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FACOM - nº18 - 2º semestre de 2007 57 Comunicação nas Grifes do Hip Hop: Intuição X Estratégia Resumo: Apresentamos aqui uma análise do desenvolvimento das marcas, de um modo geral, suas estratégias de comunicação e relacionamento com públicos alvo, e um estudo sobre grifes voltadas ao público do hip hop da cidade de São Paulo. Palavras-chave: marca; hip hop; comunicação; ideologia; mercado. Introdução A idéia de trabalhar com marcas voltadas ao hip hop surgiu com a leitura de uma reportagem publicada no dia 26 de junho de 2005 no caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo. Na capa do caderno, o artigo intitulado“Grifes de rua, a periferia fashion”, chamou atenção por tratar-se de um tipo diferente de empresa. Partimos da hipótese de que as marcas do hip hop teriam uma ideologia vinculada ao movimento e se negariam a desenvolver um enquadramento mercadológico. Além desse fator, acreditávamos que estas marcas não teriam uma atuação estratégica, planejada, sustentada por estudos, pesquisas de mercado, como fazem as grandes marcas que atuam em mercados globais; o que em parte foi refutado. Apresentamos aqui um panorama sobre a história e desenvolvimento das marcas, desde a primeira utilização, no século XI, até os dias de hoje. Em seqüência, uma reflexão acerca das mudanças sociais e seus reflexos no mercado e nas estratégias de interação das marcas com seu mercado consumidor. Após este tópico, seguimos com os principais resultados de nossa pesquisa de campo acerca das marcas do hip hop e concluímos com uma comparação destas às marcas globais, no que diz respeito à comunicação. As descobertas e conclusões a que chegamos deram-se a partir das entrevistas realizadas e da análise de outros materiais onde encontramos algumas referências sobre as marcas pesquisadas, como as revistas Rap Brasil, Rap News e Caros Amigos, sites e blogs da internet e alguns fanzines. Também foram analisados autores, como J.B. Pinho, Naomi Klein, Isleide Fontenelle, dentre outros, para construir o referencial teórico sobre marcas. Por motivos pessoais, preferimos não citar o nome das marcas pesquisadas e das pessoas que foram entrevistadas. Os nomes que aparecem aqui são fictícios. Cinco grifes de roupas e uma revista especializada foram analisadas. Marca: Definição e História Numa primeira tentativa de definir o que é uma marca poderíamos dizer que é uma forma de separar para unir. Separar no sentido de diferenciar-se de outras marcas, e unir com intuito de aproximar-se de seus públicos estratégicos. O processo histórico de desenvolvimento das marcas pode ser dividido em Marcos Alexandre Bazeia Fochi Abstract: We present here an analyzis on the development of the brands, in general, their strategy of communications and relationships with their target public, and a study about those trade- marks concerned with the hip-hop public of the Sao Paulo city. Keywords: brand, hip hop, comunication, ideology, market.

Comunicação nas Grifes do Hip Hop: Intuição X Estratégia

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Comunicação nas Grifes do Hip Hop: Intuição X Estratégia

Resumo:Apresentamos aqui uma análise do desenvolvimento das marcas, de um modo geral, suas estratégias de comunicação e relacionamento com públicos alvo, e um estudo sobre grifes voltadas ao público do hip hop da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: marca; hip hop; comunicação; ideologia; mercado.

Introdução A idéia de trabalhar com marcas voltadas ao hip hop surgiu com a leitura de uma reportagempublicadanodia26dejunhode2005nocadernoMetrópoledojornalO Estado de São Paulo.Nacapadocaderno,oartigointitulado“Grifesderua,aperiferiafashion”,chamouatençãoportratar-sedeumtipodiferentedeempresa. Partimosdahipótesedequeasmarcasdo hip hopteriamumaideologiavinculadaaomovimentoesenegariamadesenvolverumenquadramentomercadológico.Alémdessefator,acreditávamosqueestasmarcasnãoteriamumaatuaçãoestratégica,planejada,sustentadaporestudos,pesquisasdemercado,comofazemasgrandesmarcasqueatuamemmercadosglobais;oqueempartefoirefutado. Apresentamosaquiumpanoramasobreahistóriaedesenvolvimentodasmarcas,desdeaprimeirautilização,noséculoXI,atéosdiasdehoje.Emseqüência,umareflexãoacercadasmudançassociaiseseusreflexosnomercadoenasestratégiasdeinteraçãodasmarcascomseumercadoconsumidor.Apósestetópico,seguimoscomosprincipaisresultadosdenossapesquisadecampoacercadasmarcasdo hip hopeconcluímoscomumacomparaçãodestasàsmarcasglobais,noquedizrespeitoàcomunicação. Asdescobertaseconclusõesaquechegamosderam-seapartirdasentrevistasrealizadasedaanálisedeoutrosmateriaisondeencontramosalgumasreferênciassobreasmarcaspesquisadas,comoasrevistasRap Brasil, Rap News e Caros Amigos,siteseblogsdainternetealgunsfanzines.Tambémforamanalisadosautores,comoJ.B.Pinho,NaomiKlein,IsleideFontenelle,dentreoutros,paraconstruiroreferencialteóricosobremarcas. Pormotivospessoais,preferimosnãocitaronomedasmarcaspesquisadasedaspessoasqueforamentrevistadas.Osnomesqueaparecemaquisãofictícios. Cincogrifesderoupaseumarevistaespecializadaforamanalisadas.

Marca: Definição e História Numa primeira tentativa de definir o que é uma marca poderíamos dizer que é uma forma desepararparaunir.Separarnosentidodediferenciar-sedeoutrasmarcas,eunircomintuitodeaproximar-sedeseuspúblicosestratégicos.Oprocessohistóricodedesenvolvimentodasmarcaspodeserdivididoem

MarcosAlexandreBazeiaFochi

Abstract:We present here an analyzis on the development of the brands, in general, their strategy of communications and relationships with their target public, and a study about those trade-marks concerned with the hip-hop public of the Sao Paulo city.

