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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 COMPETITIVIDADE DO SEGMENTO DE PRODUÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA DA BOVINOCULTURA DE LEITE NO TERRITÓRIO RIO DOCE KRENAK - RESPLENDOR/MG [email protected] Apresentação Oral-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais VIVIANI SILVA LÍRIO; ALTAIR DIAS MOURA; JOÃO PAULO VALENTE. UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA, VIÇOSA - MG - BRASIL. Competitividade do segmento de produção da cadeia produtiva da bovinocultura de leite no Território Rio Doce Krenak - Resplendor/MG Grupo de Pesquisa: 4 - Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais Resumo Atualmente, os espaços de competição não comportam ações descoordenadas entre agentes de uma mesma cadeia produtiva. Baseando-se nisso, este artigo analisa a competitividade da cadeia da pecuária leiteira, em nível de produção primária, no território Vale Rio Doce Krenak (Minas Gerais – Brasil). Foram realizadas 98 entrevistas com os agentes-chave da região durante o mês de novembro de 2008. As informações recolhidas para a construção da análise, considerando-se 5 fatores principais: tecnologia, gestão, relações de mercado, insumos, estrutura de mercado e ambiente institucional. Os resultados mostraram que, com exceção do fator insumos agrícolas, todos estão contribuindo negativamente para a competitividade do setor produtivo. A produção leiteira apresenta importantes deficiências relacionadas à falta de práticas de gestão agrícola, ausência de serviços de extensão rural, problemas na logística e de conservação ambiental. Assim, importantes ações estruturais são exigidas para reverter esta situação. Palavras-chaves: Pecuária Leiteira, Competitividade, Cadeias Agroindustriais Abstract Nowadays, the business competitiveness has reached important levels. This environment of high-level competition and increasing consumer demands does not allow disconnected arrangements among the agents of the agribusiness chains. This research analyses the competitiveness aspects of the dairy chain in the Rio Doce Krenak territory (Minas Gerais state - Brazil), with focus on the agricultural production level. The study has as a theoretical basis the Commodity System Analysis and the Supply Chain Management approach. 98 semi-structured interviews were conducted in november, 2008. The information gathered was analyzed to build the competitiveness of the chain agricultural sector, considering five main factors: agricultural inputs, technology, market relationship and structure, farm management, and institutional environment. The results showed that, except the agricultural input factor, all the others are contributing negatively to the production sector competitiveness, considering the chain context. The dairy production

Competitividade do segmento de produção da cadeia produtiva da bovinocultura de … · 1 mostra que a agropecuária compõe cerca de 22% do valor adicionado do PIB dos nove municípios

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COMPETITIVIDADE DO SEGMENTO DE PRODUÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA DA BOVINOCULTURA DE LEITE NO TERRITÓRIO R IO DOCE

KRENAK - RESPLENDOR/MG [email protected]

Apresentação Oral-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e

Cadeias Agroindustriais VIVIANI SILVA LÍRIO; ALTAIR DIAS MOURA; JOÃO PAULO VALENTE.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA, VIÇOSA - MG - BRASIL.

Competitividade do segmento de produção da cadeia produtiva da bovinocultura de leite no Território Rio Doce Krenak - Resplendor/MG

Grupo de Pesquisa: 4 - Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas

Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais

Resumo Atualmente, os espaços de competição não comportam ações descoordenadas entre agentes de uma mesma cadeia produtiva. Baseando-se nisso, este artigo analisa a competitividade da cadeia da pecuária leiteira, em nível de produção primária, no território Vale Rio Doce Krenak (Minas Gerais – Brasil). Foram realizadas 98 entrevistas com os agentes-chave da região durante o mês de novembro de 2008. As informações recolhidas para a construção da análise, considerando-se 5 fatores principais: tecnologia, gestão, relações de mercado, insumos, estrutura de mercado e ambiente institucional. Os resultados mostraram que, com exceção do fator insumos agrícolas, todos estão contribuindo negativamente para a competitividade do setor produtivo. A produção leiteira apresenta importantes deficiências relacionadas à falta de práticas de gestão agrícola, ausência de serviços de extensão rural, problemas na logística e de conservação ambiental. Assim, importantes ações estruturais são exigidas para reverter esta situação. Palavras-chaves: Pecuária Leiteira, Competitividade, Cadeias Agroindustriais Abstract Nowadays, the business competitiveness has reached important levels. This environment of high-level competition and increasing consumer demands does not allow disconnected arrangements among the agents of the agribusiness chains. This research analyses the competitiveness aspects of the dairy chain in the Rio Doce Krenak territory (Minas Gerais state - Brazil), with focus on the agricultural production level. The study has as a theoretical basis the Commodity System Analysis and the Supply Chain Management approach. 98 semi-structured interviews were conducted in november, 2008. The information gathered was analyzed to build the competitiveness of the chain agricultural sector, considering five main factors: agricultural inputs, technology, market relationship and structure, farm management, and institutional environment. The results showed that, except the agricultural input factor, all the others are contributing negatively to the production sector competitiveness, considering the chain context. The dairy production

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level presents important drawbacks related to the lack of farm management practices, absence of rural extension services, and problems in the logistics and road infrastructure and environment conservation. Thus, important and structural actions are demanded to revert this situation of competitiveness disadvantage, requiring from the production level agents and related institutions a collaborative way of dealing with this challenges. Key Words: Agricultural sector, dairy chain, competitiveness, Minas Gerais. 1. Introdução

Atualmente, os padrões competitivos ampliaram-se substantivamente. Os espaços de competição de hoje não comportam ações desconectadas e, ou, descoordenadas entre agentes de uma mesma cadeia produtiva agroindustrial e, ao mesmo tempo, os quesitos de exigência aumentaram de forma significativa. Além disso, tornou-se preciso conciliar a visão de avanço global com os modelos conhecidos de produção agrária, lastreados na produção local.

Nesse sentido, a proposta de criação do Território Rio Doce Krenak congrega esforços para a consolidação do território que envolve nove municípios da Região do Médio Rio Doce: Aimorés, Conselheiro Pena, Goiabeira, Itueta, Mutum, Pocrane, Resplendor, Santa Rita do Itueto e São Geraldo do Baixio.

Todos estes municípios, portanto, participam de uma agenda coletiva e têm compromissos formais de ação com vistas à regularização completa do Território. É nesse contexto que se insere a realização do diagnóstico em que se baseia este artigo. Além de ser parte exigida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para a continuidade do processo formal de regularização do Território, existe a necessidade de estabelecer um marco de análise para as realidades rurais e agroindustriais comuns a estes municípios e, além disso, criar espaços para ações continuadas. O foco desta análise é a competitividade da cadeia agroindustrial da bovinocultura de leite, com ênfase no seu elo de produção1.

Na análise sistêmica de competitividade de cadeias produtivas agroindustriais, o foco central é nas características e aspectos que venham a favorecer ou desfavorecer tais cadeias dentro do cenário competitivo. Portanto, um dos aspectos importantes se referem as características e habilidade internas das cadeias.

Deve-se considerar, ainda, que fatores externos à empresa e à cadeia que se esteja analisando influenciam na capacidade competitiva. Dois exemplos importantes são: a existência de uma infra-estrutura adequada para o sistema de distribuição, que melhora a competitividade dos produtos da economia como um todo, e, ou, a interferência governamental, que causa distorções na competitividade a partir de políticas setoriais como concessão de subsídios, entre outras.

1 O elo de produção foi o foco do primeiro levantamento de campo da pesquisa, que terá continuação para estudo dos elos subsequentes da cadeia na região de estudo. No entanto, os resultados deste elo já revelam importantes aspectos que indicam uma possível situação da cadeia produtiva de pecuária de leite, uma vez que ele é o elo primordial da cadeia, pois fornece a matéria-prima principal para todos os demais.

