CONCEITOS BÁSICOS DE CIÊNCIA POLÍTICA

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    1/45

    CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    PODER E AUTORIDADE

    Segundo Max Weber (apud DREIFUSS, 1993), o conceito de poder diz respeito capacidadede imposio da prpria vontade, a despeito da resistncia do outro, visando consecuo de umdeterminado objetivo ou fim estipulado pelo sujeito que impe.

    O poder como fenmeno relacionalTrata-se, portanto, de um fenmeno relacional , ou seja, de um fenmeno que no ocorre no

    vazio, uma vez que se origina do confronto de vontades e/ou interesses diversos e potencialmenteantagnicos. O conceito weberiano de poder abrange, portanto, as noes de conflito e coero. Paraque a vontade de um prevalea sobre a vontade de outro, deve haver uma expectativa de severassanes em caso de desobedincia ou rebeldia.

    Entendido em sua acepo poltica, o poder a capacidade de impor a prpria vontade aoutrem, mesmo contra a vontade dessa outra pessoa. Sua caracterstica , portanto, a de um fenmenorelacional , que pressupe ao lado do indivduo ou grupo que o exerce, outro indivduo ou grupo que obrigado a comportar-se como aquele deseja.

    Isso posto, o poder no uma substncia, algo que se possa ter como um objeto, mas umarelao que se estabelece entre sujeitos ou grupos, que no depende para ser caracterizado apenas dosrecursos materiais ou simblicos ou da habilidade de quem pretenda utilizar esses recursos paraexercer poder, mas sim de que efetivamente o sujeito ativo possa impor sua vontade ao sujeito passivo.

    A tipologia moderna das formas de poderAs formas modernas de classificao do poder se baseiam nos recursos por meio dos quais o

    sujeito ativo da relao pode determinar o comportamento do sujeito passivo. Com base nessecritrio, BOBBIO (1992) diferencia trs grandes classes na esfera do poder, quais sejam: o poder econmico, o poder ideolgico e o poder poltico.

    O poder econmico aquele que se vale da posse de certos bens, necessrios ou consideradoscomo tais, numa situao de escassez, para induzir aqueles que no os possuem mas deles necessitama manter um certo comportamento, consistente sobretudo na realizao de um certo tipo de trabalho.Em princpio, sustenta o autor, todo aquele que possua abundncia de bens necessrios capaz dedeterminar o comportamento de quem se encontra em condies de penria, mediante a promessa de proviso desses recursos, ou a ameaa de interdit-los.

    O poder ideolgico fundamenta-se na influncia, ou seja, na capacidade que possuem certas

    idias, formuladas de certo modo, expressas em certas circunstncias, por pessoas com certo prestgioe difundidas mediante certos processos, de determinar a conduta de terceiros. Trata-se de um poder simblico, associado capacidade de produzir o conhecimento e difundir os valores queconsubstanciam o processo de socializao necessrio a coeso e integrao do grupo.

    O poder poltico . Sustenta o autor que o poder poltico aquele que se baseia na posse dosinstrumentos mediante os quais se exerce a fora fsica (as armas de toda a espcie e potncia): seria o poder coator no sentido estrito do termo. O sujeito ativo aquele que monopoliza os meios deviolncia (instrumentos, tcnica e organizao) e capaz de us-los para impor sua vontade ao sujeito passivo, sendo a ameaa do emprego da violncia e sua possibilidade real e latente -, a base do poder.

    Finalmente, o autor contextualiza a classificao, ao afirmar que todas estas trs formas de

    poder fundamentam e mantm uma sociedade de desiguais, isto , dividida em ricos e pobres (poder econmico), sbios e ignorantes (poder ideolgico), fortes e fracos (poder poltico), isto , emsuperiores e inferiores.

    1

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    2/45

    De fato, as trs formas de poder acima referidas, embora possam ser visualizadas nas relaesentre dois indivduos, interessam cincia poltica na medida em que se expressam no contexto de um processo social, como poder de um grupo sobre outro, sejam quais forem os critrios adicionais que balizam a distino entre esses grupos.

    Essa relao de desigualdade e oposio de interesses entre grupos promove um antagonismo permanente, cujo desfecho violento sempre uma possibilidade real, eis que a fora o recurso a que

    recorrem todos os grupos sociais antagnicos para se defenderem dos ataques externos, ou paraimpedirem, com a desagregao do grupo, de serem eliminados. Na medida em que o antagonismo constante, o poder poltico, como poder cujo meio

    especfico a fora, de longe o instrumento mais eficaz para condicionar os comportamentos, o poder supremo em qualquer sociedade, assim como as relaes baseadas no antagonismo que esto balizadas pela ameaa do emprego da violncia ainda que em ltima instncia -, so o ncleo da poltica.

    CONFLITO E CONSENSO

    Trata-se de uma relao social que envolve interao intensiva entre atores sociais (tantoindividuais quanto coletivos), podendo apresentar comportamento violento ou no, incidindo sobredesavenas quanto ao acesso e/ou distribuio de recursos estratgicos em determina do espao social(poder, riqueza, prestgio).

    Podemos identificar diferentes tipos de atores envolvidos no conflito, conforme sua densidade,agregao e complexidade. O conflito pode ser protagonizado por indivduos, grupos (consumidores,minorias etc.), organizaes (partidos, empresas, sindicatos etc.) ou mesmo coletividades inteiras(Estados, raa etc.). Os conflitos podem envolver atores de diferentes nveis (indivduo x grupo;organizaes x coletividade).

    Ao analisar as caractersticas objetivas do conflito, trs dimenses salientam-se prontamente: onmero de participantes, que pode se relativo e absoluto, sendo referente a quantidade de elementosenvolvidos na confrontao; a intensidade do conflito, que pode gerar em torno de fins negociveis,onde a regra a barganha at obteno do consenso, ou em torno de fins no-negociveis, quandoento os impasses tendem a ser mais prolongados e o desfecho assume uma configurao de soma-zero; e os objetivos perseguidos pelos atores, que podem implicar em mudanas no sistema, de cunhoincrementalista e/ou setorial, ou podem implicar em mudanas do sistema, implicando umaradicalizao de posies e a ruptura com as instituies dominantes.

    Em que pese o conflito ser uma constante ao longo da histria, podemos identificar duas tesesdominantes e mutuamente excludentes acerca da natureza do conflito em sociedade: a tese daharmonia ou equilbrio, que sustenta o carter disfuncional e eventual do conflito; e a tese da coero,segundo a qual o conflito inerente sociedade, que a partir dele organiza seu funcionamento edistribui seus papis sociais.

    Solucionar o conflito seria, ento, um dos grandes dilemas da sociedade moderna. Para ser suprimido, teramos que bloquear sua expresso ou mesmo destruir os atores envolvidos no processo.Para resolver o conflito, seria necessrio oferecer aos atores envolvidos a satisfao plena de suasnecessidades, eliminando as causas da insatisfao. Usualmente, a sada encontrada passa por regular o conflito, institucionalizando os confrontos mediante regras aceitas por todos, mais ou menosestveis, passveis de modificao to-somente com a anuncia de todos os interessados.

    A soluo do conflito, portanto, passaria pela busca e criao do consenso, entendido enquantoum acordo (ou convergncia de valores e interesses), tcito ou expresso, sobre os princpios gerais deum determinado sistema social, o qual poderia garantir a coeso social pelo compartilhamentomnimo de regras e valores.

    Naturalmente, no existe um consenso absoluto em nenhuma sociedade atualmente conhecida,

    nem absoluto conflito, mas graus variados e variveis de consenso e conflito. Para aqueles que preocupam-se com a governana democrtica, o consenso principal, imprescindvel para ofuncionamento das democracias, d-se pela adeso s regras do jogo que sustentam o sistema

    2

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    3/45

    representativo e suas prticas eletivas regulares e pluralistas (alternncia no exerccio dos cargos pblicos decisrios, por exemplo). O consenso acessrio, sobre objetivos especficos a seremalcanados (polticas setoriais, por exemplo), poderia ser construdo por barganhas realizadas noquadro do consenso principal.

    Por outro lado, quanto mais firmemente estabelecido o consenso principal e mais numerosos osconsensos acessrios, tanto menor a necessidade de recorrer aos mecanismos coercitivos de

    imposio das decises pblicas, menos fragmentada tende a ser o funcionamento do sistema polticoe menores os riscos de uma ruptura institucional. No sentido oposto, a perda do consenso tende arequer um incremente no uso da coero, com os desgastes decorrentes, o estilhaamento da ao poltica e a ruptura institucional.

    POLTICA

    Significado e definies clssicasClassicamente, a palavra poltica originria do grego plis (politiks) , e se refere ao que

    urbano, civil, pblico, enfim, ao que da cidade (da plis ). Indica tratar-se, portanto, de umaatividade humana relacionada ao exerccio do poder, eis que a cidade era o centro da vida poltica, ecidado era um termo restritivo empregado para classificar os membros de uma elite que se dedicavaaos assuntos de governo, filosofia, arte e guerra.

    As instituies ou espaos sociais da poltica: Estado, Governo e partidosA definio clssica do sculo XIX, considerando a poltica como a arte e a cincia do Estado

    ou do governo. Mesmo essa viso, todavia, aceita a importncia de incluir algumas organizaes oufenmenos que se ligam ao Estado na condio de pr-estatais ou supra-estatais. Tradicionalmenteincluem o estudo dos partidos, grupos de presso, crculos militares e grupos informais que atuam prximos ao Estado, sobre ele exercendo ou tentando exercer influncia (SCHMITTER, 1984).

    Essas primeiras abordagens em cincia poltica concentravam sua anlise no Estado ou noGoverno, enfatizando sua estrutura, funcionamento, modelo jurdico-formal, composio de seusmembros titulares, mecanismos de interferncia na sociedade, permeabilidade aos grupos externo einstituies associadas.

    Embora a preocupao com o Estado seja uma constante no pensamento polticocontemporneo, as primeiras abordagens que enfatizavam o Estado e seus aparelhos eram usualmenterestritivas, enfatizando os aspectos jurdico-formais do fenmeno poltico, fortemente influenciada por um vis jurdico com desdobramentos de direito constitucional, teoria geral do Estado e defilosofia jurdica.

    A partir dos Recursos: nfase na capacidade de impor comportamentosA definio da poltica a partir dos recursos enfatiza os meios utilizados pelos atores para

    imporem sua vontade aos antagonistas num contexto de conflito. Tende a buscar a especificidade da poltica em relao a outros fenmenos sociais a partir do suo de conceitos como poder, influncia eautoridade (SCHMITTER, 1984).

    PoderConceitualmente fundamentado pela teoria weberiana, segundo a qual omeio decisivo da

    poltica a violncia (WEBER, 1994), enfatiza a coero e a monopolizao da violncia ou forafsica, bem como as lutas para obter, reter e exercer o poder ou resistir a seu exerccio.