Keywords: brand, hip hop, comunication, ideology, market.

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duasfases:aprimeira,ondeosprodutoresprecisavamcriar uma forma de diferenciar os seus produtosdos de outras marcas; e a segunda, onde passam abuscar uma identidade, ligações emocionais com osconsumidores. NolivroO Poder das Marcas,J.B.Pinhoretratabemesse momento inicial. De acordo com este autor, o uso demarcasparadiferenciarprodutoscomeçouduranteaIdadeMédia,comascorporaçõesdeofícioedemercadorias,comointuitodecontrolaraqualidadeeaquantidadedaprodução. No século XIX, com o surgimento das comunas ecidades,ecomadivisãodemercado,trabalhoecompetência,ousodemarcaspassaaserobrigatórioeaterumsentidocomercial, mas “o uso pioneiro da marca como elementode diferenciação aconteceu na Escócia, em 1835, com aintroduçãodamarcaOLDSMUGGLER,criadaparadesignarumalinhadeuísquequeempregavaumprocessoespecialdedestilação”(PINhO,1996,p.12). IsleideArrudaFontenelle(2002,p.74)descreveo significado de marca como um“meio de identificarosprodutos”eafirmaqueestaestratégiajáexistianoEgito,ondefabricantesdetijoloscolocavamsímbolosparaidentificarseusprodutos.

AsmarcasregistradassurgiramnoséculoXVI.NoséculoXVIII,o conceito de ‘marca’ evoluiu. Os nomes de gravuras, animais,lugares,origensepessoasfamosasassumiram,emváriassituaçõesosnomesdosprodutores.Onovopropósitoeraassociaronomedo produto com a marca. Fabricantes desejavam tornar tanto oprodutocomoamarcamaisfáceisde lembrar,diferenciando-osdaconcorrência.NoséculoXIX,amarcafoiusadaparaaumentaro valor percebido do produto por meio de tais associações(FONTENELLE,2002,p.75).

As estratégias dediferenciação vão ficandocada vez mais eficazes.No século XX criam-seestratégias de divulgaçãoonde os consumidoresp a s s a m a a s s i m i l a r odiscernimentoentremarcase produtos de modo maisracional. As diferenças vãosendo percebidas pelosatributos dos produtos (qualidade, durabilidade,facilidades, preço) mostrados nas mensagens dedivulgação. Todavia, com o aumento da produção,da diversidade de marcas e produtos que passam a

ser oferecidos, a estratégia de diferenciaçãoracional não se mostra mais satisfatória,visto que todos os produtos apresentammais ou menos os mesmos atributos. Assim,as marcas precisam estabelecer novoscritérios de destaque; criar uma identidade,uma personalidade (semelhante à de seusconsumidores),frenteaonovomodelosocial.

Marcas e a transformação da cultura Atransiçãodassociedadestradicionais,agrícolas, para as sociedades urbanoindustriais deixou lacunas que talvez “só asmarcas”pudessempreencher. Defleur e Rokech no livro Teorias da Comunicação de Massa afirmam quea sociedade do final do século XIX sofreuuma transição, passando de uma sociedadetradicional para uma sociedade urbano-industrial.Nassociedadestradicionais,ociclovitalerademarcadoporritosdepassagem.Erasimplesparaoindivíduoperceber-se,integrar-senasociedade, jáqueo‘desenrolar’desuavida, já estava‘mais ou menos programado’.As normas, papéis, posições e sanções eramfacilmente percebidos. Por outro lado, emsociedades urbano-industriais o processode socialização não é tão simples. há fontescompetitivas (e às vezes contraditórias) deinformação clamando pela atenção dosindivíduosetransmitindoinformaçõessobre

os novos modos de convíviosocial. Com isso, os indivíduosvão tornando-se cada vez maisdependentes dos meios decomunicação de massa eseu comportamento passaa ser ‘totalmente moldado’ deacordo com as informaçõesprovenientes destes meios. Pormais que instituições sociaiscomo família, escola, igreja,tenham grande influência sob

nossasvidas,comotransmissoresdevalores,nenhuma destas instituições têm poder eresultados semelhantes aos da propaganda,datelevisão,docinema.

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Sobre esse processo de transição social, Coelho(2003) afirma que devido à perda do acesso à terra, àsubstituição das ferramentas artesanais pelas máquinascomo os principais instrumentos de produção, ostrabalhadores foram obrigados a transformar-se emassalariados, vendendo sua força de trabalho aosproprietários rurais e industriais. Ocorre uma rupturacausada pela especialização, já que nas fábricas cadaetapadoprocessodeproduçãoécoordenadaporumapessoadiferente,detentoradeconhecimentosespecíficosque aquela função demanda; diferente da produçãotradicional,naqualumaúnicapessoadominaecontrolatodooprocesso.Assim,aespecializaçãoprovoca

umarupturaentreaparticipaçãodostrabalhadoresnoprocessoprodutivoeacapacidadedelesmesmosproduziremseusmeiosde subsistência. A satisfação das necessidades básicas dostrabalhadores e de suas famílias passou a ser feita mediante acompra de mercadorias. Iniciou-se, assim, o desenvolvimentode uma tendência presente na sociedade capitalista, que é atransformação em mercadoria de todas as atividades sociais(COELhO,2003,p.6).

Sempoderproduzirosbenseobjetosnecessáriosà sua sobrevivência - como alimentos, roupas, calçadosremédios,móveis,utensíliosdomésticos,etc-osindivíduospassamadependerdasempresasquesededicamaessaprodução.Essasituaçãoprovocaumamudançanaformado indivíduo se relacionar com suas necessidades, poiscomaevoluçãodasempresaseprodutos,criam-senovasnecessidadesdeconsumoeoindivíduotorna-secadavezmaisumseguidordosmodelosapresentadospelamídia(LAGE,1999).

