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COMPORTAMENTO VERBAL E O CONTROLE DO COMPORTAMENTO HUMANO Terem Maria de Azevedo Pires Sério O foco central do interesse do estudioso da psicologia é o comportamento humano e foi com esse interesse que conduzimos nosso estudo dos conceitos de comportamento operante e de comportamento respondente. Ao realizarmos este estudo, toda nossa atenção esteve voltada para as relações entre o organismo que se comporta e seu ambiente; para analisar essas relações, recorremos a situações espe- cialmente criadas para revelar a relação que, naquele momento, era o foco da análise, o que quase sempre significou uma situação experimental com sujeitos animais não humanos. Partindo de tais análises e, no caso do compor- tamento operante, das relações envolvidas (a) entre as respostas e suas consequências (que podem ser 139

Comportamento Verbal e o Controle Do Comportamento Humano - Tereza Maria de Azevedo Pires Sério

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  • COMPORTAMENTO VERBALE O CONTROLE DO

    COMPORTAMENTO HUMANO

    Terem Maria de Azevedo Pires Srio

    O foco central do interesse do estudioso dapsicologia o comportamento humano e foi com esseinteresse que conduzimos nosso estudo dos conceitosde comportamento operante e de comportamentorespondente. Ao realizarmos este estudo, toda nossaateno esteve voltada para as relaes entre oorganismo que se comporta e seu ambiente; paraanalisar essas relaes, recorremos a situaes espe-cialmente criadas para revelar a relao que, naquelemomento, era o foco da anlise, o que quase sempresignificou uma situao experimental com sujeitosanimais no humanos.

    Partindo de tais anlises e, no caso do compor-tamento operante, das relaes envolvidas (a) entreas respostas e suas consequncias (que podem ser

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  • resumidas com o conceito de reforamento) e (b)entre as respostas e a situao na qual elas produziramconsequncias (que podem ser resumidas com osconceitos de discriminao e generalizao), chega-mos a abordar uma relao considerada tipicamentehumana: o comportamento verbal.

    Esse trajeto, que parte da anlise de relaespelo menos aparentemente simples e que chega anlise do comportamento verbal, no deixa dvidassobre o compromisso da anlise do comportamentocom o comportamento humano como objeto de es-tudo. E, efetivamente, os analistas do comportamentovm estudando h algum tempo as possibilidades denovas relaes entre o homem e seu ambiente abertaspelo comportamento verbal; em outras palavras, vmestudando algumas relaes comportamentais quedependem do comportamento verbal para que pos-sam ocorrer, tais relaes tm sido consideradas tipi-camente humanas.

    Uma dessas possibilidades abertas pelo com-portamento verbal foi abordada por Skinner em al-guns de seus textos, como, por exemplo, quando elediscute o processo de soluo de problemas (1969) equando discute os processos comportamentaischamados de pensamento (l 974). Nesse ltimo texto,Skinner afirma:

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    A chamada vida intelectual da mente sofreu impor-tante mudana com o advento do comportamentoverbal. As pessoas comeam a falar sobre o que elasestavam fazendo e sobre o porqu estavam fazendoo que faziam. Elas descreviam seu comportamento,a siiuaco na qual ele ocorria e as consequncias;. Emoutras pala vais, alm de serem afetadas pelas contingn-cias de reforo, elas comeam a analis-las, (p. 119)'

    Skinner (1974) est, ento, afirmando quequando os homens passaram a ter com o ambienteuma nova relao, que chamamos de comportamentoverbal, abriu-se para eles uma possibilidade at entoindita: eles podiam, agora, alm de se relacionarcom o ambiente e ser alterados por tais relaes,descrever o que estava ocorrendo com eles; alm deviver as contingncias, eles podiam, agora, analisaressas contingncias.

    Qual a importncia dessa nova aquisio com-portamental? Que impacto ela produz na vida doshomens? Qual sua extenso? Um possvel caminhopara respondermos essas questes seria analisar oporqu de os homens passarem a analisar contingn-cias; em outras palavras, identificar as consequnciasresponsveis pela instalao e manuteno das respostasde analisar contingncias.

