 45º. Na verdade, é um diagrama que nos apresenta apenas as relações

necessárias para nossa compreensão como usuário do metrô. Onde quero ir? Que

linha devo pegar? Quantas estações vou passar? Em que posição estou em relação às

outras estações? É tão simples e fácil de utilizar que permanece até os dias de hoje

como modelo pelo mundo todo.

136 CHRISTIANSEN, B, HOWSON, A. G & OTTE, M. What is a text? In. Perspectives on Mathematics Education. 1986.

129

Figura 6 Figura 7

100

300

h

Fig. 5 – Diagrama do Metrô de Londres

É comum, não só na matemática, encontrarmos situações em que

ambos os sistemas simbólicos estão envolvidos, no entanto, um deles tem mais

destaque num primeiro momento. É o que se mostra no exemplo abaixo:

Considere o diagrama da

Figura 6 representando um prédio

de flats no nível do chão. Na

Figura 7 tem-se representada a

observação do agrimensor do

ângulo de elevação do topo da

construção, medido a uma distância de 100m da base.

Verifica-se que o agrimensor e a direção de sua observação são

representados por símbolos espaciais (pontos e linhas) enquanto que as medidas e a

130

altura desconhecida são representadas por símbolos verbal-algébricos. Ambos são

necessários, mas o diagrama é mais útil num primeiro momento por fornecer a

estrutura geral do problema. Ele indica o contexto do qual o cálculo precisa ser

abstraído, que é h = 100 . tg 300.

Falando um pouco mais sobre símbolos visuais Skemp menciona a

geometria como uma das áreas da matemática em que o uso de diagramas é

essencial e afirma que qualquer símbolo visual está associado a conceitos. Assim

todo símbolo visual tem um correspondente símbolo verbal.

No entanto, uma imagem ou a determinação do símbolo visual não

tem características certas, não tem perspectivas certas e únicas, não é tão precisa

quanto se imagina. Ao contrário, é complexa e ambígua, pois no exemplo de Skemp,

não se tem uma tradução única do símbolo verbal, já que uma pessoa poderia falar

que é um trapézio, outra que é um quadrilátero, ou que é um polígono de quatro

lados etc. Todas são respostas corretas, mas o mesmo símbolo visual dá origem a

diferentes símbolos verbais.

Fig. 8 Pato/Coelho

Observando a figura acima, o que você vê? Uns respondem

pato, outros respondem coelho. Ambos estão corretos em suas interpretações do

Símbolo geométrico: Símbolo verbal correspondente:

Trapézio

Ao qual está associado o conceito: quadrilátero com dois lados paralelos

131

desenho. Tudo vai depender de sua predisposição, de suas experiências anteriores,

do que associar primeiro à figura.

Toda comunicação exige esforços de ambos os lados dos

sistemas simbólicos. A matemática é um jogo de símbolos em que se buscam

diferentes representações do mesmo objeto, é um jogo de traduções. Um diagrama

não é o objeto em si, mas sim a representação de um argumento, de uma

característica do objeto.

Skemp também percebe que o símbolo visual não é tão simples

quanto se pode pensar e aponta as vantagens e desvantagens do símbolo geométrico.

A vantagem é que ele evoca as propriedades do conceito e pode contribuir para uma

compreensão melhor das relações entre estes conceitos de forma mais eficaz do que

por meio da representação verbal. Por exemplo,

Como desvantagens ele apresenta: a) o símbolo visual precisa

ser desenhado para ser comunicado – no entanto, ele reconhece que lápis e papel ou

quadro e giz estão sempre disponíveis e são fáceis de usar; b) às vezes, o símbolo

visual não representa um objeto particular, mas geral. Por exemplo, na Figura 6 não

se tem o círculo – em que o raio seja conhecido, tangentes particulares etc., mas sim

elementos quaisquer, variáveis, ou seja, um círculo qualquer.

No entanto, podemos questionar se representar um objeto geral

realmente é uma desvantagem. Se pensarmos no caso do exemplo dos

incomensuráveis, a generalidade da apresentação é que nos faz refletir sobre as

possibilidades e é essa generalidade que deflagra todo o processo mental.