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De uma forma mais estruturada, esses fatores externos podem ser classificados em ambiente macroeconômico2, infra-estrutura econômica3 e infra-estrutura técnico-científica e educacional4, e o desenvolvimento conjunto destes fatores é fundamental para o desenvolvimento da competitividade das empresas, cadeias e da nação. Assim, a competitividade deve ser compreendida como uma variável de caráter sistêmico, resultante da combinação de múltiplos fatores, e não da ação de fatores isolados (SEBRAE 2000).

2. O setor agropecuário e a bovinocultura de leite no Médio Rio Doce

O setor agropecuário ocupa lugar de destaque em todos os municípios componentes do pretenso Território Rio Doce Krenak, e as atividades econômicas ligadas ao agronegócio, mais especificamente à produção agropecuária básica, têm forte peso político, cultural e social. Estas atividades são importantes geradoras de renda e emprego, com muitos impactos e desdobramentos na economia local.

Em relação à participação das diferentes atividades na composição do PIB, a Figura 1 mostra que a agropecuária compõe cerca de 22% do valor adicionado do PIB dos nove municípios estudados. Mesmo considerando que a maior parcela advém do segmento “serviços”, o que se repete em praticamente toda a estrutura produtiva brasileira, a participação da agropecuária é expressiva, perto de ¼ do total, muito acima da média nacional.

22%

18%

53%

7%

Valor adicionado na

agropecuária

Valor adicionado na

Industria

Valor adicionado no

Serviço

Impostos sobre

produtos líquidos de

subsídios

Fonte: IBGE, 2008.

Figura 1 – Participação dos diferentes setores na composição do Produto Interno Bruto (PIB) Agrícola.

2 Envolvendo: taxa de inflação, taxa de juros, taxa de câmbio, estrutura tributária, política salarial, entre outros. 3 Engloba, entre outros, transporte de carga, armazenagem, sistema portuário, energia e comunicações. 4 Caracterizado pelos seguintes fatores: ensino básico e superior, institutos e centros de pesquisa, laboratórios, instituições de normalização e certificação de qualidade, ensino técnico especializado, etc.

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Segundo dados da Fundação Vale, relativos aos anos de 2006 e 2007, dentre as atividades econômicas desenvolvidas, as de maior expressão comercial são a pecuária de leite, a cafeicultura, a pecuária de corte e a rizicultura.

Grande parte da produção local é comercializada “in natura” para outros municípios (vários localizados fora de Minas Gerais), que dominam as cadeias de produção agroindustriais. Aliás, esta é uma questão importante a ser considerada. Na região sob análise, predomina a estrutura em torno da produção primária, não sendo encontrada, mesmo no caso do leite, uma cadeia em ciclo completo, envolvendo a produção de insumos para produção agropecuária, a produção em si, o processamento, a distribuição e o consumo. As decorrências são objetivas: o encurtamento da cadeia e a prevalência de um dos elos sobre os demais criam um desbalanço importante, comprometendo o desenvolvimento de formas de governança eficientes.

Além da relatada prevalência das atividades econômicas ligadas ao setor primário local, estas podem ser caracterizadas como pouco diversificadas, minimamente verticalizadas, com baixa agregação de valor e retraídos conhecimentos sobre o estado da arte das diferentes atividades rurais consideradas. Outro fator que merece atenção é a baixa diversificação e, ou a restrita consorciação da produção, que acaba por reforçar o retorno financeiro restrito da atividade agropecuária na região, criando espaços largos para a instabilidade frente às oscilações de mercado, aos ciclos da economia, às eventuais quebras de safra e demais choques de oferta.

A grande participação da agropecuária na produção da região é liderada pela pecuária de leite e, também, pela cafeicultura. A primeira atividade é o foco de estudo deste artigo.

O estado de Minas Gerais responde por aproximadamente 30% da produção leiteira do País. Para Pereira e Andrade (2002), a aptidão e a importância da atividade leiteira para o estado de Minas Gerais são indiscutíveis. No entanto, dados recentes indicam que mesmo nas regiões de maior produtividade leiteira, os produtores têm enfrentado dificuldades importantes em manter dentro de padrões aceitáveis de sustentabilidade. Ainda assim, a produção tem crescido. De acordo com os levantamentos da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, a produção leiteira, em 2008, bateu um recorde um recorde histórico. A previsão inicial é que o Estado tenha alcançado uma produção de 7,6 bilhões de litros de leite, um aumento de 3,7% em relação ao ano anterior.

Em relação ao custo de produção do leite em Minas, recente estudo da Embrapa mostrou que houve aumento aproximado de 19% no último ano o que, somado a tendência descendente dos preços, começa a preocupar os produtores.

A média estadual é de 4,6 litros/vaca/dia (Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, 2008). Os números apresentados mostram que a produtividade ainda é baixa, se considerado o potencial a ser alcançado. Estudos da Embrapa Gado de Leite, sediada em Coronel Pacheco – MG mostram que a produtividade média poderia chegar a 10 ou 15 litros/vaca/dia, em condições melhores de condução da atividade.

Outro fator interessante é a concentração na esfera do processamento de leite. Segundo Pereira e Andrade (2002), em Minas Gerias, o número de propriedades rurais onde o leite é a atividade econômica principal gira em torno de 500 mil, enquanto dez empresas compram 96% do leite produzido.

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3. Referencial Conceitual

Nesta pesquisa, optou-se por seguir, como metodologia de análise fundamental, o enfoque sistêmico de produto (Commodity Systems Approach – CSA). De forma adicional, complementa-se essa abordagem com as contribuições teóricas do gerenciamento da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management – SCM). A opção por essa análise conjunta deve-se, fundamentalmente, à adequação dos modelos e ao fato de, em experiências anteriores, a complementaridade entre essas abordagens teóricas ter favorecido significativamente a realização de outros estudos sobre cadeias produtivas agroindustriais5.

De fato, a utilização conjunta desses dois modelos é interessante, porque o primeiro (CSA) está mais relacionado à observação macro do sistema e as medidas de regulação dos mercados, geralmente implementadas por órgãos governamentais, enquanto o segundo (SCM) enfoca os mecanismos de coordenação do sistema implementados por seus próprios integrantes (empresas privadas).

De acordo com Silva e Batalha (1999), a abordagem sistêmica do CSA está fundamentada em estudos originalmente desenvolvidos nas ciências biológicas e engenharias, que encontraram receptividade em outras disciplinas a partir da década de 1940. Ainda segundo estes autores, a principal característica dessa abordagem é que a interdependência dos componentes é reconhecida e enfatizada. Como exemplo, os autores citam que em análises sobre o desempenho de sistemas não é incomum a identificação de problemas que, embora aparentes apenas em determinado componente, tenham sua origem em outros componentes remotamente localizados no espaço ou no tempo. É nesse aspecto que as considerações de Staaz (1997), citada em Silva e Batalha (1999) ganham relevância. Segundo a autora, as inter-relações dos elementos de um sistema, geralmente, envolvem mecanismos de propagação e realimentação, os quais dificultam a identificação de ciclos de causa-efeito ou de estímulo-resposta, a partir de análises tradicionais segmentadas por elementos. O enfoque sistêmico do produto é guiado por cinco conceitos-chave:

1. Verticalidade – significa que as condições em um estágio são provavelmente influenciadas fortemente pelas condições em outros estágios do sistema.

2. Orientação por demanda – a idéia aqui é que a demanda gera informações que determinam os fluxos de produtos e serviços através do sistema vertical.