    Uma primeira constatao que nossas res-postas de descrever contingncias podem exercer

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  • controle sobre outras pessoas. Entretanto, essa cons-tatao parece insuficiente para entendermos ainstalao e manuteno dessas respostas especfi-cas, pois qualquer outra resposta nossa poderia exer-cer controle sobre outros homens; mais do que isso,nossa simples presena poderia exercer tal controle.Precisamos, ento, verificar se h alguma carac-terstica especial no controle exercido pelas respostasde descrever contingncias que indique as razes daseleo e manuteno dessas respostas especficas.Ao realizarmos tal verificao, concluiremos quesim, parece que h uma caracterstica especial nocontrole exercido pela descrio de contingncias.Como destaca Skinner nos dois textos indicados(1969, 1974), ao descrever uma contingncia paraoutra pessoa, podemos gerar respostas que essa outrapessoa ainda no tinha emitido antes. Falando demaneira mais direta: as respostas de descrevercontingncias produzem uma consequncia especial,,que a produo de novas respostas no repertrio deuma outra pessoa.

    bem possvel que voc se lembre que aquesto de como gerar respostas operantes j foiabordada e que a resposta que demos para ela foi amodelagem: por meio de reforamento diferencial de.respostas levemente diferentes da resposta que j estsendo emitida e reforada, respostas estas que surgem

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    por variao, podem ser geradas respostas totalmentenovas no repertrio de um sujeito. Pois bem, estamosagora diante de uma nova possibilidade de gerarnovas respostas no repertrio de algum sem quetenhamos que recorrer modelagem de tais respostas.E essa a consequncia especial produzida pelasrespostas de descrever contingncias: gerar respostasnovas sem que seja preciso model-las.

    Se olharmos mais detalhadamente, poderemosver que a no dependncia da modelagem para gerarnovas respostas contm outras consequncias, que,quando reconhecidas, revelam a real importncia detal independncia. Esses aspectos contidos na, porassim dizer, consequncia maior de independer damodelagem foram explorados em vrios dos textosescritos por Skinner, em especial nos dois j indi-cados (1969, 1974). So esses aspectos que desta-camos a seguir.

    Em primeiro lugar, o fato de no precisarmosmodelar uma resposta significa que no precisamosesperar pelo aparecimento de variaes da respostaj emitida, que seriam gradualmente reforadas atque a resposta a ser finalmente gerada aparecesse epudesse, ento, ser reforada. Ao referir-se a esseaspecto, Skinner (1974) exemplifica-o recorrendo aoque supostamente acontece quando estamos apren-dendo a dirigir um automvel:

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  • Uma pessoa aprendendo a dirigir um carro respondeao comportamento verbal da pessoa sentada a seulado; ela liga o carro, breca, muda a marcha, fazsinais ele., quando dito para ela que faa essascoisas. (...) Aprender a dirigir simplesmente pormeio de exposio s contingncias [por mode-lagem] levaria um tempo muito longo. O futuromotorista teria de descobrir o que acontece quandocie move o cmbio, vira a direo, pressiona oacelerador, pisa no breque etc. e tudo isso comgrande perigo para si mesmo. Ao seguir instrues,ele evita expor-se a muitas dessas contingncias e,finalmente, comporta-se como o prprio instrutor secomporta. (...) O instrutor [ao descrever as contin-gncias] tornou possvel ao aprendiz ficar sob con-trole delas rapidamente e sem dano. (pp. 120-121)

    Com esse exemplo, ao lado do aspecto deeconomia de tempo na gerao de novas respostas,Skinner (1974) ressalta um outro aspecto, derivadodo fato de essas respostas terem sido geradas a partirda descrio de contingncias (deve-se notar que, noexemplo dado, essa descrio aparece nas instruesdadas pelo instrutor): evitar danos que poderiamocorrer caso a gerao de novas respostas ocorressepor modelagem.