Um problema comum no dia a dia da sala de aula é o fato dos alunos

se habituarem a uma representação e depois não conseguirem reconhecer um objeto

particular. Um exemplo disso é quando trabalhamos com as propriedades de um

triângulo. Nos livros, e mesmo na lousa, acabamos por representar um triângulo

neste desenho se têm implícitos os conceitos: um

círculo, duas tangentes a ele de um ponto externo ao

círculo e os raios traçados pelos pontos de

intersecção das tangentes com o círculo. Fig.9 – tangentes ao círculo que se interceptam num ponto externo

132

qualquer sempre pela imagem de um triângulo eqüilátero, o que acaba por confundir

os alunos. Quando ele encontra uma situação em que o desenho do triângulo não é

eqüilátero, não identifica nele as mesmas propriedades, já que as imagens não

conferem. Na verdade o problema pode estar na forma como trabalhamos com as

representações genéricas, como os alunos a percebem. Elas não são ícones, mas

símbolos de uma situação. Ao olhar a figura de um triângulo eqüilátero como

representação geral para a proposição “Em todo triângulo a soma dos ângulos

internos é 180º”, espera-se que ele associe a figura à “todo triângulo”, remetendo-se

a idéia geral simbolizada pela figura.

Skemp após discutir os dois sistemas simbólicos, faz comparações

estabelecendo contrastes existentes entre eles, conforme se acompanha na tabela

abaixo137:

Visual Verbal-algébrico

Propriedades abstratas espaciais,

tal como a forma, a posição.

Propriedades abstratas que são independentes

da configuração espacial, tal como número.

Dificuldade para comunicar. Facilidade para comunicar.

Pode representar mais o

pensamento individual.

Pode representar mais o pensamento

socializado.

Integrativo, mostrando estrutura. Analítico, mostrando detalhes.

Simultâneo. Seqüencial.

Intuitivo. Lógico.

137 SKEMP, Richard R. The psychology of learning mathematics. 1971, p.104

A

B C

°=++∧∧∧

180CBA

Fig.10 Triângulo ABC

133

Quando Skemp compara estas características pode-se dizer que elas

estão mais relacionadas ao aspecto psicológico. No verbal algébrico tem-se uma

apresentação mais objetiva do objeto ao invés de indicar algo. No visual pode-se

escolher o que se acha mais importante, tornando-o menos controlável. Ele afirma

que o símbolo verbal-algébrico pode representar mais o pensamento socializado, no

entanto, isso depende das convenções, das influências culturais do sujeito.

Skemp argumenta que os dois sistemas simbólicos vivem ora juntos

ora separados dentro da matemática. Como exemplos temos:

Skemp indica que provavelmente estes dois tipos de sistemas

simbólicos desempenhem funções diferentes, e que talvez sejam funções

complementares, e Otte, nesta perspectiva, nos fornece indícios de como pode

ocorrer essa complementaridade.

No texto What is a text?138 Otte discute o papel dos sistemas

simbólicos nos textos, destacando que o conhecimento está relacionado com

representações simbólicas e com os sistemas de signos ou símbolos. Estes são

indicadores de tipos ou aspectos do conhecimento. A dinamização da relação entre

conhecimento e representação simbólica é uma fonte básica de percepção – por

exemplo, tradução da linguagem cotidiana para a linguagem formal, das

representações geométricas para os símbolos algébricos etc. Estes fatos, na

perspectiva de fazer matemática, conduzem à identificação de dois níveis essenciais:

a) signos e símbolos – que se referem a modelos, imagens, etc; b) procedimentos –

máquinas, transformações etc. E as conexões entre estes dois elementos são

flexíveis, variando de acordo com o texto.

138 Otte, Michael, (1986). What is a text?. In B. Christiansen, A. G. Howson, & M. Otte (Orgs.). Perspectives on mathematic education (pp. 173-203). 1986

A posição mostra a correspondência entre dois

conjuntos, como na proporção ao lado

1 2 3 4 5

4 8 12 16 20

Este arranjo é uma propriedade essencial de uma matriz

432

4321

4321

cccc

bbbb

aaaa

1

134

Existe uma relação entre a representação e o procedimento. Ao

observar estes três modelos de signo:

“1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 = ?”; “1 + 2 + . . . + 6 = ?” e “ ?6

1

=∑=i

i ”

pode-se constatar que embora as três representações sejam equivalentes

matematicamente, psicologicamente são diferentes, pois cada uma das três

representações determina processos de resolução do problema de maneira diferente.

Na primeira representação todas as informações estão visíveis basta calcular, a

ligação entre forma e procedimento é imediata; já a segunda e a terceira situação

correspondem a representações cada vez mais abreviadas, exigindo procedimentos

distintos, considerando que as informações não estão tão completas ou visíveis. Na

última, é necessário um conhecimento ainda maior, que é o conhecimento do

símbolo do somatório e a interpretação de seu significado, pois ela pode ser

generalizada, isto é, ao invés de n = 6 pode tender ao infinito (n = ∞ ).