3. Coordenação dentro dos canais – as relações verticais dentro dos canais de comercialização, incluindo o estudo das formas alternativas de coordenação, como contratos, mercado aberto etc., são de fundamental importância, motivo pelo qual serão consideradas em maiores detalhes mais adiante.

4. Competição entre canais – um sistema pode envolver mais que um canal (por exemplo, exportação e mercado doméstico), restando à análise sistêmica de produto

5 O termo Cadeia Produtiva (ou Cadeia de Produção) refere-se, na percepção de Batalha et al. (1997, p. 26) a

“uma sucessão de operações de transformação dissociáveis, capazes de ser separadas e ligadas entre si por um encadeamento técnico” ou “um conjunto de relações comerciais e financeiras que estabelecem, entre todos os estados de transformação, um fluxo de troca, situado a montante e a jusante, entre fornecedores e clientes”. Nesta pesquisa, que tem por objeto de análise a bovinocultura de leite, utiliza-se a denominação Cadeia Produtiva Agroindustrial (CPA), Cadeia Produtiva (subentendendo-se tratar de setor agroindustrial) ou mesmo Cadeia Agroindustrial.

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entender a competição entre os canais e examinar como alguns canais podem ser criados ou modificados para melhorar o desempenho econômico.

5. Alavancagem – a análise sistêmica tenta identificar pontos-chave na seqüência produção-consumo, em que ações podem ajudar a melhorar a eficiência de grande número de participantes da cadeia de uma só vez. Outra característica fundamental do enfoque sistêmico é que o sistema não se

constitui a mera soma das partes de um todo. Admite-se que o sistema expresse uma totalidade composta dos seus elementos constituintes. Entretanto, de acordo com Silva e Batalha (1999), “a noção de sistema é maior do que a soma das partes, ou seja, deve-se demonstrar que o sistema se caracteriza pelos padrões de interações das partes e não apenas pela agregação destas”.

Em face dessa visão, pode-se assegurar que a identificação dos elementos, juntamente com as suas propriedades isoladas, não é suficiente para expressar um sistema. Nessa estrutura conceitual, o sistema agroindustrial provém de padrões sistemáticos de interação dos produtores, sindicatos, usinas, indústrias de alimentos e farmacêutica, varejo, consumidores etc. e não da agregação de propriedades desses componentes.

Recentemente, dentro da mesma lógica de sucessão de etapas produtivas, logísticas e comerciais definindo um espaço de análise interessante para incrementar a eficiência do sistema, foi desenvolvida a noção de Supply-Chain Management (SCM) ou Gestão da Cadeia de Suprimentos. A noção básica dessa abordagem se aproxima muito da estabelecida pela CSA. Segundo Bowersox e Closs (1996), o SCM baseia-se na crença de que a eficiência ao longo do canal de distribuição pode ser melhorada pelo compartilhamento de informação e planejamento conjunto entre seus diversos agentes. 3.1. Metodologia empregada na análise da cadeia produtiva agroindustrial da bovinocultura de leite do Território Rio Doce Krenak

A consecução do trabalho foi desenvolvida em etapas distintas. Primeiramente, utilizou-se uma abordagem metodológica que mesclou o uso intensivo de informações de fontes secundárias com a realização de entrevistas, através de um processo de amostragem intencional. No levantamento bibliográfico, destacam-se as informações institucionais, fundamentalmente as coletadas junto às bases do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Fundação João Pinheiro, e o relatório de pesquisa da COPAGRI6, empresa incubada pela Universidade Federal de Viçosa que, em 2006, realizou levantamento censitário para o município de Aimorés sobre as cadeias do leite, fruticultura e artesanato.

No levantamento primário foram utilizados questionários e entrevistas (roteiros semi-estruturados), em um total de 98 contatos com agentes-chave (96 de forma presencial e 2 de via telefone).

Uma das vantagens desse procedimento refere-se ao fato de que, com esta prática, a coleta de informações é relativamente rápida. Entretanto, é preciso destacar que o levantamento de informações, através dessa prática metodológica, possui também algumas 6 Agradecimento especial se destaca aqui ao Instituto Terra e Sebrae-MG, escritório de Aimorés , financiadores da pesquisa, e à Copagri, pela disponibilização irrestrita dos dados. Mesmo considerando serem referente a apenas um dos municípios analisados, em muito auxiliou o acesso aos documentos, em virtude da similaridade, em outros municípios, de muitos desafios enfrentados pelo meio rural aimoreense.

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limitações: como os métodos de avaliação ocorrem após os eventos, os participantes podem esquecer-se de informações importantes ou, se o questionário é muito extenso, os participantes podem responder superficialmente (TROCHIM, 2002).

Para a avaliação dos padrões de eficiência da cadeia produtiva o estudo tomou por base a metodologia originalmente proposta por Van Duren et alii (1993), adaptada por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa - UFV e Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (SILVA e BATALHA, 1999). Este enfoque considera que a eficiência em um sistema produtivo é determinada por fatores diversos, sobre os quais é possível ou não o exercício de controle pelas empresas ou pelo governo. Assim, cada elemento é primeiramente classificado como controlável, quase-controlável, controlável pelo governo ou não controlável pelos agentes que participam da cadeia produtiva analisada.

Em seguida estes fatores, aqui classificados como ‘direcionadores’, são agrupados em seis grandes blocos: tecnologia, gestão, relações de mercado, insumos, estrutura de mercado e ambiente institucional. A partir de então os direcionadores são desdobrados em subfatores, são identificados e analisados quanto à intensidade em que contribuem, favorável ou desfavoravelmente, para a eficiência dos setores. Assim sendo, o direcionador tecnologia pode ser, por exemplo, desdobrado nos subfatores assistência técnica, tecnologia disponível etc. A Figura 2 explicita o processo.

A partir das informações coletadas nas entrevistas e na pesquisa preliminar (revisão de literatura), cada subfator recebeu uma pontuação, sendo que, na soma final, os subfatores de cada direcionador somaram peso 1,00. A pontuação dada a cada direcionador orienta-se pela escala de Likert, que varia de –2 a 2, sendo que a pontuação -2 classifica o direcionador como Muito Desfavorável, -1 como Desfavorável, 0 como Neutro, 1 como Favorável e 2 como Muito Favorável.

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Insumos

Produç ão

(repete a análise)

Pr oc essamento

(repete a análise)

Dist r ibuiç ão (repete a análise)

Insumos

Tecnologia

Relações de Mercado

Estrutura de Mercado

Gestão

Ambiente Institucional

Dire

cion

ado

res

Sub

fato

res

E

lem

ento

s de

aná

lise

Disponibilidade, qualidade, preço (água, terra, outros)

Estado da Arte, acesso e disponibilidade de técnicos.

Relacionamento entre os agentes (vertical), formação de preços, inadimplência, entre outros.

Gestão técnica, gestão administrativa, investimentos.

Organização dos agentes, logística, concentração.

Política e fiscalização tributária, ambiental e trabalhista, disponibilidade de crédito, entre outros.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 2 – Apresentação esquemática da análise da competitividade de uma cadeia produtiva a partir dos direcionadores e subfatores.

De acordo com TROCHIM (2002), a escala de Likert apresenta um ‘jogo de

indicações’ da atitude. Os ‘assuntos’ são medidos para expressar o acordo ou o desacordo dos indivíduos em relação ao objeto de estudo. A cada grau de acordo ou desacordo, ou seja, a cada resposta dos indivíduos, é dado um valor numérico dentro da escala, que varia de –2 a 2. Nesse sentido, a escala de Likert é um método unidimensional, onde devem ser seguidas algumas etapas básicas para seu desenvolvimento: 1. Definir o foco: a primeira etapa é definir o objeto a ser medido. 2. Gerar a base da escala (direcionadores e subfatores): pode ser criada pelo

pesquisador, baseada na compreensão íntima do objeto estudado ou desenvolvida com base em pesquisas já realizadas sobre o assunto7.

