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Cidade de Goiás Baliza Coxim GO SP MS MT Silvânia Araguari Uberlândia Uberaba Três Lagoas Casa Branca Rio Verde Jataí UM GIGANTE DO SERTÃO Texto: Rogério Borges Arte: Ricardo Rodrigues e André Rodrigues A engenharia envolvida na construção de um carro de boi pode até ser rústica, mas está longe de ser simplória. O veículo é composto por dezenas de peças diferentes que lhe dão uma característica única de durabilidade e resistência. Tudo isso unido a uma tração animal poderosa, em que cada boi da junta desempenha uma função específica para que o carro se movimente. Veja como se encaixam essas engrenagens que, por séuclos, deram sustentação à economia de Goiás e à vida cotidiana de seus habitantes. A RODA Dividida em três partes principais, as duas tábuas externas são as cambotas e a que está no centro é chamada de meião. Unindo essas peças, há duas outras, perpendiculares às primeiras, que recebem o nome de arreias. OS CRAVOS As duas grandes rodas de madeira do carro de boi têm vários cravos de ferro que lhe dão firmeza. Em torno delas, é habitual colocar-se um anel metálico, também com cravos, que ajuda a preservar o veículo, protegendo a madeira de pedras e buracos. Para instalar esse anel, é feita uma fogueira em torno da ferragem para que ela dilate. Ainda quente, coloca-se a estrutura ainda quente em torno da roda. Ao esfriar, ela se encaixa, apertadamente, na madeira. PIGARRO Outra peça de madeira ajuda a dar sustentação entre o cabeçalho e a junta de bois, encaixando-se por baixo da estrutura. É o pigarro. A MESA O carro tem formato retangular e vai ficando mais estreito em sua parte posterior, onde os bois são amarrados. As duas tábuas laterais do carro se chamam chedas. O madeirame central é designado de cabeçalho. Esse cabeçalho se estende até a ponta do carro e é nele que vai o pigarro, peça que prende a dianteira do veículo ao primeiro cambão da junta e às cangas dos bois de cabeçalho. CHAVEIA Estas são peças de madeira que, encaixadas em pequenas aberturas, ligam as partes do carro. São usadas na ligação do cabeçalho do veículo ao cambão e às cangas dos bois da junta. FUEIROS Estacas de pau que são fincadas nos limites da mesa (6 delas em cada lado e duas atrás), que montam uma estrutura utilizada para montar um compartimento de carga para o veículo. O EIXO Unindo as rodas, um grande eixo de madeira possibilita que elas funcionem. A peça que faz o encaixe do eixo é a mecha, segurada por outras duas peças adicionais, as cavilhas. OUTRAS PEÇAS Nas engrenagens do carro, outras peças de madeira servem para prender as diferentes partes da estrutura. São os chumaços e os cocões, que se encaixam para dar firmeza na ligação entre as chedas e o cabeçalho. Na parte de trás do carro, uma outra tábua de madeira fecha o veículo. Ela se chama recavém. Os objetos Bois guias Um par de animais que vão dando a direção para os que vêm atrás. Eles sempre vão à frente e ganham treinamento especial para obedecer ao carreiro sempre que ele der uma ordem. São o cérebro de toda a junta. Bois de chaveia Em juntas formada por dez bois, eles formam os três pares de animais que vêm logo atrás dos bois guias. São os marrucos mais fortes de toda a junta, já que cabe a eles a tarefa de fazer o maior esforço para puxar o carro. Bois de cabeçalho Eles são os animais em que o cabeçalho do carro de boi é amarrado. Estão mais próximos ao carreiro. São os responsáveis por dar equilíbrio a toda a junta e uni-la ao carro de boi propriamente dito. A MADEIRA O carro de boi precisa ser forte e resistente, mas não deve ser excessivamente pesado, já que isso sacrificaria os animais que o puxam. Por isso a madeira utilizada precisa ser relativamente leve. Antigamente, a mais usada era o bálsamo. Como essa árvore está ameaçada e seu corte é proibido, os carpinteiros passaram a utilizar o argelim vermelho e o tamboril. CURRALEIRO Costuma-se dizer que a melhor raça para puxar um carro de boi é a curraleira. São animais muito rústicos, acostumados a climas secos e terrenos acidentados e cheios de pedras. Também são animais menos ariscos que o nelore