    Alm desses dois aspectos j indicados, a des-crio de contingncias possibilita a gerao de res-postas novas em situaes nas quais as consequncias

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    das respostas a serem geradas so to atrasadas quefica difcil recorrer a elas para gerar e fortalecer taisrespostas. Como indica Skinner (1969), nesses casos,a descrio da contingncia da qual essas respostasfazem parte pode ser ti l para gerar essas respos-tas, j que, entre outras coisas, ela pode deixar claraa relao entre ti resposta e a consequncia atrasadaque ela produz. Skinner (ibid.) ressalta, ainda, quetais descries ganham especial utilidade quando asconsequncias imediatas das respostas so opostas aconsequncias atrasadas que deveriam ganhar con-trole sobre elas; ele ilustra isso citando exemplos,tais como fumar e consumir algo (para citar um casoconhecido, o consumo de energia ou de gua) ge-rando privao no futuro; nos dois casos, como res-salta o autor, as descries das contingnciasenvolvidas elaboradas a partir da considerao demuitos episdios "podem capacitar as consequnciasa longo prazo a superar as imediatas" (p. 298).

    Segundo Skinner (1969, 1974), as respostas dedescrever contingncias, alm de permitirem agerao de novas respostas sem o recurso da mode-lagem (com tudo que isso contm), podem auxiliarno controle de respostas que foram instaladas pojmeio da modelagem. Para ilustrar essa possibilidade,o autor recorre a possveis relaes presentes notrabalho de um ferreiro:

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  • Na forja de um ferreiro medieval, um grande foleproduz a corrente de ar necessria para manter ofogo. O fole era mais eficiente se fosse aberto com-pletamente antes de ser fechado e se fosse abertorapidamente c fechado lentamente. O terreiro apren-deu a operar o fole dessa maneira por causa dosresultados reforadores da manuteno do fogo. Elepoderia ter aprendido a manipular o fole dessamaneira sem descrever seu comportamento, mas adescrio pode ter sido til para operar corrctamenteo fole ou, passado algum tempo, para lembrar comofazer para operar o fole. Um pequeno verso cumpriaessa funo:Para cima,Para baixo,Para cima, rpido,Para baixo, devagar,Esta c a maneira de soprar. (1974, p. 123)

    Como mostra esse exemplo, as respostas demanipular o fole foram instaladas por meio de mode-lagem e esto sendo mantidas pela consequnciaimediata que produzem (a permanncia do fogoacesso de forma adequada); a descrio da contingn-cia na forma do verso no foi necessria para instal-las, mas pode complementar as contingnciasresponsveis por tal instalao, auxiliando a emissocorreta das respostas (por exemplo, aumentando achance de elas serem emitidas no ritmo apropriado)

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    e, mais, pode auxiliar o ferreiro a, tendo interrompidoo trabalho, voltar a ele, j desde o incio, com todasas caractersticas apropriadas. Como Skinner (1974)ressalta, claro que o ferreiro tambm poderia recor-rer a essa descrio pura gerar as respostas neces-srias para operar o fole em um aprendiz de ferreiro.

    A partir desse mesmo exemplo, Skinner (ibid.)analisa a difuso e a especializao das respostas dedescrever contingncias (as respostas de descrevercontingncias passam a fazer parte do repertrio damaioria das pessoas e as descries comeam a apre-sentar determinadas caractersticas especiais); tal di-fuso e uma das especializaes possveis (aquelaque passou a caracterizar as descries de contingn-cias feitas por cientistas) acabam por dar relevo es-pecial a esse ltimo aspecto destacado. SegundoSkinner (ibid.), as descries de contingncias pro-duzidas por cientistas (as leis dos vrios ramos dacincia) surgiram das descries que eram feitas portrabalhadores tcnicos^ como, por exemplo, osartesos e, segundo ele,

