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João Pedro George COMO SOBREVIVER A UM TERRAMOTO EM PORTUGAL

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João Pedro George

COMO SOBREVIVER A UM TERRAMOTO EM PORTUGAL

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ÍNDICE

9 Introdução

15 Primeira Parte

17 Lisboa, uma catástrofe de proporções inima-

gináveis

25 As zonas de risco em Lisboa

26 Bairros populares e Baixa Pombalina

30 As avenidas novas

34 Construções posteriores a 1960

37 O Vale de Alcântara, a zona da Expo 98

e algumas construções emblemáticas

de Lisboa

43 Estimativas técnicas

45 Depois do sismo, o tsunami

50 Algarve

57 Setúbal

61 Lisboa e margem sul

69 As companhias de seguros e a

irresponsabilidade dos políticos

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75 Segunda Parte

77 Saiba o que fazer antes do terramoto

79 Dicas de sobrevivência

79 Cuidados genéricos a ter com a queda de

objetos e móveis pesados

82 Planear a emergência

85 Kit de emergência

89 Durante o terramoto

89 Dentro de casa

92 Fora de casa

97 Depois do terramoto

100 Como identificar a aproximação de um tsunami

105 Dicas de sobrevivência em caso de tsunami

109 Agradecimentos

110 Bibliografia

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INTRODUÇÃO

O chão a vibrar debaixo dos pés, prédios a oscilar, loi-ças a tilintar, portas a bater, quadros a cair, candeeirossuspensos no teto a baloiçar, camas a estremecer, estan-tes a tombar, vasos de plantas derrubados, persianas atrepidar, janelas a ranger, móveis a abanar e a desabar,fendas nas paredes, quedas de chaminés e varandas, te-lhados abatidos, estrondos, prateleiras dos supermerca-dos deitadas abaixo, pessoas esquivando-se dos objetos,movendo-se freneticamente de um lado para o outro,cheias de horror e de pânico, guinchos e gritos agudos,animais assustados, alarmes dos carros a tocar, televisõese computadores avariados, linhas elétricas derrubadas,telecomunicações afetadas, rotura de canalizações deágua e gás, pesados fragmentos de vidro projetados dosedifícios altos e estilhaçando-se, numa chuva de cacos,sobre as ruas e as praças, som de explosões, focos de in-cêndio por todo o lado, grandes labaredas, colunas defumo denso erguendo-se para o céu, colapso de facha-das principais arrastando as respetivas coberturas, pré-dios inclinados, desmoronamento parcial ou total dosedifícios, aluimento de terrenos, acidentes de tráfico,

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automóveis caindo ao Tejo, ruas obstruídas por destro-ços, pontes e viadutos danificados, desprendimentos deterrenos, cidades em ruínas, aglomeração de gritos, filasintermináveis de cadáveres, nas ruas ou entre os escom-bros. A perspetiva não é agradável. No entanto, esta é apoderosa realidade de um terramoto, do seu imensopoder destrutivo. É, no fundo, uma paisagem que todostemos dentro da cabeça, sobretudo aqueles que vivemem países que já sofreram terramotos violentos. ComoPortugal.

O maior terramoto que a Europa já sofreu, até hoje,foi o de 1755 (mais ou menos 8,75 na escala de Richter).Afetou sobretudo o nosso país, mas também a região daAndaluzia em Espanha e o Norte de África. Pulverizougrande parte da cidade de Lisboa (igrejas, capelas, con-ventos, mosteiros, palácios, quase tudo desmonorou) ematou dezenas de milhares de pessoas, estimando-seentre 20 a 40 mil (só na capital, que contava então com200 mil habitantes, houve cerca de 20 mil vítimas mor-tais). A então vila de Cascais ficou reduzida a quasenada, tendo sido arrasadas as suas duas paróquias (sóse salvou, dizia-se que milagrosamente, a ermida deNossa Senhora da Conceição, que passou a chamar-seermida de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes).O Algarve, então muito pobre, foi completamente de-vastado, com o desmoronamento da maioria dos seusedifícios.