    Maquiavel (apud BOBBIO, 1987), considerado o fundador da cincia poltica moderna, foi o primeiro a exprimir com clareza a poltica como instncia autnoma da moral, filosofia, direito oureligio, definindo-a exatamente comoa arte de conquistar, manter, expandir ou reaver o poder ,

    associando a figura do prncipe, como condutor do Estado moderno, ao poltico no sentido estrito.Essa concepo da poltica como instrumento de poder vai caracterizar o pensamento absolutista e permanece at hoje presente em abordagens moderna do conflito poltico.

    3

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    4/45

    A concepo da poltica associada ao poder tende a dicotomizar as faces em luta em doiscampos opostos e mutuamente excludentes. Caracteriza as abordagens clssica de Maquiavel eWeber, sendo modernamente utilizada, dentro de seus respectivos paradigmas, pelos marxistas e behavioristas.

    Autoridade

    Nessa segunda subcategoria, o foco do estudo da poltica estaria situado na disciplina, entendidacomo caracterstica condicionadora e formadora de hbito, de obedincia de massa acrtica e noresistente, possuindo traos de comportamento regrado, treinado e internalizado (DREIFUSS, 1993).

    Tipo especfico de relao social. Trata-se do poder legtimo, isto , revestido deconsentimento, que, segundo Weber (apud DREIFUSS, 1993), se faz obedecer voluntariamente.

    Portanto, essa abordagem est optando por um tipo especfico de relao social que combinaambos: o estudo da poltica seria o estudo das relaes de autoridade entre indivduos e os grupos, dahierarquia de foras que se estabelecem entre eles, e principalmente a capacidade de criar e manter acrena de que as reparties de poder e influncia existentes so as mais apropriadas.

    Embora no enfatize as instituies, esse entendimento reconhece que, modernamente, o Estadoou governo ocupariam o pice da estrutura social e autoridade, cabendo cincia poltica explicar toda essa estrutura e as foras e influncias respectivas que a compem.

    O processo de tomada das decises pblicas ou alocao imperativa de valoresEssa abordagem considera a poltica como um processo social, cuja especificidade estaria no

    uso dos recursos antes mencionados poder, autoridade, influncia para formulao de linhas deconduta coletivas adotadas pelos atores.

    Essa abordagem se prope a explicar porque uma determinada linha de conduta foi adotada(formulao, participantes, determinantes, resultados e impacto), num contexto de conflitoenvolvendo disputadas sobre a administrao de bens escassos na sociedade.

    Para os autores que adotam essa aporte terico, a cincia poltica deve compreender o estudoda alocao autoritria ou imperiosa dos valores, de maneira que essa alocao seja influenciada

    pela distribuio e utilizao do poder (David Easton apud Schmitter, 1984).Ela fixa os limites do sistema poltico como todas as aes mais ou menos relacionadas com a

    formulao de decises autoritrias ou imperiosas para uma sociedade. Se entendermos decisesautoritrias ou imperiosas como aquelas fundamentadas no poder extroverso do Estado, ento a poltica volta a ser definida em termos de Estado, agora entendido como processo e no comoinstituio (SCHMMITER, 1984).

    Alguns tericos que utilizam odecision-making approach , todavia, consideravam que o estudodo processo de tomada de decises enquanto delimitao da poltica ultrapassa os limites da esfera pblica, podendo ser tambm aplicada s decises que tem reflexos indiretos sobre o Estado e asociedade (CHILCOTE, 1997).

    Inspiradas pela anlise sistmica (CHILCOTE, 1997), essas abordagens consideram a existnciade um sistema integrado de decises, tanto pblicas quanto privadas, que se influenciamreciprocamente e que do origem aquilo que denominamos de poltica, a partir de uma dinmica deestmulo-resposta, onde o Estado o ncleo de tomada das decises coletivamente relevantes, ondeso processadas as demandas e formuladas as polticas pblicas.

    As funes da poltica: lidando com o conflito e criando consensosEm sentido amplo, definir algo pela sua funo quer dizer consider-lo sob o aspecto da sua

    conseqncia ou conseqncias no sistema global do qual faz parte. O modelo funcionalista investigao fenmeno poltico tendo como objeto de anlise as conseqncias da atividade poltica para asociedade global (CHILCOTE, 1997).

    No entendimento funcionalista, a poltica pode ser compreendida tanto como requisito dosistema, isto , uma atividade necessria ao bom funcionamento do sistema global, quanto como uma

    4

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    5/45

    tarefa, isto , padro de atividade geralmente encontrado em qualquer sociedade (SCHMITTER,1984).

    O socilogo americano Talcott Parsons (apud SCHMITTER, 1984) sugeriu que o subsistema poltico responsvel por processar as demandas dos vrios grupos de interesses existentes nosistema global, de forma a realizar os objetivos coletivos, e a teoria funcionalista do equilbriosustentada por Robert Dahl (apud CHILCOTE, 1997), baseada na autonomia dos subsistemas e no

    pluralismo organizacional, considera que o desafio da poltica por uma classe ou grupo leva buscade um novo equilbrio, de maneira que a poltica funcione para manter a paz entre os interessesconflitantes.

    Assim temos que a funo da poltica resolver os conflitos entre indivduos e grupos, sem queeste conflito destrua uma das partes. Admite o carter precrio da resoluo poltica, eis que a mesmano pe fim ao conflito, mas apenas o canaliza, o transforma em formas no destrutivas para os partidos e coletividade, de forma a garantir a manuteno do sistema.

    Condies de para definir um fenmeno como polticoCondio necessria: carter controverso, conflituoso, envolvendo antagonismo de interesses ou

    atitudes entre diferentes indivduos ou grupos. A questo das necessidades ilimitadasversus escassezde recursos. Qualquer fenmeno ou ato social potencialmente poltico nesse sentido (COTTA,1998).

    Condio suficiente: reconhecimento recproco pelos atores de um quadro de restriesmtuas, o que existe um certo grau de integrao e cooperao entre indivduos e grupos. Estereconhecimento pode estar baseado em crenas comuns (estrutura de autoridade) ou na simples prudncia (antecipao do poder de retaliao do oponente), que leva os atores a respeitarem as regrasdo jogo (COTTA, 1998).

    O estudo da poltica pode enfatizar os conflitos e a ruptura com a ordem estabelecida tantoquando pode enfatizar a integrao e a assimilao dos conflitos para a manuteno do sistemaestabelecido. Assim, temos (COTTA, 1998):

    Conflito: tipos, fontes, padres e intensidade.Integrao: autoridade, estrutura, formulao de decises e crenas comuns.Por exemplo, pode-se estudar o Estado, poder institucionalizado da sociedade, como um

    instrumento de dominao (de uma elite dirigente, de uma classe economicamente dominante etc.) ecomo um meio de assegurar a manuteno da ordem social, a integrao e o alcance do bem comum.Pode-se ainda enfatizar os processos de deciso que nele ocorrem, ou antes examinar sua estrutura efunes.

    DOMNIOPara Weber, toda as formas de poder devem repousar sobre um princpio de legitimidade ou

    autoridade que fornea a base legal e moral para o seu exerccio. A legitimidade resulta, portanto, da

    convico de que o poder deriva do compartilhamento de valores e metas coletivas. Historicamente,haveria trs formas de exercer, legitimamente, o poder poltico (WEBER, 1994): a dominaotradicional, a dominao racional-legal e a dominao carismtica.

    Ao tratar da liderana e da ao poltica, fica claro que Weber pensa, em primeiro lugar, emdireo e comando, o que envolve a extrao deobedincia . A obedincia , por sua vez, podeser obtida de vrias formas. Pode ocorrer enquanto obteno de um consentimento passivo (por imposio carismtica) ou enquanto subordinao (por imposio tradicional).

    Porm, o fundamental para a poltica numa situao de dominao racional-legal e, portanto,

    essencial para a relao de autoridade (racionalmente e legalmente legitimada), . que a obedinciaocorra enquantodisciplina.

    5

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    6/45

    Disciplina a probabilidade de que, em virtude do hbito, um comando receba obedincia pronta e automtica, de forma estereotipada, por parte de um grupo dado de pessoas. A disciplina, para Weber supera as formas de obedincia baseadas na tradio e no carisma e prepara o terreno paraa emergncia de um sistema representativo e de uma poltica racional e impessoal. A disciplina constituinte necessria do consentimento ativo que um governo precisa obter, por medidas e meioslegais e racionais.

    O conceito dedominao se refere auma relao de poder em que a vontade do dominador no precisa ser cotidianamente imposta, mas flui naturalmente sobre os atos do dominado, sendoesta situao percebida por ambos como normal. Trata-se de uma relao essencial de comando eobedincia, geralmente duradoura e historicamente constituda.

    Segundo Max Weber,a legitimidade, ou reconhecimento da autoridade , que o poder revestido de consentimento, elemento da dominao que busca prolongar-se, podendo ter comofundamento a tradio, o carisma ou a legalidade. Assim temos (LEVI, 1992; WEBER, 1994):

    Dominao carismticaLegitimao baseada no extraordinrio e pessoal dom da graa, ou carisma. Nesse caso a

    autoridade estritamente pessoal, no podendo ser herdada, doada ou transmitida normativamente, pois e considerada uma qualidade intrnseca ao dominador.

    Autoridade pessoal, exercida por um lder nato, heri, santo ou gnio. Geralmente, quandoreivindica o uso do poder, pode encontrar-se em conflito com as bases de legitimidade da sociedadeem questo, sendo um revolucionrio; assim, seu campo de ao a converso e o uso da fora:

    No modelo weberiano.original, o lder carismtico e concebido em termos de messianismoreligioso, razo pela qual ele possui senso de misso sagrada e reivindica autoridade moral,conformidade e obedincia de seus seguidores. Atualmente pode se aplicar a qualquer lder, demassas. ou no, que reivindique com xito o direito de se fazer obedecer com base em algumaqualidade extraordinria que seja considerada nica e intrnseca pessoa dele.

    So caractersticas tpicas da dominao carismtica: obedincia devida pessoa do lder essa obedincia no se baseia na tradio ou em consideraes de competncia racional para

    ocupao de um cargo, mas afetiva e devida ao carisma do lder cabe ao lder carismtico mandar e ao seguidor obedecer o quadro de funcionrios escolhido pelo carisma, vocao pessoal ou devoo ao lder, no

    por capacidade tcnica ou posio tradicional no existem regras de competncia tcnica nem privilgios estamentais inexistem regras para a administrao, sejam elas racionais ou tradicionaisExemplo: Subcomandante Marcos (lder zapatista mexicano); Lnin durante o perodo da

    Revoluo Bolchevista; Moiss ao conduzir o xodo do povo hebreu para fora do Egito.