3. Avaliar a escala: a etapa seguinte é fazer uma avaliação dos direcionadores e subfatores que caracterizam a escala. Neste caso, como comentado, a escala varia de –2 a 2, onde a pontuação –2 classifica o direcionador como muito desfavorável, -1 como desfavorável, 0 como neutro, 1 como favorável e 2 como muito favorável.

4. Verificar as inter-relações entre direcionadores: a etapa seguinte é computar as inter-relações existentes entre todos os pares dos artigos, baseado nas avaliações feitas na etapa anterior.

5. Administrar a escala: esta é a etapa onde a escala de Likert se encontra pronta para ser utilizada.

7 Essa foi a opção da pesquisa. A base da escala (direcionadores e subfatores) foi escolhida tendo por referência trabalhos já publicados para as cadeias agroindustriais desenvolvidos pelo SEBRAE Nacional.

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De acordo com SEBRAE (2000), para se agregar as avaliações dos subfatores ao nível dos direcionadores, a escala qualitativa recebeu uma transformação numérica no intervalo de –2 (MD) a +2 (MF), com gradação unitária8. Atribuíram-se ainda pesos diferenciados aos subfatores, pois se reconhece que estes possuem impactos não uniformes sobre o resultado da avaliação de cada direcionador. Com esse procedimento, a avaliação final dos direcionadores é dada pela fórmula; Em que: Y= avaliação final do direcionador; Zi= avaliação dada ao subfator i;

Wi= peso atribuído ao subfator i; n = número de subfatores constituintes do direcionador; A partir desse procedimento, foi realizada a elaboração de tabelas e gráficos que, de forma condensada, tornam visuais os resultados da análise. Além disso, o cruzamento dos dados disponíveis na forma tabular e sua posterior formatação gráfica permitiram a identificação dos principais estrangulamentos existentes na cadeia produtiva e a construção de proposições para sua superação.

4. Resultados e discussão O Quadro 1 e a Figura 2, a seguir apresentados, mostram as análises dos direcionadores e subfatores para a cadeia produtiva agroindustrial da bovinocultura de leite no proposto Território Rio Doce Krenak.

8 Conforme ressaltado por Silva e Batalha (1999), “..a rigor, o uso de escalas como a aqui adotada, permite, tão somente, o ordenamento e classificação relativa da intensidade dos subfatores analisados, não sendo totalmente apropriado o tratamento quantitativo dos valores atribuídos. No entanto...é prática usual nas Ciências Sociais a suposição que medidas ordinais, como a aqui proposta, são aproximações de intervalos iguais de medição”. Os mesmos autores citam trabalhos que dão suporte conceitual e empregam procedimentos similares ao seguido nesta avaliação.

∑=

=n

i

iWZY i

1

(1)

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Quadro 1: Análise dos direcionadores e subfatores considerados na produção de leite nos municípios componentes do Território Rio Doce dos Krenak.

DirecionadoresNC QC CG CF Indicador Peso Repr. Indicador Cálculo

Insumos e Recursos Naturais

Insumos Agropecuários

. Disponibilidade X F 0,30 1 0,30

. Qualidade X X MF 0,25 2 0,50

. Preço X N 0,20 0 0,00

. Critérios de Pagamento X F 0,25 1 0,25

1,00 1,05

Recursos Naturais

. Disponibilidade água X X MD 0,50 -2 -1,00

. Qualidade água X D 0,20 -1 -0,20

. Disponibilidade de terra X F 0,10 1 0,10

. Qualidade da terra X X F 0,20 1 0,20

1,00 -0,90

Tecnologia

Estado da arte no território X X MD 0,20 -2 -0,40

Acesso a tecnologia X X MD 0,20 -2 -0,40

Disp. De técnicos para assistência X X MD 0,40 -2 -0,80

Programa de apoio existentes X X F 0,20 1 0,20

1,00 -1,40

Relações de Mercado

Formação e evolução Preços/ Formas Pagamento X D 0,40 -1 -0,40

Grau de rivalidade entre agentes X F 0,30 1 0,30

Grau de inadimplência X F 0,30 1 0,30

1,00 0,20

Estrutura de Mercado

Grau de concentração e tamanho do mercado X D 0,20 -1 -0,20

Grau de organização dos agentes X X D 0,30 -1 -0,30

Condições Logísticas X X MD 0,50 -2 -1,00

1,00 -1,5

Gestão

Capacitação e treinamento dos agentes X X MD 0,25 -2 -0,50

Gestão técnica X MD 0,25 -2 -0,50

Gestão Administrativa X MD 0,25 -2 -0,50

Programas de qualidade e certificação X X D 0,10 -1 -0,10

Investimento X X MD 0,15 -2 -0,30

1,00 -1,90

Ambiente Institucional

Fiscalização/ controle fiscal e trabalhista X D 0,15 -1 -0,15

Fiscalização/ controle sanitário e ambiental X D 0,15 -1 -0,15

Disponibilidade e acesso ao crédito X D 0,30 -1 -0,30

Programas de apoio ao território X D 0,15 -1 -0,15

Política comercial externa X MD 0,05 -2 -0,10

Ações institucionais X MD 0,20 -2 -0,40

1,00 -1,25 Fonte: Resultados da Pesquisa. Legenda: NC: não controlável pela firma; QC: quase controlável pela firma; CG: controlável pelo governo; CF: controlável pela firma; MD: muito desfavorável (pontuação -2); D: desfavorável (pontuação -1); N: neutro (pontuação 0); F: favorável (pontuação +1); MF: muito favorável (pontuação +2).

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Insumos

agropecuários

Recursos

naturais Tecnologia

Relações de

Mercado

Estrutura de

MercadoGestão

Ambiente

Institucional

Pontuação - Escala de Likert 1,05 -0,90 -1,40 0,20 -1,5 -1,90 -1,25

-2,00

-1,50

-1,00

-0,50

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

Fonte: Resultados da pesquisa.

Figura 1: Síntese da análise da competitividade da produção de leite nos municípios do Território Rio Doce dos Krenak.

4.1. Análise dos direcionadores e subfatores da cadeia de bovinocultura de leite 4.1.1. Insumos Os insumos para o elo da produção foram segmentados em insumos agropecuários e recursos naturais. Isso foi fundamental para a realização de uma análise mais cuidadosa acerca do real padrão de comportamento desse direcionador. Sendo assim, tanto na tabela, quanto na figura e no próprio texto, tais aspectos serão considerados separadamente, ainda que constituam a base dos insumos utilizados na produção agropecuária da região. Os elementos considerados para a análise dos insumos para a produção agropecuária dos municípios do Território Rio Doce dos Krenak foram os seguintes: disponibilidade, qualidade, preço e critérios de pagamento. No caso dos recursos naturais, foram observadas a terra e a água, dentro dos mesmos parâmetros de subfatores. O resultado final obtido foi positivo: 1,05.