Outroaspectodamudançacultural,deacordocomNaomiKlein(2003),foiasimbioseestabelecidaentremarcasecultura,presentenacontemporaneidade.Deacordocomestaautora,

oprojetodetransformaçãodaculturaempoucomenosque um conjunto de extensões de marca não teriasidopossívelsemaspolíticasdedesregulamentaçãoeprivatizaçãodastrêsúltimasdécadas./.../Àmedidaque os gastos do governo encolhiam, escolas,museuseemissorasdetvficaramdesesperadaspararecuperarseusdéficitsorçamentárioseseequilibrar,formando parcerias com empresas privadas (KLEIN,2003,p.54).

As marcas vão penetrando em váriassituações de convívio social. Primeiramentecomo um colaborador, apoiador, patrocinador,e depois como o próprio realizador. Isto éfacilmente reconhecido em eventos esportivos,ondealgumasmarcasiniciam-secolaborandocomalgumcompetidor,depois apoiando o eventoe finalmente transformam-se no realizador,oumelhor,oeventoviraamarca.“Amaioriadosfabricantes e varejistas começa a buscar cenáriosautênticos,causasimportanteseeventospúblicoscaritativosparaqueestascoisasdêemsignificadoasuasmarcas”(KLEIN,2003,p.60). Nos anos 90, conforme apresentaKlein, profissionais do branding buscavamnos jovens negros, moradores de bairrospobres dos EUA, uma fonte de “significado”e identidade a ser explorada por grandes

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marcascomoNikeeTommyhilfiger.Estasduasforamcatapultadasparaosuperestrelatodamarca,emgrandeparteporumagarotadaqueasincorporounoestilohip hop,namesmaépocaemqueohip hopestavasendointroduzidonosrefletoresdaculturajovempelaMTVepelaVibe-aprimeirarevistadehip hopdemercadodemassa,fundadaem1992(KLEIN,2003,p.98). As marcas vão preenchendo as lacunasdeixadaspeloprocessodetransiçãocultural.Pormeiodeseusprodutos,passama“contribuir”comadefiniçãoqueosindivíduosfazemdesimesmosoudosoutros.Afinal,conformeafirmaFontenelle(2002,p.178)“nãoéamarcaquedizquemeusououquemooutroéporusar jeans Levi’s, vestir pulôver Benetton, calçar tênisNike,comernoMcDonald’s,beberCoca-ColaoufumarMarlboro?” Atualmente,asmarcasnãosó inserem-sepelacultura, buscando um significado, como tambémtransformam-senaprópriacultura,produzindonovospadrões e significados. Conforme afirma o slogan deuma das marcas pesquisadas por nós: “Você é o que você veste”.

O Modelo de Corporação Oca “Corporação Oca” é um conceito que noschamou atenção na obra de Klein (2003). O termosignifica uma organização “vazia”, ou seja, nãoencontraremos máquinas e pessoas trabalhando nointerior dela, não encontraremos um processo deprodução, de transformação de matéria prima emproduto final. É até complicado falar em‘interior’ já

que, geralmente, não há um espaço físicoondeestariamasinstalaçõesdeumafábrica.Ascorporações ocas,geralmente,temapenasumescritórioepoucaspessoastrabalhandoidéiasenãoprodutos.Ofocoestánamarcaeaproduçãoficaporcontadeoutros,commaior especialização e potencial para fazê-lo. Ou seja, as corporações ocas terceirizamtodasuaprodução. No final do século XX, as empresasvinham sofrendo algumas mudanças, tantoemsuaestruturacomoemsuacultura.Umadelas foi a valorização do cliente, o qualpassouaseroprincipalfocodeatençãodasempresas. Conforme afirma Giosa (1997),a necessidade de voltar-se ao cliente, deconhecer o seu perfil, suas necessidades eexpectativas, pegou em cheio as grandesorganizações, acostumadas a dirigir omercado, praticamente impondo o seuproduto ou serviço. Com isso,“as pequenasemédiasempresas,maiságeisepercebendoo momento de mutação, aproveitaram-sedasituaçãoecomeçaramaconquistarfatiassignificativas desse mercado” (GIOSA, 1997,p.12). Medianteanovarealidadedeperdademercado,asgrandesempresascomeçarama“olharparasimesmas”,aexercitarumareflexãosobresuasfalhasbemcomosobreasformasdesetornaremnovamentecompetitivas.

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Assim, o processo de terceirização temum significado de mudança cultural pelo qualas empresas passam a repensar sua missão, seusprincípiosemetas.Comisso,conseguemidentificarum foco de ação e concentrar sua energia nele,ou seja, na atividade principal da empresa. Assim,“as corporações de sucesso devem produzirprincipalmentemarcas,enãoprodutos”(Klein2002,p.27).Passama teresse focoeamissão,volta-seàprodução de sentido relacionado à identidade damarca.

O modelo de corporação oca foi aperfeiçoado pela Nike ecriouessaondadetodomundopulandoabordo./.../aCoca-Cola sempre entendeu que teria margens de lucro mais altascasonãopossuíssesuasprópriasengarrafadoras,enaverdadesó controlasse a receita, a idéia, a propriedade intelectual. Apropriedadeintelectualéoqueimporta(KLEIN,2003,p.182)

FabricaredistribuirprodutosnãoéonegócioprincipaldeempresascomoNike,Microsoft,Tommyhilfiger, Intel e muitas outras. Elas transferem essaresponsabilidade para terceiros e despendem todasua energia na sua atividade principal. Assim, oque essas empresas produzem não são coisas, masimagens de suas marcas. Seu verdadeiro trabalhonãoestánafabricação,masnomarketing.