    As primeiras leis cientficas complementaram ascontingncias naturais do mundo fsico. Um agricul-tor cavando o solo ou um pedreiro erguendo umapedra com uma estaca estavam controlados pelascontingncias que envolviam alavancas: o solo ou a

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  • pedra eram movidos mais rapidamente se a forafosse aplicada to longe quanto possvel do ponto deapoio da alavanca. Por esta razo fizeram-se ps eestacas compridas e algum conhecimento, semelhante regra do ferreiro, pode ter sido usado para ensinarnovos trabalhadores a como escolher e onde segurarps e estacas. Uma afirmao mais formal da lei daalavanca permitiu que o princpio fosse usado emsituaes nas quais o comportamento modelado porcontingncias fosse improvvel ou impossvel.(...)Ao aprender as leis da cincia, uma pessoa capazde comportar-se efetivamente sob as contingnciasde um mundo extraordinariamente complexo. Acincia a leva alm da experincia pessoal e alm daamostragem incompleta da natureza, inevitvel noespao de uma nica vida. A cincia tambm acoloca sob controle de condies que no poderiamtomar parte na modelagem e manuteno de seucomportamento, (p. 124)

    Tal como fizemos com as leis da cincia, pode-mos considerar as normas sociais, as normas re-ligiosas e governamentais como especializaes dedescries de contingncias, j que cada um dessesconjuntos de descries atende a determinadasexigncias e apresenta peculiaridades prprias. E,tambm nesses casos, as descries produzem comoconsequncia um controle especial sobre o compor-tamento de outras pessoas. Skinner (1974) destaca o

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    papel que a descrio de contingncias pode ter nocontrole que o grupo social pode ter sobre o in-divduo; segundo ele, tais descries podem, porexemplo, fortalecer contingncias que controlamcomportamentos que seriam prejudiciais ao grupo aoqual o indivduo pertence (contingncias mantidaspor ambientes sociais) e podem ser especialmenteimportantes quando h alteraes bruscas cm re-laes que vinham mudando lentamente:

    Quando contingncias sociais caractersticas de umacomunidade pequena que muda lentamente so per-turbadas, onentties formais, que antes eram des-necessrias, precisam ser invocadas, (p. 122)

    A anlise apresentada at aqui das possveisconsequncias produzidas pelas respostas de descre-ver contingncias indicou que a imensa maioria delasenvolve alteraes no comportamento de outra pes-soa e alteraes que dificilmente ocorreriam de outraforma. No de surpreender, ento, que as respostasde descrever contingncias tenham se mantido, emais, tenham se difundido e assumido formas e car-actersticas variadas; no de surpreender que tantaspessoas apresentem com muita frequncia respos-tas de descrever contingncias e que gastem tempo eesforo ensinando outras pessoas a descrevercontingncias.

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  • possvel que o reconhecimento da presenaquase que constante de tais respostas em nosso reper-trio comportamental seja facilitado se notarmos queas respostas de descrever contingncias tm sidonomeadas de diferentes formas. Segundo Skinner(1969, 1974), quando falamos em ordens, conselhos,avisos, orientaes, instrues, mximas, provrbios,leis governamentais, leis religiosas e leis cientficas,por exemplo, estamos, nada mais nada menos,falando em descries de contingncias, ou seja,estamos descrevendo uma relao entre um sujeito eseu ambiente ou, em alguns casos, entre eventosambientais. Isso que dizer que em algum momento,remoto ou no, algum observou uma relao entreeventos ambientais ou participou de uma determi-nada relao com o ambiente, ou mesmo observoualgum se relacionando com o ambiente e descreveua contingncia presente em cada caso.' Indepen-dentemente da forma que tais descries apresen-tam hoje, em todos esses casos estamos, na realida-de, diante do produto de respostas de descrevercontingncias. Pode ser que, pensando em alguns

    l Existe, como indica Skinner (1969), uma quarta possibili-dade, que a descrio de uma contingncia a partir da anlisede descries j formuladas. Apenas para facilitar a leitura dotexto, essa possibilidade no est sendo considerada em seucorpo.