Em termos gerais, a primeira questão a ser colocada a respeito dos insumos refere-se ao seu baixo uso em toda a região. Ainda assim, todos os respondentes foram coesos ao indicarem que os municípios não carecem com a falta de acesso aos insumos. Existem boas lojas, os revendedores são razoavelmente assíduos e sempre que necessário consegue-se o insumo desejado. Mesmo quando há necessidade de algo mais específico, como o território é limítrofe a grandes centros, não existem maiores dificuldades, mesmo considerando-se as despesas com frete. Foi destacado, por parte substantiva dos entrevistados, que as cooperativas exercem papel importante nesse processo, inclusive apoiando, ainda que de forma esparsa, a oferta de ração para alimentação animal (misturada na cooperativa). Na prática, a observação mostrou que, na maioria dos casos, a cooperativa funciona como um ponto de apoio para a “compra conjunta”, ou, em outros, como uma espécie de loja mais adequada ou acessível. É preciso, entretanto, segmentar a cadeia nesse ponto de análise. Ao que se pode perceber, são poucos os produtores de leite que utilizam em suas propriedades elementos de apoio nutricional como rotina na sua atividade. Entretanto, outros insumos, como as

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vacinas, por exemplo, foram destacadas como parte da rotina, sempre utilizadas segundo os calendários formais. No que se referem à qualidade, as queixas foram poucas e esparsas. Na realidade, na seção a seguir, que trata da tecnologia, várias referências foram feitas em relação aos insumos, mais no sentido do seu uso (e padrão de uso) do que à qualidade em si. O fator qualidade, inclusive, foi citado pela maioria como um dos principais critérios de compra. No que tange ao preço, a referência principal para a maioria dos entrevistados, já era esperado descontentamento. Entretanto, esse ocorreu de forma um pouco diferente do esperado: ao invés de reclamar do preço em si, a maior parte dos produtores queixou-se, mesmo sem ter consciência de tal, da deterioração dos termos de troca. Em outras palavras, a relação entre o preço dos insumos e o preço dos produtos (preço recebido por eles) era a preocupação central. De fato, esse aspecto - a descapitalização dos produtores - foi constantemente destacado por todos os entrevistados, fossem eles produtores ou não. Apesar das diferentes abordagens e das variações existentes entre entrevistados e regiões, não se percebeu distinção marcante entre eles, que justificasse uma análise segmentada por município. Em relação aos critérios de pagamento, foram muitas as opções, à exceção da rotina do pagamento à vista. A maior parte dos entrevistados indicou ser o pagamento a prazo (30 ou 45 dias) o mais comum, existindo também o parcelamento e a possibilidade de pagamento via produto, nas aquisições realizadas nas cooperativas agropecuárias. Já no caso dos recursos naturais, os resultados não foram tão otimistas, sobretudo em relação à água. Geralmente, o aceso à disponibilidade hídrica foi tido como um problema, mais grave hoje do que no passado, por parte de muitos entrevistados. A grande maioria, ainda que confrontados com a realidade da lembrança que a sazonalidade dos cursos d’água sempre foi uma realidade local, ainda assim insistem em ser este um problema crucial. Não foram poucos os produtores, e mesmo entrevistados de outras áreas de atuação, que citaram o desmatamento e o pisoteamento (animais) das nascentes como algo comum em todas as regiões.

Os projetos de recuperação, nesse sentido, ainda que existentes, são escassos, uma vez que a total recuperação demandaria recursos em grande volume e, mais que isso, a existência de projetos coordenados entre os diferentes municípios. Também foram consideradas as questões relativas à qualidade da água para a agropecuária. Basicamente, as queixas e dúvidas dos entrevistados dividem-se em dois grandes grupos: a perda de qualidade pelo lançamento de dejetos e represamento e a salinidade da água pluvial, quando disponível para a construção de poços artesianos.

Além da água, naturalmente a terra tem efeito determinante nas condições locais. Segundo as descrições dos entrevistados e as análises realizadas por diferentes instituições de pesquisa, a qualidade da terra é de “boa” a “muito boa”, em quase toda a região. Aliás, segundo algumas citações colhidas no levantamento de campo, é a excelência na qualidade da terra que tem garantido, frente à descapitalização dos produtores, a manutenção de patamares mínimos de produtividade. Foi a qualidade da terra que contrapôs, em parte, o resultado negativo desse direcionador.

4.1.2. Tecnologia A tecnologia de produção é, em conjunto com as questões climáticas, um problema grave para a competitividade das cadeias produtivas selecionadas. A base tecnológica

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média é ruim, a produtividade média encontra-se aquém do esperado e o uso de manejos adequados às atividades desenvolvidas é praticamente inexistente. Esse conjunto de assertivas, embora apresente pequena variação entre atividades e municípios, pode ser descrito como a regra regional. Os resultados foram muito negativos: -1,40. Os subfatores considerados foram: estado da arte, acesso a tecnologia, disponibilidade de técnicos para assistência e programas existentes.

No caso do estado da arte, aqui entendido como a avaliação do que se encontra em uso na região frente à tecnologia disponível para as cadeias avaliadas, a classificação encontrada é, sem dúvida, muito ruim. Para o leite, naturalmente traçando uma média e não considerando os eventuais empreendimentos que utilizam adequadamente os procedimentos técnicos, o que se observou é a quase inexistência de técnicas de manejo adequadas. Isso pode ser considerado desde aspectos simples, como a complementação nutricional do gado (que raramente ocorre), até o uso de práticas de manejo dos animais, rotação de pastagem, uso de gramíneas em variedades mais resistentes e, ou nutritivas, ou melhoria das condições genéticas do rebanho. Esse é, aliás, um ponto muito importante. A qualidade média do gado é baixa, considerando os padrões genéticos desejáveis, o que tornam “caras” as iniciativas para melhorias na produção de leite. Em outras palavras, a baixa qualidade genética do rebanho impede ganhos efetivos de produtividade, através da melhoria da qualidade nutricional da alimentação. A maior parte dos animais tem limites de produção em torno dos 5 litros/vaca/dia, isso considerando aspectos otimistas, já que vários produtores afirmaram que o padrão verdadeiro aproxima-se de 3 litros/vaca/dia. Ao longo da pesquisa de campo, não foram encontradas referências regulares de controle de monta (estação de monta), separação adequada dos bezerros, suplementação alimentar dos mesmos, uso de rotação de pastagem ou adubação das mesmas, entre outras questões fundamentais à melhoria das condições de produção de leite na região. No que se refere à tecnologia relacionada às práticas de manejo da pecuária de leite, também são pouco otimistas as conclusões. Grande parte da ordenha de leite é manual e, ainda que exista a possibilidade de resfriamento, existe grande heterogeneidade do produto, o que compromete a qualidade final. Embora os produtores tenham boa idéia do processo de retirada e conservação do leite, fica a idéia de que o controle sanitário, embora bem-feito quando se trata das vacinas e controles de doenças, deixa a desejar quando se considera todos os procedimentos de manejo higiênico recomendados. Essas referências explicitam, entre outras questões, o distanciamento de alguns produtores da realidade tecnológica e, por sua vez, remetem ao segundo subfator a ser considerado: o acesso a tecnologia. Assim como em outras regiões e cadeias, analisadas preteritamente em outras oportunidades de pesquisa, o acesso à tecnologia vem-se mostrando, com regularidade, um entrave à competitividade. Salvo nos casos em que o fluxo da produção deriva, preponderantemente, de grandes empresas agrícolas, que comportam e até exigem, o uso de tecnologia de ponta, o conhecimento e acesso às “novas formas de fazer“ a produção agrária ainda é relativamente escasso. Naturalmente, esse não é um fator isolado e encontra-se em paralelo às duas outras questões destacadas como subfatores de análise (assistência técnica e programas existentes). Entretanto, em relação ao acesso propriamente dito, é preciso que se considere o distanciamento do produtor das fontes de informação. Ao que se pôde perceber, na região analisada o padrão usual é de consulta, quando esta existe, a vendedores e lojistas. Mesmo