e bastante musculosos. Os bois cruzados, como os girolandos, também são muito populares entre os carreiros. Animais gir ou tabapuã também são vistos puxando veículos. AS MATULAS Assim como os tropeiros que viajavam sobre o lombo de animais, os carreiros tinham sua tralha. Geralmente, talheres e pratos rústicos e a chamada mariquinha, um tripé de madeira em que era pendurada uma panela sobre uma fogueira para preparar a comida. O COURO Para forrar as cangas partidas, para fabricar as cordas de amarração, para fazer as coberturas dos carros, o couro sempre foi artigo de primeira necessidade nas comitivas. Material resistente e rústico, muitas vezes era retirado dos próprios bois após o abate. Nas estradas boiadeiras de antigamente, o cálculo habitual é que o carro de boi andava cerca de 40 km por dia, em 10 horas de viagem. Já havia pousos específicos para receber as comitivas, com piquetes de pastos para os animais. Uma das cargas mais transportadas da época era SAL, que vinha do litoral. O produto era essencial para as pessoas e para o gado. O carreiro e o candeeiro Os Bois O Carro de Boi MEDIDAS Para ficar proporcional, quem fabrica o carro de boi deve observar certas dimensões. A medida do raio da roda (ou seja, a metade de seu diâmetro total) é a base para tudo. O carro deve medir em sua largura o dobro do raio da roda e em seu comprimento, seis vezes esse valor. Principais caminhos ESCALA DE FORÇA ESCALA DE FORÇA ESCALA DE FORÇA A CARGA Um carro de boi, puxado por uma junta de dez animais, costumava puxar entre 1.200 kg e 1.500 kg de carga. o equivale à carga de uma caminhonete de maior capacidade. O TREINAMENTO Para que um animal seja um bom puxador de carro de boi, ele precisa ser treinado ainda jovem. A forma mais habitual é deixá-lo cangado com outro animal para que ambos se acostumem a andar juntos. Este é um processo que dura alguns meses de trabalho e o treinador deve “conversar” com o boi, ensiná-lo como se estivesse instruindo uma pessoa de verdade. OS FERRÕES Os carreiros gostam de dizer que os ferrões que carregam na ponta de suas longas varas não são para maltratar os bois, mas sim para educar algum animal mais rebelde. Eles veem com maus olhos carreiros que gostam de espetar os animais por maldade. 1) Nos encontros, tinha precedência de passagem o carro cheio sobre o vazio 2) Nas mesmas condições, o carro que subia a ladeira tinha precedência sobre o que a descia 3) Se a estrada era crítica, obrigando um carro a descer com amarra, este passava a ter precedência de passagem sobre o carro que subia 4) Todo carro, para atender àquelas precedências, deveria deixar livre o leito da estrada, afastando-se dela no ponto em que pudesse fazer isso mais facilmente NORMAS DE TRÂNSITO AS PLACAS Carro de boi, tal como os automóveis atuais, já foram identificados por placas. As da imagem ao lado são dos anos 1940. Em 1941, em Pouso Alto, atual Pontalina, a placa indica o veículo número 29. Seis anos depois, na cidade de Piracanjuba, foi registrado o carro de número 129. Não havia imposto sobre o veículo, mas o dono do carro de boi tinha que ter a placa para circular por vias públicas. Isso também acontecia em outros lugares, como no interior de Minas Gerais. Canga MG ForCa Um carro de boi, daqueles com tamanho tradicional, com uma junta de dez animais, costumava puxar entre 1,2 ton e 1,5 ton de carga. Isso corresponderia entre 40 e 44 balaios de milho, dependendo da região do País. Algo que equivale à carga de dois veículos utilitários de pequeno porte ou de uma caminhonete Conduzir um carro de boi é tarefa para uma dupla. Na frente vai o candeeiro, conduzindo os bois guias e imprimindo a velocidade e o rumo ao carro. Junto ao veículo fica o carreiro, que evita percalços e observa os bois de cabeçalho. Ele é uma espécie de condutor principal, vigiando toda a junta de bois e cuidando do caminho do carro. Weimer Carvalho Ricardo Rafael Ricardo Rafael COMÉRCIO Décadas atrás, uma das medidas mais usadas no meio rural era o carro. Vendia-se, por exemplo, “um carro de milho”. Isso equivale a 16 sacas de 60 kg do produto debulhado. 1,2 m Comprimento médio: 20 metros