Ao longo dos séculos, antes e depois de 1755, Portugalsofreu vários terramotos, muitos deles impercetíveis ao serhumano, mas outros com consequências assinaláveis.

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Em 1909, por exemplo, Benavente ficou quase totalmenteem escombros (a falha onde o sismo teve origem nãoafecta tanto Lisboa). A 28 de fevereiro de 1969, um sismode magnitude 7,5 com epicentro a sudoeste do Algarvecausou significativos estragos materiais, sobretudo naszonas mais próximas do epicentro. Em 1980, no primeirodia desse ano, um sismo afetou várias ilhas dos Açores esacudiu a cidade de Angra do Heroísmo, tendo-se regis-tado a morte de 71 pessoas. Em 1998, na madrugada de9 de julho, na ilha do Faial, Açores, morreram oito pes-soas e 9 por cento da população ficou desalojada (1500casas foram total ou parcialmente destruídas). Mais re-centemente, a 17 de dezembro de 2009, houve umsismo, que apesar de não ter provocado quaisquer danos,foi sentido e gerou algum pânico na população.

«Onde a terra tremeu ela voltará a tremer.» Sabedo-ria popular que os cientistas confirmam: os territóriosque no passado registaram abalos sísmicos fortes con-tinuarão a sofrê-los, possivelmente ainda com maisforça (em rigor, mesmo as zonas sem um historial sís-mico podem ver-se subitamente perante um fenómenodessa natureza). Só não se sabe é quando. Nem quando,nem onde, nem como vai acontecer. Pode ser em qual-quer região, em qualquer cidade, em qualquer clima, noverão ou no inverno, de manhã, à tarde, durante a noite.É um desastre que ocorre de repente, que chega de im-proviso, sem avisar, num qualquer dia ou instante. In-felizmente, a ciência ainda não conseguiu desenvolvernenhum método ou tecnologia capaz de indicar a horae o local exatos onde irão ocorrer os próximos tremores

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de terra. Porém, uma coisa é certa: os sismos continua-rão a assolar as zonas outrora devastadas por terramo-tos de grande intensidade*.

Não há nisto nada de alarmista. Mas também nãose pense que se trata de algo necessariamente distante,que só acontecerá num futuro longínquo, porque aqualquer momento podemos ser atingidos por um ter-ramoto. Pela região do planeta em que se encontra,pelas falhas sísmicas que existem no seu território – astrês principais e com mais atividade são as falhas da Ri-beira de Coina, do Vale do Tejo (perto de Benavente) edo Banco de Gorringe (onde existe mais histórico, maisocorrência e mais energia acumulada que se pode li-bertar num sismo), esta última situada no OceanoAtlântico, a sudoeste do Cabo de São Vicente – Portu-gal está sujeito a esse risco. O que significa que nós,portugueses, estamos expostos ao perigo de um terra-moto violento, um dos desastres mais poderosos e maisimpiedosos do planeta.

Não vale a pena, portanto, pesar muito as palavras.Portugal vai voltar a tremer e a ser sacudido com todaa força, Portugal será atingido por um sismo igual aodo Haiti, ou ainda pior, ou até mesmo igual a este úl-timo ocorrido no Japão. Pode ser agora mesmo, dentro

——————————* Não confundir intensidade com magnitude. Enquanto esta últimamede a energia libertada na origem dos sismos, a intensidade refere-seaos danos causados pelos terramotos. Por outras palavras, a magnitudediz respeito às causas e a intensidade às consequências dos sismos. Umdos objectivos da engenharia sísmica é reduzir as consequências dos ter-ramotos (já que as suas causas não podem ser evitadas).

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de um minuto, hoje, amanhã, daqui a um mês, no pró-ximo ano, daqui a algumas décadas. Quando isso acon-tecer, que fará você? Que faremos nós? Até que pontosomos vulneráveis? Estará Portugal preparado para umsismo de magnitude elevada, semelhante, por exemplo,ao de 1755? Os cientistas afirmam que não. Segundo osespecialistas, uma catástrofe dessas matará dezenas demilhares de pessoas. Como alguém disse, em menos deum minuto morrerão mais seres humanos do que sol-dados portugueses durante todos os anos da guerra co-lonial.