As visualizações de diagramas, como por exemplo, a visualização do

somatório ou de uma fórmula, indica a complementaridade de estrutura (forma) e

função (atividades, procedimentos etc.).

Otte (1986) toma como exemplo a fórmula da área de um triângulo

(p. 182-184) e discute a maneira como os livros de ensino apresentam esta fórmula,

com o objetivo de mostrar que os aspectos complementares (estrutura e função) não

estão diretamente ligados e que sistemas simbólicos diferentes (numérico verbal v

algébrico gráfico) fornecem os fundamentos para o caráter variável desta ligação.

Caso 1:

A área A de um triângulo é dada pela metade do produto da base pela altura relativa à base:

A = 2

.hb

Entre o texto verbal e a fórmula o que chama mais a atenção é o texto

verbal. Isso pode induzir uma pessoa a pensar que a área do triângulo se resume à

regra de cálculo, sem se interessar com as relações e o significado da fórmula. Esta

apresentação é unilateral, ou seja, exibe apenas o aspecto procedimental, operativo.

Fig. 11 – Representação da Fórmula da área do triângulo

135

Caso 2:

Um triângulo de lado g e de altura hg relativa a este lado tem área:

A = 2

1 . b . hg

Neste caso 2, o texto verbal aparece como um simples apêndice para

uma fórmula, que também não é interpretada, dando então mais destaque ao símbolo

visual, fazendo apenas uma simples correspondência entre os elementos da fórmula

e da figura.

A fórmula é icônica, e mostra, por exemplo, que a relação entre a

área e a base é uma relação linear, o que não é tão simples de visualizar como no

retângulo.

Observando a figura 13, podemos verificar que se a área era A, então

a área total será 4 A.

Caso 3:

4. Área dosTriângulos

Ao cortar um paralelogramo, dois triângulos de mesma base e mesma altura são obtidos, e ambos tem metade da superfície do paralelogramo. Superfície dos triângulos =

2

1 . base . altura

Ao = 2

1 . b . h

b b b b

A

. A

C

hg

g B

Fig. 12 – Representação da Fórmula da área do triângulo

Fig. 13 - Relação entre a área de um triângulo e a medida de sua base

Fig. 14 – Representação da Fórmula da área do triângulo

136

O caso 3 é considerado um método pedagógico mais

consistente, que tenta justificar a fórmula partindo de um paralelogramo, mas para

isso seria necessário apresentar antes as características do paralelogramo e como

determinar sua área. Neste exemplo, tem-se a idéia de construção da fórmula da área

do triângulo, e apesar de haver alguma preocupação em fazer a analogia entre o

símbolo algébrico e seu significado, não utiliza nenhum diagrama.

Caso 4:

Para encontrar a área de um

triângulo, multiplique a base e a

altura. Então considere metade do

produto.

A = 2

1 bh

A = 2

.hb

Nesta figura 15, os sistemas simbólicos numérico-verbal e algébrico-

gráfico aparecem muito bem representados, e parecem apresentar papéis

complementares, a apresentação verbal enfatiza o aspecto algorítmico, e a

apresentação algébrica enfatiza o aspecto holístico e ideográfico.

Otte menciona que os sistemas simbólicos algébrico-gráfico e o

verbal-numérico poderiam indicar papéis complementares, a apresentação verbal

acentuando o aspecto algorítmico e a apresentação algébrica enfatizando o aspecto

holístico e ideográfico139.

Neste ponto Otte discorda de Skemp, quanto a considerar a álgebra

como tendo mais em comum com os símbolos verbais do que com os símbolos

visuais. Para Otte, também considerar uma fórmula ou equação como um diagrama,

como um símbolo visual, além de um símbolo verbal, é fundamental. De modo que

a álgebra vai depender tanto do sistema verbal como do visual. Por exemplo, uma

fórmula é um diagrama que nos proporciona a imediata relação entre as grandezas,

apenas pela observação visual de sua composição, independentemente de qualquer 139 Representação das idéias por meio de sinais que reproduzem objetos concretos. Sistema de sinais constitutivos de escrita analítica.