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    exemplos de ordens, de conselhos, de leis, voc noos identifique como uma descrio de contingnciasporque, pelo menos no caso de relaes operantesentre o sujeito c seu ambiente, uma contingnciaenvolve sempre uma inter-relao entre a situao naqual a resposta foi emitida, a prpria resposta e asconsequncias produzidas por essa resposta nessasituao c voc pode ter muitos exemplos de conse-lhos, avisos, instrues etc. que no fazem refernciaa esses trs elementos. claro que nem sempre umaordem, por exemplo, apresenta os trs elementoscaractersticos da contingncia operante; uma ordempode falar apenas da resposta (por exemplo, faa talcoisa) ou pode falar da resposta e da consequncia(faa tal coisa, se no...), ou pode falar dos trselementos (em tal situao, faa tal coisa, se no,..).Isto , nem sempre descrevemos todos os elementosconstitutivos de uma contingncia, podemos ter des-cries de contingncias que no so descries com-pletas, que so descries parciais de contingncias(descrevemos apenas a resposta ou apenas a respostae a situao na qual deve ser emitida, ou apenas aresposta e sua consequncia) e, talvez, esse tipo dedescrio seja o que encontramos mais frequente-mente. Mais do que reconhecer as diferentes possi-bilidades de apresentao de uma descrio decontingncias, seria importante nos perguntarmos

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  • sobre o impacto da completude ou incompletude dadescrio na gerao de respostas; afinal, parece seressa a consequncia que nos mantm emitindo asrespostas de descrever contingncias.

    Bem, possvel que a esta altura voc esteja seperguntando por que ser que, se em todos esses casosestamos falando de descries de contingncias, re-corremos a diferentes nomes para falar dessasdescries? Ainda segundo Skinner (1969, 1974), osnomes diferentes, na verdade, indicam as chancesque a descrio tem de alterar o comportamento dooutro e a que recorre aquele que descreve para pro-duzir tal alterao. Assim, o que distingue umadescrio de outra a ponto de elas receberem nomesdiferentes so as condies que elas tm de alterar ocomportamento de outro e o que mais, alm daprpria descrio, preciso para produzir essa al-terao. Por exemplo, se chamamos uma descriode contingncias de uma ordem porque h poucaschances de essa descrio no alterar o compor-tamento de quem a est ouvindo; isso, possivelmente,porque uma descrio que chamamos de ordem pa-rece sempre envolver, por parte daquele que des-creve, algum tipo de controle adicional (isto , almda apresentao da descrio) sobre a alterao nocomportamento do outro, ou seja, o controle de quemdescreve se estende s consequncias da referida

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    alterao. Resumindo, quando chamamos uma des-crio de ordem, estamos dizendo que quem descrevetem, alm do poder de apresentar a descrio, o poderde prover consequncias para as alteraes que a,descrio deveria gerar. Por outro lado, se chamamosuma descrio de conselho, parece que as pessoas queouvem o conselho podem ou no ser alteradas por ele(elas podem ou no seguir o conselho dado), pos-sivelmente, porque uma descrio de contingnciasque chamamos de conselho no envolve nenhumoutro tipo de controle, por parte daquele que des-creve, alm de apresentar a descrio. Mais uma vez,mais do que reconhecermos a presena de uma des-crio em cada um desses diferentes nomes, seriainteressante identificarmos quais aspectos, envolvi-dos na relao da descrio com a alterao no com-portamento de outras pessoas, so responsveis pornomearmos descries de contingncias por diferen-tes nomes.