    Dominao tradicional Nessa forma de dominao a legitimao que se baseia na autoridade do eterno ontem, ou

    seja, dos hbitos arraigados, consolidados gerao aps gerao a ponto de serem naturalizados pelo uso e exclurem outros comportamentos do horizonte de possibilidades.

    Trata-se de uma ordem social que percebida pelos seus membros como tendo sempre existido,estando portanto revestida de uma fora obrigatria.

    A autoridade do governante pessoal, fundamentada nesses usos e costumes sedimentados pelas geraes; as obrigaes e direitos dos legisladores no so claramente especificados, sendo ostatus normalmente atribudo pelo nascimento, assim como o conjunto de funes que devem ser desempenhadas na sociedade por cada indivduo.

    Exemplo:direito divino dos reis, poder de um chefe tribal, poder de um patriarca. A dominaotradicional, assim como a racional-legal, caracterstica de ordens sociais estabelecidas.So caractersticas tpicas da dominao tradicional:

    6

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    7/45

    obedincia devida pessoa do governante, no ao cargo que ele ocupa essa obedincia se sustenta na tradio que ele encarna, no nas suas caractersticas pessoais,

    derivando do costume e da linhagem as normas no so racionais, mas se baseiam .na tradio a vontade do governante a lei, exceto quando conflitante com a tradio os funcionrios so ligados ao governante por laos de :parentesco ou fidelidade pessoal, no

    necessitando ter competncia tcnica e sendo seus poderes e atribuies dependentes da confiana dogovernante

    Dominao racional-legalA dominao exercida em virtude da crena na validade do estatuto legal e da competncia

    funcional baseada em regras racionalmente criadas. Nesse tipo de dominao, temos o predomnio das regras generalizadas, que conferem uma

    autoridade impessoal decorrente de um cargo particular, sem vinculao com pessoas.Os homens aceitam o exerccio do poder como legtimo porque a formulao das ordens ou da

    poltica obedece a regras aceitas por todos, formal e claramente expressas, que visam a atingir finalidades compartilhadas, ou pelo menos, que assim se apresentam.

    Se baseia na crena de que so legais e racionais as normas do regime. Compreende o triunfa daracionalidade como princpio ordenador do poder e da convivncia social. Como modelo dedominao, est associado ao processo de racionalizao que acompanha a formao dos modernosEstados Nacionais, calcados em burocracias profissionais, vivendo em sociedades cada vez maislaicas e operando dentro de um modo de produo capitalista. .

    So caractersticas tpicas da dominao racional-legal: a obedincia devida ao ordenamento jurdico, no s pessoas o governante obedecido em decorrncia do cargo que ocupa, no por tradio ou por

    qualidades carismticas as pessoas que ordenam esto obrigadas a obedecer ao estatuto os funcionrios so profissionais selecionados por competncia tcnica, sem vinculao

    tradicional ou afetiva com os governantes esses funcionrios seguem urna hierarquia de cargos e um conjunto de atribuies (direitos e

    deveres) legalmente fixados a vontade do governante somente acatada quando embasada em atribuies legais, que so

    caiadas ou modificadas por mudanas no estatuto.Exemplos: Diretoria de grandes empresas; Presidente dos Estados Unidos; Reitor de

    Universidade; Chefe de Repartio Pblica; Delegado de Polcia.

    TEMAS CENTRAIS DA TEORIA POLTICA CLSSICA

    O ESTADO MODERNO E A CONSTRUO DA ORDEM POLTICA

    Antecedentes histricosO Estado como ordem poltica da sociedade conhecido desde a Antigidade aos nossos dias.

    Todavia nem sempre teve essa denominao, nem tampouco encobriu a mesma realidade.A polis dos gregos ou acivitas e a respublica dos romanos eram fozes que traduziam a idia de

    Estado, principalmente pelo aspecto de personificao do vnculo comunitrio, de aderncia imediata

    ordem poltica ou de participao na cidadania.

    7

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    8/45

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    9/45

    O clero , por derradeiro, constitu o corpo sacerdotal da Igreja Catlica Romana, detentora dodito poder espiritual, ou seja, portadora de urna verdade revelada que deveria servir para explicar anatureza do mundo e definir comportamentos, detendo assim o monoplio ideolgico que permitiaunificar a Europa em torno de uma viso crist de mundo.

    Essa posio era ao decorrente do processo de ruralizao desencadeado pelas invases brbaras, que provocou o colapso da educao escolar, onde apenas o clero permaneceu letrado. Isso

    porque, junto aos mosteiros e catedrais, surgiram escolas para a formao religiosa, bem como bibliotecas, onde ficaram guardados os tesouros culturais do mundo grego-latino, interpretado eadaptado aos ideais cristos.

    Devido ao monoplio sobre o conhecimento exercido pela Igreja, associado ao crescente poder poltico oriundo da posse de terras e de sua capacidade de legitimar ou no o poder exercido pelos reise seniores feudais, todas as atividades so percebidas como fundamentadas em algum princpioreligioso, e a poltica considerada urna faceta da existncia subordinada aos ditames teolgicos emorais do cristianismo.

    Isso posto, podemos caracterizar o feudalismo por: policentrismo , ou seja, multiplicidade de centros de poder, implicando na fragmentao do

    exerccio da autoridade poltica, aplicada de forma autnoma e no-coordenada por cada senhor feudal, eis que decorrente da propriedade do respectivo feudo.

    posse e isso privado dos instrumentos de gesto pblica , ou seja, a faculdade de cunhar moedas, de cobrar tributos, de dizer o direito e de impor normas de conduta aos seus dependentes(vassalos e servos), sustentados pela posse de exrcitos privados.

    economia rural, natural e fechada , com a riqueza concentrada na terra e o predomnio da produo agrcola voltada para a subsistncia da unidade feudal.

    relaes de domnio essencialmente pessoais , baseadas no pacto de suserania e vassalagem(mediante o qual o suserano concedia ao vassalo,uma parte do seu feudo, em troca de homenagem,tributos e prestao de servios, principalmente militares) e na relao de dependncia e subordinaoque prendia o servo de gleba terra do senhor feudal. .

    predomnio do religioso sobre o secular , ou seja, o poder espiritual da Igreja interfere na poltica e, muitas vezes, subordina a atuao do poder poltico aos interesses religiosos. A autoridade poltica exercida em nome de princpios morais e religiosos.

    A revoluo comercial

    A partir do sculo XIV, o feudalismo entra em crise. Desde o sculo XII muitos servosabandonam os campos, compram a liberdade e se ocupam com atividades artesanais e mercantis nos burgos, agrupamentos surgidos fora dos domnios feudais que vo produzir um renascimento urbano,ou seja, o renascimento das cidades. Caber aos artesos e comerciantes concentrados nesses ncleosurbanos em lenta mas constante expanso, a ao transformadora que gradualmente substituir o

    feudalismo pelo capitalismo (ARANHA, 1993).

    2. Na Idade Mdia, somente os nobres tem tempo e dinheiro para fazer frente ao longo treinamento e a aquisio de armas, cavalos etrajes que eram imprescindveis para o exerccio das funes militares.

    3. O uso de arados, de pastagens para o gado de subsistncia, de moinhos e outros instrumentos que pertenciam ao senhor feudal e eramutilizados pelos servos mediante o pagamento de tributos em parte da produo ou em dias de servio nas terras de uso exclusivo donobre.

    A monetarizao da economia, a ampliao quantitativa e qualitativa do comrcio, o surgimentode um incipiente sistema bancrio, so fatores que, ao lado da expanso da vida urbana, marcam a

    chamada Revoluo Comercial . Com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 (marcocronolgico para o incio da Idade Moderna ), a circulao de mercadorias vindas do Oriente dificultada, dando incio ao Ciclo das Grandes Navegaes, seja pelo contorno do continente africano,seja pela travessia do Atlntico em direo s terras americanas. Significa o surgimento de novos

    9

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    10/45

    mercados fornecedores de mo-de-obra e matria-prima. Todos esses fatores implicam na ascenso da burguesia (essa classe de comerciantes, banqueiros e artesos que viviam nas cidades) e noenfraquecimento social e econmico da nobreza, cuja riqueza depende de rendas fixas oriundas da propriedade territorial e da agricultura.

    Surgimento e evoluo do Estado moderno

    Pode-se estudar o Estado sob a perspectiva diacrnica, cuja preocupao analisar suastransformaes ao longo da histria da civilizao ocidental, ou sob a perspectiva sincrnica, decunho estrutural-funcionalista, que se interessa pelos elementos constitutivos do Estado a despeito do perodo histrico considerado. O estudo do Estado Moderno, a nova forma de organizao polticaque emergiu na Europa entre os sculos XIII e XIX, faz parte da primeira abordagem. A formaodesta estrutura se deve a trs processos resultantes da dissoluo do feudalismo, a saber . (COTIA,1998):

    a progressiva concentrao e centralizao do poder poltico a afirmao do principio da territorialidade a despersonalizao da relao de mando polticoO Estado Moderno surgiu, portanto, da crise e transformao das sociedades medievais. A

    expanso das relaes capitalistas de produo gerou uma demanda pela racionalizao das funesde. Governo, criando condies para a unificao dos mltiplos centros de poder ento existentes.Paralelamente, enfraquecia-se o poder secular da Igreja, impulsionando a formao daquilo que hojeconhecimento como Estado Nacional laico. Trata-se de uma forma de organizao poltica cujas principais caractersticas so (COTTA, 1998):

    a existncia de um nico centro de poder, que monopoliza a produo do direito, a emisso demoeda, a cobrana de tributos e o controle do aparato coativo, no respondendo perante qualquer outro poder, de forma a caracterizar-se.como soberano;

    a.demarcao de limites territoriais para o exerccio desse poder; o carter impessoal das relaes governante-governado; em contraposio s relaes pessoais

    de vassalagem do perodo medieval.As noes de concentrao, centralizao e despersonalizao (ou configurao do espao

    pblico) do poder constante no entendimento moderno de Estado.O j citado Max Weber (apud DREIFUSS, 1993) considera que, de um ponto especfico de

    anlise, a formao do Estado moderno a histria da ampliao do espao pblico, com aconseqente separao dos possuidores individuais ou grupais de seus instrumentos privados de fora;da neutralizao ou erradicao da administrao particular da justia; e do cerceamento da gernciaautnoma e arbitrria da emergente coisa pblica, isto , da desprivatizao dos assuntos deinteresse geral, junto com a ampliao de seu mbito e abrangncia.

    De outro ngulo, BOBBIO (1987) trata a formao do Estado moderno como processo deconcentrao de meios gerenciais, militares e legais, acima dos agrupamentos sociais diversos, o que

    acontece entrelaado com o processo de expropriao histrica. Ambos os processos so descritos por Weber numa linguagem que evoca a anlise e terminologia de Marx ao retratar a expropriao dosmeios de produo que levam formao do capitalismo moderno.