.

h

Fig. 5

b

Fig. 15 – Representação da Fórmula da área do triângulo

137

conhecimento conceitual acerca dessas grandezas. Assim, podemos recolocar os

sistemas como sistema algébrico-gráfico e como sistema verbal-numérico, nos quais

os aspectos diagramáticos da álgebra estariam contemplados no primeiro sistema e

os aspectos da álgebra como uma generalização da aritmética estariam contemplados

no segundo.

No exemplo que se segue podemos observar que estão presentes tanto

o sistema visual como o numérico verbal. O texto verbal indica os aspectos a serem

considerados em cada figura, explicando como se chegar à fórmula da área do

triângulo por meio do paralelogramo. Ao apresentar o diagrama com a fórmula, o

texto verbal ainda procura dar uma interpretação para a mesma, indicando a relação

entre os elementos da figura.:

Considere um triângulo qualquer:

Agora imagine outro triângulo igual a ele:

Vire o segundo triângulo “de ponta-cabeça” e...

...monte um paralelogramo

A área do paralelogramo se calcula Portanto, a área do triângulo assim: é: h h

c c

cha ⋅= 2cha ⋅=

Fig. 16 – Representação da Fórmula da área do triângulo 140

O que se deseja mostrar por meio desses exemplos é que a fórmula da

área do triângulo pode ser considerada, tanto para fixar um algoritmo de cálculo

como para modelar certas relações entre as partes componentes do sistema. Assim,

se a fórmula é considerada em ambos os aspectos, o procedimental e o estrutural, o

algoritmo e o ideográfico, o operativo e o descritivo, pode ser compreendida e usada

para desenvolver conhecimento.

140 IMENES & LELIS. Matemática 7º Série 1997, p 196)

138

(a + b) . c = a . c + b . c

Ao utilizar números, como por exemplo: “2x(2+3) = 2x2 + 2x3”,

estamos usando uma máquina, na qual conhecemos a “entrada” a “saída” e também

o “processamento”, permitindo transferir as afirmações de modo exemplar, e assim

generalizá-las. Deste modo, a fórmula que representa a propriedade distributiva “(a

+ b) . c = a . c + b . c” apresenta-se apenas como uma aritmética generalizada. Desta

forma permanecemos apenas na esfera da precisão técnica. O uso do desenho e da

fórmula explorada como um diagrama nos daria condições de passar a uma outra

esfera, a da estrutura relacional.

Com base nesta discussão sobre representações, pode-se dizer que os

signos ou meios de expressão usados determinam o pensamento? Eles são

adequados ou menos apropriados?

Não existe uma representação matemática sem alguns elementos

visuais, ou seja, sem usar ícones, porque a matemática é um pensamento relacional e

são eles que podem dar indícios das características do pensamento de uma pessoa.

Os símbolos visuais são ambíguos, não há determinação precisa. Por outro lado, não

há pensamento sem símbolos, existe uma relação intrínseca.

Skemp indica o sistema verbal-algébrico, do qual fazem parte os

números e a aritmética, como sendo palavras faladas ou escritas, mas pode-se dizer

que os próprios axiomas já são diagramas visuais, por exemplo: a + b = b + a, a e b

são nomes ou índices, mas a estrutura do diagrama é o que importa e esta é uma

imagem das relações estabelecidas pela igualdade.

Os professores ao

discutirem a propriedade distributiva

da adição em relação à multiplicação

muitas vezes preferem atribuir valores

numéricos a abordar o assunto

geometricamente, conforme o desenho

ao lado.

a b

c

Fig. 17 – Representação geométrica da propriedade distributiva da multiplicação

139

Outros exemplos podem ser dados, dentre eles tem-se:

a) Provar que o quadrado de número ímpar é um número ímpar. Como proceder?

Se x é ímpar, então existe um número n em que x = 2n + 1.

Representam-se os dois números desta maneira geral e calcula-se o produto usando

os axiomas.

(2n + 1)2 = (2n + 1) . (2n + 1) = 4n2 + 4n + 1

= 4n (n + 1) + 1

= 2 (2n (n + 1) + 1

= 2 M + 1

Chega-se a um resultado, mas não à resposta do problema. Para isso,

deve-se interpretar as informações estabelecidas nesta igualdade para saber se este

resultado será sempre um número ímpar ou não. Desta forma é preciso traduzir as

relações implícitas neste diagrama visual. Assim,

� 4n é um número par para todo n ∈ N.

� No produto 4n (n + 1) pode-se ter:

a) par vezes par, cujo resultado é par;

b) par vezes ímpar, cujo resultado é par.