    De qualquer forma, podemos dizer que res-postas de descrever contingncias so, hoje, um traocaracterstico dos diferentes grupos humanos. A pre-sena de tais respostas to marcante que muitocomum acreditarmos que as descries de contingn-cias so um elemento necessrio para que nos com-portemos ou, pelo menos, que as descries estosempre presentes quando nos comportamos. Essa

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  • crena to difundida entre ns pode, contraditoria-mente, dificultar nossa compreenso do papel dasdescries de contingncias na construo do com-portamento humano, chegando at a obscurecer suaimportncia. por esta razo que Skinner (1974)enfaticamente afirma:

    No precisamos descrever as contingncias de re-foro para sermos afetados por elas. Os organismosinferiores presumivelmente no descrevem contin-gncias, nem a espcie humana fazia isso antes deter adquirido comportamento verbal, (p. 127)

    Nossas relaes com o ambiente nos afetam,produzem mudanas em ns, mesmo que tais re-laes no tenham ainda sido descritas por ns mes-mos ou por qualquer outra pessoa. Skinner (1974)oferece duas razes para essa concluso: a) organis-mos no humanos so afetados por suas relaes como ambiente e b) os seres humanos foram afetados porsuas relaes com o ambiente antes de poderem descre-ver tais relaes, antes do aparecimento do compor-tamento verbal (deve ser destacado, aqui, que oprprio comportamento verbal produto dessas re-laes com o ambiente, que no podiam ser descritas).Talvez deva ser notado que, com tal argumento, juntocom a afirmao da no necessidade da descrio

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    de uma contingncia para que tal contingncia nosafete, h duas afirmaes importantes: a) o compor-tamento de descrever contingncias deve ser umcomportamento tipicamente humano e b) um compor-tamento com histria recente na espcie humana sdpode ter ocorrido depois do surgimento do compor-tamento verbal (cerca de 100 a 50 mil anos atrs, parauma espcie que deve ter alguns milhes de anos).

    Voc deve ter notado que toda a anlise apre-sentada at aqui envolveu sempre o comportamentode duas pessoas: a que apresenta a descrio dacontingncia e a que afetada por essa apresentao.At aqui, falamos do comportamento de descrevercontingncias, isto , nosso foco de anlise esteve nocomportamento da pessoa que, tendo um determi-nado repertrio verbal estabelecido, pode emitir aresposta de descrever contingncias. Porm, na ten-tativa de completar a anlise apresentada, podemosmudar nosso foco e coloc-lo no comportamento dequem afetado pela descrio, isto , podemos passara analisar no mais o comportamento de descrevercontingncias e sim os comportamentos que estosendo gerados por tais descries.

    Quando o foco de nossa anlise o compor-tamento de descrever contingncias, temos pelomenos duas pessoas se comportando: aquela cujocomportamento o foco de nossa anlise, ou seja, a

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  • que descreve a contingncia (vamos cham-la aquide A), e a pessoa que alterada pela descrio apre-sentada, ou seja, aquela cujo comportamento con-sequncia para as respostas da primeira pessoa(vamos cham-la aqui de B); nesse caso, a seguintecontingncia estaria sendo analisada:

    Estmulos antecedentesrelao observada entreum sujeito (que pode ouno ser o prprio A) e oambiente'

    Respostadescrever acontingncia(pessoa A)

    Consequnciasgerarcomportamentosem outro(no caso, em B)

    Ao fazermos a mudana de foco, continuamostendo duas pessoas envolvidas, entretanto, nossofoco agora est nas respostas da pessoa B, ou seja,naquela pessoa que poder ser afetada pela descrioapresentada, enquanto que algumas respostas da pes-soa A passam a ocupar o lugar de estmulos antece-dentes para as respostas geradas na pessoa B (adescrio de contingncias passa a ser a condio queantecede a emisso de respostas de B) e outras res-postas de A podem tambm ter o papel de consequn-cias para as respostas de B; podemos dizer, ento, quea seguinte contingncia est sendo analisada:

    2 Como foi indicado em nota anterior, poderiam aparecer tam-bm contingncias j descritas como estmulos antecedentesda resposta de descrever contingncias.