Casulo de marca Casulodemarcaseriaumaespéciede“carapaçaprotetora”criadaporumamarca,queenvolveriatodosossentidosdavidadeseuconsumidor.Klein(2003)explica que as marcas buscam um sentido, tentamestabelecerligaçõesemocionaiscomoconsumidor,procuram estabelecer um vínculo por meio de umestilodevida.Sendoassim,paraesteestilodevida

ser completo, a marca precisa satisfazermúltiplas necessidades do indivíduo, oqueas levaaterumaatuaçãoalémdesuamissãoinicial.Asmarcasprecisamcriarumaidentidadeparasiprópriaseparaoindivíduoe esta identidade deve ser completa, “dospésàcabeça”,daroupa,calçado,acessórios,àmúsica,equipamentodesom,aoshow,àbebidaconsumidaduranteesteshow. Conforme afirma Klein, “cada vezmaisamedidadeumamarcabemsucedidaéoquantoelaseestendeparaoutrasáreas”(Klein,2003,p.178),ouseja,oseusucessoestá atrelado ao ‘fechamento do cerco’, àconstruçãodocasulo,àcriaçãodeumestilode vida completo. Para conseguir‘fechar ocerco’, as marcas acabam associando-se aoutrasmarcas.

A melhor maneira de construir um casulo demarca,sevocênãoéDisneyenãoestánopáreoatantotempo,éfundir-seaoutraempresa,oufundir-seaalgumasoutrasempresasparatertodasestasdivisões diferentes e transmitir sua mensagemde marca e criar um estilo e vida mais completo(KLEIN,2003,p.180)

Inúmeros exemplos de marcas queconseguiram estabelecer verdadeiroscasulos são encontrados na bibliografiade marketing. Virgin e Disney são osmais citados. A Disney além do casuloestabelecido com seus próprios recursos,também‘funde-se’aoutrasempresas,comoCoca-ColaeMcDonald’sparaaprimorarestecasulo. No universo hip hop tambémpodemosencontrarexemplosdeempresasque se expandiram para outras áreas eestabeleceram o seu casulo de marca. Arevista Rap News nº 7 traz como matériade capa - The Roc: o império que nasceu no gueto - uma entrevista com os fundadoresde uma empresa norte-americana voltadaaopúblicodohip hop,queseexpandiuparadiversasárease,deacordocomosconceitosapresentados por Klein (2003), construiuseucasulodemarca.

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ConformeafirmaMaio, Muito mais que uma companhia, Damon Dash recriou aforma de administrar os negócios, tornando a“The Roc” umaempresa super valorizada que hoje não só lança artistas pelagravadora”Roc-A-Fella”,masambémtema“Roc-A-Wear”,marcanúmeroumemmodaurbana,alémdesuaprópriapublicação,a revista de moda“América”, a vodka“Armadable”, sem contarcomaajáconsagradaprodutora“DashFilms”quetemrecebidoelogiosdaaltagerênciadehollywood(MAIO,2006,p.12).

Esta empresa tem significativa importânciapara o universo das marcas hip hop. Seu sucessopodeterservidodeespelhoamuitasoutrasmarcas,inclusiveasbrasileiras,noestabelecimentodasmetasparaaconstruçãodeseufuturocasulo.

As Marcas do Hip Hop:Ideologia X Mercantilização Umadashipóteselevantadasemnossoprojetodesta pesquisa era a de que as marcas de roupasvoltadasaopúblicodohip hopdeSãoPaulo,tinhamcomofontedesustentação,comobaseda“empresa”,uma questão ideológica, voltada aos interesses domovimento. Esta idéia foi bastante influenciada por umadiscussãolevantadanareportagemdojornalO Estado de São Paulo:“Ficar no gueto ou expandir a marca? Parte das grifes quer ir para o centro, mas há quem tema ser rotulada de comercial”(OESP,2005,p.C4). Inicialmente considerávamos o fato de umagrifequererpermanecernogueto,comoumaideologiaafastadadequalquerindíciodecunhomercadológico.Todavia,comodesenvolverdaspesquisas,passamosateroutravisãoarespeitodessefato. Estaquestãodepermanecerounãonoguetonão se encaixava no perfil da maioria das marcaspesquisadas.Algumasdelasjáhaviamnascidoforadogueto,eoutras,pormaisquetivessemligaçõescomogueto,ousepautassememalgumaquestãoideológica,estarounãonoguetonãoeraumaquestãorelevante. Apenas uma das marcas pesquisadas (1S)defendeestaquestãodepermanecernogueto.Todavia,como o idealizador desta marca não nos concedeuentrevista, não foi possível nos aprofundarmos nestaquestão.Chegamosaalgumasconclusõescomoquepudemosconhecersobreelaporalgumaspublicações,conversacomavendedoradalojaeleiturado blogdeseumentoredono.

C o m o s e s t u d o s r e a l i z a d o sconsideramos o fato de querer permanecerna periferia também como uma estratégiade diferenciação. Existem diversas marcasno segmento hip hop situadas no centro dacidadedeSãoPauloounoBrás(bairrodestacidade).Assim,seestamarcasaíssedaregiãoonde se situa, ela seria mais uma marca dehip hopnocentroounoBrás.Semantiversuamodestalojanoseulocaldeorigem,manterásuaidentidade,eafidelidade(peloorgulhoeidentificação) dos consumidores moradoresdestaregião. Além disso, poderá despertara curiosidade de pessoas de outros locais,fazendocomqueestessedesloquemparalá,casoqueiramadquirirosprodutosdestagrife.Adificuldadedestaaquisiçãopodepossibilitarcertaexclusividadeaoconsumidororigináriode regiões distantes do local de origem epontodevendasdamarca. Tudo indica que a dificuldade deacessonãodificultaocrescimentodamarca.Ofatodeodonoserumapessoaconhecida,porsercolunistadeumarevistadecirculaçãonacional, ter publicado vários livros queestão sendo editados em outras línguase distribuídos em países como Espanha ePortugal,dentreoutrasatividades,dábastantevisibilidade à marca. O bairro e a região sãobastanteevidenciadosemtodasuaprodução.Conseqüentemente,faz-seumaligaçãodissoà marca, o que faz com que ela cresça cadavezmais. Outra questão bastante evidente éa valorização da raça negra. Duas grifes sedestacamnestequesito:CSePPP. Conforme afirmou o entrevistado dagrife CS, sua marca “surgiu também de uma forma de protesto, com esse direcionamento, com algo cultural de fortificação”. O proprietário da PPP dá a seguinteexplicaçãosobreonomedagrife:“Esse nome veio de uma matéria de uma revista dos anos 60 que se chamava Realidade”. Conforme nos explicou, teve acessoà revista por meio de uma Ong quedesenvolvia trabalhos educativos e de

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politização em seu bairro. Além da matéria citada,outrasleiturasserviramdereferênciaparaacriaçãodamarca,abiografiadeMalcomX. “Tem uma parte do livro que ele fala que os pretos têm que ter os próprios negócios, fazer o dinheiro girar entre eles. /.../ E aí a gente quis montar isso. A gente trabalhar, ganhar, ser dono, fazer o dinheiro girar, contratar funcionários negros e tal. O intuito é esse”.