� Na expressão 4n (n + 1) + 1 tem-se então sempre um número par + 1 em que o

resultado sempre será um número ímpar.

b) Teorema: O quadrado de um número ímpar menos 1 é divisível por 8, para i ≥ 3.

Pode-se fazer observações com alguns valores e depois provar.

N 3 5 7 9 11 13 15 17

(ímpar)2 – 1 8 24 48 80 120 168 224 288

(2n + 1)2 – 1 = 4n2 + 4n + 1 – 1

= 4n (n + 1)

140

Até este momento o desenvolvimento foi visual com o uso da

álgebra, mas agora é necessário um raciocínio lógico para interpretar este resultado,

por que é divisível por 8?

Primeiro para ser divisível por 8 a expressão 4n (n + 1) deve ser um

número par. O fator 4n é par e o fator n + 1 pode ser par ou ímpar dependendo de n,

mas o produto deles será sempre um número par (par x par = par e par x ímpar =

par) e múltiplo de 8. Por exemplo:

n = 1 � 4 . 1 (1 + 1) = 4 . 2 = 8

n = 2 � 4 . 2 (2 + 1) = 8 . 3 = 24 ...

Na verdade, os sistemas são complementares. Não existe matemática sem

ambos os sistemas. Os objetos matemáticos permitem vários tipos de representação,

os sistemas de símbolos podem representar propósitos similares e as diferenças

podem ser descritas em termos da variação como o rigor da ligação entre forma e

mecanismo. Isso ficou evidenciado nos exemplos dados.

Conceitos teóricos não são coisas que podem ser comunicadas prontas. Seu conteúdo consiste na conexão e relação entre as coisas, e não de substâncias ou propriedades. Isso porque o pensamento teórico, a fim de progredir, não só necessita de regras, mas também de ‘visualização’ (num sentido amplo) para dar condições de se imaginar relações. 141

Assim, os dois modelos de representação mostram-se complementares. Esta

complementaridade está na nossa ação com a realidade. Como conhecer depende

muito da organização interna da mente (lembremos da figura pato/coelho), assim

como da realidade a ser descrita, o sistema de símbolos e a representação são

aspectos importantíssimos para a cognição humana.

Observação e análise de um sistema de símbolos e formas de representação continuam a fornecer possíveis caminhos para o estudo de questões fundamentais do conhecer e aprender. Além disso, a falta de compreensão ou o abuso destes meios de

141 CHRISTIANSEN, B, HOWSON, A. G & OTTE, M. What is a text? In. Perspectives on Mathematics Education. 1986, p.191

141

representação são fatores responsáveis por grande parte das deficiências na aprendizagem da matemática.142

Os professores, quando conscientes da importância dos sistemas de símbolos

e da necessidade de se utilizar dos vários tipos de representação, sem abusos, mas

proporcionando ao aprendiz condições de passar de uma representação a outra,

estará estimulando a observação das relações entre os objetos, conceitos e formas,

favorecendo sobremaneira sua aprendizagem.

4.6 FORMAS DE REPRESENTAÇÃO E ESTILOS COGNITIVOS

Retomando ainda a questão da preferência por formas de

representação, podemos incluir a relação entre as formas de representação e os

estilos cognitivos. Krutetskii143 em sua pesquisa sobre habilidades matemáticas,

identificou tendências nas formas de pensar de alguns alunos, na situação de lembrar

ou resolver problemas, o que podemos denominar de estilos cognitivos. A título de

exemplo, serão descritas algumas atividades matemáticas de dois sujeitos de

pesquisa de Krutetskii, que apresentam estes estilos e as formas de representação de

modo extremamente acentuado. São eles a Sonya e o Volodya.

Sonya L. nasceu em Moscou no ano de 1950. Na época da pesquisa

tinha 8 anos. Até então Sonya não tinha quase nenhum conhecimento. Há pouco

tinha aprendido a escrever e ainda não sabia calcular por escrito, por isso quase tudo

era feito por meio do discurso oral (utilizando a lógica) e os cálculos eram mentais.

Mostrava clareza em descrição e uma pobreza de imagens, mesmo quando o

problema sugeria este recurso. Vejamos a sua resolução para alguns problemas.

142 CHRISTIANSEN, B, HOWSON, A. G & OTTE, M. What is a text? In. Perspectives on Mathematics Education. 1986, p.191 143 KRUTETSKII, V. A. apud WIELEWSKI, Gladys Denise. Aspectos do Pensamento matemático na resolução de problemas: uma apresentação contextualizada da obra de Krutetskii. Tese de Doutorado. PUC-SP, 2005.