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a usual conversa com outros produtores ou a busca de informações – de forma periódica e organizada – junto às poucas associações e cooperativas existentes não é usual. No conjunto do levantamento das informações, também foi citado, por mais de uma vez, em mais de um município, que o fator cultural contribui para a falta de motivação à busca por novas tecnologias, por parte dos produtores. O pensamento de que “já se sabe fazer” ou que o histórico recente indica que uma ou outra forma de manejo é a adequada, restringe, senão impede, a vontade e a disposição de conhecer novos padrões, isso considerando a busca autônoma. Essa referência à falta de motivação para informações seguras sobre novas tecnologias se vale, também, da essência de diferentes comentários que resumem a seguinte questão: a população rural dos municípios que compõem o Território está envelhecendo e os herdeiros (filhos e netos) não querem ficar na “roça”, portanto, os residentes não se sentem motivados a mudar, embora alguns estejam abertos a alterações, desde que esses conhecimentos lhe sejam levados in loco. Essas considerações não têm, naturalmente, a intenção de explicitar as dificuldades que envolvem o serviço de assistência técnicas e dos profissionais envolvidos nesta função essencial ao setor agropecuária. Na realidade, é mais do que isso: sem apoio adequado, sem a criação de parcerias que lhes minimizem a necessidade de exercer tarefas burocráticas, esses profissionais, por mais dedicados que sejam, não têm condições de atender a demanda por assistência técnica conseguindo, quando muito, apoiar iniciativas dos empresários rurais ou ajudá-los na captação de recursos. É importante deixar claro que sem superar esse entrave, acredita-se que será bastante difícil introduzir tecnologias (tanto aquelas já tradicionais e não utilizadas, quanto àquelas consideradas novas) de forma mais intensa nas propriedades rurais das localidades visitadas, considerando-se, também, que muitos produtores têm um perfil mais conservador em relação à adoção de novas práticas. Trasladando essas questões para um âmbito mais específico, pode-se visualizar melhor a questão. No caso da bovinocultura de leite, além do apoio ofertado pelas cooperativas diretamente nas reuniões coletivas ou em atendimento a demandas individuais, o Programa de maior ênfase é o Balde Cheio. Idealizado pela Embrapa Pecuária Sudeste com o intuito de aprimorar o desenvolvimento – e a competitividade – da pecuária leiteira em todo o País, o Programa tem-se mostrado exitoso nos municípios do Território nos quais foi implantado. Os resultados, ainda que preliminares, são otimistas: os produtores participantes tiveram sua produtividade praticamente dobrada em pouco mais de um ano e os resultados sobre a rentabilidade média também foram bons. Segundo os entrevistados, o efeito só não foi melhor porque a defasagem tecnológica e de infra-estrutura era de tal porte que exigiu investimentos importantes, que criaram um sobrepeso nos custos de produção. Como conseqüência, os ganhos advindos dos aumentos de produtividade foram parcialmente “consumidos” pelo crescimento dos custos de produção, que nem sempre são visualizados como investimentos na atividade e sim como despesas correntes. Esse primeiro momento de desafio – recuperação da infra-estrutura mínima de produção – fez com que alguns dos participantes saíssem do Programa e que outros, ainda não signatários, resolvessem esperar mais. Ainda assim, segundo relatos dos técnicos entrevistados e dos próprios produtores, os resultados são favoráveis, principalmente na fase de manutenção das ações do Programa.

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De toda sorte, é de se esperar ganhos sociais importantes dentro da cadeia de bovinocultura de leite, caso fosse ampliado o uso de técnicas de manejo mais modernas e eficientes. Inclui-se aqui também, ganhos advindos da melhoria da qualidade ambiental, já bastante comprometida em toda a região.

A percepção, tanto dos produtores quanto dos técnicos entrevistados, e mesmo dos agentes ligados a outras esferas de interesse, é unânime: o padrão usual ainda é, até certo ponto, exploratório, o que restringe a percepção da importância de práticas conservacionistas. Considerando a restrição hídrica, esse ponto torna-se ainda mais importante, elevando a questão tecnológica ao posto de item fundamental para a construção da competitividade agropecuária nos municípios pertencentes ao território. 4.1.3. Relações de Mercado Na avaliação do direcionador relações de mercado, são considerados aspectos como formação e evolução dos preços e formas de pagamento; grau de rivalidade entre os agentes ao longo da cadeia (insumos e processamento); grau de inadimplência etc. Os resultados foram positivos e iguais a 0,20. De forma geral, o critério de formação de preços que será tratado em paralelo com a evolução dos mesmos, segue o padrão usual em outras regiões, onde o produtor é, simplesmente, um tomador de preços. Isso implica em dizer que ele vivencia a desconfortável posição de tomar preços quando compra os insumos (pergunta quanto custa e decide quanto compra) e tomar preços quando vende sua produção (pergunta quanto se paga e decide quanto irá vender, o que, em caso de produtos perecíveis, implica em pressão direta pela venda). Esse padrão vigora para todas as cadeias produtivas, havendo, entretanto, a queixa, embora em várias vezes improcedente, de manipulação dos valores por parte dos compradores. A reclamação mais recorrente por parte dos produtores de leite refere-se ao fato de que “a cooperativa paga quanto quer” e “não incentiva a produção de qualidade”. Nesse espaço, todavia, há que se considerar alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, certamente que as pressões pela rentabilidade impõem a transferência, para a cooperativa ou laticínio, das responsabilidades pela formação do preço, o que, de fato, não ocorre, ao menos regularmente. As variações nos preços, sazonais ou decorrentes de problemas sanitários (importantes em Minas Gerais), criam poucos espaços de manobra para as indústrias de leite. Ainda assim, é importante destacar que o processo de formação de preços não é local, refletindo, em última instância, os níveis praticados nas regiões pólo da produção pecuária. Com isso não se pretende desconsiderar a verdadeira perda do poder de compra dos pecuaristas, principalmente pela elevação dos custos fundamentais de produção. Entretanto, sabem-se não ser de responsabilidade exclusiva das empresas processadoras os problemas enfrentados. No caso do pagamento por volume e, ou, qualidade, as queixas parecem mais consistentes. Em relação ao volume, as informações são de que os valores pagos não condizem com o esforço e o investimento pelo ganho de escala. Além disso, é preciso considerar a percepção invertida de muitos produtores: para eles a cooperativa deveria apoiar (pagando mais) justamente ao pequeno produtor, mais descapitalizado. Apenas essa colocação, que se repetiu por várias vezes, deixa claro que pouco se conhece e, ou, se divulga, das realidades administrativas da cooperativa. A lógica da