Estas duas marcas estão fundamentadas navalorização da raça negra. Por outro lado, diferentedo que imaginávamos, não se esquivam da lógicacapitalista do mercado. Os dois entrevistados deixambemclaroquequeremeprecisamganhardinheiro. Conformeumdelesafirma,a“PPP, antes de mais nada é uma empresa, tem que pagar imposto. Não pode ser uma empresa de caridade por que senão fale. Tem os nossos custos, os nossos funcionários, e é isso, a gente faz disco e faz roupas e faz eventos também”. O interesse mercadológico, a vontade decrescer,expandirosnegóciosestápresenteemtodasasmarcasentrevistadas.Aideologia,diferentedoqueimaginávamos inicialmente, não exclui a busca pelocapital,ointeressemercadológico,financeiro. Com essa descoberta, começamos a ver asituação por outro ângulo. Com a explicação de doentrevistado da PPP sobre a valorização dos negros,percebemos que a posse material, de certo modo,poderiafacilitaroalcancedosobjetivosideológicos. Aindasobreaquestãodaideologia,percebemosque algumas marcas (como a MN) não apresentamcomo base principal de sua instituição uma questãoideológica. Apesar de dizerem-se voltados para umpúblico desvalorizado e desrespeitado por outrasmarcaseprincipalmenteagirdemodocontráriocom

estepúblico,seuinteressemaiorestánoseupotencialdecompra. Assim, nossa hipótese foi em maiorescalarefutada.Questõesideológicaspodemounãoestaratreladasàsmarcasdo hip hop.Em algumas estas questões são quase queinsignificantes. Em outras, bastante forte eevidente.Todavia,ovínculoaumaideologianãoexcluioenquadramentomercadológico,visto como natural e necessário pelas duasmarcas que mais se embasam em umaideologia.

Estratégias de Comunicação e Marketing Outroobjetivodapesquisafoianalisaralguns aspectos relativos à comunicaçãoe marketing destas marcas; saber sehavia planejamento, quais as ferramentasutilizadas,quaisasprincipaisestratégias. Nossa hipótese inicial era queestas marcas adotam intuitivamentealgumas estratégias de comunicação emarketing. A ação intuitiva seria uma açãonão fundamentada em estudos, análisesde pessoas especialistas no assunto,com formação acadêmica e experiênciacomprovada;seriaumaatitudebaseadaemobservações pessoais, em uma vivência desituações semelhantes que deram certo eforamreproduzidas. Esta hipótese já começou a serrefutadanasduasprimeirasentrevistas,commarcas situadas no Brás. Estas inicialmentedemonstraram agir de maneira estratégicae não intuitiva, pelo simples fato de terempessoas designadas a esta função, domarketing. Conforme explica o entrevistado daIB, a empresa “contratou duas estilistas, com o intuito de trazer a história da coleção. Antes disso, não se tinha coleção, não se criava em cima de temas. Hoje consegue trabalhar em cima de coleção, tema, tem linhas de produto, que é uma coisa diferenciada, que só grandes marcas têm” (Grifonosso).

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A própria entrevistada - que coordena esta“equipe de criação” - tem formação universitária emcomunicação social (publicidade e propaganda) eexperiência prática acumulada nesta área. Por isso,podemos concluir que a marca IB age de modoestratégico-aparentemente,poisnãosepodeterumaconclusãoprecisajáqueapesquisanãoseaprofundouenãoanalisouresultados,eoutrasáreasdaempresa. AMNtambémtemumapessoadesignadapara“cuidardoseumarketing”,cujafunçãoestavaatribuídaàpessoaquefoientrevistada.Este,apesardenãoterespecificadosuaformaçãoeexperiência,demonstroubastantehabilidadenoassunto.Afirmaterentradonaempresa para “dar um sentido maior à marca, mostrar para ela qual o caminho, o que ela quer, onde pretende chegar, qual é a intenção da marca”. Aentrevistafeitacomorepresentantedeumarevista do segmento fortalece a conclusão de queesta marca age muito mais de modo estratégico queintuitivo. O entrevistado explicou que o“logo” e todaidentidadevisualdestamarcafoicriadaporeles,numaespécie de consultoria prestada pela revista, nummomentoemqueocomercianteproprietáriodagrifedeixoudeimportarprodutosdeumagrifeamericanaparacriarumamarcabrasileira. A entrevista na revista foi de fundamentalimportância para compreendermos a lógica defuncionamento desse mercado e chegar a umaconclusão sobre a ação estratégica ou intuitiva dasmarcas.Esteentrevistadoafirmouquealémdedifundiraculturahip hop,arevistatemopapeldeorganizaromercado. Ela presta uma espécie de consultoria àsmarcasquenãotêmumaestrutura(paradesenvolveracomunicaçãoeoMarketing)epretendeseexpandir. A estratégia da revista - que se estende parauma atuação estratégica das marcas - fica explícitaquandonos respondecomoseusóciodesenvolveuametodologiadeelaboraçãodosanúnciosexistentesnarevista. Conforme explicou: “Não colocamos modelos, fazemos aquela coisa real, que o moleque se vê, se identifica /.../ e pros grupos também é uma maneira de sair na revista. /.../ um ajuda o outro,/.../ é uma forma que a gente conseguiu desenvolver, e fazer esse mercado funcionar, um mercado que não existia. Na verdade, a gente não foi pegar anunciante que já anunciava em

outras revistas e simplesmente continuam suas campanhas. A gente pegou comerciantes do zero, que nunca anunciaram em revista, que não têm uma linguagem visual, que não tem uma identidade, então, praticamente todas as marcas foram criando uma identidade /.../ a revista acaba sendo a agência de publicidade, o departamento de marketing, dos clientes que ainda não têm uma estrutura, entendeu?” Fica evidente que muitas marcasagemdemodoestratégico,sejaporterumaestruturainterna,sejapeloauxíliodarevista. Algumas marcas não contam comesse“apoio”darevistaeparecemdesenvolvera comunicação, globalmente falando, demodo intuitivo. Não há um planejamentoestratégico da comunicação, estipulando-se objetivos e metas. Todavia, pensando demodosegmentado,esta impressãopodeserdiferenciada.Vejamosositensabaixo.