142

Problema 1: Um pastor diz a outro: me dê 8 ovelhas e nós teremos um

número igual. O outro responde: não, você me dá 8 ovelhas e então eu terei o dobro

do que você tem agora.

Solução: Se um der 8 ovelhas e eles passam a ter um número igual,

isso indica que eles têm uma diferença de 16 ovelhas. Por outro lado, se o outro

pastor der 8, então a diferença se torna 32 (desde que um perde 8 ovelhas e o outro

ganha 8). Neste caso, dizemos que ele tem 2 vezes mais, ou 32 ovelhas a mais. Isso

significa que haverá 32 e 64, e antes da troca havia 40 e 56. O problema foi

resolvido em 40 segundos.

Problema 2: Galinhas e coelhos estão correndo num quintal. Juntos

eles têm 35 cabeças e 94 pés. Quantas galinhas e quantos coelhos estão no quintal?

Solução: Se há 35 cabeças ao todo, então são 35 galinhas e coelhos no

total. Se todas fossem galinhas, seriam 70 pés. Isto significa que há 24 pés extras,

porque além de algumas galinhas há coelhos. Cada coelho tem 2 pés a mais que uma

galinha, então são 12 coelhos e 23 galinhas.

Problema 3: Qual é o ângulo formado pela intersecção das bissetrizes

dos ângulos agudos de um triângulo retângulo isósceles?

Solução: sem fazer nenhum desenho usando as informações do

problema ela disse: metade de dois ângulos que, quando adicionados, dão 900 é 450,

e de 2d subtraímos 450 = 1350 (2d se refere a dois ângulos retos, ou seja, 1800).

Krutetskii (1976) comenta que para Sonya, aparentemente, lógica e raciocínio

substituem o apoio de imagens visuais.

Volodya L., nasceu em Moscou em 1949. No período da pesquisa

tinha 10 anos. Nos problemas, utilizava a técnica de cálculo mental rápido sem

recorrer muito à argumentação, pois preferia calcular. O seu processo de

pensamento, enquanto resolvia problemas matemáticos, era muito reduzido e parece

que este era o seu modo usual. Tinha dificuldade em desenvolver uma resolução em

sua estrutura completa ou explicá-la. Algumas de suas resoluções são apresentadas a

seguir.

Em um problema similar ao problema 1 resolvido por Sonya,

Volodya resolve-o por meio de imagens visuais, conforme figura abaixo.

143

Fig. 18 – Representação geométrica do problema das nozes

Problema 4: um menino

diz à sua irmã: se você me der 8 nozes,

então nós teremos um número igual.

Mas ela responde: se você me der 8

nozes, eu terei duas vezes mais.

Quantas nozes cada um tinha?

Problema 5: Galinhas e coelhos (mencionado no problema 2).

Solução: Há tantas galinhas quantos coelhos quase duas vezes. Se

todos os animais fossem galinhas, então haveria 70 pés, e se todos fossem coelhos

140 pés. 94 está duas vezes mais perto de 70 do que de 140 (94 – 70 = 24 e 140 – 94

= 46). Tentemos: 20 e 10; 21 e 11; 22 e 12; 23 e 12 ... 23 galinhas e 12 coelhos.

Durante a entrevista lhe perguntaram como explicaria este problema a

um amigo mais jovem e então, explanou: Se todos fossem galinhas, seriam 70 pés.

Mas de fato há 94 pés. Somando um coelho dá mais 2 pés. Então, são 12 destas

adições, quer dizer, 12 coelhos. Ao tentar explicar, ele mudou seu modo de pensar,

assemelhando-se à resolução de Sonya. Este fato conduz à idéia de que ao se

resolver um problema tem-se uma maneira de pensar, mas explicar o que foi feito a

alguém implica numa mudança de raciocínio, é o aspecto social exercendo

influência, no sentido de socializar o pensamento. Krutetskii144 apresentou este

aspecto como sendo uma das dificuldades da pesquisa: pensar ou resolver em voz

alta e explicar a resolução em voz alta são processos completamente diferentes.

Examinando estes exemplos, é possível verificar que Sonya diferiu de

Volodya nas representações escolhidas, que estão associadas com o tipo de

pensamento que os guiou na resolução dos problemas.