    A emergncia simultnea destes processos, a seqncia de acontecimentos que deles sedesdobram e a sua especfica interao so um fenmeno distintamente ocidental. Esses fenmenosso os alicerces e viabilizadores do Estado moderno que, por uma vez constitudo e aceito como tal,os perpetua.

    Em outras palavras, no sculo XIX, poca que serve de contextualizao produo intelectualde Weber, o Estado culmina seu processo de infra estruturao material (os meios, agentes, recursos:,instituies), jurdico-poltico (procedimentos, normas, prticas regulatrias) e ideolgico (crenas,representaes coletivas, imagens que associam o Estado Nao).

    Weber (apud DREIFUSS, 1993) aponta para o processo estatuinte do Estado (e para a suareproduo enquanto entidade e ,instncia per se e para si), marcado por diversas expropriaeshistricas concomitantes e acumulativas: dos possuidores de meios de fora para. benefcio pessoal;

    10

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    11/45

    dos donos de recursos de exerccio legal personalizado; dos proprietrios de mecanismos deadministrao do social para fins privados. Todos eles so separados de seus instrumentos particularesde violncia, normatizao e gesto, os quais se tomam pblicos, isto , estatizados, enquanto seuemprego, por agentes, servidores pblicos e funcionrios do Estado (no mais por donos de funo ourecurso), fica sujeito a normas socialmente inclusivas e despersonalizadas. A gesto poltica desprivatizada.

    Ao sublinhar, por sua vez, a relao dos possudos pelas armas, pela, lei ou pelo poder econmico, como instrumentos e sditos dos possuidores, e a transformao destas relaes e posies dos dominados e dominadores para novas formas e situaes, agora intermediados elegitimados pelo Estado enquanto instncia impessoal e pblica, Weber traa um paralelo de imagense at de terminologia com Marx e Engels (apud DREIFUSS, 1993) para marcar o processoestatuinte do capitalismo moderno e de sua reproduo.

    A formao do Estado moderno, portanto, compreende a histria da. expropriao dos meios deviolncia, administrao dos recursos coletivos e codificao ou normatizao legal, de seusdetentores privados, paralelamente expropriao dos artesos e camponeses de seus recursos einstrumentos de produo.

    A formao do capitalismo e do Estado moderno seriam concomitantes, representando aemergncia do pblico frente ao privado, da cidadania em relao condio de sdito, dos cdigosgerais contra os regimentos estamentais, das relaes impessoais de mercado em substituio -srelaes pessoais de troca e clientelismo.

    Elementos constituintes do Estado moderno

    TerritrioConstituindo .a base geogrfica do poder, o territrio do Estado definido de maneira mais ou

    menos uniforme pelos autores examinados. De acordo com os conceitos presentemente trabalhados, poderamos definir como territrio de um Estado aquele espao geogrfico em que esse Estado exercesua soberania com a excluso da soberania de qualquer outro Estado.

    PovoPor populao podemos entender aquele conjunto, de pessoas presentes no territrio do Estado

    e, portanto; em princpio, sujeitas a sua soberania. E um dado essencialmente quantitativo, incluindoturistas estrangeiros ou imigrantes ilegais.

    J a noo de povo pressupe que os que vivem no territrio do Estado e lhe_ esto sujeitos possuem com esse Estado um vinculo a ele atravs da nacionalidade ou cidadania. Trata-se de umdado qualitativo, podendo ser estabelecido do ponto de vista poltico, jurdico e sociolgico.

    Na Antigidade j se formulavam conceitos a esse respeito, como bem demonstram ascolocaes de Ccero, onde o povo a reunio da multido associada pelo consenso do direito e pela

    comunho da utilidade, e no simplesmente qualquer conjunto de indivduos agregados de algumamaneira.Assim, temos que a Soberania pode ser entendida, em termos de combinar os conceitos

    trabalhados, como a racionalizao jurdica do poder poltico (BOBBIO, 1992) e da dominao(WEBER,1994), associando a legalidade com a legitimidade.

    Assim que temos um conceito jurdico de povo como aquele grupo humano presente noterritrio do Estado e a ele vinculado pela cidadania, ou seja, pela. capacidade pblica dessesindivduos; traduzida por um conjunto correlato de direitos e deveres que os torna aptos a participar da vida poltica daquela sociedade.

    J um conceito mais sociolgico, esse mesmo povo, como conjunto de indivduos ligados aoEstado por vinculo de obrigaes e direitos que lhes permite participar da vida pblica, colocado

    numa dimenso tica, que o caracteriza como uma comunidade histrica, compartilhando valores einteresses que sedimentam uma identidade coletiva. Trata-se de um conceito que aproxima povo, dedimenso jurdica, de nacionalidade, cuja nfase no aspecto histrico-poltico.

    11

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    12/45

    Governo e soberaniaMATTEUCCI (1992) define soberania como sendo o poder de mando de ltima instncia,

    numa sociedade poltica e, consequentemente, a diferena entre esta e as demais associaes humanasem cuja organizao no se encontra este poder supremo, exclusivo e no derivado.

    De fato, a Soberania pretende ser a racionalizao jurdica do poder poltico, no sentido em que

    o poder consentido, portanto autoridade, impe a uma coletividade um conjunto de atribuies decomando e obedincia que so regularmente aceitos como devidos e naturais, portanto legtimos.Embora essa condio de instncia ltima do poder institucionalizado esteja presente em vrias

    formas de organizao ao longo da histria humana, o termo Soberania como entendido hoje contemporneo do Estado moderno, surgindo no final do sculo XVI precisamente para designar esse poder estatal, sujeito nico e exclusivo da poltica.

    Essa Soberania, enquanto faculdade de mando de ltima instncia, acha-se intimamenterelacionada com a realidade primordial e essencial da poltica: a paz e a guerra. Na Idade Moderna,com a formao dos grandes Estados territoriais, fundamentados na unificao e concentrao do poder poltico, cabia exclusivamente ao soberano, nico centro de poder, a tarefa de garantir a pazentre os sditos de seu reino e a de uni-los para a defesa e o ataque contra o inimigo estrangeiro; por isso no novo Estado territorial, so permitidas unicamente foras armadas que dependam diretamentedo soberano.

    Dessa colocao podemos inferir a dupla face da Soberania: a interna e a externa. Soberania interna : internamente o Soberano moderno procede eliminao dos poderes

    feudais, dos privilgios estamentais, das autonomias locais, eliminando principalmente todas asformas de organizao militar no-estatal, de forma a concentrar sua ateno na luta externa contraoutros Estados.

    Soberania externa : externamente, cada soberano deve decidir sobre a guerra e a paz, uma vezque os Estados no tem acima deles qualquer poder maior que possa arbitrar os conflitos; queterminam sendo resolvidos essencialmente atravs da guerra ou da ameaa de guerra, malgrado osurgimento e desenvolvimento de um sistema de tratados e convenes internacionais.

    Assim temos que a Soberania pode ser entendida, em termos de combinar os conceitostrabalhados, como a racionalizao jurdica do poder poltico (BOBBIO, 1992) e da dominao(WEBER, 1994), associando a legalidade com a legitimidade.

    Por legalidade entendemos umconceito jurdico , que significa proceder de conformidade como ordenamento jurdico vigente ou, no caso em tela, de conformidade com o ordenamento jurdicoestabelecido pela Constituio do Estado, sendo as relaes hierrquicas de poder sancionadas pelalei.

    Por legitimidade , todavia, compreendemos umconceito poltico , de dominao como umarelao de poder em que a vontade do dominador no precisa ser cotidianamente imposta, mas fluinaturalmente sobre os atos do dominado, sendo esta situao percebida por ambos como devida.

    Karl Deutsch, em Poltica e Governo, explica que um sistema poltico um conjunto deunidades reconhecveis que se caracterizam pela coeso e pela covariao. Da coeso resulta a.capacidade dos sistemas de constiturem um conjunto de diversas partes que se influenciammutuamente. A covariao, por sua vez, . a qualidade que propicia s partes componentes dequalquer sistema mudarem em conjunto. Se uma unidade muda, a outra muda tambm, ressaltaDeutsch. Governo, portanto, um conjunto de unidade especializadas mediante as quais o poder extroverso do Estado se manifesta,

    Teoria da separao dos PoderesA teoria da tripartio de poderes consiste em propor, como meio de preveno contra a

    tendncia natural que tem os homens de abusar de qualquer parcela de poder que lhe seja confiada,

    que os poderes ou funes que so inerentes ao exerccio da Soberania estatal sejam exercidos por trs rgos distintos.Para Montesquieu, essas funes ou poderes seriam trs, a saber:

    12

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    13/45

    o Poder Legislativo, mediante o qual o prncipe ou magistrado faz leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que esto feitas;

    o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes , mediante o qual ele faz a paz ou a guerra, envia e recebe embaixadas, estabelece a ordem, prev as invases (seria o Poder Executivo em sentido estrito, o Governo ou Administrao Pblica);

    o Poder Executivo das coisas que dependem do direito civil , mediante o qual pune os crimes e

    julga os dissdios dos particulares, ou seja, o poder de julgar e de dizer o direito (poder jurisdicionaldo Estado, ou Poder Judicirio).Assim, o autor considera que o exerccio dos trs poderes, o de fazer as leis, o de executar as

    resolues e o de julgar os dissdios, pela mesma pessoa pode facilmente conduzir opresso, motivo pelo qual as funes devem ser confiadas pessoas distintas, de forma que um poder controle e sirvade freio ao outro.

    Essa organizao, como a separao dos Poderes, com suas faculdades de estatuir e de impedir (le pouvoir arrte le pouvoir ), poderia tambm evitar a tirania.

    CONTRATO SOCIAL: HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU

    Delimitao conceitualEm sentido amplo, compreende todas aquelas teorias polticas que vem a origem da sociedade

    e o fundamento do poder poltico (chamado deimperium , Governo, soberania, Estado, potestas ) numcontrato, isto , num acordo tcito ou expresso entre a maioria dos indivduos, acordo que assinalariao fim do estado natural e o incio do estado social e poltico, (MATTEUCCI, 1992a).

    Num sentido mais estrito, por tal termo entendemos uma escola que floresceu na Europa entre ocomeo do sculo XVII .e os fins do sculo XVIII, e teve seus mximos expoentes em ThomasHobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Por escolacompreendemos no uma comum orientao poltica, mas o comum uso de uma mesma sintaxe ou deuma mesma estrutura conceitual para racionalizar a fora e alicerar o poder no consenso.

    Sua caracterstica comum e a unidade metodolgica (BOBBIO & BOVERO, 1994). No possuem as mesmas bases ontolgicas, metafsicos ou ideolgicas, mas sim um princpiometodolgico fundamentado na racionalidade, que supe permitir a reduo do direito, da moral e d: poltica a uma cincia demonstrativa, ancoradas m premissas gerais indutivamente formulada com base na experincia concreta, ou empirismo4.