    Estmulosantecedentes

    descrio deumacontingncia(apresentadapor A)

    Resposta

    respostaespecificadana descrioapresentada(respostas deB)

    Consequncias

    alteraes ambientaisproduzidas diretamente pelaresposta especificada nadescrioe/oualteraes ambientaisproduzidas por seguir adescrio (possivelmentercacs de A s respostas de R)

    Podemos tambm, quando os comportamentosde B so o foco da anlise, ter uma outra possibilidadepara a contingncia que descreve o comportamentode B. Para compreender essa outra possibilidadeprecisaremos recorrer ao conceito de estmulo condi-cional (o estmulo que altera a funo de S ou Sddos estmulos antecedentes de uma contingnciatrplice) pois, nessa outra possibilidade, a descriopoderia ser vista exatamente com um estmulo con-dicional, isto , a descrio da contingncia gerariarespostas em B alterando a funo de determinadosestmulos que passariam, ento, a ter funo de SD.

    Nesse caso, teramos a seguinte contingnciasendo analisada:

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  • lEstmulos antecedentes

    descrio dacontingncia - ^ estmulos t|tic

    evocam aresposta

    especificadapela descrio

    Resposta

    .,.

    pela descrio

    Consequnciasalteraes ambientais produzidas

    direlamenie- pela respostaespecificada na descrio

    c/oualteraes ambientais produzidas

    por seguir a descrio(possivelmente rcaees de A s

    respostas de B)

    Contingncias que tm descries de contin-gncias como estmulos antecedentes foram inicial-mente descritas por Skinner (l 969), que se referia aoscomportamentos descritos por essas contingnciascomo "comportamento governado por regras". Maisrecentemente, Catania (1999) preferiu chamar taiscomportamentos de "comportamento governado ver-balmente":

    Algumas vezes o que as pessoas fazem dependedaquilo que elas foram instrudas a fazer; as pessoasfrequentemente seguem instrues. O comportamentodeterminado principalmente por antecedentes ver-bais chamado de comportamento governado verbql-mente (algumas vezes tambm chamado de governadopor regras); suas propriedades diferem das do com-portamento governado por contingncias ou mode-lado por contingncias, que o comportamento quefoi modelado pelas suas consequncias, (p. 275)

    Catania (1999) , tambm, um dos autores quereconhece as duas possibilidades das descriescomo estmulos antecedentes:

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    importante observar que esses antecedentes ver-bais [as descries] no so, necessariamente,estmulos discriminativos. (...) Muitas instrues al-teram as funes de outros estmulos, em ve

  • sido reforadas. Esse um aspecto importante, poisnos obriga a reconhecer que, como no caso dequalquer estmulo, no a simples presena de umadescrio que produzir alteraes em ns, a des-crio s produzir alteraes se tiver adquiridofuno de estmulo discriminativo ou de estmulocondicional por meio de reforamento diferencial.Como afirma Skinner (1969), na ausncia de umahistria de reforamento diferencial com as carac-tersticas acima indicadas, uma descrio seria apenas"um objeto no ambiente", a descrio " efetiva comoparte de um conjunto de contingncias de refora-mento, como um estmulo discriminativo" (p. 148).

    Como voc pode notar, o reconhecimento dasdescries como estmulos antecedentes comfunes determinadas em uma contingncia nosobriga a rever algumas crenas razoavelmente arrai-gadas que temos sobre o comportamento humano. Asimples presena de uma ordem, uma instruo, umconselho, uma lei, etc. no condio suficiente paraque elas produzam qualquer alterao em ns; se notivermos passado por uma histria de reforamentodiferencial na presena desses "objetos do am-biente", eles no exerceriam nenhuma influncia,nenhum controle sobre ns. De certa forma, essanecessidade de reforamento diferencial tem sidoreconhecida em nossa vida cotidiana; dois aspectos

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    bastante presentes podem ser vistos como indicaodesse reconhecimento: a) o extenso, organizado edifundido aprendizado pelo qual passamos paraseguir regras, conselhos, instrues e b) mesmo comtal aprendizado, dificilmente encontraremos uma re-gra que j no traga junto, explicita ou implici-tamente, as consequncias de segui-la.