Só na Grande Lisboa, onde vivem quase três milhõesde pessoas, haverá vários milhares de mortes e o sismonem precisa de ter uma magnitude tão elevada como ado 1755. Além disso, os edifícios da cidade serão derru-bados ou sofrerão danos graves numa percentagem ele-vadíssima, com a consequente perda de recheios e dosmateriais armazenados; o número de desalojados e deferidos graves será catastrófico; as infraestruturas, a rederodoviária e as vias-férreas serão duramente afetadas;parte do nosso património, séculos de história, podesimplesmente desaparecer; o impacto direto no funcio-namento da economia portuguesa será penoso, comprejuízos que equivalerão a cerca de um ano de produ-ção de riqueza, ou seja, uma ou duas gerações tornar-se-ão mais pobres. Em suma, teremos novamente depedir ajuda internacional, desde logo à União Europeia,e a regeneração da nossa sociedade ficará ainda maiscomprometida do que já está.

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PRIMEIRA PARTE

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LISBOA, UMA CATÁSTROFE DE PROPORÇÕES INIMAGINÁVEIS

Prever um terramoto é impossível, mas não as suasmais que prováveis consequências. A ciência, nomeada-mente a engenharia, pode apresentar estimativas, fazersimulações, calcular probabilidades, realizar testes ouensaios, quer dizer, não estamos a mover-nos aqui emterrenos puramente especulativos. Há alguns anos, oLaboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), combase nos Censos de 2001, desenvolveu um simuladorde cenários sísmicos. Finalmente, em 2005, avançoucom algumas projeções em termos de danos humanos,materiais e económicos, tendo em conta a ocorrência ourepetição, atualmente, de um terramoto semelhante aode 1755.

O estudo centrou-se nas três zonas que, devido às fa-lhas sísmicas existentes no nosso país, serão mais afe-tadas: Lisboa e respetiva área metropolitana, concelhoslimítrofes e Algarve. Sem dúvida, um terramoto comperto de 9,0 de magnitude terá mais impacto nas re-giões central e meridional do continente (o simuladornão contemplou o arquipélago dos Açores, onde os

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fenómenos sísmicos são recorrentes), já que no norte ena Madeira as probabilidades são muito reduzidas (em-bora não sejam de descartar totalmente). Algumas dasfalhas ativas e potencialmente ativas no território nacio-nal atravessam ou atingem, por exemplo, Lisboa (capi-tal), Oeiras, Cascais, Sintra, Torres Vedras, Alenquer,Azambuja, Cartaxo, Santarém, Salvaterra de Magos,Vila Franca de Xira, Benavente, Alcochete, Montijo,Moita, Seixal, Sesimbra, Setúbal e Península de Troia.O Algarve (principalmente o Barlavento) está exposto àfalha do Banco de Gorringe (montanha submarina, comcerca de 200 quilómetros de extensão, situada noOceano Atlântico), mas cuja ação se faz sentir tambémem todas aquelas localidades do Vale do Tejo.

Assim, se hoje mesmo ocorresse um terramotoequivalente ao de 1755 – entre 8,7 e 9,0 na escala deRichter – na Área Metropolitana de Lisboa e Algarve,à noite, com as pessoas em casa, o simulador doLNEC aponta para uma catástrofe absolutamente in-tolerável. O cenário que resulta deste teste de resistên-cia sísmica ao nosso parque habitacional prevê, emtermos de vítimas, entre 17 e 27 mil mortos e muitosmilhares de feridos (graves e ligeiros, com a prevalên-cia de fraturas ósseas, contusões, feridas causadas porperfurações e problemas respiratórios devido à poeiralevantada pela queda das construções ou parte delas).Quanto às perdas materiais, verificar-se-á o colapso demais de 26 mil edifícios. Depois, haverá várias cente-nas de milhares de desalojados (só no Algarve, se-gundo os resultados de uma simulação da Protecção

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Civil, realizada em Novembro de 2010, poderá haver32 654 desalojados).