    Nesse aspecto, todos os trs autores, semelhana de Maquiavel, buscam a construo de umatica racional, separada da teologia e capaz por si mesma, precisamente porque fundada numa anlisee numa critica racional dos fundamentos do poder, de garantir a legitimao universal dos princpiosda conduta humana na comunidade poltica.

    A busca dessa tica racional e universal implica na adoo das premissas da escola

    jusnaturalista, a qual sustenta precisamente a existncia de um conjunto de direitos que, inerentes aoser humano e anteriores constituio da comunidade poltica ou da sociedade, seriam naturais e, portanto, ensejariam o Estado como um produto da vontade racional dos homens.

    4. Empirismo pede ser entendido como a abordagem filosfica que considera que o nico conhecimento vlido aquele oriundo da experincia, aferido pelo sujeito a partir das impresses sensoriais provocadas pelo ambiente e da reflexo sobre essas experincias, negando tanto o valor da especulao puramente racional quanto a base instintiva do comportamento.

    Em termos de modelo que explica o surgimento e a organizao do Estado em sua poca, aabordagem contratualista faz uso de dois conceitos fundamentais, presentes em todos os autoresabordados, ainda que com interpretaes conflitantes:o estado de natureza e o estado civil.

    Essa concepo contratualista construda no momento em que a cultura poltica sofre profundas modificaes, impactada pelas concepes cientficas da poca, onde o Estado passa a ser cada vez mais concebido como mquina, isto , como algo que pode e deve ser artificialmenteconstrudo, em oposio concepo orgnica prpria da Idade Mdia.

    13

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    14/45

    Tal concepo orgnica, oriunda de Aristteles e amplamente recepcionada e desenvolvida pelos doutores da Igreja5, naturalizava o Estado, negando qualquer dicotomia entre a sociedadenatural e a sociedade civil, visto que a ltima era o desdobramento lgico e necessrio da primeira, pela ampliao sucessiva dos laos familiares. O Estado era visto como o pice de uma longa escalade grupos intermedirios naturais (famlia, corporao, comuna), onde a associao era natural e aautoridade surge no pai (ou rei) e se delega aos escales inferiores, tendo como fonte de legitimao aordem natural das coisas estabelecida pela vontade divina.

    Trs foram as condies para a consolidao do pensamento poltico das teorias contratualistas,no mbito de um debate mais amplo sobre o fundamento do poder poltico (MATTEUCCI, 1992):

    Em primeiro lugar, que um processo bastante rpido de desenvolvimento poltico tirasse de sua base a sociedade tradicional - a sociedade que sempre existiu e que recebe, por conseguinte, sualegitimidade do peso do passado - e instaurasse novas formas e novos processos de Governo,representado na Europa pela consolidao do Estado Moderno sobre a sociedade feudal, baseada emestamentos e na gesto privada da autoridade poltica.

    Em segundo lugar, que houvesse uma cultura poltica secular, isto , disposta a discutir racionalmente a origem e os fins do Governo, no o aceitando passivamente por ser um dado da.tradio ou de origem divida.

    Em terceiro lugar, que sociedade no s conhecesse o instituto privado do contrato, massoubesse us-lo de forma analgica: entre os gregos, por exemplo, a palavrakoinona indicava tantouma associao econmica como poltica. Supe que possa haver uma proximidade associativa entrea.natureza das atividades produtivas e a natureza das relaes de comando e obedincia em que sefundamenta a distribuio de poder ria comunidade.

    Em todo o caso, a finalidade sempre dar uma legitimao racional s.ordens do poder,mostrando que ele se fundamenta, em ltima instancia, no consenso entre os indivduos.

    O estado de naturezaElemento essencial da estrutura da doutrina contratualista o estado de natureza, que seria

    justamente aquela condio da qual o homem teria sado, ao associar-se, mediante um pacto, com osoutros homens. Normalmente apresentado comohiptese lgica negativa sobre como seria ohomem fora do contexto social e poltico, para poder assentar as premissas do fundamento racional do poder. Trata-se, portanto, de contrapor, como dois momentos distintos ou como dois modelosantitticos de representao das relaes humanas, o conceito de estado natural e o conceito de estadocivil.

    Segundo BOBBIO & BOVERO (1994), esses dois termos so de uso sistemtico, servindo paracompreender toda a vida social do homem. O uso histrico permite interpretar o curso da histriacomo o processo de passagem do estado de natureza para o estado civil - e eventual recada dosegundo para o primeiro -, enquanto uso axiolgico se faz na medida que a cada um dos termos atribudo um valor antittico em relao ao outro, podendo ser o estado de natureza visto como

    negativo face ao estrado civil, e vice-versa.5. Telogos e filsofos ligados Igreja Catlica Romana, membros do clero ou no, que desenvolveram a escolstica, escola de pensamento medieval

    que baseava-se na interpretao do direito romano e d filosofia grega clssica segundo os textos bblicos, as encclicas papais e a especulaometafsica.

    Ainda segundo BOBBIO & BOVERO (1994), o uso diverso e muitas vezes contraditrio dotermo estado de natureza, referente ao momento anterior constituio do Estado e englobandoaquele conjunto de direitos imanentes ao ser humano (portanto naturais a ele), implica no surgimentode trs problemas conceituais que vo receber respostas diversas dos autores contratualistas, a saber:

    se o estado de natureza uma realidade histrica ou hipottica se esse estado de natureza pacfico ou belicoso se nesse estado de natureza o indivduo se apresenta isolado ou j desenvolve formas de

    convivncia socialPara responder ao primeiro, problema, necessrio fazer um.a distino analtica entre trs

    possveis nveis explicativos (MATTEUCCI, 1992a):

    14

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    15/45

    h os que sustentam que a passagem do estado de natureza .ao estado social um fatohistrico realmente acontecido, isto , esto dominados pelo problema antropolgico da origem dohomem civilizado (Rousseau seria um desses);

    outros, pelo contrrio; fazem do estado de natureza mera hiptese lgica, a fim de ressaltar aidia racional ou jurdica do Estado, do Estado tal qual deve ser, e de colocar assim o fundamento daobrigao poltica no consenso expresso ou tcito dos indivduos a uma autoridade que os representa e

    encarna (caso de Locke e, at certo ponto, Hobbes); outro ainda, prescindindo totalmente do problema antropolgico da origem do homemcivilizado e do problema filosfico e jurdico do Estado racional, vem no contrato um instrumento deao poltica capaz de impar limites a quem detm o poder.

    Desses trs nveis explicativos, todos eles presentes nos autores a serem abordados, o segundoreflete a predominncia do elemento jurdico como categoria essencial da sintaxe explicativa: trata-sede reconhecer no direito a nica forma possvel de racionalizao das relaes sociais ou desublimao jurdica da fora. Isso se explica com base numa trplice ordem de consideraes(MATTEUCCI, 1992a):

    a influncia contempornea da escola do direito natural (jusnaturalismo), com a qual oContralualismo est estreitamente aparentado;

    a.necessidade de legitimar o Estado, seja suas imposies (as leis), num perodo em que odireito criado pela soberano tende a substituir o direito consuetudinrio, seja, seu aparelho repressivo,num perodo em que o exerccio da fora era por ele monopolizado;

    finalmente, uma exigncia sistemtica, a de construir todo o sistema jurdico - acompreendido o pblico e o internacional - usando uma categoria tipicamente privada que evidencia aautonomia dos sujeitos, como o Contrato, e colocando assim como base de toda a juridicidade o

    pacta sunt servanda .Quanto ao segundo problema , se o estado de natureza e pacfico ou hostil, os autores divergem

    quanto avaliao da situao do homem antes da instaurao do estado civil. Podemos basicamenteindicar trs abordagens:

    hostil, em guerra efetiva , segundo Hobbes, para. quem a vida do homem no estado de natureza (...) solitria, msera, repugnante; brutal, breve, dado que nesse estado o domino das paixes, aguerra, o medo, a pobreza, a desdia, o isolamento, a barbrie, a ignorncia e a bestialidade so oselementos que governam a relao entre os indivduos.

    pacifico, mas em guerra potencial , para.Locke, que considera que em princpio o estado denatureza pode ser pacfico, mas que nele os direitos dos homens so sempre precrios a harmoniatende a perder-se, se nenhum poder superior assiste e regulamenta esses direitos.

    pacfico , segundo Rousseau, para quem o estado de natureza um estado pacfico eharmnico, onde inexiste o conflito ou a escassez; todavia, deve-se observar que Rousseau tem umaconcepo tridica, onde um momento positivo (estado de natureza, caracterizado pela igualdade eharmonia) seguido por um momento negativo (estado civil, calcado na propriedade privada e no

    conflito), por sua vez sucedido por um positivo (repblica, fundamentado no contrato social institudoe instituidor da vontade geral), este ltimo sendo assimilado ao Estado da razo.Quanto aoterceiro problema , os contratualistas concordam em considerar que no h uma

    tendncia natural para a vida em sociedade, mas to somente a necessidade dessa vida, decorrente daimpossibilidade de cada um atender sozinho seus prprios interesses, razo pela qual a vida emcomum em suas mltiplas associaes se d em torno do indivduo e no da coletividade.

    BOBBIO & BOVERO (1994) sustentam que a concepo contratualista no exclui o direitonatural das sociedades naturais, como a famlia, mas no admite a sociedade poltica como extensodaquela, mas to somente como criao dos indivduos, visto que nem o vnculo domstico nem ovnculo senhorial oferecem um modelo vlido para a sociedade poltica.

    Malgrado essas diferentes interpretaes, os contratualistas querem legitimar o estado de

    sociedade (a civilizao) ou modific-lo com base nos princpios racionais onde o poder no assentano consenso, opondo-se s vises regressivas de uma idade de ouro baseada na harmonia e naabundncia que seria anterior ao surgimento da famlia, da propriedade privada e do Estado; dado que

    15

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    16/45

    vem no contrato a nica forma de progresso: mesmo Rousseau, que tende a considerar comodegenerativa a sociedade de seu tempo em relao felicidade inicial do estado de natureza,considera que o pacto social inevitavelmente necessrio aps ter surgido a linguagem, a famlia e a propriedade privada (ROSS, 1983).

    Isso posto, todos os contratualistas vem no contrato um instrumento de emancipao dohomem, emancipao poltica apenas, que deixa inalterada e at garante a estrutura social, baseada

    precisamente na famlia e na propriedade privada, mantendo uma clara distino entre poder. polticoe poder social, entre o Governo e a sociedade civil (MATTEUCCI, 1992a).