    Assim, a compreenso do comportamento dedescrever contingncias e do impacto que ele podeter para o prprio comportamento humano depende,como sugerem Andery e Srio (2002), pelo menos doestudo de trs momentos distintos. Um primeiro mo-mento refere-se s interaes com o ambiente vividasou observadas por uma pessoa; as autoras chamamesse momento de "contingncia primria", Ao vivertais interaes, a pessoa c o ambiente so transfor-mados, entretanto, nada garante que essa interaoseja descrita pela prpria pessoa ou por outra, adescrio no ocorre automaticamente. Ao reconhe-cer a descrio como um comportamento, pre-cisamos identificar a contingncia que o descreve;esse seria o segundo momento a ser estudado. Comoacabamos de ver, o fato de existir uma descrio noindica nada sobre os efeitos dessa descrio sobre oscomportamentos de quem elaborou a descrio ou deoutras pessoas; precisamos, ento, descrever acontingncia que tem a descrio como estmulo

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  • antecedente com funo discriminativa ou deestmulo condicional: este o terceiro momento quedeveramos estudar. Como indicam as autoras, aoestudarmos esses trs momentos, estaremos, na reali-dade, estudando a construo de estmulos discrimi-nativos, pois estaremos respondendo, basicamente,duas perguntas: a) quais as condies envolvidas natransformao de um determinado comportamentonosso ou de outro em estmulo discriminativo pararespostas de observar e descrever? b) quais as con-dies envolvidas na transformao dessas des-cries em estmulos discriminativos para respostasque elas especificam?

    Mais uma vez, como voc pode notar, ao ado-tarmos essa perspectiva, estamos nos defrontandopelo menos com duas crenas difundidas: a crena deque nosso contato com nossos comportamentos imediato e automtico e a crena de que a existncia deuma descrio condio suficiente para que ela nos afete.

    Segundo Skinner (1969,1974), essa maneira deanalisar a produo de descries e, mais especifi-camente, as possibilidades de essas descriesalterarem nosso comportamento acaba tambm supe-rando (ou pelo menos tratando de outra maneira)algumas dicotomias que so bastante comuns. Dentreas dezesseis dicotomias analisadas por Skinner(1974), podemos citar como exemplos algumas

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    oposioes que so oferecidas para caracterizar oumesmo explicar episdios do cotidiano; razo versuspaixo, intelecto versus emoo, deliberao versusimpulso, argumento lgico versus intuio; tal comosuo formuladas essas dicotomias, parecem supor umaoposio entre diferentes dimenses, traos ou carac-tersticas humanas que, em determinados momentos,podem se manifestar ou determinar certas maneirasde agir. Entretanto, se analisarmos a produo dedescries de interaes homem-ambiente e a relaodessas descries com a gerao de comportamentosno homem da forma aqui proposta, essas diferenasat aqui tratadas como caractersticas ou traos opos-tos podem ser entendidas como diferenas entre com-portamentos gerados por descries e comporta-mentos gerados por modelagem.

    Como vimos, as contingncias que tm comoestmulos antecedentes "descries da contingncia"incluem entre as consequncias que as constituem"alteraes ambientais produzidas por seguir a des-crio", o que quer dizer consequncias sociais, e,mais especificamente, consequncias planejadas eliberadas por outra pessoa (ou seja, o que chamamosde consequncias extrnsecas). So essas caractersti-cas das contingncias que nos levam a qualificar oscomportamentos envolvidos nesses casos como "ra-cionais", "deliberados", "lgicos" ou guiados pelo

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  • "intelecto"; nesses casos, dificilmente nos sen-tiramos como "fazendo aquilo que queremos" oucomo "apenas seguindo nossa vontade", dificil-mente, portanto, descreveramos nossos compor-tamentos como impulsivos, intuitivos ou emocionais.Tais qualificaes seriam possveis se nossos com-portamentos fossem produto de modelagem e se nos-sas respostas estivessem sob controle de consequn-cias intrnsecas.

    Referncias bibliogrficas

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