Marcar para Diferenciar: a questão dos logos Não faz parte dos objetivos destapesquisa desenvolver uma análise semióticadas imagens apresentadas como logomarcapelasempresaspesquisadas.Assim,oconteúdoabaixo poderá parecer superficial aos olhosde alguns teóricos. Todavia, esta análise,mesmo que superficial, tem fundamentalimportância na compreensão do objetivogeraldenossapesquisa,queécompreenderocomportamentodestasmarcas. Todasasmarcaspesquisadastêmumalogomarca.Emalgumaso logofoicriadoporprofissional especializado; em outras, poramigoshábeisemlidarcomdesenhos,masemtodasháumarazãodeser-buscamestabelecerumsentidorelacionadoà ideologiadamarcaouaoseupúblicoalvo. Na grife PPP, conforme explica oentrevistado, “o nome da marca já fala por si só. /.../ o símbolo já fala por si só. /.../ é uma bola, um mundo, um mundo negro, o planeta. E quem criou? Foi um amigo meu. Ele é desenhista. Eu falei pra ele, ó mano, eu queria fazer mais ou menos assim, /.../ e ele fez.

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A CS possui uma logomarca que evidenciaaraçanegraeotipodecabelocaracterísticodela.A simbologia é bem trabalhada e possibilita essaassimilaçãododesenhoaonomedamarca.Aimagemé composta por um rapaz negro, demonstrandoestar tranqüilo, em posição confortável, de pé,comobraçoesquerdoapoiadoemuma“mureta”,apernaesquerdadobradaeopéesquerdotambémapoiado nesta“mureta”. Na mão direita ele possuiumpente,comoformatodeumgarfo,comoqual“ajeita” seus cabelos. O entrevistado explicou que“quando surgiu a CS, a primeira estampa que nós fizemos se chamava três poderes. É um continente africano, um punho cerrado e um cara de black. A intenção era mostrar esse lado cultural mesmo. Ela nasceu pra isso? Ela nasceu pra isso. Eu já tinha esse projeto, mas a gente pensou em outros nomes, para escolher qual era o melhor, qual a gente achava que se identificava mais”. Na 1S o nome e o “emblema” parecem tersido criados de forma bastante estratégica. Emum folheto que obtivemos na loja apresentam aseguinte explicação: “O emblema da 1S tem como idéia ser um brasão do nosso povo /.../ o símbolo em forma de Fênix e com o número 1 em destaque é uma forma de termos nosso próprio brasão, e ele tem esse sentido, de juntar a periferia. NagrifeIB,pelofatodesabermosinicialmentequeestamarcasurgiuapartirdonome(ouapelido)do seu proprietário, o qual é integrante do grupomaisfamosoeconceituadodorapbrasileiro,nãofoiexploradoduranteaentrevistaoporquedonome,bemcomooprocessodecriaçãodaidentidadedamarca. Por fim, temos a grife MN, cuja logomarcasimbolizaumcumprimentomuitocomumentreosmanos (como os adeptos do hip hop denominamuns aos outros). Um punho cerrado batendo soboutro. Os braços que dão seqüência aos punhosunem-se em forma de um círculo. A partir dospunhos,osbraçosvãoafinando-seatéoencontro,napartesuperior.Nãohouveumaprofundamentoduranteaentrevistaacercadoprocessodecriaçãoda logomarca, todavia,comaentrevistana revistaRBpudemosperceberqueessalogomarcafoicriadaestratégicamente,comointuitodeestabelecerumvínculocomoconsumidor,ouseja,comosmanos.

Conformeafirmouoentrevistadodamarca,MN “é roupa pra mano, para o segmento hip hop”. Assim, nada melhor que umcumprimentodosmanosparasimbolizaramarca. Com relação à hipótese inicial ,podemos afirmar que no processo decriaçãodealgumaslogomarcasutilizou-seum pouco de intuição. Todavia, por tudoque foi levantado, percebe-se que todasforam criadas estrategicamente, com ointuito de estabelecer uma identidadevisual com a qual o publico alvo seidentificasse.Buscou-seretrataraideologiadamarcae,conseqüentemente,aideologiadoconsumidornacriaçãodaslogomarcas.Assim, a hipótese da atuação intuitiva foirefutadanestequesito.Corporação Oca Esteconceito,extraídoinicialmenteda obra de Naomi Klein não se aplicaexclusivamente a grandes corporaçõesco m o a N i k e o u a Ad i d a s . A l g u m a smarcas do hip hop também podem serconsideradas corporações ocas - não nasmesmasproporçõesqueasmarcasglobais- pelo fato de não terem uma linha deprodução,nãoteremfábricasefuncionáriosconfeccionando seus produtos. Dedicam-senãoàproduçãodecoisas,masimagensdesuamarca.Seuverdadeirotrabalhonãoestánafabricação,masnomarketing. Todas as marcas entrevistadasterceirizam algumas partes de suaprodução,ou todaaprodução.NaMN,háum estilista que cria os modelos, entregacroquis a fornecedores que já trazem osprodutosprontos.Elecriaosmodeloseosfornecedoresosdesenvolvem. NA IB, concentram a parte decompra de tecido, modelagem, corte eterceirizamapenasaconfecção,alavagem,osilk.Ouseja,cuidamdoinícioedofinal.Desenvolvem os produtos, compram amatériaprimaeterceirizamamãodeobrada produção. O corte dos tecidos é feito