    A doutrina jusnaturalistaO modelo contratualista parte da premissa, comum a todos os autores, de que o princpio de

    legitimao das sociedades polticas exclusivamente o consenso. Esse consenso por sua vez, decorrede contrato, expresso ou tcito, firmado pelos homens entre si, no sentido.de concederem um deles,ou a uma assemblia deles, a capacidade de fazer as leis ode impor o seu cumprimento a todos osmembros da comunidade.

    Para melhor compreender esse liame obrigacional que une os indivduos na constituio dasociedade civil e legitima o exerccio do poder pelo Estado, faz-se necessrio conhecer antes abordar o jusnaturalismo, um conjunto de escolas.de direito que sustentava duas premissas bsicas, a saber (BOBBIO & BOVERO, 1994):

    que havia um conjunto de direitos naturais, ou seja, que no eram oriundos do Estado nem deurna instncia divina, cuja fonte exclusiva de validade estava na sua conformidade com a razohumana

    que o Estado como forma de comunidade humana politicamente organizada surge de umcontrato entre os indivduos, a fim de melhor garantir e tutelar os seus direitos naturais.

    O Jusnaturalismo sustentava que no apenas o Estado, mas a prpria sociedade era constituda por. um pacto entre os indivduos, sendo assim o contrato social desdobrado em dois tipos, referentesa dois momentos sucessivos (BOBBIO & BOVERO, 1994):

    pacto de unio, ou pacto societatis , mediante o qual os indivduos decidem de comum acordoviverem em sociedade, sendo a base que constitu a sociedade civil;

    pacto de submisso , que sucede ao primeiro, mediante o qual os indivduos assim reunidosdecidem, de comum acordo, se submeterem a um poder comum.

    Assim, o Jusnaturalismo no ignora os trs fundamentos clssicos das obrigaes6, cada umdisciplinador do exerccio do poder em um. tipo diferente de associao (BOBBIO & BOVERO,1994):

    sociedade domstica : baseado no ex generatione , que .a obrigao mediante a qual o filhoobedece os pais por ter sido por eles gerado;

    sociedade senhorial : baseada naex delicto , ou seja, a obrigao do escravo obedecer ao seudono decorre de um delito cometido, ao qual era cominada a condio de escravo;

    sociedade poltica: ex contractu , onde a obrigao do sdito de obedecer ao soberano nascedo contrato, oriundo este do pacto entre vontades livres e iguais, o qual d origem sociedade civil.Todavia, o Jusnaturalismo busca ultrapassar os limites do pensamento jurdico medieval sem,

    contudo, romper completamente com os conceitos jurdicos romanos que regulamentam a prprianoo de contrato. Os limites da autoridade do poder soberano, por exemplo, so analisados a partir dos conceitos oriundos do contratualismo medieval, que se baseava nalex imperium , onde o populusconferiu ao Prncipe o poder que originalmente somente o povo era titular. Esse pacto de submisso,todavia, sempre permitiu duas interpretaes antagnicas, a saber (BOBBIO & BOVERO):

    translatio imperii , onde a autoridade do Prncipe resulta de uma alienao total, quecompreende tanto o exerccio quanto a titularidade do poder soberano;

    concessio imperii , onde se entende que o pacto implica to somente na concesso limitada do poder soberano, tanto no tempo quanto no. objeto, motivo pelo qual o Prncipe recebe to somente oexerccio, mas no a titularidade desse poder.

    16

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    17/45

    Esses fundamentos so resgatados pelo jusnaturalismo, eis que ele busca formular precisamenteuma teoria racional, do Estado, prescindindo de argumentos teolgicos, dentro do processodecontnua ciso entre a Igreja e o Estado, ao mesmo tempo que aponta a existncia de direitosanteriores e eticamente superiores ao direito positivo, que deveriam servir-lhe de referncia e limites.

    Segundo BOBBIO & BOVERO (1994), a doutrina jusnaturalista considera o Estadoracionalmente concebido como a nica entidade na qual o homem realiza plenamente sua prpria

    natureza racional. A sada do estado de natureza para o estado social no se faz por utilidade, masantes um imperativo categrico. O Estado tem o valor intrnseco absoluto, pois um ente moral,ainda que no dependente de razes teolgicas, j que o indivduo no livre seno no reino doDireito, ondeio direito privado (natural) submetido ao ,direito pblico (positivo).

    Segundo os mesmos autores, esse abordagens jusnaturalistaa permite compreender a lei comosendo o ato especfico mediante o qual se explicita a racionalidade do Estado. A lei, enquanto geral eabstrata, emana do Legislativo, representante da vontade geral (conceito muito trabalhado por Rousseau), distinto do decreto do Prncipe, pois o que caracteriza o Estado, dentro da concepo jusnaturalista, precisamente o poder exclusivo de fazer leis.

    WEBER (1994), considera a racionalizao do Estado, ou seja, das formas de dominao,caracterstica fundamental da formao do Estado Moderno, passando pela reduo de toda a formade direito ao direito estatal, a ponto de restar to somente o direito natural do indivduo (reconhecidoe tutelado pelo Estado) inserido no direito estatal, que direito positivado.

    Assim, se o Estado Moderno, segundo WEBER (1994), tende a optar por um modelo dedominao racional-legal, o jusnaturalismo fundamenta juridicamente essa autoridade racional, pelasseguintes caractersticas:

    primado da lei sobre os costumes e a jurisprudncia relaes impessoais entre o Prncipe e os funcionrios, caracterstica da forma burocrtica de

    organizao do Estado relaes impessoais entre funcionrios e os sditos, e depois entre funcionrios e cidados,

    caractersticas do Estado de Direito laicizao do Estado e subordinao do soberano s leis naturais que so as leis da razo concepo antipaternalista do poder, cuja meta no a de fazer os sditos felizes, mas sim de

    faz-los livres, dentro dos limites do DireitoEsse modelo de Estado. proposto pelo jusnaturalismo tem como bases duas concepes

    essenciais, quais sejam: uma concepo individualista do Estado , que passa a ser considerado como a somatria de

    cada indivduo que o compe; uma concepo estatista da sociedade , que a partir do jusnaturalismo passa a ser entendida

    como artificialmente criada a partir da racionalidade do Estado.

    6. Esses conceitos so oriundos do direito romano, tendo sido largarmente adotados na Idade Mdia.7. Oriundo da filosofia de Emmanuel Kant, significa, de forma simplificada, um dever moral que se impe por si mesmo, independentemente das

    preferncias do sujeito ou de sua utilidade para o bem-estar pblico ou privado.

    A natureza do contrato: divergncias e convergnciasConforme anteriormente afirmado, o modelo contratualista parte da premissa, comum a todos

    :os autores, de que o princpio de legitimao das sociedades polticas exclusivamente o consenso.Esse consenso por sua vez, decorre do contrato, expresso ou tcito, firmado pelos homens entre si, nosentido de concederem a um deles, ou a uma assemblia deles, a capacidade de fazer as leis e deimpor o seu cumprimento a todos os membros da comunidade.

    O contratualismo moderno, aquele desenvolvido por, Hobbes, Locke e Rousseau, apresentadivergncias quanto ao modelo de realizao e quanto ao contedo do pacto. A historicidade do ato,ou seja, se a transio entre o estado de, natureza e o estado civil ocorreu factualmente, num momento

    especfico do tempo, secundria, tendo em vista que o contrato concebido como uma necessidadeda razo, eis que o contrato original o nico princpio de legitimao vlido para o exerccio

    17

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    18/45

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    19/45

    alienao dos direitos naturais em favor do poder assim constitudo; e, em segundo lugar, que noadmite que o Soberano possa estar acima das leis civis, pois isso o colocaria em estado de natureza.

    Poder indivisvel ou divisvel

    Nenhum dos trs autores admite a. diviso da soberania. O que eles admitem to somente o

    exerccio das funes soberanas do Estado (Executivo, Legislativo e Judicirio) por organismosdiversos. Particularmente Locke e Rousseau consideram o Poder Legislativo superior aos demais,enquanto Hobbes tende a concentrar a soberania no Poder Executivo. Todavia, nenhum dos trsadmite o Governo misto8.

    Poder soberano irresistvel ou resistvel Nesse aspecto em particular, duas posies surgem, conforme se considera como mal extremo a

    ser evita, ou a tirania (exacerbao do poder exercido pelo Soberano em detrimento dos direitos dosindivduos) ou a anarquia (ampliao exacerbada da esfera de liberdade privada em detrimento do bem comum e da autoridade do Soberano):

    o contra a tirania : Locke considera a tirania o primeiro mal, devendo os sditos desconhecer eresistir ao Soberano quando ele, extravasa os limites do contrato social ou desrespeita os direitosnaturais dos indivduos; para Locke, o mau governo passvel de resistncia, dado que trata seussditos no como homens racionais, mas como escravos.

    contra a anarquia : Hobbes sustenta a obedincia incondicional; admite, contudo, que ousurpador no merece obedincia e, deve ser combatido como inimigo; considera mau governo aqueleque no capaz de proteger os seus sditos, cuja obrigao perante o Soberano dura enquanto durar o poder deste de proteger os sditos.

    A posio de Rousseau mais ambgua. Posto diante do dilema fundamental para qualquer teoria racional do Estado, qual seja, equacionar dois bens fundamentais aparentemente contraditrios,a obedincia ao poder soberano e a liberdade dos sditos, o autor reafirma a liberdade como bem

    prioritrio, mas ao mesmo tempo defende o dever de obedincia absoluta, na medida em que entende por obedincia a submisso lei que cada um prescreve para si mesmo, o que consistiria, paradoxalmente, na liberdade (BOBBIO & BOVERO, 1994).

    8. Governo misto e tripartio de poderes soberanos do Estado so duas coisas diferentes: no Governo misto temos a diviso da soberania que repousaem entes distintos, geralmente representando diferentes categorias de cidados, cada um dotado de soberania prpria e distinta dos demais; natripartio de poderes, temos um s ente soberano, cujas funes tpicas, de fazer leis, executar as leis e dizer o direito so exercidas mediantedelegao por organismos independentes e harmnicos entre si.

    DISTINO PBLICO E PRIVADO, CULTURA POLTICA, PARTICIPAO o pblico uma esfera? Uma esfera pblica? Sobre qual conceito se constitui essa esfera?

    Podemos pensar na idia neutra de um espao? Se um espao, sob que regras constitui a suaocupao? Estas regras dizem respeito a que atores? Exclui-se alguns? Poucos? Muitos? Quase todos?Que pblico participa do pblico? Quais meios tecnolgicos so utilizados na sua constituio?Tratam-se de algumas perguntas, outras ainda poderiam ser feitas e respond-las no uma tarefa tofcil.

    Vamos imaginar uma metfora associando a idia de pblico a um espetculo teatral. Veremosque num espetculo de um lado existe os atores e de outro o pblico. O enredo, o roteiro desteespetculo pde ter um ou mais de um autor.. O pblico,, de modo geral, no obrigado

    compulsoriamente a assistir ao espetculo, ? Geralmente para se ter acesso como pblico a umespetculo, temos muitas vezes que pagar ingresso; raramente um bom espetculo, com bons atores de graa.