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cooperação, que não prescinde, principalmente nos dias atuais, da busca pela eficiência, indica que a educação cooperativista ainda é tema pouco aprofundado entre os cooperados. Poder-se-ia pensar, entretanto, em modificar os sistemas de pagamento extra-cota, ou criar sistemas de prêmio por média de volume entregue, com critérios divulgados e discutidos, de forma a incentivar uma modificação de comportamento. No que se refere às diferenças de pagamento por qualidade, os problemas observados dividiram-se em dois grandes grupos. Em primeiro lugar, os produtores julgam ser pouco expressivo o valor acrescido ao preço do litro de leite, de forma que a relação custo-benefício não é proveitosa o suficiente. Em segundo, há a questão da mistura do leite: se um conjunto de produtores executa todas as etapas de produção de forma adequada e apenas um, que com eles divide o tanque de expansão, não o faz, fica difícil manter padrões de qualidade homogêneos ao longo do tempo. Além disso, o rastreamento do produtor que origina o problema é complicado, na medida em que boa parte do monitoramento ocorre no ato da entrega do leite na usina. No que se refere ao relacionamento entre os agentes, cooperação ou rivalidade, os entrevistados afirmaram que a regra é a cooperação. Segundo eles, as perdas de lucratividade, as dificuldades financeiras e a ausência de expectativas consolidadas sobre o futuro dos mercados geram incerteza e acirram os ânimos. Entretanto, na percepção da maioria dos agentes, esses fatos não culminam em rivalidade. Não existem, entretanto, alianças mercadológicas, parcerias (insumos e processamento) para aprimoramento do produto ou regras mais explícitas de coordenação. 4.1.4. Estrutura de Mercado Dentro do direcionador estrutura de mercado, são considerados os subfatores grau de concentração e tamanho do mercado regional, grau de organização dos agentes e condições logísticas, com ênfase na capacidade de armazenamento e escoamento da produção. A avaliação deste direcionador foi muito ruim: -1,5. Em geral, as condições entre cadeias e municípios são similares dentro do território analisado. A concentração do mercado é baixa, não existindo padrão que permita a existência de alto poder de barganha por parte dos produtores rurais, em quaisquer das cadeias analisadas. As propriedades são pulverizadas e em grande número, se comparadas às poucas possibilidades de encaminhamento da produção para processamento. Esse padrão cria um sistema de mercado que se aproxima do oligopsônio, estrutura mercadológica na qual existem muitos vendedores e poucos compradores. Assim, o tamanho do mercado, para o produtor de leite, é estritamente local: dados de 2008 indicam que aproximadamente 90% dos produtores de leite da região entregam sua produção diretamente aos agentes da CAPEL (Cooperativa Agropecuária de Resplendor Ltda.). Em relação ao próximo quesito, entende-se que o grau de organização dos produtores, apesar da existência de uma grande cooperativa de processamento de leite em Resplendor (CAPEL), é baixo. Comparativamente a outras regiões, nas quais a cultura na associação e cooperação é usual (os casos mais emblemáticos, em Minas, encontram-se no Sul do Estado), a observação é de que os produtores rurais do Território tratam a cooperativa como uma empresa. O último item, condições logísticas, merece bastante atenção. Afinal, os depoimentos coletados junto aos produtores e demais agentes são unânimes: as condições

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de armazenagem e escoamento da produção são muito ruins. Embora a localização, sob a perspectiva do escoamento para centros consumidores, seja considerada um aspecto positivo, a qualidade de boa parte das estradas, sobretudo as vicinais e de ligação às propriedades é ruim. Segundo os depoimentos coletados, na época das chuvas é comum a perda de produção já que os caminhões ficam sem condições de acesso por período superior à capacidade de armazenamento dos tanques de expansão. Embora exista, a esse respeito, alguma diferença entre os municípios, como o acesso mais facilitado para o município de Mutum, que tem boa parte de suas estradas em melhores condições; ou Conselheiro Pena, cuja trafegabilidade também é melhor, os acessos ao interior são sempre de pior qualidade. 4.1.5. Gestão Sob análise, nesse direcionador, encontram-se os seguintes subfatores: capacitação e treinamento dos agentes, qualidade do gerenciamento da produção (gestão técnica), qualidade do gerenciamento da atividade (gestão administrativa), existência e participação em programas de melhoria da qualidade e certificação e investimento. O resultado obtido foi -1,90.

No caso do primeiro deles, capacitação e treinamento dos agentes, há grande carência de cursos técnicos e treinamento. Embora exista o apoio do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), o formato dos cursos, a dificuldade em dispensa dos funcionários por parte dos patrões para realização dos treinamentos, a longa duração, entre outros quesitos, foram citados como comprometedores. Como as parcerias interinstitucionais são poucas, senão ausentes, e a densidade do uso de tecnologia na produção é pequena, não foram identificadas rotinas de treinamento que pudessem ser listadas como destaque no Território. Esse aparente descompasso indica que ações para a construção de parcerias mais sólidas e a organização de cursos em formatos mais adequados à realidade local devem ser priorizados na busca pela competitividade.

Considerando que a baixa qualificação, que se reflete no baixo uso de tecnologia moderna, é um gargalo consensual em todas as cadeias dos diferentes municípios do Território e considerando, aditivamente, que esses são problemas parceiros, tem-se como indicativa a urgente reflexão em torno de quais ações poderiam ser alinhavadas para minimizar o problema. Isso é importante porque as melhorias na capacidade técnica e administrativa dos agentes se refletirão positivamente em todas as cadeias.

De fato, a observação e os resultados das entrevistas de campo indicaram que a qualidade do gerenciamento da produção (gestão técnica) e a qualidade do gerenciamento da atividade (gestão administrativa) encontram-se abaixo do esperado. Não existem – salvo nos casos em que há participação em Programas de Qualidade ou em um ínfimo grupo de propriedades rurais mais estruturadas – rotinas de acompanhamento dos índices zootécnicos (caso da bovinocultura de leite e corte). Os produtores têm uma idéia aproximada de alguns indicadores, mas não foi encontrada a prática dos registros formais, nem o processo de decisão baseado em dados e informações processadas.

Como exemplos, não foram mencionados procedimentos de controle da alimentação e suplementação; de monitoramento do intervalo entre partos; de controle da qualidade dos pastos e cuidado com os mesmos; de controle formal da produtividade média dos animais, para favorecer o direcionamento genético, entre outras.

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Da mesma forma, a qualidade do gerenciamento da atividade (gestão administrativa) é pouco utilizada como recurso de apoio ao desenvolvimento da competitividade. Ações como a construção de planilhas de custos organizadas, definição de pontos críticos de controle, uso de recursos computacionais, controle dos gastos com mão-de-obra, entre outras questões, são praticamente inexistentes.

Nesse contexto, entretanto, é importante considerar que na maior parte das regiões brasileiras, a pequena produção agrícola comporta-se dessa forma. Não se trata, portanto, de particularidade regional, mas da reprodução de um padrão conhecido em nível nacional. Importa considerar, no entanto, que o fato de ser verdadeira, não faz dessa consideração um roteiro que justifique sua existência. É urgente construir – em âmbito nacional e localizado – novas formas de entender a produção agrária, o que somente poderá ocorrer com a criação de incentivos gerais, lastreados em decisões individuais de melhoria. Faz-se, portanto, necessário, construir mecanismos de incentivo às práticas de gestão organizadas que tenham foco na ampliação da rentabilidade dos produtores; afinal, torna-se difícil sugerir uma empreitada de mudança comportamental desse porte sem a percepção de ganhos importantes ao final do processo.

De forma similar ao observado nos demais quesitos, a existência e participação em programas de melhoria da qualidade e certificação são escassos. Na prática, o que se percebe na região é o início de um movimento positivo que deverá ampliar-se.

No caso do leite tem-se o Programa Balde Cheio e as políticas, ainda que modestas, de pagamento do leite em função da qualidade do mesmo. Destaque-se, aqui, que o próprio conceito de qualidade precisa ser esclarecido, de forma a tornar os parâmetros de avaliação perfeitamente conhecidos e de comum acordo9 entre as partes. Não há, entretanto, pagamento diferenciado pelo histórico positivo da qualidade; ou seja, um produtor que mantém seu produto sempre com alta qualidade, recebe diferencial equivalente àquele que apenas o faz esporadicamente.

Quanto às ações de investimento, ao que se percebe, estas possuem muito mais um caráter de “desejo de ação” do que uma rotina de gestão. Sob o argumento recorrente – e verdadeiro – da descapitalização, emerge um sentimento de desencanto que se reflete em frases vagas frente ao questionamento sobre esses temas. Ainda assim, mesmo que indiretamente, foi possível colher impressões a respeito.