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no prédio onde fica o escritório e a loja, no Brás.Todavia, as pessoas que desenvolvem o serviçonão são funcionários. São prestadores de serviçoscontratados exclusivamente para isso. A médioprazo, pretendem terceirizar tudo e apenas cuidardamarcaedacomercialização. Oprincipalmotivodaterceirização,emambas,éareduçãodecustose,emumadelas,adiminuiçãodeerros,oquepareceserumpoucodiferentenasoutrasmarcas. A CS parece funcionar como uma empresafamiliar, onde cada membro da família é responsávelpor um setor. A marca foi criada e pertence a duaspessoas, mas eles buscam a ajuda de seus parentespara conseguir por em prática esse ideal. Conformeexplicou,

“a gente desenvolve o modelo, mas aí, na minha família tem costureira, entendeu? Compro o tecido, levo, elas trabalham. A gente ainda não tem força para formar nossa industria e contratar. Como a gente tem parentes e pessoas que tem esse conhecimento, levo pra eles e trabalho o meu papel aqui”.

Assim, podemos concluir que a terceirização,nestecaso,foiumaformadeviabilizaraprodução.Semos parentes e amigos detentores de conhecimento ealgunsequipamentos,nãoseriapossíveldar inícioaonegócio. NaPPP,tudoindicaqueaterceirizaçãoteveumpapel semelhante. Conforme afirmou o entrevistado:“tudo é terceirizado, sempre foi. Gera emprego também, você comprar o bagulho pronto. Então, em cima disso a gente faz, a gente põe o preço e tira o lucro, né”? O entrevistado demonstra que a terceirização,além de possibilitar a viabilização dos negócios,tambéméumaformadecumprircomopropósitodaempresa,degerarpodere incentivaro“povo preto”aconquistarumpapeleumaimportâncianasociedade.Conforme defendeu, a terceirização gera empregosindependentes, onde o negro oferece seus serviçossendodonodesteserviço. Na 1S, sabemos que também terceirizam asua produção, todavia não foi possível investigar asdimensõesdessaterceirização.PercebemosqueassimcomonaPPPeCS,a terceirização,na1S, tambémfoiuma forma de viabilizar a empresa. Conforme afirmao proprietário na entrevista para“O Estado”, a marca

começou estampando frases em algumascamisetasnoquartodacasadeleedepoisfoiexpandindo-se. Emconversainformalcomvendedorada loja, foi afirmado que tudo é feito ali, naregião, no bairro. Eles procuram fazer comque a renda gerada pela empresa fique naperiferia.Ascostureirascontratadassãotodasmoradorasdasfavelasdasimediações,assimcomoosquefazemalgunsdesenhosesilks.Acadaprodução,afirmouela,contratamalgumascostureiras. Não são sempre as mesmas, ouumgrupo.Deacordocomademanda,iniciamnovasproduçõesecontratamosserviços. Podemos concluir que nas marcasmaiores,melhorestruturadas,aterceirizaçãopode ter sido estudada, analisada edesenvolvida estrategicamente, como umaforma de redução de custos, melhoria dequalidade,expansãodelucros.Estasparecemterseguidoamesmalógicadasmarcasglobais,deproduzirmarcas,idéiasenãoprodutos. Todavia, em outras a terceirizaçãoparece ter sido uma saída às dificuldadesencontradas. Terceiriza-se para viabilizar onegócio e não para reduzir custos e poderaplicar maiores quantias na produção desentido,deidéias,deidentidade.Estasmarcas,ao que tudo indica, não precisam investir(dinheiro)naconstruçãodeumaidentidade,comofazaNike,Adidas,eoutras“corporaçõesocas”,pois“jánasceramcomumaidentidade”.

Estratégias de Divulgação Dentro do universo hip hop, cadamarcadesenvolveummeiodesediferenciardas demais. A MN afirma que por meiode algumas parcerias, surgem estratégiasinteressantes de promoção. Um exemplo foiumpedidodepatrocínio,ondeossolicitantes,organizadores de um evento, sugeriamdesenvolver a estratégia de dar descontosna entrada a quem estivesse usando roupasda grife - o ingresso custa R$15,00; quem estiver com camiseta da MN paga R$10,00 .Este seria uma forma alternativa de divulgaramarca,masutilizam-setambémdosmeios

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tradicionais. Não anunciam em grandes veículos,não fazem propaganda massiva. Trabalham comveículos segmentados. A revista RB, principalveículo do hip hop brasileiro, foi o meio escolhidopara dar evidência à marca. Em várias ediçõesobservadas, a MN apresenta-se na contra capa,juntocomalgumgrupoderapouDJqueevidenciao estilo. A internet também é utilizada. Possui umsitebemtrabalhado,quereforçatodooconceitoeestratégiadedivulgaçãodamarca. A IB está se organizando, revendo asestratégias atuais e planejando novas formas deatuação.Nãotemumsitenainternet,masseutilizadesseveículoparasecomunicarcomcompradoresde atacado. Toda vez que tem alguma novidade,peçasnovas,promoçõesounovacoleção,disparae-mailsparaosclientes,comfotosmostrandoaspeçasdenovascoleçõeseinformaçõessobreasnovidadesda loja.Segundoaentrevistada,háumprojetodecomunicação que pretendem colocar em prática,o que será feito assim que organizarem algumascoisas que estão faltando. Pretendem desenvolveralgumasferramentascomokitparaorepresentante,adesivos,bannerparacolocarnaslojasquevendemIB. Já fizeram campanha publicitária utilizandorevistassegmentadas,masaoterminodacampanhanão deram seqüência aos anúncios. Pretendemfazer editorial de moda, construir um site, dentreoutrasações,masantesprecisamestruturarmelhoralgumas coisas relativas ao produto, à confecção.Umarevistaondepretendemdivulgarfuturamentealguma campanha é a revista Trip. Não fazemanúncioemrádioscomunitárias,piratasou jornaisde bairro. Apenas anunciam num programa derádio,produzidopeloprópriodonodaloja. Na PPP, quando indagamos sobre adivulgação da marca, o entrevistado respondeu:“a gente não divulga não, /.../ Tudo o que a gente conseguiu hoje foi aparecendo com a camisa em vídeo clip, alguém compra a camisa e aparece na MTV, o X , apareceu muito com a roupa da PPP, entendeu? Tudo isso vai divulgado. /.../ mas a gente fazer comercial, chamada ... Nem em rádio comunitária? Não. O nome vai crescendo aos poucos. Entendi. Mas você falou que divulgou um tempo em revista /.../ Foi na RB, mas aí arrumamos uma treta com os caras da revista e aí ficou inviável a gente colocar o nosso produto lá”.