    19

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    20/45

    Nessa pequena metfora, j podemos detectar alguns problemas. O primeiro o de existir deum ladoatores e de outro pblico . Aqui, o pblico movido por um determinado interesse pode ser nomximo um bom espectador, atento mas espectador mais ou menos passivo em relao a trama queengendra o espetculo? Os atores expressam um roteiro que podem possuir um ou mais autores. Nessa metfora h claramente uma dissociao entre autor e ator. Nesse espetculo especfico, o autor s comunica com o pblico indiretamente atravs dos atores que traduzem a sua criao.

    Para dar lgica e beleza ao espetculo, existem vrios suplementos (luzes, cenrios, etc.). H,tambm, toda uma organizao que d suporte ao espetculo. Temos a figura dodiretor , como umgerente capaz de dar eficcia na relao da criao, do autor com o pblico atravs da tramadesenvolvida pelos atores. Tambm temos a, figura, dos semi-artistas (maquiadores, estilistas,elaboradores de cenrios e de figurinos); ainda temos ostrabalhadores braais , construtores decenrios, carregadores, responsveis pela limpeza, pela portaria, pela bilheteria, etc. Isso demonstraque na construo de um espetculo existe uma rede diferenciada de interesses e uma intrincadadiviso de trabalho.

    A partir dessas indagaes, podemos agora penetrar um pouco mais nos estudos clssicos jrealizados sobre essa complicada problemtica e a heterognea rede de relaes entre a esfera pblicae a esfera privada.

    Uma posio geralmente muito utilizada nos estudos clssicos a abordagem de contraposio,ou seja, a idia de pblico s tem sentido em contraste com a idia de privado e vice-versa. Assim,segundo esses autores, temos de um lado o privado, que.est sob a minha inteira governabilidadeindividual, o que meu, do tipo: minha famlia, minhas propriedades, meus e minhas amigas,minha corporao2,.., para esses autores, essa governabilidade no pode estar implicada mimaextenso ilimitada do eu. Por exemplo, se sou um grande proprietrio de terras, o pblico no poderse reduzir a construo de um poder comum entre todos os proprietrios de terras que tenha apenas por objetivo garantir que as minhas propriedades continuem sendo minhas.

    Nesta perspectiva, numa sociedade com vrios e diferentes privados, o poder pblico no poder atender apenas uma pequena parcela privada de interesses. A construo de um poder pblico

    se expressa numa rede complexa de interesses privados, bem mais abrangente, por exemplo, do queuma espcie de sindicato de proprietrios de terras. E essa questo que encontramos em Duarte (1965)quando esse autor constata a privatizao da organizao poltica nacional, independente de quevenhamos ou no a concordar com algumas suas concluses.

    Dentro dessa . mesma abordagem, quando uma determinada parcela de atores buscam associar seus interesses particulares com o interesse pblico, universalizando para todos d valores, a cultura eos interesses particulares que so apenas seus, temos, para esses autores, uma absoluta substituio do pblico pelo privado, ou mais especificamente, uma privatizao do pblico. Assim, utilizando nossametfora do espetculo, o pblico um espao onde o ator se apropria do espao do pblico, sendo aomesmo tempo ator e pblico.

    Outros autores se perguntam sobre quem dar o suporte organizacional e os meios para

    realizao deste espao pblico? A no ser que no exista mais a esfera privada e que toda ela tenhase fundido na esfera pblica, onde o pblico como um no-privado deixou de existir, nonecessitaramos de um suporte organizacional para sua realizao?

    Aqui podemos inserir a preocupao terica de Raimundo Faoro (1991) quando este afirma que, por decorrncias histricas e culturais que se originam na especificidade da formao social portuguesa colonizadora, um estamento burocrtico no Brasil privatizou o poder e determina asregras, convida quem quer para os espetculos, ele o dono do poder pblico. Em suma, foram osresponsveis a darem suporte ao espetculo que acabaram por privatizar o espao pblico.

    E possvel um espao pblico neutro capaz de possibilitar o trnsito de todos os interesses particulares e conflituosos? Os responsveis pela construo e execuo desta esfera pblica no estotambm sujeitos a interesses particulares e, neste sentido, no teria Faoro uma boa dose de razo?

    Um outro ngulo de ver a questo sobre a mesma perspectiva encontramos em diversos autoresassumem quando estes abordam a idia de pblico como uma simples extenso do privado. Aquialguns autores criticam a perspectiva privatista do pblico por seus interlocutores no realizarem um

    20

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    21/45

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    22/45

    A noo de que a sociedade civil composta por bestas incapazes de um autogoverno estmuito presente na cultura poltica brasileira.

    A decorrncia deste fato a necessidade de uma elite civilizada no Estado que tem comomisso histrica salvar e civilizar o pas. O Estado passa a ser um ente, que por imanncia progressista, e moderno pela sua prpria natureza.

    A social democracia viu no Estado um espao com possibilidade de realizar uma condensao

    de foras capai de fundir o social no prprio Estado. Neste sentido, a questo social era uma questodo Estado. Porm, esta condensao de foras produto de uma trade pactualizada com um fortesindicalismo nacional, de agentes econmicos oligopolizados e de uma burocracia estatal centralizadae competente o suficiente para dar funcionalidade e socializar os ganhos do processo deindustrializao, entretanto, sem ferir os interesses que pudessem decompor este pacto.

    No Brasil, certamente isto no ocorreu. O Estado foi. um dos motores fundamentais derealizao de uma infra-estrutura industrial. A velha noo planificadora onde existe um Estado que sujeito e uma sociedade que objeto implicou uma relao autoritria com a sociedade civil.

    Muito do vis do estatismo autoritrio da cultura comunista e socialista. vem desta lgicaimanente e progressista do Estado, a ponto de muitas vezes querer reduzir a estratgia poltica dosocialismo a um simples ataque frontal ao Estado, para impor um novo perfil no processo poltico d pas.

    A conseqncia desta lgica a criao ilusria de uma racionalidade anticapitalista do Estado brasileiro, como se este fosse uma realizao do no-mercado, capaz de impor um controle total eabsoluto ao desenvolvimento moderno frente ao arcasmo vigente no pas. Urna racionalidadecapaz de impor, regular e tutelar a sociedade civil. Esta lgica, marcou profundamente a formaocultural do projeto de modernizao industrial e inclusive a cultura poltica socialista do pas.

    Esta fuso mecnica do pblico rio Estado permite indagar se a soluo autoritria da esfera pblica no Brasil no muito mais uma consequncia da ausncia de urna slida cultura democrticano pas.

    Neste sentido, o trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos profundamente original. Oautor, indagando sobre o perodo de crise do governo Goulart comenta: (...) os objetivos visados pelanova verso doautoritarismo instrumental eram a interveno do Estado, o nacionalismo e o maior avano possvel em direo ao socialismo. (Santos, 1978. p 107) (grifos do autor do trabalho)

    No Brasil, at mesmo para ser democrata, era necessrio instaurar um regime polticoautoritrio. Segundo os princpios dos liberais doutrinrios, mas tambm para os socialistasautoritrios, um regime forte seria um instrumento da modernizao para uns e a consolidao dademocracia poltica para outros, porm num indeterminado futuro prximo. O conceito de Santos(1978), do autoritarismo instrumental, marca a predominncia de uma racionalidade que separa meiosde fins, que normatiza impositivamente os conflitos sociais e que impede a construo de uma esfera pblica democrtica no pas.

    Apesar disto, discordamos do autor quando diz: constituiria grosseira simplificao supor que

    a burocracia pblica est a para abandonar-se a dinmica do privatismo (Santos, 1978. p 116). E dizser: improvvel que a viso estritamente capitalista venha se impor monoliticamente. (Santos, 1978. p 116). Tambm discordamos de Carvalho (1980) quando defendeu impossibilidade de a elite poltica(mesmo a imperial) ser um mero reflexo dos interesses econmicos. necessrio proceder com maior cautela sobre estas afirmaes. No cremos ser a burocracia ou a elite no Estado um ator com tantaautonomia assim. Longe de considerar o Estado um simples escritrio gestor dos interesses privados,devemos nos conduzir sobre esta vinculao com pressupostos mais convincentes em relao a essaautonomia do corporativismo estatal.

    Quais seriam estes pressupostos? Desenvolv-los no tarefa fcil. As pistas dadas por Diniz eBoschi (1981) permitem afirmar que o corporativismo estatal tem uma autonomia muito mais relativado que se supe, e suas decises so processos de presses estruturados em conflitos existentes na

    sociedade brasileira. O modo atravs do qual os canais se encontram fechados para os trabalhadores e,sobretudo, para amplas parcelas de urna economia clandestina e subterrnea imps uma

    22

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    23/45

    institucionalizao do pblico que consagrou o que os autores chamam de desigualdade estruturalno acesso dos processos de tomada de decises pblicas.

    A prpria articulao direta entre os interesses do corporativismo estatal com a sociedade civilimpossibilitou e fragilizou as mediaes intermedirias que seria, segundo o autores, um papel a ser realizado pelos partidos polticos. Discordamos dessa afirmao, entretanto pensamos que podemosseguir as pistas de Diniz e Boschi (1981) que elas podero levar-nos a algumas novas revelaes e

    distanciarmos em relao s proposies de Santos sobre a burocracia estatal e de Carvalho sobre.aelite imperial, mesmo que Carvalho (1980) e Diniz e Boschi estejam tratando de perodos distintos,historicamente determinados.

    Retomemos a Nestor Duarte. No pretendemos simplificar a inexistncia de lima esfera pblicano pas apenas pela confuso do pblico com o privado, porm esta esfera pblica no Brasil semprefoi um espetculo onde participava ativamente um pblico muito reduzido. Neste sentido, as preocupaes de Duarte (1965) so importantes, no pelo fato de universalizarmos simplificadamenteo patrimonialismo para todas as regies do pas, mas por atentarmos para sua preocupao principal,que a privatizao da esfera pblica no pas.

    Quando os neoliberais tupiniquins afirmam, com todas as letras, vamos privatizar o pblico noBrasil (entendendo este apenas como ao econmica do Estado no mercado empresarial), as coisasficam no mnimo um pouco engraadas. Como possvel privatizar ainda mais o pblico no pas?

    Talvez, se a cultura poltica socialista rompesse suas relaes mal resolvidas com a democraciae sua rigidez moralista frente a idia de mercado, ficaria certamente em melhor posio para defender uma construo ampliada e democrtica da esfera pblica no Brasil em contraposio ao projetoneoliberal. Enquanto a cultura socialista estiver amarrada a uma racionalidade imanente da realizaodo no-mercado no Estado, estar impotente para responder com profundidade aos problemaslevantados pelo neoliberalismo, problemas a que este ltimo responde superficialmente, como seexistisse um nico e uma nica lgica de mercado atravs do qual, pelo equilbrio da oferta e da procura, encontrar-se-ia a soluo mgica da nova modernidade e do prprio fim da histria.