Considerando os dados e informações levantadas, percebe-se que a produção de leite é para os bovinocultores a alternativa mais importante. A idéia é, portanto, permanecer na atividade. Existe, também, o desejo de investir – sobretudo em alimentação e qualidade genética do rebanho – mas o argumento é o da restrição financeira. Na realidade, é importante destacar que para muitos produtores a questão é tão severa que eles justificam a não participação em programas como o Balde Cheio, em virtude da escassez de condições para cumprir com todos os requisitos do Programa. 4.1.6. Ambiente Institucional Os subfatores considerados nesse direcionador tratam, mais especificamente, do aparato legal e regulatório e da disponibilidade de instituições de apoio ao desenvolvimento das atividades em análise. No caso desta pesquisa, foram avaliados os

9 Sabe-se da dificuldade do consenso, que nem sempre é conseguido. Mas há sempre espaço à transparência e à negociação do custo-benefício dos procedimentos sugeridos.

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seguintes itens: fiscalização e controle sanitário, fiscal, trabalhista e ambiental; disponibilidade e acesso a crédito; existência de programas de apoio específicos aos municípios considerados; política comercial externa e ações institucionais. O resultado para esse direcionador foi de -1,25. No que se referem ao primeiro item – fiscalização - as informações foram esparsas e variadas entre os entrevistados. Sendo assim, propõe-se, aqui, a mescla de informações gerais com exemplos específicos, de modo à melhor apresentar a realidade observada. Os aspectos sanitários foram considerados favoráveis, pelo menos em seus fundamentos. De acordo com a pesquisa primária, os técnicos do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), responsáveis pelas campanhas de vacinação e traslado de animais, são bastante rigorosos em suas ações. Assim, as questões relativas aos calendários de vacinação foram consideradas em padrão adequado. Entretanto, outros aspectos relacionados à sanidade animal não tiveram a mesma análise. As condições de higiene e manejo dos bovinos, os tratamentos de doenças e parasitas, entre outros, foram considerados comprometidos. Mais uma vez, o argumento recorrente para a prática de apenas as condições mínimas de apoio e cuidado animal é a escassez de recursos, a descapitalização. Os aspectos ligados à fiscalização tributária foram considerados de forma bastante objetiva. É usual a queixa de pagamentos de taxas e tributos, em quaisquer cadeias, setores ou regiões; todavia, não foram feitas muitas queixas explícitas sobre este tema. Os aspectos trabalhistas foram poucos destacados. Houve menção à melhoria da quantidade de trabalhadores rurais formalizados, mas a contratação de mão-de-obra, em todos os níveis, é pouco expressiva, predominando a produção familiar, o que implica em menor parcela de peso relativo dessa questão. A fiscalização e controle ambiental, para a maior parte dos entrevistados, são falhos. São identificados esforços, mas considerando que o grau de degradação ambiental em boa parte do Território é grande, necessita-se de grandes esforços de recuperação e um grande tempo de inversão de recursos. Nesse espaço, volta-se à necessidade de buscar a consolidação de um maior número de parcerias interinstitucionais, de forma a vincular projetos de recuperação ambiental (nascentes, várzeas, vales e montes), florestamento e reflorestamento, de forma sustentada. Além das ações objetivas, localizadas em espaços bem definidos, é importante não perder-se o foco da educação ambiental, nas escolas e junto aos produtores, que ainda é considerada aquém do desejável. Em relação à disponibilidade e acesso ao crédito, destaque maior cabe ao PRONAF. O perfil das propriedades condiz com os critérios exigidos pelo referido programa, entretanto, existe sobra regular de recursos. A principal questão apontada é a dificuldade de acesso às pessoas – usualmente os técnicos da EMATER-MG, já sobrecarregados em outras atividades – que façam o projeto. Embora as cifras apresentadas sejam importantes, percebe-se claramente espaço para sua ampliação. Também há certa disponibilidade de crédito, que pode ser usado para dar suporte às atividades agropecuárias, nas cooperativas de crédito, que possuem inserção e capilaridade na região. No entanto, de modo geral, foi relatado que o volume de crédito destinado as cooperativas de crédito para repasse a seus clientes é aquém da quantidade necessária, necessitando-se, portanto, de maiores recursos para satisfazer a procura.

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Seguindo a linha dos subfatores, em relação aos programas de apoio específico aos municípios considerados, pouco, ou nada, se teria a acrescentar às já realizadas referências feitas ao “Programa Balde Cheio. As demais ações institucionais são esparsas. Como a prática política, nas várias regiões do território, é bastante acirrada, observa-se que algumas ações, embora iniciadas com êxito, perdem-se em meio às sucessões. A construção de relações estáveis e parcerias que extrapolassem a esfera político-partidária seriam, portanto, muito saudáveis. Se conseguidas, estas poderiam tornar-se a base, o fio condutor de uma seqüência coordenada de ações, apoiando e desenvolvendo as cadeias locais. 5. Conclusão

Considerando as informações levantadas e a análise desenvolvida para o elo de produção da cadeia da bovinocultura de leite do pretenso Território do Rio Doce Krenak, pode-se considerar que muito há de ser feito para que haja uma alavancagem da competitividade da bovinocultura da região.

Mesmo embora o estudo da bovinocultura de leite tenha compreendido o levantamento de dados e informações em diferentes municípios do preterido Território Rio Doce Krenak (Aimorés, Conselheiro Pena, Goiabeira, Itueta, Mutum, Pocrane, Resplendor, Santa Rita do Itueto e São Geraldo do Baixio), pode-se considerar que, de modo geral, todos os municípios sofrem com os mesmos tipos de problemas na bovinocultura de leite, que se manifestam com maior ou menor intensidade dentro da atividade. Numa rápida exposição, podem-se identificar problemas conjunturais e estruturais importantes ao longo de todo o Território. A necessidade de alavancamento do setor agropecuário, através de melhoria das práticas técnicas e administrativas é um dos pontos importantes identificados. Da mesma forma, pode-se apontar a falta de capitalização do meio rural produtivo como outro gargalho importante, com os produtores enfrentando o sucateamento da sua estrutura produtiva e, conseqüentemente, declínio da sua eficiência produtiva. As questões ambientais também se manifestam em todo o território, demandando ações como a recuperação de nascentes, topo de morros, áreas de proteção permanente, etc. Da mesma forma, e diretamente ligada à questão ambiental, o agravamento da restrição hídrica tem trazido escassez de água em boa parte do território. Por sua vez, a deficiência logística, devido ao estado precário de várias rodovias federais, estaduais e municipais, condena quaisquer melhorias de eficiência produtiva ao longo da cadeia ao fracasso.

Embora não se tenha intenção de esgotar todos os pontos importantes que o trabalho apontou, os exemplos acima apontam para problemas complexos e demandantes de esforços que levarão a resultados de médio a longo prazo. Mais ainda, os desafios principais enfrentados pelo elo de produção da bovinocultura de leite do Território exigem medidas conjuntas e cooperativas entre o setor de produção agropecuário, instituições públicas e privadas e demais segmentos organizados da sociedade. Sem esta cooperação em torno da mitigação dos problemas que definem a situação desfavorável de competitividade da bovinocultura de leite na região, a tendência é que o setor produtivo primário continue em decadência, o que no médio e longo prazo poderá definir a saída das agroindústrias de leite da região.

Page 21: Competitividade do segmento de produção da cadeia produtiva da bovinocultura de … · 1 mostra que a agropecuária compõe cerca de 22% do valor adicionado do PIB dos nove municípios

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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