Comprimento médio: 20 metros UM GIGANTE DO SERTÃO/menu/standard... · tração animal poderosa, em que cada boi da junta desempenha uma função específica para que o carro se

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Cidade de Goiás

Baliza

Coxim

GO

SP

MS

MT

Silvânia

AraguariUberlândiaUberaba

Três Lagoas

Casa Branca

Rio VerdeJataí

UM GIGANTE DO SERTÃO

Texto: Rogério BorgesArte: Ricardo Rodrigues e André Rodrigues

A engenharia envolvida na construção de um carro de boi pode até ser rústica, mas está longe de ser simplória. O veículo é composto por dezenas de peças diferentes que lhe dão uma característica única de durabilidade e resistência. Tudo isso unido a uma tração animal poderosa, em que cada boi da junta desempenha uma função específica para que o carro se movimente. Veja como se encaixam essas engrenagens que, por séuclos, deram sustentação à economia de Goiás e à vida cotidiana de seus habitantes.

A RODADividida em três partes principais, as duas tábuas externas são as cambotas e a que está no centro é chamada de meião. Unindo essas peças, há duas outras, perpendiculares às primeiras, que recebem o nome de arreias.

OS CRAVOSAs duas grandes rodas de madeira do carro de boi têm vários cravos de ferro que lhe dão firmeza. Em torno delas, é habitual colocar-se um anel metálico, também com cravos, que ajuda a preservar o veículo, protegendo a madeira de pedras e buracos. Para instalar esse anel, é feita uma fogueira em torno da ferragem para que ela dilate. Ainda quente, coloca-se a estrutura ainda quente em torno da roda. Ao esfriar, ela se encaixa, apertadamente, na madeira.

PIGARROOutra peça de madeira ajuda a dar sustentação entre o cabeçalho e a junta de bois, encaixando-se por baixo da estrutura. É o pigarro.

A MESAO carro tem formato retangular e vai ficando mais estreito em sua parte posterior, onde os bois são amarrados. As duas tábuas laterais do carro se chamam chedas. O madeirame central é designado de cabeçalho. Esse cabeçalho se estende até a ponta do carro e é nele que vai o pigarro, peça que prende a dianteira do veículo ao primeiro cambão da junta e às cangas dos bois de cabeçalho.

CHAVEIAEstas são peças de madeira que, encaixadas em pequenas aberturas, ligam as partes do carro. São usadas na ligação do cabeçalho do veículo ao cambão e às cangas dos bois da junta.

FUEIROSEstacas de pau que são fincadas nos limites da mesa (6 delas em cada lado e duas atrás), que montam uma estrutura utilizada para montar um compartimento de carga para o veículo.

O EIXOUnindo as rodas, um grande eixo de madeira possibilita que elas funcionem. A peça que faz o encaixe do eixo é a mecha, segurada por outras duas peças adicionais, as cavilhas.

OUTRAS PEÇASNas engrenagens do carro, outras peças de madeira servem para prender as diferentes partes da estrutura. São os chumaços e os cocões, que se encaixam para dar firmeza na ligação entre as chedas e o cabeçalho. Na parte de trás do carro, uma outra tábua de madeira fecha o veículo. Ela se chama recavém.

Os objetos

Bois guias Um par de animais que vão dando a direção para os que vêm atrás. Eles sempre vão à frente e ganham treinamento especial para obedecer ao carreiro sempre que ele der uma ordem. São o cérebro de toda a junta.

Bois de chaveiaEm juntas formada por dez bois, eles formam os três pares de animais que vêm logo atrás dos bois guias. São os marrucos mais fortes de toda a junta, já que cabe a eles a tarefa de fazer o maior esforço para puxar o carro.

Bois de cabeçalhoEles são os animais em que o cabeçalho do carro de boi é amarrado. Estão mais próximos ao carreiro. São os responsáveis por dar equilíbrio a toda a junta e uni-la ao carro de boi propriamente dito.

A MADEIRAO carro de boi precisa ser forte e resistente, mas não deve ser excessivamente pesado, já que isso sacrificaria os animais que o puxam. Por isso a madeira utilizada precisa ser relativamente leve. Antigamente, a mais usada era o bálsamo. Como essa árvore está ameaçada e seu corte é proibido, os carpinteiros passaram a utilizar o argelim vermelho e o tamboril.

CURRALEIROCostuma-se dizer que a melhor raça para puxar um carro de boi é a curraleira. São animais muito rústicos, acostumados a climas secos e terrenos acidentados e cheios de pedras. Também são animais menos ariscos que o nelore e bastante musculosos. Os bois cruzados, como os girolandos, também são muito populares entre os carreiros. Animais gir ou tabapuã também são vistos puxando veículos.