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Sesimbra

Barreiro

Setúbal

Palmela

Benavente

Vila Franca de Xira

Arruda dos Vinhos

Salvaterra

de Magos

Cartaxo

Azambuja

Alenquer

Sobral de Monte Agraço

Torres

Vedras

Mafra

Loures

Sintra

Cascais

Amadora

Odivelas

Seixal

Almada

Oeiras

Lisboa

Moita

Montijo Alcochete

0 a 1

1 a 2

2 a 3

3 a 4

4 a 5

5 a 10

10 a 15

Edifícios danificados

Para um total de 477 170 edifícios

Danos ligeiros 125 638 26,3%

Danos moderados 91 120 19,1%

Danos severos 42 821 9,0%

Edifícios colapsados 8 394 1,8%

% de colapsos

Percentagem de edifícios afetados por um sismo equivalente ao de 1755 se-gundo o simulador do LNEC (2005). Área Metropolitana de Lisboa, fregue-sias e concelhos.Fonte: Carlos Sousa Oliveira, «Efeitos naturais, impacte e mitigação» em MárioLopes (coord.), Sismos e Edifícios, Alfragide/Amadora, Orion, 2008, p. 77.

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Para o conjunto da Área Metropolitana de Lisboa, ondeo município de Vila Franca de Xira será um dos mais du-ramente atingidos, o estudo projeta que serão afeta-dos 267 973 edifícios – dentro de um total de 477 170 –,com a ruína de 8394 prédios e danos entre severos eligeiros em 259 579: tudo somado, 56,2 por cento doedificado do Vale do Tejo sofrerá prejuízos. Já na capi-tal do país, onde existem 53 387 edifícios, estima-se queo terramoto causará danos em 40 830 edifícios, com ocolapso, mais especificamente, de 2387 e estragos pa-trimoniais, entre severos (9402), moderados (14 553) eligeiros (14 488), noutros 38 443. O resultado final, emtermos de percentagem, é terrível: 76,8 por cento dasconstruções alfacinhas cairão totalmente ou sofrerão osmais diversos estragos!

Estes números podem parecer excessivos, porém, arealidade pode ser bem mais assustadora. Em primeirolugar, o simulador do LNEC limitou-se a considerar oparque habitacional, excluindo dos seus cálculos os edi-fícios de escritórios, os centros comerciais, os hospitais,as escolas, as instalações despor tivas, e não teve emlinha de conta o estado de degradação dos edifícios. Ora,de acordo com as estatísticas, mais de um milhão dosedifícios espalhados por Portugal (40 por cento dototal) foram construídos antes de 1945 e quase 400 milestão a precisar de obras urgentes de recuperação e re-forço estrutural. Em Lisboa, uma percentagem signi -ficativa do seu edificado é inseguro, apresentando,visivelmente, sinais de deterioração acentuada. Rachasnas paredes, ervas crescendo nos telhados, estruturas de

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betão armado à vista desarmada, especialmente nas va-randas, vidros das janelas encaixilhados em madeirasapodrecidas, instalações elétricas obsoletas, em risco deincêndio, para não falar dos prédios devolutos, ao aban-dono, sob o sol, as chuvas, fechados durante anos emescuridão e humidade, quase todos eles condenados aruir completamente sobre as pessoas e os carros.

Em caso de terramoto, a esmagadora maioria das vítimas mortais deve-se normalmente à queda de edifí-cios, de escombros e de objetos pesados dentro dascasas, escritórios, superfícies comerciais, etc. Daí decor-rem quase todas as mortes e ferimentos graves, já queos tremores de terra, por si só, não matam pessoas, oque mata são os acidentes provocados pelo colapso dasestruturas e equipamentos fabricados pelos seres huma-nos. É reconfortante saber, por isso, que a engenhariapossui conhecimentos e técnicas que permitem não sóconstruir edifícios capazes de resistir a sismos degrande magnitude, como também reforçar os imóveismais antigos (nunca esquecendo, claro, que um terra-moto é um acontecimento recheado de imprevistos).Logo, o que está feito está feito, mas pode ser desfeito.O problema, como disse alguém, é que temos menosjuízo do que ciência.