Apesardenãoteremumaassessoriade comunicação ou marketing (talveztivessemnaépocaemqueeramparceirosdarevista),percebema importânciadesedesenvolver trabalhos de comunicação.Buscamaproveitaralgumasoportunidadese fazer a marca aparecer, por meio dosprogramasdetelevisãoqueparticipamouondetrabalharamouquealgumparceiroouamigoparticipe.Nosshowsdabandaqueoproprietáriodagrifefazparte,écomumos integrantes usarem roupas da PPP, IBou outras grifes de amigos e parceiros dabanda. A CS nunca anunciou em qualquerrevista ou fez qualquer tipo de anúnciopago. Indagado sobre a divulgação, oentrevistado afirmou: “A propaganda da CS é uma propaganda verbal. /.../ tem umas alianças de rádio, a gente tem uns broders que falam da marca. /.../ A gente vai fazendo a junção, o boca a boca. Já demos também entrevista na revista Raça Brasil, que mostrou umas camisetas da gente antes, demos outra entrevista para aquele jornal Agora, /.../. Também tem vários amigos nossos que fazem vários zines e falam da gente. Tem outras irmandades, chegamos a fazer uma festa que chama Regae Bom, com várias bandas, e tem o Geléia que tem esse zine aqui, que chama Favela Virtual e pegou e divulgou a balada, quando ele fez esse zine chamado Conceito Urbano ele divulgou a CS. Vários amigos que faziam bailes chamavam a gente pra trabalhar, pra vender nos bailes, no tempo que a gente vendia de arara, dentro do baile. Por outro lado, já estão bemorganizados,temumsitepeloqualdivulgamseus produtos. Possuem cartão de visitaspersonalizado,comamarca;desenvolveramsacolas-comoqualquerlojadeshopping-onde“embalam”osprodutosquevendem.OOrkut-sitederelacionamentosdainternet,(www.orkut.com) - também é utilizadocomoferramentadedivulgaçãoefuncionacomoummeioparamanteremcontatocomosconsumidoresesimpatizantesdamarca.

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Nãofoipossívelconhecertodososmecanismose ferramentas de divulgação da 1S, mas o fato doproprietárioestartotalmentevinculadoàmarca,dáumagrandevisibilidadeaela.Peloque foipossíveldescobrir,a1Stambémnãofazdivulgação.Todavia,o proprietário da grife é parceiro de um dos sóciosda revista RB em outro empreendimento, estandosempreemdestaque,pormeiodeentrevistas,artigosdesuaautoria,etc.Osmecanismosdedivulgaçãodamarca são alguns folhetos e panfletos distribuídosnaloja(etalvezemoutroslocais),adesivoscoladospelos consumidores e simpatizantes nos maisdiversoslocais(carros,cadernos,etc). Assim, percebeu-se que todas as marcasdesenvolvem alguma estratégia para interagir comseus públicos de interesse, de aproximar-se, de daro seu recado e até estimular o consumo de seusprodutos.

Considerações Finais Podemos concluir que as marcas do hip hop tem estratégias - de comunicação, marketing,relacionamento com seus públicos de interesse -muito simulares às de marcas globais.Todavia temmaior facilidade de encontrar um sentido para queseus públicos se identifiquem com elas, seja emfunçãodasbandeirasquelevantam,oupelacarênciadestes públicos. A medida que usam como garotopropaganda pessoas da própria comunidade, djs egruposderapqueaindanãosãofamosos;estampamfrases de protesto ou imagens semelhantesàs produzidas pelos grafiteiros; têm nas lojasvendedorescomlinguagemecostumessemelhantesaosdopovodaperiferia;trazemumsentidoespecialaestepúblico,criandoligaçõesemocionais,ligaçõessólidas, conquistam sua fidelidade. Este sentido,esta identidade faz parte de um comportamentointencional,objetivadoporseusmentores. Algumas marcas optaram por adaptar eoferecer seus produtos aos adeptos do hip hop,por visualizarem uma demanda de mercado. Estasparecem relacionar-se estrategicamente com estepúblico, procuram a todo custo criar um sentido,uma identidade, o que é feito por meio de umaestrutura interna de marketing e comunicação,ou com o auxílio de uma consultoria / parceria.Outrasvoltaram-seaestepúblicoporumaquestão

MarcosAlexandreBazeiaFochi

Pr o f e s s o r d e A d m i n i s t r a ç ã o ePlanejamento em Relações Públicas naFACOM-FAAPedasFaculdadesIntegradasRioBranco/SP.MestreemComunicação(Cásper Líbero) e especialista emComunicaçãoEmpresarial(UEL).

ideológicaeoprocessodecomunicação,derelacionamentocomseuspúblicos,namaioria dos casos, é feito intuitivamente,baseado em experiências vivenciadas ouobservadas pelos proprietários. Não hágrandes estudos ou uma fundamentaçãode suas estratégias por um profissionalqualificadoparadesenvolverestafunção.Todavia,suasaçõessãosimilaresetalveztão eficazes quanto as das que temreferências. Assim, a lógica do mercadoglobalatingeatudoeatodos,atéosquerepudiametentamfugirdela.

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