    (Fonte: http://www.humanas.unisinos.br/disciplinas/politica/publico/geralpub.htm)

    REPRESENTAO, DEMOCRACIA, CULTURA POLTICA, GOVERNABILIDADE

    Essas relaes entre conflito e consenso terminam por balizar a lgica de ao poltica dogoverno atual, no Brasil: transio apoiada em fundamentos macroeconmicos e construda em regrasde governabilidade democrtica. Para alcanar nveis de sustentabilidade de desenvolvimento eincluso social dentro de prazos relativamente curtos (primeira metade do mandato).

    Mas a dimenso da governabilidade envolve a questo das democracias majoritrias ouconsensuais, abordada por Arend Lijphart, em seu recente Modelos de Democracia, no qual o autor analisa desempenho e padres de governo em trinta e seis pases. O modelo de democracia majoritria

    concentra o poder nas mos de pequena maioria ou de maioria simples, ao invs de maioria absoluta.Por sua vez, o modelo de democracia consensual tenta compartilhar, dispersar e limitar o poder devrias maneiras. O modelo majoritrio mais competitivo. E o modelo consensual mais negocial, porque proporciona participao mais ampla das pessoas na tomada de decises e tenta melhor representar as minorias.

    No modelo de democracia majoritrio o governo pode ser capaz de produzir decises maisrpidas do que o governo no modelo de democracia de consenso. Mas decises rpidas no significamnecessariamente decises sbias. Por outro lado, segundo Finer, no caso da gesto macroeconmica,as polticas apoiadas por amplo consenso tm mais probabilidade de se realizarem com sucesso e permanecer duradouramente do que as polticas impostas por governo com grande poder de decisocontra desejos de expressivos setores cia sociedade.

    No campo da manuteno da paz civil, em sociedades divididas, Lijphart defende queconciliao e acordo, objetivos que requerem maior incluso possvel de grupos rivais nas decises,so mais importantes do que adotar decises rpidas. O autor acentua tambm que generosidade e

    23

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    24/45

    benevolncia so atributos de governo no modelo de democracia de consenso. E favorecem a adoode polticas de proteo do meio-ambiente de proibio da pena de morte e de assistncia econmicas naes em desenvolvimento.

    Nesse contexto, a descoberta de espaos de concordncia ser mais construtiva do que a pressaque se obtm simplesmente com maioria na contagem de votos. Porque, por meio de consenso, possvel agregar mais harmonia como valor no resultado final. Como disse um professor nigeriano,

    citado por Lijphart, poltica jamais deve constituir jogo de soma zero.O modelo consensual apresenta como principais caractersticas: Partilha do Poder Executivo por meio de gabinetes de ampla coalizo Sistema multipartidrio Corporativismo de grupos de interesse Bicameralismo Rigidez nas alteraes da Constituio Independncia do Banco CentralAo se observar o comportamento poltico do governo Lula, v-se que ele est mais prximo do

    modelo consensual. A imensa capacidade de escutar do presidente parece se refletir na posturaouvinte de sua equipe. E a paciente considerao do governo em relao a problemas antigos ecomplexos, pode ser via para construir solues pedagogicamente.

    Nesse sentido, conforme o esprito do modelo de democracia de consenso, construir soluesno ser apenas achar, a qualquer custo, sada para problemas de gesto poltica. Mas ser sobretudocaminho para tentar agregar valor poltico ao processo de governabilidade.

    A poltica do governo de produzir crculos de consenso pode se transformar, na esfera participativa, em complemento da democracia representativa. E pode constituir tambm vetor dequalificao poltica em alternativas e contribuies ao debate. Ao buscar consenso em instnciassociais, o governo atua em duas direes: de um lado, amplifica a voz de segmentos da sociedade procurando gerar vnculos de lealdade, na linha defendida por Hirschman. Aqui, talvez o exemplomais prximo seja o do dilogo aberto com as Centrais Sindicais. De outro, mobiliza recursos sociaise polticos em beneficio da poltica de mudanas. Neste caso, o governo, fornece moldura para quesociedade e instituies engrossem seus anseios de avano social em face do Congresso Nacional. E oexemplo mais recente pode. ser o da participao dos governadores na reforma da Previdncia.

    Na perspectiva do governo Lula, poltica de consenso pode ser caracterstica que se acrescenta aum perfil poltico, ao lado .da estabilidade na economia, da governabilidade e da incluso social.Enquanto estas funcionam como ncoras, a poltica de consenso opera como bssola, identificando possibilidades e limites na realidade.

    A idia de arranjos consociativos de poder tem sido tratada na cincia poltica sobretudo por Arend Lijphart, em numerosos textos. Consociativismo a frmula prtica encontrada por pasesdivididos por clivagens religiosas, tnicas, raciais ou regionais para permanecerem como uma nicacomunidade poltica democrtica. As duas caractersticas principais e complementares da chamada

    democracia consociativa so a formao de uma grande coalizo e a autonomia segmental. Asdecises sobre assuntos comuns so compartilhadas pelos representantes dos diversos segmentos, e asdemais decises ficam no mbito destes segmentos. Adicionalmente, a democracia consociativacaracteriza-se pela proporcionalidade na representao poltica e nomeaes de servio pblico edestinao de recursos pblicos e o veto da minoria com relao a assuntos vitais para ela. Lijphartcontrasta esse tipo de arranjo ao da democracia majoritria, em que, em princpio, a maioria leva tudoe seria difcil de aplicar em sociedades com as caractersticas acima arroladas.

    Um dos centros das atenes dos estudiosos da poltica nas ltimas dcadas tem sido ademocracia. E no poderia ser diferente, uma vez que a inveno democrtica foi fruto de um Mistode proposio intelectual normativa, em certa medida idealista, com uma profunda ligao orgnicade seus fundadores com o mundo em que viviam. Nos pases que foram gestores e bero desta

    construo simbitica de capitalismo e democracia, como a Inglaterra e os Estados Unidos, essesistema poltico faz parte do cotidiano das pessoas. A valorizao do sistema democrtico foiinternalizada pelos cidados desses pases, atravs de um slido processo de socializao poltica.

    24

  • 7/31/2019 CONCEITOS BSICOS DE CINCIA POLTICA

    25/45

    A realidade latino-americana, entretanto, substancial e historicamente diferente. Por exemplo,aqui o surgimento do capitalismo se deu sem que existisse uma base social, poltica, econmica ouideolgica de cunho liberal. Dessa forma, ao contrrio do que acontece com os povos chamadosdesenvolvidos, a democracia liberal no to natural na Amrica Latina. No sem fundamento, portanto, o questionamento das bases de legitimao da democracia em seu modelo liberal entre ns.As interrogaes sobre o que se entende por democracia e quais so as condies e vias possveis para

    a sua consolidao nos pases latino-americanos tm produzido debates em mltiplas dimenses. Pararesolver esse impasse, talvez a melhor soluo seja a diviso analtica de democracia em duas perspectivas (no mutuamente exclusivas): uma, que prioriza seus aspectos formais ou suassingularidades; outra, que prioriza (ou centraliza a ateno em) o seu contedo.

    Essa diviso foi utilizada em detrimento de outras talvez mais usuais, como, por exemplo, o binmio democracia majoritria-consensual (ou consociacional) de Lijphart (1984), ou a divisominimalista versus maximalista, de Di Palma (apud Moiss, 1995), por parecer mais adequada a umestudo sobre a Amrica Latina, onde a democracia como regra tem se restringido aos seus procedimentos, e por no sugerir a existncia de um gradiente de democracia, quando o que pareceocorrer , em realidade, uma dicotomia. Por outro lado, essa diviso analtica permite a constataoemprica dos paradoxos tratados neste trabalho, bem como a operacionalizao do conceito de.democracia, a partir de uma perspectiva de Cultura Poltica.

    Em um extremo da diviso conceituai realizada, esto as concepes que entendem democraciacomo princpios a serem seguidos ou respeitados. Para elas, mais que saber ou estudar como funcionauma democracia real ou procurar listar requisitos mnimos que a caracterizariam; importaria definir ou caracterizar os seus limites substantivos. Dito de outra forma, a democracia no se limitaria existncia de determinadas regras, procedimentos e ritos, mas fundamentalmente qualidade a elainerente. .

    Dentro dessa perspectiva, democracia no poderia receber qualquer tipo de adjetivao: ou asociedade seria democrtica, ou no. Assim, com base nessa concepo, de forma alguma se poderia pensar na existncia de uma democracia relativa (eufemismo criado durante o regime militar brasileiro), na qual algumas regras, procedimentos ou princpios estivessem sendo respeitados emdetrimento de outros. possvel, defendendo a mesma perspectiva, argumentar em sentidoexatamente inversa, como faz Augustin Cueva (1988): a democracia realmente existente necessitariade qualificativos para dar-lhe um real contedo, como, por exemplo, atravs da sua vinculao com oEstado de Bem-Estar.

    Uma outra caracterstica deste enfoque de democracia como contedo (na realidade, seucorolrio) o entendimento de que ela um meio de resoluo de problemas polticos, no um fimem si: ao serem enfatizadas a tecnologia eleitoral, as instituies e os procedimentos formais, seestaria invertendo esta premissa.

    No outro Extremo da diviso proposta, encontramos a democracia como forma. O termo forma utilizado aqui como Bobbio (1989, p. 157-8) o empregou, ou seja, limitando o conceito de

    democracia basicamente s suas regras, aos seus procedimentos e aos seus ritos. Assim considerada, ademocracia nada mais seria que um conjunto de regras (primrias ou fundamentais) que estabelecemquem est autorizado a tomar as decises coletivas e com que procedimentos.

    Joseph Schumpeter, por sua vez, escreveu um profundo tratado, no qual realiza uma crtica concepo clssica de democracia. Para tanto, utilizou conceitos de sociologia poltica que os autoresclssicos desconheciam, como socialismo e classes, entre outros. Em seu trabalho, fica implcita anecessidade de operacionalizao do conceito de democracia, ao vincular uma determinada forma (deadquirir o poder) a uma determinada funo (tomada de decises polticas). Nesse sentido, a questode forma toma relevncia por ser um modo (institucional) de resolver uma funo, cuja necessidadede resoluo, de sua parte, independe das regras que a sociedade adota para a sua consecuo. Dito deoutra forma, o conceito de democracia estaria intrinsecamente ligado a uma opo social. E conclui

    quando se refere ao mtodo democrtico, enfatizando que no existe (..) nenhuma razo geral contraou a favor dele (Idem, p. 352). Ou seja, o que caracterizaria a democ