Utilizando a classificação de sistemas simbólicos de Skemp e na

performance destes dois alunos, podemos interpretar que nas resoluções dos

problemas os símbolos verbais foram mais evidentes na atuação de Sonya, enquanto 144 KRUTETSKII, V. A. apud WIELEWSKI, Gladys Denise. Aspectos do Pensamento matemático na resolução de problemas: uma apresentação contextualizada da obra de Krutetskii. Tese de Doutorado. 2005

32

32 + 8 = 40 32 + 8 + 16 = 56

8

16 8

144

que os símbolos visuais foram o meio de representação mais utilizado por Volodya.

Sonya não recorria aos símbolos visuais, mesmo nos problemas que exigiam tal

recurso e Volodya os inseria naqueles que não eram aparentemente necessários, a

geometria era um dos caminhos pelos quais ele desenvolvia seu pensamento.

Essa diferença entre os dois pode ser justificada pela possibilidade de

se representar uma mesma situação de diferentes maneiras, pela existência de vários

meios de representação e pela diversidade de pensamento. Assim, uma certa

predominância na forma de pensar a matemática é caracterizada como estilo

cognitivo, que pode ser identificado por meio da representação escolhida.

Mas o que é realmente interessante, é que mesmo Volodya, que

apresentou uma opção tão clara pelo sistema simbólico visual, no momento de

explicar o que havia feito mudou rapidamente para o sistema verbal-algébrico.

Esse exemplo corrobora com a idéia de que existem estilos cognitivos

diferentes, e que estes estilos influenciam na determinação do sistema de

representação que o indivíduo assume, ou seja, que existe uma relação entre a forma

de pensar e a representação, mas também indica que este estilo e esta forma de

representação não seja única, se adequando ao tipo de atividade em questão. Se

interpretarmos a mudança de sistema ocorrida com Volodya da perspectiva das

diferenças entre os dois sistemas apresentados por Skemp, podemos dizer que a

mudança foi estimulada pela necessidade da objetividade na comunicação de seu

raciocínio, características que são marcantes não no sistema visual, mas no verbal-

algébrico.

145

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao começarmos os estudos para esta pesquisa suspeitávamos que a

relação entre língua matemática e a língua materna fosse uma questão de melhor

“traduzir” a matemática em língua materna. No entanto, à medida que nos

aprofundávamos um pouco mais nas peculiaridades de cada uma delas percebíamos

a existência de certa tensão ou até contradição entre suas funções expressiva e

objetiva. Portanto, o caminho jamais poderia ser concebido em termos de uma

“tradução”, já que a ênfase entre essas duas funções são diferentes na língua materna

e na língua matemática, enquanto uma é dada à comunicação e a outra é dada à

representação. O que fomos entendendo aos poucos é que a relação que realmente

existe entre as duas é uma relação de complementaridade.

Essa complementaridade se dá dentro do sistema de signos. Condillac

nos apontou como se dá essa complementaridade e o papel dos signos na evolução

da aprendizagem. Para ele tudo começa com uma linguagem expressiva, a

linguagem de ação e só a partir dela somos capazes de desenvolver a ligação entre as

idéias até chegarmos nos signos instituídos, ou nas abstrações.145

No capítulo 3 apresentamos a comparação que René Thom faz entre

as linguagens cotidiana, geométrica e algébrica. Porque ele fez tal comparação? Sua

idéia é exatamente a necessidade de uma passagem da linguagem cotidiana, rica em

significados, mas fraca em sintaxe, para a linguagem algébrica, fraca em

significados e rica em sintaxe. Essa evolução é importante, pois ajuda a estabelecer

145 Veja também BRUNER, Jerome. Acts of Meaning. Cambridge, MA: Harvard University Press. 1990.

146

os objetos matemáticos em termos genéticos. Thom defende que a linguagem

geométrica é a linguagem de transição, pois se caracteriza tanto pelas analogias com

o empírico quanto por procedimentos e estruturação formal, permitindo um trabalho

com tipos de representação variados, de modo a facilitar a evolução para o campo

estritamente simbólico da álgebra.