Assim, além da magnitude e da distância ao epicen-tro – quanto mais perto das cidades maiores as suas con-sequências, ou seja, um terramoto fraco pode causarmais mortes e danos materiais do que um terramotoforte se o seu epicentro estiver mais próximo dos aglo-merados populacionais. Outro dos fatores a ter em

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conta é a qualidade antissísmica das estruturas existen-tes (e, como é óbvio, o seu estado de conservação). Paraque se perceba a importância da segurança dos edifícios,um terramoto pequeno pode provocar mais vítimasmortais e deixar mais pessoas desalojadas do que outrode maior magnitude, bastando para isso que, no pri-meiro caso, os edifícios não possuam resistência sís-mica. Por outras palavras, as consequências dos sismosdependem sobremaneira da resistência dessas constru-ções e estão diretamente relacionadas com a boa saúdedas casas, prédios, infraestruturas, etc.

Ora, havendo na Área Metropolitana de Lisboa deze-nas de milhares de edifícios em estado precário de con-servação – cerca de um terço da população da região suldo país vive em casas sem qualquer proteção anti -sísmica, ou seja, mais de um milhão de pessoas dasquais dois terços se referem à Área Metropolitana deLisboa – e não se tendo considerado todo o tipo de edi-fícios, é muito provável que os números do simuladordo LNEC estejam subavaliados e que a catástrofe sejaainda maior.

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Epicentro

0 – 3

3 – 5

5 – 6

6 – 7

7 – 8

8 – 9

9 – 10

10 – 11

11 – 12

Localização aproximada

para o sismo de 1755.

Escala de Intensidades Mercalli

para Portugal continental.

Escala de Intensidades de Mercalli para Portugal continental, segundo a lo-calização aproximada do epicentro do sismo de 1755.Fonte: Carlos Sousa Oliveira, «Efeitos naturais, impacte e mitigação» em MárioLopes (coord.), Sismos e Edifícios, Alfragide/Amadora, Orion, 2008, p. 70.

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AS ZONAS DE RISCO EM LISBOA

Segundo os registos do Instituto de Meteorologia, azona ocidental da cidade de Lisboa tem vibrado commenos intensidade que a zona oriental. Tanto a zona ri-beirinha oriental, desde o Jardim do Tabaco e passandopor Xabregas, como a zona ribeirinha ocidental, onde en-contramos o Cais do Sodré, Santos, Alcântara, Algés ouPedrouços, são áreas de grande risco. Igualmente muitoafetadas poderão ser a Av. da Liberdade, a Praça da Ale-gria, Santa Marta, Pena, Martim Moniz, Av. AlmiranteReis, Anjos, Arroios, Penha de França, ou ainda, maisafastados do centro, Carnide e o vale da Estrada de Ben-fica e o vale de Chelas.

Os resultados do simulador do LNEC identificam asfreguesias da Pena (zona a norte do Martim Moniz,abrangendo por exemplo o Hospital S. José, o Campo deSantana e o Paço da Rainha), de Santo Estevão (em Al-fama) e Carnide como as zonas com maiores percenta-gens de colapso de edifícios. Logo a seguir surgemSantiago, S. Cristóvão e S. Lourenço, S. Miguel, Sé, Ma-dalena, Socorro, S. Nicolau, Mártires, Encarnação, S. Paulo, Santa Catarina, Santos-o-Velho, S. Mamede,

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Santa Justa, Anjos, Penha de França, Campolide, Alcân-tara, Ajuda. Menos afetadas serão, em princípio, aszonas de Benfica, S. Domingos de Benfica, S. João deBrito, S. Francisco Xavier.