AS MATULASAssim como os tropeiros que viajavam sobre o lombo de animais, os carreiros tinham sua tralha. Geralmente, talheres e pratos rústicos e a chamada mariquinha, um tripé de madeira em que era pendurada uma panela sobre uma fogueira para preparar a comida.

O COUROPara forrar as cangas partidas, para fabricar as cordas de amarração, para fazer as coberturas dos carros, o couro sempre foi artigo de primeira necessidade nas comitivas. Material resistente e rústico, muitas vezes era retirado dos próprios bois após o abate.

Nas estradas boiadeiras de antigamente, o cálculo habitual é que o

carro de boi andava cerca de 40 km por dia, em 10 horas de viagem. Já havia pousos específicos para receber as comitivas, com piquetes de pastos para os animais. Uma das cargas mais transportadas da época era SAL, que vinha do litoral. O produto era essencial para as pessoas e para o gado.

O carreiro e o candeeiro

Os Bois

O Carro de BoiMEDIDASPara ficar proporcional, quem fabrica o carro de boi deve observar certas dimensões. A medida do raio da roda (ou seja, a metade de seu diâmetro total) é a base para tudo. O carro deve medir em sua largura o dobro do raio da roda e em seu comprimento, seis vezes esse valor.

Principais caminhos

ESCALA DE FORÇA

ESCALA DE FORÇA

ESCALA DE FORÇA

A CARGA Um carro de boi, puxado por uma junta de dez animais, costumava puxar entre 1.200 kg e 1.500 kg de carga. o equivale à carga de uma caminhonete de maior capacidade.

O TREINAMENTOPara que um animal seja um bom puxador de carro de boi, ele precisa ser treinado ainda jovem. A forma mais habitual é deixá-lo cangado com outro animal para que ambos se acostumem a andar juntos. Este é um processo que dura alguns meses de trabalho e o treinador deve “conversar” com o boi, ensiná-lo como se estivesse instruindo uma pessoa de verdade.

OS FERRÕESOs carreiros gostam de dizer que os ferrões que carregam na ponta de suas longas varas não são para maltratar os bois, mas sim para educar algum animal mais rebelde. Eles veem com maus olhos carreiros que gostam de espetar os animais por maldade.

1) Nos encontros, tinha precedência de passagem o carro cheio sobre o vazio 2) Nas mesmas condições, o

carro que subia a ladeira tinha precedência sobre o que a descia 3) Se a estrada era crítica, obrigando um carro

a descer com amarra, este passava a ter precedência de passagem sobre o carro que subia 4) Todo carro, para atender àquelas precedências, deveria

deixar livre o leito da estrada, afastando-se dela no ponto em que pudesse fazer isso mais facilmenteNORMAS DE TRÂNSITO

AS PLACASCarro de boi, tal como os automóveis atuais, já foram identificados por placas. As da imagem ao lado são dos anos 1940. Em 1941, em Pouso Alto, atual Pontalina, a placa indica o veículo número 29. Seis anos depois, na cidade de Piracanjuba, foi registrado o carro de número 129. Não havia imposto sobre o veículo, mas o dono do carro de boi tinha que ter a placa para circular por vias públicas. Isso também acontecia em outros lugares, como no interior de Minas Gerais.

Canga

MG

ForCaUm carro de boi, daqueles com tamanho tradicional, com uma junta de dez animais, costumava puxar entre

1,2 ton e 1,5 ton de carga. Isso corresponderia entre 40 e 44 balaios de milho, dependendo da região do País. Algo que equivale à carga de dois veículos utilitários de pequeno porte ou de uma caminhonete

Conduzir um carro de boi é tarefa para uma dupla. Na frente vai o candeeiro, conduzindo os bois guias e imprimindo a velocidade e o rumo ao carro. Junto ao veículo fica o carreiro, que evita percalços e observa os bois de cabeçalho. Ele é uma espécie de condutor principal, vigiando toda a junta de bois e cuidando do caminho do carro.

Weimer Carvalho Ricardo RafaelRicardo Rafael

COMÉRCIO Décadas atrás, uma das medidas mais usadas no meio rural era o carro. Vendia-se, por exemplo, “um carro de milho”. Isso equivale a 16 sacas de 60 kg do produto debulhado.

1,2 mComprimento médio: 20 metros