No capítulo 4 trazemos o exemplo da melhoria do texto didático

sobre a incomensurabilidade, que novamente nos coloca diante do problema entre da

linguagem cotidiana e a linguagem matemática. O contraste entre as duas linguagens

se dá exatamente pela função de cada uma. Enquanto a linguagem comum é mais

expressiva e por isso de compreensão e aceitação mais imediata, a linguagem

matemática é mais simbólica e abstrata cumprindo o seu papel de representar os

objetos matemáticos. Ao optarmos por uma ou por outra, acabamos por eliminar

sempre uma possibilidade de compreensão. Se trabalharmos o ensino da matemática

com uma linguagem mais cotidiana, com exemplos numéricos mais acessíveis

perdemos as representações dos objetos matemáticos, e com eles a possibilidade de

ganharmos conhecimentos abstratos sobre tais objetos pela reflexão e atividade

sobre sua representação. Por outro lado, se optamos por um texto que apresente

apenas a linguagem matemática corremos o risco de deixá-lo tão árido, que ele se

torna impossível de ser lido por alguém que não tenha compreensão prévia do

assunto. Essa situação explicita bem a necessidade da complementaridade entre

comunicação e representação.

A questão da compreensão da linguagem matemática no ensino não é

uma questão de “tradução”, mas de enfrentar um desafio, o desafio de propiciar o

desenvolvimento do pensamento do aluno. Esse desenvolvimento é “encenado” à

base dos sistemas semióticos, ou seja, com base nos signos, nas diversas maneiras de

representar e comunicar. Portanto, só será alcançado à medida que o aluno tenha a

oportunidade de vivenciar a complementaridade entre a linguagem matemática e a

linguagem cotidiana.

Após a constatação desse desafio, surge a questão de como

proporcionar essa complementaridade, como estabelecer essa relação pensamento-

ação, expressão-representação dentro da educação matemática. A geometria, por

147

exemplo, sugere essa integração entre o conceitual/abstrato e uma representação

pelo desenho. Um estudo mais profundo da filosofia de Condillac146 e da

abordagem antropológica de André Leroi-Gourhan147 sobre a relação entre “o gesto

e a palavra” no desenvolvimento do homem, poderá no trazer subsídios para

entender melhor a dependência do ensino matemático dos meios de comunicação e

representação, de modo que possamos responder a pergunta de como estruturar essa

complementaridade na educação matemática.

146 Essai sur l’origine des connaissances humanies (1746); Cours d’études pour l’instruction du Prince de Parme , publicado em treze volumes, entre 1768 e 1773. 147 LEROI-GOURHAN, André. O Gesto e a Palavra. 1 – Técnica e Linguagem. Traduzido por Vítor Gonçalves. Lisboa: Edições 70, 1990.

148

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Wikipedia – La enciclopédia libre in http://es.wikipedia.org

151

ANEXOS

152

1 - Papiru de Rhind (in: ciencia.astroseti.org/matematicas/lista_21.ht...) Fig. 19 Imagem do Papiru de Hindi

2 Robert Recordes

No último parágrafo:

“I will sette as I doe often in woorke use, a paire

of paralleles, or Gemowe lines of one lengthe,

thus: =, bicause noe .2. thynges, can be moare

equalle”. (Eu estabelecerei, como tenho usado

frequentemente em meu trabalho, um par de

paralelas, ou linhas Gêmeas de mesmo

comprimento, assim: =, porque duas coisas não

podem ser mais iguais.)

Fig. 20 – Página do livro de Recorde

153

3 – La géométrie – René Descartes

Fig. 21 – Página do La géométrie de Descartes

"Se voglio sapere di quale genere è la linea EC descritta -così suppongo- mediante la intersezione

del regolo GL e della figura piana CNKL, il cui lato KN è prolungato indefinitamente verso C e che ,

essendo mosso in linea retta nel piano verso la parte sottostante (in modo cioè che il suo diametro

KL giaccia sempre lungo la linea BA prolungata nell’una e nell’altra direzione) fa ruotare questo

regolo GL intorno al punto G , dato che gli è unito in modo da passare sempre per il punto L, scelgo

una retta come AB per riferire ai suoi diversi punti tutti quelli della curva EC, e , lungo questa retta

AB , scelgo un punto A per iniziare da esso tale calcolo".

Cartesio dunque prende A come origine, AB come asse delle ascisse e utilizza ordinate parallele

senza tracciare però l’asse delle ordinate. Pone poi:

Dai triangoli simili NLK, CBK si ha NL:LK=CB:BK ossia .

Ma BL=BK-LK quindi ,

AL=AB+BL quindi .

Dai triangoli simili CBL, GAL si ha BC:BL=AG:AL ossia .

Dall’ultima uguaglianza, sostituendo:

154

.

Equazione dell’iperbole:

4 - François Viète (1540 a 1603)

Viète introduziu o primeiro sistema de notação algébrica em seu livro In artem

analyticam isagoge .

Fig. 22

Fig. 23 – François Viète

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