Bairros populares e Baixa Pombalina

Quando imaginamos a ocorrência de um terramotoem Portugal, uma das primeiras questões que devemoscolocar é a da segurança estrutural dos edifícios (anti-gos e modernos). Ora, essa é, preci samente, na opiniãode muitos especialistas em engenharia sísmica, agrande incógnita. Regra geral, os edifícios de constru-ção mais antiga foram concebidos antes da legislaçãoantissísmica (a primeira regulamentação foi aprovadaem 1958 e a segunda, atualmente em vigor, em 1983)1,o que quer dizer que, nesses casos, a taxa de desmoro-namentos será muito mais elevada. Na freguesia daPena, o hospital de S. José – uma das principais unida-des de saúde da Área Metropolitana de Lisboa – é segu-ramente um dos casos mais problemáticos, não sódevido ao facto de estar localizado numa zona de granderisco sísmico, como também porque o estado de con -servação daquela amálgama de construções deixa muitoa desejar, estando à vista de todos a sua acentuada

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——————————1 Em ambos os casos devemos acrescentar dois anos, período detempo médio entre a publicação das leis e a finalização das primei-ras construções.

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degradação. Mais a mais, as suas condições de acessi-bilidade são muito limitadas, pelo que as vias ficarãocertamente obstruídas pela queda dos escombros, o quecoloca a questão de saber, por exemplo, como é que seprocederia à transferência dos doentes para outro hos-pital que não tivesse sido afetado pelo terramoto (alémdo hospital de S. José, também o hospital de SantaMaria poderá cair ou ficar severamente danificado, jáque foi construído numa época em que os projetos nãoincluíam cálculos de resistência sísmica). De resto, omau estado geral das vias de circulação, bem como a re-duzida largura das ruas nos bairros históricos, condicio-narão a mobilidade dos serviços de assistência eemergência (a capacidade de resposta dos bombeiros,por exemplo, será bastante afetada, mais ainda do quedurante o incêndio do Chiado). O mais que prováveldesmoronamento dos edifícios antigos vai limitar, senão mesmo impedir, o acesso a essas zonas, podendoalgumas delas ficar isoladas – fazendo com que muitaspessoas morram por falta de assistência médica –, e di-ficultará os trabalhos de recuperação e limpeza.

Nas obras de reabilitação, genericamente, a segu-rança sísmica não é devidamente tida em conta. Comoexiste um vazio legal na recuperação e remodelação des-sas construções, a maioria das obras é de fachada e nãocontempla as medidas de reforço contra sismos. A po-lítica das câmaras municipais é pôr os edifícios bonitosgastando o menos possível. Se por acaso há um enge-nheiro mais consciencializado que chama a atençãopara a questão dos terramotos, a resposta por vezes é

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«não temos mais dinheiro agora, não levante proble-mas, depois logo se vê.»

Em 1755, durante a reconstrução de Lisboa, os edifí-cios da Baixa Pombalina foram pensados para resistira novos sismos, tendo sido utilizado um sistema de pro-teção avançado para a época, as «gaiolas» (uma intrin-cada estrutura de madeira). Posteriormente, devido aosnossos eternos problemas financeiros e à progressivaperda de memória do terramoto, a preocupação com astécnicas antissísmicas foi-se perdendo, como se a catás-trofe de 1 de novembro de 1755 fosse um mero facto his-tórico que nunca mais voltaria a ocorrer.

Algumas das obras realizadas na Baixa violaram a in-tegridade das gaiolas e enfraqueceram, por isso, a resis-tência sísmica das construções pombalinas. Desde logo,não respeitaram os materiais originais, cortando as bar-ras de madeira das paredes das gaiolas para poderem ins-talar as novas canalizações de água e gás, pondo assim emcausa a sua capacidade de transferência das cargas a quepoderão ser submetidas. Depois, a construção de caves delojas e de bancos, de túneis do metro e de parques de es-tacionamento subterrâneos alteraram o escoamento daságuas, bem como os níveis dos lençóis freáticos, e deixa-ram fora de água algumas das estacas de madeira que sus-têm a maioria dos edifícios da Baixa, colocando-as emrisco de apodrecerem (para se conservarem em boas con-dições as estacas têm obrigatoriamente de estar submer-sas) e diminuindo a sua capacidade de suporte.

As estruturas do edificado da Baixa têm sido igual-mente ameaçadas pela eliminação ou remoção de pilares

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